RECANTOS DA TERRA
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Americana Dezembro / 2015
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‘Caixa preta’ sobre a poluição da Salto Grande será aberta Pesquisa inédita analisa poluidores sedimentados no fundo da represa desde a década de 1950
Biodigestores entram na grade de ensino do Polivalente Processo eficiente devolve água limpa ao Jaguari
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ARTIGO
SOS Parque Ecológico U
m dos principais cartões postais de Americana agoniza e grita por socorro. O complexo Ecológico Municipal de Americana, localizado em uma área de 210 mil metros quadrados em uma das avenidas mais bonitas da cidade e composto pelo Parque Ecológico, Jardim Botânico e o Observatório, está abandonado. O que era motivo de orgulho para o cidadão americanense anos atrás, hoje, lamentavelmente, marca a decadência de Americana. O Parque Ecológico tem claros sinais de abandono, está parcialmente interditado por obras inacabadas pelo ex-prefeito fora da lei Diego de Nadai. Se não bastasse, o local ainda tem enfrentado roubos de quiosques e de animais, sem que haja qualquer reação por parte das autoridades. Segundo um antigo funcionário, que pediu para não ser identificado
com medo de represálias, frequentemente faltam ferramentas e produtos de limpeza para manutenção do parque e dos recintos dos animais. Ele contou ainda que são realizados cortes indiscriminados de árvores, para serem vendidas como lenha. Denunciou também que o dinheiro de doações é gasto sem controle e transparência e que é comum desentendimentos entre funcionários, inclusive com ameaças de morte, e o consumo de álcool por trabalhadores em horário de trabalho. Por fim, admitiu que existe negligência dos responsáveis pela segurança do local. Os problemas, segundo ele, infelizmente, não param por aí. Ele conta que os lagos do Parque recebem esgotos, que poluem suas águas e envenenam os animais, provocando, frequentemente, casos de mortandade de peixes. Quanto ao Observatório, o prédio
está em ruinas, depois de ter sido incendiado por motivos desconhecidos. Frequentado, antigamente, por alunos de Americana e região para aulas de astronomia, o local foi abandonado e hoje corre o risco de desabamento. Uma vergonha! A situação do Jardim Botânico é a melhor. É notável, entretanto, a falta de cuidados com as nascentes, o assoreamento da represa, a falta de manutenção nas instalações e a presença de animais domésticos no seu interior, devido a buracos no alambrado. Sabemos que essa situação caótica do Complexo Ecológico Municipal faz parte da herança maldita que Diego de Nadai deixou para Omar Najar, mas medidas devem ser tomadas pelo atual prefeito. As seguintes medidas são prioritárias: - Abertura de comissão de sindicância para apurar a responsabilidade de possíveis irregularidades
cometidas por servidores; - Constituição de comissão de voluntários da sociedade civil, composta, preferencialmente, por ecologistas e defensores do meio ambiente que irão contribuir com a recuperação do Complexo; - Criação de meios para que a população possa, voluntariamente, fazer doações para recuperação do Complexo Ecológico de Americana, podendo ser através de lançamento na conta de água do DAE ou no carnê do IPTU. É o momento de a população e o poder executivo e legislativo se unirem por uma boa e grande causa, a recuperação do nosso patrimônio, do ponto turístico e de lazer da cidade, e quem sabe teremos de volta a foto do Complexo Ecológico de Americana estampada em um cartão postal. Pedro Salvador - Ex-Vereador
