LORENA ROCHA DA SILVA
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL CURSO DE JORNALISMO
FAKE NEWS, O VÍRUS: uma análise do uso de fake news por parte do governo federal.
São2021Paulo
LORENA ROCHA DA SILVA
Monografia desenvolvida como etapa final de elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Jornalismo da Universidade Cruzeiro do Sul, sob orientação da Profa. Dra. Mirian Meliani.
FAKE NEWS, O VÍRUS: uma análise do uso de fake news por parte do governo federal.
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL CURSO DE JORNALISMO
São2021Paulo
AGRADECIMENTOS
Agradeço a minha orientadora, professora Dra. Mirian Aparecida Meliani Nunes por seu apoio essencial e inigualável à condução desse trabalho. Agradeço também a minha mãe e família, sem quem eu não seria nada, literalmente.
RESUMO
Palavras chave: fake news; transtorno informacional; Covid 19; governo federal.
Essa monografia tem como objetivo compreender o possível uso de fake news por parte do governo federal e mais especificamente o presidente da República, Jair Bolsonaro, durante a pandemia de Covid-19, analisando o período de 2020 à 2021, baseando-se no transtorno informacional definido por Wardle. Esse trabalho busca elencar os tipos de desinformação que foram utilizados em algumas das fake news difundidas durante a pandemia e algumas de suas consequências.
SUMÁRIO1.INTRODUÇÃO..............................................................................62.Revisãodadefiniçãodefakenews...............................................8 2.1 O que é fake news? 8 As sete categorias de transtorno informacional ................................................ 13 Sátira e Paródia 13 Falsa conexão 13 Conteúdo enganoso 14 Contexto falso 15 Conteúdo Impostor 16 Conteúdo Manipulado 17 Conteúdo Fabricado 18 2.2 Propaganda e fake news............................................................................... 19 2.3 Propaganda Computacional e as mudanças dos meios de comunicação 22 2.4 Cambridge Analytica..................................................................................... 30 3. A eleição de 2018..........................................................................32 3.1 Preparando o terreno ................................................................................... 34 3.2 Os personagens do populismo à brasileira................................................... 38 3.3 A construção da máquina de fake news bolsonarista .................................. 42 4. Fake news em meio à pandemia..................................................54 4.1 O início da pandemia .................................................................................... 54 4.2 As fake news sobre o Covid 19..................................................................... 57 4.3 O transtorno informacional no contexto da pandemia................................ 58 O tratamento precoce combate o Covid 19 contexto falso............................ 58 A China desenvolveu o Covid 19 em laboratório conteúdo fabricado ............ 60 Máscaras fazem mal à saúde conteúdo enganoso........................................... 62 Isolamento social causa desabastecimento de comida falsa conexão 64 A vacina gera AIDS conteúdo manipulado....................................................... 66 5. Considerações finais.....................................................................70 6. Referências...................................................................................74
Figura 9 Pôster americano contra os alemães. 21
Figura 10 Mapa da influência do Grupo Globo...........................................................27
Figura 2 Gráfico do transtorno informacional.............................................................12
Figura 1 Postagem sobre o "kit gay". 11
Figura 4 Postagem realizada pelo Ex Ministro da Educação. 14
Figura 5 Postagem realizada sobre Lula......................................................................15
Figura 6 Matéria falsa associada ao Jornal Estadão. 16
Figura 3 Matéria do site satírico Sensacionalista........................................................13
Figura 13 Encontros de Eduardo Bolsonaro com influenciadores. 43
Figura 14 Tuíte de Bolsonaro em relação a jornalista do Estado de SP. 49 Figura 15 Tuíte de Eduardo Bolsonaro em relação à Mello........................................49
Figura 19 tuíte de Eduardo Bolsonaro sobre a China. 60
Figura 20 livestream de Bolsonaro sobre máscaras. ...................................................62 Figura 21 tuíte de Bolsonaro sobre a CEASA. 64
Figura 12 Slide apresentado em seminário pró vida. ..................................................42
Figura 22 Postagens no Facebook de Eduardo e Carlos Bolsonaro............................66
Figura 11 Carro de som com os dizeres “Olavo tem Razão”. 40
Figura 7 Imagem manipulada ICE. .............................................................................17
Lista de Figuras
Figura 8 Desinformação sobre o apoio de Lula ao Talibã...........................................18
Figura 16- Tuítes da SECOM. 52
Figura 17 tuíte de Bolsonaro sobre o tratamento precoce...........................................58 Figura 18 tuíte de Zambelli sobre tratamento precoce................................................59
1. INTRODUÇÃO
Fake news foram sempre presentes, datando desde as primeiras sociedades conhecidas, o uso de desinformação, mentiras e invenções, muitas vezes vistas como brincadeira, e travestida de propagandas e notícias sempre circularam na sociedade em todo mundo. Porém no mundo globalizado e digital, a fake news se tornou um meio de atingir objetivos políticos, impactando diplomacias e as relações internacionais, comprometendo áreas fundamentais do desenvolvimento científico, cultural, aumentando preconceitos, distanciando povos, criando grupos extremistas que reduz o questionamento, a dúvida, a interlocução. As fake news são diretas, usam fatos dentro de contextos manipulados em busca de autenticar versões falsas, fingindo um embasamento científico para maior credibilidade, por vezes, abordam assuntos sensíveis de forma a gerar uma forte emoção momentânea que impulsiona o compartilhamento das fake news.
Diante de um cenário político radical, o relator da CPI, Renan Calheiros, e o presidente da mesma, Omar Aziz, somaram esforços na tentativa de apresentar à sociedade brasileira as causas e consequências das ações da gestão da pandemia pelo governo e suas instituições.
No mês de abril de 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, determinou que o Senado instaurasse uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar as ações do governo federal em relação à pandemia.
Em um governo onde se fez necessário um debate mais amplo sobre as fake news, percebe se durante a pandemia que essas notícias falsas podem trazer consequências muito graves, fatais para uma sociedade desigual política, econômica e socialmente, mas incluída dentro dos canais de comunicação digitais, onde a disseminação de ideias abrange rapidamente e afeta de diversas formas seus receptores.Distinguir uma notícia de uma fake news por vezes exige uma compreensão de texto e disponibilidade para buscar fontes confiáveis de informação. Agências de checagem foram criadas para embasar as publicações, relatos, vídeos, imagens, entre outras que circulam nas mídias atuais.
Esse trabalho busca estabelecer a relação entre os eventos atuais no Brasil com as fake news, conectando teorias como as de Abramo, Amadeu, Chomsky,
Empoli e Wardle, analisando o cenário mundial do uso político de fake news e sua apropriação pelo governo brasileiro, durante a pandemia do Covid-19, na tentativa de construir uma narrativa que contextualize o tema.
É necessário questionar, os meios de comunicação oficiais fizeram uso de fake news? Quais eram os propósitos da fake news na pandemia? Como combater a desinformação quando ela parte de meios oficiais? São algumas das perguntas que essa monografia busca responder.
2.1 O que é fake news?
Esta monografia busca através de autores como Empoli, Wardle, Abramo, Amadeu e Chomsky desconstruir o conceito do termo fake news e o seu uso nos tempos atuais, analisando quais são suas conotações e raízes políticas, tecnológicas e sua evolução nas mídias. Esse trabalho buscará compreender o uso de desinformação, em especial, desinformação política. Faremos uma análise empírica do uso global de fake news e o possível préstimo dessa estratégia pelo governo Bolsonaro durante a pandemia de Covid 19, que assolou o Brasil em 2020, em seu pico, matou 3.869 brasileiros em um dia1 .
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Conteúdo disponível em: Acessadohttps://piaui.folha.uol.com.br/lupa/?utm_source=Search&utm_medium=cpc&utm_campaign=lupa5anosem:22.nov.2021.
[...] produzidas principalmente por indivíduos que não se preocupam em coletar e relatar informações ao mundo, mas em gerar lucro por meio da circulação de informações falsas nas redes sociais, imitando o estilo das notícias contemporâneas[...] é uma informação não verificável enraizada em uma irrealidade que impede nossas habilidades coletivas de dar sentido ao mundo. (ZIMDARS, 2020).
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3 Conteúdodisponívelem:https://www.aosfatos.org/.Acessadoem:22.nov.2021.
O termo fake news, apesar de ter uma tradução direta simples, notícias falsas, se tornou oblíquo dentro do campo da comunicação que busca estudar e observar suas consequências na interpretação do mundo, mais especificamente, sob as lentes do jornalismo. Melissa Zimdars definiu fake news como:
2. Revisão da definição de fake news
Conteúdodisponívelemwww.https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/202103/covid 19brasilregistra3869novasmortesmaiornumeroem24h.Acessadoem05.out.2021.
4 Conteúdodisponívelem:https://g1.globo.com/fatooufake/.Acessadoem:22.nov.2021.
Através da análise do discurso de Bolsonaro e de outros integrantes do governo em relação ao vírus Covid 19, desde sua prevenção à vacina, buscaremos verificar de forma qualitativa quais os objetivos da oratória dos membros do Poder brasileiro, confrontando esse discurso com a checagem de fatos das agências Lupa2 a primeira agência de checagem do Brasil, fundada em 2015, Aos Fatos3 e Fato ou Fake4 para averiguar o possível uso de desinformação e fake news
Por isso, fake news não pode existir fora de uma contextualização social, ou ao menos, não será capaz de ser bem sucedida em questão de interação, se não houver uma clara referência a problemas universais como segurança, habitação, consumo e entre outros, e também a problemas específicos à certas regiões como
Conteúdodisponívelemwww.https://www.statista.com/topics/3251/fakenews/.Acessadoem 05.Out.2021.
Tal perspectiva, faz com que a análise de fake news apenas sob as lentes da disciplina de Comunicação seja enfraquecida em vista de todos os campos por quais o problema percorre. Sua disseminação rápida e eficaz se dá por causa de algoritmos codificados para amplificar interações entre usuários e não, necessariamente, para modular a qualidade dessas interações (ANDREJEVIC, 2020), seu impacto social é consequência de pós-verdades, definido pelo Oxford Dictionary6 como "circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal”7, fortemente enraizadas em sociedades onde estruturas de influência como poder monetário e relações entre etnias, gêneros, religiões e afins, são igualmente sistematizadas e transmutadas em relação a propensões políticas, ajudando ao mesmo tempo a geração de fake news para uso extremamente específico, em questão de região, e extremamente universal, em questão de sociedade.
7 Conteúdo disponível em: https://languages.oup.com/wordoftheyear/2016/. Acessado em: 27.nov.2021.
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O uso da desinformação como meio de influenciar a opinião pública não é uma ocorrência nova, mas ganhou relevância com a rapidez com que se espalha e afeta elementos significativos da estrutura democrática. Segundo Zimdars, a natureza altamente autômata das fake news na era da cibercultura, nos força a examinar tal evento não apenas como “falsa informação”, mas algo muito maior: “[...] fake news fazem parte de questões de interesse político, cultural e social muito mais amplas. Fake news são um sintoma de problemas enraizados, tanto quanto são em si mesmos um problema”. (ZIMDARS, 2020)
Conteúdodisponívelem:https://languages.oup.com/dictionaries/#oed.Acessadoem:27.nov.2021.
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A expressão fake news, que tomou as redes sociais e a mídia tradicional de forma célere durante as eleições presidenciais estadunidenses de 20165, que apresentava Donald Trump e Hillary Clinton em lados opostos, ganhou magnitudes sócio políticas e comunicacionais nunca vistas antes. Sua potencialização sendo beneficiada diretamente pelos novos meios de comunicação, as redes sociais digitais.
relações étnicas inflamadas entre grupos particulares, domínio religioso de uma certa doutrina, de classe em países onde as divisões monetárias são agravadas, etc. O uso de fake news nestes casos, trarão consigo o verniz político que mais afeta a demografia a quais se tenta persuadir ou iludir. De acordo com Johan Farkas “o falso se torna um substituto para o poder e o domínio, um meio de deslegitimar ideias conflitantes” (FARKAS, 2020)
Entretanto, a revelação de que o caso se tratava de fake news, não apaziguou os ânimos de pessoas crentes na veracidade da teoria, levando um homem armado a “investigar” a situação por si só, abrindo fogo dentro da pizzaria. Logo, o caso do atirador foi novamente assimilado por usuários do 4Chan, dando luz a uma nova teoria, que afirmava que o homem havia sido plantado, provavelmente pelo partido Democrata e Hillary Clinton, com o objetivo de destruir a mídia alternativa.
Oespecífico.Brasilsofreu com sua própria cota de fake news nas eleições de 2018, um projeto desenvolvido pelo então Ministro da Educação, Fernando Haddad em 2011, chamado Escola sem Homofobia9, foi usado por apoiadores do então candidato à Presidência, Jair Bolsonaro, como prova de que caso a esquerda fosse eleita, passaria a “sexualizar crianças” e o ensino da ideologia de gênero nas escolas do
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Conteúdo disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html. Acessado em: 09. set.2021.
Para assegurar esse domínio político social, a narrativa compelida por fake news traz consigo um forte viés emocional, buscando incentivar a insegurança, o descaso, o medo e o ultraje.
O exemplo do #PIZZAGATE nos mostra como o medo das elites políticas de se livrarem de crimes nefários, especialmente contra aqueles em situação de vulnerabilidade, foi explorado para ajudar a disseminação de tal narrativa em um território
Conteúdodisponívelem:https://super.abril.com.br/mundoestranho/pizzagateoescandalo defakenewsqueabalouacampanhadehillary/.Acessoem:09set.2021.
A #PIZZAGATE8, uma teoria conspiratória criada no fórum 4Chan que acusava Hillary Clinton de fazer parte de uma rede de prostituição e tráfico de menores baseada no porão de uma pizzaria em Washigton, capital dos Estados Unido, tomou proporções imensuráveis em 2016. A teoria se tornou um escândalo tamanho que a polícia do Distrito de Colúmbia e um jornalista do New York Times investigaram o caso, descartando qualquer possibilidade de crime.
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Casos desse tipo muitas vezes florescem em posts desconectados de fontes jornalísticas verificáveis, escritos de forma direta como se fossem fatos e não conjecturas. Claire Wardle discute a existência de sete tipos de fake news, os elencando sob o termo “transtorno informacional”, categorizados em duas esferas, falsidade e intenção de prejudicar.
Fonte: Usuário do Facebook (2018).
sobre o "kit gay".
Brasil. Na verdade, o projeto que foi apelidado de “kit gay”, visava preparar professores para lidarem com os direitos LGBTQ+, a luta contra preconceitos e o respeito à diversidade entre jovens. A Fig. 1 mostra o post feito por um usuário do Facebook que recebeu mais de 65 mil compartilhamentos contendo desinformação sobre oFiguraassunto.1Postagem

Figura 2 Gráfico do transtorno informacional.
Definimos má informação como informação falsa compartilhada por alguém que acredita que seja verdadeira” [...] Desinformação, ao contrário, é uma informação falsa compartilhada com o conhecimento de sua falsidade e,portanto,da intenção de enganar ou de outra forma causar danos. É uma mentira deliberada e intencional. Também definimos uma terceira categoria, informação má intencionada, que é a informação baseada na realidade que é compartilhada para causar danos a uma pessoa, organização ou país. Esse termo pode se referir a casos em que informações privadas são tornadas públicas (por exemplo, pornografia de vingança) ou imagens genuínas que são recompartilhadas no contexto errado. (WARDLE, 2020)
Fonte: Elaborado pela autora (2021).

Falsa conexão
As sete categorias de transtorno informacional
Figura 3 Matéria do site satírico Sensacionalista
Fonte: Sensacionalista.

Quando legendas, títulos e fotografias não sustentam o conteúdo. Matérias com títulos sensacionalistas e posts em redes sociais são algumas das formas mais comuns de falsa conexão. Na Fig. 4 o ex Ministro da Educação, Abraham Weintraub, usa gráfico que não tem correlação com sua acusação de aumento
Apesar da sátira e paródia não terem intenções de distribuir desinformação, a possível falta de contexto onde se encontra o conteúdo pode resultar em enganos e uma interpretação errônea do tópico.
Sátira e Paródia
Quando a informação é usada de forma enganosa para enquadrar um assunto ou indivíduo de forma específica, coletando imagens, áudios e ou estáticas para formular conteúdo prejudicial. A (Fig. 1.4) mostra uma fala editada do exPresidente Lula em uma coletiva de imprensa. O usuário que postou o discurso deu a entender que Lula estaria ameaçando pastores e padres caso fosse eleito.

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Figura 4 Postagem realizada pelo Ex Ministro da Educação.
Fonte: Agência Lupa Conteúdo enganoso
Conteúdo Disponível em: _R_chart.svghttps://en.wikipedia.org/wiki/X%CC%85_and_R_chart#/media/File:Xbar_chart_for_a_paired_xbar_and.Acessadoem:10.set.2021.
no número de prisões inconstitucionais de conservadores. O gráfico pode ser encontrado na página do Wikipédia10 .
Olha, com todo o respeito que eu tenho pelas instituições brasileiras… Eu tô conversando com quem é pastor, com quem é padre. Eu vou conversar com todo mundo, enquanto povo brasileiro e enquanto eleitores. Se eu ganhar as eleições, aí eu vou conversar como chefe supremo, pra dizer qual é o papel deles. (INSTAGRAM. Fala atribuída a Lula em postagem da rede social)
Tem gente que pergunta ‘Lula, você vai conversar com as Forças Armadas?’. Eu tô conversando com as Forças Armadas agora, com essa resposta que eu tô dando pra você, eu tô conversando com quem é das Forças Armadas, eu tô conversando com quem é do Ministério Público, eu tô conversando com quem é da Polícia Federal, eu tô conversando com quem é pastor, com quem é padre, com quem é ateu. Eu vou conversar com todo mundo, enquanto povo brasileiro e enquanto eleitores. Se eu ganhar as eleições, aí eu vou conversar com os militares como chefe das Forças Armadas, como chefe supremo, pra dizer qual é o papel deles. Não é se intrometer na política, porque isso não tá (LULAcerto. DA SILVA. Fala verdadeira dita por Lula.)

