UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
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revista
codi go
NÚMERO 5 | ANO 4 | SETEMBRO 2017
NOTÍCIAS DO FUTURO Em meio aos desafios do século 21, jovens estudantes investigam como o jornalismo procura se recompor e oferecer alternativas à sociedade. 1
JORNALISMO UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL Jornalista, o produtor de conteúdo polivalente do século XXI.
Projetos experimentais desenvolvidos semestralmente no curso
Para conferir nossos veículos, acesse: codigo.inf.br
rádio
Agências de notícias online
Jornal Código
Rádio Código
Produção jornalística semanal e gestão executiva de publicações digitais
Impresso semestral de 8 paginas com editorias variadas sobre o Estado de São Paulo
Transmissão e gravação dos programas PGMs Panorama, Panorama em debate, Decifrando, Hora viva e Geração Código codigo.radio.br
Saiba mais sobre as inúmeras áreas de atuação do Jornalismo Assessoria de imprensa e gestão da comunicação corporativa Atuação no setor público, privado e em ONG’s
Cruzeiro do Sul Virtual em Minutos
Revista Código
CVM mensal segmentado sobre universo EaD no Brasil e no mundo
Concepção, construção e execução de magazine anual sobre a imprensa
canal: play.cruzeirodosulvirtual. com.br/category/CVM
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Jornalismo Impresso Veículos editoriais como: jornais, boletins, revistas e periódicos independentes, institucionais, segmentados e massivos
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Sites de informação e Agências de noticias ´ online Podcasts e Canais On Demand
Reitora Profª Dra. Sueli Cristina Marquesi
Pró-Reitora de Graduação e Extensão Profª Dra. Janice Valia de Los Santos
Pró-Reitora de pós-graduação e pesquisa Profª Dra. Tania Cristina Pithon-Curi
Pró-Reitor de Educação a distância Prof. Dr. Carlos Fernando de Araujo Jr.
Revista Código ISSN: 2317-9392 Tiragem: 180 exemplares
coordenadora do curso de jornalismo Profª Dra. Regina Tavares
Editora e jornalista responsável Profª Ms. Mirian Meliani Nunes MTb 23761/SP
Professores-orientadores Antonio Assiz, Fábio Ciquini, Ivan Ordonha e Rita Jimenez
Diagramação Leonardo Macedo Barsi e Ygor Rodrigues Gabriel
Capa Leonardo Macedo Barsi
foto de Capa Giovanna Lima, imagem captada na paralisação geral do dia 28 de abril de 2017, na Av. Paulista.
Impressão Forma Certa
(11)2081-6000
A tinta da notícia
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o longo do primeiro semestre de 2017, os alunos de terceiro ano de Jornalismo da Universidade Cruzeiro do Sul, campus Liberdade, estiveram envolvidos na produção desta publicação que, agora, chega às suas mãos. A aventura de construir um produto sofisticado como uma revista impressa, em meio ao processo de aprendizado dos futuros profissionais da área, não acontece impunemente. Há muito “sangue, suor e lágrimas” derramado no caminho para dar tinta às páginas que seguem. Aqui, na Universidade Cruzeiro do Sul, nossa equipe docente adota como prerrogativa o resgate da ideia de que o jornalismo não é apenas uma ocupação profissional, mas um compromisso firmado entre profissionais e cidadãos, baseado em um código de ética capaz de dar força e robustez a todo o processo de produção da informação, alicerce de uma democracia que, desejamos, seja o bem maior para a sociedade. Ao escolher o jornalismo no século 21 como eixo central das reportagens produzidas, esbarramos em questões que assaltam o sono de quem permanece atento às notícias: da pós-verdade ao ambiente de crescente insegurança vivido pelos profissionais de imprensa no Brasil e no mundo, passando pela nova roupagem da censura, pelo jornalismo independente, representatividade de gêneros, modelos financeiros para o jornalismo digital e muito mais. Com garra e dedicação, esses alunos escreveram as linhas que seguem, ajudaram a dar corpo a cada página, produziram imagens e fotos, não apenas demonstrando o esforço para obter as habilidades necessárias ao exercício da profissão, mas também renovando nossas esperanças em um jornalismo capaz de aprender com os erros, sem jamais abrir mão dos acertos.
Núcleo de comunicação/ liberdade R. Galvão Bueno, 868 - Liberdade São Paulo - SP, 01506-000 (11) 3385-3000 http://www.cruzeirodosul.edu.br
Boa leitura!
Profª Mirian Meliani Nunes
É permitida a reprodução do conteúdo aqui publicado, desde que citada a fonte e os autores.
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Nesta edição
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06 Entre os fatos e as versões A velha prática da manipulação de dados torna-se parte do contexto mais complexo da pós-verdade.
11 É proibido proibir A censura é uma das facetas do controle da informação. Saiba como ela se traveste em tempos digitais.
18 A revista de cara nova Nossos repórteres visitaram as redações das revistas que estão se reinventando para sobreviver.
24 Em busca da veracidade Jornalismo independente reúne profissionais dispostos a encontrar caminhos fora dos convencionais.
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30 Na hora de pagar as contas O desafio de desenhar um modelo financeiro capaz de sustentar a produção e distribuição de notícias.
36 a reinvenção da Interatividade Como a interação com o público nas redes digitais vem transformando as práticas jornalísticas.
44 em busca da representatividade Até que ponto setores classificados como “minoritários” na sociedade estão bem representados nas redações?
50 vale tudo por audiência Programas jornalísticos baseados no sensacionalismo propagam o medo e mantêm a audiência da TV aberta.
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54 A notícia sem fronteiras Entrevista exclusiva com o correspondente da Rede Globo no Japão, Márcio Gomes.
56 Tempo de Aprendizado O ensino do jornalismo nas universidades passa por um período de forte adaptação às novas mídias.
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60 SEÇÕES 16 ENSAIO FOTOGRÁFICO 40 PERFIL 66 crônica
60 uma atividade que exige coragem Os índices de violência e perseguição a jornalistas crescem no mundo todo, em especial no Brasil.
Acesse os projetos do curso de Jornalismo AQUI!
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Líquido
Entre os fatos e as
Ver sões Informação em tempo real: a proliferação da notícia sem apuração e a credibilidade do jornalismo ameaçada pelo ambiente de modernidade líquida e pós-verdade.
Por Marcos Babene e Rodrigo Santos Colaboração Andreza Soares, Athayde Barbosa e Tayna Rebouças
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m tempos de simultaneidade no acesso à informação, o jornalismo enfrenta um inimigo poderoso: o compartilhamento de informação falsa. São inúmeros os sites que disseminam na internet as chamadas notícias fake, produzidas para gerar lucro através de cliques ou por interesses político-financeiros. Para nomear essa combinação de notícias produzidas de forma pouco ética com a própria disposição de parcela do público em compartilhar todo e qualquer conteúdo que confirme suas próprias convicções pessoais, muitos utilizam o termo pós-verdade, criado pelo dramaturgo sérvioamericano Steve Tesich, em 1992. Durante a campanha de Donald Trump à presidência dos EUA, o então candidato foi acusado de utilizar como estratégia eleitoral a produção de notícias manipuladas, gerando grande repercussão. Nesse sentido, a pós-verdade tornou-se uma arma no cenário político, criando atalhos para o acesso ao poder. Redes sociais são espaço privilegiado para esse tipo de manobra. A liberdade de expressão acaba sendo usada de forma mal intencionada e sem aprofundamento, a fim de obter vantagens.
Foto: stocksnap
A campanha à presidência dos EUA trouxe à tona a manipulação das notícias e a pós-verdade mesmo em ambientes democráticos.
Audiência na web De acordo com pesquisa feita em 2016 pelo Ibope, veiculada no portal G1, o segundo meio de comunicação mais utilizado pelo brasileiro é a internet, logo atrás da televisão. Segundo os dados da Pesquisa Brasileira de Mídia 2016 - Hábitos de Consumo de Mídia pela População Brasileira, quase 26% da população prefere a internet para se informar, enquanto 49% cita a rede como uma das duas principais fontes de informação sobre as notícias nacionais e internacionais.
Entre os entrevistados que afirmaram se informar pela internet, 50% disseram acessar a rede diariamente, sendo 91% pelo celular. A mobilidade e a simultaneidade de acesso têm modificado o padrão de recepção da notícia. A média de tempo de acesso do brasileiro gira em torno de quatro horas e meia diárias. As redes sociais são muito acessadas e têm se tornado um dos mais importantes meios de publicação de notícias, gerando um grande “mar de informações”.
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A pós-verdade na internet O escritor italiano Umberto Eco declarou, em 2015, que “a internet deu voz aos idiotas”. Conversamos com o filósofo Mário Sergio Cortella, com o jornalista Marcelo Tas e com o historiador Leandro Karnal, a partir de uma pergunta em forma de provocação: a pós-verdade seria, então, uma resposta dos idiotas?
Charges: Zé Filho
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Discordo absolutamente dessa afirmativa porque a internet é só uma ferramenta e ela dá voz a quem a utiliza. Tem idiotas e tinha o Umberto Eco e, absolutamente, eu não acho Umberto Eco idiota. A pós-verdade é uma coisa que a gente pratica há muito tempo, antes da internet, e que tem a ver com o caráter, com a falta de ética, que é você enganar através da manipulação da informação. Isso não nasceu com a internet e sim com o homem. Creio que o Umberto Eco, com todo o respeito, é uma das pessoas que não teve, neste caso, capacidade de analisar com profundidade o que está acontecendo.
Marcelo Tas
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Leandro Karnal
Pós-verdade é a dissolução do conceito de verificação, isto é, da apuração possível da verdade. Então Umberto Eco diz duas coisas com essa frase. Uma, positiva, é que a capilarização do conhecimento diluiu a capacidade de verificar. A outra, negativa, aponta o seguinte: Umberto Eco é um intelectual que lamenta ter perdido a voz unívoca no enunciado da verdade, ou seja, os intelectuais, os promotores da verdade oficial, perderam essa capacidade de controle. Em resumo, temos que distinguir a mentira da pós-verdade. Mentira é quando você sabe que está infringindo um fato que ocorreu, com comprovação de dados, já a pós-verdade é a ruptura da capacidade de ver se algo é verdadeiro ou não.
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Mário Sérgio Cortella
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A pós-verdade é uma possibilidade. Ela não é uma forma, mas é uma grande chance de sê-lo. Inclusive porque os idiotas são quase incansáveis. Antes da tecnologia, a pós-verdade não existia. Ela existia como mentira, não como pós-verdade.
Jornalismo no mundo líquido Em seu livro 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno, o filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman define a realidade contemporânea como um grande fluxo de sentidos, que escorrem pelos nossos dedos, fragilizando as certezas. Entre suas obras mais famosas, estão Vida Líquida, Medo Líquido e Modernidade Líquida. Segundo Bauman, não temos tempo de transformar e reciclar os inúmeros fragmentos de informações em sabedoria. “E é a sabedoria que nos mostra como prosseguir”, disse o escritor, em entrevista à Globo News, em 2015. Ele afirmou, ainda, que as informações se dissolvem, se transformam, e o que se nota hoje é a apropriação da linguagem jornalística para a disseminação de notícias falsas. Apurações pouco aprofundadas geram textos superficiais, que acabam sendo publicados e prejudicando a vida de muitas pessoas. Para sintetizar, o filósofo explica que o chamado “mundo líquido moderno” é sempre capaz de surpreender. “O que hoje parece correto e apropriado, amanhã pode muito bem se tornar fútil, fantasioso ou lamentavelmente equivocado.” Por essa razão, o anseio por mais informações sobre o presente e o futuro é tão grande.
A internet, com suas autoestradas de informação gerando conexões imediatas, em tempo real, a partir de pequenos celulares ou iPods, transforma o excesso de informação em um novo tipo de pesadelo e reforça a ideia de inconstância. “O pesadelo da informação insuficiente,
que fez nossos pais sofrerem tanto, foi substituído pelo pesadelo ainda mais terrível da enxurrada de informações que ameaça nos afogar, nos impede de nadar ou mergulhar. Como filtrar as notícias que importam, no meio de tanta informação inútil e irrelevante? ”, conclui.
DESMENTIDOS REVELANDO AS MENTIRAS DE TRUMP
69%
DECLARAÇÕES FALSAS
27%
Foi realizada uma pesquisa pelo portal POLITIFACT, a respeito da veracidade das declarações de Donald Trump,desde 2015
DECLARAÇÕES NÃO APURADAS
4%
DECLARAÇÕES VERDADEIRAS “Aqui na Filadélfia, a taxa de homicídio tem sido constante – quero dizer, apenas terrivelmente crescente.”
“Temos o recorde de todos os tempos na história da Time Magazine. … Eu estive nela por 15 vezes este ano. ”
DESMENTIDO
O recorde está com Richard Nixon que apareceu na revista 55 vezes em 2016.
NOTÍCIAS NO:1234 /11:12:2014
O RECORDE ESTÁ COM RICHARD NIXON
Times Magazine magazine
“Esta conexão russa sem sentido é apenas uma tentativa de encobrir os muitos erros cometidos na campanha perdedora de Hillary Clinton”
DESMENTIDO
A informação errada foi dita no dia 26 de janeiro, durante uma coletiva de imprensa. A taxa de homicídio na Filadélfia diminuiu significativamente na última década, de 397 em 2007 para 277 em 2016.
DESMENTIDO
A CNN e o The New York Times informaram que membros da campanha de Donald Trump mantiveram contato com russos durante a campanha presidencial. As informações foram divulgadas depois de registros telefônicos terem sido interceptados.
PHILADELPHIA
USA
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Ilustração: Marcos Babene
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Ambiente de incertezas
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Elstor Hanzen
“Diversos autores da comunicação já explicaram que a informação pode sofrer um apagão ou vir em excesso, prejudicando a compreensão do contexto”, diz Hansen. Usam-se dados técnicos para justificar a não-publicação de algo relevante, sonegando os fatos do conhecimento público. Várias informações e imagens chocantes desviam a atenção da opinião pública da verdade. Caso clássico é a afirmação polêmica do chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, de que “uma mentira repetida mil vezes vira verdade”. Extremamente controvertida, a frase parece bem atual se comparada às táticas da campanha eleitoral de Donald Trump nos EUA.
Na opinião do jornalista, o apelo, a repetição e as versões ganham mais importância do que os fatos. O fenômeno da pós-verdade, portanto, não seria recente nem só consequência da tecnologia, mas agravado pelas novas condições. A pressão pela simultaneidade elimina etapas e prejudica a checagem de dados, por exemplo. Bauman afirma que a realidade no mundo líquido é “repleta de sinais confusos, propensa a mudar com rapidez e de forma imprevisível”. Resta aos profissionais a tarefa de reconstruir os processos de produção jornalística para responder aos desafios do mundo digital, cujas fronteiras ainda desconhecemos.
Charge gentilmente cedida por Carvall
O contexto de incerteza, instabilidade e a profusão de informações descontextualizadas são aspectos muito debatidos por historiadores e profissionais da área de Comunicação, como o jornalista e especialista em convergência de mídias Elstor Hanzen, colunista do Observatório da Imprensa. “Estamos num ambiente de insegurança provocado pela quebra das verdades estabelecidas em épocas anteriores, onde tudo era sólido e estável.” A partir dessa constatação, Hanzen situa o espaço ideal para a proliferação da chamada pós-verdade. Ele aponta a importância da tecnologia digital e das redes sociais, que disseminam enorme quantidade de informação e propagam modos de ver o mundo. “Em meio a isso tudo, é muito difícil materializar os fatos e a verdade no jornalismo. Em resumo, estamos no mundo da aparência ou, como dizia Bauman, a vida desejada tende a ser a vida vista na TV e no Facebook.” Hanzen aponta que no século XX, por exemplo, utilizar os meios de comunicação para fins políticos e estratégia militar foi uma prática marcante desde a Primeira Guerra Mundial.