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tecnologia
Biodigestores são incluídos na grade de ensino do Polivalente Equipamento trata esgoto doméstico com eficiência de até 92% Anderson Barbosa
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ETEC (Escola Técnica Estadual) Polivalente de Americana acaba de introduzir uma importante inovação com a inclusão dos biodigestores na grade curricular do curso de Edificações do ensino médio. O objetivo, segundo a coordenação da escola, é incluir no cotidiano escolar ferramentas que tenham o compromisso com o meio ambiente e a sustentabilidade. Os biodigestores tratam o esgoto doméstico com eficiência de até 92% e são apontados por autoridades e especialistas como a solução contra os despejos de efluentes nos mananciais. “Faz parte da nossa política incluir práticas que melhorem a relação com o meio ambiente. O Polivalente de Americana tem diversos projetos de final de curso relacionados à questão ambiental que foram premiados. Trata-se de um assunto recorrente e que chama a atenção dos alunos”, explica Irene Terezinha Valadares, uma das coordenadoras do ensino médio da escola. Em um primeiro momento, os alunos vão estudar a estrutura e a funcionalidade do biodigestor. A principal intenção é que o produto possa ser incluso nos futuros empreendimentos imobiliários de Americana e região. “Nossos alunos serão técnicos formados e é importante que tenham conhecimento sobre novos equipamentos e tecnologias limpas”, afirma Irene. SANEAMENTO E SAÚDE A falta de saneamento básico provoca
inúmeros problemas de saúde e é uma das causas da má qualidade de vida da população. Doenças como infecções gastrointestinais, motivadas pela ingestão de água contaminada são comuns nos hospitais da rede pública do país. Além disso, a poluição motivada por esse problema também reduz e encarece a quantidade de água potável disponível, prejudicando a agricultura, o comércio, a indústria, o turismo e outros setores da economia brasileira. O mercado oferece uma linha de biodigestores com sistema de extração do lodo, o que facilita o acesso nas comunidades mais difusas porque dispensa o uso do caminhão limpa fossa. “Os biodigestores com diferentes capacidades de armazenamento (600, 1.300 ou 3.000 litros) atendem desde a demanda de uma residência até propriedades grandes, com maior número de pessoas ou áreas rurais. Além de garantir de forma eficiente o tratamento do esgoto doméstico, o sistema não polui o meio ambiente, cuida da higiene, da saúde e é econômico”, destaca Arley Lambaz, gerente de vendas da Acqualimp, empresa que produz biodigestores. De acordo com estudos do Instituto Trata Brasil, mais de 100 milhões de brasileiros não dispõem de rede de coleta de esgoto sanitário e 13 milhões não têm sequer banheiro em casa. Todos os dias, sete crianças brasileiras morrem em consequência da falta de saneamento. Para zerar o déficit de saneamento básico e oferecer acesso universal à coleta e ao tratamento de
Irene afirma que a política do Polivalente é incluir práticas que melhorem a relação com o meio ambiente
esgoto, o Brasil precisa de investimentos anuais de R$ 10 bilhões nos próximos 20 anos. “Cada vez mais as propriedades rurais precisam se adaptar à questão am-
biental, adequado as propriedades às soluções que diminuam a geração de poluentes. Nesse sentido, essa linha de biodigestores atende perfeitamente a essas necessidades”, diz Lambaz.