Na realidade Lula se referia às Forças Armadas e não a padres e pastores.
Fonte: Postagem realizada por usuário do Instagram.
Contexto falso
Figura 5 Postagem realizada sobre Lula
Em situações de notícias de última hora, onde ainda não há informações e imagens totalmente desenvolvidas, é comum que jornais televisivos usem imagens de eventos semelhantes que ocorreram no passado. O objetivo das emissoras não é
11 Conteúdodisponívelem:https://www.aosfatos.org/noticias/bolsonaristasresgatamvideoantigode drauziovarellaparadifundirdesinformacaosobrecovid19/.Acessadoem:27.nov.2021.
Conteúdo Impostor
Fonte: Agência Lupa.
Figura 6 Matéria falsa associada ao Jornal Estadão.
O uso ilegítimo de nomes de jornalistas e veículos de imprensa renomados e conhecidos como fontes de fake news está se tornando um problema cada vez mais comum. Criadores de desinformação usam os logotipos de jornais como Folha de São Paulo e Globo para transmitir um falso senso de verdade, já que há uma propensão maior na crença da “veracidade” de uma reportagem caso seja vinculada a uma fonte reconhecida. Na Fig.6 um usuário fez uso de uma imagem da deputada Joice Hasselmann com o título “A farsa revelada”, alegando ser uma matéria veiculada pelo jornal Estadão. O próprio jornal desmentiu essa alegação.
enganar o público, no entanto, é possível que a vinculação dessas imagens possa gerar confusão para aqueles que não tiveram conhecimento do relato de eventos passados que estão sendo usados no lugar dos atuais. O uso mal intencionado também é possível, um exemplo seria a divulgação de um vídeo antigo gravado pelo médico Drauzio Varella no começo da epidemia de coronavírus onde afirmava que o vírus não era perigoso. O vídeo foi repostado como sendo atual por bolsonaristas em meio ao aumento exponencial de mortes por Covid 19 no Brasil.11

12 Conteúdo disponível em: https://www.independent.co.uk/news/world/americas/twitterbot immigrationarrestlatinovoterneilturnerhoaxuselection2016a7386061.html.Acessadoem:27.nov.2021.

Quando conteúdo autêntico é manipulado com o intuito de enganar. A Fig.7, foto A mostra uma fila de eleitores nos Estados Unidos enquanto um homem latino é algemado durante as eleições de 2016, o tweet que acompanhava a foto lia “acabei de ficar sabendo que um ilegal estava tentando votar e foi preso. ICE está assistindo de perto. Muito Obrigado ICE!”.12 ICE é a sigla para Polícia de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos da América. A foto é uma manipulação de duas imagens verdadeiras. A fila de eleitores (foto C) foi capturada no estado do Arizona, a segunda (foto B) pertence a um banco de imagens e pode ser encontrada online ao pesquisar “ICE arrest”.
Fonte: Elaborado pela autora (2021).
Conteúdo Manipulado
Figura 7 Imagem manipulada ICE.
A Fig.8 mostra uma postagem feita por um usuário do Facebook, onde afirma que o ex presidente Lula teria declarado seu apoio ao Talibã. Não há nenhuma evidência que prove tal discurso.

A análise da “mensagem” veiculada pelas fake news, seu discurso e quais métodos de manipulação são utilizados para auxiliar a disseminação de conteúdo malicioso é extremamente útil para nos aprofundarmos em um dos seus mecanismos mais básicos, a linguagem; porém, como Wardle afirma:
[...] além de compreender essas diferentes categorias de transtorno informacional, devemos examinar separadamente os "elementos" da desordem de informação: o agente, mensagens e intérpretes [...] o "agente" que cria uma mensagem fabricada pode ser diferente do agente que produz essa mensagem que ainda pode ser diferente do “agente” que distribui a mensagem. Da mesma forma, precisamos de um entendimento completo de quem são esses agentes e o que os motiva. (WARDLE, 2020).
Figura 8 Desinformação sobre o apoio de Lula ao Talibã.
Provavelmente o tipo mais conhecido de fake news, o conteúdo fabricado, onde todo o material, imagens, áudios, textos, etc. são completamente fantasiosos.
Fonte: Agência Lupa.
Conteúdo Fabricado
Sendo o “agente” responsável pela mensagem que se deseja transmitir, é necessário nos perguntarmos quais são seus objetivos em relação a tentativa de
Não havia nenhuma parte da grande máquina de guerra que não tocássemos, nenhummeio de recurso que não utilizássemos. A palavra impressa, a palavra falada, o filme, o telégrafo, o cabo, o wireless, o pôster, a placa tudo isso foi usado em nossa campanha para fazer com que nosso próprio povo e todos os outros povos entendessem as
Conteúdodisponívelem;https://www.history.com/news/worldwar1propagandawoodrow wilsonfakenews.Acessadoem:05.out.2021.
Creel convocou alguns dos maiores comunicadores, ativistas e artistas do século XXpara conseguir atingir seu objetivo, trazendo consigo uma ênfase nas ideias de patriotismo e liberdade. Em seu livro “How We Advertised America” (Como nós Anunciamos a América, em tradução livre) Creel afirma;
Para melhor estabelecer o contexto do uso de fake news na arena política, precisamos referenciar as ferramentas linguísticas usadas por propagandistas para que conseguissem atingir um “consenso”, “isto é, obter a concordância do povo a respeito de assuntos sobre os quais ele não estava de acordo por meio das novas técnicas de propaganda política” (CHOMSKY, 2014). Um bom exemplo dessa prática foi a criação do Comitê de Informação Pública 13(CIP) criado pelo então presidente americano Woodrow Wilson, no início do século XX, encabeçado pelo jornalista George Creel, e foi responsável por conseguir persuadir o público americano a aceitar o seu envolvimento na Primeira Guerra Mundial após Wilson ter sido reeleito através de uma campanha pacifista.
13
modular o cenário político por meio do uso de desinformação, é preciso questionar o porquê do uso de fake news “A tentativa de encaminhar uma agenda com base em premissas enganosas indica que os objetivos são nefastos ou questionáveis o suficiente para serem mascarados; caso contrário, a verdade serviria” (ANDREJEVIC, 2020) Há ganhos políticos a serem atingidos? Se sim, quais? E o uso de fake news por parte de membros de um governo podem ser caracterizados como propaganda? Explorar mais a fundo os criadores de fake news pode nos ajudar a entender seus motivos e assim, definir uma demografia a qual a desinformação é direcionada, ambos em termos de persuasão, incitação e ataque. Dessa forma a codificação da linguagem usada, como foi apontada na primeira parte deste capítulo, se tornará ainda mais clara quando conseguirmos esclarecer quem é o locutor, o porquê de sua mensagem e a quem ela se dirige.
2.2 Propaganda e fake news
14 Conteúdo disponível em: https://www.pbs.org/wgbh/americanexperience/features/thegreatwar propaganda/#:~:text=Creel%E2%80%99s%20CPI%20drew,European%20countries.%5Bi%5Dmasterofamerican. Acessado em: 27.nov.2021.
Creel também foi um dos primeiros propagandistas a perceber o poder da mídia de entretenimento, não apenas ajudando a fundar e produzir filmes hollywoodianos que condiziam com a mensagem governamental da época, mas também pressionando a cena europeia para a barragem de filmes alemães, resolução duramente sentida pelo governo germânico que já havia se estabelecido como uma força cultural influente ao norte da Europa.14 Creel também fez uso extensivo da censura dentro do território americano, impedindo que matérias jornalísticas à filmes do velho oeste, que exaltavam a violência e o individualismo, fossem vistos pelo público.15
15 Conteúdo disponível em: https://www.pbs.org/wgbh/americanexperience/features/thegreatwar %20educational%20imagesican%20crime%20or%20even%20Wild%20West%20banditry%2C%20and%20insisted%20on%20positivepropaganda/#:~:text=The%20CPI%20blocked%20the%20export%20of%20films%20that%20depicted%20Amermasterofamerican%2C.Acessadoem:27.nov.2021.
causas que motivaram América para pegar em armas. Tudo o que era bom e ardente na população civil veio ao nosso chamado, até que mais de cento e cinquenta mil homens e mulheres estavam dedicando habilidades altamente especializadas ao trabalho do Comitê, tão fiéis e dedicados em seu serviço como se usassem o cáqui. [...] O que tínhamos que ter não era uma mera unidade superficial, mas uma crença apaixonada na justiça da causa da América que deveria unir o povo dos Estados Unidos em um instinto de massa incandescente com fraternidade, devoção, coragem e determinação imortal. A vontade de guerra, a vontade de vencer, de uma democracia depende do grau em que cada um de todos os povos dessa democracia pode concentrar e consagrar corpo, alma e espírito no esforço supremo de serviço e sacrifício. (CREEL, 1920)
Creel preferia o exaltamento da cultura americana ao detrimento da alemã, a ideia principal era manter uma corrente de notícias positivas sobre o exército americano como assunto principal. Durante os vinte meses de existência da CIP, mais de seis mil comunicados de imprensa foram publicados, todos eles foram redigidos como notícias, sem esclarecimento de sua fonte governamental e mais de mil e duzentos artigos foram redigidos por escritores famosos de forma gratuita. Em um certo momento, estima-se que as redações jornalísticas estavam recebendo mais de três quilos de material redigido pelo Comitê, por dia. Grande parte desse material foi publicado palavra por palavra, sem qualquer edição por jornalistas ou editores, muitos deles temiam que a possível recusa pudesse acarretar problemas com os Correios e
16 Conteúdodisponívelem:https://www.history.com/news/worldwar1propagandawoodrowwilson fakenews#:~:text=During%20the%2020,ads%20for%20free..Acessadoem:27.nov.2021.
o Departamento de Justiça, e muitos dos anúncios patrióticos foram publicados gratuitamente.16
Mas quando a moral do público começou a diminuir, Creel logo passou a fazer um uso mais robusto de propaganda xenofóbica, pôsteres como o da Fig. 9 onde alemães são retratados como macacos e a legenda lê “destrua esses brutos loucos”, foram responsáveis por plantar um sentimento anti germânico no inconsciente americano, resultando em pacifistas, imigrantes alemães e socialistas sofrendo atos de violência por vigilantes deplorados por Wilson e Creel, gerando um terror silencioso para aqueles que não aceitavam os esforços da guerra como válidos. Chomsky avaliou o sucesso do CIP como um fracasso para a democracia e o início de uma longa campanha americana onde propaganda foi utilizada de forma antiética para suplantar discursos contrários àquele apoiado pelo Governo.

