Especial LGBT+: confira textos e histórias sobre o tema
Edição 10 - Junho de 2017
Ícaro Trindade, Bella Prudêncio e Jorge Castro são os entrevistados da edição Representatividade e amor próprio nas histórias da
Thati Machado
Sumário
Editorial
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Painel da Literatura Nacional
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Top do Mês
pág. 6
Achei no Wattpad
pág. 8
Amamos Ebooks
pág. 10
Capa
pág. 12
Seu livro não é inclusivo coisa nenhuma!
pág. 16
Uma palavrinha...
pág. 17
Falando nisso...
pág. 18
Editorial F
alar sobre a literatura LGBT+ é mais que uma necessidade. A cada dia que passa, falar sobre representatividade para todas as minorias se torna uma urgência. À medida que ganhamos voz, a intolerância também se mostra. Junho é o mês do orgulho gay, em referência a um evento acontecido em Nova Iorque, 1969. Um grupo de homossexuais estava em um bar gay, Stonewall Inn, permaneceu vários dias confinado dentro do local, em uma forma de protesto à frequente violência que sofriam pela polícia. 28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho Gay e nós não poderíamos deixar esta edição da revista passar batida. Foi pensando nisso que selecionamos cada detalhe dessa Publiquei. Na capa, uma mulher que para nós é símbolo da representatividade na literatura atual, a autora Thati Machado. Também entrevistamos: a Bella Prudêncio, que falou com a gente sobre o Wattpad; o
Ícaro Trindade, autor que publica principalmente na Amazon; e o Jorge Castro, que nos deu uma palavrinha sobre ele e seus livros. O “Painel da Literatura Nacional” trouxe livros incríveis dentro do tema, assim como o TOP do Mês, que destacou o autor Vinicius Grossos, o livro “Os Caminhos de Lumia” e o lançamento “Histórias de Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis”. Este último pode até não falar sobre a literatura LGBT+, mas tem a representatividade como mote principal. Nas nossas colunas, falamos sobre falsos livros inclusivos e sobre o binarismo que até mesmo livros LGBT+ vem pregando. Como mensagem, esperamos que a leitura desta edição possa fazer você abrir um pouco mais a mente e permitir que o respeito à diversidade impere no mundo. Boa leitura!
Organização Carol Dias Paula Tavares
Diagramação Tati Machado
Redação Carol Dias Isabelle Reis Lyli Adams Tati Machado Thayanne Porto
Revisão
Carol Dias Thayanne Porto
Contato
contato@publiqueirevista.com (21) 99575-2012 publiqueirevista.com 4
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alar de literatura LGBT+ é falar desses livros abaixo. Dentre os oito escolhidos para esta edição, conheceremos as histórias de pessoas que se amam (ou não), mas que, acima de tudo, escolheram se amar e viver sua liberdade. Confira:
Você pode conferir todas as sinopses no nosso site! É só acessar publiqueirevista.com e aproveitar todo o nosso conteúdo feito especialmente para você! ;) 5
TOP DO MÊS Em toda edição, uma seleção especial de livros e destaques do mundo literário para você! Por Isabelle Reis
Livro do mês “Os Caminhos de Lumia” traz a atração quase mística de Clara com a cigana que dança na praça da República. Lumia tem cabelos longos, esvoaçantes, aquelas saias típicas de cigana, os movimentos sensuais com a cintura que são hipnotizantes demais para Clara. É claro que ela fica enfeitiçada e quer saber mais sobre a dançarina que cruza seu caminho. Além de um romance lésbico, esta história mostra os costumes da cultura cigana, com suas tradições, formas de trabalho e tudo o mais. Trata o amor de Clara e Lumia com carinho, ternura e uma pitada de sensualidade. Afinal, é uma história sobre cigana, não é mesmo? Porém, as duas têm vidas bem diferentes, afinal, a ciganinha de 20 anos trabalha com o primo e dança
todos os dias, e Clara, bem, ela é uma supervisora de marketing, assumidamente lésbica — a notícia foi bem recebida pela família italiana tradicional, apesar disso — e dá de cara com Lumia, seu mais novo vício. O romance promete exterminar com diversos preconceitos, como julgar as pessoas pela aparência, admirar trabalhos modestos e aceitar o belo amor entre as duas protagonistas. Lara Orlow consegue cativar e trazer um sentimento puro ao ápice dos obstáculos da vida, mas unindo cada vez mais este casal tão improvável. Este romance foi publicado pela Brejeira Malagueta. Com toques de drama, humor e romance, descubra nas cartas e na vida os sentimentos que já estão enraizados e aqueles que começam a aflorar.
