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ENTREVISTA: MICHEL PINHO, GESTÃO NA FUMBEL

ENTREVISTA

FUMBEL: DESAFIOS PARA UMA POLÍTICA CULTURAL

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DEPOIS DE 16 ANOS DE INSATISFAÇÃO, A ÁREA CULTURAL APLAUDIU A INDICAÇÃO DE EDMILSON RODRIGUES À PRESIDÊNCIA DA FUNDAÇÃO CULTURAL DO MUNICÍPIO DE BELÉM, ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELA POLÍTICA CULTURAL E DE PATRIMÔNIO DA CAPITAL PARAENSE.

Por WANDERSON LOBATO Fotos: CLÁUDIO FERREIRA

Ele tem uma paixão declarada por Belém em suas atividades de pesquisa e compartilhamento de informações e afetos, como costuma dizer. Além de se manter sempre ativo nas redes sociais, com milhares de seguidores, que muitas vezes também acompanhavam suas caminhadas históricas pela cidade.

Michel Pinho é bacharel e licenciado pleno pela UFPA. Começou a fotografar nas oficinas da Associação Fotoativa entre 2006 e 2011, período em que também fez parte da diretoria do lugar, como secretário executivo, vice-presidente e presidente. Desenvolveu e coordenou jornadas fotográficas, cursos, criou editais de incentivo ao audiovisual, planejou e executou o projeto Ver-te Belém Histórica, premiado em edital do antigo Ministério da Cultura.

Há seis meses à frente da Fumbel, Michel Pinho, como gestor público, precisa fortalecer as políticas públicas da cultura da cidade, negligenciadas nos últimos 16 anos, além de cuidar do patrimônio cultural material e imaterial que ele sempre defendeu ao longo de sua jornada como cidadão.

“Rapaz, eu imaginava que ia enfrentar “x”, estou encarando “5x”, brinca logo que nos encontra para este bate-papo numa manhã movimentada na sede da Fundação, que permanece ocupando o Memorial dos Povos Imigrantes. Na entrevista a seguir, o historiador, fotógrafo e professor, mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura, nos falou dos desafios e planos para sua gestão.

MICHEL PINHO

COMO TEM SIDO O TRABALHO NESTES PRI-

MEIROS MESES À FRENTE DA FUMBEL?

Michel Pinho: Muito importante falar que foram meses de aprendizado. Nos últimos 16 anos, ela foi uma Fundação que se preocupou muito pontualmente com as questões da cultura da cidade. A ideia desses trabalhos nos últimos seis meses foi tirá-la do que habitualmente ela pensava.

Nós demos uma atenção muito especial às festas tradicionais, como o Carnaval, estamos dando às festas juninas, aos pássaros, às toadas, aos bois e também é preciso pensar a cidade. Como é possível pensar a cidade? Por meio dos projetos que estão saindo do forno no sentido de pensar o Centro Histórico, que é nossa atribuição, para que ele seja de todos. Para que a gente olhe para ele também e veja nele um espaço de identidade social.

A Fumbel, nesta gestão, assume a condição de mecanismo público e sua atuação no Centro Histórico de Belém. Projetos que desenvolvam ações no campo da cultura, da moradia, da mobilidade e saneamento, segurança e urbanismo voltados para a população que devolva à cidade parte da orla da Cidade Velha.

UMA DAS SUAS PRIMEIRAS AÇÕES AO

ASSUMIR A GESTÃO FOI VISITAR ALGUNS

ESPAÇOS CULTURAIS COMO O MUSEU

DE ARTE DE BELÉM, O MUSEU DE ARTE

DE BELÉM, O CINEMA OLYMPIA, ENTRE

OUTROS. FALE UM POUCO SOBRE ESSE

TRABALHO DE RECONHECIMENTO.

MP: A primeira tomada de ação foi visitar os espaços de competência da Fumbel e fazer um relatório para a equipe de transição. E o Mabe ganhou especial atenção da Fumbel e do prefeito porque nele está a maior representação da identidade administrativa da cidade de Belém desde o final do século XIX. Isso se dá com uma reforma completa do Mabe. Essa reforma está andando, mas é mais curioso dizer também que as ações do Museu não deixaram de ser feitas. Porque o Museu também já fez ação mesmo passando por reforma.

COMO ESTÁ SENDO O OLHAR DA FUMBEL

PARA A PERIFERIA?

MP: Essa é a mais grata surpresa desses últimos seis meses. A possibilidade da gente trazer a cultura para ações fora do centro de Belém. Para áreas que são fundamentais e importantes que merecem esse olhar. Vou citar A Fumbel nesta gestão assume a condição de mecanismo público e sua atuação no Centro Histórico de Belém. Projetos que desenvolvam ações no campo da cultura, da moradia, da mobilidade e saneamento, segurança e urbanismo voltados para a população que devolva à cidade parte da orla da Cidade Velha”.

três: as visitas monitoradas que continuamos a fazer à biblioteca Avertano Rocha em Icoaraci, para que lá seja um polo de cultura ligado à educação, ligado ao livro e à leitura.

