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Boa Vida
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Boavida
Por João Baptista Andrade Diretor da Mentor Marketing e AMA Brasil
Comida e mau comportamento
Com a Dona Célia não tinha muita conversa e/ou explicação: mau comportamento era tratado a chineladas e ponto fi nal
Com o Doutor João o buraco era mais embaixo. Ele era do tipo de passar sermão, de dar uma descompostura geral quando entendia que determinado comportamento era inadequado. Vez por outra vinham uns tapas também, que era uma forma de reforço instrucional para que eu memorizasse a maneira correta de fazer certas coisas.
Na língua inglesa existe até um verbo específi co para isso: misbehave. Misbehaving é também o título do livro de Richard Thaler, que conta a história da economia comportamental. Sim, é uma ciência, existe, e deu um prêmio Nobel para o David Khaneman (Rápido e Devagar, lembra?). Mas o que diz a economia comportamental? Em essência, ela separa a humanidade em dois grupos: Econs e Humanos. Econs (abreviatura de economistas) são racionais, lógicos, decidem de maneira ponderada, comparam alternativas, etc. Já os Humanos... Melhor deixar para lá.
Mas retomando ao mau comportamento do título, eu reajo muito mal quando acontecem discussões durante as refeições. Não penso que seja o momento mais apropriado para altercações emocionais. Além disso, eu acho um desperdício. De comida, de nutrientes, de momentos agradáveis, de dinheiro, de tempo e de amor. De amor, sim! Porque quem cozinha para alguém (qualquer alguém), mesmo que seja por razões de ofício ou por profi ssão, sempre coloca um pouco de amor no que faz. Não aquele amor do ideal romântico (Romeu e Julieta, citando o bardo), nem aquele amor das propagandas de TV. Mas, sim, um punhado de amor no sentido de cuidar/zelar pelo outro.
Eu sou incapaz de representar. Jamais poderia ser um ator ou um jogador de pôquer profi ssional. Político então... Nem pensar. Não chego a ser incivilizado, mas tenho bastante difi culdade para esconder minha alegria, meu prazer, felicidade, asco, enfado, irritação ou qualquer outro estado de espírito que me atravesse a alma. Eu venho trabalhando isso em mim, mas não tive muito sucesso nas últimas seis décadas... Na hora de comer as pessoas precisam de paz e sossego. Então, imagine você, leitor, a cara que eu fi z quando o Hermenegildo perguntou em alto e bom som: “Vocês viram os preços no supermercado?”. Meu garfo fi cou parado no ar e eu, mais que depressa, o coloquei na mesa, antes que algo de pior me passasse pela cachola. Mas a desgraça estava feita e as pessoas começaram a enumerar os itens de compra que consideravam ter os preços mais despropositados. Os vencedores foram o cardamomo (mais de cinquenta Reais o pote de 40 gramas) e o pistilo de açafrão (mais de oitenta Reais um único grama). Fim do prazer naquela refeição...
Cozinheiros não são Econs. Se fossem Econs seriam engenheiros de alimentos, criando e seguindo fórmulas e processos produtivos na indústria. Cozinheiros são humanos e, portanto, completamente desvairados como o restante da espécie. Para piorar, cozinheiros ainda têm a mania de fazer experiências e testes com receitas pouco exploradas. Um cozinheiro, quando olha para um corte de carne, raramente pensa no animal de onde o corte veio. Quero dizer, uma sobrecoxa de pato não me faz pensar no pato Donald ou seus sobrinhos. Sim, existe um lado Econ nos cozinheiros. É ele que nos faz pensar na procedência, validade, certifi cações dos criadores (selo de orgânico, criação e abate humanizados, etc.). Mas, via de regra, é o lado humano dos cozinheiros que, depois de escolher um corte qualquer, dá um sorriso de satisfação e pensa na montagem fi nal do prato. Sem discussões...
Até a próxima.