Ortodontia em um Contexto Multidisciplinar

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Marco Antonio de Oliveira Almeida





Marco Antonio de Oliveira Almeida

2013 Maringรก - Paranรก


ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR ISBN 978-85-88020-75-7 Copyright© 2013 by Marco Antonio de Oliveira Almeida

Todos os direitos para a língua portuguesa reservados pela editora. Qualquer parte desta publicação poderá ser reproduzida, guardada pelo sistema “retrieval” ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, seja eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação ou outros, desde que autorizado previamente, por escrito, pela editora.

Direção Geral Teresa Rodrigues D´Aurea Furquim Editor Laurindo Zanco Furquim Diretores Editoriais Bruno D´Aurea Furquim Rachel Furquim Marson Diretor de Marketing Fernando Marson

Produção Editorial / Projeto Gráfico / Capa Júnior Bianchi Carlos Venancio Diagramação Adriana Azevedo Vasconcelos Gildásio Oliveira Reis Júnior Michelly Andressa Palma Tatiane Comochena Tratamento de imagens Tatiane Comochena Bruno Boeing de Souza Ilustração Diego Ricardo Pinaffo Marcos Amaral Normalização Carmem Torresan Revisão Romilda Marins Corrêa Impressão RR Donnelley

Dental Press Editora Av. Dr. Luiz Teixeira Mendes, 2726 - Zona 5 - CEP 87015-001 Maringá - Paraná - Fone/Fax: (44) 3031-9818 dental@dentalpress.com.br www.dentalpress.com.br


A utor

Marco Antonio de Oliveira Almeida - Professor Titular de Ortodontia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ. - Research Fellow University of North Carolina at Chapel Hill. - Mestre em Ortodontia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - ufrj. - Livre Docente em Ortodontia - Uerj.



Todo o nosso conhecimento se inicia com sentimentos.

Leonardo da Vinci


C olaboradores

Alexandre Trindade Simões da Motta

Cristiane Canavarro Rodrigues Martins

• Professor Adjunto de Ortodontia (UFF).

• Profa. Visitante da UERJ.

• Coordenador do Curso de Especialização em

• Mestre e Doutora em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

Ortodontia (UFF). • Mestre e Doutor em Ortodontia (UERJ). • Research Fellow (University of North Carolina at Chapel Hill).

Andréa Sasso Stuani •Doutora em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

Daniel Jogaib Fernandes • Mestre e Doutor em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

Daniela Feu • Professora Titular de Ortodontia da Universidade Vila Velha (UVV).

Andressa Otranto de Britto Teixeira

• Mestre em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

• Mestre em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

Felipe de Assis Ribeiro Carvalho David Normando

• Mestre e Doutor em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

• Professor Adjunto da Faculdade de Odontologia da UFPA. • Doutor em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

Flavia Raposo Gebara Artese • Profa. Adjunta Ortodontia UERJ.

Cátia Cardoso Abdo Quintão • Profa. Associada Ortodontia UERJ. • Mestre e Doutora em Odontologia (Ortodontia) pela UFRJ.

• Mestre e Doutora em Odontologia (Ortodontia) pela UFRJ. • Diplomada pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial.


Gisele Moraes Abrahão Fernandes • Mestre em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

Ione Helena Vieira Portella Brunharo

Luciana Baptista Pereira Abi-Ramia • Mestre em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

Marco Antonio de Oliveira Almeida

• Profa. Visitante da UERJ.

• Prof. Titular Ortodontia UERJ.

• Mestre e Doutora em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

• Research Fellow University of North Carolina at Chapel Hill. • Mestre Ortodontia UFRJ.

Jonas Capelli Junior

• Livre Docente Ortodontia UERJ.

• Prof. Associado Ortodontia UERJ. • Livre Docente em Ortodontia pela UERJ. • Doutor em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ .

Mariana de Pinho Noronha •Mestre e Doutora em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

• Diplomado pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial.

Rhita Cristina Cunha Almeida •Mestre e Doutora em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.

José Augusto Mendes Miguel • Prof. Adjunto e Coordenador do Mestrado em Ortodontia UERJ. • Especialista em Ortodontia pela UERJ. • Research Fellow University of North Carolina at Chapel Hill. • Mestre em Odontologia (Odontopediatria) pela UERJ. • Doutor em Odontologia (Clínica Odontológica) pela UFRJ.

Lucia Helena Soares Cevidanes • Professora Assistente, Departamento de Ortodontia e Odontopediatria, University of Michigan. • Mestre em Ortodontia pelo Instituto Metodista de Ensino Superior. • PhD em Biologia Oral, University of North Carolina at Chapel Hill. • Diplomada pelo American Board of Orthodontics.

Tatiana Araújo de Lima •Mestre em Odontologia (Ortodontia) pela UERJ.


S umário

CAPÍTULO 1

Aspectos psicológicos das más oclusões ........................................................... 17 Daniela Feu José Augusto Mendes Miguel

CAPÍTULO 2

Diagnóstico 3D em Ortodontia ....................................................................... 45 Felipe de Assis Ribeiro Carvalho Flavia Raposo Gebara Artese Alexandre Trindade Simões da Motta Lucia Helena Soares Cevidanes Marco Antonio de Oliveira Almeida

CAPÍTULO 3

Distúrbios respiratórios do sono e Ortodontia ................................................ 69 Luciana Baptista Pereira Abi-Ramia Marco Antonio de Oliveira Almeida Tatiana Araújo de Lima Andressa Otranto de Britto Teixeira

CAPÍTULO 4

Inter-relação Periodontia Ortodontia .............................................................. 85 Rhita Cristina Cunha Almeida Cristiane Canavarro Rodrigues Martins Jonas Capelli Junior


CAPÍTULO 5

Tratamento interdisciplinar das ausências dentárias .................................... 123 Gisele Moraes Abrahão Fernandes Marco Antonio de Oliveira Almeida Tatiana Araújo de Lima

CAPÍTULO 6

Inter-relação Endodontia Ortodontia ............................................................ 147 Daniel Jogaib Fernandes Marco Antonio de Oliveira Almeida Mariana de Pinho Noronha

CAPÍTULO 7

Aplicações do laser na Ortodontia ................................................................. 165 David Normando Andréa Sasso Stuani

CAPÍTULO 8

Fios ortodônticos: indicação e aplicação clínica ........................................... 183 Ione Helena Vieira Portella Brunharo Cátia Cardoso Abdo Quintão


Agradecimentos

Ao Prof. Antonio Carlos Peixoto da Silva, nosso grande Mestre, referência na prática clínica e na pesquisa científica, que com muito trabalho e pioneirismo introduziu a Disciplina de Ortodontia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, em 1970. Este livro é um dos frutos da árvore que ele plantou.


Aos autores colaboradores por compartilhar vasto conhecimento científico, parceiros imprescindíveis na realização desta obra literária.

Aos alunos e ex-alunos do Curso de Especialização, Mestrado e Doutorado em Ortodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pelo atendimento aos pacientes, sempre com muita dedicação e afinco.

À todos os pacientes, que acreditaram em nossa capacidade profissional nos permitindo realizar seus tratamentos ortodônticos.

À todos que direta ou indiretamente contribuíram, de alguma forma, para a realização deste livro.


Prefรกcio


Apesar de toda revolução tecnológica desencadeada com a popularização da Internet, uma sequência de páginas reunidas dentro de duas capas duras mostra-se uma ferramenta poderosa na transmissão do conhecimento. Mesmo com todas as mídias digitais disponíveis, palavras estampadas com tinta preta em uma página em branco trazem muito conforto e facilidade na leitura. Além do fato de nunca acabar a bateria, nem dar problemas no sistema operacional. Livros marcam um período do desenvolvimento científico e procedimentos clínicos. Os autores juntam as informações disponíveis, agregam sua experiência, conhecimento e oferecem aos leitores. Os autores desta obra são todos provenientes de uma mesma instituição de ensino, a Faculdade de Odontologia da UERJ, que em 2012 formou sua 30a turma de ortodontistas. De forma ininterrupta e em horário integral ortodontistas foram formados e estão espalhados por todo território brasileiro e em alguns países da Europa e América do Sul. Professores e alunos envolvidos no nosso programa de pós-graduação em nível de especialização, mestrado e doutorado tornaram realidade a conclusão desta obra.

Com muito rigor científico são apresentados tópicos diferenciados como Diagnóstico 3D em Ortodontia, Aspectos psicológicos das más oclusões, Distúrbios respiratórios do sono, Aplicação clínica do laser na Ortodontia e capítulos envolvendo a interdisciplinaridade no estudo das ausências dentárias e com a Periodontia e Endodontia. Fica a Ortodontia brasileira enriquecida com o surgimento de uma nova obra de conteúdo tão esmerado e ficam os colegas convidados à sua leitura. Que ela possa ser útil em algum momento de sua formação profissional e em suas tomadas de decisão no dia a dia do atendimento ao paciente ortodôntico.

Jonas Capelli Junior



Aspectos psicológicos das más oclusões

Daniela Feu José Augusto Mendes Miguel


capítulo 1  Aspectos psicológicos das más oclusões

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

INTRODUÇÃO Más oclusões e deformidades dentoesqueléticas, afetam de maneira significativa, a estética a função mastigatória do indivíduo e consequentemente, seu bem-estar social e psicológico. Existe pouca evidência científica de que más oclusões não tratadas possam piorar com o passar dos anos ou ainda que possam aumentar o risco de desenvolvimento de disfunções temporomandibulares, cáries dentais e de gengivites. Acredita-se que os principais benefícios do tratamento ortodôntico estariam relacionados à melhora da função mastigatória, da estética e do bem estar social do indivíduo.

Os ortodontistas, tradicionalmente, consideram que a saúde bucal e a função mastigatória sejam os principais objetivos ao tratar um paciente. Entretanto, existe uma aceitação crescente, baseada em evidências científicas, em relação à melhora na estética do sorriso, na estética facial e nos ganhos psicossociais como importantes benefícios do tratamento ortodôntico. Os desajustes oclusais, diagnosticados pelo ortodontista, normalmente, têm pouco significado para o paciente, mas, por outro lado, são as alterações estéticas e os desvios funcionais, perceptíveis ao indivíduo e à sociedade, que comumente geram distúrbios sociais e psicológicos que motivam a busca por tratamento ortodôntico. Como a má oclusão desenvolve-se lentamente, com o crescimento e o amadurecimento do paciente, muitas vezes, ele se adapta às alterações que possui, à exceção dos casos que geram sintomatologia dolorosa. Desse modo, problemas relacionados aos desvios oclusais, que geram demanda espontânea para correção ortodôntica, são menos frequentes, e comumente relacionados aos casos de más oclusões decorrentes de perdas dentárias, deformidades dentofaciais e a determinados tipos de más oclusões, como as mordidas abertas anteriores. Nesses últimos casos, as alterações oclusais geram impactos negativos diretos nos aspectos funcionais, sociais e psicológicos, que podem ser facilmente identificados no dia-a-dia do indivíduo.

A aparência é a principal motivação dos indivíduos que buscam tratamento ortocirúrgico, por exemplo, já que a face é a área mais importante do corpo no que diz respeito à atratividade física.

Uma estética dentária ruim também representa um risco significativamente alto de um indivíduo desenvolver uma desvantagem em relação à sociedade, como limitações na comunicação e na interação social, o que influenciará negativamente a qualidade de

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capítulo 1  Aspectos psicológicos das más oclusões

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

vida desse indivíduo. Os problemas estéticos ganham uma posição de destaque por serem mais frequentes e também mais facilmente identificáveis para o paciente e seus interlocutores. A aparência é a principal motivação dos indivíduos que buscam tratamento ortocirúrgico, por exemplo, uma vez que a face é a área mais importante do corpo no que diz respeito à atratividade física. A insatisfação com a posição dos dentes também é a grande chave para a motivação da busca por tratamento, mas, no aspecto psicossocial, o tratamento ortocirúrgico merece atenção especial.

previsão de resultados finais, uma vez que a satisfação com o tratamento, teoricamente, estaria relacionada na redução ou eliminação dos fatores que levaram a buscar tratamento. Então, como seria possível desempenhar tratamentos que possibilitariam ganhos psicossociais reais aos pacientes e obter sucesso sem conhecer o impacto gerado pela má oclusão? Obviamente, a busca pela “queixa principal” do paciente demonstra uma preocupação com a percepção da má oclusão que vem sendo enfatizada pela Ortodontia e por outras especialidades odontológicas há anos. Mas, atualmente, com as ferramentas desenvolvidas para a mensuração específica dos impactos, ela ainda é suficiente?

