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Morfogênese in vitro de duas espécies de orquídeas da Chapada Diamantina-BA

Gustavo Surlo Nascimento1, Izabela Leonardo Ruas2, Maria Nazaré Guimarães Marchi3, Kelly Regina Batista Leite4, Moema Cortizo Bellintani5 e Alessandra Selbach Schnadelbach6

Resumo

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A Chapada Diamantina localiza-se na Bahia e possui alta diversidade florística e endemismo. A região apresenta uma grande diversidade de orquídeas, dentre elas Cattleya elongata e Cyrtopodium flavum, que sofrem com o extrativismo predatório e perda de hábitat. A cultura de tecidos vegetais possibilita a multiplicação e conservação in vitro de tais espécies. Este trabalho teve como objetivo analisar a influência da sacarose presente no meio de cultura no desenvolvimento in vitro de C. elongata. e C. flavum. Para tanto, foi utilizado o meio nutritivo Murashige e Skoog (MS), com quatro concentrações de sacarose (30, 45, 60 e 75 g L-1). Ao final de 210 dias foram avaliados sobrevivência, calogênese, número de raízes e folhas, comprimento da maior raiz, número de brotos e peso seco. C. elongata, mostrouse menos sensível às concentrações de sacarose testadas que a C. flavum, para o qual se recomenda o uso de 30 g L-1 do carboidrato. Para C. flavum pode-se induzir 66,6% de embriogênese somática indireta para os explantes testados, a partir do tratamento com 45 g L-1 de sacarose, sem o uso de reguladores vegetais. O crescimento lento é alcançado para essa espécie, mantendo-se as culturas em meio acrescido de 75 g L-1 de sacarose. Palavras-chave: calogênese; Cattleya elongata; crescimento lento; Cyrtopodium flavum; embriogênese somática.

Abstract

(Effect of sucrose on in vitro cultivation of two orchid species of Chapada Diamantina-BA). Chapada Diamantina is a region in Bahia, which exhibits high floristic diversity as well as high endemism levels. This area presents a large diversity of orchids, amongst them Cattleya elongata and Cyrtopodium flavum that suffer with extractivism and habitat loss. The plant tissue culture methods allow the multiplication of these species and their in vitro conservation. Then, the goal of this current study was to evaluate the influence provided by the presence of sucrose on the nutritive medium in in vitro growth of C. elongata. and C. flavum. For such purpose, the Murashige e Skoog nutritive medium was used (autoclaved by 15 min under 121°C), presenting four different sucrose concentrations (30, 45, 60 e 75 g L-1). At the end of 210 days, survival, callogenesis, number of roots and leaves, length of the largest root, number of shoots and dry weight were evaluated. C. elongata was less sensitive to sucrose concentrations tested in the culture medium than C. flavum, for which the use of 30 g L-1 of carbohydrate is recommended. Thus, it is recommended a concentration of 30 g L-1 of sucrose for this less sensitive species. Furthermore, it was possible to induce somatic embryogenesis in C. flavum, that was observed 66.6% on the treatment with 45 g L-1 of sucrose without any vegetal regulators added on the medium. The slow growth for this species is possible when keeping the cultivars on nutritive medium with concentration of 75 g L-1 of sucrose.

Key words: callogenesis; Cattleya elongata; Cyrtopodium flavum; low growing; somatic embryogenesis.

1 Universidade Estadual de Feira de Santana, Av. Transnordestina, s/n, 44036-900, Feira de Santana, BA, Brasil. E-mail: gustavo_surlo@yahoo.com.br 2 Universidade Estadual de Feira de Santana, Av. Transnordestina, s/n, 44036-900, Feira de Santana, BA, Brasil. 3 Instituto Federal Baiano, Rua Barão de Camaçari, n 118, 48110000, BA- Brasil; E-mail: marchi.mng@gmail.com 4 Universidade Federal da Bahia, R. Barão de Geremoabo, s/n, 40117011, BA-Brasil. 5 Universidade Federal da Bahia, R. Barão de Geremoabo, s/n, 40117011, BA-Brasil. 6 Universidade Federal da Bahia, R. Barão de Geremoabo, s/n, 40117011, BA-Brasil; E-mail: alessandra.schnadelbach@gmail.com