Figura 9 Pôster americano contra os alemães.
Fonte: Photo12/UIG via Getty Images.
O método Creel se tornou um marco na história da propaganda americana, mostrando que era possível gerar um consenso ao redor de uma iniciativa controversa mediante a manipulação de fatos e mantendo se em uma posição de poder através
[...] a marca de uma cultura totalitária bem azeitada. Ela mostra que a construção do consenso está funcionando [...] a propaganda política patrocinada pelo Estado, quando apoiada pelas classes instruídas e quando não existe espaço para contestá la, pode ter consequências importantes. (CHOMSKY, 2014, p. 7-30)
Tal mudança demanda que um novo modelo propagandista seja estruturado para conseguir lidar com as correntes sempre mutáveis do ambiente hiper digital que estamos vivendo. A manipulação de fatos e o uso de fake news se mantém como ferramentas extremamente úteis, mas a noção de como manter o controle da narrativa foi fundamentalmente alterada.
Partindo do princípio de mensagens desorganizadas, aqueles que buscam sustentar uma posição de poder podem realizar uma distribuição maciça de informações, especialmente informações falsas, já que o sistema de checagem presente em jornais e meios de comunicação jornalísticos é facilmente contornado, garantindo uma velocidade na distribuição desse conteúdo incomparável pelo jornalismo tradicional.
2.3 Propaganda Computacional e as mudanças dos meios de comunicação
O objetivo, atualmente, é impedir que um consenso alternativo ao das elites e do governo seja atingido. Segundo Chomsky: “É preciso manter as pessoas atomizadas, segregadas e isoladas. Elas não podem se organizar, porque assim elas podem deixar de ser apenas espectadoras da ação” (CHOMSKY, 2014). Fake news, nesse sentido, é uma ótima estratégia de “atomização”, sua utilidade para criar desconfiança em meios de comunicações estabelecidos leva uma nova remessa do público a buscarem informações em blogs e portais onde o principal objetivo não é
do controle da narrativa. Contudo, as mudanças extremas que decorreram no campo de comunicação em massa desde 1900, tornou mais difícil a constituição de um consenso, as redes sociais fragmentaram a ideia de comunicação a um nível drástico:
Não é mais suficiente ser capaz de capturar e moldar as narrativas que aparecem no noticiário da noite ou no jornal da manhã. Eles podem ser contrariados e, em alguns casos, eclipsados por uma torrente de informações online. Uma resposta é substituir o princípio da organização descrito por Ellul com o de mensagens desorganizadas: o objetivo não é mais sustentar uma narrativa dominante, mas evitar que qualquer contra narrativa possa emergir. (ANDREJEVIC, 2020)
A ascensão da Internet e a mudança para a mídia automatizada, no entanto, fornece aos que estão no poder novos desafios e novas estratégias de propaganda. Um ambiente de sobrecarga de informações torna mais difícil proteger uma narrativa dominante por causa das barreiras de entrada para a produção de mídia e distribuição são reduzidos. (ANDREJEVIC, 2020)
Conteúdo Disponível em: https://www3.weforum.org/docs/WEF_GlobalRisks_Report_2014.pdf.Acessadoem:05.Out.2021.
Países como Rússia, Ucrânia, Polônia, Canadá, Estados Unidos e Brasil, são alguns dos exemplos onde foi reportado um uso massivo de fake news e bots durante períodos chaves da política. O problema se tornou tão grave a ponto do Fórum Econômico Mundial17 apontar a rápida propagação de desinformação como um dos dez maiores perigos para a sociedade.
Como prática comunicativa, propaganda computacional descreve o uso de algoritmos, automação e curadoria humana para gerenciar e distribuir propositalmente informações enganosas nas redes de mídia social [...] Campanhas políticas (e seus apoiadores civis) implantaram bots políticos e propaganda computacional durante as recentes eleições para mudar o voto ou para difamar e intimidar a oposição. Atores políticos anônimos espalharam notícias falsas e coordenaram campanhas de desinformação e grupos de trolls para atacar defensores dos direitos humanos, grupos da sociedade civil e jornalistas. A propaganda computacional é uma nova ferramenta de comunicação extremamente poderosa e está sendo usada contra atores e instituições democráticas em todo o mundo. (WOOLEY e HOWARD, 2019)
Baseando-se nessa ideia, a fragmentação dos meios comunicacionais se apresenta como uma grande oportunidade para evitar qualquer contra narrativa, e sua natureza altamente autômata faz com que a propaganda política adentre um novo capítulo, o da propaganda computacional.
A tecnologia e a inteligência por trás da criação de bots políticos chegou a um ponto onde, em 2014, um bot chamado “Eugene Gootsman” passou no teste de Turing, o que significa que foi capaz de enganar um terço dos juízes fazendo os
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reportar fatos jornalísticos ao seu público alvo, mas criar fricção e apontar diferentes segmentos da mídia como “corruptos”.
Dizer que as fake news funcionam como propaganda, no entanto, não é sugerir que elas são necessariamente acreditadas; em vez disso, é considerar como ela preserva e fortalece relações de poder. O objetivo final das campanhas de notícias falsas é incapacitar o papel desempenhado pelas notícias e informações no desafio de crenças individuais ou relações de poder existentes, permitindo assim que aqueles no poder busquem suas agendas sem perseguição. [...] “Notícias falsas” não precisam ser acreditadas para funcionar; em vez disso, ela precisa fomentar a disseminação da descrença na forma de uma sabedoria generalizada que retrata todas as crenças (pelo menos no domínio da política) como a província do tolo. (ANDREJEVIC, 2020)
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A Rússia é um dos países que nos últimos anos, tem atraído a atenção do mundo por causa de sua expansão e aprimoramento de técnicas de propaganda “descontrolada”. Um relatório desenvolvido por consultores militares da corporação Research and Development (RAND) focado ostensivamente nessa técnica russa de propaganda, enfatizou a natureza multicanalizada das novas plataformas para a distribuição de conteúdo manipulado e até completamente falso.
acreditar que estavam interagindo com uma pessoa real após cinco minutos de conversa.18 A sofisticação por trás do desenvolvimento de tais ferramentas só aumentou nos seis anos desde que essa façanha foi atingida.
Caracterizamos o modelo russo contemporâneo de propaganda como “a mangueira de fogo da falsidade” por causa de duas de suas características distintivas: um grande número de canais e mensagens e uma disposição desavergonhada de disseminar verdades parciais ou ficções definitivas. Nas palavras de um observador, “[N] ova propaganda russa entretém, confunde e oprime o público.” A propaganda russa contemporânea tem pelo menos duas outras características distintas. Também é rápido, contínuo e repetitivo e carece de compromisso com a consistência. Curiosamente, vários desses recursos vão diretamente contra a sabedoria convencional sobre influência efetiva e comunicação de fontes governamentais ou de defesa, que tradicionalmente enfatizam a importância da verdade, credibilidade e a prevenção de contradições. Apesar de ignorar esses princípios tradicionais, a Rússia parece ter desfrutado de algum sucesso sob seu modelo de propaganda contemporâneo, seja por meio de persuasão e influência mais direta, seja por meio de ofuscação, confusão e interrupção ou diminuição de reportagens e mensagens verdadeiras. (PAUL e MATTHEWS, 2016)
Conteúdo disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/06/computadorconvence juizesqueegarotode13anosemtestedeturing.html.Acessadoem:27.nov.2021.
O impacto tecnológico da Rússia no cenário internacional foi tamanho, que o país foi acusado de interferir nas campanhas eleitorais americanas de 2016 e 202019 , ambas a favor de Donald Trump, um dos casos mais notórios sendo o hackeamento e vazamento de e-mails do Partido Democrata e o presidente de campanha de Hillary Clinton20 Contudo, o mais impressionante não é a capacidade de hackear dados, mas sim a infraestrutura construída pelo Kremlin para disseminar essas informações para
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Conteúdodisponívelem:https://www.washingtonpost.com/world/nationalsecurity/howthe a3ce89036c78_story.htmlrussianshackedthedncandpasseditsemailstowikileaks/2018/07/13/af19a82886c311e88553.Acessadoem:05.out.2021.
ConteúdoDisponívelem:https://www.vox.com/2020/9/21/21401149/russia2020election meddlingtrumpbiden.Acessadoem:05.out.2021.
Conteúdodisponívelem:http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2018/03/candidatospostaramusando robosnaseleicoesrevelaestudodafgv.html.Acessadoem:27.nov.2021.
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Conteúdo disponível em: .https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_pa%C3%ADses_por_n%C3%BAmero_de_usu%C3%A1rios_de_InternetAcessadoem:27.nov.2021.
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o grande público, combinando manipulação e interação orgânica com as redes sociais e seus canais oficiais.
Seu uso avançado de bots, que buscam atualmente se assemelhar o máximo possível a usuários humanos, compartilhando não apenas conteúdo político, mas também miscelâneo, combinado a um ambiente adaptado especificamente para atingir uma ampla gama de públicos, definiu a Rússia como um farol de desinformação organizada. Com estudiosos e analistas afirmando que o país de Putin pode ser considerado a fonte primária das guerras de desinformação como a conhecemos hoje, dentro do espectro político. Chegando cada vez mais perto de encontrar um equilíbrio tênue entre a captação de informações sensíveis de atores políticos, e sua distribuição em um cenário digital, com seu conteúdo moldado da forma mais "democrática" possível, ironicamente, para ter sucesso na divulgação do material, independentemente das barreiras geográficas, religiosas ou étnicas.
O relatório da comunidade de inteligência dos Estados Unidos sobre as atividades russas menciona especificamente que "a máquina de propaganda estatal da Rússia composta por seus aparatos de mídia doméstica, canais que visam públicos globais, como RT e Sputnik, e uma rede de trolls quase governamentais contribuíram para a campanha de influência servindo como uma plataforma para mensagens do Kremlin para os russos e audiências internacionais. (SANOVICH, 2019)
O método “russo” de desinformação também se espalhou para países em desenvolvimento, especialmente o Brasil, onde foi registrado um uso maciço de bots e fake news durante eventos pivôs da democracia brasileira. A primeira sendo em 2014, durante as manifestações contra o governo Dilma, demandando seu impeachment,21 e em 2018, entrementes as campanhas presidenciais encabeçadas por Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.
Sendo o Brasil o maior país da América do Sul e o segundo maior no hemisfério em relação ao uso da internet (superado apenas pelos Estados Unidos)22, as redes sociais se tornaram um terreno fértil para o debate político. “Estruturas algorítmicas, compostas de bancos de dados, modelos matemáticos e softwares que os efetivam, se tornaram fundamentais nos processos de formação da opinião pública e na disputa
As redes sociais online, utilizadas por milhões de pessoas, são organizadas por algoritmos que definem o que devemos ver e quantos dos nossos amigos ou seguidores devem visualizar um conteúdo que publicamos, entre outras ações. Eli Pariser chamou essa atividade algorítmica de filtragem. O resultado desses filtros seriam bolhas que reúnem e interligam aqueles que têm o mesmo padrão e as mesmas características. A maior parte das pessoas imagina que, ao procurar um termo no Google, todos obtemos os mesmos resultados aqueles que o PageRank, famoso algoritmo da companhia, classifica como mais relevantes, com base nos links feitos por outras páginas. No entanto, desde dezembro de 2009, isso já não é verdade. Agora, obtemos o resultado que o algoritmo do Google sugere ser melhor para cada usuário específico e outra pessoa poderá encontrar resultados completamente diferentes [...] Ao analisar as consequências dos ranqueamentos nos mecanismos de busca, Frank Pasquale alerta que eles podem gerar um efeito perverso que denominou de “profecias autorrealizáveis” (self fulfilling prophecies). Isso quer dizer que o melhor classificado se torna o mais popular e, portanto, o mais bem sucedido, independentemente de seus méritos. (AMADEU, 2019)
Esse relacionamento entre mérito e popularidade tem sido um dos maiores pontos de discussão sobre a alfabetização digital. Acostumados a um ecossistema altamente regulado e exclusivo da mídia tradicional brasileira, que concentra uma oligarquia comunicacional nas mãos de apenas cinco famílias23 , donas de 50% dos principais veículos de comunicação, a transição para o meio digital, que ainda comporta seus próprios monopólios mas infere grande parte da responsabilidade de comunicação, emissor e mensagem, a seus usuários, fez com que grande parte do povo brasileiro ainda espelhe seu comportamento para com a mídia digital ao da mídia tradicional, acreditando que um grande número de visitantes a uma página ou grande interação com algum tipo de conteúdo por internautas, deve, por extensão, atribuir tal conteúdo com algum mérito factual, pois esse é o comportamento que foi estimulado pelas oligarquias da comunicação sendo elas únicas em seu domínio da esfera jornalística e de entretenimento no Brasil. O brasileiro se acostumou à ideia de que as 23
Conteúdo disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/cincofamilias controlam50dosprincipaisveiculosdemidiadopaisindicarelatorio/.Acessadoem:05.out.2021.
pelas preferências políticas do eleitorado”. (AMADEU, 2019) Contanto, a grande presença digital de boa parte da sociedade brasileira não é indicativa de uma sociedade que saiba como se relacionar com os termos confusos e por vezes, obscuros dos algoritmos que regem suas interações online.
Figura 10 Mapa da influência do Grupo Globo.