A necessidade de uma avaliação psicossocial do paciente ortodôntico e, principalmente do paciente ortocirúrgico deve-se, portanto, à importância da estética dental e facial na vida das pessoas que, dentro de um contexto social de culto ao belo, não pode deixar de fazer parte do diagnóstico. Essa avaliação buscará, principalmente, avaliar o impacto e/ou as desvantagens que a má oclusão e as consequentes alterações estéticas, funcionais e sociais vão gerar, uma vez que para a mesma má oclusão existirão diferentes impactos psicossociais. Isso significa que a mesma má oclusão pode ser percebida de diferentes maneiras pelas pessoas, e que essa percepção individual provavelmente seja a real chave para a busca por tratamento ortodôntico, relacionando-se ou não com a gravidade dessa má oclusão. Do mesmo modo, para essas diferentes percepções surgirão expectativas de resultados diferentes, que nem sempre serão proporcionais à dimensão da má oclusão, mas sim à dimensão do impacto que ela gerou para aquele determinado paciente. Consequentemente, essas expectativas de resultados irão variar de indivíduo para indivíduo, mesmo se tratando da mesma má oclusão.

1. PERCEPÇÃO

DAS MÁS OCLUSÕES

A estética é uma percepção muito subjetiva, de grande variabilidade entre os indivíduos, sendo difícil obter uma avaliação precisa dos ganhos estéticos de um tratamento para um determinado paciente e a efetiva melhora produzida por qualquer intervenção clínica, inclusive a ortodôntica, considerando apenas medidas normativas (clínicas) ou a percepção do profissional, uma vez que a opinião do paciente pode ser significativamente diferente. Sendo assim, confronta-se com o fato de que a compreensão e o acompanhamento da percepção estética do paciente sejam fatores essenciais em qualquer tratamento que tenha relação com mudanças estéticas, como o tratamento ortodôntico. A demanda de pacientes que buscam a correção de suas más oclusões está mais frequentemente relacionada a fatores psicológicos e sociais do que a fatores somáticos. É exatamente devido a esses fatores que o impacto das más oclusões e das deformidades crâniofaciais, na vida diária dos indivíduos, se tornou um problema de saúde pública em muitos países, como a Escandinávia, a Holanda e o Reino Unido, onde recursos governamentais são empregados não só para tratar ortodonticamente esses pacientes, mas, principalmente, para livrá-los dos impactos negativos que eles vivenciam no seu dia-a-dia.

Devido à natureza eletiva dos tratamentos ortodôntico e ortocirúrgico, a decisão de iniciar um tratamento torna-se dependente da opinião dos pacientes e dos pais, no caso de crianças ou adolescentes. Os estudos nessa área confirmam que essa decisão, muitas vezes, advém da motivação causada pelo impacto negativo que a má oclusão lhes gerou, seja ela estética, funcional ou social. Portanto, essa autonomia do paciente desempenha um papel importante na

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capítulo 1  Aspectos psicológicos das más oclusões

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

meio ao longo do tempo, mas não significa que os benefícios sociais obtidos foram perdidos. Esse fato apenas sugere que o paciente se adapta ao seu novo visual, sua nova imagem corporal.

O impacto emocional pós-cirúrgico da técnica convencional é positivo de acordo com as pesquisas disponíveis. Imediatamente depois de serem operados, os pacientes podem apresentar mudanças negativas no humor por até quatro a seis semanas, especialmente, nos casos em que houver dor e dificuldades funcionais. Entretanto, em avaliações feitas seis meses após a operação, os pacientes demonstram menores níveis de ansiedade, estresse, tensão, fadiga e depressão, melhoras no humor e na habilidade social.

O impacto emocional do tratamento ortocirúrgico ainda não foi suficientemente estudado e esclarecido. No período pré-cirúrgico, os pacientes podem apresentar quadros de tensão e ansiedade. Essas sensações podem estar relacionadas às preocupações inerentes à cirurgia, à possibilidade de perda sensorial, de dor e das mudanças físicas que ocorrerão. Alguns autores também sugerem que, devido à particularidade desse tipo de tratamento, que envolve um preparo ortodôntico pré-cirúrgico, que busca a descompensação dentária, muitas vezes, piorando o aspecto facial do paciente, pode haver uma piora considerável da imagem corporal, contribuindo para o aumento da tensão e da ansiedade. De qualquer modo, essas sensações e medos são passageiros e tendem a não permanecer após a cirurgia. Mesmo sendo de caráter temporário, os sentimentos negativos decorrentes do preparo ortodôntico pré-cirúrgico podem deixar de existir e os benefícios obtidos com a cirurgia serem mais rapidamente alcançados se a técnica que propõe a cirurgia ortognática prévia ao tratamento ortodôntico, conhecida como “Surgery First” ou “Benefício Antecipado” for utilizada. Essa técnica cirúrgica baseia-se em prever e superestimar a magnitude das alterações esqueléticas necessárias para o tratamento, como se “sobrecorrigindo” o paciente cirurgicamente, imediatamente após a montagem do aparelho ortodôntico. Apenas depois da realização da cirurgia ortognática que, o tratamento ortodôntico é iniciado, alinhando, nivelando e engrenando as arcadas. Teoricamente, a tensão e a ansiedade do período pré-cirúrgico decorrente do preparo ortodôntico deixariam de existir e o paciente experimentaria os benefícios do tratamento tão logo ele fosse iniciado, mas estudos específicos ainda são necessários para que essas suposições sejam confirmadas. Cabem ainda muitos questionamentos nesse sentido: os efeitos pós-cirúrgicos dessas diferentes técnicas serão os mesmos em longo prazo? Haverá um declínio significativo na autoimagem após 9 meses de tratamento ortodôntico como foi observado na técnica convencional?

O monitoramento dos impactos na qualidade de vida do paciente antes e depois da cirurgia pode ajudar a conhecer e interpretar a condição emocional desses pacientes. Os estudos nessa área também demonstram ganhos significativos na qualidade de vida dos pacientes tratados cirurgicamente, com ganhos significativos nas dimensões estética, funcional e social. Naturalmente, essas tendem a ser as áreas de impacto mais negativo antes de o paciente iniciar o tratamento, sendo, consequentemente, as mais beneficiadas por resultados satisfatórios, mas, de modo geral, todas as dimensões de impacto apresentam melhoras em relação à situação inicial do paciente. Contudo, existem exceções. Os pacientes que, inicialmente, apresentavam algum desvio, evidenciado pelas expectativas irreais e/ou reações muito negativas podem ter impacto emocional negativo em médio prazo, apresentando quadros de depressão. Existem também relatos de não aceitação da nova imagem corporal, e perda da identidade facial. Esses pacientes devem ser encaminhados para acompanhamento psicológico o quanto antes; mas, para que isso seja possível, o ortodontista e o cirurgião bucomaxilofacial devem estar atentos aos sinais e reações dos pacientes em suas consultas e podem contatar a família para confirmar suas suspeitas e apoiar suas orientações. Ao tornar sua anamnese inicial mais abrangente, buscando conhecer melhor o paciente e seus anseios, os clínicos podem observar características que sugiram a necessidade de um acompanhamento psicológico do paciente e reduzir a ocorrência dessas situações, mas nem sempre isso será possível no primeiro momento. O mais importante é estar atento

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capítulo 1  Aspectos psicológicos das más oclusões

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

ao paciente, conhecer e respeitar suas queixas e as áreas de sua vida que estejam gerando impactos negativos para se aproximar o máximo possível de seus objetivos finais. Estando atento e agindo de forma participativa, o profissional poderá perceber alterações, caso existam, e agir de maneira decisiva.

4. FENDAS

imagem que a mãe enfrenta é a de um recém-nascido com uma abertura, deformante, mais ou menos extensa, na parte média do lábio superior. A mãe, principalmente, fica exposta a sentimentos muito controversos em relação ao filho. Além da deformação do lábio existem alterações estruturais da matriz osteoperióstica que podem provocar atrasos do crescimento do terço médio da face. A erupção e a disposição dos dentes no maxilar superior também são normalmente afetados. Quando o palato tem fenda, a voz é nasalada e a fonação encontra-se afetada por dificuldades de articulação e há, quase sempre, alterações da audição relacionadas com otites serosas, por disfunção tubária. Pode haver dificuldade de drenagem dos canais lacrimais e, embora de uma forma ligeira, a sucção e a deglutição estão afetadas requerendo aprendizagem e paciência para a alimentação correta e sem problemas.

LABIOPALATINAS

A forma mais comum de deformidade dentofacial é a fenda labial e/ou palatina não sindrômica, com uma prevalência aproximada de um caso a cada 600 nascimentos ocorridos no mundo. Sua etiologia ainda não está clara, mas é provável que fatores exógenos (teratogênicos) e endógenos (genéticos) contribuam para a formação de uma fenda. O desempenho cognitivo de crianças com fenda seja ela labial ou labiopalatina, é um assunto especial, juntamente com suas dificuldades em nível e de linguagem. Esse tipo de avaliação deve ser feita num contexto multidisciplinar que abrange as áreas de Psicologia Clínica, Cirurgia Plástica e Reconstrutiva e Análise Fonoaudiológica.

Na maioria dos casos, a presença da fenda é diagnosticada com exame clínico ao nascimento, todavia, é crescente o número de casos diagnosticados com exames ultrassonográficos ainda durante a gestação. Ao avaliar a qualidade de vida das famílias dessas crianças, observou-se que o diagnóstico intrauterino não reduz o impacto geral na qualidade de vida e aumenta significativamente o impacto na área social.

Essas crianças estão sujeitas a situações vivenciais diferenciadas tais como, internamentos sucessivos, ausências frequentes do contexto familiar, escolar e social que vão interferir com o seu desenvolvimento, em geral, e consequentemente com o seu desempenho em vários níveis. O ortodontista e o cirurgião bucomaxilofacial se inserem nessa realidade desempenhando um papel fundamental no restabelecimento da normalidade do sistema estomatognático. Entretanto, eles também terão responsabilidades sobre as expectativas desses pacientes, que são específicas e aparentemente diferentes dos demais pacientes, portadores de más oclusões dentárias ou dentoesqueléticas: os pacientes com fendas desejam ser vistos e aceitos como iguais.

O impacto negativo gerado na qualidade de vida das famílias de pacientes portadores de fendas está principalmente relacionado ao impacto financeiro, pessoal e social, que as necessidades nutricionais e médicas desses pacientes demandam. Os aspectos psicológicos mais relatados em decorrência desses impactos são a ansiedade e a depressão, especialmente das mães. O tipo de fenda e o resultado geral do tratamento inicial estão diretamente relacionados à magnitude desse impacto negativo geral na qualidade de vida da família, e os resultados estéticos do tratamento e o tipo de amamentação à magnitude do impacto social.

Logo ao nascer, essas crianças são percebidas de um modo diferente, tanto pelo meio que as envolve como por seus progenitores, que podem ter um comportamento que vai desde a proteção excessiva até a não aceitação/rejeição. A primeira

A qualidade de vida de um indivíduo com fenda é negativamente influenciada desde seu nascimento pelo impacto gerado pela deformidade na mãe,

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DIAGNÓSTICO 3D NA ORTODONTIA: INDICAÇÕES E LIMITAÇÕES

Felipe de Assis Ribeiro Carvalho Flavia Raposo Gebara Artese Alexandre Trindade Simões da Motta Lucia Helena Soares Cevidanes Marco Antonio de Oliveira Almeida


capítulo 2  Diagnóstico 3D na ortodontia: indicações e limitações

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

INTRODUÇÃO Os exames complementares são utilizados com o intuito de auxiliar o diagnóstico nas diversas especialidades odontológicas. Radiografias, modelos de estudo e fotografias são frequentemente solicitados e considerados durante o processo de diagnóstico e planejamento dos casos clínicos. No entanto, os métodos radiográficos tradicionais apresentam limitações devido às magnificações, sobreposições e outras distorções relacionadas à representação bidimensional (2D) de estruturas tridimensionais (3D). Visando-se superar tais limitações, o uso da tomografia computadorizada (TC) foi introduzido em algumas especialidades odontológicas, como no planejamento cirúrgico de implantes osseointegrados e no diagnóstico de patologias orais. Com a disponibilização de tomógrafos computadorizados de feixe-cônico (CBCT, do inglês Cone Beam Computed Tomography), o uso da TC na odontologia vem aumentando em todo o mundo.

