5 minute read
Legislação
Lista Pet: o uso de animais silvestres como animais de estimação
A criação de animais silvestres mostrou-se presente desde a chegada dos portugueses à Terra de Santa Cruz, isto é, ao Brasil
Advertisement
Texto: Deputado Federal Ricardo Izar (Progressistas – SP)
DEPUTADO FEDERAL RICARDO IZAR
Economista, coordenador para o Sudeste da Frente Parlamentar em Defesa do Consumidor de Energia Elétrica e membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal, Presidente da Frente Parlamentar de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, Membro do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados
Sabe-se que indígenas nativos já possuíam em seu vocabulário um termo denominado xerimbabo, que significa “animal de criação ou estimação”. Tal comportamento - o de manter animais silvestres sob cativeiro e proximidade - parece ter sido desde então hábito assimilado pelos brasileiros. De lá para cá, papagaios e outros animais foram levados para o resto do mundo e seu aprisionamento, infelizmente, tem perdurado. É preciso que se diga que este hábito (ter animais silvestres como animal pet) envolve invariavelmente a captura de animais da natureza, sua manutenção em condições precárias e o fomento do comércio de espécies excêntricas que despertem interesse num público alvo.
Devemos repetir à exaustão que a persistência histórica de um fato ou comportamento não chancela, por si só, a moralidade do ato propriamente dito. Se assim fosse, deveríamos referendar a destruição da mata atlântica, o massacre de indígenas, o tráfico negreiro no oceano atlântico, o massacre das baleias, o antissemitismo, o regime de apartheid na África do Sul, as ações nazistas, entre inúmeras outras atitudes humanas deploráveis perpetuadas ao longo de sua história. Fiz questão de colocar ações cometidas contra a natureza ao lado de ações contra a humanidade como forma de lembrar que, passados os anos, usualmente nos arrependemos de atos que foram cruéis ou injustos com nossa espécie – mas somos lenientes quando o crime é cometido contra não-humanos. Não raro, comportamentos considerados legítimos e legais, praticados em determinado local ou momento da história, uma vez submetidos a uma reflexão ética, acabam por ser relegados à vergonha e ao esquecimento.
A livre captura de animais silvestres no Brasil era liberada até o advento da Lei nº 5.197/67, momento este em que a fauna silvestre passou a ser bem pertencente ao Estado. A partir de então, a posse de espécies como papagaios, araras, entre outros, estaria condicionada a ter sua origem vinculada a criadouros autorizados. Essa foi uma tentativa do Estado brasileiro de acabar com a captura indiscriminada de animais na natureza e oferecer ao cidadão a opção de adquiri-los legalmente. Agora, no ano 2021, passados mais de 50 anos, temos a prova concreta de que a proposta não foi suficiente para coibir a guarda ilegal de animais, haja vista o tráfico de animais silvestres ter prosperado frente à possibilidade de compra desses mesmos animais em criadouros e lojas autorizadas.
Podemos afirmar sem medo de errar que a política de ofertar animais de origem legal como alternativa ao tráfico falhou de forma colossal. Aliás, não apenas falhou, como muitas vezes apresenta uma incômoda relação com o tráfico de animais que assola o país. Essa relação se verifica na curiosa coincidência entre as espécies mais traficadas da atualidade com aquelas mais criadas pelo segmento amadorístico de reprodução de passeriformes, por exemplo. Além disso, a lavagem de animais capturados na natureza, mediante fraude de seus documentos de origem e seu sistema de marcação, tem se mostrado prática corrente.
Esta falência da política de criação comercial de animais não deve, porém, acobertar a real e necessária discussão sobre o tema: é correto manter em cativeiro animais da fauna silvestre? A resposta é claramente não. Não existe lógica em manter em cativeiro animais que podem viver em liberdade. À fauna doméstica devemos proporcionar abrigo, proteção, adoção e guarda responsável, mas para a fauna silvestre podemos propiciar algo ainda melhor: a sua liberdade. Pensando nesse cenário, protocolei projeto de lei de minha autoria (PL nº 4.705/2020) que proíbe a criação de animais silvestres com objetivo comercial. Porém, até que este projeto de lei tramite
pelo Congresso, não devemos menosprezar a situação em que milhões de animais silvestres se encontram hoje em cativeiro. Daí decorre a importância de discutir o assunto “Lista Pet”.
Lista Pet é o apelido dado à lista de animais silvestres nativos que poderiam ser criados como animais de estimação. A referida lista foi proposta pela Resolução Conama nº 394/2007 e estabelece os critérios a serem considerados para a determinação das espécies da fauna silvestre brasileira cuja criação e comercialização poderia ser permitida como animais de estimação. A resolução determinava que o IBAMA deveria elaborar a tal lista. Apesar de tal lista ter sido proposta, acabou não sendo editada e hoje encontra-se em discussão no Ministério do Meio Ambiente com representantes do IBAMA e dos órgãos estaduais de meio ambiente.
Sem discutirmos a formatação de uma Lista Pet, associado à passagem da gestão de fauna para os órgãos estaduais de Meio Ambiente – OEMA em 2011, corremos o risco de enfrentarmos 27 autorizações distintas a depender do estado ou do Distrito Federal. Também corremos o risco de que um técnico autorizado libere para domesticação, como animal de estimação, uma espécie tão absurda como, por exemplo, um jacaré-açu. Não nos esqueçamos que hoje já existem criadouros autorizados e que vendem animais silvestres no Brasil.
Assim, a discussão de uma Lista Pet deve ser cogitada até que tramite o PL nº 4.705/2020 em sua plenitude. Mas esta precisa ser obrigatoriamente elaborada com base em critérios técnicos e sem a interferência de interesses políticos ou econômicos advindos dos próprios criadores – afinal, a Lista Pet é uma norma ambiental, não comercial. Dentre os critérios propostos pela resolução Conama nº 394/2007, podemos agrupá-los em segurança contra acidentes causados pelos animais, segurança contra abandono ou fuga e o subsequente risco iminente para ecossistemas, segurança contra zoonoses e segurança à manutenção do bem-estar dos animais. Preocupa muito, contudo, que na atual discussão desses critérios o tópico bem-estar dos animais tenha sido suprimida. Um absurdo! Ao suprimir o critério do bem-estar dessa discussão, uma espécie poderá ser incluída na Lista Pet sem que haja real possibilidade de serem implementadas as condições mínimas para sua manutenção em cativeiro - por exemplo, a manutenção de um papagaio mantido em gaiola onde este não possa voar.
A Lista Pet aparenta legitimar a exploração comercial de espécies silvestres, contudo, é importante reconhecer que esta legitimação já existe em virtude da Lei nº 5.197/67. Assim, a Lista Pet, se elaborada com base em critérios técnicos, limitará quantitativamente as espécies que poderão ser exploradas e, principalmente, se forem adotados critérios de bem-estar animal, poderemos garantir a estes animais o mínimo de condições para que estes vivam em cativeiro. Friso que a abolição do cativeiro e da criação comercial desses animais não deixa de ser a meta perseguida. Nesse interim, não podemos abandonar a luta por melhores condições daqueles que, infelizmente, já estão enjaulados à revelia.