Estamos no mundo da aparência ou, como dizia Bauman, a vida desejada tende a ser a vida vista na TV e no Facebook.
Censura
É proibido
PROIBIR
O D A R U S CEN
Por Camila Perillo, Joyce Ribeiro, Leonardo Macedo, Nathália Peres, Ricardo Martins e Stephanie Oliveira
Foto: Camila Perillo
A censura foi e continua sendo uma das maneiras mais recorrentes de inibição ao trabalho jornalístico. O controle sobre a informação pode estar presente até mesmo em ambientes democráticos e abertos, sob as mais variadas formas.
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Constituição Federal de 1988 estabelece que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, coletivo ou geral. Embora o Brasil viva, hoje, um período democrático com eleições diretas e uma imprensa livre, é possível perceber que algumas formas de controle da informação permanecem presentes. Pelo senso comum, muitos ainda relacionam a censura apenas à repressão vivida durante a ditadura militar no Brasil. A verdade é que novos modos de controlar a informação são construídos o tempo todo. Adaptados, inclusive, às novas mídias, como as redes sociais. Mesmo com toda abrangência que a internet possibilita, até a voz de um internauta
lado do muro” também foi, surpreendentemente, cassada. Recentemente, outro caso relacionado ao Facebook envolveu o atual prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), que contratou o escritório Pomini Advogados, pagando honorários para notificarem usuários que fazem publicações consideradas ofensivas. O escritório Pomini e seus advogados são responsáveis por detectar as publicações, Foto: stocksnap notificar extrajudicialmente seus autores e, havendo possibilidade, usar o documento legal para está sujeita a censura. Um processar os envolvidos, caso caso em que a liberdade de não apaguem a postagem. expressão de um cidadão Um dos funcionários, o comum foi colocada à prova advogado Guilherme Ruiz ocorreu em 2013, envolvendo Neto, em entrevista ao o advogado Ricardo Fraga. Buzzfeed, declarou que seu Morador da Vila Mariana, escritório nunca patrulhou ele criou uma página de ninguém. “É óbvio que não protesto no Facebook contra se trata de censura, pois a construtora Mofarrej, que estava implantando um projeto houve ofensa à legalidade. com três torres residenciais em Internet não é terra sem lei”. Liberdade de expressão e seu bairro. Após manifestos de manifestação, também que estimulavam a reflexão garantidas pela Constituição sobre o espaço urbano e a Federal, neste caso, foram criação do movimento “O totalmente ignoradas. outro lado do muro”, contra a verticalização excessiva da cidade, a construtora resolveu É vedada toda e entrar na justiça e conseguiu um mandato para que Fraga, qualquer censura além de não publicar em de natureza sua rede social, também não política, participasse de qualquer ideológica e protesto num raio menor do artística. que um quilômetro a partir Constituição Federal de 1988 das torres. A página “O outro
Não é paz, é medo (SIP, na sigla em espanhol), incluem-se: violência física e verbal; intimidação e amedrontamento; roubo e confisco de equipamentos; e a expulsão de jornalistas de zonas ou edifícios públicos. O maior país da América do Sul é também um dos mais perigosos do mundo para a imprensa. O Brasil está em terceiro lugar na lista de regiões com mais repórteres assassinados. É importante ressaltar que a violência contra os jornalistas é considerada uma das formas de ameaça à liberdade de expressão. Outra problemática surge com a perseguição judicial aos meios de comunicação. Segundo o Relatório de Transparência do Google, centenas de pedidos para a remoção de conteúdo e ações judicias foram movidas por políticos, funcionários públicos e empresários alegando lesão à imagem e reputação, solicitando, ainda, que jornalistas e veículos não publiquem críticas sobre eles. Além dos riscos à integridade física, jornalistas podem ser presos por seu trabalho. Os artigos 138, 139 e 140 do Código Penal determinam a pena de um mês a dois anos de prisão por difamação e calúnia, além de pagamento de indenização. “A censura imposta por tribunais inferiores muitas vezes limita a liberdade de imprensa e cria um clima de insegurança jurídica entre
os jornalistas”, disse Mauri König, ganhador do Prêmio Internacional da Liberdade de Imprensa do CPJ em 2012. Ele diz que, em muitas ocasiões, os repórteres evitam questões controversas temendo sofrer perseguição jurídica.
Foto: Ygor Rodrigues Gabriel
Diariamente, jornalistas são processados pelos mais diversos motivos, seja por pessoa física ou jurídica. Apesar da lei ser clara, muitos casos como esses acontecem em pleno século XXI. A advogada Marilene Araújo afirmou que, na Constituição atual, está claro que não deve existir censura. “As atividades de comunicação, de informação e artísticas independem de qualquer licença, portanto, a censura é vedada. O que nós temos são contornos para estabelecer limites e responsabilidades, inclusive do jornalista, para que não ocorram abusos.” Recentemente, cinco profissionais da Gazeta do Povo (PR) responderam a 37 processos por reportagens publicadas pelo jornal em fevereiro de 2016, com dados sobre os salários de juízes e promotores do Paraná. Ironicamente, a equipe do jornal foi escolhida para receber o prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa de 2016. A prática de processar judicialmente comunicadores apenas pela publicação de denúncias, sobretudo na esfera criminal, representa uma tentativa abusiva de silenciar críticas e, assim, uma violação à liberdade de expressão e informação. Dentre as práticas de repressão denunciadas pela Sociedade Interamericana de Imprensa
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Afasta de mim esse cálice
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Censura é a filha da ditadura. Sinval Itacarambi
Divulgação
O caso Vladimir Herzog mudou os rumos da cobertura da imprensa, acelerando o processo de redemocratização.
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Uma época recente da história brasileira em que a censura foi oficializada pela legislação ocorreu durante o período da ditadura militar, entre 1964 e 1985, com o Ato Institucional Nº 5 (AI5), promulgado em 1968. Muitos jornalistas foram torturados pelos militares por lutarem pela liberdade de imprensa ou por adotarem posições políticas opostas ao governo. Vladimir Herzog, Vlado como era chamado por seus amigos, foi diretor da TV Cultura e assumiu como missão pôr em prática a sua concepção de responsabilidade social do jornalismo na TV. No dia 25 de outubro de 1975 foi encontrado morto, enforcado em uma cela nas dependências do 2° Exército, em São Paulo e a foto de seu corpo tornou-se emblemática, por deixar claro que não se tratava de suicídio. O médico legista da época, Harry Shibata, afirmou ter assinado o laudo de Herzog sem examinar ou ver o corpo. Porém, após 38 anos de sua morte, a família de Vlado recebeu um novo documento, alegando a real causa: “lesões e maus-tratos sofridos durante o interrogatório nas dependências do 2° Exército DOI-CODI”. Audálio Dantas, presidente do Sindicato dos Jornalistas na época em que Herzog foi preso, torturado e assassinado, em entrevista
após palestra realizada na Universidade Cruzeiro do Sul, relatou que era comum os jornalistas sofrerem com a censura. “Se não havia um censor na redação, havia dentro da própria empresa.” Foi durante a ditadura que perdurou o maior período de controle institucionalizado aos meios de comunicação. “Essa época foi a noite da cultura, a noite do conhecimento, a noite do desenvolvimento humano. Ditadura foi o período que quem viveu tem tantas más lembranças que nem quer se recordar”, afirmou Sinval de Itacarambi, editor da Revista Imprensa e colega de trabalho de Vlado. Ainda segundo Itacarambi, a violação da liberdade de expressão, direito essencial da democracia, atingiu em cheio a imprensa durante o regime militar no Brasil. “A grande mídia se afinava ao governo, enquanto alternativos apontavam as torturas”, conta. Os jornalistas, com o tempo, aprenderam a narrar os fatos nas entrelinhas e o povo se adaptou a ler esses códigos. O Jornal da Tarde, por exemplo, publicava receitas de bolo e doces nos espaços em que a censura havia cortado reportagens, enquanto o Estadão colocava poesias de Castro Alves, Manuel Bandeira e trechos dos “Lusíadas”, de Luís de Camões, marcando época com essa postura desafiadora.
Caminhando contra o vento Como se não bastassem todos os instrumentos de cerceamento à liberdade jornalística, alguns profissionais da Imprensa acabam incorporando, consciente ou inconscientemente, algum grau de autocensura. Isso acontece, muitas vezes, porque o profissional conhece a linha editorial do veículo
em que trabalha e não quer colocar o emprego em risco. Outras vezes, o medo de represálias de grupos criminosos ou representantes do poder também contribui para calar os repórteres. Segundo o jornalista Bernardo Kucinski, o profissional acaba dividido entre duas escolhas: exercer a profissão prezando por seus valores morais e
éticos ou trabalhar seguindo os interesses da empresa para garantir o emprego. Na verdade, muito além de uma decisão pessoal isolada e heróica, a superação da autocensura depende de um ambiente de segurança e apoio ao exercício da liberdade de expressão e de imprensa, direitos da cidadania garantidos pela Constituição.
Alguns casos de cerceamento à liberdade de imprensa, muitas vezes respaldados pela Justiça, impedem que denúncias sejam levadas adiante. Abaixo, exemplos que aconteceram no Brasil nos últimos dez anos.
2010 Paulo Beringhs Apresentador do jornal Brasil Central (GO) se demite ao vivo afirmando ter sofrido censura vinda do governador Alcides Rodrigues (PP), quando foi vetado de entrevistar o candidato ao governo do estado de Góias, Marconi Perillo (PSDB), depois que o adversário do tucano, Iris Rezende (PMDB), se negou a também dar sua entrevista.
2012 Lucio Flavio Pinto Jornalista é condenado a pagar indenização de 410 mil reais ao empresario Rômulo Maiorana Junior, que alega ter sofrido danos morais e materiais devido a publicação referente a empresa de sua família, Delta Publicidade S/A.
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O Estado de S. Paulo e portal estadao.com.br
Gazeta do Povo
Liminar do desembargador Dácio Vieira proíbe os veículos de publicarem reportagens com informações sobre a operação da Polícia Federal que investigou supostas irregularidades cometidas pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Reportagens sobre denúncias de tráfico de influência e venda de sentenças envolvendo o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), Clayton Camargo, foram retiradas do site. Decisão liminar impede que o jornal publique reportagens ofensivas "à honra, à boa fama e à respeitabilidade” do desembargador.
2007
2017
Marcela Temer
Kfouri
A pedido do Palácio do Planalto, liminar é expedida pelo Poder Judiciário impedindo que os jornais "A Folha de São Paulo" e "O Globo" publicassem sobre a extorsão sofrida pela primeira-dama.
Sob risco de multa em R$ 50 mil, o jornalista Juca Kfouri está proibido de "ofender" o deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP). Punido judicialmente por ter criticado o desempenho dos alunos de Direito da Uniban no Exame de Ordem em São Paulo. Capez sentiu-se insultado com a afirmação de que tenha fracassado como promotor público no combate à violência nos estádios de futebol.
Ilustração: Leonardo Macedo
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Ensaio
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oras, minutos e segundos são aspectos que definem o tempo, impossível de ser aprisionado, tanto quanto o momento de um simples abraço. Dominá-lo? Talvez. Mas seria melhor apenas usufruir desses instantes fugazes, que escorrem pelos dedos. São Paulo, uma das principais capitais do Brasil, falada e cantada pelo famoso “correcorre” e por sua diversidade cultural. Fugir dos hábitos, mudar a rotina, encontrar o tempo livre na “cidade que nunca dorme” é o desafio. O tempo define nossa história, costumes passados de geração em geração, de pais para filhos. A arte do brasileiro, captada em retratos na avenida. Um desfile que une passado, presente e futuro nos mais breves instantes.
Cada momento único, como se fosse o primeiro. 16
Tempo
suspenso
Texto por Leonardo Macedo Imagens por Leonardo Macedo e Nathรกlia Peres
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Novos Formatos
A Revista
de cara nova
Redação da editora Globo, mostrando as equipes das revistas impressas.
Como os veículos estão lidando com a transição de seu público para a era da informação digitalizada Por Beatriz Santos, Cássia Almeida, Douglas Silva, Paulo Sérgio e Jéssica Almeida
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tualmente, basta um clique para ter acesso às informações desejadas, alcançadas de forma instantânea. O leitor está se adaptando às novas vertentes da tecnologia e perdendo cada vez mais o hábito de ter em mãos a sensação de folhear uma revista e estabelecer contato com o universo dos meios impressos. Com isso, as revistas estão migrando para onde o leitor está – e esse lugar certamente não é mais apenas a banca de jornal, nem tampouco a caixa de correio dos assinantes.
De acordo com dados divulgados pelo IVC (Instituto Verificador de Circulação), ao longo de 2016 alguns dos títulos mais tradicionais do mercado impresso perderam público. A revista Veja oscilou cerca de 4%, já a Época perdeu 2% de vendas. O número da Nova Escola é o que mais preocupa: teve baixa de 25% em suas vendagens. As revistas vivem um processo de transição do meio tradicional impresso para o ambiente digital e, para isso, buscam consolidação no novo mercado. O declínio nas vendas impressas está
Foto: Jéssica Almeida
As revistas vivem um processo de transição do meio tradicional impresso para o ambiente digital e, para isso, buscam consolidação no novo mercado.
fazendo com que editoras reestruturem todo o modelo de negócio e reinvenção é a palavra de ordem. Muitas empresas já utilizam mais as vertentes digitais do que as tradicionais, devido à pressão do mercado. Como em toda mudança, há desafios a serem enfrentados. Um deles é manter a credibilidade diante do leitor e, ao mesmo tempo, conseguir criar conteúdo criativo que atraia o público. A Capricho, por exemplo, migrou para o digital, acompanhando seu público. Referência no segmento adolescente há anos, optou
pelo fim de sua versão impressa em junho de 2015. “A decisão foi consequência de uma demanda que fomos obrigados a acatar”, afirma Thiago Theodoro, redator-chefe da publicação. O anúncio do “fim” da Capricho foi recebido com surpresa por muitos, mas, segundo Theodoro, para o público-alvo o impacto foi menor. “A gente estava conversando com a leitora muito mais na internet do que na revista. Nesse caso, dirigimos nossos esforços para algo que deverá trazer muito mais resultados”, explica o jornalista da Abril.
O investimento no digital faz todo o sentido. Segundo pesquisa realizada em 2017 pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), no Brasil existem 198 milhões de smartphones. De acordo com o estudo, a expectativa é de que, nos próximos dois anos, o país tenha 236 milhões de aparelhos desse tipo nas mãos dos consumidores. Como o aplicativo móvel é, hoje, uma das principais ferramentas de acesso à internet, o consumo de informação por esse meio é uma realidade que já faz parte do cotidiano do público. Setembro de 2017 19
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Tudo hoje é muito volátil e na comunicação isso aparece de modo radical. O jornalista precisa acompanhar, pois o mundo está cada vez mais complexo.