A CBCT tem sido considerada como o método de escolha quando comparada à tomografia computadorizada médica para a avaliação 3D da região maxilofacial. Isso se deve ao custo do equipamento e do exame serem reduzidos, a dose de radiação ser mais baixa e o tempo de aquisição ser menor, obtendo-se, assim, imagens de qualidade aceitável para os ossos da face, dentes e tecidos moles. A partir dessas imagens de tomografia computadorizada, técnicas de pós-processamento permitem a geração de modelos virtuais 3D. Esses modelos podem ser utilizados para verificação de crescimento, mudanças com o tratamento e estabilidade, além de análises dos tecidos moles e simulação computadorizada de procedimentos cirúrgicos.

Em alguns casos um exame de CBCT chega a submeter o paciente a uma dose de radiação 1/3 menor do que um exame periapical completo. Sendo assim,

A obtenção de exames de tomografia computadorizada envolve a submissão do paciente à radiação ionizante. A fotografia 3D, por sua vez, é um método livre de radiação, sendo uma alternativa no diagnóstico tridimensional de tecidos moles. Esse exame pode ser utilizado isoladamente ou em associação com a CBCT de forma a oferecer ao clínico um conjunto maior de informações.

poderíamos justificar eticamente a sua utilização como exame complementar de rotina na odontologia.

Um conjunto de imagens, realmente, 3D da cabeça, oferece diversas informações sobre o paciente. Para poder se explorar estes dados, inúmeras ferramentas já foram ou estão sendo desenvolvidas. Este capítulo tem como objetivo apresentar e descrever algumas indicações e limitações do diagnóstico 3D na Odontologia.

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capítulo 2  Diagnóstico 3D na ortodontia: indicações e limitações

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

1. PRINCÍPIOS

E HISTÓRICO

A palavra tomografia é formada pela junção de dois termos gregos, tomos e graphos que significam, respectivamente, camadas e escrita. Portanto a tomografia consiste na obtenção de imagens do corpo em fatias ou cortes. É uma técnica que utiliza radiação X para registrar de maneira clara objetos localizados dentro de um determinado plano, permitindo a observação da região selecionada com pouca ou nenhuma sobreposição de estruturas.

através do movimento da fonte de raios X e do receptor de imagem. Nessa técnica, o tubo de raios X e o receptor de imagem realizam um movimento de mesma amplitude, mas em direções opostas, ao redor de um fulcro. Desse modo, estruturas localizadas na região central aparecem nítidas, visto que sempre são registradas no mesmo local do receptor de imagem. Entretanto, as estruturas localizadas aquém e além do plano de corte aparecem borradas uma vez que são registradas em posições diferentes no receptor de imagem durante a movimentação do conjunto (Fig. 1).

Na tomografia convencional, a imagem é obtida por meio do princípio físico de borramento,

 1. Esquema do princípio de formação da imagem na tomografia convencional pelo princípio físico de borramento. O filme se

movimenta em direção oposta ao tubo de raios X (setas). A região do fulcro estacionário (ponto O) é projetada mais vezes no filme, do que os demais pontos (A, B, C, D, E e F) e, portanto, a imagem do ponto O aparece de maneira mais nítida na imagem gerada. (Adaptado de WHITE; PHAROAH, 2000).

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capítulo 2  Diagnóstico 3D na ortodontia: indicações e limitações

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

a

b

 18. Caso de trauma na região anterior com perda do elemento 21. A CBCT foi solicitada para avaliar o enxerto ósseo que

já havia sido realizado e fixado com um mini-implante. (A) Imagens impressas enviadas pelo radiologista. (B) Após a manipulação das imagens e seleção pelo ortodontista responsável, pode-se verificar a grande proximidade do miniimplante com o forame incisivo, além da melhor avaliação da extensão da perda óssea. Tais informações não foram consideradas pelo radiologista como pertinentes, mas pelo clínico responsável sim.

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capítulo 2  Diagnóstico 3D na ortodontia: indicações e limitações

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

1.4.1

Reconstruções Tridimensionais

1.4.1.1

A técnica tomográfica obtém informações volumétricas de uma determinada região anatômica a ser estudada. Essas informações, no entanto, são armazenadas, inicialmente, em diversas camadas de cortes (normalmente axiais), as quais se assemelham com imagens radiográficas, porém sem superposições e/ou magnificações. Essas diversas imagens que são obtidas com um intervalo constante (por exemplo, a cada 0,5mm) podem, por meio de softwares de computação gráfica que utilizam algoritmos específicos, gerar novas imagens reformatadas.

“Renderização” de volume Projeções de máxima intensidade

A renderização das imagens 2D, originalmente obtidas, permite a geração de imagens 3D compostas por uma malha de polígonos ou de todo o volume como um bloco de dados único. Um método bastante utilizado para a visualização rápida de todo o volume obtido é denominado pela sigla MIP, que em inglês significa “maximum intensity projection”. Esse método projeta no plano de visualização os voxels de maior intensidade na forma de raios traçados, a partir do ponto de visão até o plano de projeção.

É possível a geração de cortes coronais, sagitais ou oblíquos a partir dos axiais bem como a criação de uma imagem tridimensional, contendo as informações de todos os cortes de uma só vez.

Essa técnica requer pouco processamento computacional, bem como pouca intervenção do usuário, no entanto, os resultados são pobres na representação de profundidade do volume representado. Para se ter uma noção melhor da posição especial das diversas estruturas, o usuário pode girar livremente a imagem obtendo diferentes visualizações (Fig. 19).

1.4.1.2 Segmentação

de interesse

 19. Visualização de renderização pelo método das projeções de máxima intensidade (MIP), o qual pode ser rapidamente obtido pelo usuário para que se tenha uma visão geral do posicionamento espacial das estruturas anatômicas.

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de estruturas

Quando se avalia uma imagem tomográfica, a qual é complexa por conter muitas informações, é importante que se possa focar nas áreas de interesse dentro do volume adquirido. Pode-se simplificar a imagem, reduzindo-a aos elementos básicos de interesse para o diagnóstico e/ou planejamento do caso. Ou seja, o procedimento de segmentação é qualquer procedimento que ressalte ou isole estruturas anatômicas individuais em um conjunto de imagens volumétricas. O objetivo principal do procedimento de segmentação é simplificar a imagem, descartando informações que não sejam importantes ao diagnóstico e/ou planejamento (Fig.20).



DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO SONO E ORTODONTIA

Luciana Baptista Pereira Abi-Ramia Marco Antonio de Oliveira Almeida Tatiana Araújo de Lima Andressa Otranto de Britto Teixeira


capítulo 3  Distúrbios respiratórios do sono e ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

INTRODUÇÃO O sono é um fenômeno essencial à homeostasia, a partir do qual, todo o organismo é renovado. Com o aumento de casos de desordens respiratórias do sono, como ronco, Síndrome da Resistência das Vias Aéreas Superiores (SRVAS) e Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), o equilíbrio desse sistema regulador vem sendo afetado.

O conhecimento dos distúrbios respiratórios do sono é importante por se tratar de desordens relativamente comuns e pela relevância das consequências clínicas quando do não tratamento desses problemas sistêmicos. Devido a isso, os meios de diagnóstico e tratamento têm recebido especial atenção e vêm evoluindo constantemente. Este capítulo visa proporcionar ao dentista clínico a capacidade de identificar as desordens respiratórias que ocorrem durante o sono, dando ênfase para o ronco e a SAOS.

1. DEFINIÇÃO

A SRVAS é considerada como estágio inicial da SAOS, pois apresenta as mesmas características fisiopatológicas, porém, os microdespertares, relacionados ao aumento do esforço respiratório, que levam à fragmentação do sono e sonolência diurna, ocorrem na ausência de apneias ou hipopneias.

Devido à possibilidade de acentuar o risco de acidentes de trabalho e de trânsito, e por ocasionar complicações cardiovasculares, a síndrome é considerada

A SAOS é definida como obstrução parcial ou total da via aérea superior durante o sono (Fig. 1), associado a sinais e sintomas clínicos (Bittencourt, 2008). O termo apneia refere-se à interrupção intermitente do fluxo de ar durante o sono, por um período de 10 segundos ou mais.

um problema de saúde pública.

A diferença básica entre apneia e hipopneia é que, nesta última, há uma redução superior a 50% da capacidade respiratória, com redução de, pelo menos, 4% da oxigenação arterial, na presença de movimentos respiratórios.

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capítulo 3  Distúrbios respiratórios do sono e ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

 1. Obstrução das vias aéreas durante a apneia.

Tanto a SAOS quanto o ronco são agravados pelo excesso de peso e pela ingestão de bebidas alcoólicas, fumo e de drogas como benzodiazepínicos, barbitúricos e narcóticos. Essas substâncias deprimem o sistema nervoso central e afetam a qualidade do sono, com redução do sono REM (Rapid Eyes Movement). O álcool tem papel importante no aparecimento ou no agravamento dos distúrbios respiratórios do sono pela capacidade de reduzir a tonicidade dos músculos da faringe, de forma seletiva, preservando a atividade diafragmática. As drogas podem exacerbar as apneias preexistentes, sendo que os narcóticos têm efeito depressor na respiração e, durante o sono, esse efeito pode ser aumentado.

2. DIFERENCIANDO

3. SÍNDROME

O RONCO DA SAOS

DO SONO

O termo ronco primário é utilizado para classificar pacientes com ronco, mas sem eventos de apneia e hipopneias associados. O ronco primário é caracterizado pela presença de ruído durante o sono sem que haja alteração da oxigenação. Esse fenômeno é causado pela vibração dos tecidos moles em áreas estenóticas (estreitas) da via aérea superior. Quando o ar passa pela área estreita, sua velocidade aumenta, elevando a pressão negativa e fazendo com que os tecidos moles se colabem para dentro da coluna aérea. Então, os tecidos moles sofrem vibração e ocorre a produção de ruído.

DA APNEIA OBSTRUTIVA

A incidência da SAOS é de 4% da população adulta masculina e 2% da feminina. O risco de se desenvolver essa condição aumenta a partir da 5ª década de vida e de acordo com o histórico familiar. Existem fatores predisponentes para o desenvolvimento da síndrome: - Obesidade; - Sexo masculino; - Uso de drogas (fumo, álcool); - Anormalidades craniofaciais como hipoplasia maxilomandibular; - Aumento de tecidos moles; - Obstrução nasal; - História familiar.

O ronco pode estar presente desde a infância ou adolescência. Na população de idosos, a prevalência do ronco é em torno de 40%, muito superior aos índices da ocorrência da SAOS. Pacientes portadores da síndrome roncam, porém, os que roncam não necessariamente apresentam eventos obstrutivos (nem apneia nem hipopneia), pelo contrário, a maioria das pessoas que roncam não são portadores da síndrome.

As condições fisiopatológicas que contribuem para a SAOS são: tônus muscular inadequado da via aérea superior, colapso de tecido mole sobre a via aérea, comprimento excessivo do palato mole/úvula, via aérea nasal obstruída e passagem aérea superior constrita. Quando a pressão aérea negativa excede a força produzida pelos músculos orofaríngeos, a faringe entra em colapso, ocluindo a passagem aérea. Consequentemente, há o despertar relacionado ao

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capítulo 3  Distúrbios respiratórios do sono e ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

Sabe-se que a gravidade da síndrome e o sucesso do tratamento com aparelhos são inversamente proporcionais, ou seja, quanto menor o IAH, maior o sucesso do tratamento.

dentária, periodontal, de tecidos moles e ATM, radiografias e modelos de estudo. A partir daí é possível escolher o aparelho mais indicado para cada paciente. Quando o aparelho indicado for um reposicionador mandibular, o avanço mandibular deve corresponder a 75% da capacidade protrusiva máxima do paciente e este avanço deve ser progressivo (0,5mm por consulta, se necessário) para que os efeitos sobre a ATM e a musculatura mastigatória sejam mínimos. O acompanhamento regular deve ser feito pelo dentista pelos motivos citados acima.