Introdução

A Chapada Diamantina está localizada ao Norte de uma cadeia de montanhas denominada Cadeia do Espinhaço, que se estende da Serra do Ouro branco em Minas Gerais até a Serra da Jacobina, no Nordeste da Bahia. Em sua extensão, pode-se encontrar um tipo vegetacional denominado Campo Rupestre (RAPINI et al., 2008). Inseridos nos biomas Cerrado e Caatinga, os campos rupestres ocorrem a partir de 900 metros de altitude (RAPINI et al., 2008), onde há predominância de monocotiledôneas, as quais acumularam características únicas para sobreviver às condições de exposição a oscilações drásticas de temperatura, solos oligotróficos e ácidos além de restrições hídricas nestes ambientes (GIULIETTI et al., 1987). A riqueza de espécies nos campos rupestres é justificada pelo padrão disjunto desse tipo de vegetação que associado ao seu isolamento conduz as populações a eventos de especiação, gerando altas taxas de endemismo neste ambiente (RAPINI et al., 2008; RIBEIRO et al., 2008).

Os campos rupestres estão presentes ao longo da Chapada Diamantina, onde a família Orchidaceae possui grande representatividade (VIEIRA; BARROS; ROQUE, 2014). Dentro deste grupo, encontra-se Cyrtopodium flavum Link & Otto e Cattleya elongata Barb. Rodr., espécies que ocorrem nos campos rupestres e sofrem com a perda de hábitat devido à ação antrópica (RAPINI et al., 2008). Além disso, o extrativismo predatório, induzido pelo alto valor ornamental destas plantas, também coloca as espécies em risco. Ambas as espécies constam no Convention on International Trade in Endangered Species of wild Fauna and Flora- CITES (2017), que regula o comércio de espécies em perigo de extinção. Neste cenário, A cultura de tecidos vegetais pode possibilitar tanto a propagação quanto a conservação in vitro destas espécies (DÍAZ; GARCIGLIA, 2013; SILVA, 2016) e contribuir para diminuir os impactos aos quais as mesmas vêm sendo submetidas.

Na micropropagação, a morfogênese pode se dar através da organogênese ou da embriogênese, ambas podendo ocorrer pela rota direta (sem a presença de calos), ou indireta (GRATTAPAGLIA; MACHADO, 1998). Na organogênese há o surgimento de tecidos que se diferenciam a partir de calos (GRATTAPAGLIA; MACHADO, 1998). Já na embriogênese, células somáticas geram embriões análogos aos embriões zigóticos (AMMIRATO, 1983). Embora a embriogênese possa gerar maiores quantidades de plantas quando comparada à organogênese, nem todas as espécies se mostram responsivas a esta técnica. Também há relativa dificuldade na obtenção de sistemas de embriogênese reproduzíveis em larga escala (GRATTAPAGLIA; MACHADO, 1998; SHAHZAD et al., 2017). Atualmente se julga essencial o uso de reguladores vegetais para que a morfogênese ocorra em Orchidaceae (BUSTAM et al., 2017, ROMERO et al., 2017; RIVA et al., 2017; MIRANI et al., 2017; NAHAR et al., 2017; JAINOL et al., 2017; ARAFA et al., 2021). No entanto, essas substâncias têm preço elevado e tendem a aumentar as chances de variações genéticas (GRATTAPAGLIA; MACHADO, 1998; BAIRU et al., 2011). Para conservação, o método de crescimento lento objetiva a redução das taxas metabólicas do explante, possibilitando o armazenamento de germoplasma a curto e médio prazo, reduzindo os custos advindos da cultura (SHAHZAD et al., 2017). Para tal, destaca-se o uso do agente osmótico sacarose. Com baixo custo, a sacarose modifica o potencial hídrico do meio, disponibilizando menos água para a célula e tornando o desenvolvimento mais lento (ARRIGONI-BLANK et al., 2014).

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito de diferentes concentrações de sacarose na morfogênse in vitro de protocormos de C. elongata e C. flavum.

Material e Métodos

A montagem e condução dos experimentos ocorreu no Laboratório de Cultura de Tecidos Vegetais (LCTV) e Laboratório de Anatomia Vegetal e Identificação de Madeiras (LAVIM) do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Protocormos de C. elongata e C. flavum foram usados como explantes no estudo, sendo provenientes do banco ativo de germoplasma (BAG) in vitro do LCTV.