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Tiago Jokura, editor da Superinteressante Foto: Jéssica Almeida
O desafio do desconhecido Se as pessoas estão mais interessadas no contexto digital, qual o sentido de continuar produzindo revistas impressas no século 21? “É necessário tentar fazer algo relevante no papel. Para uma revista ser importante hoje, não pode reproduzir o que já foi ou o que vem sendo feito. Ela precisa trazer temas que estejam em pauta e aprofundá-los”, afirma Nathan Fernandes, editor da revista Galileu. Para Tiago Jokura, editor da Superinteressante, é necessário destrinchar os mais diversos assuntos e fazer algo analítico para construir um público fiel. “É impossível concorrer com a agilidade de outros meios. Como a revista tem maior tempo de apuração, nosso papel é explicar como 20
funcionam as engrenagens. Tentar dar um mapeamento simples, mas, ao mesmo tempo, completo. Trazer dados para o leitor entender as complexidades de um jeito acessível.” Surpreender o público e valorizar os detalhes é um dos grandes desafios das publicações atuais. “O visual gera o primeiro impacto. É necessário, ainda, buscar a qualidade da apuração”, diz Fernandes, ao frisar que a capa é o diálogo inicial do leitor com a revista. Em novembro de 2015, a Galileu passou por mudanças no projeto gráfico e editorial, justamente para se posicionar em um momento de transição e, com isso, conseguiu ganhar identidade. A partir daí, a
publicação passou a tratar de temas polêmicos, como transgênero, gordofobia e linchamento. “Os assuntos que a Galileu traz não são discutidos abertamente em outros lugares, com um posicionamento tão marcado como nós temos”, afirma Nathan Fernandes. Identidade é exatamente o fator capaz de gerar fidelidade entre o público de uma revista. Dados de pesquisa realizada em 2015 pela Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER), indicam que esse veículo “comunica com eficiência, estabelece um diálogo regular com o leitor, influencia o consumidor e o envolve emocionalmente. As revistas são impactantes e têm forte poder de persuasão”.
Várias publicações, aliás, adotaram a política de buscar uma definição mais ampla, não apenas como revistas, mas sim como marcas. “É um condicionamento mental que eu não consegui atingir ainda. Todas as revistas precisam transcender suas limitações, porque ninguém vai sobreviver só com papel”, afirma Nadale. No novo contexto, segundo o editor, as revistas enxergam sua audiência como público e não mais como leitor. Público esse que está em todas as plataformas disponíveis, espaços que as empresas de comunicação desejam ocupar.
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O jornalismo atual é baseado muito mais no diálogo. É preciso conversar com o público, acompanhar, pensar em formatos diferentes, sair da zona de conforto.
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Criar esse vínculo com o leitor não é tarefa fácil. No momento, quase todas as revistas enfrentam dificuldades em conquistar novos leitores. “O grande problema do mercado editorial impresso é a renovação de público. Se uma criança de 10 anos não tem contato com revistas, é provável que, aos 15 ou 20 anos, não leia nada impresso com assiduidade. A tendência é que procure informação apenas nos sites, blogs e outros formatos digitais”, ressalta Marcel Nadale, editor da Mundo Estranho, um dos títulos do Grupo Abril voltados para o público jovem.
Nathan Fernandes, editor da Galileu
Foto: Beatriz Santos
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Bens de consumo ou jornalismo?
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O trabalho nas mídias sociais precisa ter uma dinâmica, uma lógica, para fazer com que o público sinta vontade de estar presente em todas as plataformas. Segundo Pollyana Ferrari, escritora e pesquisadora em comunicação digital, o jornalismo na web precisa ser diversificado para manter a atenção. Com uma demanda tão grande de informação, o trabalho do jornalista torna-se cada vez mais complexo. A tendência de redações enxutas exige, ainda, enorme flexibilidade dos profissionais, pressionados a fazer de tudo um pouco. Se antes existia uma divisão entre impresso e digital, hoje tudo está integrado. Um dos resultados práticos, em meio à crise econômica do país, é a sobrecarga de trabalho. “No nosso dia a dia, essa concentração de tarefas não tem se mostrado viável, porque simplesmente não sobra tempo para fazer um trabalho mais aprofundado”, afirmou um dos profissionais ouvidos pela reportagem. Mesmo com tantos problemas, Ferrari acredita que decretar o fim da revista em seu modelo tradicional é algo precipitado. “Muitos falam sobre a crise do modelo impresso, apontando a internet como vilã da história. Mas a verdade é que as empresas de jornalismo precisam oferecer conteúdo de qualidade e relevância, independentemente do formato utilizado. Sempre haverá público para diferentes segmentos”, finaliza a pesquisadora.
Foto: Beatriz Santos
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O jornalista está redescobrindo seu papel, pois com as novas mídias qualquer um pode produzir conteúdo. A função dos veículos tradicionais é passar credibilidade e informar.
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O modelo de negócio atual das revistas expande as possibilidades e exige que haja investimentos em outras áreas para que as contas fechem. A Capricho é um exemplo de caso de sucesso, já que há anos investe em produtos licenciados: existem mais de quinhentos itens à disposição no mercado com a marca que, somados, vendem cerca de 10 milhões de unidades ao ano. Já a Superinteressante, além das edições mensais regulares, lança exemplares extras, intitulados como especiais, com temas específicos. Também está presente no mercado editorial de livros há alguns anos. Produtos como material escolar são comercializados com o logotipo da Mundo Estranho, enquanto a editora Globo promove eventos relacionados à marca Galileu. Ainda assim, é importante lembrar que boa parte do público conhece a marca por meio da identificação com a revista impressa original. Para maior visibilidade, é indispensável estar nas redes sociais de forma massiva. Elas são usadas como ferramenta de aproximação com o público, pois têm papel fundamental na disseminação de conteúdo. Somados, por exemplo, os números das quatro principais redes sociais da Capricho, são mais de 14 milhões de seguidores. De acordo com Thiago Theodoro, o trunfo sempre foi estar onde a leitora estava: passando pela era do Myspace e Orkut, até chegar ao Facebook.
Thiago Theodoro, redator-chefe da Capricho
A banca Senzala fica no Alto de Pinheiros e é uma das mais antigas de São Paulo.
Era uma vez a banca de jornal Tarde com frio e garoa fina de uma quinta-feira, em São Paulo. O jornaleiro Paulo Henrique Siconi, 38 anos, cumpre mais um dia de trabalho na banca Senzala, local com estrutura média e sofisticada, localizada no Alto de Pinheiros. Em atividade há mais de quatro décadas, a banca vivenciou as diversas transformações no mercado de revistas e jornais e, com o boom da era digital, precisou se adaptar. Por força do mercado, tem ares de loja de conveniência, vendendo, além
das publicações, produtos de consumo rápido, como balas, chicletes e chocolates. Além disso, conseguiu ser referência na região em produtos da área de tabacaria. Algumas pessoas que passam por ali, param para ler as manchetes dos jornais e revistas, mas logo retornam para a correria de rotina. Naquela tarde, apenas um senhor, após folhear alguns títulos, comprou uma revista. Para Siconi, que conhece o ramo desde criança, quando acompanhava seu
pai, Marcos Antônio, o maior impacto nos últimos vinte anos foi a queda na venda de jornais. “A saída era massiva, centenas de exemplares eram comercializados. Atualmente, quase não existe procura”, conta o comerciante. Mesmo com a concorrência de celulares e computadores, algumas revistas têm público fiel. Segundo Siconi, títulos tradicionais e segmentados são os que mais vendem atualmente, principalmente quando trazem capas com assuntos polêmicos. Setembro de 2017 23
Independente
Nova voz para
A veracidade
Jornalismo independente abre espaço ao cidadão que não se sente representado pela grande imprensa
Jornalismo sem fins lucrativos, que trabalha a notícia a favor do cidadão e promete dar luz ao que é ignorado pela imprensa tradicional. Essas são algumas características do jornalismo independente praticado no século 21 em ambiente digital. Embora não seja uma experiência propriamente inédita, uma vez que modelos impressos com essas preocupações floresceram em vários períodos de censura e repressão, como durante a ditadura militar brasileira, há muitas novidades na versão contemporânea. Com as novas tecnologias, o jornalismo passa por diversas transformações,
Mídia Ninja
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Foto: Alisson Bruno
Por Carolina Fernandes, Maick Fernandes e Ester Amorim
Papo de Homem
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@papodehomem
@MidiaNINJA
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Redação da Agência Pública, que criou um mapa interativo com projetos de jornalismo independente no Brasil.
Congresso em foco
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O jornalismo independente surge para oferecer aquilo que o público sente falta no jornalismo tradicional. Thalita Monte Santo, da Agência Mural.
como a proximidade muito mais intensa e participativa do público, que vive um amplo acesso às informações, busca mais compromisso dos veículos tradicionais e pode consultar diferentes olhares sobre múltiplos assuntos. “Basicamente, o jornalismo independente surge para oferecer aquilo que o público sente falta no jornalismo tradicional”, diz Thalita Monte Santo, correspondente da Agência Mural. Os veículos tradicionais de comunicação vêm perdendo seu público, parte por conta da crise econômica, mas também devido à instabilidade dos seus modelos de financiamento. Tal situação acaba colocando em risco a qualidade do conteúdo produzido por redações cada vez mais enxutas e edições
Envolverde
reduzidas. O leitor passa a sentir necessidade de obter as informações de forma mais prática e gratuita. O Facebook tem se tornado uma fonte para quem busca praticidade na hora de se manter informado, ainda que a qualidade das notícias possa ser questionada. Pessoas comuns tornam-se produtoras de seus próprios conteúdos, cada vez mais criativas e sedentas por visualização, a famosa busca pelo “like”. Muitas vezes, é essa visualização que vai gerar lucro, pago pelo anunciantes. O problema é que agora percebemos o volume de notícias falsas, baseadas em títulos sensacionalistas e com claro intuito de manipular a opinião pública, obtendo ganhos financeiros ou políticos.
Think Olga
@congemfoco
@Envolverde
@ThinkOlga
@congressoemfoco
@envolverde
@thinkolga Setembro de 2017 25
Multiplataforma
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Tratam a notícia como um bem necessário, buscando fontes confiáveis, melhor apuração, ângulos diferentes e buscam mostrar de maneira clara como é a realidade dos fatos nos locais mais invisíveis, registrando a forma como as pessoas enxergam e lidam com a região onde moram. Uma vertente desse modelo de jornalismo é desenvolvida nos bairros periféricos dos grandes centros urbanos. Geralmente, adota uma linguagem mais regional e informal, próxima do público a que se dirige. O foco é mais pessoal, com maior liberdade para tratar de assuntos que são considerados importantes no contexto territorial traçado, mas que seria desprezado nas reuniões de pauta dos grandes jornais e emissoras
brasileiros. O conteúdo pretende ir além do que já é feito em jornais impressos, na TV e nas revistas. Há veículos independentes que procuram se especializar, cada um com a sua abordagem e tipo de linguagem, mas todos em busca de contribuir para a construção da veracidade da notícia. A Mural - Agência de Jornalismo das Periferias, é um exemplo dessa escolha, ao traçar para si o objetivo de dar visibilidade às periferias de São Paulo. Mais de cem muralistas, como são conhecidos os correspondentes locais, já passaram pelo blog, criado em 2010. Esses correspondentes, comunicadores e blogueiros residentes nos bairros da cidade, são especialistas
Thalita Monte Santo é correspondente da Mural.
Acrevo pessoal
Pode-se afirmar que não é essencialmente necessário ser jornalista para produzir notícias veiculadas online. Geralmente, as informações são garimpadas em plataformas de vídeo, blogs ou nas próprias mídias sociais que hospedam páginas que diariamente publicam conteúdos, produzidos por usuários que dominam a linguagem desses ambientes. Ainda assim, muitas vezes, o jornalismo independente abre portas para profissionais que não têm interesse de atuar na imprensa tradicional e buscam autonomia para abordar assuntos que julgam mais importantes do que aqueles determinados pela agenda hegemônica. Parte das pessoas que fazem esse tipo de jornalismo acontecer é composta por moradores de comunidades que sofrem com injúrias e distorções nas histórias contadas pela grande mídia, ao tratar com pouca sensibilidade assuntos como relatos de violência, estatísticas da pobreza, revoltas e atos de vandalismo, trazendo relevância apenas para o suposto lado obscuro das manifestações nas partes menos nobres da cidade, uma manipulação constante que acaba reforçando o olhar preconceituoso. No meio do turbilhão de informações que a internet proporciona, temos alguns veículos que estão resgatando a essência do fazer jornalístico, perdida no tempo e nas dificuldades de crises sequenciais.
em suas regiões e usam as ferramentas do jornalismo de boa qualidade para contar as histórias que ninguém conta. “Queremos um jornalismo que fale, por exemplo, da luta feminista. Às vezes, o conteúdo jornalístico independente abraça melhor as necessidades das pessoas”, explica Thalita Monte Santo, correspondente e moradora de Guarulhos. O conglomerado de veículos independentes, além de projetar novas maneiras de relatar os fatos, também revisita os moldes do velho jornalismo. A Pública representa muito bem esse aspecto, pois é a primeira agência brasileira de reportagens investigativas,
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Foto: Alisson Bruno
Sem fins lucrativos, buscamos produzir grandes reportagens de fôlego, capazes de figurar em qualquer veículo de comunicação. Thiago Domenici, editor da Agência Pública
produzindo conteúdo sobre temas amplos e relevantes, no formato Long Form, com temas ligados aos direitos humanos. Busca sempre trabalhar com novas linguagens, mas fazendo verdadeiros mergulhos nos temas que aborda. Esse modelo de veículo conta com jornalistas experientes no mercado, que tratam a informação com apurações de fôlego e aprofundadas. A Pública trabalha com reportagens que são livremente reproduzidas por mais de 60 veículos, sob a licença creative commons.
A agência conta com o financiamento de fundações internacionais, além de buscar ampliar o apoio financeiro de seu próprio público, por meio de crowdfunding. “Sem fins lucrativos, buscamos produzir grandes reportagens de fôlego, capazes de figurar em qualquer veículo de comunicação”, diz Thiago Domenici, editor da Agência, ressaltando a importância dessa estratégia, que permite que múltiplos veículos de pequeno, médio ou grande porte republiquem reportagens sobre temas considerados essenciais pela equipe. Setembro de 2017 27
A escolha do independente Da imprensa tradicional para o jornalismo independente, Conrado Corsalette, cofundador e diretor de redação do Nexo Jornal, encontrou o modelo de comunicação que sempre acreditou. Por Paulo Soares e Natalia Alencar
Lançado em novembro de 2015, o Nexo Jornal é um dos veículos de comunicação mais conhecidos no jornalismo independente, com cerca de 300 mil curtidas em sua página no Facebook e 290 mil seguidores no Twitter. O projeto nasceu da ideia de três profissionais de diferentes áreas: Conrado Corsalette, com passagens pelo Agora S.Paulo, Folha de S.Paulo e Estadão, Paula Miraglia, antropóloga, e Renata Rizzi, engenheira com foco em gestão. Em entrevista à Revista Código, o jornalista paulistano fala sobre os resultados desse encontro.
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Código: Como surgiu a ideia do Nexo Jornal? Conrado Corsalette: Fui procurado pela Paula Miraglia, que já conhecia há anos, com a ideia de criar um jornal. Paula não é jornalista, e sim antropóloga, mas tinha ideias muito semelhantes às minhas sobre o papel do jornalismo no mundo hoje. Ela também chamou Renata Rizzi, engenheira, com uma boa experiência em negócios. Nós três concordávamos que era possível contribuir com o debate público fazendo um jornalismo que priorizasse a clareza, o equilíbrio e a transparência. Dessa forma,
surgiu o Nexo, um jornal nativo da internet, com uma redação profissionalizada, cujo foco é explicar os acontecimentos de forma original e contextualizar temas relevantes para qualificar o debate público, usando as mais diferentes narrativas que o jornalismo digital possibilita. Código: O que você buscava no jornalismo independente? CC: Não vejo o jornalismo independente como um conceito fechado, a partir do qual é possível fazer considerações gerais. O que me interessou no projeto do Nexo, particularmente, foi ajudar a conceber e, depois, colocar em prática exatamente aquilo que achava que faltava no jornalismo atual: mais reflexão, clareza, mais comunicação direta entre o veículo e o leitor. Código: Quais as principais dificuldades que vocês enfrentaram? CC: Houve um trabalho intenso para que chegássemos a uma voz. Para que pudéssemos colocar em prática aquilo que idealizamos no papel. Não por acaso ficamos quatro meses trabalhando intensamente com a equipe como se o jornal estivesse no
ar, mas sem publicar nada. Foi intenso, penoso, mas deu certo. Graças a uma clareza do que queríamos e também à equipe, que ajudou a dar a cara do jornal. E há dificuldades diárias, inerentes ao jornalismo, aos negócios, mas que estão equalizadas. Código: No seu ponto de vista, quais são as vantagens e desvantagens do jornalismo independente? CC: Trabalhar numa redação de pequeno ou médio porte tem a vantagem de podermos mudar a maneira de fazer as coisas sempre que necessário. Se algo não está dando certo, é só mudar o jeito de fazer. Isso dá uma ótima mobilidade. Um grande jornal é como um transatlântico, demora pra mudar de rota. Uma startup é uma lancha ágil, rápida. Código: Hoje, você trabalha somente com o Nexo? CC: Sim, somos uma redação profissionalizada, em que as contratações são feitas dentro da CLT e a dedicação tem de ser exclusiva.