Fonte: Media Ownership Monitor.
(INTERVOZES; REPORTERES SEM FRONTEIRAS, 2017)
fontes de suas notícias não haviam de ser questionadas, pois elas eram as únicas no país que conseguiam suprir a demanda informacional de interesse brasileiro.
Levando em consideração a extrema importância da mídia e por extensão quem a controla, a Media Ownership Monitor Latin America (MOM) em parceria com a Intervozes decidiu analisar os proprietários da mídia brasileira e sua relação a agendas políticas, uso de discurso teológico e outros fatores chaves que impactam a democracia informacional, e o resultado não foi positivo. Segundo a MOM Brasil; “No Brasil, o resultado indica alerta vermelho. Nosso sistema de mídia mostra alta concentração de audiência e de propriedade, alta concentração geográfica, falta de transparência, além de interferências econômicas, políticas e religiosas.”
O Grupo Globo, controlado pela família Marinho detém a maior parcela de audiência do Brasil, segundo o próprio grupo, eles atingem cerca de cem milhões de brasileiros por dia através de seus diversos aparatos comunicacionais como rádio, televisão, jornais e revistas. A Fig.10 ilustra o número de propriedades midiáticas que pertencem ao grupo.
A ideia de que os algoritmos são puramente matemáticos e precisos por natureza é muitas vezes usada como chamariz para sua imparcialidade, sendo oposta aos impulsos emocionais de seres humanos que são incapazes de se manter totalmente racionais diante diversos cenários, especialmente políticos. Algoritmos parecem, à primeira vista, atingir o objetivo iluminista e positivista ideal, de uma sociedade movida puramente pela razão. Como definido por Amadeu; “O velho mito da objetividade do jornalismo encontra seu maior aliado, a objetividade algorítmica. O caráter técnico do algoritmo é apresentado como garantia de sua imparcialidade” (AMADEU, 2019). Mas sabemos que essa não é a realidade. Um dos principais usos de algoritmos e “big data” é o marketing, a venda de informações de usuários a empresas de varejo e entre outras. Isso é um fato importantíssimo para que possamos inferir sobre a real intenção de plataformas de comunicação digital, a de vender e não informar.
[...] algoritmos podem possuir viés, ou seja, um direcionamento, uma tendência e, algumas vezes, procedimentos equivocados. Como são performativos, podem promover uma série de distorções que, em inúmeros casos, podem ser apresentadas como representações fiéis e objetivas da realidade. (AMADEU, 2019)
Essa concepção estreita de quem tem o direito de relatar os acontecimentos pelo mundo e dar importância ou mérito a uma reportagem, acabou indo totalmente contra a esfera das mídias sociais e como a informação é trocada nessas plataformas, onde qualquer um pode ser repórter e os assuntos de interesse de cada indivíduo superam os de um grupo demográfico maior. Em outras palavras, hoje, os algoritmos detêm a responsabilidade de “gatekeeping” do que é de interesse de um determinado grupo ou sociedade tanto quanto os grandes conglomerados de mídia. “A comunicação digital distribuída reduziu as barreiras para se tornar um falante ou emissor de informações, ou seja, permitiu que as pessoas falassem mais, porém não assegurou que elas fossem ouvidas” (AMADEU, 2019)
Essa liberdade de “expressão”, apresentada pelas redes sociais se torna um grande atrativo para aqueles que buscam escapar das oligarquias brasileiras, porém, é possível que os usuários utilizem essas plataformas como fontes imparciais de informação, sem saber que os algoritmos que as mantêm também são parciais.
[...] “as plataformas são infraestruturas digitais que permitem que dois ou mais grupos interajam”. A primeira característica dessa fase seria
o papel de intermediação que as plataformas possuem. Elas se posicionam como um local que dá uma série de vantagens para que as transações aconteçam e, desse modo, obtêm dados de quem oferece e de quem procura algum bem ou serviço. A segunda característica fundamental é que as plataformas são dependentes dos “efeitos de rede”: quanto mais numerosos os usuários de uma plataforma, mais valiosa ela é para todos os outros. As plataformas são grandes devoradoras de dados e, como se fossem ruminantes digitais, os entregam em amostras específicas para cada um dos anunciantes ávidos por obter, se possível em tempo real, um bom resultado em sua transação, seja ela a oferta de um táxi, a resposta à busca de um namorado ou namorada, o aluguel de um imóvel na praia ou a venda de um móvel antigo etc. O capitalismo de plataforma é um capitalismo de dados tratados por algoritmos. (AMADEU, 2019)
As redes sociais continuam sendo consideradas a melhor alternativa para um debate político mais aberto em comparação aos grandes monopólios que dominam o mundo da mídia tradicional, mas as fontes de seus códigos permanece um mistério intrigante até mesmo para programadores experientes, o desenvolvimento da inteligência artificial e do “machine learning” transformou os códigos gerados por pessoas em uma massa irreconhecível para seus próprios programadores, novas informações são computadas a todo momento, milhões de linhas de código são adicionadas por dia, gerando uma conexão de dados inauditável por qualquer ser humano, levantando a questão de como será possível responsabilizar as grandes
Sendo assim, essas plataformas buscam maximizar a interação entre usuários e não sua qualidade, “O resultado é mais ruído online servindo aos interesses comerciais de nossas plataformas de mídia social, mas não às necessidades de informação de uma sociedade democrática”. (ANDREJEVIC, 2020)Há uma consciência cada vez maior das tendências políticas conduzidas por algoritmos que assolam as redes sociais, a alta publicidade dos casos jurídicos contra o Facebook e seu escândalo ao lado da Cambridge Analytica teve um grande impacto na percepção do público sobre as grandes empresas do Silicon Valley, nos alertando para os perigos de aceitar cegamente a natureza matemática da big data como imparcial. Há uma consciência cada vez maior das tendências políticas conduzidas por algoritmos que assolam as redes sociais, a alta publicidade dos casos jurídicos contra o Facebook e seu escândalo ao lado da Cambridge Analytica teve um grande impacto na percepção do público sobre as grandes empresas do Silicon Valley, nos alertando para os perigos de aceitar cegamente a natureza matemática da big data como imparcial.
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Conteúdodisponível:https://www.theguardian.com/usnews/2015/dec/11/senatortedcruzpresident campaignfacebookuserdata.Acessadoem:27.nov.2021.
O escândalo envolvendo o Facebook e a empresa de mineração de dados, Cambridge Analytica,24 é provavelmente um dos casos mais contundentes sobre a sobreposição entre o viés algorítmico, o patrocínio privado e os impactos que isso acarreta em todo o campo democrático, ilustrando o dilema da era digital em que vivemos.Em
2014, um questionário criado pela empresa Global Science Research, passou a circular na internet. A tarefa parecia simples, o questionário prometia pagar de um à dois dólares para quem respondesse as perguntas, com duas condições, apenas americanos poderiam responder as perguntas e que o aplicativo do Facebook fosse baixado para a realização do pagamento. Em seus termos e condições, a Global Science Research afirmou que nenhuma das informações poderiam ser usadas para fins inadequados.25 Esse seria o início do escândalo de privacidade que viria moldar as eleições americanas de 2016, trazendo novos personagens políticos para a vanguarda de uma nova onda de populismo nacionalista.
empresas de tecnologia, quando aparentemente nem mesmo elas são capazes de entender completamente o escopo de sua criação.
Em 2015, uma reportagem do jornal britânico The Guardian afirmou que o candidato à presidência dos Estados Unidos, Ted Cruz estava fazendo uso de uma pequena empresa, chamada Cambridge Analytica, localizada em Cambridge, Inglaterra para a criação de perfis psicológicos baseando se nos dados de milhares de pessoas que haviam respondidos a questionários no Facebook.26 Cambridge Analytica era a subsidiária da Strategic Communication Laboratories (SLC), que estava trabalhando com a Global Science Research para a captação de dados, a Cambridge Analytica era então responsável por criar algoritmos que permitiriam prever a tendência política de usuários do Facebook, permitindo delinear quais as melhores estratégias e conteúdo que pudessem ser usados para cada um deles.
Conteúdodisponívelem:https://theintercept.com/2017/03/31/ofacebooknaoprotegeu30milhoes deusuariosdeteremdadosacessadosporumadasempresasdacampanhadetrump/. Acessado em: 27.nov.2021.
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Conteúdodisponívelem:https://theintercept.com/2017/03/31/ofacebooknaoprotegeu30milhoes trump/#:~:text=%C3%80%20primeira%20vista,dos%20nossos%20termos.%E2%80%9Ddeusuariosdeteremdadosacessadosporumadasempresasdacampanhade. Acessado em: 27.nov.2021.
2.4 Cambridge Analytica
Apesar de Ted Cruz e Ben Carson, ambos candidatos a presidente, terem sido os primeiros a utilizarem o poder dos algoritmos desenvolvidos pela Cambridge Analytica para suas campanhas, foi Donald Trump, ao lado de seu estrategista chefe Steve Bannon, redator chefe do site de extrema direita Breitbart News, que se tornaram notícia e caso de investigação nos Estados Unidos. Ted Cruz afirmou que sua campanha só fezuso de alguns milhares de dados para aperfeiçoar seu marketing digital, contanto, quando Donald Trump passou a fazer uso desses mesmos serviços, era estimado que a Cambrigde Analytica gozava dos dados de mais de cinquenta milhões de americanos, a maioria deles obtidos por meios ilegais27. Acredita-se que seus algoritmos tenham sido fundamentais no resultado da campanha presidencial de 2016, que tornou Donald Trump presidente, exaltou Steve Bannon como o novo ícone da extrema direita e influenciador ímpar em relação ao uso de fake news durante disputas eleitorais e tenha até mesmo influenciado as eleições brasileiras de 2018, elegendo Jair Bolsonaro e o que viria a ser uma das condutas presidenciais mais catastróficas em meio a pandemia de Covid 19, matando mais de 600 mil brasileiros.
27 Conteúdodisponívelem:https://theintercept.com/2017/03/31/ofacebooknaoprotegeu30milhoes icou.trump/#:~:text=No%20final%20de%202014,nossas%20duas%20dimdeusuariosdeteremdadosacessadosporumadasempresasdacampanhadeens%C3%B5es%E2%80%9D%2C%20explAcessadoem:27.nov.2021.
Conteúdo disponível 27.nov.2021.%20discurso%20de%20Bolsonaro%2C%20em%20meio%20a2C%20o%20meu%20voto%20%C3%A9%20sim%22%20%E2%80%93%20foi%20o%20trecho%20final%20do0Armadas%2C%20pelo%20Brasil%20acima%20de%20tudo%20e%20por%20Deus%20acima%20de%20tudo%0Dilma%20Rousseff%2C%20pelo%20ex%C3%A9rcim%C3%B3ria%20do%20coronel%20Carlos%20Alberto%20Brilhante%20Ustra%2C%20o%20pavor%20de%2https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160415_bolsonaro_ongs_oab_mdb#:~:text=%22Pela%20meem:to%20de%20Caxias%2C%20pelas%20For%C3%A7as%2%20vaias%20e%20aplausos..Acessadoem:
Sua relevância na cena política foi redobrada, quando, em seu voto diante ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, Bolsonaro anunciou seu apoio à ditadura e ao coronel Brilhante Ulstra30, que durante o regime militar entre 1970 e 1974, foi chefe do DOI Codi do exército de São Paulo, órgão de repressão política e responsável pelo assassinato e desaparecimento de pelo menos 50 pessoas e a tortura de 500. "Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim"31, afirmou Bolsonaro na Câmara de Deputados. O episódio gerou polêmica e ativistas pelos
3. A eleição de 2018
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Em 2018, as eleições presidenciais brasileiras trouxeram uma surpresa, a candidatura do deputado federal Jair Bolsonaro, até então, pouco conhecido pelo público em grande parte do país. Jair Bolsonaro havia ocupado a cadeira na Câmara por sete mandatos, de 1997 a 2018, por cinco partidos diferentes. Emseu tempo como deputado, Bolsonaro homologou uma série de proposições alinhadas à ideologia de extrema direita, como a PL 9564/201828 e PL 9064/201729, que pedia pela exclusão de ilicitude por parte de agentes públicos de segurança em operações federais, permitindo que policiais e soldados não sofressem consequências por atos violentos que decorressem em operações policiais e a suspensão das resoluções nº 11 e 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais, que pedia pelo reconhecimento e asseguração da identidade de gênero pelas instituições brasileiras.
Conteúdo disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2168058. Acessado em: 27.nov.2021.
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Conteúdo disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160415_bolsonaro_ongs_oab_mdb. Acessado em: 27.nov.2021.
Conteúdo disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2161961. Acessado em: 27.nov.2021.
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As manifestações contraditórias e inflamáveis por parte de Bolsonaro só iriam crescer diante do aumento de sua popularidade, que chegou ao pico quando sua candidatura para presidente pelo Partido Social Liberal (PSL) foi anunciada, o colocando como segundo colocado contra o candidato do Partido Trabalhista (PT) Fernando Haddad. Na época, Bolsonaro ainda era visto como um “azarão” político, dado a sua baixa visibilidade nacional e discurso extremista, com menções a maior autonomia das Forças Armadas, comentários racistas, homofóbicos e misóginos. Porém, sua campanha deu uma guinada em frente as diversas acusações de corrupção massivas enfrentadas pelo ex Presidente Luís Lula Inácio da Silva, mentor de Fernando Haddad e o Partido Trabalhista como um todo, apresentadas pela operação federal Lava Jato, que trazia como principais personagens o procurador Deltan Dallagnol e o juiz Sérgio Moro, que viria a se tornar o Ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil no governo Bolsonaro.32
Contudo, o timing da candidatura de Bolsonaro não foi o único benefício que o levou à cadeira presidencial. Acusações e investigações recentes maculam a vitória de Bolsonaro, apontando para o uso de uma rede fabricada e bancada por grandes empresários que fez uso maciço de bots políticos e fake news para descreditar a grande mídia, particularmente o Grupo Globo, e macular seus oponentes políticos.33 A tática teria sido orquestrada pelo filho de Bolsonaro e também deputado, Eduardo Bolsonaro34 e Carlos Bolsonaro com a ajuda de diversos blogueiros e apoiadores, notoriamente o filósofo/astrólogo Olavo de Carvalho.35 A estratégia usada pela família
A descrença e hostilidade do público brasileiro em relação aos “velhos” políticos, que emanavam dos partidos mais tradicionais, como PT e PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), ambos fortemente envolvidos em escândalos de corrupção, fez com que a ideia de uma alternativa relativamente desconhecida viesse a dar sobrevida à política brasileira.
35 Conteúdo disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/20211020/bolsonaroelidereportavoz dasfakenewsnopaisdizrelatoriofinaldacpida
direitos humanos pediram a cassação do seu mandato pelo o Supremo Tribunal Federal, o que não foi realizado.
34 Conteúdo disponível: https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/eduardobolsonarooperou perfisqueforamderrubadospelofacebook/.Acessadoem:27.nov.2021.
32 Conteúdo disponível em: http://www.mpf.mp.br/grandescasos/lavajato/entendaocaso. Acessado em:27.nov.2021.27.nov.2
33 Conteúdo disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/18/politica/1560864965_530788.html.Acessadoem:27.nov.2021.
Bolsonaro tomou como inspiração os procedimentos refinados por Steve Bannon, implementados durantes as eleições americanas de 2016, a favor de Trump36 e também do ultraconservador católico Ignacio Arsuaga, o criador do Hazte Oir (Se Faça Ouvir, em espanhol), entre outros vários personagens da ultradireita, internacional e local para alavancarem suas mensagens contra o socialismo, marxismo, identidade de gênero e outras agendas apoiadas pela esquerda.
36 Conteúdo disponível: https://brasil.elpais.com/brasil/20200820/oslacosdoclabolsonarocom stevebannon.html.Acessadoem:27.nov.2021.
3.1 Preparando o terreno
Anos antes da eleição de Bolsonaro, já havia uma colisão de técnicos da informação, programadores, políticos e lideranças do movimento nacionalismo populista se preparando para uma revolução tecnológica, que viria ter o seu terreno mais fértil nas capitais da Itália. O país europeu serviu de experimento político para o desenvolvimento de uma guinada nacionalista e populista visando destruir os alicerces da democracia partidária, com um discurso que apontava para a concepção de uma democracia direta, baseada em algoritmos e propaganda ultra direcionada que busca aflorar a cólera e direcionar essa raiva na direção das instituições democráticas para a sua reconstrução nos moldes preditos pelos novos personagens no poder.Oprimeiro exemplo bem sucedido dessa nova revolução tecno política é o Movimento 5 Estrelas (M5E), criado por Gianroberto Casaleggio, um desenvolvedor autodidata, especialista em Marketing Digital, nascido em Milão. O Movimento 5 Estrelas começou sua guinada política como um blog apartidário e conseguiu chegar ao ápice da política, elegendo o Primeiro Ministro Giuseppe Conte, e se tornando o maior partido do Parlamento italiano, a trajetória do partido e da guinada “tecnopopulista” no mundo foi explorada no livro de Empoli, Os Engenheiros do Caos. Segundo Empoli, inicialmente, o objetivo de Casaleggio era criar um blog político apesar do próprio desenvolvedor afirmar não ter nenhum tipo de interesse em política. Sua curiosidade estava na opinião pública, do porquê as pessoas pensarem como pensam e como prever e até mesmo redirecionar suas vontades. Caso Giancarlo fosse capaz de reunir dados suficientes para a criação de um produto que conseguisse delimitar uma parcela da população e suas tendências políticas, ele fpandemia.html#:~:text=O%20presidente%20Jair%20Bolsonaro%20e,de%20uma%20campanha%20de%20desinorma%C3%A7%C3%A3o..Acessadoem:27.nov.2021.
Em sua posição de expert em marketing digital, Casaleggio entendeu que a internet iria revolucionar a política, tornando possível o surgimento de um movimento novíssimo, guiado pelas preferências dos eleitores consumidores. Ele pretende, então, lançar um produto capaz de responder de maneira eficaz a uma demanda política que os partidos existentes não são capazes de satisfazer. Mas sabe,também, que a dimensão digital, sozinha, ainda é fria e distante demais para dar vida a um verdadeiro movimento de massa na Itália. (EMPOLI, 2019)
Grillo se tornou o testa de ferro do experimento, o denominador beppegrillo.it foi registrado sob a responsabilidade da Casaleggio Associati, de onde partiram todas 06.out.2021.Conteúdodisponívelem:https://www.internetworldstats.com/emarketing.htm.Acessadoem:
É por isso que precisa de Beppe Grillo: para dotar de calor e paixão um movimento que corria o risco de, sem esses ingredientes, continuar confinado aos geeks italianos. A força e a resiliência do futuro Movimento 5 Estrelas virão desta combinação inédita: o populismo tradicional que se casa com o algoritmo e dá à luz uma temível máquina política. [...] Eu o encontrei [...] numa noite de abril”, escreve Beppe Grillo sobre Gianroberto Casaleggio, “durante meu espetáculo ‘Black Out’. Ele veio ao meu camarim e começou a me falar sobre internet. De como internet podia mudar o mundo. Por não o conhecer, eu aquiesci e sorri. Tentei não contrariá lo. Não queria correr o risco de ser ameaçado por uma @ ou um.com. Ele estava bem seguro do que dizia. Imaginei que fosse um gênio do mal ou algum tipo de São Francisco de Assis que falava de internet em vez de dissertar sobre lobos e pássaros. (EMPOLI, 2019)
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estaria na vanguarda de uma revolução política baseada no Marketing Digital e para que isso fosse possível, seriam necessários dados de uma grande parcela da população que estariam dispostos a compartilhar e opinar sobre tópicos políticos livremente, sem temer a censura.
Mas quando Casaleggio teve o insight para a criação de uma máquina política digital, em 2001, as redes sociais que conhecemos hoje, como o Facebook, Instagram e Twitter, ainda não haviam clamado seus monopólios na cibercultura ou sequer existiam. A internet era considerada uma esfera fria e distante, que menos de 10% da população tinha acesso.37Gianroberto então teve outra ideia, unir forças com uma personalidade popular e sem conexões políticas para divulgar o blog M5E. Ele encontrou o personagem perfeito em Beppe Grillo, um comediante de standup que estava atingindo picos de popularidade nas redes televisas e nos teatros
A máquina de notícias de Casaleggio funciona de forma semelhante ao Ministério da Verdade do conto de ficção científica “1984”, escrito por George Orwell, se modificando a todo momento para suprir as demandas dos assuntos que dominam
as estratégias de marketing que levaram o blog a se tornar um sucesso dentro de três semanas.
Em 26 de janeiro de 2005, abri um blog sem saber direito o que era”, recorda Grillo. “Só começo de fato a entendê-lo agora: beppegrillo.it se tornou em algumas semanas o blog italiano mais visitado.” Por trás da aparente desenvoltura do comediante já se esconde uma engrenagem perfeitamente lubrificada. Cada postagem nasce com base num ritual muito exato. Durante a manhã, os colaboradores da Casaleggio Associati selecionam os dez comentários mais interessantes publicados no site e os transmitem a Gianroberto. Ele os lê, retrabalha os textos e escreve o post do dia, que estará on line às 12 horas. Aos olhos do público, o único autor é Grillo. Casaleggio é relegado ao papel de simples fornecedor de tecnologia. Mas a realidade é bem diferente. (EMPOLI, 2019).
No princípio, o blog beppegrillo.it atraia uma parcela da população mais à esquerda do espectro político, eram em sua maioria jovens preocupados com o meio ambiente, altas taxas de desemprego e a corrupção crônica que afetava o país sob a liderança de Silvio Berlusconi. Os usuários comentavam em postagens feitas pelo blog, que na época, ainda mantinha um tom mais fleumático em seus textos, que por vezes apresentava soluções simplistas, mas compostas para os problemas do país.
Não demorou muito para o blog desenvolver uma rede de apoiadores que buscam um engajamento maior do que a seção de comentários é capaz de fornecer:
Ele (Casaleggio) decide incentivar os discípulos de Grillo a adotar a plataforma Meetup, um software que permite organizar facilmente discussões e encontros [meets], on line ou no mundo real. Rapidamente, grupos de “Amigos de Beppe Grillo” florescem por toda a Itália. Nesta fase inicial, os discípulos são completamente livres. Eles podem se organizar como bem entendem, reunir se e tomar qualquer iniciativa que venha à cabeça. O confronto entre a rapidez e o frescor da máquina posta em ação por Casaleggio e a velha política é impiedoso. “Em 2007”, escreve Marco Canestrari (um apoio de primeira hora que será em seguida frustrado), “para fazer política nos partidos, você devia necessariamente se submeter a regras e a rituais incompreensíveis para uma geração habituada à rapidez dos processos na internet. [...] A mensagem do blog era, enfim, bem diferente: para fazer política não é preciso se inscrever num partido e esperar o resultado anos a fio. Você pode fazer política em qualquer momento do seu dia, publicando comentários no blog ou difundindo posts na plataforma. E, assim, fazer parte das coisas desde o início do processo. (EMPOLI, 2019)
O marco do M5E e seu sucesso foram grandes catalisadores do movimento populista internacional, tendo Steve Bannon como um dos seus grandes admiradores. A tática italiana foi batizada de “modelo Grillo” e serviu para nortear o uso da Cambridge Analytica no cenário político americano e britânico com a votação do Brexit. Todas essas estratégias foram implementadas por blogueiros e políticos brasileiros da direita, como o Movimento Brasil Livre, Allan dos Santos, Nando Moura, Olavo de Carvalho e muitos outros, que se inspiraram nas retóricas inflamadas, uso
Os defeitos e vícios dos líderes populistas se transformam, aos olhos dos eleitores, em qualidades. Sua inexperiência é a prova de que eles não pertencem ao círculo corrompido das elites. E sua incompetência é vista como garantia de autenticidade. As tensões que eles produzem em nível internacional ilustram sua independência, e as fake news que balizam sua propaganda são a marca de sua liberdade de espírito. (EMPOLI, 2019)
a seção de comentários de seu blog, caso os usuários estejam dando maior atenção a pautas anti-imigração, Casaleggio irá promovê-las à frente de todos os outros temas compartilhado a da visão de mundo de seus usuários, mas caso a opinião seja positiva, então o blog mudará sua posição e passará a creditar políticos e redigir pautas favoráveis sobre o tópico. Independentemente de sua postura, todos os assuntos compartilharão da mesma estética, com títulos sensacionalistas e famigerados, e textos de cunho altamente emotivos que apelam para pós verdades. Essa forma transtornada e inconsistente de noticiar os eventos do mundo permite que uma grande gama da audiência seja atraída para o site, independentemente de suas propensões políticas.
O M5E, em sua visão para os novos candidatos que viriam dominar a frente populista italiana buscou rostos desconhecidos da maioria italiana, para mandar o recado de que o partido não estava envolvido na política tradicional do país, marcado por escândalos de corrupção. Quanto mais “próximo” ao povo o candidato fosse melhor, sua linguagem, postura, e forma de debate deveriam ser fundamentalmente diferentes dos políticos que vieram antes.
Foi assim que o Movimento 5 Estrelas conseguiu ordenar uma coligação entre populistas de esquerda e de direita. Juntos, eles organizaram o Vaffanculo Day, em 8 de setembro de 2007, um protesto contra o establishment que reúne mais de cinquenta mil pessoas na praça central de Bolonha. Esse foi o começo do partido Movimento 5 Estrelas, que traria resultados espetaculares para a frente populista, elegendo um Primeiro Ministro e tomando conta do Parlamento.
ConteúdoDisponívelem:https://olavodecarvalho.org/apelourgentedeolavodecarvalhoa seusleitoresbrasileiros/.Acessadoem:08.10.2021.
3.2 Os personagens do populismo à brasileira
massivo das redes sociais e fake news para criar um clima político de ruptura, elevando as tensões entre os poderes e finalmente sendo bem sucedidos na eleição de um líder de estado igualmente disruptivo e belicoso.
Na mesma linha de tempo em que o M5E estava transformando o circuito eleitoral italiano, Olavo de Carvalho estava dando seus primeiros passos em direção ao protagonismo dentro da extrema direita brasileira. Carvalho havia acabado de se mudar para a Virgínia em 2005, e se encontrava em uma situação acanhada. Ex colunista de jornais como a Folha de São Paulo, O Globo, entre outras redações de peso da mídia brasileira, buscava financiamento em meios digitais para a produção de um livro intitulado de “A Mente Revolucionária”, para denunciar o crescimento de uma ideologia comunista no Brasil.
38
O curso se tornou um sucesso. A linguagem sórdida de Carvalho, misturada ao revisionismo histórico e recheado de teorias da conspiração, fez crescer uma comunidade, de maioria jovem, ao redor de seus ensinamentos.
O livro nunca foi produzido, mas a ideologia de Olavo de Carvalho continuou a mesma. Ele decidiu mudar sua abordagem, foram anos de testes dentro dos meios digitais, de podcasts a postagens constantes em seu blog, mas foi em 2009 que Carvalho elaborou o projeto que o levaria a se tornar o “guru” do bolsonarismo e o filosofo preferido da extrema direita do Brasil, o “Curso Online de Filosofia”.
Olavo reconheceu uma carência enorme de orientação por parte não apenas de jovens de direita, mas de jovens ponto. Olavo ofereceu uma saída com uma linguagem sofisticada o suficiente para que o seu alvo não se sentisse burro, mas engraçada o suficiente para que ele se sentisse legal, e ofereceu isso nos termos da internet. Olavo criou
Desde que cheguei aos EUA, em maio de 2005, assumi como dever pessoal, fora e independentemente do meu trabalho de correspondente jornalístico e da preparação do livro A Mente Revolucionária, informar ao maior número possível de jornalistas, intelectuais, empresários e políticos americanos a verdade sobre o estado de coisas no Brasil, a abrangência dos planos do Foro de São Paulo, a aliança entre partidos de esquerda e organizações criminosas, a colaboração ativa e essencial do governo Lula na revolução continental cujas personificações mais vistosas são Hugo Chávez e Evo Morales. (CARVALHO, 2006)38
O lançamento coincidiu com o sentimento cada vez mais fervoroso de parte da população contra o Partido Trabalhista e as ideias centro esquerdistas que haviam permeado o país desde a primeira eleição do presidente Lula, em 2004. Nos protestos antipetistas organizados pelo Movimento Brasil Livre (MBL), em meados de 2015, coordenado por Kim Kataguiri, até então seguidor de Olavo e agora, desafeto, os bonecos infláveis e banners com os dizeres “Olavo tem Razão”, como se nota na Fig.11 tomaram os protestos da intitulada “nova direita”, fundamentais para o impeachment da presidente Dilma Roussef.40 Percebemos também a emergência de símbolos que se tornaram marca registrada do bolsonarismo, como o verde e amarelo e uso de camisetas da CBF em manifestações contra o governo e o Supremo Tribunal Federal.
39 Conteúdo disponível em: carvalho/#:~:text=Entre%202006%20e,a%20bater%20panelashttps://theintercept.com/2018/10/28/novobrasilesculpidoolavode..Acessadoem:27.nov.2021.
fóruns de discussão, fazia crônicas semanais temáticas junto com apostilas de orientação intelectual falando dos clássicos gregos em uma linguagem acessível. Olavo, acima de tudo, entregava (e ainda entrega!) um excelente produto que dava retorno ao investimento feito pelo aluno (BRIZZI e PONTIN, 2018)
Mas sua notoriedade ainda era consideravelmente periférica em relação ao impacto político que suas teorias de conspiração teriam em 2018. Mas em 2013, financeiramente sadio de todas suas empreitadas no meio digital e tendo um aumento considerável em suas redes sociais, Olavo de Carvalho publicou o livro “O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota”, editado pelo jornalista Felipe Moura Brasil, comentarista da Jovem Pan e o Antagonista e discípulo de Carvalho. O livro trazia cento e noventa e três ensaios escritos por Olavo de Carvalho e vendeu mais de 300 mil cópias39
40 Conteúdo disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil 58523505#:~:text=O%20Movimento%20Brasil,comando%20do%20pa%C3%ADs..Acessadoem:27.nov.2021.
Figura 11 Carro de som com os dizeres “Olavo tem Razão”.
41 Conteúdo disponível em: https://olavodecarvalho.org/liveolavodecarvalholacombeeallandos santos/.Acessadoem:27.nov.2021.
42 Conteúdodisponívelem: https://www.oantagonista.com/brasil/professorqualolimiteparaoterca livrereceberaportefinanceirodogovernoolavonenhum/.Acessadoem:27.nov.2021.