Quatro concentrações de sacarose foram testadas, 30, 45, 60 e 75 g L-1. O meio nutritivo utilizado foi o MS (Murashige e Skoog, 1962), acrescido de 1% de Inositol, 1% de Solução F (FeSO4.7H2O – 27,8 mg.L-1 e Na2EDTA –37,2 mg.L-1 ) e 2% de carvão ativado, sem adição de qualquer regulador vegetal. O pH do mesmo foi ajustado para 5,7 antes da autoclavagem que se deu por 15 min a 121°C. O meio foi distribuído em tubos de ensaio, com capacidade de 50 ml, sendo distribuídos 15 ml de meio por tubo. A inoculação dos explantes se deu dentro de câmara de fluxo laminar, e as culturas foram mantidas em sala de crescimento com fotoperíodo de 16 horas, intensidade luminosa de 60 µ mol m-2 s

-

1 e temperatura de 25 ± 2°C. O delineamento foi inteiramente casualisado em esquema fatorial 2x4 (espécie x quantidades de sacarose), apresentando 6 repetições com 5 amostras cada, em cada tratamento. Os dados foram submetidos à análise da variância (ANOVA) e as médias foram comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. A análise estatística dos dados foi realizada com auxílio do programa Sisvar 5.1 (FERREIRA, 2011). Registros fotográficos foram realizados em todos os tratamentos a cada 42 dias. Ao final de 210 dias as variáveis analisadas foram sobrevivência (%), calogênese (%), número de raízes/explante, número de folhas/explante, comprimento da maior raiz (cm) e número de brotos/explante. Após a avaliação dos parâmetros supracitados, as plantas foram secas, em estufa a 60°C por 90 horas e posteriormente pesadas, para obtenção do peso seco. A análise anatômica do material foi feita a partir de duas amostras de cada tratamento as quais foram emblocadas utilizando resina histológica sintética (Leica historesin). As amostras foram fixadas em FAA70 (formaldeído, ácido acético e etanol 70%, 1:1:18, v/v) por 160 horas e desidratadas em série etílica crescente de 70% por uma hora e 80%, 90%, 100% por duas horas cada. Posteriormente, o material foi imerso em álcool 100% e resina pura (1:1) por duas horas e por fim em resina ativada durante 48 horas. As amostras foram dispostas em resina de inclusão (resina ativada + endurecedor) e alocadas em estufa a 50 °C para polimerização. O material foi seccionado em micrótomo rotativo (Thermo scientific –HM 325), gerando cortes com cinco micrômetros de espessura. Os cortes foram dispostos em lâminas, corados com azul de toluidina a 0,5%, por cinco minutos e fixados em Entellan®. As lâminas foram observadas em microscópio óptico Olympus CX41.

Resultados e Discussão

Em relação à variável sobrevivência C. elongata não apresentou diferença significativa entre os tratamentos, variando de 80% a 46,6%. Entretanto, C. flavum, mostrou maior sobrevivência (93,3%) no tratamento com 30 g L-1 de sacarose. Já em 60 g L-1, quando a quantidade de sacarose dobrou, foi observado uma redução na porcentagem de sobrevivência para essa espécie (53,3%). Entre espécies, houve diferenças significativas apenas para a concentração de 75 g L-1 de sacarose, onde C. flavum apresentou percentual de sobrevivência maior que C. elongata (Tabela 1). Embora o meio testado não tenha tido a adição de reguladores vegetais, a calogênese foi registrada para C. elongata e C. flavum (Tabela 1), não havendo interação significativa entre espécie e sacarose. No entanto, C. elongata apresentou taxas de calogênese inferiores as de C. flavum, para todas as quantidades de sacarose estudadas. C. flavum apresentou altas taxas de calogênese, as quais alcançaram 66,6 % na concentração de 45 g L-1 de sacarose, não havendo diferença estatística dos demais.

Ambas as espécies geraram calos que regeneravam plantas bem formadas após 210 dias. Porém a morfologia e dinâmica de crescimento dos calos diferiram entre as espécies. Para C. elongata verificou-se a presença de calos esverdeados (Figura 1a) com crescimento acelerado que se diferenciavam espontaneamente em brotos, caracterizando processo de organogênese indireta (Figura 1b-c). A presença de calos nesse estudo é atribuída ao fator genético do explante utilizado. Tendo em vista que os explantes de C. elongata utilizados no estudo possuíam alta diversidade genética, em razão de serem oriundos do BAG, respostas distintas às condições de cultivo eram esperadas (SILVA; WINARTO, 2016). Tal resultado é muito positivo, pois a calogênese não é uma rota muito visada em Orchidaceae.

Tabela 1. Efeito de diferentes concentrações de sacarose sobre a porcentagem de sobrevivência, formação de calos, número de brotos, número de folhas, número de raízes, comprimento da maior raiz e peso seco das estruturas derivadas de protocormos de C. elongata e C. flavum.

