Empunhando seus saxofones, a mulherada injeta novidade na cena do jazz. B2
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FELIPE BRASIL
No jardim de casa, Cris Braun reflete sobre a carreira – três discos em 15 anos – e revela o desejo de “ser generosa, no sentido de jamais ser apática e conformada. Sou uma pessoa malcomportada!”
Quarta-feira 07/03/2012
PERSONA QUE SOMA MÚSICA. O título do disco é Fábula, mas não há ‘lição de moral’ alguma no álbum que Cris Braun acaba de lançar e que é o terceiro de sua carreira solo. Prestes a completar 50 anos, a gaúcha que conheceu a noite e a fama no Rio de Janeiro na década de 1990 chega à maturidade com disposição para rir das ‘palhaçadas do ego’ – e é disso que ela trata em cada uma das faixas do CD, mesmo nas instrumentais. Nas composições, nos arranjos, nas (muitas) participações especiais e até no projeto gráfico, Fábula é uma espécie de instantâneo da cena local neste início de século. À Gazeta, a cantora e compositora falou sobre o processo de elaboração do registro. Confira REPÓRTER
Era janeiro de 2008. Em entrevista à Gazeta, a cantora e compositora Cris Braun dava pistas de seu novo disco, que começava a ser gestado. Agora, Fábula vê a luz do dia. É o terceiro álbum em 15 anos de carreira solo da gaúcha que passou a adolescência em Maceió, para onde voltou de vez em 2005. Moldado em etapas, bem aos poucos, o CD que sucede Cuidado com Pessoas como Eu, de 1997, e Atemporal, de 2004, reflete a mudança de marcha da artista, que iniciou seu caminhar em terras cariocas, ao lado da banda Sex Beatles. Em Fábula, o caráter colaborativo que Cris Braun buscou imprimir às gravações, realizadas na ponte aérea Rio-Maceió, é ressaltado não apenas pela quantidade de camadas sonoras verificadas em cada faixa, mas também pelo número de convidados presentes no registro. “Achei legal juntar a galera que está na minha vida ontem, hoje e sempre.
Fábula, o show Prensado o disco, é hora de pensar no show de lançamento. Os ensaios devem começar em breve e a estreia nos palcos está prevista para ocorrer até a metade do ano. Para ajudar a transpor Fábula para o formato ‘ao vivo’, Cris contará com um time de responsa, formado pelo produtor Tup (bateria e programações eletrônicas), pelo compositor Fernando Coelho (baixo e bateria) e pelos guitarristas Eduardo Bahia e Aldo Jones. Algumas das apresentações contarão com a participação especial do tecladista Dinho Zampier e do guitarrista e produtor Billy Brandão.
Acho que essa era a única diretriz. Queria juntar meus dois universos, minhas duas cidades”, observa. Da turma das antigas, da cena carioca dos anos 1980 e 90, vieram nomes como Sacha Amback, Gustavo Corsi, a percussionista Lanlan e o guitarrista Celso Fonseca, além do guitarrista Billy Brandão, que divide a produção do trabalho com Pedro Ivo Euzébio, o Tup. Tup, aliás, foi um dos responsáveis pela aproximação da cantora com diferentes nomes da cena musical de Alagoas. “Como a Cris não tinha banda, foi natural convidar os amigos que admiramos. Pegávamos as faixas e primeiro pensávamos na linguagem para ela, quais arranjos poderiam acontecer. Com isso pensado, convidamos as pessoas que mais se aproximavam do sentimento que queríamos passar na faixa. Indiquei vários nomes, a Cris outros, e todos aceitaram. Foi um auxílio luxuoso”, anota o produtor. Na ‘escalação’ do time, gerações e escolas as mais
diversas, do chorinho da dupla Wilbert Fialho e Bruno Palagani (Trio Cai Dentro) ao violoncelo de Miran Abs. Comparecem ainda no registro os músicos Marcelo Marques (Gato Zarolho), Bruno Rodrigues e Dinho Zampier (Wado) e Aldo Jones, este último um dos convocados para a banda que levará o disco aos palcos. E por falar em Wado, Fábula começa com duas ‘peças’ de sua autoria: abre com a vinheta Ossos e continua com a inédita Cidade Grande, esta com direito a trompete de boca de Cris e lap steel de Billy Brandão – típico do blues, o instrumento rende alguns dos mais belos momentos do álbum. Tanto Faz para o Amor, de Lucas Santtana e Quito Ribeiro, surge travestida de bolero, com direito a cavaquinho e castanholas. Postas na sequência, Deve Ser Assim, de Alvin L. e Marina Lima, e Tão Feliz quebram um pouco o ritmo da audição. A voz de Cris perde força quando navega por registros mais contemplativos. Já a instrumental Artérias,
com pouco mais de dois minutos, passeia pela energia roqueira do começo da carreira.