Conhece alguma história ou autor que gostaria de ver por aqui? Envie para contato@publiqueirevista.com ou em nossas redes sociais! 6
Autor do mês O que esse Vinicius faz? Além de se intitular um autor de livros fofos e estranhos, ele estuda jornalismo na Universidade Federal de Juiz de Fora. Vinicius Grossos teve seu primeiro livro publicado em 2014, o Sereia Negra, e já saiu pelos eventos e feiras literárias da vida. Grossos teve o sonho, quando pequeno, de trabalhar em uma livraria apenas para poder ler tudo o que fosse possível. Quem nunca, né? Mas ele foi longe, decidiu criar o próprio mundo! Mas, como a vida não é um conto de fadas, Vinicius já levou rasteira de editora e ficou para baixo. Entretanto, há males que vem para o bem e foi da experiência ruim que ele conseguiu tirar a ótima ideia de Sereia Negra. Vinicius entrou para a Faro Editorial com “O Garoto Quase Atropelado” no mesmo ano em que lançou seu primeiro livro. Há exatamente um ano, em junho de 2016, lançou “1+1: A Matemática do Amor”. Seu maior sonho é viver de literatura no Brasil e viajar pelo mundo com seu trabalho.
Lançamento do mês Lançamento do mês “Histórias de Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis” traz à tona grandes mulheres do nosso país, mas que não foram tão exaltadas assim. O livro é escrito em cordel, tipo de literatura predominantemente brasileira, e foi resultado de diversas pesquisas para reunir informações dessas divas negras. Ao todo, são quinze cordéis que constroem os capítulos e ao mesmo tempo montam o nosso Brasil, exemplifica como a cultura negra faz parte do que chamamos de história, mas não são falados na escola. Um dos contos é de Eva Maria de Bonsucesso, mulher negra e livre na época da escravidão que caiu em uma briga com um ho-
mem branco e rico — vejam só! — e conseguiu sair vencedora, de modo legal. O homem até chegou a ficar preso por alguns meses e isso era um fato impensável para a época. É ou não é guerreira? Quem gosta de conhecer o Brasil, contado por outros olhares, tem como leitura obrigatória para criar vínculo com vidas extraordinárias que pisaram em terras brasileiras. Você sabia que rainhas e princesas foram sequestradas, na África, para serem escravas aqui? Pois é, esses e outros acontecimentos estão descritos neste livro de Jarid, que é filha de uma cordelista cearense. Entenda a história, escrita por sangue negro, com determinação e coragem.
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o n i e h c A Por Clara Saveli
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ella Prudêncio nasceu em setembro de 1997 e escreve desde os 12 anos. Hoje, além de escrever, estuda psicologia. No tempo livre gosta de ler livros de romance, com predileção para New Adult e Young Adult, de jogar online e de se aventurar com os heróis de histórias em quadrinho.