Através de seus ensinamentos e livros, Carvalho nutriu uma gama de jornalistas, blogueiros, políticos e influenciadores digitais que pavimentaram a ascensão da extrema direita brasileira. Entre seu time de discípulos, se encontra Allan dos Santos, ativista católico e youtuber, proprietário do canal Terça Livre, responsável pelo compartilhamento de fake news e ameaças direcionadas a oponentes da candidatura de Jair, fundado por empresários e apoiado pela família Bolsonaro.
Allan dos Santos reverberou as mensagens de “marxismo cultural” e “ideologia de gênero” de Olavo, com quem já gravou lives41 e continuou buscando orientações do filósofo em relação a como manter seu site Terça Livre com aportes do governo42 , mas sua estratégia para tornar esse tipo de conteúdo, até então de baixa popularidade em território brasileiro, em tópicos com alto nível de interação e apoio foi aperfeiçoada pela organização de extrema direita internacional CitizenGO, previamente conhecida como Hazte Oir, encabeçada por Ignacio Arsuaga, que tomaria um voo da Espanha até o Brasil em 2013, com o objetivo de aglutinar células da ultradireita em território
Fonte: Douglas Cometti/ Folhapress.
43 Conteúdo disponível em: https://theintercept.com/2021/08/18/catolicoespanhacitizengotreinou extremadireita2013bolsonaro/#:~:text=Com%20ele%20no,4.Acessadoem:27.nov.2021.
Arsuaga já havia se tornado um jogador poderoso dentro da esfera ultradireitista, realizado reuniões no Vaticano e encontros com o Papa Francisco e recolhendo de outros cardeais de importância dentro da Santa Sé, instruções de como disseminar as crenças católicas internacionalmente. E foi do monsenhor Carrasco de Paula, então presidente do Pontifício Conselho para a Vida, e Antoine Camilleri, subsecretário de Estado da Santa Sé, que Arsuaga recebeu o conselho de unificar os integrantes pró vida ao redor do mundo e criar grupos de pressão dentro da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA).Ignacio é, de certa forma, um catequista da era digital, sua chegada ao Brasil foi um marco para o letramento digital da nova geração de conservadores, ainda perdidos em meio a cibercultura e seus diversos aparatos para a disseminação de opinião. Arsuaga conduziu seminários onde explicava não somente como desenvolver uma rede vasta de interação com pessoas de valores morais semelhantes, mas também como ser pago para difundir conteúdo conservador. O WikiLeaks disponibilizou mais de dezessete mil documentos da Hazte Oir e da CitizenGO, onde é possível encontrar o conhecimento tecnológico e as pautas que tem norteado a extrema direita no Brasil. A Fig.12 é parte de um dos documentos exibidos em um seminário em 9 de novembro de 2013, intitulado “Novas formas de comunicar a mensagem pró vida e vencer a guerra cultural”. Guerra cultural é o termo usado por ultradireitistas para o combate ao globalismo, direitos humanos universais e a comunidade LGBT+. O slide propõe algumas ideias de assuntos que podem ser abordados como a promoção da “família natural”, composta por pai, mãe e filhos, divulgar as dificuldades do aborto para as mulheres e reivindicar o direito à vida de crianças não nascidas.
brasileiro para a disseminação de conteúdo pró vida, anti LGBT+ entre outras pautas de extrema-direita.43
44 Conteúdo disponível em: https://theintercept.com/2021/08/18/catolico espanha citizengo treinou extrema direita 2013 bolsonaro/#:~:text=Com%20ele%20no,4.Acessadoem:27.nov.2021.
Fonte: WikiLeaks.
3.3 A construção da máquina de fake news bolsonarista Com todos os elementos funcionando individualmente, a eleição de Bolsonaro precisava apenas de um elo que unisse todos os ingredientes em uma receita bem sucedida. A responsabilidade de criar essa ponte foi designada aos seus filhos, Eduardo e Carlos Bolsonaro, que tiveram contato direto com a maioria das pessoas mencionadas anteriormente.
Figura 12- Slide apresentado em seminário pró vida.
Os seminários se tornaram um sucesso graças a abordagem de Arsuaga, focada em um passo a passo simples que ensinava até mesmo a como redigir um e mail bem sucedido para a coleta de fundos, assim como dicas para o investimento em design gráfico e no uso de imagens sempre que possível44, desenvolvendo uma incubadora política que viria dar à luz ao seu primeiro filho brasileiro, o bolsonarismo, cinco anos depois.

Fonte: elaborado pela autora, 2021.
A estratégia digital da campanha do ex capitão estava anos luz à frente de qualquer outra. Carlos Bolsonaro, o Carluxo, o Zero Dois, segundo filho do então candidato, foi um visionário. Ele acompanhava como os outros políticos populistas de direita estavam atuando mundo afora e muito cedo percebeu que a propaganda viral ou contratada nas redes sociais passaria a ser crucial em campanhas políticas. Ao longo dos anos, Carluxo, à frente da estratégia digital do pai, estimulou a criação de uma infinidade de grupos no WhatsApp e no Facebook e identificou influenciadores, as pessoas mais ativas na difusão e criação de mensagens. Jair Bolsonaro e os três filhos políticos também se transformaram em influenciadores digitais, documentando pelo YouTube e pelas mídias sociais suas vidas e se comunicando diretamente com seus apoiadores. (MELLO, 2020).
Figura 13- Encontros de Eduardo Bolsonaro com influenciadores.
Em seu livro “A Máquina do Ódio”, a jornalista Patrícia Campos Mello delineia o desenvolvimento da campanha digital inovadora em solo brasileiro.

Até 2019, o uso de serviços de disparos de mensagens em massa era um meio de campanha legalizado, onde candidatos contratavam empresas de marketing digital para a automatização de conteúdo partidário em redes sociais para apoiadores que aceitaram fazer parte de grupos onde notícias, propaganda e outros tipos de conteúdo a favor do candidato eram divulgadas. O processo devia ser declarado ao Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), que estabelecia algumas restrições sobre que tipo de conteúdo poderia ser veiculado, permitindo apenas assuntos que se relacionassem diretamente ao candidato responsável pelo grupo, sendo crime disseminar qualquer tipo de ataque a seus opositores políticos. Os integrantes do grupo também deveriam estar de total acordo com o uso de suas informações pessoais, como nome e número de telefone. A responsabilidade legal das informações compartilhadas recairia
Já beirando a votação do segundo turno, a campanha de Bolsonaro até aquele momento havia sido alastrada por acusações de uso de fake news maciço contra seu oponente, Fernando Haddad. Segundo levantamento do Congresso em Foco, de agosto a outubro de 2018, as agências de checagem Lupa, Aos Fatos e Fato ou Fake desmentiram 123 fake news, 104 por apoiadores bolsonaristas contra Haddad e 19, por apoiadores de Haddad contra Bolsonaro.
Cada um deles emprestou ao bolsonarismo componentes essenciais para que a campanha política de sua família e da extrema-direita pudessem prosperar. Foi através de Eduardo e Carlos que a máquina de fake news bolsonarista foi criada e adaptada, conjurando o poder das redes sociais, sua falta de fiscalização e os moldes que já haviam sido traçados pelo M5E e a vitória de Donald Trump, anos antes.
As redes sociais mais relevantes para a distribuição de fake news foram WhatsApp, Facebook, Instagram e Twitter, todos eles, com exceção do Twitter, agregam mais de 100 milhões de usuários em território brasileiro. Segundo os ex aliados de Bolsonaro, Joice Hasselmann (PSL) e Alexandre Frota (PSL), havia uma organização consistente em como o conteúdo era veiculado para a população, evitando deixar rastros que pudessem ligar diretamente a Bolsonaro e seus filhos. Em uma série de reportagens para a Folha de São Paulo, Mello se enveredou no mundo de disparos digitais, bots, influencers e empresários que moldaram a primeira campanha digital em massa da história do Brasil e se tornou também símbolo do novo capítulo sombrio que o jornalismo brasileiro adentrava, depois de ser vítima de uma campanha de linchamento virtual por causa de suas reportagens danosas aos Bolsonaros e ao bolsonarismo como um todo.
totalmente ao candidato responsável pela contratação do serviço, qualquer infringimento dos termos acima podendo resultar em multa e até a cassação da chapa responsável por sua candidatura.
O conteúdo dos disparos era formado, em sua maioria, por memes, fake news e tentativas de desmentir a imprensa e quaisquer opositores da candidatura de Bolsonaro. O jornal El País se inscreveu em três desses grupos coordenados a partir de disparos de mensagens no WhatsApp, “O Brasil é Bolsonaro 17”, “Mulheres de Bem” e “Vídeos do Bolsonaro” de acordo com a publicação, juntos eles compartilhavam mais de mil mensagens por dia, com dois deles, “O Brasil é Bolsonaro” e “Mulheres de Bem” baseando-se mais fortemente na disseminação de fake news e boatos. Segundo a investigação do El País46, esses dois grupos buscam
45 Conteúdo disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresariosbancam campanhacontraoptpelowhatsapp.shtml.Acessadoem:27.nov.2021.
46
Conteúdo disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/26/politica/1537997311_859341.html.Acessadoem:27.nov.2021.
Entre as agências prestando esse tipo de serviços estão a Quickmobile, a Yacows, Croc Services e SMS Market. Os preços variam de R$ 0,08 a R$ 0,12 por disparo de mensagem para a base própria do candidato e de R$ 0,30 a R$ 0,40 quando a base é fornecida pela agência. As bases de usuários muitas vezes são fornecidas ilegalmente por empresas de cobrança ou por funcionários de empresas telefônicas. Empresas investigadas pela reportagem afirmaram não poder aceitar pedidos antes do dia 28 de outubro, data da eleição, afirmando ter serviços enormes de disparos de WhatsApp na semana anterior ao segundo turno comprados por empresas privadas. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2018).
Esse tipo de serviço foi usado pela ex presidente Dilma Rousseff, em 2014, e vários outros candidatos durante as eleições de 2018, incluindo Fernando Haddad, Henrique Meirelles e Jair Bolsonaro. Mas o que diferenciou a campanha digital de Bolsonaro dos seus opositores foi o apoio ilegal de empresários que financiaram serviços de disparo em massa, configurando infringimento da Lei nº 13.165/2015, que proíbe a doação de recursos para campanhas eleitorais por parte de pessoas jurídicas. Segundo reportagem publicada pela Folha de São Paulo45 uma semana antes do segundo turno, diversas empresas haviam fechado dezenas de contratos de disparos em massa contra o PT no WhatsApp, alguns ao redor de doze milhões de reais, e planejavam uma grande operação alguns dias antes das eleições. De acordo com a matéria:
Acusações de fraude de pesquisas de intenção de voto e falso apoio por parte de celebridades também tem seu espaço dentro dos grupos, bem como atos de linchamento virtuais, de acordo com a reportagem há convocações para a crítica massiva e organizada de certos personagens que se opõem ao bolsonarismo:
A estratégia digital da campanha do ex capitão estava anos luz à frente de qualquer outra. Carlos Bolsonaro, o Carluxo, o Zero Dois, segundo filho do então candidato, foi um visionário. Ele acompanhava como os outros políticos populistas de direita estavam atuando mundo afora e muito cedo percebeu que a propaganda viral ou contratada nas redes sociais passaria a ser crucial em campanhas políticas.
Outro boato que circulou nos grupos foi o de que uma entrevista com Adélio Bispo de Oliveira seria publicada em breve e nela o agressor diria que o atentado foiplanejado pelo próprio Bolsonaro e sua equipe: ou seja, uma fake news para alertar sobre uma possível fake news futura. Algumas das mensagens diziam que a publicação ocorreria nesta quarta feira (dia 26). Outras, no dia 5 de outubro, a dois dias do primeiro turno das eleições. Eis uma delas: “Adelio foi autorizado a dar entrevista dia 5 sexta feira depois que acabar o horário eleitoral. Fontes confiáveis e dignas viram os textos. Ele vai dizer q foi o próprio partido de Bolsonaro que armou tudo. Vai contar todos os detalhes. Não acreditem, meus irmãos, será a última cartada nojenta, nazista dessa gentalha vermes vermelhos”. (EL PAÍS, 2018).
Nesses grupos é comum se deparar com mensagens de pessoas pedindo para entrarem nos perfis de artistas que se declararam a favor da campanha #EleNão, contra Bolsonaro, e “descurtirem” as publicações. Dizia uma das mensagens, seguida dos links das páginas dos artistas: “Vamos dar dislike: negativar Meta pra hoje MILHÕES DE DESLIKES vamos mostrar para ele que nossa bandeira não é vermelha”. (EL PAÍS, 2018).
"responder” ou até mesmo antecipar matérias vinculadas pela imprensa, muitas vezes através de mentiras. Segundo a matéria:
As campanhas a favor de Bolsonaro mantinham um Modus Operandi bem reconhecível. O primeiro passo era compartilhar para o grupo uma notícia falsa, meme ou qualquer tipo de conteúdo que por muitas vezes era fisgado de portais e/ou influenciadores bolsonaristas. O assunto se tornava a pauta do dia e seus integrantes eram motivados a disseminá-lo em todas as outras redes sociais, como Facebook, Instagram e Twitter, assim como encaminhar a informação para outros contatos do WhatsApp. Em seu livro “A Máquina do Ódio”, Mello aborda como Carlos Bolsonaro, também conhecido como Zero Dois, desenvolveu uma rede de comunicação tão eficaz e controlada.
Ao longo dos anos, Carluxo, à frente da estratégia digital do pai, estimulou a criação de uma infinidade de grupos no WhatsApp e no Facebook e identificou influenciadores, as pessoas mais ativas na difusão e criação de mensagens. Jair Bolsonaro e os três filhos políticos também se transformaram em influenciadores digitais, documentando pelo YouTube e pelas mídias sociais suas vidas e se comunicando diretamente com seus apoiadores. [...] O WhatsApp era uma peça chave da abordagem concebida pelo Zero Dois. No decorrer dos anos, com parte dos links distribuída por meio do próprio aplicativo de mensagens ou do Facebook, foram se formando grupos de apoiadores que acabaram por constituir um exército digital. Os grupos funcionam como listas de transmissão, em que os administradores, aqueles que criaram o grupo, mandam mensagens para os 256 integrantes, número máximo permitido pelas regras da ferramenta. Se uma pessoa acessou um link para se inscrever em um grupo, ela tende a ter um viés de confirmação, ou seja, está predisposta a acreditar no conteúdo que vai receber. Integrantes do grupo, por sua vez, distribuem esse conteúdo para familiares e amigos. (MELLO, 2020)
Os bots foram elementos chaves para a disseminação de propaganda bolsonarista, em estudo realizado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp)47 que analisava 5,3 milhões de interações no Twitter, entre 12 e 18 de setembro de 2018, envolvendo mais de 712 mil perfis, 12,9% desses retuítes foram apontados como oriundos de bots e 43% deles eram a favor da candidatura de Jair Bolsonaro, na época, Flávio Bolsonaro negou que a campanha tivesse qualquer envolvimento com perfis automatizados. Todo esse aparato virtual foi extremamente eficaz na concepção que o movimento bolsonarista era vasto e irrefreável, gerando a sensação de isolamento de pessoas que não se identificavam com as políticas de Bolsonaro e nem seu ponto de vista controverso sobre uma série de questões sociais.
47 Conteúdo disponível em: https://canaltech.com.br/governo/campanhaeleitoralnotwitter contacombotsparadisseminardesinformacao123308/.Acessadoem:26.10.2021.
Quando essas informações adentravam o reino de outras redes sociais, o conteúdo era impulsionado por mais apoiadores legítimos, robôs também conhecidos como bots e trolls, pessoas contratadas ou não, que buscam antagonizar outros usuários, postando comentários ofensivos, falsos ou disruptivos, a interação copiosa com postagens bolsonaristas alertava os algoritmos, que impulsionavam os assuntos dentro da esfera digital, colocando hashtags bolsonaristas em seus trending topics maximizando a interação orgânica com o conteúdo.
48 Conteúdo Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil51199930. Acessado em: 26.10.2021.
Depois de sua eleição, Bolsonaro trouxe consigo para dentro do Poder Executivo a máquina de disseminação de propaganda populista que o havia levado de azarão a Presidente, junto a Fábio Wajngarten48, que foi escolhido como secretário executivo do Ministério da Comunicação e chefe da Secretaria Especial de Comunicação (SECOM), Bolsonaro avultou seus ataques contra jornalistas em todas as frentes, de postagens em suas redes sociais até o corte de verba para emissoras Os casos mais notórios foram contra Constança Rezende, jornalista do Estado de São Paulo, quando Bolsonaro postou em seu Twitter uma fala editada da jornalista e a acusava de querer “arruinar a vida de Flávio Bolsonaro”, e Patrícia Campos Mello, quando Bolsonaro fez acusações misóginas insinuando que Mello teria oferecido sexo em troca de provas contra ele no caso de disparos ilegais de mensagens no WhatsApp. Ambas jornalistas foram vítimas de linchamentos virtuais. Uma enxurrada de comentários e postagens ofensivas foram direcionadas a elas e até mesmo seus familiares, a maioria deles oriundos de bolsonaristas.
Em fevereiro de 2020, várias imagens ofensivas como esse vídeo começaram a circular nas redes sociais. Em uma delas, uma mulher aparece nua, de pernas abertas, em cima de uma pilha de notas de dólar. Em outra, o rosto dessa mesma mulher aparece com a legenda: “Folha da Puta tudo por um furo, você quer o meu? Patrícia, Prostituta da Folha de S.Paulo troco sexo por informações sobre Bolsonaro”. E tem uma em que essa mulher sempre a mesma aparece com a frase: “Ofereço o cuzinho em troca de informação sobre o governo Bozo”. Peço desculpas pelas palavras grosseiras, mas estou apenas descrevendo alguns dos incontáveis memes que passei a receber todos os dias, compartilhados por milhares de pessoas por WhatsApp, Facebook, Twitter e Instagram. São o meu rosto e o meu nome que estão nesses memes. (MELLO, 2020).
49 ConteúdoDisponívelem:https://www.gazetadopovo.com.br/republica/gabinetedoodioalvocpmi fakenews/.Acessadoem:26.10.2021. 50
Os ataques a opositores de Bolsonaro foram intitulados de “gabinete do ódio”49 , agressões feitas por meio de redes sociais conduzidas por políticos e simpatizantes do movimento bolsonarista nominalmente. A CPMI de Fake News acredita que Carlos, Eduardo e Flávio Bolsonaro50 assim como os assessores Tércio Thomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Diniz, que trabalham no Planalto, estimulavam a violência contra jornalistas e profissionais da imprensa e operavam junto a SECOM51

