REVISTA ENERGIA 95

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Legislação

Doar é viver Como é sabido por todos, momentos muito difíceis em nossas vidas - uma hora ou outra - acabam sendo experimentados. Eles não são nem serão poucos infelizmente Texto: Deputado Federal Ricardo Izar (Progressistas – SP)

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entre todos, um deles em particular é de extrema importância: o momento da morte. Apesar de ser bem conhecida a expressão popular “A vida é um sopro”, tal pensamento não parece transitar pela nossa mente - seja como indivíduos, seja como reflexão coletiva. Para ser mais preciso: quando somos confrontados por ela, a surpresa e a perplexidade nos invadem para além da enorme carga de sofrimento que vivenciamos. A morte de alguém que amamos é e sempre será avassaladora. Ponto. Não se discute isso. Agora, pensemos juntos: de que maneira falamos sobre isso com nossos filhos e demais familiares? Encaramos este assunto de frente ou fingimos que ele não existe e nunca nos confrontará? Considero que a reflexão sobre a vida inevitavelmente nos faz pensar sobre sua finitude e, por isso mesmo, em como ela é tão preciosa. Isso faz com ela se torne ainda mais bela e especial. Viver é definitivamente a mais importante de todas as experiências. Mas um dia o inevitável irá acontecer. Para milhares de pessoas neste país, a reflexão sobre a morte é uma atividade diária. No ano de 2019, havia 45 mil pessoas na fila de transplantes no Brasil. Todas à espera de uma oportunidade para continuar vivendo ao lado de seus entes queridos. Para muitos deles, sua única chance de continuarem vivos depende do amor e solidariedade de outras famílias que, acometidos pelo inevitável, queiram praticar o mais belo gesto de todos: o da doação de órgãos. Falar sobre doação de órgãos não é trazer ao debate o tema da morte, mas, sim, discutir sobre a dádiva de viver. A tecnologia nos permite hoje, a depender do caso, considerar uma segunda chance de vida quando da disponibilidade de órgãos para substituir aqueles que por ventura já não trabalhem como deveriam. Este infelizmente não foi o desfecho de Tatiane Penhalosa. Tatiane entrou na fila de transplante aos 30 anos de idade à espera de um novo coração. Ele poderia mudar seu destino e lhe trazer mais qualidade de vida. Após dois longos anos de espera, Tatiane não aguentou mais esperar a oferta de um coração e veio a óbito. Uma jovem de 32 anos não conseguiu mais seguir uma vida próspera e cheia de experiências. Um dos aspectos mais tristes dessa tragédia foi a de que, quando interpeladas pelas equipes médicas, 5.493 famílias disseram não à doação de um coração nesse intervalo de 2 anos de espera. Tudo é trágico nessa história. Lamentavelmente, a família de Tatiane não foi a única a perder um ente querido nessas mesmas condições. Segundo o Registro Brasileiro de Transplantes, nos últimos 4 anos mais de 9 mil pessoas perderam a vida enquanto aguardavam órgãos na fila de transplante. Muitas dessas vidas, inclusive a de Tatiane, poderiam ter sido salvas se a doação de órgãos fosse um assunto bem compreendido e debatido por toda nossa sociedade. Justamente por não terem familiaridade sobre esse tema, muitas famílias, no pior momento de todos, não têm as condições emocionais para processar, entender e concordar com o mais belo gesto de amor que pode ser praticado: o de doar. De acordo com o Registro Brasileiro de Transplantes, estima-se que 37,2% da população brasileira negue-se a participar da doação de órgãos de um familiar recém falecido. Os motivos

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DEPUTADO FEDERAL RICARDO IZAR Economista, coordenador para o Sudeste da Frente Parlamentar em Defesa do Consumidor de Energia Elétrica e membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal, Presidente da Frente Parlamentar de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, Membro do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados

são sempre muito pessoais e isso é compreensível. Há contudo, devemos reconhecer, ainda muito desconhecimento sobre o que exatamente é a doação de órgãos a pessoas em estado de necessidade. É importante esclarecer que doar não é um dever, mas um direito. Precisamos que nossos jovens em formação sejam expostos a essa reflexão e, munidos de todas as informações possíveis, façam uma escolha bem informada sobre o tema e comuniquem seus familiares. Um dia, quem sabe, bem lá na frente, todos nós possamos escolher (ou não) continuar de certa forma vivendo em outras vidas. Neste mês de maio de 2021, o Projeto de Lei de minha autoria 2839/2019, popularmente conhecido como #LeiTatiane, foi aprovado por unanimidade na CCSF (Comissão de Seguridade Social e Família) da Câmara dos Deputados. Esta proposta legislativa visa introduzir de forma técnica, pedagógica e profissional o tema da doação de órgãos dentro das escolas públicas e privadas de todo o Brasil. Enquanto nação, precisamos discutir de forma lúcida e correta o tema da vida e da morte de muitos brasileiros à espera de uma nova chance. Qual é nosso papel diante dessa realidade? São reflexões importantes em termos de humanismo. Este projeto de lei ainda tem um longo caminho pela frente. Ele precisa ser discutido e aprovado na Comissão da Educação e de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados para, aí sim, seguir sua análise de mérito no Senado. Assuntos importantes precisam ser levados ao debate público. Penso que informar, educar com responsabilidade é sempre o melhor caminho para compreendermos o mundo à nossa volta. A conversa sobre ser um doador (ou não) não pode ficar restrita à sala de casa de alguns poucos. Esse debate precisa ir além. Precisa ser levado às escolas, às universidades, afinal, vivemos em sociedade e não sabemos o dia de amanhã. Podemos ser nós. Podem ser eles. Podemos um dia precisar. Podemos um dia ser requisitados a colaborar. O fato é que a vida de todos nós é demasiadamente preciosa para ser perdida por razões desnecessárias. O ensino e conscientização sobre a Doação de Órgãos é uma pauta que acredito ser necessária e saudável para o país. Junto a mim estão certamente milhares de famílias que, hoje, esperam uma oportunidade para continuar vivendo através do amor de quem é infelizmente confrontado com o inevitável. A vida é um sopro. Viver é uma dádiva. Doar é um ato de amor. 


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