Publiquei Revista: Como foi que você descobriu o Wattpad e o que te fez começar a publicar nele? Bella Prudêncio: Descobri o Wattpad pelo aplicativo, quando eu entrei maioria das histórias era em inglês, mal haviam histórias em português. Na época, isso me desanimou um pouco. Comecei a publicar nele ao pesquisar ferramentas para a publicação de livros online. PR: De onde surgiu a inspiração para “Girls Like Girls” e qual é o papel da temática LGBT+ na história? BP: A temática LGBT+ tem um viés de descobrimento. Conta a história de uma garota com um passado conservador se descobrindo lésbica. Isso é importante para quebrar uma série de tabus sobre homossexualidade e etc. PR: “505” tem mais de 990 mil leituras. Como você se sente com essa recepção? Você esperava tantas leituras quando começou a postar? BP: Eu me sinto muito feliz, é um or-
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gulho imenso que eu tenho. Eu não esperava, tanto que quando o livro entrou em destaque no Wattpad ele tinha apenas 950 leituras. PR: Qual é seu autor favorito – dentro e fora do Wattpad? BP: Dentro do Wattpad, no momento, ando apaixonada pela Elayne Baeta de “O Amor Não É Óbvio”, que também é um romance LGBT+. Fora do Wattpad sou bem clássica, meu autor preferido é o Machado de Assis. PR: “Clube dos Suicidas” está em degustação no Wattpad, pois irá
virar livro físico. Você pode nos contar um pouco sobre isso? BP: Claro! “Clube dos Suicidas” foi descoberto no próprio Wattpad pela editora Aldeia dos Livros. Desde então estou muito animada com a proposta de publicação e mal posso esperar para trazer a história em formato físico para meus leitores. PR: No momento atual você está escrevendo “Girls Like Girls” e “Amor e Revolução” no Wattpad. Como é alternar entre temas e situações tão diferentes? É natural para você?
BP: É muito bom, ajuda a manter o foco e a distrair de um estilo do outro. É muito natural e muito tranquilo, já estou acostumada a escrever histórias ao mesmo tempo de estilos diferentes. PR: Agora, para descontrair: se você pudesse escolher um dos seus livros para virar um filme, qual você escolheria? Algum elenco dos sonhos? BP: Eu com certeza escolheria 505! Adoraria ver a Maria Casadevall como Dani e Alex Turner como Chris Blackwood.
Você pode acessar todas as histórias da Bella Prudêncio em https://www.wattpad.com/user/bellaprudencio 9
Amamos ebooks Por Thayanne Porto
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mpossível não falar de Ícaro Trindade em uma edição que celebra o mês da luta LGBT. Gaúcho, saiu de Passo Fundo para o primeiro lugar por mais de sete meses na lista dos mais vendidos na categoria LGBT/GLS da Amazon. Ícaro escreve desde os seus 13 anos, mas foi só em 2014 que resolveu investir mais na sua carreira — para nossa sorte! Nessa entrevista, ele conta sobre suas motivações, fala sobre a importância de uma boa pesquisa e ressalta as vantagens de publicar suas histórias pelo Wattpad. Publiquei Revista: Você já publicou dois livros impressos, “Lua Escarlate” e “Garoto à Venda”, mas mesmo assim não sai do Wattpad. O que te motiva a ficar na plataforma? Ícaro Trindade: O Wattpad foi onde comecei minha carreira literária. Eu já escrevia antes e tentei publicar em outros lugares, é claro, mas foi a visibilidade e a interação com os leitores que a plataforma proporciona que me fez, pela primeira vez, escrever um livro do início ao fim. Na época, eu não imaginava que minha história (Lua Escarlate) fosse alcançar tanta gente. Foi uma grande surpresa perceber que as pessoas gostavam de ler aquilo que eu escrevia. E foi devido a isso que arrisquei em publicar meu livro em formato 10