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Poluidores
Pesquisa vai desvendar ‘caixa pre
Trabalho inédito coletou sedimentos de dejetos l Anderson Barbosa e Paulo San Martin
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m trabalho inédito elaborado para tese de mestrado na EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) da USP (Universidade de São Paulo) vai abrir e desvendar em definitivo a “caixa preta” das décadas de poluição na Represa de Salto Grande. A pesquisa consiste no estudo dos sedimentos do reservatório e, por meio das amostras colhidas do solo no leito profundo da represa, será possível classificar o nível de poluição da Salto Grande desde a sua criação, em 1950, até os dias atuais. A pesquisa será apresentada no primeiro semestre de 2016 pela pesquisadora e ambientalista Maria Laura Misailidis Lorena e tem a intenção de mapear os poluidores da represa e apontar soluções para o problema. A coleta do sedimento, que contou com o auxilio de mergulhadores, já foi realizada e na ocasião a equipe conseguiu retirar sedimentos de três metros de profundidade, fato inédito realizado na represa. Trabalho semelhante realizado em 2000 pelo pesquisador Maurício Leite da USP (Universidade de São Paulo) / São Carlos conseguiu coletar sedimentos apenas a 50 centímetros de profundidade. “Conseguimos identificar sedimentos anteriores a inundação para a formação do reservatório. Vamos conseguir saber em quais anos a represa recebeu a maior quantidade de poluentes e também em que momento as ações do Poder Público, que determinaram aos municípios vizinhos o tratamento de parte do esgoto despejado na represa, acarretou em melhorias”, explica Laura. Ela argumenta que o trabalho
vai identificar todas as substâncias tóxicas sedimentadas no reservatório. METAIS TRAÇO “Cloro, arsênio, mercúrio e níquel, por exemplo, são tóxicos mesmo em pequenas quantidades e foram identificados em alguns períodos na represa”, antecipa a pesquisadora. Os detalhes do trabalho só serão divulgados após a defesa da tese. “A pesquisa enfatiza os metais traço, também conhecidos como metais pesados. Vamos detalhar todos os elementos químicos encontrados nos sedimentos e, com isso, criar possibilidades positivas para uma solução para a despoluição da represa”, diz. Laura explica que os metais não se degradam ao longo das décadas e, após a pesquisa, algumas ações, como o desassoreamento da Salto Grande, podem ser descartados uma vez que os elementos químicos sedimentados no fundo do reservatório podem subir para o corpo d’água. “Os contaminadores químicos estão sedimentados. Caso ocorra uma ação de desassoreamento eles podem se irradiar para toda Salto Grande”, explica. Além disso, o estudo vai identificar a quantidade de poluidores domésticos e industriais. MILITÂNCIA AMBIENTAL Laura chegou do Uruguai em Americana em 1975. Desde a década de 1980 milita em movimentos ambientais de Americana, sempre com ênfase na Represa de Salto Grande. O sotaque uruguaio ainda é presente em sua fala e ela gosta de enfatizar que seu trabalho busca algo de positivo para o reservatório. “Apesar de alarmante já que temos que saber a realidade, minha real intenção é fazer algo de positivo. Não podemos desistir da Salto Grande”, afirma Laura, que mora na Praia dos Namorados.
Mergulhadores preparam equipamento para a retirada de três metros de sedimentos da R
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reta’ da poluição na Salto Grande
lançados no reservatório desde a década de 1950
Projeto ‘Quinto Elemento’ ganha força Com os trabalhos desenvolvidos na Represa de Salto Grande com a intenção de buscar soluções para a despoluição do reservatório, o projeto “Quinto Elemento”, elaborado em 2008 em Americana, volta a ganhar força. O projeto é audacioso e prevê três grandes intervenções na região. A intenção é recuperar toda a área, tornando-a novamente atrativa ao desenvolvimento do turismo e do entretenimento, além da construção de um parque aquático. E, com isso, criará condições adequadas à implantação de estrutura hoteleira, comercial e atividades afins. Com foco na recuperação ambiental da área, a implantação do projeto permitirá sua revalorização, introduzindo no local um vetor de desenvolvimento focado no lazer, na geração de empregos e de renda. A execução de um projeto de
epresa de Salto Grande, em Americana; trabalho inédito no reservatório
Laura vai apresentar a pesquisa no primeiro semestre do ano que vem
recuperação da represa exigirá, inquestionavelmente, a aplicação de recursos bastante significativos. “Em 2008, por um vacilo grande do Executivo de Americana, perdemos uma verba milionária da Petrobrás com a qual poderíamos executar parte do projeto. No entanto, com o empenho da sociedade americanense ainda acredito no projeto”, afirma um dos idealizadores do Quinto Elemento, o empresário e ex-vereador Cláudio Roberto Froner. O projeto propõe que a captação de recursos inicialmente ocorra por meio da iniciativa privada oferecendo, como contrapartida, o retorno institucional advindo da associação dos nomes das empresas ao projeto, bem como, por meio da cessão de espaços publicitários nos locais onde ocorrerão as intervenções previstas.