Sobrevivência (%)

Sacarose (g L-1) C. elongata C. flavum 30 80,0 aA 93,3 aA

45 60 76,6 aA 66,6 aAB 71,6 aA 53,3 aB

75

46,6 bA 76,6 aAB Média geral (%) 68,7 a 72,5 a

Formação de calos (%)

Sacarose C. elongata C. flavum 30 45 3,3 bA 63,3 aA 0,0 bA 66,6 aA

60 75

6,6 bA 43,3 aA 0,0 bA 37,6 aA Média geral (%) 2,5 b 52,7 a

Número de brotos

Sacarose (g L-1) C. elongata C. flavum 30 2,37 bA 5,50 aA

45 60 75 1,36 bA 5,13 aAB 2,51 aA 2,90 aBC 0,56 aA 1,70 aC

Média geral 1,70 b 3,80 a

Número de folhas

Sacarose (g L-1) C. elongata C. flavum 30 3,40 bA 7,76 aA

45 3,03 aA 4,50 aB

60 75 2,76 aA 1,83 aBC 1,80 aA 0,53 aC

Média geral 2,75 a 3,65 a

Número de raízes

Sacarose (g L-1) C. elongata C. flavum 30 2,02 aA 3,30 aAB

45 60 75 1,16 bA 3,47 aA 1,19 aA 1,58 aBC 0,50 aA 0,16 aC

Média geral 1,21 b 2,13a

Comprimento da maior raiz (cm)

Sacarose (g L-1) C. elongata C. flavum 30 1,14 bA 1,86 aA

45 0,77 aAB 1,42 aA

60 75 0,63 bAB 1,45 aA 0,19 aB 0,06 aB

Média geral 0,68 b 1,20 a

Peso seco (g)

Sacarose (g L-1) C. elongata C. flavum 30 0,04 bA 0,43 aA

45 0,06 bA 0,37 aAB

60 75 0,02 aA 0,19 aB 0,04 aA 0,23 aAB Média geral 86,6 A 71,6 A 62,5 A 61,6 A

Média geral 33,3 A 33,3 A 25,0 A 18,8 A

Média geral 3,93 A 3,25 A 2,70 AB 1,13 B

Média geral 5,58 A 3,76 AB 2,30 BC 1,16 C

Média geral 2,65 A 2,31 A 1,38 AB 0,33 B

Média geral 1,50 A 1,09 A 1,04 A 0,13 B

Média geral 0,23 A 0,21 A 0,10 A 0,14 A

Média geral 0,04 b 0,30 a Médias seguidas pela mesma letra, minúscula nas linhas e maiúsculas nas colunas para cada parâmetro, não diferem significativamente entre si pelo teste Tukey (p>0,05).

A regeneração de orquídeas a partir de calos é altamente variável de acordo com a espécie, geralmente ocasionando calos que apresentam baixas taxas de crescimento ou necrose frequente (KERBAUY, 1984; HONG et al., 2008; KAEWUBON, et al., 2015).

A confirmação da rota organogênica indireta, ao partir do estudo anatômico, permitiu observar que as porções superficiais do calo foram convertidas em meristemas, os quais originavam brotos (Figura 1d). Ocasionalmente conexões vasculares entre broto e o calo, fator tipicamente associado à organogênese indireta, foram constatadas (GUERRA; TORRES; TEIXEIRA, 1999; ROOSTIKA et al., 2016).

Figura 1. Organogênese indireta em Cattleya elongata e embriogênese somática indireta em Cyrtopodium flavum (Amostras provindas do tratamento com 30 g L-1 de sacarose para C. elongata e 45 g L-1 de sacarose para C. flavum). a – Calos esverdeados de C. elongata (Barra = 1cm). b e c – brotos advindos de tecido calogênico de C. elongata (Barra =1cm). d- Broto (seta) oriundo do meristema provindo de tecido calogênico de C. elongata (Barra = 500µ c). e - Calos esbranquiçados derivados de protocormos de C. flavum (barra-5mm), f – massa de calos amarelados de C. flavum, d - embriões diferenciados de C. flavum e e - plantas desenvolvidas de C. flavum (bar-1cm).