físico, através de uma pequena editora. Infelizmente minha experiência não foi das melhores. Após isso, comecei meu segundo livro no Wattpad, “Garoto à Venda”, que teve ainda mais visibilidade, com mais de 500 mil leituras. Foi quando conheci a autora Josiane Veiga, que logo se tornou minha amiga
e me recomendou tentar lançar na Amazon, de forma independente. Segui seu conselho e, para minha surpresa, deu muito certo. O livro, bem como suas duas continuações, alcançou excelentes posições nos rankings de mais vendidos da loja. Cheguei a ficar quase 7 meses em #1 na categoria LGBT/GLS, qua-
se ininterruptamente com Garoto à Venda. Devido a todo esse retorno positivo com a publicação independente, decidi rescindir o contrato de “Lua Escarlate” com a editora e escrevi a segunda edição do livro para o Wattpad e Amazon. Já “Garoto à Venda” nunca foi publicado por editora, apenas recebeu edição física através do Clube de Autores, devido a diversos pedidos de leitores. Meu foco sempre foi e continua sendo a publicação digital e isso se dá por vários motivos: praticidade; não depender de editoras para ter meus livros publicados; a possibilidade de acompanhar quantas pessoas estão lendo minhas obras em tempo real; interação direta com os leitores; maior retorno financeiro, entre muitos outros. Claro, ainda sonho em ver meus livros nas livrarias, mas não tenho pressa. Enquanto não consigo uma boa editora, continuo escrevendo e lançando na Amazon e Wattpad. PR: Muitas das suas histórias têm assuntos que são tabus, como em “Garoto à Venda”, que envolve o comércio de pessoas para fins sexuais. Como abordar um assunto tão delicado e ainda entreter as pessoas? IT: Não é fácil, assumo. Acredito que consegui fazer um bom trabalho com
“Garoto à Venda”, porque mesmo antes de começar a escrevê-lo eu já sabia a mensagem que queria passar ao final da história. Eu queria mostrar que, por mais que envolvesse “amor” (a história é sobre Síndrome de Estocolmo), aquela era uma relação abusiva e não estava certo. “Lua Escarlate” também traz alguns temas bem delicados, como identidade de gênero, que sempre me interessou muito. Nesse caso, acredito que pesquisar muito sobre o assunto e conversar com minhas amigas trans me ajudou muito na criação da personagem, que inclusive é a favorita da maioria dos leitores. Então eu realmente acho que é essencial saber sobre o que você está escrevendo para não passar uma imagem distorcida sobre o assunto e, é claro, ter uma mensagem para os leitores. PR: O que te inspira a escrever? IT: Muitas coisas, comecei escrevendo aquilo que eu queria ler, mas não encontrava em nenhum lugar e foi uma grande surpresa descobrir quantas outras pessoas também queriam ler sobre aqueles assuntos. Mas principalmente o que me inspira a escrever são os leitores, minha família e o mozão, que sempre me motivam e acreditam no que eu faço.
PR: Em “Compra-se um Garoto”, a gente volta ao país fictício de Alendor e vemos a história de “Garoto À Venda” através de um novo ponto de vista. Por que você resolveu reescrever essa trama? IT: Eu senti que havia muito mais a ser contado da história, que Ianto infelizmente não era capaz de narrar em “Garoto à Venda”. Eu queria mostrar as motivações de Erick e tudo que acontecia com ele durante os acontecimentos do primeiro livro. Eu mostro um pouco do passado do personagem (além de personagens novos) e esclareço o que realmente aconteceu em algumas situações, que podem ter deixado os leitores em dúvida. Como sempre digo, toda história tem dois lados, mesmos os vilões costumam ter suas motivações e isso sempre foi o grande foco dos meus livros: os personagens. PR: Indique algum autor de e-book. IT: Com certeza o autor Luke Marceel, um grande amigo e colega de profissão meu. Ele possui diversas obras maravilhosas, principalmente na categoria LGBT, que merecem ser lidas. Destaque para “Por Trás das Grades” e “Adolescência à Flor da Pele”, recomendo demais!