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Meio Ambiente
Sistema de tratamento devolve água limpa ao Jaguari Papirus reutiliza fibra e investe em eficiente sistema para tratar a água utilizada na produção
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Papirus utiliza um eficiente sistema de tratamento de efluentes na fabricação de papel que permite, além de reutilizar a fibra gerada na produção, devolver a água captada do Rio Jaguari quase em sua totalidade e limpa. Dos 250 metros cúbicos por hora de água usada na produção diária da empresa, 240 são devolvidos ao manancial com qualidade superior à captada. “A água captada é devolvida ao rio em quase sua totalidade e com qualidade bem acima do estipulado pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). A perda é muito pequena. Apenas emprestamos a água e depois a devolvemos”, explica o engenheiro de meio ambiente e utilidades da empresa, Maicom Margiotta Fonseca. Ele relata que o líquido volta ao manancial com DBO igual a cinco miligramas, enquanto o máximo determinado pela Cestesb é 60 mg/O²/l. “Nossas medições apontam que a qualidade está bem acima do recomendado”, afirma Fonseca. PROCESSO Depois do processo, todos os efluentes são enviados para a ETE através de canaletas. Ao chegar à ETE, os efluentes passam por duas peneiras vibratórias para reter resíduos sólidos (plásticos, madeiras, pedras etc.) de tamanhos maiores. Todos esses resíduos são retirados e dispostos em uma caçamba que depois é direcionada para aterros industriais. O efluente que passa pelas penei-
Maicom (no detalhe) explica que a água usada do manancial é devolvida após o processo de fabricação do papel
ras segue por meio de bombeamento para o Side-Hill, um equipamento que retém as fibras. Em seguida, o efluente vai para o Krofta: com capacidade instalada de 478m³/h, o equipamento tem a função de reter toda a fibra existente através da dosagem do ar comprimido e polímero. As fibras se juntam formando flocos que flotam e ficam suspensos no Krofta. Em se-
guida, a fibra é retirada e volta para o processo de fabricação do papel. No fundo do Krofta fica o lodo que, depois de desidratado em duas centrífugas, é retirado e destinado para a compostagem tornando-se adubo orgânico. Após o processo, o efluente é destinado para as lagoas, através de canaletas. Primeiro o efluente passa por duas lagoas anaeróbicas que servem para a
decantação dos materiais mais pesados. Depois da decantação o efluente passa por outras duas lagoas, desta vez aeróbicas (lagoas com a função de decompor a matéria orgânica através da proliferação de microorganismos que consomem oxigênio). Após todo esse processo o efluente já está em boas condições de voltar para o rio.