Já para C. flavum verificou-se que os calos obtidos geraram plantas bem desenvolvidas ao final de 210 dias, perpassando pela fase de corpos semelhantes a protocormos (CSP). Tal rota, caracterizou um processo de embriogênese somática indireta que ocorre em quatro estágios independentemente do tratamento. Inicialmente o explante gerou massas calosas brancas ou levemente amareladas (Figura 1e), que aumentaram rapidamente de tamanho, tornando-se totalmente amareladas em períodos curtos de tempo, assim como observado por ZHAO (2008) para Dendrobium candidum. Os calos amarelados apresentaram crescimento muito acelerado, chegando ao ponto de ocuparem toda a interface do meio de cultura presente no tubo em 42 dias em concentrações específicas de sacarose. Tais calos eram constituídos de massas relativamente compactas com textura granulosa em sua superfície (Figura 1f). No estágio seguinte, houve uma diminuição no ritmo de crescimento das massas calosas. Os numerosos grânulos em sua superfície passaram a ter tonalidade esverdeada, diferenciando-se em CSP, como mostrado na Figura 1g. Essa diferenciação dos grânulos calosos em CSP sem a renovação do meio nutritivo é marcada pela provável diminuição dos níveis de sacarose disponível no mesmo, tendo em vista que a inoculação de calos em meio livre de sacarose promoveu a diferenciação dos mesmos como descrito para Phalaenopisis Richard Shaffer ‘Santa Cruz’ por ISHII et al. (1998). Por fim, os CSP se diferenciavam em plantas completas, ainda sem a necessidade de renovação do meio de cultura (Figura 1h). As plantas geradas por essa rota alcançaram até 25 cm de altura, ao final do experimento.

A regeneração de orquídeas através de calos geralmente perpassa pelo processo de embriogênese somática, o qual gera CSP, em diversas espécies (AGILA; GUACHIZACA; CELLA, 2015; ULISSES, 2016; MOMTAJ et al., 2021). Um fator que fomenta a embriogênese somática na regeneração destas plantas é o fato dos protocormos serem tradicionalmente as primeiras estruturas formadas após a germinação das sementes nas orquídeas. Assim, o aparecimento de CSP reforça a ideia de uma fase embriogênica (ISHII, 1998; SILVA; WINARTO, 2016). A comprovação efetiva da embriogênese somática indireta ocorreu através da análise anatômica dos calos amarelados, onde se verificou a presença de embriões globulares na superfície do tecido calogênico (Figura 2). Conexões vasculares entre o embrião e o explante não foram observadas.

Figura 2. Embrião somático derivado do corpo caloso. Amostra obtida do tratamento com 45 g L-1 de sacarose (Barra = 500µ c)

Verificou-se que os CSP podem se desenvolver em plantas, se mantidos no mesmo meio, ou dar origem a novos calos embriogênicos, perpassando pelas mesmas fases descritas anteriormente, quando subcultivados em meio fresco. Assim como visto por RAFIQUE et al. (2014) para Dendrobium sabin, altas porcentagens de embriogênese somática foram obtidas a partir de protocormos em meio livre de reguladores vegetais, ajustando-se para tal, apenas os níveis de sacarose no meio de cultura.

Para a variável número de brotos por explante houve interação significativa entre os fatores espécie e sacarose (p<0,05). Para C. elongata as concentrações de sacarose não diferiram estatisticamente entre si, variando de 2,51 a 0,56 brotos por explante (Tabela 1). Para C. flavum, o melhor tratamento foi o de 30 g L-1 com 3,93 brotos, apesar do mesmo não ter diferido estatisticamente dos tratamentos com 45 e 60 g L -1. Entre espécies, C. flavum apresentou maior número de brotos quando cultivados em meios com 30 e 45 g L -1 de sacarose. Apesar de todos os tratamentos terem gerado calos para C. flavum, o número de brotos, advindos destes e a velocidade com que se desenvolviam variou, mostrando forte correlação com os níveis de sacarose presentes no meio. Esse fato foi constatado por análise visual e esquematizado na Figura 3. Constatou-se que o estágio de desenvolvimento do explante presente em um meio com determinada quantidade de sacarose, era equivalente ao estágio imediatamente anterior de desenvolvimento do explante presente no tratamento com menos 15g/L -1 de sacarose, gerando fenômeno que se convencionou chamar de equivalência diagonal, indicado pelas setas na Figura 3. Havia assim, uma diminuição gradativa da velocidade de desenvolvimento entre os tratamentos à proporção que a concentração de sacarose aumenta. O que justifica tal padrão, onde meios com maior potencial hídrico promovem desenvolvimento mais acelerado do explante é o fato de que nestes, mais água fica disponível para as plantas e consequentemente, maiores as taxas de absorção de nutrientes por parte das mesmas (GALDIANO JUNIOR et al., 2013; PAULINO et al., 2023). Além disso, sabe-se que a disponibilidade de açúcares tem efeito importante sobre diversos genes do desenvolvimento (KOCH, 1996; HAQUE; NAHAR; KAZUHIKO, 2017).