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ThatiMach T
hati sempre foi uma criança criativa. Começou a escrever aos 12 anos, passando suas histórias e sentimentos para o papel em forma de versinhos. Cresceu e sua depósito de histórias mudou: aventu-
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rou-se no universo das fanfictions, onde conquistou mais de 3.500 leitores. Aos 15 anos, subiu no palco para atuar — sem deixar a escrita de lado. Foi só aos 23 anos que Thati resolveu publicar sua primeira história com personagens inéditos,
“Ponte de Cristal”, sobre uma escritora que volta ao seu país natal e é a única que pode deter a revolução que se aproxima. Mesmo sem o apoio de uma editora consolidada, a jovem vem conquistando cada vez mais leitores. Sentindo falta do
Por Thayanne Porto ram continuação. Dito e feito, PEG acabou virando uma trilogia, com cada livro narrado por um personagem diferente. O segundo da série, “Singular”, é narrado pelo Noah. Nesses breves meses de carreira, Thati Machado já saiu em diversas matérias no jornal — tanto impresso, quanto digital — e foi entrevistada por rádios e pequenos canais de TV, principalmente em sua cidade natal, Niterói. Trabalha de forma ativa em feiras do livro, onde palestra e conquista novos leitores. Sua presença em bienais é sempre um sucesso.
contato direto com eles, Thati escreveu “Poder Extra G”, uma comédia romântica que aborda a importância da singularidade do indivíduo de um jeito leve e bem humorado. Para a sua surpresa a história rapidamente conquistou milhares de leitores, que pedi-
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Cresci não me sentindo representada e tinha ciência Sei que um livro bom não depende gênero, mas de qualidade lidedeque essa realidade terária: personagens bem construabrangia outras minorias. ídas, tramas bem armadas, falas articuladas e uma boa narrativa.
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hado
Publiquei Revista: A palavra de ordem atualmente é representatividade nas propagandas, novelas, mas ainda vemos pouco disso nos livros. Por que você acha que a literatura está mais lenta nesse movimento? Thati Machado: Acredito que esse movimento esteja acontecendo gradativamente na literatura, pois afinal de contas um livro é um produto que precisa ser vendido e as editoras ainda estão inseguras sobre o quanto a representatividade é “vendável”, ou seja, se ela agradará o grande público. Ainda assim, acredito que estamos no caminho certo.
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PR: Em “Singular”, você conta a história de Noah, que nasceu menina. Ele foi o primeiro personagem transexual já criado no Wattpad, plataforma em que você começou. Como você se sentiu sendo a responsável por esse “marco”? TM: Quando idealizei “Poder Extra G”, quis tratar de temas que faziam parte da minha vida, mas eram pouco explorados na literatura. Cresci não me sentindo representada e tinha ciência de que essa realidade abrangia outras minorias. Nina foi inspirada em mim: uma mulher gorda e empoderada que não abaixa a cabeça. Noah, por sua vez, foi inspirado na pessoa por quem me apaixonei, que se descobriu homem trans ao longo dos anos e resolveu iniciar sua transição durante o nosso relacionamento. Acho que não encarei isso como um marco, sabe? Foi mais um grito de liberdade dizendo: EI, ESTAMOS AQUI E TEMOS HISTÓRIAS INCRÍVEIS PARA CONTAR. PR: Ainda sobre essa história... Noah é irmão do cara por quem Nina (protagonista de “Poder Extra G”) se apaixonou durante viagem a Buenos Aires. Como foi voltar ao universo do seu primeiro livro? TM: Foi desafiador e muito, muito louco. Concebi “Poder Extra G” para ser um livro único com começo, meio e fim, e assim ele foi. No entanto, no meio do processo, percebi que os leitores estavam ávidos por saber mais sobre o Noah, por mergulhar na vida dele. Eu o criei para ser um personagem encantador, é verdade, mas acho que os leitores superaram todas as minhas expectativas. 14