Código: Comparando as experiências na grande mídia e em seu projeto de jornalismo independente, quais as maiores diferenças que você nota? CC: Nos grandes veículos a produção é industrial, em que os profissionais têm tarefas mais compartimentadas, separadas por departamentos e funções, sem muito diálogo. No Nexo, as pessoas participam simultaneamente de diferentes etapas dos processos de produção de um determinado conteúdo jornalístico. Às vezes, são responsáveis por todo o processo, da apuração à elaboração de um gráfico que vai acompanhar o texto, assim como a escolha da foto que vai ilustrá-lo, por exemplo.
O que me interessou no projeto foi colocar em prática aquilo que achava que faltava no jornalismo atual: mais reflexão, clareza, mais comunicação direta entre o veículo e o leitor.
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Código: Como resolveram a questão de financiamento do seu veículo? CC: O Nexo é financiado exclusivamente por seus sócios e leitores. É o modelo que consideramos o mais adequado, diante do contexto do mercado. Permite manter nossa independência.
Código: Quais foram os motivos que levaram à sua saída da imprensa tradicional? CC: A qualidade do projeto do Nexo. O jornal acabou concretizando exatamente aquilo que eu buscava no jornalismo. Seu modelo editorial, segundo o qual a boa informação, clara e bem explicada, tem um papel transformador na sociedade. Um papel que ajuda a iluminar o debate público. Código: Qual a sua opinião sobre o jornalismo da grande mídia? CC: Acho que a grande imprensa é essencial para o jornalismo, no Brasil e no mundo. Independentemente das escolhas editoriais de uma ou outra empresa, os grandes veículos têm hoje uma alta capacidade de dar furos e cumprem seu papel na comunicação. É claro que há problemas, que ficam mais evidentes num momento de extrema polarização como o atual. Há também uma crise do modelo de negócios baseado na publicidade, assim como uma perda da exclusividade na intermediação do debate público. A revolução digital pulverizou essa intermediação e deu possibilidade para que outras iniciativas relevantes surgissem. Acho que estamos agora num processo de rearranjo, em que haverá mais veículos atuando lado a lado com a grande imprensa. Código: O que a experiência atual representa em sua carreira? CC: O Nexo, no fundo, me parece uma consequência natural da minha trajetória. Setembro de 2017 29
Modelos Financeiros
A Foto: pixabay
Na hora de
pagar as contas Como ganhar dinheiro e se sustentar em um ambiente onde a circulação de informação é livre? Por Letícia Neres, Guilherme Silva, Gabriela Ramos, Hélder Magalhães, Johnny Maure e Wesley Silva 30
internet transformou, ao longo do tempo, os modos de consumo da informação. Ao gerar acesso livre e gratuito, quebrou os monopólios da mídia tradicional favorecendo a integração e a comunicação entre pessoas do mundo todo. No momento em que a maioria dos veículos, de uma forma ou de outra, migra para o ambiente digital, uma das perguntas de difícil resolução é a do financiamento de longo prazo dos títulos jornalísticos. Conversamos com Isadora Ortiz de Camargo, Murilo Bussab e Fausto Salvadori, que representam, respectivamente, a Agência EFE, o jornal Folha de S. Paulo e o site Ponte de Jornalismo, para saber quais soluções encontraram até agora e como pretendem se manter no futuro.
A resposta de um milhão de dólares A chegada da internet e de toda a tecnologia digital foi um marco importante para o Jornalismo, ainda que isso não estivesse tão claro nos primeiros tempos. A passos lentos, o jornalismo feito no espaço digital desenvolveu-se, desde os anos 90, com os primeiros portais nacionais. Passados quase trinta anos de produção de informação na web, uma incógnita permanece, uma questão apontada por muitos como a pergunta que vale um milhão de dólares: como financiar o jornalismo feito para ser distribuído na internet? Entretanto, antes de tentar apontar uma solução para esse problema, é necessário entender o cenário do jornalismo online no Brasil e no mundo, a fim de esclarecer se existe algum modelo capaz de garantir estabilidade financeira aos veículos em atividade. Reino do desconhecido é o modo como Fausto Salvadori, jornalista e cofundador do site
Ponte de Jornalismo, descreve o cenário do jornalismo na internet, desde os seus primórdios até a fase atual. “Como tudo que é novo, a web exige desbravadores. É um ambiente ao mesmo tempo rico e arriscado, tão cheio de oportunidades quanto de perigos”, diz. Analisando de forma mais técnica essa questão, a professora, jornalista e editora da Agência EFE, Isadora Ortiz de Camargo, aponta que ganhar dinheiro na internet é uma tarefa difícil. Para ela,o público consumidor, especialmente no caso brasileiro, está acostumado a ver a web como um espaço de interação e lazer sem custo algum. “É natural a convivência com esse desafio nos últimos anos: criar conteúdo para um público que não está preparado para pagar online, porque parte do pressuposto de que o ambiente oferece informações gratuitas”, afirma a jornalista.
Passados quase trinta anos de produção de informação na web, uma incógnita permanece: como financiar o jornalismo feito para a internet?
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O público brasileiro não está acostumado a pagar por conteúdo informativo na internet, o que dificulta a criação de um modelo financeiro sustentável.
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O fenômeno do streaming Isadora Ortiz Camargo aponta, porém, uma pequena mudança nos últimos cinco anos. Trata-se do surgimento de modelos de negócios baseados em streaming, como o Spotify e a Netflix, por exemplo. Com um grande acervo de músicas e filmes, essas empresas oferecem conteúdo por meio de assinaturas com um preço acessível, a partir de uma tecnologia capaz de facilitar a experiência do usuário e de um produto que a maioria das pessoas tem o interesse de consumir. “Eles acabam atingindo uma gama de pessoas de diferentes idades, classes sociais, regiões e culturas. Elas podem e gostam de pagar um valor que consideram justo para ter um arquivo disponível a qualquer
momento”, explica. Mas será que algum modelo de financiamento testado até agora consegue proporcionar estabilidade financeira para os veículos que produzem notícias para a internet? A professora observa que o caminho, em meio a tantas incertezas, é considerar que a estratégia que pode funcionar para o jornalismo digital é 24 horas. “A variação segue de acordo com o comportamento diário do público e da produção, não há estabilidade”, diz. A visão de Fausto Salvadori é semelhante, mas ele sugere que o jornalismo, futuramente, não terá mais apenas um modelo consolidado de negócio, independentemente da plataforma em que estiver alocado.“Meu palpite é que
não teremos um modelo estável de financiamento, uma fórmula mágica que todos os veículos possam seguir, como era a venda de anúncios que sustentou jornais, rádios e tevês no último século”. Para ele, o caminho para encontrar alternativas que ofereçam algum tipo de retribuição positiva ainda é nebuloso e passará por uma fase de transição, em que os produtores de informação deverão se adaptar a uma nova realidade.“Daqui para a frente, nada será estável, cada veículo precisará desenvolver suas próprias estratégias e recorrer a fontes múltiplas de financiamento”,conclui. Já Murilo Bussab, diretor executivo de Circulação e Marketing do jornal Folha de São Paulo, apesar de
Foto: pixabay
streaming
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O streaming é uma forma de distribuição de conteúdos multimídia via internet. O conteúdo acessado pelo consumidor não é armazenado em seu dispositivo (seja celular, tablet, televisão ou computador), somente o cache de navegação. Os serviços de streaming mais populares no Brasil são Netflix e YouTube, para vídeos, séries e filmes, e o Spotify, usado para ouvir músicas.
Isadora Ortiz Camargo
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Acredito que, dentro de mais ou menos quinze anos, a produção digital no Brasil estará muito melhor, porém não deixará de enfrentar problemas.
Divulgação
concordar em muitos pontos com Isadora e Fausto, destoa ao defender que o modelo clássico de assinatura deve sobreviver e coexistir junto aos demais sistemas. “Acredito que a assinatura terá uma nova fase de crescimento, é só uma questão de tempo. A proposta de cobrar por conteúdo na internet é nova, começou há uns três ou quatro anos, então é algo a que as pessoas não estão acostumadas”, ressalta o jornalista. Para Bussab, as assinaturas terão maior adesão do público na web quando outros grandes veículos de comunicação que não adotaram esse modelo de negócio começarem a cobrar pelo conteúdo produzido.“Eles estão analisando para ver se esse realmente é o caminho ou não, mas em breve teremos um acréscimo de pessoas pagando para ler a mídia digital”, aposta Murilo.
A fórmula mágica do ouro Mesmo com toda a dificuldade em encontrar essa fórmula eficaz para o ambiente digital, existem alternativas que estão sendo testadas em diferentes regiões do mundo. Por conta das características de forte interação na internet, a maneira como o veículo vai ser financiado está relacionada diretamente ao seu público. É preciso obter um reconhecimento muito forte para conseguir estabelecer um sistema financeiro funcional. Existem exemplos muito diversificados, desde aqueles em que o público paga como se estivesse no varejo, gastando pouco e escolhendo especificamente o que deseja, até aquele em que a curadoria da informação é oferecida como um produto caro e acessível a poucos. “A Europa costuma apostar em tentativas malucas. A Alemanha tem
jornais que vendem artigos por 99 centavos de euro. Enquanto outros preferem investir na assinatura Premium,algo que dá certo, como faz, por exemplo, o jornal inglês The Guardian. Nesse caso, o modelo de negócio acaba beneficiando apenas um segmento da sociedade. Há, ainda, empresas tradicionais jornalísticas promovendo eventos, indo para o ramo de palestras, oferecendo cafés da manhã, encontros, meetings com personalidades para conseguir renda para as redações”, conta.Tudo isso sem falar, ainda, das opções de crowdfunding (a popular vaquinha, em versão tecnológica), em que o trabalho é financiado por um grupo de pessoas entusiastas que ajudam o projeto a se manter, algo mais comum hoje em iniciativas independentes. Setembro de 2017 33
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funcionar. Neste caso, uma determinada marca paga para que a empresa jornalística desenvolva textos, áudios ou vídeos sobre assuntos da área em que atua, o que não necessariamente é considerado uma publicidade nos moldes tradicionais. O mercado digital nacional oferece um desafio ainda maior para os veículos jornalísticos que buscam uma solução financeira, pois existe uma cultura específica que muda de acordo com o público, a localidade e os costumes regionais.
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“Os brasileiros não estão habituados a pagar por conteúdo online, por isso o jornalismo acaba sendo prejudicado e necessita se desdobrar para conseguir atingir os seus leitores e adquirir lucro com isso”, diz a professora Isadora. Ela lembra, ainda, que existem bons exemplos que funcionaram e servem de inspiração para muitos meios, como o New York Times, único jornal no mundo que conseguiu alcançar cerca de um milhão de assinantes na sua versão online.
Meu palpite é que não teremos um único modelo estável de financiamento, uma fórmula mágica que todos os veículos possam seguir.
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Outro modelo que tem funcionado em jornais europeus é o de financiamento baseado 100% em assinaturas, algo parecido com o modelo do Pay Wall, usado pela versão online do jornal Folha de S. Paulo, no qual o usuário pode ler até vinte artigos gratuitamente e, após isso, pagar um valor para continuar a navegar. Na opinião da professora Isadora, esse modelo não funciona no Brasil porque “a produção de conteúdo não é interessante o suficiente, então as pessoas sequer chegam a ler os vinte artigos, elas migram, vão embora, porque não querem mais aquele conteúdo”. Branded content ou marketing de conteúdo é uma alternativa que também pode
Fausto Salvadori
Financiamento coletivo A frequência de casos de jornalistas experientes, com projetos digitais próprios, que buscam alternativas de financiamento como o crowdfunding só cresce. A respeito desses sites de financiamento coletivo para produção de conteúdo, a pesquisadora afirma: “são modelos que dão certo para o momento, mas não podemos afirmar como estará esse modelo de negócios daqui a dois ou três meses”. Considerando que não há um consenso de caminho para o sucesso financeiro online, ela destaca modelos inovadores que têm sido testados recentemente, como vender um conteúdo em combos de mobilidade, disponíveis apenas nos dispositivos móveis, com um valor menor a ser pago. Mesmo com tantas incertezas, a especialista em jornalismo digital e mobilidade é otimista e acredita que, num futuro não muito distante, a produção de conteúdo online será lucrativa. “Acredito que, dentro de mais ou menos 15 anos, a produção digital no Brasil estará muito melhor, porém não deixará de enfrentar problemas.” O domínio dos códigos de algoritmos será um grande desafio durante os próximos anos, pois a produção jornalística ainda não descobriu modos de trabalhar com essa nova perspectiva
em ambientes como o Google, capazes de alavancar o consumo de notícias. Murilo Bussab acrescenta que, provavelmente, as empresas jornalísticas vão buscar novas alternativas de renda, como já faz a Folha de São Paulo, que usa sua gráfica para prestar serviços a clientes externos. A logística criada para a distribuição de jornais também já está sendo utilizada para entregar produtos de e-commerce de diversos varejistas, como Submarino e Magazine Luiza, entre outros. São alternativas inteligentes, na visão de Bussab, utilizadas com o objetivo de gerar receita para investir tanto no jornalismo digital como na versão impressa. Isadora Ortiz Camargo finaliza dizendo que a nova geração pode transformar todo esse cenário, pois há muitos jovens que estão se formando agora, atuando como free-lancers e trabalhando para projetos tão inovadores quanto o Intercept Brasil, do jornalista Glenn Greenwald, responsável pela deflagração da história de Edward Snowden e dos Wikileaks. O site, segundo ela, é um dos que merecem observação, pois produz um bom jornalismo investigativo, deixando a atualização em tempo real em segundo plano e priorizando a qualidade do conteúdo publicado na web.
A agência EFE é um a produtora de notíc ias fundada em 1939 na Espanha, que migrou para o esp aço digital. Tem como maior compromisso , segundo seu site, a imparcialidade, eficiência, credibili dade e rapidez.
A Intercept Brasil é da um projeto-piloto s agência de notícia or Intercept, criada p e Glenn Greenwald a Laura Poitras, com r função de produzi conteúdo online de qualidade. Sua sil ramificação no Bra a segue a vertente d e original, tratando d , questões políticas sociais e culturais.
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Interatividade
A reinvenção da
interatividade Da carta ao like: como a interação com o público tornou-se um dos pilares da informação jornalística. Foto: pixabay
Uma nova forma de interação do público com os canais jornalísticos.
Por Ana Paula da Silva, Camila Dantas, Caroline Santos, Denis Belutcha, Luana Meneses e Lucas Sedemac
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s redes sociais são, hoje, os meios de maior distribuição de notícias na internet. Com quase 2 bilhões de usuários, o Facebook tornou-se o principal canal de disseminação de conteúdo informativo. Na rasteira de tanto prestígio, fechou acordo com alguns dos mais importantes jornais do mundo. O The New York Times, The Guardian e a BBC
News foram os primeiros a se associar à empresa de Mark Zuckerberg, publicando seu conteúdo noticioso de forma direta na plataforma. Com esse modelo, os usuários não precisam ser direcionados a outros sites para ter acesso às notícias, visualizando-as diretamente na rede social por meio do recurso Instant Articles. Entre as vantagens, está uma métrica mais precisa.