51 Conteúdo disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/10/bolsonarodetermina cancelamentodeassinaturasdafolhanogovernofederal.shtml#erramos.Acessadoem:27.10.2021.
Figura 14 Tuíte de Bolsonaro em relação a jornalista do Estado de SP.
Fonte: perfil oficial do presidente Jair Bolsonaro no Twitter.
Figura 15 Tuíte de Eduardo Bolsonaro em relação à Mello
Fonte: Perfil oficial de Eduardo Bolsonaro no Twitter.

Conteúdo disponívelem: https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaromandareportercalara bocaedizquenaointerferiunapf/.Acessadoem:26.10.2021.
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Mas o “gabinete do ódio” não se limita a ataques através das redes sociais Wajngarten ficou responsável por suprimir as verbas públicas aos meios de comunicação que se opuseram a Bolsonaro, mais notoriamente a Rede Globo de Televisão, que teve sua verba reduzida em 60%, enquanto emissoras como SBT e Record, canais abertamente apoiadores de Bolsonaro, tiveram suas verbas elevadas em 11% e 12% respectivamente. 56 Em 2020, Bolsonaro determinou o cancelamento de todas as assinaturas do jornal Folha de São Paulo dentro do Governo Federal, depois de uma série de ataques dirigidos à publicação desde 2018.57
Na avaliação da Federação Nacionaldos Jornalistas esse crescimento está diretamente ligado ao bolsonarismo, movimento político de extrema direta, capitaneado pelo presidente Jair Bolsonaro, que repercute na sociedade por meio dos seus seguidores. Houve um acréscimo não só de ataques gerais, mas de ataques por parte desse grupo que, naturalmente, agride como forma de controle da informação. Eles ocorrem para descredibilizar a imprensa para que parte da população continue se informando nas bolhas bolsonaristas, lugares de propagação de informações falsas e ou fraudulentas. (FENAJ, 2020).
Segundo a Federação Nacional de Jornalistas (FENAJ) a violência contra jornalistas cresceu mais de 105% em 2020 em relação a 2019, com Bolsonaro sendo o principal agressor.52 Bolsonaro já ressaltou o seu desejo de machucar jornalistas fisicamente com falas como “vontade de encher a tua boca na porrada”53 e agressões verbais como ”cala a boca”54 e ”bundão”55
52
Conteúdodisponívelem:https://fenaj.org.br/violenciacontrajornalistascresce10577em2020com jairbolsonaroliderandoataques/.Acessadoem:26.10.2021.
Conteúdo disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/10/bolsonarodetermina cancelamentodeassinaturasdafolhanogovernofederal.shtml#erramos.Acessadoem:27.10.2021.
54
Conteúdodisponívelem:https://www.terra.com.br/diversao/tv/blogsaladetv/bolsonarocorta60da verbapublicitariadogovernoaglobo,c7ebc42e1776e5116ccaa1cbd4be24a1r48101h2.html. Acessado em: 26.10.2021.
Conteúdo disponível em: https://g1.globo.com/jornalnacional/noticia/2020/08/24/aposameacar jornalistabolsonarousaredesocialparatentardarversaodiferente.ghtml.Acessadoem:26.10.2021.
55
Determinei que todo o governo federal rescinda e cancele a assinatura da Folha de S.Paulo. A ordem que eu dei [é que] nenhum órgão do meu governo vai receber o jornal Folha de S.Paulo aqui em Brasília. Está determinado. É o que eu posso fazer, mas nada além disso", disse, [...] em entrevista à TV Bandeirantes. "Recebi a Folha uma questão de uns 45, 50 dias atrás. Conversei com eles numa boa e, no
Conteúdodisponívelem:https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/08/24/bolsonarochamapessoal daimprensadebundaoedizquechancedejornalistassobreviveremacovidemenor.ghtml. Acessado em: 26.10.2021.
59 Conteúdo disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimasnoticias/2020/10/25/secom publicidade.htm.Acessadoem:27.10.2021.
Todos esses componentes oriundos do bolsonarismo fizeram com que o Brasil caísse nove posições no Ranking de Liberdade de Imprensa publicado pela ONG Repórteres sem Fronteiras, de 2018 a 2021, indo da 102ª posição para 111ª58 , adentrando a ”zona vermelha”, onde a condução de trabalhos jornalísticos é considerada difícil.
dia seguinte, foi um festival de desinformação. Eu até fui criticado por assessores meus, e com razão. Por que falou com a Folha? Eu fui tentar dar uma chance pra eles. Não saiu nada do que eu falei. Só saiu desinformação. E algumas palavras que eu usei ali e falei: 'Isso aqui é palavrão, segura a onda, escorreguei'. Saiu palavrão [na entrevista], saiu tudo lá. Não dá pra gente confiar, por exemplo, na Folha de S.Paulo. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2019).
Conteúdodisponívelem:https://theintercept.com/2020/08/13/bolsonarousagoogledistribuimilhoes reaissitesfakenewsadsense/.Acessadoem:27.10.2021.
60
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ConteúdoDisponívelem:https://www.poder360.com.br/midia/brasilcaiemrankingdeliberdadede imprensaeentraemzonavermelha/.Acessadoem:26.10.2021.
A própria SECOM já fez uso de seus canais de informação oficial para disseminar ataques à imprensa e desinformação. Além de repassar mais de 7 milhões de reais para sites e canais de fake news através do Google AdSense. Segundo a CPMI de Fake News, mais de dois milhões de anúncios financiados pelo governo Bolsonaro foram parar em blogs de extrema direita, incluindo o Terça Livre, gerenciado por Allan dos Santos59, o Jornal da Cidade Online e o Conexão Política, sites conhecidos por seu extremismo e forte uso de desinformação60. A SECOM também fez uso de sua conta no Twitter para distorcer a tradução de um artigo pela revista britânica The Economist que tratava da conduta do governo frente à pandemia de covid 19, onde a frase “the most urgent priority is to vote him61
61 Conteúdo disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/secomtheeconomist bolsonarotraducao/.Acessadoem:27.10.2021.
Fonte: Perfil oficial da SECOM no Twitter.
A distorção de conteúdo por parte do governo e líderes bolsonaristas durante a pandemia de covid 19 se tornou um dos maiores pontos de controvérsia do país, sobrepondo dilemas sobre a comunicação efetiva ao redor do vírus e seus perigos para a saúde pública. A “infodemia” ao redor do vírus, “um grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico”62, potencialmente afetaram em muito o combate a proliferação da covid-19.63
62 Conteúdo disponível: https://www.scielosp.org/article/ress/2020.v29n4/e2020186/. Acessado em: 27.nov.2021.
63 Conteúdo disponível em: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/2237 Acessadoem:27.10.2021
Figura 16 Tuítes da SECOM
Segundo a agência de checagem Aos Fatos, “das 3.989 falsidades e distorções ditas (por Bolsonaro) desde a posse, 2.496 (62,5%) foram reprisadas”. As declarações falsas ou enganosas mais repetidas pelo presidente são em relação à covid-19 em