PR: Apesar do tema desta edição ser a luta LGBT, não podemos deixar de falar dos outros temas que você aborda nos seus livros. Em “Poder Extra G”, você levanta a bandeira contra a gordofobia — que muitos acham que é besteira — e o preconceito. Da onde surgiu essa vontade? TM: Acho que, sem querer, acabei respondendo essa pergunta anteriormente, não é mesmo? (risos) Bem... Como eu disse, cresci lendo livros que nunca me representavam. As mocinhas eram sempre magras, brancas, com problemas de autoestima, que precisavam conhecer caras incríveis que as fariam enxergar sua beleza. Eu sempre estive fora dos padrões e, com o passar dos anos, percebi que era linda exatamente do meu jeito e que não precisava mudar para agradar ninguém. Então, por que não contar a história de alguém que finalmente me representaria? Que finalmente representaria a maioria das mulheres e diria para elas: “reconheçam seu poder, pois vocês são incríveis exatamente do jeito que são”?! PR: Ainda nessa questão da gordofobia: além da literatura, você tem um canal no Youtube que discute essa questão. Como é a relação com os seus espectadores? Como é sair da ficção e falar de algo pessoal? TM: É diferente de tudo o que já vivi. No Youtube, a protagonista não é a Nina, o Noah, ou algum outro personagem. Sou eu. Dando a cara a tapa para tratar de temas que acho importante como a gordofobia, a transfobia, o universo dos livros e da escrita... No Youtube há (várias) pessoas dispostas a distribuir ódio gratuito e isso
ainda é algo que não consigo entender. Em contrapartida, há muita gente incrível querendo conversar e aprender um pouco mais. É uma experiência intensa, para dizer o mínimo. PR: Para investir na sua carreira de escritora, você foi professora de espanhol, atriz e designer gráfico. Como foi conciliar tudo isso? TM: Eu costumo dizer que sou tipo bombril: tenho mil e uma funções. Sempre fui uma pessoa criativa e sempre quis abraçar o mundo com os braços. Estudei espanhol porque sou uma grande fã da língua (e de novelas mexicanas). Estudei teatro porque quis viver outras vidas (além de ser exibida, risos). Estudei publicidade achando que minha criatividade seria útil ali, o que acabou não acontecendo. Por fim, voltei para o universo da escrita, que permitia viver um pouco de tudo isso: vivo outras vidas através das minhas histórias, uso o meu conhecimento da língua espanhola para algumas delas, o que aconteceu em “Poder Extra G” e “Singular”, por exemplo, e ainda faço minhas próprias capas para dar vida às minhas histórias. No fim, nada do que estudei foi em vão. PR: Você tem mais de 1 milhão de leitores no Wattpad! Conte um pouco sobre a relação com eles nessa plataforma. TM: O Wattpad é um lugar incrível onde qualquer um com esforço e dedicação pode ser reconhecido pelo seu trabalho. A plataforma me proporcionou coisas incríveis e sou muito grata a ela e aos leitores que con-
quistei por lá. Desde “Singular”, que terminei de publicar no final do ano passado, não tenho postado nada por lá, mas confesso que já estou morrendo de saudades e pretendo voltar em breve. PR: Mesmo com esse grande número de leitores e dois livros publicados, você levou um tempo para encontrar uma editora. Por que acha que é tão difícil um autor se lançar aqui no Brasil? TM: Acredito que uma série de fatores influenciam na hora de lançar um escritor nacional. Um deles é: algumas editoras querem um livro com garantia de venda, sem ter que realmente trabalhar nele, sabe? É mais fácil, por exemplo, lançar um livro de um Youtuber famoso que já tem todo um marketing por trás do que fazer car-
reira de um escritor. É claro que não dá para generalizar, mas infelizmente tenho visto um pouco disso no mercado. PR: Voltando ao tema desta edição: Como você vê a literatura LGBT (ou com personagens LGBTs), tanto no âmbito nacional quanto internacional? TM: Eu acho que a literatura LGBT tem crescido de maneira expressiva, principalmente entre o público jovem e acho que isso diz bastante sobre a geração que estamos construindo. PR: Indique um livro de outro autor ou autora nacional. TM: Como estamos falando de literatura LGBT, eu indico Imperfeito, livro do querido amigo Robson Gabriel.
