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Comida e preocupação
Era uma vez um cara caipira que fez downsizing na vida em 2009. Largou a cobertura onde vivia com a mulher, se divorciou e deixou para trás a carga toda
Ocaipira sou eu, claro. Como já escrevi aqui antes, levo uma vida absolutamente minimalista em quase todos os aspectos. Isso quer dizer possuir pouco e usufruir com prazer. Gosto de ler, de escrever, de ficar em casa, de caminhar pelos matos de Joaquim Egídio, ou na orla da praia em Ubatuba. Falar que eu gosto de comer e beber seria um pleonasmo vicioso. Uma vida menos agitada deixa o coração da gente mais leve e nos permite observar os acontecimentos sem qualquer tipo de julgamento (essa, vou avisando, é a parte mais difícil). Ainda por cima, gosto de pensar que sou estoico.
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O leitor pode estar se perguntando: mas, e a preocupação, onde entra? Explico. Dia desses eu estava na Casinha numa sexta-feira depois de uma semana puxada. Cansaço é diferente de desânimo. Mas eu tinha ido a São Paulo e acabei não almoçando (isso é comum para mim). Abri a geladeira pensando no que comer e me pus a cuidar do corpo, porque a cabeça estava ótima (graças a Deus). Preparei um filé de tilápia (orgânica) marinado no limão, sal e pimenta branca. Arroz, batatas Asterix (aquela da casca avermelhada) cozidas e temperadas com alcaparras. Para acompanhar, tomates cereja confitados com alho e cebolinha fresca. Empanei o peixe só na farinha de trigo e grelhei com um fiozinho de azeite (só para não grudar). Ficou uma maravilha e eu comi feliz.
Ajeitei a cozinha, lavei a louça e fui ler. A tarde caiu, a noite chegou e, quando dei por mim, já eram umas nove ou dez da noite. Calor demais, ventilador bem fraquinho no quarto e cama! Acordei cedo, como de hábito, mas por ser sábado, voltei para o berço para aquele cochilo gostoso de quem não tem nada com que se preocupar, e só me levantei lá pelas nove. Quando liguei o celular havia cinquenta e tantas mensagens no grupo da família. O motivo? Eu estava morto, vítima de um AVC fatal ou infarto fulminante. Tina perguntou se alguém sabia de mim e o furdunço começou. A última mensagem que eu enviei foi perto das seis da tarde da sexta-feira...
Como toda pessoa mentalmente saudável eu desligo o celular e o deixo na sala, nunca no quarto. Eu não quero ser incomodado enquanto durmo. Pode ser doidice minha, mas sempre deu certo desde que eu nasci, muito antes dos telefones celulares... Minha filha queria chamar os bombeiros. Rafa, meu genro, queria pegar o carro para vir na minha casa. Até o Roger, meu vizinho e irmão de alma, foi acionado. Como ele tem a chave de casa (não precisa porque geralmente a porta fica destrancada), veio até aqui e me viu deitado na cama, dormindo a sono solto e isso acalmou a todos.
Claro que levou horas para explicar tudo, me justificar, pedir desculpas e dar muitas risadas. Como diria o bardo, Much Ado About Nothing. Ou, como diria o Mário Sergio Cortella (eterno mestre), se você não existisse, que falta faria? A vida ensina e a lição foi aprendida. Não basta você controlar a sua ansiedade; tem que gerenciar a ansiedade e as fantasias negativas alheias. Assim, eu criei um novo mote: mostre que você se preocupa com as pessoas que ama. Sempre. E dê sinais de vida, caso você viva sozinho vários dias por semana.
Agora vocês me deem licença que eu vou no Boteco do Fortão comer torresmo com o meu genro, minha filha, o Roger e a Marcia. Vamos comemorar que sigo vivo, firme e forte. Amém.
Até a próxima.