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Comportamento
A sexualidade na velhice. Um olhar para os LGBT A professora Guita Grin Debert, titular do Departamento de Antropologia do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais) da Unicamp, foi uma das palestrantes convidadas para falar no I Seminário Internacional sobre Gênero e Diversidade Sexual na Velhice, promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Social da Argentina, em parceria com a Faculdade de Psicologia da Univsersidade Nacional de Mar Del Plata. O seminário ocorreu no final do mês passado em Buenos Aires e teve a participação de palestrantes de nove países das Américas e da Europa. Guite é autora de vários livros e artigos e orientadora de estudos e teses sobre a sexualidade na velhice e no universo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Transgêneros). Na entrevista abaixo, ela fala sobre a questão da sexualidade na velhice, em diferentes gêneros, e a importância do seminário realizado na Argentina. Paulo San Martin
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ste foi realmente o primeiro seminário com representatividade internacional para discutir o tema da diversidade sexual na velhice? Sim, que eu saiba este foi o primeiro encontro, o primeiro seminário internacional para discutir o tema. E eu não tenho ideia se existe algum órgão do governo, em diferentes países, que teve uma iniciativa como esta. Aqui temos pesquisas sobre o assunto, pesquisas que levam em conta a questão da diversidade sexual na velhice, mas faltam ações mais amplas. Veja, há uma preocupação permanente entre, principalmente, os homossexuais e bissexuais: depois que o cara ou a mulher entram num asilo eles têm que voltar para o “armário”? É um pouco essa discussão que permeia muito na homossexualidade. A sua intervenção, a sua palestra, tratou de qual tema específico? Foi sobre gênero e sexualidade. A base da palestra está em meu trabalho, escrito em coautoria com Mauro Brigeiro, “Fronteiras de Gênero e a Sexualidade na Velhice”, publicado em 2012. Eu discuti um pouco o modo como a gerontologia trata da questão da sexualidade. Se até recentemente a boa velhice era aquela que se conformava em não ter mais vida sexual, ou sempre havia “charlatões” vendendo “aqueles” remédios, hoje a ideia central na gerontologia é que a vida sexual não se extingue na velhice. Se, de certa forma, a frequência é diminuída, a sexualidade na velhice melhora, ela é muito mais gratificante. É muito interessante porque o quê os homens têm que entender é que o corpo é composto de múltiplas áreas erógenas, mas isso só é levado em conta quando é pensado o corpo feminino. Para as mulheres, é um momento em que elas estão livres de cuidar dos filhos e de toda a repressão que pesa em suas fases mais jovens da vida. Elas estão em um momento privilegiado para se libe-
rar. Então a sexualidade diminui a frequência, mas melhora a qualidade. Melhora a qualidade? Fale um pouco sobre isso. Esse é mais ou menos o ponto fundamental da gerontologia. Hoje não temos como pensar em qualidade de vida sem uma sexualidade gratificante. Agora, o que tento mostrar é que isso é difícil de provar, de convencer as pessoas. Primeiro porque o senso comum é de que na velhice todos os atrativos eróticos se perdem. Temos uma indústria farmacêutica que é muito influente e que conduz para um olhar limitado da sexualidade na velhice... como o Viagra, por exemplo: a função erétil é central. Veja bem: um grande número de mulheres idosas que entrevistei acha a velhice a melhor coisa, principalmente as viúvas, porque elas pensam: “Estou livre da obrigação de sexo”. E para os homens a ideia ainda muito presente é de que o velho é aquele que perde a vida sexual. Eles se sentem jovens porque são sexualmente ativos, mas pensam na sexualidade exclusivamente como a função erétil. É um pouco isso que estou trabalhando, mas mostrando os limites nesta sexualidade e as possibilidades de ampliá-la. Mas é importante deixar claro que quando se pensa na sexualidade na velhice, basicamente se pensa na sexualidade heterossexual. Mas não houve uma mudança profunda no comportamento, nas últimas décadas? Os sessentões e setentões de hoje passaram por um processo de liberação sexual, nos anos 60 do século passado, isso influenciou em alguma coisa? Que há uma liberdade há, mas não é isso que a gerontologia está propondo. O homem velho quer ter uma vida sexual, mas a vida sexual dele está fortemente ligada à função erétil. A gerontologia está pensando em formas alternativas de sexualidade. Seria a exploração ampla do corpo? Isso. Existem zonas erógenas, as quais de-
vem ser exploradas. Não é somente aquela coisa reprodutiva. A questão é abrir a cabeça para uma sexualidade mais ampla, que seria própria da velhice. E você sente que isso existe, tem espaço, abertura nas pessoas que estão se tornando agora pessoas idosas? As pessoas mais idosas estão se abrindo para isso? A vida sexual na velhice ainda está muito parecida com as de outras fases da vida. Existe uma pesquisa, mais ou menos recente, divulgada pelo Instituto Datafolha, que aponta que entre os homens entrevistados – foram mais de mil entrevistas – 70% afirmaram que mantinham relações sexuais uma vez na semana. No caso das mulheres, apenas 24% mantinham a mesma frequência.