Cara a cara com o público A forte interação é uma característica do ambiente digital e, quando a notícia faz parte desse cenário, a participação direta do público é inevitável. Segundo as pesquisas mais recentes, a maior parte das pessoas lê as notícias e faz seus comentários através das redes, pela web. Podemos dizer que a forma de produzir e disseminar as notícias transformou-se muito recentemente, com a forte presença da informação no ambiente digital. Desde a chamada web 2.0, que espalhou o formato das redes sociais pela internet, o compartilhamento de informações e a colaboração dos próprios usuários passaram a ser elementos centrais no processo de comunicação.
A participação do público em tempo real é uma característica do ambiente digital.
Os limites entre a recepção e a produção de conteúdo são muito tênues.
Foto: pexels
No Brasil, muitos portais de notícias e redes de comunicação também assinaram esse acordo com o Facebook, entre eles o Estadão. As empresas que publicam por meio do Instant Articles são remuneradas pelo Facebook de acordo com a audiência das postagens. As notícias são carregadas mais rapidamente e em um formato desenvolvido especificamente para dispositivos móveis. Apesar de seu criador, Mark Zuckerberg, dizer que seu site não tem a intenção de tornar-se uma empresa de mídia e defender que a rede social é apenas um complemento do trabalho jornalístico, atualmente cerca de 20% do tráfego de sites de notícias passa pela empresa. Já o Google responde por um terço dessa atividade.
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Foto: pixabay
Redes sociais As redes sociais adquiriram importância fundamental na formação de opinião do público e muitos jornalistas, como o professor Gabriel Priolli, mantêm páginas e perfis no Facebook, até mesmo para formar um público digital. O resultado é uma forte proximidade entre o jornalista e seus seguidores, não só mediante a apresentação de notícias e disseminação de conteúdo.
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A internet transformou o mundo nos últimos vinte anos Acervo pessoal
Gabriel Priolli
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Muitos jornalistas de destaque, hoje, além de desempenharem muito bem seu papel tradicional, aprendem a interagir com as pessoas, usando a tecnologia. Alguns deles possuem milhares de seguidores em suas contas nas redes, como o jornalista Evaristo Costa, com 4,2 milhões de fãs no Instagram e 825 mil no Twitter. Ele é um exemplo de profissional que aprendeu a interagir com
aqueles que o seguem com grande desenvoltura. Mas como foi o processo de adaptação dos profissionais, quando, há não tanto tempo assim, para enviar uma matéria para o interior da Bahia, por exemplo, era necessário entrar em contato por telefone com a redação e ditar a matéria para que a pessoa datilografasse e a publicasse em seguida? Gabriel Priolli, professor, apresentador e diretor de televisão, lembra essa situação para mostrar a grande mudança no processo de disseminação da notícia. “A internet transformou o mundo nos últimos vinte anos, atingindo diretamente meu trabalho”, avalia. Outra transformação valiosa, segundo o veterano do jornalismo, foi a substituição da máquina de escrever pelo computador. “A praticidade na inclusão e correção de textos através do computador foi um avanço fantástico.” Mesmo com as facilidades, ou talvez por causa delas,
Priolli detecta uma perda de qualidade nos textos. Em sua opinião, não houve grandes alterações na linguagem jornalística, a não ser com a possibilidade de mistura de elementos visuais, textos e alguns parâmetros. Textos muito curtos e superficiais comprometem a qualidade da produção, segundo ele, além de redações enxutas não permitirem melhor apuração e detecção de falhas. “Antes, as matérias eram lidas pelo jornalista que escreveu, pelo editor que aprovou o texto, pelo editor executivo, que tirava o que
não era necessário, e por fim passava pelo checador e revisor. Quando a informação chegava ao público era incrível, havia confiança no que estava escrito. Hoje quem faz a matéria é um profissional que tem a mesma experiência do seu editor, antigamente o editor tinha o dobro da experiência e sabia perfeitamente onde encaixar cada parágrafo.” Segundo Priolli, quanto mais facilidade a tecnologia proporciona, mais pobre é o jornalismo. “Você sonha com técnicas melhores para fazer um trabalho cada vez
mais apurado. Ou seja, um jornalismo informativo, com capacidade de trazer a realidade à tona, democrático, envolvendo mais pessoas, exatamente o contrário do que a gente tem hoje, um jornalismo, digamos, murcho.” Priolli é, hoje, uma presença marcante nas redes sociais, especialmente no Facebook, onde mantém seu perfil e posta vídeos ao vivo com comentários ácidos sobre política e jornalismo, interagindo o tempo todo com os amigos e seguidores da rede, perfeitamente adaptado aos novos tempos.
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Como tudo começou É difícil precisar a origem exata do jornalismo, mas alguns historiadores contam que o imperador romano Júlio César criou algo que poderia ser considerado similar a um jornal, o Acta Diurna. Ele era publicado em placas, feitas de papel e madeira, bem grandes, como se fossem outdoors de propaganda. Tais placas eram expostas nos principais pontos de acesso ao público, para que todos pudessem ler e saber o que se passava no Império. Até mesmo em 2400 anos A.C. as pessoas interagiam
como, por exemplo, no antigo Egito, onde os faraós enviavam cartas e documentos a toda a extensão de seu Império. Durante muito tempo, as cartas foram o principal meio de interação entre o público e os veículos de comunicação. Isso exigia um intervalo muito mais longo para que o processo fosse concluído, mas muitos leitores eram missivistas (termo para quem escrevia cartas regularmente) fieis de jornais e revistas, enviando sugestões, críticas e elogios. Setembro de 2017 39
Perfil
O repórter
malacabado
Jornalista formado pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, com pós-graduação em Jornalismo Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Jairo Marques foi professor na Universidade Metodista de São Paulo e chefe de reportagem da Agência Folha. Atualmente, é colunista da Folha de S. Paulo, onde atua desde 1999 como repórter. Possui um blog chamado Assim Como Você, que retrata a vida das pessoas com deficiência, abordando a cidadania e diversas vivências cotidianas. Além de repórter e jornalista, escreveu o livro autobiográfico “Malacabado”, um termo que usa para tratar de sua história sobre rodas. Confira uma conversa franca com o jornalista que atua há quase duas décadas, diretamente da redação da Folha de S. Paulo. 40
Código: Nesses 18 anos de jornalismo na Folha, você possui várias histórias interessantes. Dentre elas, qual foi o maior desafio como repórter e jornalista? Jairo Marques: No meu caso, o maior desafio é o entendimento, pela fonte, de que eu sou, de fato, um repórter. Conto um pouco disso no meu livro, mas ainda acontece até hoje. Quando chego em um lugar para entrevistar um empresário ou um personagem qualquer, há sempre uma reação inicial. Não vou chamar de desconforto, seria muito arrogante e imaginativo de minha parte. Há uma sensação de surpresa quando a pessoa vê um repórter numa cadeira de rodas e isso tem a ver com todo o contexto social. A sociedade não vê a pessoa com deficiência como um potencial trabalhador. Por exemplo, hoje já recebo pautas assim: “Jairo, você
Foto: Fabiano Campos
Por Alexandre Lima e Fabiano Campos
Jairo Marques é jornalista por paixão e cadeirante por condição. Com duas décadas de profissão, tem muitas histórias para contar.
pode entrar pela rua tal, que é acessível”, dá para perceber como evoluiu. Mas isso tem a ver com meu próprio nome, as pessoas me conhecem, mas nem sempre é assim. Por incrível que pareça, as pessoas acham que eu também serei o entrevistado, ou procuram quem está comigo, pensando que sou o personagem e não o repórter. Código: Ao longo de sua carreira, qual foi a maior frustração? JM: Bom, nunca voltei de mãos abanando. Acho que
Jairo Marques na redação do jornal Folha de S. Paulo, onde trabalha há 18 anos. isso é uma característica que a gente chama de “repórter raiz” ou “repórter pé duro”. Se você vai a algum lugar e a sua pauta cai ou muda, é preciso ter um outro olhar e buscar alternativas. Objetivamente, não me lembro de uma situação em que alguém não quis me atender. Rolaram saias justas, já aconteceu, sim, da pessoa não querer acreditar que eu era repórter e até sair da situação. Mas, nesse caso, reinventei a pauta. Acredito que isso está na essência de um jornalista. O veículo trabalha com uma
programação, então se você volta sem absolutamente nada e sem avisar a redação o mais rápido possível de que aquilo não deu certo, compromete o produto. Se eu não consigo desempenhar a pauta ou se tal coisa não é exatamente da maneira como imagino, o caminho é criar outra abordagem. Já aconteceu também de ter atrasos para chegar em determinado lugar por causa da companhia aérea, que me deixou para trás. Enfim, diversos problemas que a gente passou. Então, a
matéria vira a própria situação, o impedimento de uma pessoa com deficiência trabalhar. Você tem que aproveitar, e isso já aconteceu algumas vezes. Código: Você é colunista do caderno Cotidiano e escreve num blog há dez anos. A web aproximou você dos seus leitores? JM: Estou com blog há quase uma década, falando com o público da internet. Criei meios para estar junto a essas pessoas nas redes sociais, agora comecei a fazer entradas ao vivo e Setembro de 2017 41
Código: Já aconteceu de fazer uma matéria que julgou importante e o jornal decidir não publicar? JM: Pode acontecer de uma matéria muito boa não ter o espaço devido ou não ser publicada no momento que deveria, por razões editoriais. A minha competência vai até certo ponto, depois outras pessoas vão desempenhar suas funções específicas. Isso acontece com todos os profissionais. Comigo, hoje isso acontece menos, não vou ser hipócrita. São dezoito anos na Folha de S. Paulo, então as reportagens que faço têm muita visibilidade e espaço. Sou grato por isso, mas entendo que é um processo, você desenvolve o seu texto e gera expectativa. 42
Código: Você escreveu um livro autobiográfico que elenca vivências da sua profissão. Pensando no livro e no próprio blog, há uma curiosidade do leitor sobre questões de acessibilidade no seu dia a dia? JM: Sim, em diversos aspectos. Por exemplo, quando estou cobrindo um evento esportivo, como a Paralimpíada, há uma lembrança dos leitores o tempo todo. “Como está tal coisa?”, “está dando para se deslocar bem?”, “como é o
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hotel, as arenas?”. De alguma forma, sou os olhos do público que não vai aos lugares, por diversas razões, sejam financeiras ou por receio da falta de acessibilidade. Não tenho outra alternativa senão ir. Mesmo em último caso, quando preciso ser carregado no braço, tenho que informar as pessoas. Agora eu tenho uma filha, e a minha relação de pai gera muita curiosidade. Não uma curiosidade pura e simples, mas um anseio com didatismo. Encaro isso com muita naturalidade.
Há uma sensação de surpresa quando a pessoa vê um repórter numa cadeira de rodas e isso tem a ver com todo o contexto social. A sociedade não vê a pessoa com deficiência como um potencial trabalhador.
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vejo a troca de informações intensas entre meus leitores e pessoas que me seguem. Isso proporciona um público cativo. É instantâneo, quando publico algo várias pessoas vão curtir, compartilhar, levar aquilo para a frente. Por exemplo, se uma matéria qualquer não está indo tão bem de audiência e por ocasiões diversas ela não repercutiu nas redes, acontecerá algo quando eu compartilhar. São muitas pessoas envolvidas, pessoas que acreditam na minha forma de escrever e nos valores que quero dividir com elas, o impacto é muito grande. É um caminho para o jornalista.
Código: Com a era digital e a aproximação entre jornalista e público, você acha que houve mudanças na linguagem? JM: Muitas, com certeza. Se você pegar um texto de dez anos e comparar com os textos de hoje, vai reparar que a leveza é primordial. O texto torna-se mais sucinto, às vezes tende a um pouco mais de análise, com uma dinâmica própria. Acredito que a abordagem seja mais plural. Vou dar um exemplo: fiz uma reportagem sobre um time de futebol formado apenas por gays. Tive que oferecer ao meu leitor não só uma matéria sobre futebol, mas também de comportamento. Então, não basta entregar um relato. Você tem que levar o leitor para o ambiente. Não é somente uma “frescura” montar um time de pessoas gays. É um feito social! Tenho que elaborar uma reportagem apurada, com análise de tendência social, porque é para isso que serve a leitura de um jornal. Código: Você acha que a web trouxe mais emoção e menos técnica aos relatos? JM: A notícia inicial, hard, continua sendo dura. Até por sua natureza, precisa ser rápida, geralmente acaba saindo um errinho, e ela vai ser modificada ao longo do tempo. A notícia do dia seguinte, do amanhã, essa sim será mais sofisticada.
Código: Usaremos uma hashtag como palavra-chave e você nos dirá o que vier à sua cabeça, como usam nas plataformas digitais. #Jornalismo? JM: Desafio diário, responsabilidade 24 horas. #Deficiência? JM: Universo que ainda precisa de evolução social, entendimento, compreensão. Mas estamos construindo. #Eficiência? JM: É uma utopia. Todos nós temos algum tipo de limitação para desempenhar certos tipos de tarefa. Mas é algo almejado e importante. #Malacabado? JM: A brincadeira que deu certo. Malacabado é uma provocação que fluiu bem. É uma chamada à reflexão. #FolhadeSãoPaulo? JM: Um jornal que continua buscando vanguarda, que às vezes quer quebrar as paredes e às vezes quer construir outras no lugar. É um clima de vai e vem que nos intranquiliza, mas nos provoca a melhorar a cada dia. #JairoMarques? JM: É um “malacabado” inquieto que gostaria de ter uma vida mais tranquila, mas que se viciou nesse universo de desbravamentos e de busca por um mundo melhor.
Foto: pixabay
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Diversidade
Em Busca da representatividade A igualdade é uma utopia inegável
Por Alex Fernandes, Amanda Amorim, Camilly Picioli, Jessy Pinheiro, Júlia Tereza, Letícia Wolski e Vivian Alencar
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jornalismo é mais do que uma profissão: é uma engrenagem fundamental da nossa sociedade. Seria lógico, então, que todos os componentes estivessem representados por dentro e por fora da produção jornalística. Atualmente, mais da metade dos jornalistas brasileiros são mulheres; entretanto, elas ainda recebem menos e estão em poucos cargos de poder. Negros, então, representam apenas 5% dos profissionais da imprensa, e não há dados divulgados sobre a população LGBT nas redações. Não é uma grande surpresa se considerarmos que o Brasil é campeão em desigualdade:
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Foto: Kimberly Santana
ele está em 7º lugar no ranking da OMS em taxa de homicídios de mulheres no período entre 2006 e 2010, e é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo todo, segundo a Transgender Europe. Quando se fala de raça, de acordo com o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade (IVJ), entre 2010 e 2015, a morte de jovens negros
aumentou em 21,3% em comparação a 2007. Você já parou para pensar em quem está produzindo notícia no Brasil? Na hora de falar sobre os problemas enfrentados pelas pessoas LGBT ou pelos negros é uma exceção quando um membro de um desses grupos realmente representa a si mesmo. São eles, porém, que devem ser ouvidos.