MATURIDADE Fábula promove uma espécie de junção das múltiplas facetas da artista, num momento em que a maturidade bate à sua porta. “Prestes a fazer 50 anos, tendo passado perto e junto da cena do Brasil do fim dos anos 1980 e 90, e com uma produção pessoal, digamos, preguiçosa, eu vejo Fábula cabalisticamente como ‘o número 3’. O que quer dizer que ele tem a unidade de volta. Sem temores, sem dúvidas. E eu rindo da palhaçada do ego”. A parceria com o poeta Fernando Fiúza traz a inventiva Viga, outro caleidoscópio de camadas e detalhes com coro, palmas, guitarras e mais trompete de boca. Também de Fiúza, Oscilante flerta com o samba e precede a delicada E o Amor Calou, composição de Cris que cita Carinhoso, de Pixinguinha. Caminhando para o fim do disco, mais uma vi-
nheta instrumental, Terra do Nunca Mais. Fechando a sequência, Memória da Flor, joia de Júnior Almeida e Zé Paulo, surge em dueto climático com o guitarrista Celso Fonseca. “Fábula foi se configurando como a trilha sonora de um filme imaginado. Ele fala sobre a trajetória do ser humano, bem ‘humaninho’ mesmo. Que nasce puro, vê o mundo como ele é, ama, perde, se revolta, se liberta, ri, fica livre e tem a paz de volta; mas, obviamente, não mais de forma inocente”. Lançado de forma independente, o disco está disponível para audição no site da cantora e deve ser liberado para download em breve, assim como os anteriores: “Vou disponibilizar para download, sim. Porque quero que as pessoas tenham acesso. Quero que gostem, que falem bem, que queiram comprar nos shows e nos sites e livrarias, porque tem mais coisa ali, para além da música. As ilustrações são uma arte à parte”. Bem tramado, o álbum pode ser ouvido e inter-
pretado como o retrato de uma artista em busca de serenidade. E o que há da vocalista do Sex Beatles que chega até a Cris Braun de Fábula? “A irreverência. O desejo quase neurótico de ser sempre original. De ser generosa, no sentido de jamais ser apática e conformada. Sou uma pessoa mal comportada!”.
Serviço Disco: Fábula Artista: Cris Braun Lançamento: independente Preço: R$ 20 Como adquirir: na banca Zumbi dos Palmares (em frente à Estação Ferroviária, no Centro) ou pelo e-mail belezabraun@hotmail.com; disponível para audição em crisbraun.com.br
ENCARTE DO DISCO É UM CAPÍTULO À PARTE “Ficou demais. É um livreto de arte”. Cris Braun é só elogios para o trabalho do artista gráfico Pedro Lucena, responsável pela identidade visual de Fábula. São dele as ilustrações de viés surrealista que compõem a capa e o encarte do disco. Pedro conta como o convite surgiu: “Já nos conhecíamos e sempre gostei muito da Cris, uma pessoa dinâmica e muito irreverente. Quando ela me procurou e falou do projeto, eu pensei comigo: ‘Nossa! Tem tudo a ver com o que eu estou fazendo’”, lembra. A confluência temática aproximou os universos da cantora e do ilustrador. “O que acontece é que eu estou mergulhado há um tempo no universo dos
contos de fada, e as fábulas têm uma participação nesses contos, especialmente quando eles têm uma carga moral, coisa que é muito forte nas fábulas. Tenho algumas ilustrações antigas nas quais procuro desconstruir alguns contos de fada, como Cachinhos de Ouro e Chapeuzinho Vermelho. Eu já tinha algumas coisas prontas que achava que cabiam no projeto, fiz mais alguns desenhos e mostrei tudo a ela. A Cris amou”. Pedro conta que, definida a concepção visual, os desenhos foram criados tendo o disco como trilha sonora. “Ela me passou as músicas e eu me pus a ouvi-las e amei cada uma delas. É muito mais fácil desenvolver algo em cima de
um trabalho do qual se gosta, e foi isso o que aconteceu comigo: eu me apaixonei pelo disco”, diz ele, ao ressaltar que tentou fugir da armadilha de ‘traduzir’ as canções. “Alguns (desenhos) não têm nada a ver com as letras das canções que estão perto deles; outros, você pode ver que são próximos, mas em geral eles não contam a história do disco, estão lá para as pessoas contarem suas próprias histórias olhando para eles, para meio que desvendá-los”. Após sua primeira exposição na Europa, em setembro do ano passado, neste começo de 2012 Pedro já contabiliza novas aventuras criativas. Além de Fábula, ele também ilustrou Cantata Sáfica, o
recém-lançado volume de poemas do escritor Marcos de Farias Costa. Agora, trabalha na criação da seção de horóscopo de um site de moda. O artista comemora a boa fase, mas atenta para a necessidade de que esse tipo de projeto ao qual se dedica seja mais valorizado. “O desenvolvimento de ilustrações para esse campo mais edi-
Detalhe de uma das ilustrações de Pedro Lucena para Fábula
torial e musical me encanta, e eu quero fazer muito mais do que estou fazendo. É um campo de atuação possível em Alagoas sim, embora não muito bem remunerado, infelizmente”, avalia. RR ‡
REPRODUÇÃO
RAMIRO RIBEIRO