Alguns efeitos colaterais, devido ao uso dos aparelhos, podem ser observados. Estão relacionados ao tipo de aparelho empregado, horas de uso e condições gerais de cada paciente. O paciente deve estar ciente dos incômodos associados ao início do tratamento. Os inconvenientes, comumente relatados pelos pacientes, são: salivação excessiva causada pela nova posição lingual e pelo volume do aparelho; desconforto ou cansaço na musculatura pela manhã e pressão sobre os dentes, além de desordens temporomandibulares (DTMs) que podem variar de dor miofacial com ou sem limitação de abertura bucal a dor na articular, de acordo com Cunali e colaboradores. Entretanto, um estudo com acompanhamento de 5 anos revelov u que o uso dos aparelhos de avanço mandibular no tratamento da SAOS não aumenta a prevalência das DTMs. Para minimizar esses efeitos colaterais, pode ser necessário fazer algum ajuste no aparelho. Pequenos desajustes oclusivos, ou sensação de não morder corretamente pela manhã são comuns, desde que não durem mais que 30 minutos após a remoção do aparelho.

Nos casos de tratamento de pacientes dolicocefálicos, a invasão do espaço funcional livre e consequente aumento da dimensão vertical, que rotaciona a mandíbula no sentido horário, causam redução do diâmetro da orofaringe. Isso prejudica o sucesso do tratamento alcançado pela projeção mandibular. Um trabalho desenvolvido pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro demonstrou satisfação com o tratamento por parte dos pacientes e companheiros de quarto, com relatos de melhora na qualidade do sono, ronco e qualidade de vida. Os resultados, avaliados por exames de polissonografia e radiográficos ,demonstraram que o uso do aparelho Twin Block modificado (Fig. 5) pode ser um tratamento eficaz para a SAOS, porém, com uma grande variabilidade nas respostas individuais. Essa dificuldade está também relacionada com as características do próprio exame de polissonografia, que, apesar de ser o padrão ouro, deve ser interpretado com cautela, pois apresenta variações por ser o estudo de uma única noite de sono, feito em condições diferentes da habitual do paciente (em um laboratório do sono, com todos os instrumentos de monitoração).

É possível que os pacientes se queixem de dores articulares após o início do tratamento. Isso ocorre quando a posição mandibular anterior excede o limite fisiológico. A melhor conduta a ser adotada é suspender o uso do aparelho durante uma semana e reduzir o avanço mandibular em 2mm até que o quadro seja normalizado, e depois fazer avanços progressivos de 0,5mm. Se não houver modificação da sintomatologia dolorosa, o aparelho deve ser descontinuado. Foi estabelecido um protocolo clínico para o tratamento dos pacientes (Almeida):

Um estudo sobre tratamento da SAOS com aparelho de avanço mandibular, realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, teve como objetivo a avaliação da via aérea superior através de tomografia computadorizada de feixe cônico (Fig. 6). Os resultados preliminares mostraram que o volume da via aérea superior, na tomografia computadorizada feixe cônico realizada no paciente com o aparelho de avanço mandibular em posição, estava

A avaliação inicial deve ser realizada pelo médico e após a obtenção do diagnóstico e gravidade da SAOS, o paciente é encaminhado para um dentista especializado, normalmente ortodontista, que deve conhecer a síndrome e os tratamentos adequados. O dentista deve avaliar a documentação do paciente que consiste no exame clínico, com dados sobre a condição

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capítulo 3  Distúrbios respiratórios do sono e ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

a

b

c

 5. Aparelho Twin Block modificado para o tratamento da SAOS. Visão intraoral do lado esquerdo, frontal e lado direito.

 6. Segmentação do modelo tridimensional. A via aérea superior encontra-se em vermelho. As áreas segmentadas são visualizadas tanto nos cortes tomográficos quanto no modelo tridimensional.

principalmente, por aumentar o volume da velofaringe Estas alterações estão associadas às modificações da superfície das estruturas dos tecidos ósseos e moles.

aumentado em relação à tomografia do mesmo paciente sem o aparelho. Uma análise comparativa entre volume da via aérea superior e resultados dos exames de polissonografia mostraram que existe uma correlação entre eles. Pode-se sugerir que o aparelho de avanço mandibular foi efetivo no controle da SAOS na maioria dos pacientes.

Diversos aparelhos intraorais são utilizados no tratamento da SAOS, no entanto dois fatores devem ser observados: a presença adequada de suporte dentário e a existência de DTM, que em alguns casos pode contraindicar o uso desses aparelhos. Em pacientes edêntulos se torna impossível a utilização destes aparelhos intraorais devido a ausência

Os resultados de uma pesquisa recente sugeriram que o mecanismo de ação dos Aparelhos de Avanço Mandibular está relacionado com o aumento significativo do volume das vias aéreas superiores,

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Inter-relação Ortodontia e Periodontia

Rhita Cristina Cunha Almeida Cristiane Canavarro Rodrigues Martins Jonas Capelli Junior


capítulo 4  Inter-relação Ortodontia e Periodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

INTRODUÇÃO É fato que, em todo o mundo, os ortodontistas tratam cada vez mais pacientes adultos, tornando clara e evidente a necessidade de uma atuação em parceria com diversas especialidades diante da complexidade dos tratamentos, das exigências estéticas e das possibilidades terapêuticas. Esse desafio é estimulante e deve ser enfrentado com interesse científico, uma vez que todos estão envolvidos e com objetivos semelhantes.

É necessário que sejam feitas algumas adaptações no planejamento do tratamento ortodôntico em pacientes adultos, pelo histórico odontológico precedente, e pelas frequentes limitações impostas. A doença periodontal no adolescente, geralmente, restringe-se ao periodonto de proteção, restando intacto o de sustentação. No adulto, as perdas ósseas são mais significativas, sugerindo uma terapêutica ortodôntica mais cautelosa. No paciente adolescente, o osso alveolar é abundante em trabéculas ou espaços medulares, o que contribui para a resposta aos estímulos provocados pelos aparelhos ortodônticos. No adulto, os componentes celulares e vasculares diminuem à proporção que a estrutura óssea torna-se mais calcificada. A remodelação do osso alveolar ocorre mais lentamente e formam-se zonas de hialinização mais rapidamente no lado submetido à pressão. Isto provoca uma movimentação dentária mais demorada e implica a necessidade de bastante controle na magnitude da força aplicada.

Alguns procedimentos periodontais podem prevenir recidivas ortodônticas, aumentar a estabilidade do tratamento, melhorar a estética e até

As bases biológicas para a movimentação dentária ortodôntica são as mesmas em indivíduos de diferentes faixas etárias. O movimento dentário deve, no entanto, ocorrer apenas na presença de periodonto saudável. Em casos de perda óssea, a biomecânica a ser empregada na movimentação deve ser adaptada. Forças leves e a modificação do momento de força aplicado são necessárias para se produzir um movimento comparável àquele realizado no periodonto normal. Uma ancoragem estável deve ser cuidadosamente planejada e a manutenção dos cuidados periodontais é fundamental para o sucesso da movimentação. Observando-se esses quesitos, danos de caráter iatrogênico à polpa, às raízes e aos tecidos de suporte, tendem a ser mínimos.

facilitar a higiene oral.

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capítulo 4  Inter-relação Ortodontia e Periodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

Assim, ao se observar que, por diversas razões, a faixa etária dos pacientes ortodônticos foi aumentando e associado até mesmo ao aumento da expectativa de vida da população, tornou-se importante analisar as variáveis envolvidas no tratamento desses pacientes, que, muitas vezes, têm comprometimento periodontal, os chamados pacientes orto/perio.

A superfície radicular constitui o limite mais interno do periodonto, sendo recoberto pelo cemento dental. O cemento é um tecido conjuntivo avascular e mineralizado, que possui como principal função manter as fibras do ligamento periodontal (LP) aderidas à superfície radicular. No local da junção cemento-esmalte, a espessura do cemento é de, aproximadamente, 20 a 40 µm. No entanto, variações na espessura do cemento são maiores em dentes periodontalmente envolvidos. Nenhum cemento adicional é depositado em regiões afetadas, porém regiões apicais íntegras apresentam maior aposição de cemento em resposta à maior função oclusal.

1. ANATOMIA E FISIOLOGIA DO PERIODONTO

A prática clínica da Ortodontia e Periodontia demandam um conhecimento dos aspectos fundamentais da anatomia do periodonto. Diferentes métodos de pesquisas buscam a extensão do conhecimento dos aspectos morfológicos, fisiológicos e bioquímicos do periodonto. O início e o progresso da doença periodontal são determinados por diversos fatores inter-relacionados, nos quais se incluem a patogenicidade da microflora oral, a resposta imune do hospedeiro, pré-disposição genética para o desenvolvimento da doença e fatores externos ou sistêmicos, como fumo e estresse. Apesar de a oclusão dentária poder ser visualizada sob o ponto de vista estético e funcional, ela pode predispor a reação inflamatória periodontal. Componentes anatômicos locais dos dentes e de suas estruturas de suporte estão intimamente relacionados tanto com a inflamação gengival inicial como com seu subsequente progresso para tecidos mais profundos (Fig. 1).

2.

A natureza avascular e mineralizada permite melhor resistência ao desafio bacteriano determinada pelo lipopolissacarídeo (LPS), presente na parede celular de bactérias gram-negativas que estão associadas a doenças periodontais. O LPS liga-se apenas ao cemento com estrutura mais enfraquecida. Diferentemente do osso alveolar, o cemento possui a característica de resistir à reabsorção. Essa característica protege a superfície radicular de danos quando o dente é submetido à movimentação ortodôntica.

Estrutura do epitélio juncional (EJ)

SUPERFÍCIE RADICULAR

Comprimento: 1 a 2mm Largura (lado maior): 0,15mm

Col, concavidade interpapilar

(A) Sulco gengival (SG) Dimensões histológicas - Largura: 0,15mm - Profundidade: 0 a -0,5mm

Papila interdental vestibular

Dimensões clínicas - Profundidade: 0,5 a 3mm (varia conforme penetração da sonda no epitélio juncional

Epitélio juncional Gengiva livre Gengiva inserida

(B) Junção epitelial - Lâmina basal internal (LBI) Espessura: 35 a 140nm (1nm = 10-9m) - Hemidesmossomos

Junção mucogengival Muscosa de revestimento alveolar

(C) Limite apical do epitélio juncional

Cemento radicular Ligamento periodontal Lamina cribriformis = córtex ósseo alveolar Compacta óssea Osso trasecular

a

b

 1. Desenho esquemático representando os componentes anatômicos das estruturas de suporte do dente. (Fonte: Atlas colorido de Odontologia, 2006.).

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capítulo 4  Inter-relação Ortodontia e Periodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

custos envolvem não apenas o valor financeiro, mas também dor, desconforto, mobilidade dentária, e os riscos são vistos como a possibilidade de se criar um problema que não havia antes, como descalcificação, reabsorção radicular, problemas mucogengivais e até mesmo perdas dentárias. Nesse momento, deve-se relatar também os riscos que o paciente corre caso escolha não fazer o tratamento.

Kloehn e Pfeifer analisaram o grau de gengivite pré-tratamento em um estudo prospectivo e concluíram que, após a colocação do aparelho ortodôntico, houve uma queda de 20% para 6,5% no número de pacientes que conseguiam manter uma higiene excelente. Entretanto, houve uma grande melhora nas condições gengivais 48 horas após a remoção do aparelho.

15.

OBJETIVOS IDEAIS X OBJETIVOS REALISTAS

16.