Metamorfose invisível Aos poucos, o Brasil se depara com mais discussões acerca de temas como identidade de gênero e pessoas trans. Na maioria das vezes, isso vem por meio de tragédias anunciadas, como foi o caso da travesti Dandara, assassinada em fevereiro deste ano. Outras vezes, porém, a visibilidade pode ser positiva, ou pelo menos com boas intenções. “A Força do Querer”, novela da Globo de autoria de Gloria Perez, vem trabalhando com um personagem que se descobrirá homem transexual. Porém, há um certo perigo em tratar de assuntos sociais sem consultar os protagonistas envolvidos. Isso se evidencia mais ainda quando percebemos a falta de profissionais transexuais no jornalismo brasileiro. “Existe um déficit porque essa população, muitas vezes, nem consegue terminar os estudos devido à transfobia”, conta Luiz Fernando Prado Uchoa, autor de “Simplesmente Homem: relatos sobre a experiência cotidiana de homens trans”, ele mesmo um homem trans. Sobre a visibilidade que o assunto vem ganhando, ele é categórico: “Se há interesse na pauta trans, por parte de qualquer veículo de comunicação, é essencial haver também pessoas trans auxiliando na construção, desenvolvimento e edição desse conteúdo”.
Existem, sim, profissionais transexuais que poderiam cobrir esse déficit, se tivessem mais oportunidades. Por mais que a dura realidade da maior parte dessa população seja as ruas, há uma parcela crescente nas universidades. Barbara Aires, por exemplo, é uma mulher transexual formada em jornalismo, que não só trabalhou por dois anos no programa “Amor e Sexo”, mas também ajudou na construção do quadro “Quem Sou Eu?”, do Fantástico, segundo Uchoa. Infelizmente, as estatísticas ainda apontam que isso é uma exceção. Assim como todos que se identificam como LGBTs, ou seja, lésbicas, gays, bissexuais e qualquer coisa fora da hétero e da cisnormatividade, pessoas transexuais precisam ter suas pautas reconhecidas e debatidas de forma pública. Essas pautas, entretanto, mudam entre si, mesmo dentro da comunidade LGBT: enquanto para algumas militâncias o casamento igualitário é prioridade, para outras é a redução das agressões, das mortes e da baixa empregabilidade. Isso não significa que parte da sigla deixe de ter importância, mas é uma prova de como a mídia tem muito a aprender. Não existe uma fórmula, mas sempre há maneiras de educar a população. Para isso, é preciso dar espaço a quem realmente tem o que ensinar.
Enquanto para algumas militâncias o casamento igualitário é prioridade, para outras é a redução das agressões, das mortes e da baixa empregabilidade.
Cisgênero: Pessoa que se identifica com o gênero designado ao nascer.
Transgênero: Pessoa que não se identifica com o gênero designado ao nascer.
Normatividade: Definição do que é considerado regra pela sociedade, ou seja, conceito preestabelecido do que é “normal”.
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O empoderamento feminino Mulheres no jornalismo pode parecer um assunto ultrapassado se olharmos para nossas televisões e portais de notícia sem muito aprofundamento, afinal, elas já ocupam mais da metade dos cargos jornalísticos. De acordo com a pesquisa “Perfil do Jornalista”, realizada pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina em junção com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), em 2012 elas eram 64% dos jornalistas brasileiros. Porém, mesmo assim, ainda ganhavam menos do que os homens. Ex-diretora da revista Glamour, Mônica Salgado comentou 46
sobre esse paradoxo. “Quando a gente fala em igualdade de oportunidades, queremos dizer as mesmas oportunidades para ascender de cargo e de nível salarial. Então, não basta ter um emprego, não devemos nos contentar só com isso.” Como se não bastasse a diferença salarial, mulheres jornalistas ainda têm um transtorno extra que deve ser enfrentado todos os dias: o assédio no trabalho. Como é uma atividade que exige muitas habilidades sociais, carisma e simpatia, elas acabam ficando ainda mais vulneráveis aos avanços de assediadores, tanto dentro dos veículos de comunicação quanto por parte das fontes.
Um caso famoso foi o de Giulia Pereira, do portal IG, que denunciou o cantor Biel depois de sofrer assédio verbal e ameaças. Isso resultou em uma breve campanha contra o assédio na internet, como costuma acontecer quando uma situação se torna pública, mas o resultado imediato na “vida real” foi a demissão de Giulia e da editora responsável pela matéria. O que esse tipo de reação prova sobre a profissão no Brasil, se não o despreparo para lidar com o machismo intrincado em todos os setores? Mulheres não estão à disposição para serem assediadas, nem nessa e nem em qualquer outra profissão.
Receio do assédio determina escolhas
Quando a gente fala em igualdade de oportunidades, queremos dizer as mesmas oportunidades para ascender de cargo e de nível salarial. Então não basta ter um emprego, não devemos nos contentar só com isso.
torna uma regra restritiva ou preconceituosa – moda seria uma editoria menos importante do que esportes? A jornalista acredita que essa visão está mudando. “Estamos vivendo um mundo em constante transformação, defendendo a inclusão de todos e a diversidade.”
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desconfortáveis. “Fui chamada de histérica, por exemplo. Se fosse homem, provavelmente minha atitude teria sido encarada como ênfase.” Em relação aos ambientes femininos, persiste ainda a divisão da imprensa entre o que é considerado adequado a um gênero ou a outro. Moda, por exemplo, costuma ser um assunto mais abordado por mulheres, com poucos homens na redação; esportes, por outro lado, continuam sendo debatidos sob perspectivas masculinas. Isso nem sempre é negativo, na opinião da jornalista. “É muito mais fácil, quando se é mulher, praticar a empatia, entender o que elas buscam e pretendem”, afirma Mônica. O problema é quando isso se
Foto: Acervo pessoal
Ainda de acordo com a pesquisa “Perfil do Jornalista”, o número de mulheres chega a aumentar ainda mais em áreas fora da mídia. Ou seja, trabalhos que não precisam lidar diretamente com veículos de comunicação, mas que utilizam o conhecimento jornalístico de outra maneira, acabam concentrando grande parte de atuação feminina. Isso pode ter relação com empregabilidade ou com o receio do assédio e do machismo na atuação como repórter, mas é certo que não é apenas uma coincidência. E não é apenas de forma agressiva que a situação se faz presente. Mônica, mesmo trabalhando em ambientes majoritariamente femininos, já passou por situações
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Foto: Acervo Pessoal
fala, que é você realmente dar espaço para o negro falar, e não simplesmente transformar essas pessoas em pauta, sempre como um estudo.” A relação da imprensa com a população negra não só interfere na autoestima, como também cria um distanciamento entre as diferentes realidades de raça no Brasil e passa por cima do quão sério o racismo realmente é no país. Não podemos esquecer como é recente o fim da escravidão no Brasil. A famosa Lei Áurea pode ter sido assinada em 1888, mas a inserção do negro na sociedade ainda caminha a passos lentos. Afinal, eles vieram para cá arrancados de toda sua história e cultura, e depois foram deixados para se virar em comunidades próprias. Como se não bastasse, os responsáveis por tudo ainda fizeram questão de transformar a história negra em sinônimo de coisa “ruim”. “Você desqualifica tudo o que é do negro – a Valéria Almeida, repórter da Rede Globo. religião, a cultura, o cabelo – tudo vira demoníaco e feio. Transformaram toda Supremacia branca a nossa imagem em algo que não é bom”, diz Valéria. ou pardo está se relacionando Isso se transformou em Se os dados sobre mulheres com essa imprensa? Será que índices negativos para toda no jornalismo já foram algo isso afeta a construção da a se pensar, as estatísticas a população negra. “Não identidade do negro no Brasil? fazemos parte dos grupos sobre os negros são Afeta, e muito, segundo Valéria que recebem os melhores tenebrosas. Até 2012, 72% dos jornalistas eram brancos – Almeida, repórter da Globo. “É salários ou que ocupam muito diferente quando você é as universidades públicas. isso em um país com mais da branco, estudou nas melhores Quando conseguimos terminar metade da população negra. escolas, e está falando para De lá para cá, não mudou o ensino superior, muitos ainda um negro na periferia”, diz muita coisa. De que forma o ficam sem acesso ao mercado ela. “Aí entra o lugar de telespectador e leitor negro de trabalho formal.” 48
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Não fazemos parte dos grupos que recebem os melhores salários ou que ocupam as universidades públicas. Quando conseguimos terminar o ensino superior, muitos ainda ficam sem acesso ao mercado de trabalho formal.
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Para quem é mulher e negra, tudo fica ainda mais complicado. Ao reunir estereótipos, machismos e racismos, o caminho da negra no mercado de trabalho acaba com mais pedras do que o de qualquer outro. As agressões vão desde o assédio duplicado, já que a negra é vista de forma ainda mais sexualizada do que a branca, até a negação da própria identidade, em especial o cabelo. Nos últimos anos, surgiram diversos movimentos de afirmação em relação ao crespo natural. A grande dificuldade em fazer isso, além de enfrentar um padrão de beleza predominantemente branco, é o despreparo da própria sociedade. Empresas negam cargos a mulheres com cabelos crespos, humoristas fazem piadas e o dia a dia é carregado de ofensas. Como jornalistas, devemos mexer na caixinha do que é padronizado, devemos incomodar quem está acomodado – e isso pode incluir nós mesmos. Como Valéria Almeida disse: “Você não precisa ser negro, mulher ou gay para falar sobre o que acha importante, para ter a consciência do que é certo e errado, sugerir as pautas e tudo mais. Agora, não basta só isso. Não basta a gente falar do outro e não incluir. Se não, nunca teremos uma sociedade igualitária ou a proporcionalidade certa no jornalismo e em todas as outras áreas”.
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Sensacionalismo
Vale tudo
por audiência A abordagem sensacionalista dos telejornais policiais
Por Marta Miranda e Rodrigo França Colaboração Andressa Aguilar, Gabriela Maria de Lima e Gabriela Ocanha
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A
imprensa, em razão de sua grande influência na opinião pública, é considerada por muitos como o quarto poder. Para grande parte dos espectadores, por exemplo, o que a grande mídia apresenta é a “verdade absoluta”, mas nem sempre é assim. Isso ocorre, em parte, porque alguns veículos não exercem com responsabilidade a liberdade que possuem, agindo com falta de ética na apresentação dos acontecimentos diários.
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O jornalismo sensacionalista, aquele que noticia os fatos de forma parcial e exagerada, tem como prioridade temas que preocupam os cidadãos de menor renda, que giram em torno de segurança, saúde, política e trabalho. No caso específico da televisão, os programas buscam apresentadores capazes de usar emoção e entretenimento para comentar as notícias, com a finalidade de alavancar grandes audiências. A objetividade, nesse caso, fica em segundo plano.
Infrações ao Código de Ética Ministério Público Federal pediu retratação pública da Record no programa Cidade Alerta por incitação à violência. Se não o fizesse, a emissora teria de pagar uma multa de R$ 97 mil por dia. A ação foi iniciada depois que o programa exibiu ao vivo o momento em que um PM disparava contra suspeitos já caídos ao chão, acompanhado do seguinte comentário do apresentador Marcelo Rezende: “O homem da Rocam já pega no revólver, não sei se ele atirou, hein… porque parece que ele atirou. Porque, se ele atirou, é porque o bandido tava armado. E ele fez muito bem, porque, repara: ele tem que defender a vida dele”, desrespeitando a presunção de inocência. Segundo o estudo “A Produção do Discurso de Informação num Jornal Sensacionalista”, desenvolvido por Rosa Nívea Pedroso, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entende-se como sensacionalista o “modo
de produção discursivo da informação de atualidade, processado por critérios de intensificação e exagero gráfico, temático, linguístico e semântico, contendo em si valores e elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou subtraídos no contexto de representação ou reprodução de real social”. Apesar de já existir uma abordagem sensacionalista desde o início do jornalismo, a partir dos anos 90 houve maior popularização de telejornais apelativos, como “Aqui Agora” (SBT) e “190” (CNT). Hoje, a cada dez canais nacionais de TV, cinco possuem esse tipo de programação, dado que demonstra a grande adesão do público. Programas como “Cidade Alerta” (Record) e “Brasil Urgente” (Band), chegam a atingir mais de 11 pontos de audiência, número bastante alto considerando o horário de exibição e a média de audiência dessas mesmas emissoras.
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Quando se fala de telejornais policiais, o assunto fica ainda mais preocupante. Em janeiro de 2016, a ANDI – Comunicação e Direitos, em parceria com outras organizações e com o Ministério Público Federal em São Paulo, realizou um estudo com conclusão assustadora: em um mês, telejornais policiais brasileiros chegam a violar até 12 leis, sete tratados multilaterais e 1.962 vezes as normas autorregulatórias, como o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Observando 28 programas de dez capitais do país, a pesquisa comprovou que 1.936 narrativas continham violações, nelas 1.709 casos de exposição indevida de pessoa, 1.583 de desrespeito à presunção de inocência, 605 violações ao direito de silêncio, 151 casos de incitação à desobediência ou desrespeito às leis, 127 de incitação ao crime e à violência, 56 por identificação de menores de idade, 24 por discurso de ódio e preconceito, 18 casos de tortura psicológica e degradante, entre outras. Em resposta a essa postura midiática, já foram movimentados diversos processos contra emissoras que o cometem, desde grandes veículos como a Record e a Band, até alguns menores, como a TV Jangadeiro e TV Diário. Em um dos casos recentes e de grande repercussão, o
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O medo é constante para quem assiste aos programas policiais sensacionalistas da TV aberta.
O temor de sair às ruas Outro dado interessante é quanto à faixa etária do público. Segundo pesquisa do portal Notícias da TV, um em cada dois telespectadores tem mais de 50 anos. As opiniões sobre esse tipo de programação são controversas. A dona de casa Laura Augusta, 56, afirma assistir telejornais policiais pois sente que estes mostram a realidade perigosa de sua cidade. “Sei que a violência está cada dia pior e fico atenta a tudo isso, para tomar cuidado e alertar meus filhos e amigos. O Datena e o Marcelo Rezende não escondem a realidade, eles mostram tudo mesmo e isso me deixa por dentro das informações reais. Porque a novela é tudo de mentira e ali é vida!”, diz. De fato, os telejornais policiais utilizam recursos e técnicas diversas para distanciar a 52
veracidade do acontecimento dos telespectadores. O apresentador dispara informações às pressas, reprisando imagens de forma compulsiva e as manipulando a cada versão. Enquanto a notícia é transformada aos moldes do posicionamento ideológico do jornal, cria-se uma histeria coletiva, gerando opinião pública favorável a partir da comoção. Bruno Chiarioni, 34, editor executivo do Conexão Repórter (SBT), defende que esses programas investem em um tipo de conteúdo policial para aumentar a audiência. “Basicamente, esses programas estão na grade para esquentar a audiência para o próximo produto que vai entrar, que geralmente é uma novela ou o principal telejornal da casa. Assim, você consegue
prender a atenção do público e entregar a audiência alta para a faixa seguinte.” Chiarioni afirma, ainda, que apresentadores como Marcelo Rezende e Datena ganham papel de mediadores, criando a impressão de que são justiceiros. “Se você coloca a imagem de um menor sendo agredido, preso a um poste, e passa a agir como justiceiro, é claro que vai criar uma sensação de justiça. A maneira como é retratado, às vezes, com o uso excessivo de uma imagem e discurso assertivo de quem está narrando, pode criar um efeito muito maior do que realmente a notícia poderia atingir. Ao distorcer a linguagem, há um tipo de violência simbólica. A partir do momento em que o jornalismo não estabelece limites, está induzindo, sim, e pode gerar um discurso de ódio.”