Bom saber Thati Machado também é blogueira no “Nem Te Conto” e tem um canal no YouTube, onde fala de livros, escrita, universo plus size e outros assuntos. Seu canal tem pouco mais de um ano e conta com mais de 100 mil visualizações e mais de 6 mil inscritos.
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Seu livro não é inclusivo coisa nenhuma! O
lha lá você, autor super antenado na conjuntura social do momento, moço mente aberta, animado, pimpão, o barroco diferentão do Wattpad. Meu papo hoje é com você, sobre esse seu livrinho aí. Ele não é inclusivo não, desculpa te dizer isso. Essa geração tão animada com o assunto da inclusão e diversidade na literatura ascende socialmente no universo literário nesta segunda década do século vinte e um. Isso é lindo e eu não critico esse fenômeno, de forma alguma. Mas eu critico uma triste realidade que veio como consequência do fenômeno: o Autor Inclusivão. O Autor Inclusivão não faz a mínima ideia do que está fazendo, mas ele o faz com muita garra e enche suas notificações do Facebook com divulgação em grupos. Ele jamais estudou sobre as minorias que pensa representar, mas se sente o próprio descobridor da cura do câncer ao colocar em seu livro um personagem negro — que mal fala, sequer tem sua história aprofundada e se prende a estereótipos ridículos como ser o cara engraçado da
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turma. No livro do Autor Inclusivão não tem discussão profunda sobre o machismo, mas tem personagens seminuas objetificadas em prol da sensualidade de sua narrativa. Lá também têm várias personagens femininas fortes! E elas não sabem dialogar entre si sobre nada além de homens. As historias do Autor Inclusivão são um prato cheio! Ele se mostra super antenado no momento, compartilha várias coisas lindas no Facebook. Ele é um cara ótimo! Até você apontar que chamar de “mulata” não é legal. “Invejoso! Fala isso porque não tem um milhão de views!”. Comentar que as histórias do Autor Inclusivão são rasas é um crime! E isso é porque ele não está interessado em trazer uma discussão bonita em seu livro, ele só quer views que satisfaçam seu ego carente. E, para isso, ele não precisa de uma real inclusão. Ele precisa de sexo gay estereotipado, orgias que insinuem que pessoas LGBT são pervertidas sem sentimentos (de preferência, entre lésbicas bem “gostosas” padrãozinho para satisfazer seu público hétero masculino também). Ele precisa de negros
Por
Lyli Adams
na vitrine, bota negros na capa, mas os insere num mundo mágico onde racismo e preterimento negro não existe. Ele precisa de uma mulher gorda, mas que é viciada em comida e sua personalidade na história gira ao redor de ser gorda e nada mais. Por que não utilizamos essa revolução do pensamento inclusivo para fazer uma revolução dentro dela? Vamos ousar criar personagem reais. Vamos ousar retratar mocinhas que são fortes sem se tornarem Floquinho de Neve Especial, vamos ousar falar sobre homens que não pensam em sexo o tempo inteiro, vamos ousar mostrar relacionamentos com problemas além de traições. Vamos ousar ter personagens negros sem precisar fingir que eles não são negros. Vamos ousar mostrar casais LGBT com história e desenvolvimento complexos, que não vivam num mundo perfeito cor de rosa e nem num bacanal vinte e quatro horas por dia. Ousemos deixar de ser Autor Inclusivão para de fato nos tornarmos autores inclusivos.