66 Conteúdodisponívelem:https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencianacional/politica/audio/2021 07/faltadecampanhasefakenewspodemteragravadoefeitosdapandemia.Acessadoem:28.10.2021.
67 bolsonaristaConteúdodisponívelem:https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/02/4908935enfermeiramorrecomreinfeccaodacovid19aposrecusarvacina.html.Acessadoem:05.nov.2021.
65 Conteúdodisponívelem:https://canaltech.com.br/seguranca/brasileirosnaosabemreconhecerfake newsdizpesquisa160415/.Acessadoem:05.nov.2021.
64 Conteúdo disponível em: https://www.aosfatos.org/noticias/aosmildiasdegoverno2acada3 declaracoesfalsasdebolsonarosaorepetidas/.Acessadoem:27.10.2021.
68 Conteúdo disponível em: https://coronavirus.saude.mg.gov.br/blog/100imunidadederebanho Acessadoem:05.nov.2021.
torno de assuntos como o isolamento, combate ao vírus, tratamento preventivo envolvendo hidroxicloroquina, também conhecido como “kit covid” e os casos de corrupção que foram investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia64 .
Em um país onde estima se que 66% dos usuários de redes sociais como o WhatsApp e Facebook não conseguem distinguir uma fake news de uma notícia verdadeira65, a veemência do presidente em apoiar o tratamento precoce, o fim do isolamento e o ceticismo em relação à eficácia das máscaras e vacinas alimentou uma rede abundante de fake news, que fez uso dos aparatos digitais citados anteriormente para disseminar um fluxo funesto de desinformação, que pode ter contribuído em muito a fatalidade da pandemia66. Casos registrados pela imprensa mostram pessoas que faziam parte do maior grupo de risco da pandemia, idosos e até mesmo agentes de saúde, se recusando a tomar a vacina ou se precaver através das diversas recomendações pela OMS do vírus por causa de sua resistência à mídia tradicional e devoção ao presidente Bolsonaro. A enfermeira Priscila Veríssimo, de 35 anos, morreu em decorrência de uma reinfecção da Covid 19,67 após se recusar a tomar a vacina ”CoronaVac”, fabricada pela China em parceria com o Instituto Butantan, pois ela acreditava que por ter sido infectada uma vez havia desenvolvido anticorpos suficientes para se tornar imune à doença - tese também promovida por Bolsonaro que acredita na “imunidade de rebanho” 68 e era cética em relação à “vacina chinesa”. Priscilla morreu no dia 24 de fevereiro de 2021, deixando uma filha de dois anos.
A enfermeira é um dos casos que exemplifica o quão nociva a influência de um líder político pode vir a ser sobre seus apoiadores, especialmente os mais radicais. É difícil estimar quantas pessoas possam ter perdido suas vidas devido a ideias políticas extremistas baseadas em fake news, mas sabemos que um país regido por um negacionista, em meio a uma pandemia, pode deixar um rastro de destruição colossal sobre seu povo, apoiadores ou não.
Conteúdodisponívelem:https://www.paho.org/pt/covid19/historicodapandemiacovid19.Acessado em:10.nov.2021.
4.
Para entendermos melhor o impacto da rede de desinformação ao redor do vírus e as possíveis implicações em seu combate, é necessário analisarmos algumas das fake news mais compartilhadas, tanto na internet quanto por meios de informação tradicionais que buscavam desmenti-las; através dessas “peças” conseguiremos montar um “quebra cabeça” com algumas das evidências de como o brasileiro comum auferiu as novas mudanças em sua vida social, econômica e política por causa do Covid-19 sob a responsabilidade de um governo federal que estimulou a criação de uma “desinfodemia”, grande quantidade de informações falsas sobre um assunto específico, baseando-se na utilização de bodes expiatórios, como a imprensa, o Supremo Tribunal Federal e governadores, na tentativa de se eximir do dever proteger e servir a seu povo.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) havia recebido alertas de mortes que estavam ocorrendo na província de Wuhan, China desde dezembro de 2019. O alerta apontava uma nova cepa de coronavírus, um tipo de resfriado, que nunca havia sido encontrada em seres humanos. Autoridades chinesas vieram a público com a informação de casos de uma nova doença em janeiro de 202070. A OMS havia sido cautelosa em seu prenúncio de uma possível pandemia, decidindo por vez anunciar
Fake news em meio à pandemia
Conteúdodisponívelem:https://www.revistaquestaodeciencia.com.br/artigo/2020/08/06/osexcessos efalhasqueatrapalhamcomunicacaocientifica.Acessadoem:10.nov.2021.
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Em um primeiro momento, houve uma confusão geral em torno do Covid 19, desde organizações de saúde à mídia tradicional, que davam seus primeiros passos para entender o vírus, enquanto o mesmo deixava um rastro de mortes através diversos países. A desorientação e ambiguidade da mídia no início da pandemia foi explorada constantemente nas narrativas mais convincentes que norteavam as fakes news mais populares, que apontavam erros da imprensa como uma admissão de culpa de sua frivolidade na cobertura de eventos de impacto mundial e em casos mais extremos, como responsáveis pelo caos social que se instalou devido ao medo e a obscuridade do vírus e suas consequências.69
70
4.1 O início da pandemia
Conteúdo disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novelcoronavirus 2019/interactivetimeline.Acessadoem:10.nov.2021.
Conteúdo disponível em: https://www.nature.com/articles/d41586021001624. Acessado em: 10.nov.2021.
o vírus como uma ‘Emergência de saúde pública de interesse internacional’ (PHEIC, em inglês), o aviso foi ignorado pela maioria dos países, com exceção da Ásia, que já estava enfrentando casos da doença71. Logo, o vírus estava clamando vítimas ao redor do mundo, ultrapassando 100.000 casos globais em março de 2020, mês em que a OMS finalmente declarou estado de pandemia. 72
Já em abril de 2020, apenas um mês após a primeira morte no país, Bolsonaro demitiu o Ministro da Saúde, Nelson Mandetta, depois de desavenças públicas sobre a sua conduta em meio a pandemia. Mandetta era a favor do isolamento social, já Bolsonaro apoiava a abertura do comércio, afirmando que o impacto econômico das medidas sanitárias seria muito maior do que o número de mortes causadas pelo vírus. Nesse mesmo tempo, Mandetta alertava que em seu pico, o Covid 19 ceifaria a vida de 180 mil brasileiros até dezembro de 2020.73 Contudo, Bolsonaro minimizou as consequências da doença, chegando a chamá la de “gripezinha”74. Em 29 de dezembro, o número de óbitos no Brasil superou os 190 mil.
73 Conteúdodisponívelem:https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2021/05/04/mandettaexplica saidadoministeriodasaudeemabrilde2020.Acessadoem:10.nov.2021.
74
As declarações controversas, e até mesmo falsas, propagadas por Bolsonaro em relação ao vírus, se tornaram um dos pontos de foco da CPI da Covid 19, que
72
No Brasil, enquanto assistíamos à queda da Itália para o novo vírus, nos preparávamos para o colapso do nosso próprio país após o anúncio do primeiro caso em fevereiro de 2020, na cidade de São Paulo, e a primeira morte em março. Anos de corrupção e a diminuição aguda de verbas para a área da Saúde são inimigos conhecidos do povo brasileiro que já visualizava o caos que recairia a nação mesmo que a administração pública fosse competente no combate e prevenção à Covid 19. Mas o que não era esperado foi a conduta acometida do Governo Bolsonaro em meio a uma crise de nível global.
Conteúdo disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil55107536. Acessado em: 10.nov.2021.
Na Europa, sendo a Itália determinada como o epicentro de infecção no ocidente, o mundo assistiu chocado às macas transportando dois, três corpos, pontos turísticos vazios em decorrência do toque de recolher adotado para combater o contágio e os números de mortes que se sobressaíam dia após dia.
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colheu mais de 50 depoimentos em seus seis meses de trabalho e se debruçou sobre a campanha de desinformação que se espalhou pelo país em meio à pandemia. O relatório final da CPI, divulgado em outubro de 2021, acusou Bolsonaro de ser o “porta voz” das redes de fake news no Brasil.75
Infectologistas ouvidos pela CPI acreditam que caso as medidas sanitárias delineadas pela OMS houvessem sido divulgadas e comunicadas pelo governo
75 Conteúdo disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/20211020/bolsonaroelidereportavoz dasfakenewsnopaisdizrelatoriofinaldacpidapandemia.html.Acessadoem:11.nov.2021.
Segundo o relatório, a rede de fake news se dividia em cinco subgrupos76, o núcleo de comando, regido por Bolsonaro e seus filhos Carlos, Eduardo e Flávio Bolsonaro que orientam e criam estratégias de ações, o núcleo formulador também conhecido como “gabinete do ódio”, situado no Palácio do Planalto e ordenado por Carlos Bolsonaro, Filipe Martins e Tercio Arnaud, o núcleo político, formado por parlamentares, políticos, autoridades públicas e religiosas, que ajudavam no endossamento político das fake news e o núcleo de produção e disseminação das fake news para o povo brasileiro, através de canais do Youtube, blogs, tweets e memes, coordenado por blogueiros como Allan dos Santos. Há também o núcleo financeiro, mantido por Luciano Hang, dono da empresa varejista Havan e Otávio Fakhoury, presidente do diretório do Partido Trabalhista Brasileiro que endossam as campanhas de fake news através de doações financeiras para sites da extrema direita incluindo o Terça Livre, comandado por Allan dos Santos. Em relação à SECOM, o relatório afirma:77
76 Conteúdo disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/20211020/bolsonaroelidereportavoz dasfakenewsnopaisdizrelatoriofinaldacpidapandemia.html.Acessadoem:11.nov.2021.
A CPI também identificou que “não apenas os órgãos públicos de comunicação se omitiram em sua missão de combater boatos e a desinformação, mas participaram ativamente do processo de criação e distribuição” de fake news. No Facebook, por exemplo, as campanhas de desinformação eram iniciadas com postagem realizadas por contas falsas e, em seguida, influenciadores digitais eram contratados para difundir essas informações,muitos deles pagos por agências contratadas pela Secretaria Especial de Comunicação (Secom), em gastos que somaram mais de quatro milhões de reais. “A Secom não realizou nenhuma campanha para promover as medidas preventivas então disponíveis à época, quais sejam: o incentivo ao uso de máscaras e o respeito ao distanciamento social”, lê se no relatório. (EL PAÍS, 2021).
77 Conteúdo disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/20211020/bolsonaroelidereportavoz dasfakenewsnopaisdizrelatoriofinaldacpidapandemia.html.Acessadoem:11.nov.2021.
78 Conteúdodisponívelem:https://brasil.elpais.com/brasil/20210121/pesquisarevelaquebolsonaro executouumaestrategiainstitucionaldepropagacaodovirus.html.Acessadoem:11.nov.2021.
A CPI da Covid acusou a campanha de desinformação encabeçada por Bolsonaro de incentivar algumas das fake news mais compartilhadas sobre o Covid 19, a maioria delas críticas das medidas sanitárias.
As principais mentiras que a organização divulgou sobre a crise sanitária global dizem respeito à origem do coronavírus, encorajando ataques à China e sua população, com “conteúdo nitidamente xenófobo”, como destaca o documento, além de críticas ao isolamento social e ao uso de máscaras, com argumentos falsos sobre sua eficácia no controle da pandemia. Também há uma campanha de promoção do chamado tratamento precoce, baseada em estudos falhos sobre a eficácia dos medicamentos usados para tratar a covid 19. (EL PAÍS, 2021)
Abaixo encontra se um elencado de algumas das notícias falsas mais compartilhadas durante a pandemia, os líderes políticos que ajudaram a disseminá las e onde elas se encaixam dentro dos diferentes tipos de categorias de transtornos informacionais elencados por Wardle (2020). Todas as fake news definidas aqui foram compartilhadas pelo presidente Jair Bolsonaro através de suas redes sociais ou declarações em seus livestreams no Youtube ou coletivas de imprensa.
federal com clareza ao povo, 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas com base em uma estimativa conservadora78 .
4.2 As fake news sobre o Covid-19
O tratamento precoce combate o Covid 19 contexto falso
Em um tuíte publicado no dia 15 de janeiro de 2021, o presidente Bolsonaro defendeu o tratamento precoce contra o vírus Covid-19 baseando-se em estudos inconclusivos. Para que um remédio seja considerado eficaz contra alguma doença ou vírus é necessário um escrutínio rígido de seus efeitos dentro de ambientes altamente controlados79. O American Journal of Medicine foi usado como base para as alegações bolsonaristas de que o tratamento precoce e o kit covid, composto por hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e vitamina D, seriam bem sucedidos no combate à Covid 19.
A deputada bolsonarista Carla Zambelli realizou uma postagem em seu Twitter, onde usou o American Journal como fonte de um estudo que comprovava a eficácia do tratamento precoce e citou a data incorreta da publicação como sendo janeiro de 202180 Posteriormente, o próprio jornal científico publicou uma nota em que recusou reconhecer a eficácia do kit covid e afirmou que “a realidade hoje é outra, e vários tratamentos apontados no artigo se mostraram ineficazes”, repudiando o uso de seu jornal para o compartilhamento de desinformação e participação no movimento "anticientífico”. A caracterização do uso de um estudo datado como atual, removendo seu contexto temporal e científico configura a informação como contexto falso, como definido por Wardle (2020).
Fonte: Página oficial do presidente Jair Bolsonaro no Twitter.

Figura 17 tuíte de Bolsonaro sobre o tratamento precoce
80 Conteúdo disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/01/16/depoisde 28.10.2021.alertaempublicacaodebolsonarotwitternotificapostdecarlazambelliedanielsilveira.ghtml.Acessadoem:
4.3 O transtorno informacional no contexto da pandemia
79 Conteúdo disponível em: https://www.aosfatos.org/noticias/porquenaosepodedizerque tratamentoprecocecontracovid19funciona/#1.Acessadoem:28.10.2021.
81 Conteúdo disponível em: https://amb.org.br/noticias/associacaomedicabrasileiradizqueusode cloroquinaeoutrosremediossemeficaciacontracovid19deveserbanido/.Acessadoem:28.10.2021.
Figura 18 tuíte de Zambelli sobre tratamento precoce.
A desinformação sobre a pandemia do coronavírus 2019 (COVID 19) está disseminada nas redes sociais no Brasil. Muitos médicos, jornalistas, membros do Ministério da Saúde e o presidente Jair Bolsonaro divulgam nas redes sociais teorias da conspiração que atribuem origens obscuras da doença, riscos não comprovados relacionados a vacinas celebradas e desejadas em todo o mundo e até promovendo a prescrição de medicamentos sem comprovação científica, tudo sem qualquer preocupação com as consequências dessas divulgações. Para minha surpresa, o nome deste jornal e a organização que ele representa estiveram envolvidos nesse tipo de movimento anticientífico. [...] A realidade hoje é outra, e vários tratamentos apontados no artigo se mostraram ineficazes. Por exemplo, o uso de hidroxicloroquina não tem efeito no tratamento da COVID 19, e seu defensor inicial e ferrenho, o médico e microbiologista francês Didier Raoult, o admitiu em janeiro de 2021. Ao contrário da política do governo brasileiro e do exemplo do Bolsonaro atitudes e discurso, o artigo defende a higiene e o distanciamento social como formas importantes de enfrentar a pandemia. (SILVA, 2021).
Apesar de todas as recomendações e avisos de pesquisadores e profissionais da saúde,81 Bolsonaro continuou se posicionando contra métodos comprovados para o controle da transmissão do coronavírus e manteve-se firme em sua defesa do kit
Fonte: perfil oficial da deputada Carla Zambelli no Twitter.

Fonte: perfil oficial de Eduardo Bolsonaro no Twitter. O tuíte de Eduardo Bolsonaro aponta para uma linha de postagens, também conhecido como “thread”, de um outro usuário do Twitter, chamado Rodrigo da Silva, um dos criadores do site Spotniks, que imputa a possibilidade do coronavírus ter sido 82 Conteúdo disponível em: https://jornalistaslivres.org/odescasodogovernobolsonarocomavida dasfamiliasbrasileiras/,Acessadoem:28.10.2021.
A China desenvolveu o Covid 19 em laboratório conteúdo fabricado
covid, chegando a afirmar que havia se curado do vírus através do tratamento precoce. Ironicamente, Bolsonaro se recusou a comprar a vacina “CoronaVac” por causa de sua procedência chinesa, afirmando que “o povo brasileiro não será cobaia de ninguém” e que não aceitaria uma vacina que não havia passado “sua fase de testagem”82
Figura 19- tuíte de Eduardo Bolsonaro sobre a China.

85 Conteúdo disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/aposdeclaracaodebolsonarochinadiz queseopoeapolitizacaodovirus/.Acessadoem:16.nov.2021.
Há diferentes teorias que tentam descobrir a possível origem do vírus Covid
É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu porque um ser humano ingeriu um animal inadequado. Mas está aí, os militares sabem que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra?”, afirmou. O presidente também disse: “Qual o país que mais cresceu seu PIB? Não vou dizer para vocês”, em uma referência ao crescimento de 2,3% do Produto Interno Bruto chinês em 2020. (VEJA, 2021).
19. Através de pesquisas e investigações, cientistas apontam para cenários contundentes, como uma possível brecha de segurança no Instituto de Virologia de Wuhan, laboratório encarregado de realizar engenharia genética em diferentes tipos de coronavírus, localizado a poucos quilômetros do Mercado de Frutos do Mar de Huanan, local onde 70% dos primeiros 41 infectados testados para o Covid 19 eram fregueses e vendedores.86 O próprio presidente americano, John Biden, impôs uma investigação para descobrir a possível origem do vírus, mirando o laboratório de Wuhan, a investigação concluiu que há a possibilidade de o vírus ter escapado do laboratório, mas descartou quaisquer chances de ter sido usado como uma arma
84 Conteúdo disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/06/weintraubpublicapost cominsinuacoescontraachinadepoisapagaembaixadarepudia.ghtml.Acessadoem:16.nov.2021.
difundido através do consumo de morcegos e animais exóticos83, Eduardo também afirma que a “culpa é da China e a liberdade seria a solução”. Outros políticos e influenciadores bolsonaristas fisgaram a teoria e adicionaram tons xenofóbicos a suas acusações, como o ex ministro Abraham Weintraub, que gerou um escândalo burocrático ao realizar uma postagem em seu Twitter, ridicularizando o sotaque chinês e fazendo insinuações sobre o empoderamento da China graças a pandemia,84 Weintraub insinuou que a China iria sair "relativamente fortalecida" da crise do coronavírus e que isso seria condizente com os planos do país de "dominar o mundo”. O próprio presidente, Jair Bolsonaro, insinuou em uma coletiva de imprensa que o mundo poderia estar lidando como uma guerra química85:
83 Conteúdo disponívelem: https://twitter.com/BolsonaroSP/status/1240286560953815040. Acessado em:16.nov.2021.
86 Conteúdodisponívelem:https://www.cnnbrasil.com.br/saude/origemdocoronavirusmorcegosou acidentedelaboratorio/.Acessadoem:16.nov.2021.
87 Conteúdodisponívelem:https://www.cnnbrasil.com.br/saude/origemdocoronavirusmorcegosou acidentedelaboratorio/.Acessadoem:16.nov.2021.
Como não há quaisquer evidências que acusem a China de ter feito uso do vírus para ganhos geopolíticos e não se sabe dizer categoricamente quais são as origens do Covid 19, essa fake news pode ser categorizada como conteúdo fabricado, pois se baseia completamente em conjecturas e acusações infundadas. Ao analisar a interação com essa fake news nas redes sociais, em especifico através de quatro contas no Twitter, incluindo Eduardo Bolsonaro, Rodrigo da Silva e os influenciadores bolsonaristas Bernardo Kuster e Leandro Ruschel, que postaram mais ataques ou acusações contra a China, esse conteúdo foi compartilhado mais de 27 mil vezes e curtido por mais de 92 mil usuários.
química. Segundo Nicholas Wade, jornalista especializado em ciência, em entrevista para a CNN:87
Máscaras fazem mal à saúde - conteúdo enganoso Figura 20 livestream de Bolsonaro sobre máscaras.

Fonte: Uol.
Não há evidências de que o SARS CoV2 2 tenha sido produzido como parte de um programa de armas biológicas. Mas é possível que tenha sido gerado como parte de um esforço para produzir uma vacina eficaz contra todos os betacoronavírus”, afirmou Wade em entrevista por e mail à CNN. “Outra possibilidade é militares chineses terem apoiado ou participado de tal programa para garantir uma vacina para suas tropas. Se for o caso, isso não seria surpreendente nem maléfico. (CNN, 2021).
Durante uma de suas lives semanais em seu canal do Youtube, no dia 26 de fevereiro de 2021,88 Bolsonaro levantou dúvidas sobre a eficácia do uso de máscaras no combate à Covid e insinuou que o seu uso fosse maléfico para a saúde.89 Citando um “estudo” realizado por uma universidade alemã, a qual Bolsonaro se recusou a oferecer o nome, o presidente citou uma série de “efeitos colaterais” derivados do uso de máscaras por crianças.
88 Conteúdodisponívelem:https://youtu.be/jc0juOZcLA.Acessadoem:17.nov.2021.
Até 26 de outubro, 20.353 pessoas haviam respondido o questionário, inserindo dados de supostas 25.930 crianças. Entre os participantes, 87.7% indicaram serem "pais". A participação era voluntária e aberta para qualquer pessoa que clicasse no link do questionário, sem qualquer coleta de amostras da população para ter um quadro representativo da sociedade alemã [...] os pesquisadores não estabeleceram grupos de controle com crianças sem máscaras para comparar os efeitos e também não colocaram em prática critérios para diferenciar efeitos de doenças ou condições pré-existentes. O questionário também exibe itens vagos, como "sensação de doença". (G1,2021)
Ao se referir a um questionário sem rigor cientifico como um estudo conduzido por uma universidade, Bolsonaro agrega à sua afirmação um falso senso de autenticidade científica, dando a entender que sua asserção é embasada por metodologias que atestam sua fala como verídica e não o fruto de uma opinião, sendo assim, esse tipo de fake news pode ser elencada como conteúdo enganoso pela definição de Wardle: “O uso de informações de maneira enganosa para enquadrar
O “estudo” que l Bolsonaro citou como fonte é, na verdade, um questionário online realizado por uma equipe de cinco pesquisadores da Universidade de Witten/Herdecke no estado alemão de Renânia do Norte Vestefália. Segundo matéria do Deutsche Welle encaminhada pelo G1, a pesquisa não contava com quaisquer parâmetros de rigor cientifico, servindo mais como um banco de dados de anedotas:
89 Conteúdo disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/02/26/bolsonaro usaenquetealemadistorcidaparacriticarusodemascaras.ghtml.Acessadoem:17.nov.2021.
Começam a aparecer aqui os efeitos colaterais das máscaras", disse Bolsonaro. "Uma universidade alemã fala que elas são prejudiciais a crianças. Leva em conta diversos itens: irritabilidade, dores de cabeça, dificuldade de concentração, diminuição da percepção de felicidade, recusa em ir para a escola ou creche, desânimo, comprometimento da capacidade de aprendizado, vertigem e fadiga", completou o presidente. (G1,2021).
Isolamento social causa desabastecimento de comida falsa conexão
Figura 21 tuíte de Bolsonaro sobre a CEASA.
90 abastecimentoConteúdodisponívelem:https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2020/04/01/ceasamgvideobolsonaro.htm.Acessadoem:17.nov.2021.
No dia 1 de abril de 2020, Bolsonaro postou em sua conta no Twitter um vídeo em que um homem afirmava que por causa do isolamento social imposto por grande parte dos governadores do país durante a pandemia, a Central de Abastecimento (CEASA) de Contagem, em Minas Gerais estava desabastecida de alimentos90. Em seu tuíte Bolsonaro afirma que o vídeo mostra “fatos e realidades” e “que depois da destruição não interessa mostrar culpados”.