Figura 3. Equivalência diagonal nos estágios de desenvolvimento de Cyrtopodium flavum

De forma geral, o meio com potencial hídrico mais elevado (30 g L -1 de sacarose) tendeu a apresentar não só taxas de desenvolvimento mais elevadas, como também mais aceleradas para ambas as espécies. De forma análoga, ao observado por GALDIANO JÚNIOR et al. (2013) para Cattleya violacea. Tal fenômeno, explica, em parte, os padrões vistos para as variáveis número de folhas por explante, número de raízes por explante e comprimento da maior raiz para ambas as espécies avaliadas. Para a variável número de folhas por explante houve interação significativa entre os fatores espécie e sacarose (Tabela 1). Embora C. elongata não tenha apresentado diferença significativa entre os tratamentos, variando de 3,4 a 1,8 folhas por explante (Tabela 1), C. flavum, apresentou maior número de folhas em 30 g L-1, gerando 7,76 folhas por explante. Entre as espécies, observamos que só houve diferenças significativas na concentração 30 g L-1 de sacarose, na qual C. flavum apresentou maior número de folhas (7,76) que C. elongata (3,4). Em relação à variável número de raízes por explante, também houve interação significativa entre os fatores espécie e sacarose (Tabela 1). A quantidade de sacarose presente no meio não influenciou na quantidade de raízes emitidas por explante para C. elongata. Já para C. flavum, os meios com 30 e 45 g L-1, apresentaram maior número de raízes (2,65 e 2,31), embora não haja diferença significativa destes para o meio com 60 g L-1. Entre espécies apenas o meio com 45 L-1 , apresentou significância, gerando um número superior de raízes (3,47) para C. flavum.

Para a variável comprimento da maior raiz, houve interação significativa (p≤0,05) entre os fatores espécie e sacarose (Tabela 1).C. flavum apresentou os melhores resultados nos meios acrescidos de 30 e 60 g L-1 de sacarose, com 1,86 e 1,45 cm, respectivamente. C. elongata mostrou-se quase sempre menos responsiva à quantidade de sacarose presente no meio em relação a C. flavum, como se pode observar para as variáveis sobrevivência, número de brotos, número de folhas e número de raízes. Para o peso seco, constata-se interação significativa entre os fatores espécie e sacarose (Tabela 1). C. elongata apresenta resultados inferiores a C. flavum nos meios com 30 e 45 g L-1 . Analisando a Tabela 1 pode-se propor um viés conservacional para Cyrtopodium flavum, onde o uso do meio com 75 g L-1 de sacarose se mostra efetivo em promover o crescimento lento para a espécie sem afetar a viabilidade da mesma. A restrição hídrica aos explantes neste meio desacelera seu metabolismo, viabilizando a conservação ao manter-se bancos de germoplasma ativos em espaços reduzidos, por períodos prolongados e sem a necessidade de manutenção frequente (SILVA, 2016).

Conclusões

Cattleya elongata apresentou calos que regeneram plantas exclusivamente por organogênese indireta, enquanto a embriogênese somática se mostra mais comum em Cyrtopodium flavum.

A embriogênese somática de Cyrtopodium flavum é facilmente alcançada em meios com maior disponibilidade de água (30, 45 e 60g L -1 de sacarose), sendo dispensável o uso de reguladores vegetais. Já C. elongata se mostra menos responsiva e apresenta a rota organogênica indireta com mais regularidade. Os corpos semelhantes a protocormos advindos da embriogênese somática de Cyrtopodium flavum, podem se diferenciar em plantas completas, se mantidas no mesmo meio de cultura, ou dar origem a novos calos embriogênicos se inoculados em meio fresco.

Cyrtopodium flavum apresenta taxas gerais de desenvolvimento maiores em meio com maior potencial hídrico. Já Cattleya elongata geralmente se mostra menos sensível às concentrações de sacarose presentes no meio de cultura. O crescimento lento de Cyrtopodium flavum é alcançado com o uso de 75 g L -1 de sacarose, sem perda de viabilidade dos explantes.

Referências

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