Autora de Pecadores, Íris e Inimigo Digital. sitedoup.com.br @raindancely
Uma palavrinha
A
palavrinha desse mês foi com o Jorge Castro, um carioca que viveu a maior parte da vida em Niterói. Dragões e feitiços são suas paixões na literatura, mas atribui sua aventura no primeira série, em que magos estão tentando trazer mundo da escrita ao seu signo de Libra, com as- o fim dos tempos. Já “A Pistoleira”, primeiro livro cendente em Capricórnio. A trilogia Totem é sua da saga Navilly Wood, conta a história de Violet, que precisa destruir o legado das Filhas da Lua. Confira tudo o que o autor nos contou nesta breve entrevista.
Gênero para leitura: Ficção científica ou fantasia urbana Gênero para escrita: Fantasia urbana, amor maior da minha vida Personagem literário: Serafine Delay, de Os Mistérios de Warthia. Persona gem de pavio curto é a melhor coisa do mundo Autor inspiração: Stephen King Melhor história que escreveu: O romance LGBTQ+ que ainda tá no meu Word Melhor livro que leu: Joyland, do King. Choro só de lembrar Música: Creep, do Radiohead, mas na versão do Damien Rice Cor: Azul ou verde, ou rosa, depende do dia Lugar no mundo: Canadá Cidade natal: Rio de Janeiro. Vila Isabel, mais precisamente Comida: Caldo Verde, gente. Presente divino essa comida Dia inesquecível: O lançamento do primeiro filho, sem dúvidas.
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Falando nisso...
Por Lyli Adams
A Literatura e o Binarismo Compulsório Esse título assusta, não é mesmo? Pois o texto assusta mais ainda. Antes de prosseguir, caro leitor da PUBLIQUEI, gostaria que contasse quantos livros (publicação física) já leu onde os personagens não eram nem heterossexuais e nem homossexuais e também os livros com personagens transexuais. Contou? Ok, guarde esse numero. A literatura sofre desde sempre com o terrível mal do binarismo compulsório, que é um nome muito enfeitado para “eu finjo que não vejo os outros gêneros”. Sim, eu escolho não ser compreensiva neste texto e atacar, porque até mesmo os autores da literatura LGBT parecem se esquecer de que o mundo não gira ao redor de suas genitálias. A representação de gêneros não binários na literatura espelha todos os outros espaços: é ridícula. Isso para não dizer inexistente. Cada autor que se recusa a entender que todo mundo precisa se sentir incluído está contribuindo
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para a invisibilidade de todas as outras letrinhas dessa sigla. Está contribuindo para a construção do movimento GGGG. E não ponho a culpa só nos autores não! Vou mais fundo! Vou no leitor que não lê “esse tipo de história” porque é hétero e não tem “nada a ver”. Vou nos “amigos” que vêm aconselhar que ninguém vai ler uma história de amor com um homem transexual. Vou nas editoras, que vêem a literatura LGBT como um bando de cifrões dançantes e coloridos, mas que se recusam a publicar livros com personagens transgêneros. Vou em quem propaga absurdos como a ideia de que bissexuais e pansexuais são mais propensos a doenças sexualmente transmissíveis. A literatura desse tempo é um espelho dessa sociedade. Por que uma sociedade que hoje discute entre jovens e velhos a necessidade de inclusão não consegue fazer a reflexão do não-binarismo? Se sua arte inclui mil, mas exclui
um, então sua arte é excludente. Que tipo de autores somos se, ao tentar retratar uma realidade, nos esquecemos do ponto principal dela: o ser humano. O ser humano, belo, complexo. O ser humano que não se resume à sua genitália e que expressa seu gênero primeiro em sua mente e depois em seu corpo. O ser humano que pode amar homens, mulheres, os dois, nenhum ou todos os seres sem discriminação. O ser humano que pode ser mulher e ter pênis, pode ser homem e ter vagina, pode não ser nem homem e nem mulher como muito bem pode ser os dois e viver bem com isso. E sua literatura, vive bem com isso? Quantos livros você conseguiu pensar no início do texto? Será que acerto ao chutar uns quatro? Comigo foram apenas três e um deles fui eu que escrevi.
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