O tratamento ortodôntico de pacientes com doença periodontal controlada pode ser total ou parcial. O total é feito em apenas 10% dos adultos, seria um tratamento longo e com objetivos próximos do ideal. O parcial seria um tratamento mais curto e direcionado, buscando, por exemplo: facilitar o tratamento restaurador, posicionando os dentes de forma a permitir técnicas mais conservadoras, ideais e estéticas; melhorar a saúde periodontal eliminando áreas de difícil higienização; estabelecer proporções coroa/raiz favoráveis e melhorar o posicionamento dentário para transmitir forças oclusais na direção do longo eixo (Fig. 3).

POSSÍVEIS COMPLICAÇÕES PERIODONTAIS DECORRENTES DO TRATAMENTO ORTODÔNTICO

A presença dos dispositivos ortodônticos em proximidade com a gengiva favorece o acúmulo de placa e a dificuldade na higienização, o que pode levar a um processo inflamatório. Os efeitos vistos clinicamente podem contribuir para infecção crônica, hiperplasia inflamatória, recessão gengival, perda irreversível de inserção (perda óssea), e acúmulo excessivo de tecido. Entretanto, esses efeitos podem ser minimizados por um planejamento correto. Alguns cuidados são importantes: O acúmulo de placa nas margens das bandas e bráquetes pode causar descalcificação em caso de um controle de higiene deficiente. Entretanto, existem trabalhos que mostram que adolescentes com aparelho fixo apresentam níveis de placa iguais ou melhores do que adolescentes da mesma faixa etária sem aparelho.

O planejamento ortodôntico com objetivos ideais frequentemente, não se aplica a pacientes com periodonto comprometido. Estes precisam de um tratamento objetivo e direcionado a resolver o seu problema de forma rápida e eficaz. Três fatores devem ser considerados nesse momento:

Movimentos de inclinação podem levar placa supragengival para subgengival podendo resultar numa bolsa periodontal e defeito infraósseo.

1) Simplificação: buscar mecânicas que favoreçam a higienização pelo paciente; 2) Metas: pesar qual seria o melhor resultado possível considerando estética, estabilidade e oclusão funcional. O paciente, normalmente, busca a melhora na estética e isso nem sempre leva a um resultado estável, devendo ser discutido com o paciente para que ambas as partes assumam um compromisso com o ponto a que pretendem chegar;

O ortodontista deve se precaver quando a gengiva se mostra muito fina, pois existe o risco de que movimentos labiais estejam associados com recessão gengival. Os incisivos inferiores são os mais sujeitos à recessão devido à tábua óssea muito fina e devido ao posicionamento labial desles. Forças excessivas podem causar recessão localizada em dentes com gengiva inserida inadequada, mas essa associação é imprevisível e a relação causa-consequência ainda é inconclusiva.

3) Custo/risco-benefício: Conversar com o paciente sobre os benefícios do tratamento. Os

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capítulo 4  Inter-relação Ortodontia e Periodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

Trauma, inflamação gengival exacerbada ou deiscência do osso alveolar podem resultar em recessão gengival e perda de inserção, gerando problemas na estética, sensibilidade, perda de suporte periodontal, dificuldades em manter a higiene e aumento da susceptibilidade a cáries.

O fechamento dos espaços de extrações frequentemente, resulta em acúmulo de tecido gengival e aumento da papila interdental. Esse acúmulo tecidual pode resultar em dificuldade de controle da placa e reabertura dos espaços. As causas da reabsorção radicular vêm sendo exaustivamente estudadas e ainda não se tem uma resposta definida. Sabe-se que não se devem usar forças excessivas e que é importante ter sempre um controle radiográfico das raízes no decorrer do tratamento. Em um paciente com periodonto comprometido isso é ainda mais importante, pois pequenas reabsorções em um periodonto saudável podem não ser clinicamente significantes, mas, somadas à perda de inserção devido ao processo inflamatório, podem comprometer a longevidade do dente.

As bandas ortodônticas devem ser bem adaptadas e os bráquetes colados com cuidadosa remoção do excesso de resina. É preferível a utilização de aparelhos simples, fáceis de higienizar, para evitar que ocorra um crescimento da gengiva, mais comum nos dentes posteriores, devido à irritação mecânica das bandas, irritação química produzida pelo cimento usado nas bandas, impacção alimentar devido à proximidade do arco do tecido mole e devido à higiene deficiente.

a

b

c

d

 3. Evolução do tratamento ortodôntico em paciente com doença periodontal. Os dentes foram alinhados e nivelados

proporcionando melhores posicionamentos dentários que favorecem a higienização. Pode-se observar que os objetivos ortodônticos foram limitados com manutenção do desvio de linha média inferior.

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capítulo 4  Inter-relação Ortodontia e Periodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

a

b

c

 15. Tracionamento dos caninos superiores impactados no palato. (A) Fotos iniciais. (B) Cirurgia de exposição. (C) Fotos finais.

30.

2º PRÉ-MOLAR E 2º MOLAR INFERIORES IMPACTADOS

31.

CONSIDERAÇÕES SOBRE TECIDO FINO

Quando a tábua óssea ou o tecido se encontram muito finos, existe uma grande chance de ocorrer recessão gengival. Nada se pode fazer quanto à espessura óssea, mas se deve considerar a possibilidade de um enxerto gengival livre modificando a espessura do tecido antes de iniciar o movimento dentário (Fig. 16). Essa decisão de um enxerto preventivo vai depender do crescimento e desenvolvimento, da posição dentária, tipo e direção do movimento dentário que será feito, higiene oral, integridade da junção mucogengival, tipo de tecido, presença ou não de inflamação, inserção do freio e defeito mucogengival ou ósseo. Sempre se deve ter em mente que é mais fácil prevenir a recessão do que corrigir exposição radicular.

Dependendo da posição, uma técnica cirúrgica aberta ou fechada pode ser usada. A gengivectomia, raramente, é satisfatória no segundo molar mandibular; normalmente, é feito um retalho apicalmente reposicionado. Procedimentos periodontais auxiliares no tratamento ortodôntico Alguns procedimentos periodontais podem prevenir recidivas ortodônticas, aumentar a estabilidade do tratamento, melhorar a estética e até facilitar a higiene oral.

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capítulo 4  Inter-relação Ortodontia e Periodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

a

b

 16. (A) Foto anterior ao tratamento ortodôntico. (B) Foto após o tratamento ortodôntico com recessão gengival de incisivos e caninos inferiores.

32.

CONSIDERAÇÕES SOBRE FRENECTOMIA

32.1.

32.2.

Freio maxilar

Alguns autores recomendam que se faça uma frenectomia em crianças, acreditando que o freio maxilar cause um diastema interincisal. Muitos afirmam que a frenectomia deve ser feita antes do tratamento ortodôntico, pois o freio impediria o fechamento do espaço entre os incisivos centrais. Entretanto, deve-se ter em mente que um espaço fisiológico entre os incisivos está normalmente presente até a erupção dos caninos.

Freio mandibular

Quando um freio está associado a problemas mucogengivais, normalmente, está associado a uma zona inadequada de gengiva inserida. A inserção alta do freio contribui para recessão da gengiva marginal e isso pode ser resolvido com a colocação de um enxerto gengival livre (Fig.17).

Além disso, a frenectomia pode causar uma cicatriz capaz de impedir o fechamento do espaço. Dessa forma, a remoção cirúrgica do freio maxilar deve ser adiada até o final do tratamento ortodôntico, a não ser que ele esteja realmente impedindo o fechamento do espaço ou esteja sob trauma e com dor. A remoção pode ser indicada também quando o tratamento ortodôntico causa hiperplasia irreversível do tecido e para melhorar a estabilidade do tratamento (Fig. 18).

33. CONSIDERAÇÕES

SOBRE HIPERPLASIA GENGIVAL

O tecido gengival, frequentemente, apresenta uma resposta exagerada a fatores locais e nesses casos, é possível recorrer a uma gengivectomia para promover estabilidade e estética (Fig. 19).

 17. Freio mandibular com inserção alta causando recessão gengival dos incisivos centrais inferiores.

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Tratamento interdisciplinar das ausências dentárias

Gisele Moraes Abrahão Fernandes Marco Antonio de Oliveira Almeida Tatiana Araújo de Lima


capítulo 5  Tratamento interdisciplinar das ausências dentárias

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

Introdução O Ortodontista depara-se, muitas vezes, com pacientes que buscam tratamento ortodôntico por perdas dentárias. Alguns deles são adultos que perderam elementos dentários por cárie ou doença periodontal. Porém, muitos são crianças ou adolescentes que apresentam ausência congênita de incisivo lateral superior ou segundo pré-molar inferior, podendo ser uni ou bilateral.

Nas últimas décadas, houve um aumento significativo da busca de pacientes adultos por tratamento ortodôntico. Esse tratamento apresenta algumas vantagens em relação ao tratamento de adolescentes, uma vez que os pacientes adultos encontram-se mais colaboradores e possuem melhor higiene bucal. Entretanto, surgem outros problemas ao ortodontista que tornam esse tipo de tratamento um desafio, como as perdas dentárias, comprometimento periodontal, múltiplos elementos dentários restaurados e más posições dentárias decorrentes dos espaços edêntulos. No passado, a ortodontia não era uma opção de tratamento para ausências dentárias, somente o reparo protético com próteses fixas ou removíveis. Atualmente, com o maior incentivo à prevenção e promoção de saúde bucal, a maioria dos pacientes são livres de cáries, dificultando a preferência por próteses fixas, exigindo cada vez mais a integração entre as especialidades: ortodontia, prótese e dentística.

O maior desafio no tratamento de agenesias de incisivos laterais superiores é o alcance de melhores resultados estéticos e funcionais, e não apenas a decisão de abertura ou fechamento de espaços.

A cooperação interdisciplinar entre os ortodontistas, protesistas e especialistas em Dentística apresenta extrema importância na obtenção de resultados de excelência.

1.

OS PROBLEMAS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – AS AGENESIAS DENTÁRIAS

O princípio biológico da ausência congênita de dentes explica-se por um distúrbio durante os estágios iniciais de sua formação – iniciação e proliferação da lâmina dentária, ou seja, devido a uma falha da proliferação distal ou lingual das

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capítulo 5  Tratamento interdisciplinar das ausências dentárias

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

caninos; conveniência dos incisivos centrais e caninos como pilares; desejo do paciente; profundidade da mordida; grau de apinhamento ou de diastemas e estado da oclusão.

células do germe dental para a lâmina dental. As principais causas para a falta congênita desses dentes são: a genética; expressão de mudanças evolutivas na dentição; condições sistêmicas, como raquitismo, sífilis, severos distúrbios intrauterinos; inflamações localizadas ou infecções; displasia congênita; fatores ambientais, como irradiações, tumores, rubéola, talidomida.

O maior desafio no tratamento de agenesias de incisivos laterais superiores é o alcance de melhores resultados estéticos e funcionais, não apenas a decisão de abertura ou fechamento de espaços.

A ausência congênita de dentes, na dentição permanente, é relativamente comum com prevalência de 3,5% a 6,5%, ocorrendo com maior frequencia no sexo feminino. Os elementos dentários, frequentemente ausentes, são os terceiros molares, seguido de segundos pré-molares e incisivos laterais superiores. Entretanto, os pacientes que,com frequência procuram tratamento ortodôntico apresentando alguma agenesia, são os portadores de ausência de incisivos laterais superiores, que acomete cerca de 2% da população, e pode ser uni ou bilateral e, quando se apresenta unilateralmente, está comumente associada a incisivo lateral conoide contralateral.

1.1.

Recuperação de espaço do Incisivo lateral: reabilitação protética Casos em que o paciente apresenta agenesia unilateral, o diâmetro mesiodistal a ser recomposto define-se pelo elemento contralateral. Porém, em alguns casos, o elemento presente apresenta alterações de forma (ex. conoide), ou essa agenesia pode ser ainda bilateral. Nesses casos, o diâmetro mesiodistal do incisivo lateral superior a ser reabilitado deve ser determinado por 2 fatores: a Estética e a Oclusão. 1.1.1.