uma questão ou indivíduo de uma forma particular, como a seleção seletiva de imagens, citações ou estatísticas”. (WARDLE,2020).
Fonte: perfil oficial de Jair Bolsonaro no Twitter.
Depois de evidências serem postadas por jornais e agências de checagem mostrando que o vídeo era enganoso, Bolsonaro deletou a postagem e pediu desculpas por compartilhar o conteúdo.92
92 Conteúdodisponívelem: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimasnoticias/2020/04/01/bolsonaro pededesculpaspordivulgarvideofalsonofacebook.htm.Acessadoem:17.nov.2021.
Não existia uma relação real entre o esvaziamento da Ceasa de Contagem e a acusação de desabastecimento de alimento devido ao isolamento social, estabelecendo essa fake news como falsa conexão: “Quando manchetes, visuais ou legendas não suportam o conteúdo [...] e podem não se manter fiel ao conteúdo do artigo”. (WARDLE, 2020).
A CEASA acredita que o vídeo havia sido gravado no dia anterior, quando a central havia sido esvaziada para limpeza ou após o cancelamento de uma feira para evitar aglomerações.91
Para você que falou, depois do discurso do presidente, que economia não era importante, que o importante eram vidas, dá uma olhada nisso aí. Pois é, fome também mata. Fome, desespero, caos também matam, ok? Não esquece disso, não", diz o homem do vídeo. Segundo a Ceasa, o homem que fez o vídeo ainda não foi identificado. "Até o presente momento, nós não conseguimos identificar quem é a pessoa, se é comprador ou se é um visitante que veio para a feira", informou o órgão. O homem diz que a culpa do suposto desabastecimento "é dos governadores, viu?". A fala possui um erro. Em nenhum lugar do país, atividades essenciais, como os setores de abastecimento, estão proibidas de funcionar. A atuação dessas áreas está mantida, mas respeitando recomendações do Ministério da Saúde de evitar aglomerações. (UOL, 2020)
91 abastecimentoConteúdodisponívelem:https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2020/04/01/ceasamgvideobolsonaro.htm.Acessadoem:17.nov.2021.
Outra coisa grave aqui, só vou dar a notícia, não vou comentar. (...) Relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados quem são os totalmente vacinados? Aqueles que depois da segunda dose, 15 dias depois, 15 dias após a segunda 93
Fonte: elaborado pela autora (2021).
Conteúdo disponível dahttps://www.em.com.br/app/noticia/internacional/factcheck/2021/10/26/interna_internacional,1317464/artigoem:examenaocontemasmesmasalegacoesfeitasporbolsonarosobrev.shtml.Acessadoem:17.nov.2021
Em uma de suas controvérsias mais recentes, Bolsonaro voltou a levantar dúvidas e fomentar o medo das vacinas contra o Covid 19.
Em sua live do dia 21 de outubro de 2021, Bolsonaro citou uma matéria sem revelar a fonte, que afirmava que pessoas com duas doses de vacinação estavam desenvolvendo síndrome de imunodeficiência adquirida, também conhecida como Aids.93
Figura 22 Postagens no Facebook de Eduardo e Carlos Bolsonaro.
A vacina gera AIDS conteúdo manipulado.

96
Após sua fala reverberar na maior parte dos meios de comunicação e redes sociais, seus filhos Carlos94 e Eduardo Bolsonaro95 realizaram postagens em suas páginas do Facebook, Fig. 22, “$istema: o “meio de comunicação do bem” chamado @exame divulga a informação e o atacado é quem leu sua matéria. O alvo será a revista ou o leitor? Precisa responder? Tem método!”96 afirmou Carlos Bolsonaro em sua legenda da Contudo,postagem.amatériacitada por Bolsonaro não foi publicada pela revista Exame, mas pelo site Before It’s News97, que citava “relatórios oficiais” do Reino Unido e é possível ver o nome do site no papel do qual Bolsonaro está lendo98. O texto da Exame havia sido publicado em outubro de 2020, antes mesmo da aplicação de qualquer vacina contra o Covid 19 e mencionava um risco “teórico” no aumento de infecção por causa do adenovírus tipo 5 ou vetor Ad5, e não citava qualquer relatório oficial:
Conteúdodisponívelem:https://archive.md/SwAfS.Acessadoem:17.nov.2021.
94
95
Conteúdodisponívelem:https://archive.md/OlWc6.Acessadoem:17.nov.2021.
Conteúdodisponívelem:https://archive.md/OlWc6.Acessadoem:17.nov.2021.
O Checamos entrou em contato com Susan Buchbinder , uma das autoras da carta enviada à revista The Lancet e diretora de Pesquisa de Prevenção ao HIV no Departamento de Saúde Pública de San Francisco, que explicou: Há mais de uma década, realizamos dois estudos de uma vacina contra o HIV (usando o adenovírus tipo 5 ou vetor Ad5) que parecia aumentar o risco de infecção por HIV em pessoas que foram expostas através de práticas sexuais. (...) Esse aumento de risco era transitório. Não fomos capazes de encontrar o mecanismo exato pelo qual isso ocorreu”. E continuou: “Nossa recomendação se aplica apenas às vacinas Ad5 (como Sputnik V e CanSinoBio), e é apenas um risco teórico de que, se uma pessoa recebesse essa vacina e depois fosse exposta ao HIV, ela poderia ter o risco de infecção pelo HIV aumentado. Isso não se aplica à grande maioria das vacinas que estão sendo usadas internacionalmente. (ESTADO DE MINAS, 2021).
97
Conteúdo disponível em: https://archive.md/i4OHP#selection499.0504.0. Acessado em: 17.nov.2021.
dose estão desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido que o previsto. (Fala de Jair Bolsonaro durante live no Youtube, 2021).
98
Conteúdo disponível em: rokj3BaQNpI7RI4hII=/820x0/smart/imgsapp.em.com.br/app/noticia_127983242361/2021/10/26/1317464/bolsonahttps://i.em.com.br/WT2yj5M29pemliveafirmaquevacinascontracovid19causamaids_1.jpeg.Acessadoem:17.nov.2021.
Uma semana depois, Bolsonaro afirmou que não compartilhou “nenhuma fake news” e responsabilizou a revista Exame pela polêmica e a parabenizou por ter “corrigido a matéria”.100
Agora, depois que a revista ‘Exame’, 2 dias depois da minha live, falou que a comunidade científica estava insatisfeita comigo dada a minha declaração, a ‘Exame’ reconhece que fizeram matéria semelhante ano passado e não foi nenhuma fake news da minha parte. Foi uma reprodução de matérias publicadas em revistas científicas. Na live da semana passada falei sobre um estudo científico falando de vacina e HIV. Dois dias depois a ‘Exame’ fez uma matéria falou que eu estava divulgando fake news. Bem, depois foi visto que ano passado a ‘Exame’ fez exatamente uma matéria como que tinha falado nessa da última 5ª feira da correlação e da possibilidade, nada conclusivo”, disse Bolsonaro. O presidente deu parabéns à revista por “corrigir uma matéria”. A revista atualizou o seu texto para incluir no título o mês e ano em que foi publicado e alterou o subtítulo para “Cientistas se basearam em análises feitas em 2007. Por ora nenhum teste realizado com as vacinas da covid mostrou resultado semelhante”. A revista também publicou novo texto explicando a polêmica. “Parabéns à revista Exame, é coisa rara na imprensa brasileira corrigir uma matéria. Todo mundo pode errar, eu mesmo já errei e me desculpei. Desfeita a polêmica”, disse Bolsonaro. (PODER 360, 2021)
100
Depois da repercussão de sua fala, a live foi removida do ar pelo Facebook, Instagram e Youtube e dezenas de especialistas, cientistas e profissionais da saúde condenaram as alegações99
A insinuação de Bolsonaro que vacinas geram Síndrome da Imunodeficiência Humana/Aids, usando como fonte estudos e pesquisas genuínas sem contextualizar suas metodologias ou sequer reconhecer uma possível falha de interpretação de seus métodos, pode ser considerado padrão de ocultação, como definido por Abramo:
É o padrão que se refere à ausência e à presença dos fatos reais na produção da imprensa. Não se trata, evidentemente, de fruto do desconhecimento, e nem mesmo de mera omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade. (ABRAMO, 2016)
Conteúdo disponível em: https://exame.com/ciencia/cientistasreagemadeclaracaodebolsonaro sobrevacinaseaids/.Acessadoem:17.nov.2021.
Não se pode dizer com certeza que Bolsonaro omitiu as circunstâncias do estudo e sua resolução com intuito de enganar o povo brasileiro em relação à
Conteúdodisponívelem:https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaroelogiarevistaedizque polemicasobreaidsevacinaestadesfeita/.Acessadoem:17.nov.2021.
99
segurança da vacina, já que ele mesmo afirmou ter ficado confuso com a interpretação do artigo que apresentava a pesquisa, mas o histórico de Bolsonaro como um líder negacionista durante a pandemia e seu escárnio público das mortes que ocorreram durante seu pico acabam por contextualizar sua fala como um discurso pernicioso que tem, sim, por contexto de suas ações, o desejo de criar receio e até mesmo medo das medidas sanitárias impostas para evitar o contágio. Ao ausentar, deliberadamente ou não, a natureza do estudo e suas variáveis, Bolsonaro acabou reforçando em sua base de apoiadores uma predisposição incipiente dos “males” dos métodos de prevenção, podendo ser então definido como conteúdo manipulado, “conteúdo genuíno que é manipulado para enganar”, (WARDLE, 2020).
A fake news do kit covid, por exemplo, tinha como objetivo impulsionar o tratamento preventivo que beneficiava diretamente seguradoras como a Prevent Sênior, focada na cobertura de planos de saúde para idosos, que conduziu testes antiéticos em seus pacientes que contraíram o vírus, sem a devida permissão, resultando em nove mortes, mas fechando o ano de 2020 com um faturamento 18% maior do que o de 2019.102 Um dos estudos científicos que comprovavam a eficácia
Mas uma das perguntas que pareciam ser indecifráveis se tratava da motivação por trás de tal ato. Por quê descreditar todos os estudo e esforços feitos por líderes políticos, profissionais da saúde e cientistas que buscavam métodos rápidos e seguros para a imunização e prevenção do contágio? A resposta para tal questionamento parecia ser incompreensível. Uma possível razão era apontada como a própria natureza política de líderes populistas e da atual extrema-direita, por serem aparentemente anti establishment, um termo tradicionalmente associado a esquerda política por sua posição contra os grandes conglomerados e a elite, reinventado pelos populistas de direita. Todas as providências tomadas por órgãos que foram distinguidos como a favor do que esses grupos definem como “establishment”, a Organização Mundial da Saúde, o Partido Comunista da China, as grandes farmacêuticas, entre outros, deviam ser evitadas. Mas durante o desenrolar desse estudo, a CPI da Pandemia foi encerrada com a descoberta do grande esquema de corrupção que expôs a real motivação por trás de diversas ações negacionistas de diversos membros do governo e das fake news que os ajudaram a lucrar com um vírus letal.101
101
Conteúdodisponível:https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/202110/cpimedicoconfirma denunciascontrapreventsenior.Acessadoem:19.nov.2021.
5. Considerações finais
102 hidroxicloroquinaConteúdodisponívelem:https://theintercept.com/2021/09/18/preventseniorexperimentosmortaiscovid/.Acessadoem:19.nov.2021.
Esta monografia buscou a resposta para uma pergunta simples: “o governo federal fez uso de fake news durante a pandemia”? A resposta mais simples é: sim, houve uma ação coordenada por membros do governo, especialmente o presidente da república, para a disseminação de fake news ao redor do vírus Covid 19 e das medidas de prevenção.
A fake news de que vacinas não funcionavam também serviu como bode expiatório para o governo federal, que se recusou a comprar vacinas da farmacêutica Pfizer mesmo depois de ser oferecido um desconto de 50% e diversas tentativas da farmacêutica em entrar em um acordo com o Ministério da Saúde.104
Através do sucesso da máquina de fake news organizada por bolsonaristas e extremistas durante a campanha presidencial, que tinha como principal objetivo a eleição de líderes populistas e/ou da extrema-direita, o governo federal adentrou a pandemia com recursos e membros suficientes para municiar seus interesses com o vírus, independente de suas consequências fatais.
do tratamento precoce citado por Bolsonaro havia sido realizado pela Prevent Sênior.103
Contudo, é necessário fazermos também uma crítica dos meios de comunicação tradicionais, que através de casos de hipocrisia colossais ajudaram a erodir a confiança do povo na imprensa tradicional.
Conteúdo disponível em: Acessadohttps://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1873242916158019&id=211857482296579&__tn__=Rem:19.nov.2021.
Jornais como a Folha de São Paulo e O Globo aceitaram milhares de reais para veicular anúncios a favor do tratamento precoce bancado pela Vitamedic, produtora de ivermectina106, mesmo com essas mesmas publicações denunciando a inutilidade do tratamento. Ou seja, alguns dos maiores jornais do país lucraram com uma mentira
104
Conteúdo disponível em: https://www.aosfatos.org/noticias/comodesinformacaosobrecaixoes vaziosimpulsionoudesmentidosemmassacontracarlazambellinotwitter/.Acessadoem:19.nov.2021.
Conteúdo disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/governorecusouofertadavacinada pfizerpelametadedoprecopagoporeuareinounido25050068.Acessadoem:19.nov.2021.
105
Conteúdodisponívelem:https://congressoemfoco.uol.com.br/temas/midia/jornaispublicamanuncio pagodetratamentoineficazcontracovid19/.Acessadoem:19.nov.2021.
106
Um dos casos mais escabrosos que podem exemplificar essa guinada do negacionismo munido por uma rede de desinformação foi a fake news perpetuada pela deputada Carla Zambelli, que afirmou que caixões vazios estavam sendo enterrados para inflar o número de óbitos por Covid no país105. A consequência? Pessoas forçando agentes funerários a abrirem caixões para constatarem a presença de cadáveres e acabarem por também serem infectadas. A profanação dos corpos de pessoas que, em sua maioria, morreram sem um devido funeral, dada a possiblidade de contágio já era, em si, um ato bárbaro, somado a mais infectados fez dessa uma das fake news mais perturbadoras a serem compartilhadas.
103
e lucraram também ao denunciá la. Tais ações colocam a ideia do jornalismo como um farol da verdade e um dos pilares da democracia em dúvida
Os gigantes da mídia brasileira abriram as portas de suas plataformas que atingem milhões de brasileiros por dia, para a relativização de opinião e fato. Muitos dos líderes políticos da extrema direita que vemos hoje marcaram presença em jornais respeitados que falam com orgulho de sua objetividade, mas que através de sua seção de opinião, permitiram que ideias degeneradas tomassem o palco. Um exemplo foi o artigo assinado por Leandro Narloch na Folha de São Paulo, que relativiza a escravidão no Brasil107 ou a entrevista concedida pelo extremista e disseminador de fake news Bernardo Kuster, ao mesmo jornal, que o intitulou de “ativista conservador”. 108
Todos devem ter direito de expressar suas opiniões, mas isso não significa que todas as opiniões tenham mérito. Ao veicular essas inverdades que se mascaram como fatos através de afirmações, a grande imprensa preparou o terreno para a guinada de um discurso relativista e até mesmo mentiroso onde pessoas como BolsonaroComotriunfam.jornalistas, entendemos o poder do factual, é através do fato que enraizamos nossas descobertas e investigações, pois podemos brandir nossa metodologia e levá-la a julgamento se for preciso, mas entendemos também o poder da opinião e como ela é capaz de subjugar o fato devido a nossas predisposições pessoais que moldam a visão de mundo.
Por isso, recusamos neste estudo o rótulo de “imparciais”, já que o termo apaga as nossas propensões, parte da nossa humanidade. Buscamos objetividade, o que significa que tentamos moldar nossa opinião ao fato e não ao contrário. Há, claro, os percalços que acabam por revelar nossas inclinações, um adjetivo, uma frase, uma conjugação, mas tentamos domar tais elementos sempre que possível, ao menos idealmente. Se hoje vemos uma série de “impostores”, disfarçados de jornalistas, filósofos, entre outros, que se tornam influenciadores e acalentam uma grande base de apoiadores por meio de opiniões infundadas, vemos também um aumento de pessoas que buscam a verdade e fazem uso dos dispositivos ao seu redor,
108 Conteúdo disponível em: https://revistaforum.com.br/midia/folhadaespacoparaextremista disseminadordefakenewsbernardokustereochamadeativista/#.Acessadoem:19.nov.2021.
107 Conteúdo disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/leandronarloch/2021/09/luxoe riquezadassinhaspretasprecisaminspiraromovimentonegro.shtml.Acessadoem:19.nov.2021.
especialmente as redes sociais, para trazer a conscientização de problemas que por vezes seriam ignorados pela mídia tradicional.
Se vivemos hoje uma pandemia de desinformação, o jornalismo empático e objetivo se mantém como a única cura.
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