Existe uma diferença na sexualidade dos casais homossexuais e heterossexuais na velhice? Eu não saberia te dizer. Esse dado eu não tenho. Tenho uma pesquisa interessante que um aluno meu fez sobre a internet, com base em sites homossexuais e na relação com homens mais velhos. Tem muito bissexual. O armário é para homossexuais de grandes cidades. Nas cidades pequenas, o indivíduo já é taxado de homossexual antes da relação ser assumida. Ele não precisa deixar a pequena cidade para sair do armário. * Entrevista publica originalmente no site Longevidade ADunicamp (www.longevidadeadunicamp.org.br)
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água
Mariana e a mercantilização do meio ambiente Brasil deve recuperar a natureza pública de seus recursos naturais e romper com a lógica mesquinha da mercantilização Paulo Kliass* Agência Carta Maior*
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catástrofe de Mariana e a ação criminosa desenvolvida pelas empresas Samarco e Vale trazem ao centro da cena o debate a respeito do processo de mercantilização crescente da ação do ser humano sobre o meio ambiente. O aprofundamento da tendência de acumulação de capital em escala planetária tem transformado, de forma crescente e alarmante, a exploração dos recursos naturais em mais um espaço de multiplicação dos ganhos econômicos e financeiros. Na perspectiva da reprodução ampliada da acumulação do capitalismo, tudo se transfigura. Água não é mais apenas água. Mar deixa de ser simplesmente mar. Atmosfera passa a significar muito mais do que a mera atmosfera. A definição de subsolo extrapola o limitado sentido de tudo que está baixo do solo. Alguém aí mencionou preocupação com equilíbrio ecológico sistêmico ou com os riscos para o futuro do planeta? Bobagem! Don’t worry, my dear! A eficiência racional do empreendimento privado nos assegura que tudo o que for feito será para o bem de todos. No caso brasileiro, a onda neoliberal dos anos 1990 conseguiu avançar na privatização de importantes setores que, tradicionalmente, eram encarados como sendo de fornecimento de bens e serviços públicos. Dessa forma, os horizontes de investimento capitalista se ampliaram para além da energia, das comunicações, dos transportes, da segurança, da previ-
dência, da educação e da saúde – só para citar apenas alguns exemplos. Passaram todos a se constituir em ramos de possível acumulação de capital. Esse movimento se combina à ampliação também do potencial de exploração “empreendedora” sobre o meio ambiente. A opção por definir políticas públicas prioritárias para o novo modelo de exploração pós-colonial (re) transformou nosso País em explorador e exportador de produtos primários. Sejam eles associados às atividades do complexo do agronegócio concentrador e espoliador, sejam aqueles associados à extensa rede da extração de produtos minerais. O desastre de Mariana revela justamente toda a maldade e a crueldade envolvidas na gestão de um grande empreendimento econômico cujo único foco seja a maximização de resultados para os ganhos exclusivos de seus proprietários e acionistas. Ao contrário do que tentou divulgar uma parte dos meios de comunicação, não existiu nada de “natural” nem de “inevitável” naquele terrível acidente. Ou que a empresa teria sido, ela também, “vítima” do imponderável, como chegou a declarar um secretário do governo de Minas Gerais. EFICIÊNCIA (SIC) PRIVADA Muito pelo contrário, todos os indícios apontam para a negligência da Samarco e de órgãos públicos municipais, estaduais e federais envolvidos no tema. As licenças e autorizações de funcionamento da mina e da barragem haviam vencido meses antes do ocorrido e nada foi feito para corrigir essa falha. Outras minas e barra-