Existe uma relação estética entre o diâmero mesiodistal de incisivos centrais e incisivos laterais denominada proporção áurea (Fig. 1), que diz que o incisivo lateral deve apresentar 2/3 do diâmetro mesiodistal do incisivo central. Sabe-se que a maioria dos incisivos centrais superiores apresentam-se entre 8 e 10 mm de diâmetro, deve-se calcular o diâmetro mesiodistal dos incisivos laterais a serem recompostos.

Agenesia de incisivo Lateral superior

A ausência congênita de incisivo lateral superior é comum na prática clínica do Ortodontista. Existem 2 opções de tratamento para esses casos: o fechamento dos espaços com a mesioversão dos caninos e a transformação do canino em incisivo lateral; ou a manutenção ou a abertura dos espaços dos incisivos laterais para a reabilitação por meio de implante ou próteses fixas ou adesivas. A decisão do tratamento depende de inúmeros fatores: a idade do paciente, a condição periodontal, a margem óssea, a relação oclusal, entre outros. Porém, os resultados mais satisfatórios são atingidos quando os espaços são fechados com a movimentação para mesial dos caninos. A decisão de movimentar os caninos permanentes superiores para as posições dos incisivos laterais ausentes depende de fatores que podem influenciar o profissional no plano de tratamento, tais como: idade do paciente; conformação e posicionamento dos

 1. Proporção áurea: determinação das proporções

dentárias. (Imagem cedida pelo Dr. Carlos Alexandre Leopoldo Peersen da Câmara).

125


capítulo 5  Tratamento interdisciplinar das ausências dentárias

2.2.

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

A avaliação do perfil facial

2.3.

Após a observação do critério da oclusão, deve-se avaliar o perfil do paciente. Geralmente, sabe-se que o ideal é um perfil reto e equilibrado (Fig. 10). Porém, um perfil ligeiramente convexo ainda é aceitável. No entanto, um paciente apresentando um perfil convexo, retrusão mandibular e deficiência de mento não é um candidato para esse tipo de tratamento.

A cor e a forma dos caninos

A cor e a forma dos caninos também são fatores importantes na consideração estética do caso. Os caninos apresentam um diâmetro mesiodistal maior em relação ao diâmetro dos incisivos laterais, além de apresentarem a face vestibular com uma convexidade excessiva. Deve-se, então, planejar o desgaste nas faces vestibular, mesial e distal, tendo o conhecimento da possível exposição dentinária. Dessa forma, uma possível restauração das faces envolvidas na transformação deve ser planejada (Fig. 11).

b

b

c

d

e

f

 9. Tratamento ortodôntico de fechamento de espaço: Classe II de Angle com ausência de apinhamento dentário no arco inferior.

132


capítulo 5  Tratamento interdisciplinar das ausências dentárias

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

a

b

c

 10. Avaliação do perfil em casos de fechamento de espaços.

a

b

c

 11. Caninos com coloração e forma aceitáveis para fechamento de espaço.

133



Inter-relação Endodontia-Ortodontia

Daniel Jogaib Fernandes Marco Antonio de Oliveira Almeida Mariana de Pinho Noronha


capítulo 6  Inter-relação Endodontia-Ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

INTRODUÇÃO Um significativo aumento na procura pelo tratamento ortodôntico por pacientes adultos pode ser observado pelo ortodontista em seu cotidiano clínico. Essa maior demanda pode ser motivada por um melhor conhecimento, por parte dos pacientes, com relação aos benefícios que esse tipo de tratamento pode proporcionar, sejam eles de natureza funcional ou estética. Para atender a esse novo perfil de clientes e à realidade ortodôntica estruturada sob dentes tratados ou em tratamento endodôntico, torna-se imprescindível a abordagem interdisciplinar como instrumento para melhoria dos planos de tratamentos a serem oferecidos.

Algumas dúvidas surgem quando o tratamento ortodôntico envolve procedimentos endodônticos: quanto tempo deve-se esperar para se movimentar um dente que foi tratado endodonticamente? Podem-se movimentar dentes com lesões perirradiculares? Existe risco do desenvolvimento de reabsorção radicular quando esses dentes são movimentados ortodonticamente? Ou as alterações provocadas pela movimentação dentária induzida poderiam retardar o processo de reparo das lesões crônicas ou até mesmo exacerbar o infiltrado inflamatório presente? Dentes que foram submetidos ao tratamento endodôntico podem ser movimentados ortodonticamente, embora não haja consenso sobre os efeitos produzidos pela força ortodôntica. A reabsorção radicular é um problema comumente associado ao tratamento ortodôntico e, segundo alguns autores, sua ocorrência seria mais comum em dentes desvitalizados. Por outro lado, outros autores afirmam que dentes vitais são mais susceptíveis à reabsorção radicular em comparação a dentes tratados endodonticamente.

Sugere-se que a extrusão ortodôntica seria capaz de um reposicionamento mais rápido, com diminuição das chances de estabelecimento de anquiloses dentárias.

Além dessas dúvidas, outras permeiam a relação entre a Ortodontia e a Endodontia. No que diz respeito às alterações teciduais encontradas no tecido pulpar, observa-se um grande número de informações na literatura, porém, em geral, os estudos apresentam uma grande variação na metodologia empregada. Movimentos rápidos e intempestivos podem causar injúrias pulpares resultando, inicialmente, em respostas alteradas frente a estímulos, diretamente proporcionais à magnitude da força aplicada. Dentes traumatizados são outra razão de constante preocupação, por poderem apresentar prognóstico duvidoso e também pelo

148


capítulo 6  Inter-relação Endodontia-Ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

desconhecimento de orientações básicas que norteiam, de maneira adequada, o tratamento.

A movimentação do dente e de seu alvéolo pelo tecido ósseo é resultado da resposta celular à alteração de distorção e tensão dos tecidos adjacentes, embora o estímulo para essa resposta celular não seja totalmente conhecido. A reação tecidual à aplicação de um sistema de forças ortodônticas envolve a conversão de um estímulo puramente mecânico em uma resposta biológica, fenômeno conhecido como mecano-transdução. O ligamento periodontal age como mediador entre a carga externa, que é aplicada a um dispositivo ortodôntico e a transfere às estruturas ósseas. A força ideal necessária para desencadear o processo biológico de movimentação seria aquela capaz de estimular alterações celulares sem interferência no aporte vascular do ligamento periodontal. A magnitude dessa força, considerada como ideal, varia diretamente com a superfície ligamentar local.

Dessa maneira, este capítulo tem como objetivo esclarecer dúvidas presentes no cotidiano do ortodontista com relação a temas de abrangência endodôntica. Da mesma maneira, poderia ser um instrumento útil para endodontistas no melhor conhecimento das características, limitações e possibilidades oferecidas pela Ortodontia para uma possível interação multidisciplinar.

1.

O MOVIMENTO DENTÁRIO

O periodonto é formado por osso alveolar, cemento e ligamento periodontal, sendo sua composição delineada por fibras colágenas, vasos sanguíneos e receptores nervosos. O osso alveolar está entre os tecidos do corpo humano onde a modelação é evidente, até mesmo em adultos. Os dentes e seus respectivos alvéolos estão, permanentemente, em movimentação na busca por um posicionamento menos instável. A migração dos dentes e a modelação do osso alveolar tornam-se mais marcantes durante a movimentação ortodôntica, quando forças são aplicadas objetivando-se a obtenção de relações oclusais mais estáveis. Nesses tecidos, observam-se a ocorrência de reações biomecânicas, verificadas quando forças ortodônticas são aplicadas a um elemento dentário.

Movimentos de inclinação dentária exercem pressão máxima, próximo ao ápice e na crista alveolar oposta ao ponto de aplicação da força, com diminuição progressiva até alcançar o terço apical radicular onde se encontra o centro de resistência do elemento dentário. Nessa situação, apenas a metade do ligamento periodontal absorve toda a pressão aplicada, justificando a aplicação de forças que não excedam o intervalo de 50 a 70 gramas/força. Em situações em que se necessite de movimentos de translação, sendo que todo o ligamento é mobilizado para que um movimento de corpo seja alcançado, o patamar da grandeza a ser aplicada encontra-se entre 100 e 150 gramas/força. Extremos são observados aos movimentos de rotação e intrusão. Para a translação, devido à quase totalidade de o ligamento precisar ser atingido pela mecânica ortodôntica e seu tracionamento mantido para reorganização de suas fibras elásticas, forças superiores ao limiar de 150 gramas/ força podem ser necessárias. Para fins intrusivos, grandezas da ordem de 15 a 25 gramas/força são preferidas com o objetivo de se evitar a formação de extensas zonas avasculares em região apical assim como evitar danos à raiz e ao feixe vasculonervoso.

A modulação da intensidade de força necessária para a movimentação de um elemento dentário está diretamente relacionada com características anatômicas individuais como volume e área radicular, tamanho dentário e tipo de movimento desejado. Clinicamente, a determinação de uma força ideal individualizada para cada elemento dentário torna-se inviável. Tenta-se definir qual dente e o tipo de movimento necessário, fazendo uso, para isso, de uma força inicial de baixa intensidade. O objetivo de se iniciar a movimentação com forças de baixa intensidade seria estimular a atividade celular sem causar compressão tecidual excessiva, além de preparar os tecidos suporte para possíveis mudanças posteriores.

Nos estudos realizados no século XX, sobre a movimentação dentária, as descrições das reações teciduais a estímulos mecânicos provocados por

149


capítulo 6  Inter-relação Endodontia-Ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

TABELA 1 – Correlação entre a consequência apresentada, o tipo de tratamento adequado para tal situação, e a possibilidade de realização de tratamento ortodôntico. CONSEQUÊNCIA

CONTRA-INDICAÇÃO PARA TRATAMENTO ORTODÔNTICO

TRATAMENTO

Necrose pulpar

Tratamento endodôntico convencional

Não.

Obliteração pulpar

Observação

Não.

Reabsorção interna

Tratamento endodôntico convencional ou, se o defeito for grande, trocas de hidróxido de cálcio

Não.

Reabsorção externa Inflamatória paralisada

Observação

Não.

Reabsorção externa Inflamatória não paralisada

Limpeza do sistema de canais radiculares + trocas de hidróxido de cálcio até a paralisação do processo

Sim. Até ser constatada paralisação do processo

Reabsorção externa Substitutiva transitória

Cessa sozinha, com a cicatrização do tecido periodontal

Não. Com acompanhamento rígido durante o tratamento

Reabsorção externa substitutiva permanente

Não existe tratamento

Sim

Reabsorção externa tardia

Curetagem do tecido granulação da raiz e osso + restauração da porção reabsorvida Extrusão Extração

Depende da técnica cirúrgica e do defeito ósseo resultante. Se realizado, deve ter controle rígido.

Anquilose

Acompanhamento Extração

Sim

Cicatrização de fratura horizontal por tecido duro

Não requer um procedimento específico

Não

Cicatrização de fratura horizontal por tecido conjuntivo

Observação

Depende do nível de fratura

Cicatrização de fratura horizontal por tecido de granulação

Tratamento endodôntico convencional

Sim Até a constatação da cura

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capítulo 6  Inter-relação Endodontia-Ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

TABELA 2 – Correlação entre o tipo de trauma, o tempo de espera até o início do tratamento ortodôntico e os movimentos que apresentaram menor e maior risco para o desenvolvimento de complicações.

TIPO DE TRAUMA

Fratura coronária não complicada

TEMPO DE ESPERA P/ INÍCIO DO TRAT. ORTODÔNTICO

Três meses

MOVIMENTOS DE MENOR RISCO

MOVIMENTOS DE MAIOR RISCO

Não há diferença

Não há diferença

Não há diferença

Não há diferença

Três meses** Fratura coronária não complicada

Após visualização de barreira de tecido duro*

Fratura radicular horizontal

Um a dois anos

Se a cura ocorreu com formação de tecido duro, não há diferença

Cura com deposição de tecido conjuntivo, dente deve ser tratado como tendo raiz curta

Concussão

Três meses

Não há diferença

Não há diferença

Subluxação

Três meses

Qualquer movimento pode ser realizado com aplicação de forças leves e monitoramento constante

Qualquer movimento pode ser realizado com aplicação de forças leves e monitoramento constante

Luxação Lateral

Três meses* a um ano**

Translação Extrusão Rotação

Intrusão Torque Ancoragem de elásticos intermaxilares

Um ano

Translação Extrusão Rotação

Intrusão Torque Ancoragem de elásticos intermaxilares

Um ano*

Todos os movimentos requerem cuidados pois periodonto foi seriamente lesionado

Intrusão Torque Ancoragem de elásticos intermaxilares

Um ano

Qualquer movimento pode ser realizado com aplicação de forças leves e monitoramento constante

Qualquer movimento pode ser realizado com aplicação de forças leves e monitoramento constante

Um ano

Todos os movimentos requerem cuidados, pois periodonto foi seriamente lesionado

Intrusão Torque Inclinação Ancoragem de elásticos intermaxilares

Luxação Extrusiva

Luxação Intrusiva

Avulsão com reimplante imediato (até 30 min ou até 2h se em solução salina)

Avulsão com reimplante tardio

Os tempos sem * são consenso na literatura, quando não há consenso, as recomendações de Atack et al. são precedidas por * e as de Malmgren et al. por **.