A ação que fechamos com a Semec (Secretaria Municipal de Educação e Cultura), para que a biblioteca do Tapanã seja um polo de cultura também com teatro, cinema, e que vai atender a escolas municipais; o projeto da Guarda Municipal chamado Anjo da Guarda e o projeto, também, de apoio às bibliotecas comunitárias. É um acordo entre a UEPA (Universidade do Estado do Pará), UFPA (Universidade Federal do Pará) e o IPHAN (Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional), que leva livros para bibliotecas comunitárias.

A SOCIEDADE CIVIL, POR MEIO DO FÓRUM

DE CULTURAS DO PARÁ, TEM FEITO SUGES-

TÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DAS

AÇÕES DA FUMBEL. QUAIS OS AVANÇOS

DESSE DIÁLOGO?

MP: Acho que a Fumbel respira o que a cidade respira. A Fumbel respira arte, a Fumbel respira patrimônio, a Fumbel respira a possibilidade de diálogo, então esses acordos e esses apoios, eles vão acontecer de forma absolutamente natural. E são importantes para fortalecer o que Belém tem, que é uma cultura muito pulsante. E que as pessoas se identificam com ela. E o Fórum apresentou suas demandas para a Prefeitura e estamos analisando sua viabilidade.

SOBRE A CRIAÇÃO DO SISTEMA MUNICIPAL

DE CULTURA, COMO ESTÁ O ANDAMENTO

DESSA PAUTA IMPORTANTE PARA O SETOR

EM BELÉM?

MP: O Sistema Municipal de Cultura é a concretização do sonho mais evidente da democratização do acesso por parte da população fazedora de artes e ofícios, o atual Conselho vai encerrar seu mandato e teremos novas eleições neste segundo semestre.

HÁ INÚMEROS IMÓVEIS ABANDONADOS NO

CENTRO HISTÓRICO E O IPHAN ESTAVA EM

DIÁLOGO COM A COMPANHIA DE HABITA-

ÇÃO (COHAB) PARA A UTILIZAÇÃO DESTES

COMO MORADIA SOCIAL. A FUMBEL ESTÁ

ACOMPANHANDO ESTA QUESTÃO?

MP: Grande parte desses imóveis está ligada a particulares. O que nós percebemos e acho que isso é uma grande discussão. O interesse ou a falta de interesse desses particulares no sentido de preservar e cuidar de seus bens. E aí é uma política pública mesmo, mas aí a gente não pode deixar de entender que esse indivíduo, que é portador desse bem, precisa zelar por ele. O telhado, a pintura, os azulejos fazem parte de sua propriedade e o que a Prefeitura pode fazer é desenvolver políticas públicas, como o IPTU progressivo, para que essa pessoa pague um valor cada vez menor se ele cuidar mais desse bem.

A CRIAÇÃO DE UM TEATRO MUNICIPAL É

UM DOS ANSEIOS DA CLASSE ARTÍSTICA.

POUCOS SABEM, MAS HÁ UM PRÉDIO DES-

TINADO PARA ISSO AO LADO DO ANTIGO

COLÉGIO DO CARMO, O PAÇO MUNICIPAL.

VAI SER POSSÍVEL REALIZAR ESSA OBRA?

MP: Esta é uma questão delicada. Por quê? O Paço Municipal, que tem um projeto para ser o teatro municipal, está sob a guarda da nova associação religiosa que cuida do Colégio do Carmo (Sementes do Verbo). E fiquei muito feliz com a ligação das responsáveis me perguntando quais medidas ela deveria tomar para preservar o espaço. Então, nesse momento em que a gente não tem aporte financeiro, uma instituição da sociedade civil preocupada em preservar um bem, a gente tem que tirar o chapéu.

COMO ESTÃO AS REFORMAS QUE ESTAVAM

PREVISTAS DENTRO DO PAC CIDADES

HISTÓRICAS? ACOMPANHANDO O SISTEMA

ELETRÔNICO DE INFORMAÇÕES (SEI),

DO IPHAN, É POSSÍVEL SABER QUE

ALGUMAS DESSAS OBRAS TIVERAM SUAS

PRESTAÇÕES DE CONTAS PARCIALMENTE

APROVADAS. VOCÊ ESTÁ SABENDO DESTA

SITUAÇÃO?

MP: Ainda não. O que a gente está fazendo é vendo outras rubricas, outros tipos de financiamento para tocar essas obras. Mas é muito difícil porque a gente vive num momento da própria Prefeitura em que a pandemia trouxe gargalos econômicos impensáveis, mas isso não quer dizer que a gente vá baixar a cabeça. A gente tá

tentando aí toda sorte de financiamento para que essas obras saiam num tempo que seja possível, que a gente consiga desenvolver ações culturais nelas.

