REVISTA ENERGIA 96

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Legislação

Lista Pet: o uso de animais silvestres como animais de estimação DEPUTADO FEDERAL RICARDO IZAR

A criação de animais silvestres mostrou-se presente desde a chegada dos portugueses à Terra de Santa Cruz, isto é, ao Brasil

Texto: Deputado Federal Ricardo Izar (Progressistas – SP)

S

Economista, coordenador para o Sudeste da Frente Parlamentar em Defesa do Consumidor de Energia Elétrica e membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Federal, Presidente da Frente Parlamentar de Habitação e Desenvolvimento Urbano, Presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Animais, Membro do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados

abe-se que indígenas nativos já possuíam em seu voca-

bem pertencente ao Estado. A partir de então, a posse de espécies como

bulário um termo denominado xerimbabo, que significa

papagaios, araras, entre outros, estaria condicionada a ter sua origem vin-

“animal de criação ou estimação”. Tal comportamento - o

culada a criadouros autorizados. Essa foi uma tentativa do Estado brasileiro

de manter animais silvestres sob cativeiro e proximidade

de acabar com a captura indiscriminada de animais na natureza e oferecer

- parece ter sido desde então hábito assimilado pelos bra-

ao cidadão a opção de adquiri-los legalmente. Agora, no ano 2021, passa-

sileiros. De lá para cá, papagaios e outros animais foram

dos mais de 50 anos, temos a prova concreta de que a proposta não foi su-

levados para o resto do mundo e seu aprisionamento, infelizmente, tem per-

ficiente para coibir a guarda ilegal de animais, haja vista o tráfico de animais

durado. É preciso que se diga que este hábito (ter animais silvestres como

silvestres ter prosperado frente à possibilidade de compra desses mesmos

animal pet) envolve invariavelmente a captura de animais da natureza, sua

animais em criadouros e lojas autorizadas.

manutenção em condições precárias e o fomento do comércio de espécies excêntricas que despertem interesse num público alvo.

Podemos afirmar sem medo de errar que a política de ofertar animais de origem legal como alternativa ao tráfico falhou de forma colossal. Aliás, não

Devemos repetir à exaustão que a persistência histórica de um fato ou

apenas falhou, como muitas vezes apresenta uma incômoda relação com

comportamento não chancela, por si só, a moralidade do ato propriamente

o tráfico de animais que assola o país. Essa relação se verifica na curiosa

dito. Se assim fosse, deveríamos referendar a destruição da mata atlântica,

coincidência entre as espécies mais traficadas da atualidade com aquelas

o massacre de indígenas, o tráfico negreiro no oceano atlântico, o massacre

mais criadas pelo segmento amadorístico de reprodução de passeriformes,

das baleias, o antissemitismo, o regime de apartheid na África do Sul, as

por exemplo. Além disso, a lavagem de animais capturados na natureza,

ações nazistas, entre inúmeras outras atitudes humanas deploráveis per-

mediante fraude de seus documentos de origem e seu sistema de marca-

petuadas ao longo de sua história. Fiz questão de colocar ações cometidas

ção, tem se mostrado prática corrente.

contra a natureza ao lado de ações contra a humanidade como forma de

Esta falência da política de criação comercial de animais não deve, po-

lembrar que, passados os anos, usualmente nos arrependemos de atos

rém, acobertar a real e necessária discussão sobre o tema: é correto manter

que foram cruéis ou injustos com nossa espécie – mas somos lenientes

em cativeiro animais da fauna silvestre? A resposta é claramente não. Não

quando o crime é cometido contra não-humanos. Não raro, comportamen-

existe lógica em manter em cativeiro animais que podem viver em liber-

tos considerados legítimos e legais, praticados em determinado local ou

dade. À fauna doméstica devemos proporcionar abrigo, proteção, adoção

momento da história, uma vez submetidos a uma reflexão ética, acabam por

e guarda responsável, mas para a fauna silvestre podemos propiciar algo

ser relegados à vergonha e ao esquecimento.

ainda melhor: a sua liberdade. Pensando nesse cenário, protocolei projeto

A livre captura de animais silvestres no Brasil era liberada até o advento

de lei de minha autoria (PL nº 4.705/2020) que proíbe a criação de animais

da Lei nº 5.197/67, momento este em que a fauna silvestre passou a ser

silvestres com objetivo comercial. Porém, até que este projeto de lei tramite

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