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Aplicações do laser na Ortodontia

David Normando Andréa Sasso Stuani


capítulo 7  Aplicações do laser na Ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

INTRODUÇÃO Nos últimos anos, avanços tecnológicos têm permitido um desenvolvimento científico sem precedentes na Ortodontia: o desenvolvimento das novas ligas utilizadas nos arcos de nivelamento, a introdução dos mini-implantes na mecânica contemporânea, o desenho promissor dos braquetes autoligáveis e a melhor acuidade e ampliação da capacidade diagnóstica introduzidas pela tomografia 3D, além das diversas possibilidades de aplicação do laser.

O laser vem sendo utilizado em inúmeros campos da ciência ortodôntica: no diagnóstico, por meio da obtenção de imagens tridimensionais da face e dos modelos ortodônticos; no tratamento, por meio do controle das odontalgias, na reparação tecidual, na aceleração do movimento ortodôntico; e no prognóstico, por meio das avaliações tridimensionais das alterações de crescimento da arcada dentária e da face e das alterações decorrentes do tratamento ortodôntico ou ortocirúrgico. A despeito desse enorme leque de possibilidades, apenas alguns poucos ortodontistas utilizam o laser rotineiramente na prática clínica. Um dos motivos para esse fato deve estar relacionado ao seu alto custo, mas o desconhecimento das aplicações clínicas do laser e dos seus mecanismos de formação e ação deve ser, provavelmente, o principal motivo desse desinteresse. Assim sendo, mesmo para o ortodontista clínico, objetivo precípuo deste livro, faz-se necessário entender alguns princípios básicos do laser.

A difusão será máxima nos tecidos cujas partículas têm as mesmas dimensões que o comprimento de onda, e dependente dos cromóforos absorvedores (hemoglobina, melanina) e de sua distribuição espacial.

1. PRINCÍPIOS

DE FORMAÇÃO DO LASER

A palavra laser é um acrônimo de origem inglesa para “Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”, cuja tradução para a língua portuguesa seria Amplificação da Luz por Emissão Estimulada de Radiação. Trata-se, portanto, de um processo de amplificação da luz — uma forma de energia eletromagnética visível que tem como unidade básica o fóton (Phŏto-, em grego, Luz). A luz ou radiação eletromagnética de um laser representa um fluxo luminoso de alta intensidade de

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capítulo 7  Aplicações do laser na Ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

energia que é produzido, artificialmente, a partir de uma fonte, que estimula um grande número de elétrons em repouso, os quais são capazes de produzir fótons de luz, numa ação repetida de emissão de energia, gerando uma luz intensa e colimada.

característica é importante devido à absorção seletiva pelos tecidos do corpo. Essas características da radiação laser, em particular a coerência e a colimação, não parecem ser cruciais em seu uso na área da saúde, uma vez que são rapidamente degradadas pela reflexão, quando o raio passa pelo tecido (Fig. 3). Por sua vez, os efeitos biológicos do laser operando em baixa potência dependem principalmente de sua monocromaticidade e da fluência, pois a absorção no tecido é específica em relação ao comprimento de onda, ou seja, cada comprimento de onda terá uma interação específica dependendo do tecido alvo e da fase de crescimento celular no momento da irradiação.

O laser é, portanto, um processo de formação de energia estimulada. Esse processo inicia-se quando um fóton de um determinado comprimento de onda (λ) entra no campo eletromagnético de um átomo que se encontra em seu estado fundamental (menor energia). Esse fóton desencadeia a mudança do elétron para um nível de maior energia, mais distante do núcleo do átomo (Fig. 1A). O elétron excitado pelo fóton retorna ao seu estado inicial (Fig. 1B), em direção ao núcleo do átomo, liberando um segundo fóton (Fig. 1C), que desencadeia a liberação de mais dois fótons em átomos próximos (Fig. 1D, 1E), os quais, por sua vez, causam a liberação de quatro fótons, e assim sucessivamente. Dessa forma, num espaço reduzido — a cavidade do laser —, essa cadeia de fótons produz a emissão, na velocidade da luz, de um feixe de luz intenso em uma única direção (Fig. 1F), monocromático e coerente (Fig. 2).

2. A

INTERAÇÃO LASER X TECIDOS

Quando o laser incide em um tecido biológico, pelo fato de serem estruturas pouco homogêneas do ponto de vista óptico, uma parte da luz é espalhada, outra parte é refletida dentro do tecido, uma parte da luz é absorvida e, finalmente, uma parte da luz pode ser transmitida ao longo de toda a espessura do tecido (Fig. 3). A difusão será máxima nos tecidos cujas partículas têm as mesmas dimensões que o comprimento de onda, e dependente dos cromóforos absorvedores (hemoglobina, melanina) e de sua distribuição espacial.

O laser é um tipo de fonte luminosa com características bastante distintas daquelas observadas em uma luz fluorescente ou em uma lâmpada comum, devido, principalmente, a três características:

Nos tecidos, as células têm um limiar de sobrevivência que depende de seu estado fisiológico. Quando se trabalha respeitando o limiar de determinada célula, se oferece uma intensidade de energia que será utilizada pela célula de maneira a estimular sua membrana, ou suas mitocôndrias. Dessa forma, a célula é induzida à biomodulação, ou seja, ela trabalhará buscando um estado de normalização fisiológica. Esse processo é denominado laserterapia. Suas principais indicações são os quadros patológicos em que se gostaria de uma melhor qualidade e maior rapidez do processo reparativo (quadros de pós-operatório, reparação de tecido mole, ósseo ou nervoso), quadros de edema instalado (onde se busca uma mediação do processo inflamatório) ou nos quadros de dor (crônicas ou agudas).

• A unidirecionalidade, ou colimação: o feixe de fótons é paralelo ao eixo do tubo que produz esse tipo de energia; a luz laser possui divergência angular muito pequena, portanto, toda a energia do laser concentra-se precisamente em um ponto focal (Fig. 2A). • A coerência: as ondas viajam ordenadamente em relação ao tempo, e suas amplitudes são iguais. A coerência mantém-se ao longo do tempo e do espaço (Fig. 2B). • A monocromaticidade: a luz laser é composta por fótons com o mesmo comprimento de onda (λ), o que lhe proporciona uma cor única (Fig. 2C). É, portanto, uma luz pura. Essa

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capítulo 7  Aplicações do laser na Ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

mandibular e, segundo os autores, esse método poderia ser utilizado clinicamente para acelerar o crescimento em casos de retrognatismo mandibular.

7.

EMPREGO DO LASER COM FINALIDADE NÃO TERAPÊUTICA

Além dos seus efeitos terapêuticos, o laser pode, ainda, ser utilizado: 6.3.

Reparação de úlceras traumáticas em pacientes ortodônticos

- No diagnóstico de lesões de manchas brancas, em pacientes ortodônticos. - No processo de colagem e descolagem de braquetes ortodônticos. - Na obtenção e armazenamento de imagens tridimensionais da face e de modelos.

O uso do laser como auxiliar no processo de reparação de úlceras bucais é amplamente divulgado na literatura. Em pacientes fazendo usos de aparelhos ortodônticos fixos, o surgimento de úlceras traumáticas nas mucosas é fato bastante comum. Nesses casos, o laser atua com um efeito analgésico, anti-inflamatório e reparador tecidual. Sua aplicação deve ser pontual no centro da lesão, para efeito analgésico; e de varredura ao longo da lesão, com sobre-extensão de 0,5 cm, para estimular a reparação. A dosimetria deve ser de 2 J/cm² no centro da lesão, e de 2 a 4 J/cm² ao redor dessa (Fig. 4), com frequência de aplicação de duas a três vezes por semana e intervalo de 24 horas entre as sessões, até a melhora da sintomatologia dolorosa e total reparação.

7.1.

Diagnóstico de lesões de manchas brancas, em pacientes ortodônticos

A quantidade de luz produzida pelo laser permite um adequado monitoramento das alterações minerais nas lesões de esmalte incipientes, de grande valor para a avaliação das medidas preventivas a serem utilizadas em pacientes propensos ao desenvolvimento de lesões cariosas, como é o caso de pacientes ortodônticos não colaboradores e com higienização bucal deficiente.

Um estudo clínico randomizado avaliou a eficácia de uma sessão única de laser de CO2 não térmico no alívio da dor em pacientes com estomatite aftosa. A redução do nível de dor foi significativamente maior nas aftas que receberam a aplicação do laser. O procedimento de aplicação não produzia aumento significativo na temperatura da lesão ou qualquer mudança visual na mucosa bucal.

O sistema de laser fluorescente é um sistema não invasivo que se baseia no princípio da fluorescência do laser, no qual substâncias duras desmineralizadas e bactérias fluorescem quando excitadas por radiação laser com comprimento de onda entre 500 e 670 nm. Ao irradiar a luz laser, observa-se uma imagem fluorescente, com uma cor diferente (mais escura) na região da lesão de mancha branca. Poucos modelos comerciais de lasers com finalidade de diagnóstico de desmineralizações têm sido apresentados. Provavelmente o sistema mais conhecido seja o DIAGNOdent (KaVo, Biberach, Alemanha), um laser de diodo de 655 nm aplicado por meio de uma ponteira flexível. Entretanto, tem-se questionado a eficácia desse sistema no diagnóstico de manchas brancas ou lesões de cárie em pacientes ortodônticos, quando comparado à análise clínica visual.

 4. Aplicação pontual do laser com finalidade analgésica.

174


capítulo 7  Aplicações do laser na Ortodontia

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

Em contraste, no exame de um modelo mais recente — DIAGNOdent Pen (KaVo, Biberach, Alemanha), que faz uso de uma caneta de laser pela qual é possível avaliar o grau de desmineralização da estrutura dentária por meio de uma escala numérica —, os autores enfatizam a sua eficiência no diagnóstico das desmineralizações adjacentes aos acessórios ortodônticos.

ácido do esmalte. Por outro lado, diversos estudos revelam que a redução da potência do laser, seja utilizando-se o Er,Cr:YSGG ou o laser de argônio, compromete significativamente a força de adesão.

emprego do laser na polimerização de adesivos

8.2. O

O uso de adesivos fotopolimerizáveis tem se tornado o método mais popular de colagem, devido à sua facilidade de aplicação e pelo tempo proporcionado para o adequado posicionamento dos braquetes. Entretanto, alguns clínicos relutam em modificar sua conduta clínica, devido ao maior tempo de cadeira necessário para a colagem de braquetes utilizando-se os fotopolimerizadores convencionais, com os quais o tempo de polimerização é de 40 segundos por dente, ou seja, cerca de 13 a 14 minutos para colagem dos braquetes em ambas as arcadas. O laser de argônio pode polimerizar os adesivos ortodônticos fotopolimerizáveis com uma velocidade quatro vezes maior do que os fotopolimerizadores convencionais — com a mesma, ou até maior, força de adesão.