O gosto do público Bruno Chiarioni afirma, ainda, que o público não é altamente manipulável, e que, atualmente, há maior discernimento entre o que é bom ou ruim em jornalismo. “Se esse tipo de programa possui audiência alta, é porque as pessoas querem consumir esse tipo de produto. Nada do que está na televisão permanece no ar se não tiver audiência”, pondera. A psicóloga Marli Aparecida Rodrigues, 55, defende a necessidade desses programas banalizarem menos a violência e instruírem mais. “É perigoso que decidam sozinhos o que as pessoas devem pensar e a forma como elas devem agir em relação ao que foi noticiado”, diz. Para Marli, a principal consequência do consumo desse tipo de conteúdo é o
medo, que induz ao pânico e reforça a insegurança, intranquilidade, vulnerabilidade e impossibilidade de defesa. “Esses programas fazem com que as pessoas achem e acreditem que ‘aquela situação de risco’ poderá ocorrer no seu grupo social.” A profissional explica, ainda, que segundo a psicologia social, grande parte dessas informações tem uma intenção em ser transmitida e essa intenção é relacionada a um fim lucrativo e de controle social. “O medo é o fenômeno de paralisação do senso normal da vida, altera relações de formas e espaços, traz à tona uma imagem duvidosa, reflete na insegurança, tristeza e noção de fragilidade. Isso pode se tornar patológico ou não, dependendo de cada caso e das circunstâncias”, finaliza a psicóloga.
Especialmente quando se trata de noticiários policiais, preservar o direito à liberdade de expressão e garantir a veracidade dos fatos têm sido dois grandes desafios para a comunicação. O domínio da violência em telejornais brasileiros – que apelam para o emocional a fim de garantir a audiência do público –, mistura-se à sensação de impunidade que esse mesmo público compartilha, diante da ineficiência do Estado, abrindo margem para uma abordagem voltada ao sensacionalismo. O telejornal reproduz a violência à medida que a violência abastece o telejornal. O telespectador, por sua vez, consome a opinião do apresentador, criando a sensação de que a justiça foi feita – não importa se do jeito legal ou não.
Infrações dos telejornais brasileiros
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Bruno Chiarioni
28 programas de 10 capitais:
12 violações de leis
Ilustração: Leonardo Macedo
Ao distorcer a linguagem, há um tipo de violência simbólica. A partir do momento em que o jornalismo não estabelece limites, pode gerar um discurso de ódio.
605 violações ao direito de silêncio 127 casos de incitação ao crime e à violência
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56 casos de identificação de menores de idade 18 casos de tortura psicológica e degradante 24 casos de discurso de ódio e preconceito
Fonte: ANDI – Comunicação e Direitos, em parceria com o Ministério Público Federal em SP
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Internacional
A notícia sem
Foto: Divulgação
fronteiras
Márcio Gomes fala sobre o jornalismo praticado pelos correspondentes internacionais e as mudanças mais recentes na área. Por Bruno Bonis, Elenilda Oliveira, Estela Silva, Ilquias Rodrigo e Júlia Aguiar
Repórter e apresentador com passagens pela Rede Record, Editora Rio, Rede Globo e GloboNews, Márcio Gomes assumiu o cargo de correspondente da Globo na Ásia em 2013, baseado em Tóquio, no Japão. Ele revela detalhes do desafio diário de sua função, fala sobre as transformações com a era digital e conta histórias sobre as situações de emergência que vivenciou ao lado de sua equipe.
Código: Quando surgiu a vontade de ser jornalista e correspondente? Márcio Gomes: Fiz Comunicação Social, Jornalismo, na PUC do Rio em 1992. Acho que sempre gostei de comunicação, mesmo sendo muito tímido. Nunca havia pensado em TV. Comecei na Globo de São Paulo em 1995, voltei para o Rio, para a GloboNews e os telejornais locais. Virei correspondente em 2013, depois que pedi ao diretor de jornalismo, Ali Kamel, uma oportunidade para me tornar um profissional mais completo. 54
Código: Qual a diferença entre o correspondente internacional e os demais jornalistas? MG: Acho que a diferença básica é a experiência internacional, o fato de ter vivido em outros locais, conhecido culturas, tudo isso ajuda a adquirir uma cabeça mais aberta para perceber os problemas e diversas soluções. Código: Quais as dificuldades em se adaptar a um país com leis e costumes tão diferentes? MG: Existe um tempo de adaptação, mas até isso pode ser compreendido como aprendizado e transformado em boas pautas.
Código: O quanto o jornalismo internacional se modificou quando comparado a dez anos atrás? MG: Acho dez anos um período curto para sentir grandes diferenças. Sem dúvida, a internet facilitou muito as coisas na nossa área. No caso dos correspondentes, fica mais fácil conseguir não apenas as informações, como também as confirmações, entrevistados, fazer comparações. Mas em 2007 já tínhamos uma internet bem poderosa. Talvez a liberdade para viajar entre os países esteja ficando mais difícil, mais restrita.
Código: Nas estatísticas, há casos de correspondentes expostos a situações perigosas que perderam suas vidas. Houve alguma reportagem em que você e sua equipe passaram por riscos significativos? MG: Nas Filipinas, em 2013, eu e meu câmera, Luciano Tsuda, fomos cobrir um tufão e nos vimos numa cidade absolutamente destruída, com saques nas ruas, sem lugar para dormir, sem ter o que comer. No Sri Lanka, durante a visita do Papa, ao final de uma missa campal, a multidão começou a correr e vi muita gente sendo espremida num corredor extremamente estreito. Não são situações de violência, onde o risco é mais evidente, mas é para mostrar que o perigo pode estar em qualquer lugar.
assim conseguimos superar e fazer a reportagem. Código: Você já enfrentou transportes precários? MG: Sim, infelizmente. Não há muito o que fazer. Mas é claro que temos a independência para dizer “assim eu não viajo, é perigoso” e tenho certeza de que a Globo me apoiaria. Quando você está na Índia, por exemplo, sabe que o trânsito é uma loucura e não tem como escapar, a saída é aceitar ou você não trabalha. Código: Qual sua opinião sobre as redes sociais? MG: Vejo muitas vantagens, mas é claro que notícias falsas ou mal apuradas podem prejudicar os jornalistas num local perigoso ou colocar a população contra a imprensa, por exemplo. Essas são algumas das desvantagens que vejo e devem ser evitadas.
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Código: Quais matérias você considera as mais marcantes? MG: A cobertura do tufão nas Filipinas foi muito importante, assim como as visitas do Papa à Ásia. Sendo grandes ou pequenas histórias, adoro apresentar outros mundos para nossa audiência no Brasil. Código: Quais suas dicas para quem quer seguir carreira como correspondente? MG: Para ser jornalista ou correspondente é preciso ler muito, gostar de aprender um pouco de tudo e ter curiosidade de estudar assuntos que podem não ser os seus favoritos. Um jornalista trabalha com versatilidade. Mesmo um repórter de esporte pode estar cobrindo um evento esportivo e se ver no meio de um golpe militar ou ato terrorista e precisa saber como direcionar sua reportagem.
Para ser correspondente, é preciso ler muito, gostar de aprender e ter curiosidade de estudar assuntos que podem não ser os seus favoritos. Um jornalista trabalha com tudo.
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Código: Como é a relação com a equipe de redação no Brasil? MG: Precisa ser muito próxima, para eles pedirem VTs, enviar minhas sugestões aos diferentes telejornais e programas. O fuso pode ser um problema, com doze horas de diferença, mas é preciso sempre estar pronto para conversar. A edição do meu material é feita no Brasil, assim todos precisam estar atentos às minhas indicações e eu devo permanecer atento às observações que eles podem fazer. É uma troca constante.
Foto: Acervo pessoal
Código: Você e sua equipe já foram barrados em algum país? MG: Não, o que ocorreu uma vez na Indonésia é que tivemos que viajar de emergência, pois um brasileiro seria executado em 48 horas e não deu tempo de tirar o visto de jornalista. Quando me identifiquei, logo na chegada, deixaram a gente entrar, mas no local da reportagem vieram pedir os nossos papeis e nos levaram para prestar depoimento. Não queriam deixar a nossa equipe registrar o caso, mas mesmo Setembro de 2017 55
Ensino
Tempo de aprendizado Na era da convergência tecnológica tudo precisa ser repensado, inclusive o ensino do jornalismo.
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jornalismo é uma das áreas mais afetadas pelas inovações tecnológicas recentes.Os estudantes, a sociedade e o mercado de trabalho já se transformaram e as universidades vêm quebrando os paradigmas do modelo de aprendizagem convencional. Diante de um cenário cada vez mais instável e imprevisível, os profissionais têm o desafio de se adequar à realidade, com flexibilidade para, por exemplo, aprender a escrever conteúdos
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Foto: Ana Tarcizio
Por Pamela Nagode, Nathaly Assunção, Thais Santana e Vitor Munhoz.
em vários formatos. Isso inclui domínio de redação para jornais e revistas impressos, web e blogs, além de saber utilizar ferramentas multimídia, como recursos de texto, imagem, som e animação para meios eletrônicos. Lidar com mudanças constantes de áreas de cobertura e reportagens, trabalhando em ambientes diversos e estar preparado para qualquer acontecimento são outras exigências. Registrar, denunciar, contextualizar, questionar e explicar são verbos que fazem parte do trabalho cotidiano dos jornalistas, mas
nem sempre são simples de conjugar. As competências do jornalista neste início de século, segundo a professora Regina Tavares, doutora em Comunicação e coordenadora do curso de Jornalismo na Universidade Cruzeiro do Sul, são habilidades técnicas, estéticas, teóricas e éticas. A flexibilidade também é de suma importância, para se adaptar aos mais variados ambientes informativos. As novas tecnologias abrem um leque de perspectivas para o jornalismo e a internet passou a ser o meio com maior capacidade para
A necessidade de mais investimentos é unanimidade entre estudiosos da educação, uma vez que eles são essenciais para potencializar o estudo jornalístico. Manuel Carlos Chaparro, professor da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo, há mais de três décadas, enfatiza que esse é um grande desafio para as universidades, mas lembra que de nada adianta tecnologia sem talento e gestão. Para isso, as escolas superiores devem estar preparadas para responder à altura dos novos desafios.
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Se você quer ser um bom jornalista, tenha ética e caminhe em busca do aperfeiçoamento, aprenda a olhar a realidade e criticá-la.
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absorver grande parte da mão de obra especializada na produção de notícias, seja com exclusividade na redação online, seja dividindo a produção entre mídia impressa e matérias para a web. Com a chegada das mídias sociais, as universidades tiveram um novo desafio pela frente: adaptar-se ao emergente formato de fazer jornalismo, com plataformas como YouTube, Twitter, Facebook e Instagram, ensinando aos alunos em um tempo em que a veracidade e o fácil acesso do público são fatores importantes.
Manuel Carlos Chaparro
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A busca pela graduação
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Profissionais do mercado e grandes pensadores do jornalismo brasileiro discutiram o novo perfil do aluno egresso, gerando mudanças significativas na formação.
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Na década entre 1990 e 2010, cresceu a procura dos jovens pela graduação em jornalismo, mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal, no final do período, derrubando a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão. Durante esses dez anos, o número de universitários no curso de jornalismo no Brasil foi quintuplicado. O crescimento resultou de políticas para expandir a educação superior no país, caracterizadas pelo estímulo à atividade de entidades privadas. O aumento nesse período gerou maior número de graduandos tanto no setor privado quanto no público. A expansão da oferta democratizou o acesso à educação superior na área, porque a distribuição dos cursos se estendeu a todos os estados da federação e mesmo naqueles em que já existiam cursos. Mudanças na grade mínima curricular foram feitas devido à modernização. Em 2013, foram promulgadas as normas e preceitos a serem modificados nos cursos de jornalismo de todo o país. “Os cursos do Brasil tiveram que se habituar a determinadas diretrizes, entre elas o estágio supervisionado obrigatório e o curso passou de 2.500 horas para 3.000. Uma junta de profissionais do mercado com grandes pensadores
Regina Tavares Foto: Nathaly Assunção
do jornalismo brasileiro discutiu o novo perfil do aluno egresso, práticas laboratoriais, disciplinas e muito nesse sentido foi alterado”, explica Regina Tavares. Entre as mudanças, a extinção do ensino de revelação de fotos em laboratório e a inclusão de veículos online. A decisão do STF, em 17 de junho de 2009, considerando a exigência do diploma inconstitucional, criou um novo ambiente jurídico. O exercício da profissão por indivíduos sem formação superior específica, prática até então ilegal, embora frequente entre empregadores, foi legitimado. Para Odir Cunha, jornalista há mais de trinta anos, responsável pelo “Blog do Odir” e autor do livro “Lições de Jornalismo”, a
obrigatoriedade do diploma é essencial para a área. “O curso superior de jornalismo prepara melhor as pessoas para a profissão. Nele, elas aprendem não só sobre a técnica, mas, entre outras coisas, também a respeito da ética da atividade jornalística. A pessoa que faz a faculdade entra no mercado de trabalho com uma base teórica importante. Por isso, acredito que as empresas de comunicação continuam dando preferência a quem tem o diploma. Sou a favor da obrigatoriedade do diploma também por uma questão de justiça. Se um jornalista esportivo, que cobre futebol há décadas, não pode ser técnico de futebol, por que um ex-jogador pode atuar como jornalista esportivo?”, indaga.
Jornalismo e tecnologia Em meio às transformações, as disciplinas ministradas de forma online ganharam espaço. Essa novidade está presente nos cursos desde 2010, mas continua dividindo opiniões. “Essas mudanças devem fazer parte de uma estratégia, um barateamento do ensino, que faz a educação chegar a mais gente. A EAD (Educação a Distância) é uma ótima ferramenta de estudo e aprofundamento, o aluno pode assistir à aula mais vezes, por exemplo”, diz Chaparro. Junto com a tecnologia, veio o estudo das mídias sociais, que possibilita que os professores transformem o perfil do aluno, o futuro jornalista. Para Odir Cunha, as mídias sociais influenciam no formato e na credibilidade. “É muito importante, porque elas exigem técnica e filosofia diferentes do jornalismo tradicional. Na mídia social, a credibilidade continua sendo
De qualquer forma, em sua opinião, as maiores transformações no meio jornalístico acontecem no campo dos processos culturais. “Ao olhar o mundo, o profissional vai refletir sua própria visão no jornalismo. É maluquice separar a teoria da prática, elas devem andar juntas. Que os laboratórios possam ser a síntese do curso, juntamente com a aptidão”, defende Chaparro. A certeza que fica é a de que as mudanças ocorreram no mundo e afetaram o mercado de trabalho e as salas de aula. Para Regina Tavares, a palavra que melhor define a essência do jornalista no século 21 é “pluralista”. Em decorrência das modificações diárias, o profissional deve aprender a se reinventar para poder reportar a notícia com a sagacidade e o dinamismo que a revolução tecnológica exige.
A precisão é uma qualidade essencial ao jornalista e o diferencia de um comunicador amador. Odir Cunha
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essencial, mas entram em cena elementos novos, como a interatividade, além da continuidade da obrigação de obedecer rigorosamente à ética e às leis de imprensa. Há muita gente se aventurando e cometendo crimes de calúnia, difamação e injúria por não conhecer as regras básicas do jornalismo e por acreditar que a mídia social permite que se escreva ou fale o que se quer sobre qualquer um.” Outra questão é sobre o quanto as universidades preparam para lidar com as novas tecnologias, a fim de enfrentar um mercado de trabalho muito competitivo. Para Chaparro, o ensino deveria se preocupar prioritariamente com o poder argumentativo do aluno. “Há algumas coisas que estão mais para o lado intelectual do que técnico, é preciso saber pensar. Os cursos têm um grande desafio por aí”, diz.
Divulgação
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Uma atividade que exige coragem Por June Hellen e Wilson Soto
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falta de segurança sempre restringiu a atividade jornalística em determinadas situações, como em conflitos urbanos ou guerras. Porém, o crescimento da violência vem se agravando nos últimos dez anos com grande intensidade. Tanto no Brasil quanto em outros
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O Brasil não está em guerra, mas as situações de violência vividas pelos jornalistas são comparáveis à atuação nos territórios em conflito países, os números de agressões contra profissionais da imprensa são assustadores, e as causas são diversas. As agressões, em sua maioria, são feitas através de ataques verbais, humilhações em público, bombas em manifestações e até assédio, o que, consequentemente, influencia no número de mortes registradas.