DESDE 2016 QUE A FUMBEL ESTÁ SEM

SEDE PRÓPRIA, OCUPANDO O MEMORIAL

DOS POVOS, ENQUANTO O PRÉDIO ANTIGO

ESTÁ PRATICAMENTE DESMORONANDO

NO COMPLEXO FELIZ LUSITÂNIA. O ÓRGÃO

PERMANECERÁ AQUI NESTA GESTÃO

TAMBÉM?

MP: Aquele prédio é da Funpapa. Foi cedido para Fumbel e, após o incêndio, a Fundação foi transferida para o Memorial dos Povos Imigrantes. Isso não quer dizer que a gente esteja feliz. Entre os meses de fevereiro e março, eu visitei muitos imóveis que podem abrigar a Fumbel para que a gente devolva à sociedade civil esse espaço expositivo.

Por que isso é importante? Porque o município não tem espaço expositivo, o município não tem espaço em que possa desenvolver a fotografia, as artes visuais, a projeção de um modo mais contemporâneo e esse espaço foi pensado para isso. Aqui vai ser reativado (falando sobre o anfiteatro). As programações já estão todas prontinhas. Tá ‘tudo na agulha’. Só falta esperar a mudança do bandeiramento, porque tem uma questão ligada à saúde pública. O Sistema Municipal de Cultura é a concretização do sonho mais evidente da democratização do acesso por parte da população fazedora de artes e ofícios, o atual Conselho vai encerrar seu mandato e teremos novas eleições no segundo semestre.”

COMO A FUMBEL ESTÁ OLHANDO PARA A

REGIÃO DAS ILHAS?

MP: Temos um diálogo muito intenso com a Funbosque, que tem nove unidades nas ilhas. Por que isso brilha meus olhos? Porque, pela Funbosque, podemos levar nossas ações culturais para essas pessoas. Nós já levamos para Caratateua, já levamos livros pro Mestre Apolo, lá na biblioteca comunitária dele. Imagina que nós podemos levar música, levar teatro, contação de história pra Cotijuba, Mosqueiro. Para as ilhas de uma maneira geral. Porque aí você atende a um dos objetivos da Fumbel, que é atingir ao público final, identificar que aquelas pessoas efetivamente não têm acesso a bens culturais.

NOSSAS FEIRAS E MERCADOS TÊM UM

APELO CULTURAL MUITO FORTE. O VER-O-PESO É O MAIOR EXEMPLO. A FUMBEL

PENSA ALGO ESPECÍFICO PARA ESSAS

ÁREAS E POPULAÇÕES?

MP: O que nós fazemos nas feiras e mercados do Centro Histórico são ações culturais. Nós temos feito, nos últimos seis meses, ações aqui no Solar da Beira. Nós tivemos uma atrocidade cometida contra um indígena Tembé (o assassinato de Isac Tembé, dia 12 de fevereiro, na Terra Indígena do Alto Rio Guamá, em Capitão Poço) e, então, nós armamos uma exposição. Recebemos objetos (cocar, braçadeiras, maracás e arco e flecha) e nós anexamos os itens que pertenciam à jovem liderança indígena entregues à PMB e ao acervo do MABE.

Por que estou falando isso? Porque essa relação aconteceu no Ver-o-Peso, dentro do Solar da Beira, mas essa ação poderia ser feita em qualquer feira de Belém. Porque nós entendemos que os nossos elementos culturais ricos de nossa existência estão lá. O cheiro, a comida, a fala, o homem da periferia, a mulher da periferia estão produzindo cultura a mais espontânea possível. Então, dá pra gente pensar muitas ações ao longo dos anos.

HISTORIADOR, FOTÓGRAFO, PROFESSOR,

GESTOR PÚBLICO. COMO VOCÊ SE IDENTI-

FICA HOJE?

MP: Se alguém me perguntasse hoje não sou fotógrafo, não sou professor, não sou historiador. Hoje sou um apaixonado por Belém. Se não tivesse essa entrevista aqui eu ficaria até às duas horas da tarde conversando sobre as características culturais e como é que a cidade nasceu. E existe um desafio. Que é pegar essa paixão, pegar esse desejo de conhecer Belém e divulgar para a maior quantidade de pessoas. E isso já está sendo feito. Nós temos uma comunicação muito ativa aqui, trilíngue. E fazer com que isso se adapte ao mundo da burocracia.

Porque entre o exercício do pensamento e a finalidade, os trâmites burocráticos, os procedimentos que devem salvaguardar a administração pública devem ser respeitados. Isso demora um pouco. Isso é diferente quando você tá na ponta e quer fazer uma coisa, você pega um megafone, quatro pilhas e você vai pra rua e reúne 600 pessoas. É um pouco diferente quando você está na Fumbel, mas você tem a potencialidade de atingir uma cidade inteira. E isso é muito bonito. n

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