gens semelhantes apresentam riscos parecidos e a população da região próxima vive, há tempos, um clima de tensão permanente a respeito da possibilidade de novas rupturas. No entanto, como a dinâmica empresarial se move apenas pela lógica da maximização de resultados, as corporações solenemente ignoram a necessidade de realizar despesas para minimização de riscos ou mesmo interromper as atividades para evitar eventos indesejados. Não! Em busca do lucro, aceleram-se os padrões de exploração dos minérios, custe o que custar. Frente ao desastre acontecido, desnudam-se os interesses envolvidos. Governo federal e governo estadual calam-se, evitando dar os nomes aos bois. Afinal, a Samarco é uma empresa cuja composição acionária é 50% da Vale e 50% da BHP Billiton, um poderoso grupo anglo-australiano do ramo. DOAÇÕES ELEITORAIS E RABO PRESO Pouco a pouco, à medida que as informações relativas a doações para campanhas eleitorais começam a ser reveladas, percebe-se de forma mais cristalina o impressionante poder que a Samarco e a Vale exercem sobre os agentes públicos. Quase todo mundo - em todos os níveis da administração pública e em todos os grandes partidos políticos - estava de rabo preso. Haviam recebido recursos milionários para custear as despesas do pleito e não ousavam aplicar à Samarco as regras da lei e as punições cabíveis. Pessoas que morreram ou se feriram por conta do acidente? Comunidades próximas que sofreram e sofrerão consequências de toda a ordem por conta do impacto ocorrido? Cidades e populações que estão sentindo os efeitos secundários da passagem do mar de lama e o envenenamento do Doce e demais rios da região? Os efeitos danosos para as atividades econômicas ao longo de toda a faixa de extensão continental de Minas Gerais e Espírito Santo? Os impactos da chegada da lama sobre o delta do rio e a faixa litorânea do Oceano Atlântico? Tudo isso parece não fazer o menor sentido face à necessidade de preservar os interesses da empresa. Os valores de multas inicialmente aventados revelam-se insuficientes face
à dimensão dos malefícios causados e tornam-se irrelevantes frente a casos comparáveis em outros locais e países. A British Petroleum, por exemplo, fez um acordo para pagar US$ 21 bilhões ao governo norte-americano, como indenização das consequências do acidente provocado por vazamento de óleo no Golfo do México em 2010. Ora, esse montante equivalente a R$ 75 bi é muito superior aos levantamentos iniciais de R$ 10 a 14 bi para o que ocorreu com a mina da Samarco. E a maioria dos especialistas avalia que os impactos do caso brasileiro são muito mais custosos do que o da BP. Mas os espaços dedicados na imprensa ao tema costumam chamar a atenção para as dificuldades da empresa - coitadinha! - em dar conta de tal responsabilidade. Inclusive pelo fato de que a Vale encabeça a lista dos maiores grupos devedores à União, com quase R$ 42 bilhões de dívidas tributárias não quitadas. Em português claro: crime de sonegação. Afinal, nunca é demais recordar que a Cia Vale do Rio Doce foi privatizada a preço de banana em maio de 1997, tendo sido sua propriedade entregue ao capital privado por apenas R$ 3,3 bilhões. A título de comparação, para se ter uma noção de quão irrisório foi o valor da negociata, naquele mesmo ano, o lucro líquido da Vale foi quase 4 vezes superior ao valor da venda de seu patrimônio: R$ 13 bi. E na sequência, os lucros anuais foram sempre bilionários, atingindo o recorde histórico em 2011, quando chegou à cifra de R$ 37 bi. Enfim, seja a Vale um empresa estatal ou privada, o fato relevante é que as orientações de sua exploração sobre o solo e subsolo de nosso País devem passar por uma profunda reavaliação. Isso significa recuperar a natureza pública de nossos recursos naturais e romper com a lógica mesquinha da mercantilização desse potencial estratégico. Afinal, exportar minério de ferro extraído do Brasil a preços aviltantes para uma empresa do grupo na China e importar os trilhos lá manufaturados para construir as suas ferrovias em território brasileiro não é a melhor solução. * Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.