No Brasil, o índice de violência contra jornalistas aumentou mais de 60% em 2016 comparado ao ano anterior. Apesar do número de mortes ter diminuído, ainda assim a violência se faz constante, por meio de agressões variadas, como mostra a pesquisa divulgada pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
Foto: Giovanna Lima
Segurança
Casos de violência contra jornalistas - 2016 12 Ocorrências de Censura
22 Casos de Ofensas
7 Detenções
19 Casos de Ameaças
6 Atentados
18 Condenações / Decisões Judiciais
4 Roubos e Furtos
17 Casos de Intimidações
1 Caso de Assédio Sexual
Ilustração: Anderson Renato
67 Ocorrências de Agressões
Fonte: Relatório anual 2016 ABERT - Violações contra a liberdade de expressão
Os números são altos e, no ranking de lugares mais perigosos para jornalistas, países que vivem em guerra lideram as primeiras posições, como são os casos da Síria, Iraque e França, que sofreu ataques do Estado Islâmico, entre outros que passam por tais situações. Na Europa, a França é a única em destaque, tendo em vista que o continente europeu não sofre tanto com violência como as demais regiões do planeta. No entanto, o Brasil não tem atentados e nem guerras declaradas, então como existem tantos casos contra jornalistas? Apesar de existirem muitas ocorrências de agressões, nem todas ganham repercussão e acabam sendo abafadas, muitas vezes,
de maneira intencional pela própria mídia ou por companheiros de trabalho. Já os casos que são divulgados causam extrema revolta, como aconteceu com o jornalista Caco Barcellos, agredido por manifestantes no ano passado em represália à Rede Globo, emissora em que trabalha. Em outra vertente, houve um caso de assédio contra a jornalista do Portal IG, Giulia Pereira, cometido pelo cantor de funk Biel, que fez comentários impróprios, constrangendo a repórter durante o exercício da profissão. Posteriormente, o caso foi divulgado e causou grande indignação no público. Ainda assim, a repórter e sua editora foram demitidas do veículo em que atuavam, um desfecho inesperado e ainda sem explicação convincente.
A ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF) divulga anualmente um ranking sobre a liberdade de imprensa, com base em pontuações acumulativas, levando em consideração fatores como o pluralismo, independência dos meios, autocensura, infraestrutura e transparência. Foi constatado que, no Brasil, o risco para um profissional da imprensa é de 32,62 pontos, contra 8,59 pontos da líder de segurança do ranking, a Finlândia. Na última colocação fica a Eritreia, com expressivos 83,92 pontos. Ilkka Nousiainen, presidente da filial finlandesa dos Repórteres sem Fronteiras, acredita que o sucesso de seu país em respeitar a imprensa está exatamente na liberdade desfrutada pelos profissionais, Setembro de 2017 61
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Aqueles que pensam que haverá democracia neste país, podem pensá-lo em outro mundo. Issaias Afeworki, ditador da Eritreia
que não são obrigados a escrever o que o governo ou as mídias em que atuam preferem. Para Nousiainen, a imprensa em seu país trabalha a serviço da informação e, acima de tudo, da verdade. Além disso, há um conjunto de leis que assegura o cumprimento desse princípio. Um dos elementos fundamentais é o Conselho para Meios de Comunicação Social da Finlândia, cuja direção é conduzida pelo sindicato local e por um conjunto de editores das mídias. Devido a esses fatores, a imprensa local é considerada uma das melhores para trabalhar, de tal modo que até a lei sobre a Abertura das Atividades do Governo, vigente no país, é algo inexistente em países com posições inferiores no ranking. Em contrapartida, a Eritreia, um país não muito conhecido, também chamado de “Coréia do Norte da África”, vive exatamente o oposto. O país chegou a ser considerado o maior cárcere de jornalistas no mundo. 62
Motivos não faltam, basta mencionar como o governo frequentemente cria pretextos para prender profissionais inocentes. O ditador Issaias Afeworki chegou a afirmar: “aqueles que pensam que haverá democracia neste país, podem pensá-lo em outro mundo”. No país localizado no norte da África, não existem veículos privados de imprensa, o que facilita o governo em sua análise do que pode ou não ser publicado, utilizando as detenções arbitrárias para aterrorizar os profissionais do jornalismo. Por esses motivos, a Eritreia lidera essa terrível colocação há alguns anos. Observando esses dois extremos, percebe-se que no Brasil não há uma rigidez tão radical quanto na Eritreia, entretanto, também não há uma liberdade estável e segura como a finlandesa. Nos últimos anos, devido a escândalos políticos e manifestações fortemente reprimidas, o Brasil chegou à 104ª posição, em 2016, com quatro mortes registradas, demonstrando que ainda tem muito a melhorar se quiser
progredir em sua posição no ranking mundial. Com mais esforço para combater a impunidade, é certo que o país pode tentar se espelhar no estilo da Finlândia e aumentar ainda mais a distância para a Eritreia. Foto: Giovanna Lima
RISCO GLOBALIZADO 5 países com mais censura na imprensa
19 mortos 10 mortos
2016
176º China 177º Síria 178º Turcumenistão 179º Eritreia 180º Coreia do Norte
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Maiores índices de jornalistas mortos
9 mortos 7 mortos 5 mortos
0
10
Unidade
SÍRIA
AFEGANISTÃO
Fonte: Repórteres sem fronteiras
20 MÉXICO
IRAQUE
IÊMEN
Ilustração: Anderson Renato
Piores e melhores países para um jornalista trabalhar Diversos aspectos são avaliados para apontar os piores países para um profissional da imprensa trabalhar. Os dados mais atuais, de 2017, embora ainda sejam parciais, já apresentam estatísticas assustadoras. Em contraponto, os melhores locais para o exercício da profissão não são extremamente diferentes entre si. Pesam detalhes de leis ou cultura como diferenciais. O melhor país é a Noruega, que mesmo com ameaças recentes de fundamentalistas Islâmicos, é um exemplo europeu em termos de liberdade de expressão. Na segunda posição encontra-se a Suécia, que vive progredindo por conta das leis adotadas pelo parlamento já nos idos de 1776. No aniversário de 250 anos da
lei, houve muita celebração no país, pioneiro no quesito da eficácia do legislativo. A Finlândia, que ficou na liderança desse ranking por mais de cinco anos, caiu para a terceira posição em 2017. A queda, em grande parte, foi resultado de um conflito local de interesses e pressões políticas que constituíram recentemente entraves à liberdade de informação. Diferente da Finlândia, a Dinamarca conseguiu manter sua colocação no ranking. O fator determinante desse sucesso é a liberdade de expressão garantida, por exemplo, pelo artigo 77 da Constituição de 1849, no qual consta que “qualquer pessoa tem o direito de publicar suas ideias por via de imprensa, por escrito ou oralmente, e se responsabiliza por elas perante
a justiça. A censura e outras medidas preventivas não poderão ser restabelecidas”. A Holanda fecha o “top five”, mas encontra-se em uma situação delicada, por conta da abertura de fronteira aos imigrantes. A polêmica em torno dos refugiados deixou os jornalistas atuando sob uma pseudo censura, por cautela e indicações de segurança para os profissionais. A liderança escandinava no ranking é um fato absolutamente inquestionável. Ainda assim, os dados indicam que a predominância de países europeus é regular, já que a cultura da região costuma ser mais respeitosa com a legislação, um detalhe indispensável para o progresso do Brasil, que figura em 103º lugar, atrás do Quênia, Nepal e Guiné, entre muitos outros. Setembro de 2017 63
Ele cobriu a guerra na Síria Único jornalista brasileiro a entrar na Síria após o início da guerra, Klester Cavalcanti conta sua incrível história como repórter investigativo. Por Lucas Kalebe Colaboração Giovanna Lima e Henrique Souza
Klester Cavalcanti iniciou sua carreira em 1994 e, desde então, recebeu diversos prêmios por suas obras, inclusive o Natali Prize, o mais importante na área de Jornalismo de Direitos Humanos. O sucesso de seus livros é tanto que os três últimos – O Nome da Morte (2006), Dias de Inferno na Síria (2012) e A Dama da Liberdade (2015) – serão adaptados para o cinema. Em “Dias de Inferno na Síria”, ele conta como acabou sendo preso pelas forças do governo do país. O livro é um relato dos riscos da profissão de jornalista em lugares onde a imprensa é controlada. Acompanhe, a seguir, a entrevista que concedeu à Revista Código. Código: Jornalistas do mundo inteiro pagam um alto preço ao defender a liberdade de expressão. Como você vê a situação do jornalista? Há democracia e liberdade no Brasil? Klester Cavalcanti: A princípio, o jornalismo tem que ser democrático, a liberdade é a base para fazer seu trabalho, independente de interesses. Mas há outros fatores que interferem como, por exemplo, a questão econômica, muito presente em qualquer lugar do mundo. Não existe jornalismo independente, sempre há um custo e sempre alguém está bancando, esse alguém vai ordenar o que pode ou não ser publicado. O dono de uma editora totalmente dependente de anúncios 64
do governo não vai publicar reportagens denunciando as irregularidades. Há muita coisa envolvida nisto, muitas vezes interfere mais na liberdade do jornalista do que as ameaças físicas propriamente. Código: Conte-nos sobre o caso ocorrido em Belém do Pará. KC: No começo de 2000, eu era correspondente da revista Veja na Amazônia, morando em Belém. Estava apurando denúncia sobre uma quadrilha que se apropriava de terras públicas. Na investigação, descobri que era formada por juízes, advogados, empresários e madeireiras. Comecei a receber diversos tipos de ameaças. Certo dia, estava caminhando na rua e fui sequestrado por dois homens armados por quase uma hora. Depois entramos no
meio do mato, eu com um saco na cabeça, falaram que era só um aviso, que iriam voltar para terminar o serviço caso a matéria fosse publicada. Consegui escapar e, na semana seguinte, a reportagem saiu mesmo assim, com os nomes dos acusados e tudo mais. Código: Em seus mais de vinte anos de jornalismo, você passou a adotar alguma tática para se proteger? KC: Quando fui para a Síria, tinha contatos em Beirute, Damasco, Homs e na embaixada do Brasil, tudo bem articulado. Procuro sempre ter o máximo de controle de todas as áreas da matéria, deixando um plano B na manga. Temendo que algo pudesse dar errado, deixei a redação da IstoÉ avisada. Se não voltasse na data prevista, eles já tinham o número do meu contato na embaixada.
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Tem que ter consciência que você estará em risco, não adianta fazer este trabalho se não estiver disposto, nem adianta fazer esse tipo de jornalismo.
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Klester Cavalcanti passou por muitos perigos ao longo de sua carreira como jornalista.
Código: Até hoje, você é o único jornalista brasileiro a entrar em Homs. O que pensa sobre o desinteresse da imprensa nacional? KC: Isto é momentâneo. O Brasil tem uma imprensa muito forte, com veículos de alto poder econômico. Mas as matérias sobre a guerra na Síria são produto de agências de notícias. Na televisão é até mais vergonhoso, pois colocam o repórter “correspondente” como se estivesse na Síria, mas está em Nova Iorque ou Londres. Mostram uma imagem da guerra, você pensa que ele está “in loco”, mas não está, é patético. A Globo nunca mandou alguém para lá, mas continua passando matérias no Jornal Nacional, Fantástico, a maioria comprada de agências. Código: A Globo não envia um correspondente por segurança
do jornalista ou por economia? KC: Sinceramente, não sei. Como virei executivo e chefe, entendo os riscos. Mas o jornalista que gosta, cria o interesse de ir, vai atrás, e articula os meios. Código: Você se arrependeu de ter estado lá? Como manteve a motivação quando foi preso? KC: O fato de poder trabalhar ajudou a manter o controle lá dentro. Deixaram meu bloquinho e caneta comigo, passava o dia inteiro escrevendo. Código: Qual foi o choque ao chegar na Síria e ver uma situação tão diferente do que era noticiado? KC: A gente fazia matéria só de agência, não tinha acesso à realidade humana. A melhor parte da história é ter vivido essa experiência, coletar histórias de pessoas de várias idades.
Código: Você passou por algum curso preparatório para cobertura em zonas de conflitos armados? KC: Não existe isso, falam para ganhar dinheiro! Como você vai preparar alguém para algo que nunca fez? Essas teorias não existem. Mesmo eu, que vivi isso, não aceitaria ministrar um curso, como várias faculdades já convidaram. Por mais que falem, orientem ou inventem dicas, quando o cara chegar lá e cair uma bomba do lado dele, toda a teoria vai por água abaixo. Código: Atualmente, se tivesse a oportunidade, voltaria para a Síria? KC: Voltaria e quero voltar para ser voluntário quando o governo reconstruir a cidade de Homs, nem que seja com um tijolo. Minha dívida de gratidão com o povo de lá é bem grande. Setembro de 2017 65
Crônica
Chá de sarcasmo ste provavelmente seria o programa mais difícil de toda
a sua vida. Helena Garcia sabia muito bem como levar assuntos sérios às casas das pessoas de forma leve, sutil e, principalmente, sarcástica. Era o que ela fazia de melhor, e era o motivo de ser ela sentada atrás daquele balcão todas as noites da semana. O PQP foi criado com ajuda de muitos outros jornalistas que acreditaram na mesma visão que Helena: a de que as notícias, por mais cabeludas que fossem, poderiam ser transmitidas com bom humor. Era agora, porém, que essa teoria seria posta à prova, porque ela precisaria falar sobre o anúncio da Terceira Guerra Mundial. Por piores que fossem as previsões, ela nunca imaginou que realmente teria que fazer isso. Tudo bem, Donald Trump foi eleito nos Estados Unidos, mas não era como se ele conseguisse desequilibrar o planeta em apenas quatro anos, não é? De certa forma, Helena estava certa: levou
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apenas dois anos e meio. É claro que todos já sabiam, já que seu programa era noturno e misturava jornalismo com variedades e comédia. O anúncio real ocorreu durante a tarde, o que obviamente fez com que todas as pautas existentes fossem refeitas. Helena sabia, porém, que sua audiência hoje seria fenomenal. Ela sabia que o povo estava precisando de uma leitura bem-humorada da situação e é exatamente o que faria. Ao vivo em 3... 2... “Boa noite, boa noite, boa noite”, ela se apresentou da forma usual, depois que a câmera fechou em plano americano. “Sei o que vocês estão pensando: já não deu tempo para cair uma bomba nesse estúdio? Sinto muito, senhoras e senhores, mas estamos aqui e vamos continuar, com guerra ou sem guerra.” Os convidados aproveitam suas chances de falar, cada um com seu comentário piadista acerca do assunto. Helena rebate cada um com a acidez característica, arrancando risos da plateia e se sentindo satisfeita.
Depois de abrir para a matéria especial sobre a guerra (que contou com três repórteres tão bem treinados quanto ela), a câmera volta a focar em seu rosto e chega o momento inevitável: é preciso falar sério. “Por mais que estejamos rindo do quão absurdo é toda a situação, não podemos ignorar a seriedade. Façam piadas, divirtam-se, tentem seguir com a vida da melhor forma possível, mas não se permitam acreditar que não está acontecendo nada. Está acontecendo, e precisamos lidar com isso. Capisce?” Ela recebeu uma salva de palmas e, após o comercial, o PQP voltou com algumas das pautas antigas. Helena terminou a noite com o mesmo “boa noite, boa noite, boa noite” e foi para casa grata pelo emprego que tinha. Se não fosse por ele, sua sanidade já teria ido embora faz tempo. E ela não quer dizer, exatamente, o jornalismo: ela quer dizer o jornalismo dela. É daquele jeito que ela trabalha, é assim que ela se diferencia, e é assim que vai continuar, fora de todas as caixinhas que tentam empurrá-la.
Foto: pexels
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Por Alex Fernandes
Jornalismo é a melhor profissão do mundo.
- Gabriel García Márquez
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