APLICABILIDADE DO LASER NA COLAGEM E DESCOLAGEM DE BRAQUETES ORTODÔNTICOS

8. A

uso do laser como substituto do condicionamento ácido

8.1. O

O condicionamento do esmalte por meio do uso do ácido fosfórico é um método consagrado no processo de colagem dos acessórios ortodônticos. Contudo, uma desvantagem é o risco de descalcificação, que torna o esmalte mais suscetível ao ataque da cáries. O condicionamento do esmalte por meio do laser inibe a formação da cáries dentárias, característica que pode ser muito importante para o ortodontista. Pelo fato de que a lavagem com água e a secagem com ar são passos desnecessários no condicionamento do esmalte com o laser, tem sido proposto que os erros relativos a esse procedimento, assim como o tempo de cadeira, podem ser reduzidos com o emprego dessa tecnologia.

Também tem sido reportada uma menor frequência de fratura de esmalte após a descolagem dos braquetes quando o laser de argônio é utilizado para a polimerização de acessórios ortodônticos, assim como uma menor temperatura da câmara pulpar durante a fotopolimerização. Outra característica atribuída ao uso do laser de argônio durante a polimerização de braquetes ortodônticos é o aumento da resistência do esmalte à formação de manchas brancas.

A eficiência do condicionamento do esmalte dentário utilizando-se algum tipo de laser tem sido comprovada cientificamente. Estudos in vivo e in vitro têm ratificado que, comparativamente, o laser proporciona uma adesão semelhante à do condicionamento ácido convencional. Entretanto, o laser é capaz de aumentar a eficiência do processo por meio da redução da quantidade de microinfiltração sob o braquete e diminuição do tempo de cadeira.

O laser de argônio possui um comprimento de onda entre 454 e 514 nm, uma potência de 200 a 300 mW, sendo utilizado para polimerização da resina ortodôntica por um tempo de 5 segundos, o que equivale a 40 segundos da luz utilizada nos fotopolimerizadores convencionais.

Essa forma de condicionamento do esmalte tem sido realizada com diversos tipos de lasers: o mais utilizado é o laser Er,Cr:YSGG que, com potência entre 1 e 2 W por 15 segundos, tem mostrado resultados semelhantes aos do condicionamento

175



Fios ortodônticos: indicação e aplicação clínica

Ione Helena Vieira Portella Brunharo Cátia Cardoso Abdo Quintão


capítulo 8  Fio ortodônticos: indicação e aplicação clínica

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

INTRODUÇÃO A mecânica ortodôntica é baseada no princípio da acumulação de energia elástica e transformação dessa energia em trabalho mecânico, pela movimentação dos dentes em direção, sentido e magnitude controlados. Cada ajuste do aparelho armazena e controla o mecanismo de transferência de energia e distribuição das forças. Um ótimo controle do movimento dentário requer a aplicação de um sistema de forças específico, que é devidamente guiado pelos de acessórios, alguns diretamente ligados aos dentes, como os bráquetes, e outros que se encaixam a estes, tais como os fios ortodônticos. Portanto, a carga a ser aplicada ao dente depende das propriedades mecânicas dos fios e compreendê-las, faz com que se obtenham movimentos mais eficientes com o mínimo de danos aos dentes e tecido de suporte do paciente.

Diante da inúmera variedade de marcas de fios ortodônticos disponível no mercado, torna-se imprescindível aos ortodontistas se capacitararem para fazer a melhor escolha para o seu uso clínico. Os fios ortodônticos são compostos por diferentes ligas metálicas. A evolução desses materiais permitiu que diferentes técnicas e protocolos de tratamento pudessem suprir as novas necessidades clínicas da especialidade. Partindo das ligas de ouro, praticamente não mais usadas, passando pelos fios de aço inoxidável, cujo uso resiste ao tempo, chega-se aos fios mais resilientes como os de níquel-titânio superelásticos, termodinâmicos e com adição de cobre, além das ligas de betatitânio, ligas metálicas com cobertura estética e mais recentemente os fios de compósitos. O ortodontista deve compreender o impacto psicológico positivo de acessórios estéticos na visão do paciente adulto, podendo obter o maior proveito possível dos benefícios do avanço tecnológico nessa área.

A boa conformabilidade dos arcos de aço e o baixo coeficiente de fricção nos bráquetes metálicos permitem a sua utilização na fase de retração utilizando arcos de fechamento onde são incorporadas alças ao fio permitindo o controle do torque, da sobremordida e da sobressaliência.

1. BREVE

HISTÓRICO DOS FIOS ORTODÔNTICOS

Desde quando os primeiros profissionais vislumbraram a possibilidade de promover a movimentação dentária, esta era obtida pelo apoio dos dentes a fios. Edward Angle foi, indubitavelmente, o patrono da Ortodontia, que completou 100 anos como especialidade em 2000. Até o início da década de 30, a liga de ouro (tipo IV) foi a mais empregada na

184


capítulo 8  Fio ortodônticos: indicação e aplicação clínica

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

fabricação de acessórios e fios ortodônticos. Eram compostas por ouro (60%), cobre (15%); prata (15%), além de platina, zinco e níquel. Entretanto, o baixo limite de escoamento, a elasticidade limitada e o alto custo reduziram seu uso clínico em todo o mundo (Fig. 1A, 1B).

Os fios de aço inoxidável mantiveram sua popularidade graças ao equilíbrio entre rigidez, resiliência e formabilidade. Fatores econômicos, indubitavelmente, influenciaram essa vasta aceitação do aço em relação ao ouro. No Brasil, o aço inoxidável passou a ser utilizado para acessórios ortodônticos entre o final da década de 40 e o início da década de 50. Até tal época, os aparelhos ortodônticos fixos eram ainda confeccionados em ouro. O aço inoxidável é toda liga metálica de ferro-carbono com adição de cromo. A resistência ao deslustre e à corrosão dos aços inoxidáveis deve-se ao efeito apassivador do cromo, sob a forma de óxido crômico (Cr2O3), que se forma na superfície dos aços inoxidáveis quando expostos às situações de desgaste. Existem, basicamente, três tipos de aço inoxidável, classificados de acordo com sua estrutura cristalina.

a

Os aços inoxidáveis austeníticos 18-8, 302 e 304 são os mais utilizados em Ortodontia. Os fios de aço inoxidável possuem menor custo que o ouro com maiores limites elástico e módulo de elasticidade. Para serem utilizados retos, aplicam-se as condições nas quais fios mais rígidos são necessários, como nas fases de fechamento de espaços e de finalização. Para a fase de alinhamento e nivelamento dentário, mesmo fios de aço de menor secção transversal resultam em altas cargas, o que não é condizente com níveis fisiológicos de forças. Nessa etapa do tratamento ortodôntico, o uso de fios de aço é possível com a incorporação de alças para aumentar a faixa de ativação do fio e “camuflar” a baixa resiliência e a alta rigidez do material. A desvantagem do uso alças é que estas estão sujeitas à perda da forma original, alterando os vetores de direção de força. Podem ainda dificultar a higienização por reter alimentos e, se não forem bem posicionadas, podem provocar lesões nos tecidos moles adjacentes (Fig. 2, 3).

b

 1. (A) Bráquete de ouro platino soldado na fita de ouro, com maçarico. (B) Vista aproximada da banda, bráquete e pino em liga de ouro com sistema pin-and-tube, utilizada na década de 40. (Fonte - Material pertencente ao professor Dr. Helio de Oliveira Fernandes (in memorian), gentilmente cedido pelo professor Alvaro Fernandes).

Os aços inoxidáveis tiveram sua primeira aparição em Ortodontia em 1929, quando a empresa americana Renfert Company começou a vender fios dessa liga, produzida pela empresa alemã Krupp. No Congresso da AAO de 1931, Norris Taylor e George Paffenbarger introduziram o aço como substitutivo ao ouro, alegando possuir maior resiliência e menor possibilidade de rompimento sob tensão. Em 1933, o fundador da empresa Rocky Mountain, Archie Brusse, sugeriu o primeiro sistema de aplicação clínica do aço inoxidável em Ortodontia.

A liga de cromo-cobalto foi desenvolvida na década de 40 e é composta por cobalto (40%), cromo (20%), prata (16%) e níquel (15%). Na década de 60, as ligas de cromo-cobalto foram introduzidas na Ortodontia e patenteadas como Elgiloy, pela Rocky Montain Orthodontics.

185


capítulo 8  Fio ortodônticos: indicação e aplicação clínica

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

 7. Aparelho cerâmico colado em ambas as arcadas, ilustrando a diferença entre o fio estético no arco superior e o de aço no arco inferior.

Quadro 1 - Fases da evolução dos fios ortodônticos de acordo com a cronologia proposta por Evans e Durnning (1996), modificada. FASES

LIGAS

CRONOLOGIA

Ouro

Da virada do último século ao início da década de 30

Aço inoxidável

Década de 40 em diante

NiTi estabilizado

Década de 70 em diante

Beta-titânio

Década de 80 em diante

FASE III

NiTi superelástico (austenítico ativo)

1985 em diante

FASE IV

NiTi termodinâmico (martensítico ativo)

Década de 90

FASE V

NiTi gradualmente termodinâmico

Década de 90

FASE VI

Fios estéticos revestidos

Década de 90

FASE VII

Fios de compósito polimérico, revestidos Em estudos laboratoriais desde 1994 e comercialmente disponíveis com fibra de vidro no início do século XXI

FASE I

FASE II

190


capítulo 8  Fio ortodônticos: indicação e aplicação clínica

ORTODONTIA EM UM CONTEXTO MULTIDISCIPLINAR

3. PROPRIEDADES

MECÂNICAS DOS FIOS ORTODÔNTICOS

Na tentativa de se aperfeiçoar o ambiente biológico para a movimentação dentária e minimizar o desconforto do paciente, o início do tratamento, frente a discrepâncias dentárias, requer fios de baixa rigidez para produzir forças suaves, à medida que os dentes são nivelados e alinhados. Baixa rigidez é desejável por gerar força mais leve e constante, durante o tempo de desativação do arco bem como por garantir maior precisão e facilidade de aplicação de força.

3.1. Resiliência

É a capacidade de um metal armazenar energia, quando deformado elasticamente, e liberá-la quando descarregado. Representa o trabalho armazenado, disponível no fio para mover os dentes durante a desativação. Uma alta energia acumulada com baixa carga é ,obviamente, desejável, uma vez que a energia resultante permitirá que a força gerada, durante a liberação da energia elástica armazenada, seja contínua por um período de tempo muito mais longo (Fig. 8).

3.3. O

que é limite elástico

3.2. Módulo

Na deformação elástica, os átomos mantêm suas posições relativas e, portanto, reversível e proporcional à tensão aplicada. Quando os átomos, que constituem o material, se deslocam permanentemente, ocorre a deformação plástica e o material não retorna mais à sua forma original. Alto limite elástico é desejável para impedir que forças mastigatórias aplicadas ao fio induzam à deformação plástica ou que os mesmos se fraturem.

O limite elástico é definido como a tensão acima da qual o metal não recuperará sua forma original após o descarregamento (Fig. 10). E a tensão que define o final da região elástica e início da plástica.

de elasticidade/rigidez

O módulo de elasticidade é a medida da rigidez do material. É determinado pelas forças de ligação entre os átomos do material e, como essas forças, são constantes para cada estrutura metálica, o módulo de elasticidade é uma das propriedades mais constantes dos metais. Rigidez representa a magnitude da força necessária para se fletir o fio (Fig. 9).

a

b

 8. Alinhamento do canino com fio ortodôntico de níquel titânio .016” demonstrando a resiliência.

191


“Com muito rigor científico, são apresentados tópicos diferenciados, como Diagnóstico 3D em Ortodontia, aspectos psicológicos das más oclusões, distúrbios respiratórios do sono, aplicação clínica do laser na Ortodondia; também capítulos envolvendo a interdisciplinaridade com a Periodontia e Endodontia no estudo das ausências dentárias. A Ortodontia brasileira fica enriquecida com o surgimento de uma nova obra de conteúdo tão esmerado, e os colegas ortodontias ficam convidados à sua leitura. Que ela possa ser útil em algum momento de sua formação profissional e em suas tomadas de decisões no dia a dia do atendimento ao paciente ortodôntico.” Jonas Capelli Junior

Av. Dr. Luiz Teixeira Mendes, 2726 - Zona 5 CEP 87015-001 - Maringá - Paraná Telefone/Fax: (44) 3031-9818 dental@dentalpress.com.br / www.dentalpress.com.br


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