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Artigo Inédito

Avaliação do nível educacional em Ortodontia em alunos de graduação: reconhecimento das características da má oclusão de Classe II, divisão 1 de Angle Cristiane Canavarro*, José Augusto Mendes Miguel**, Cátia Cardoso Abdo Quintão**, Myrna de Faria Magalhães Torres***, Juliana de Paiva Moura Ferreira****, Ione Helena Vieira Portella Brunharo*****

Resumo Objetivo: verificar a capacidade de alunos de graduação em diagnosticar a má oclusão do tipo Classe II de Angle, assim como avaliar a conduta clínica dos estudantes frente a um paciente com tal alteração. Métodos: a amostra foi composta por 138 alunos do último período de graduação de 10 faculdades de Odontologia do estado do Rio de Janeiro, avaliados por meio de questionários com perguntas fechadas. Foram-lhes apresentados modelos de estudo e fotografias de paciente em fase de dentição mista que apresentava má oclusão Classe II de Angle, com trespasses horizontal e vertical aumentados, linhas médias dentárias não coincidentes e presença de diastemas anterossuperiores. Resultados: constatou-se facilidade por parte dos estudantes em identificar trespasse horizontal aumentado (92% dos alunos), seguido da presença de diastemas (89%), desvio das linhas médias (84,7%) e trespasse vertical aumentado (77,3%). Em contrapartida, aproximadamente metade da amostra (n=70 ou 51% dos alunos) foi capaz de reconhecer a má oclusão de Classe II de Angle bilateral. Quase a totalidade concordou com a necessidade de tratamento e que esse deveria ser realizado por um especialista (n=131 ou 95%); porém, encontraram dificuldade em reconhecer o momento ideal para início do tratamento ortodôntico — 48,9% da amostra optariam pelo início do tratamento ao final da dentição mista; 41,7% o indicariam na dentição decídua; e 7,9%, na dentição permanente. Conclusão: os estudantes terminam o curso de graduação com dificuldade no diagnóstico de Classe II e nem mesmo articulam ideias sobre um protocolo básico de tratamento para correção dessa má oclusão. Palavras-chave: Ortodontia interceptora. Má oclusão de Classe II de Angle. Diagnóstico.

Como citar este artigo: Canavarro C, Miguel JAM, Quintão CCA, Torres MFM, Ferreira JPM, Brunharo IHVP. Avaliação do nível educacional em Ortodontia em alunos de graduação: reconhecimento das características da má oclusão de Classe II, divisão 1 de Angle. Dental Press J Orthod. 2012 Jan-Feb;17(1):52.e1-10.

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

* Professora convidada da Disciplina de Ortodontia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). ** Professores Adjuntos da Disciplina de Ortodontia da UERJ. *** Especialista em Ortopedia Funcional dos Maxilares pela ABOM. **** Especialista em Ortodontia pela UERJ. ***** Professora convidada da Disciplina de Ortodontia da UERJ.

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INTRODUÇÃO O diagnóstico da má oclusão de Classe II é complexo e crítico, pois pode ocorrer devido a uma diversificação das estruturas esqueléticas envolvidas, associada a problemas dentoalveolares. Além disso, a identificação das alterações dos componentes sagitais e verticais maxilomadibulares isolados ou combinados22 envolve a habilidade do ortodontista para a opção da melhor solução terapêutica. Para o planejamento ortodôntico desses pacientes, é importante o conhecimento sobre o crescimento dos ossos faciais2,19 e a determinação do estágio de maturação esquelética do indivíduo. Muitas vezes a idade cronológica e a cronologia de erupção dentária são tidas como importantes avaliadores para identificação da maturação esquelética; no entanto, esses são considerados métodos imprecisos, pois normalmente não coincidem com a idade óssea do paciente4,6. O melhor meio para se avaliar o desenvolvimento esquelético é através das radiografias de mão e punho6,27 e cefalométrica lateral com visualização das vértebras cervicais.21 De maneira geral, o surto de crescimento puberal ocorre entre os 9 e 12 anos nas meninas e entre os 11 e 13 anos nos meninos 20. Dessa forma, o ortodontista poderá tratar essa má oclusão em três momentos do desenvolvimento do indivíduo: pré-puberdade; fase do surto de crescimento puberal, para produzir mudanças dentoalveolares e esqueléticas; ou idade adulta, quando não há mais crescimento. É importante que o clínico saiba distinguir esses três momentos, pois interferem na conduta terapêutica à qual o seu paciente será submetido quando indicado para o especialista. Para os pacientes que apresentam alterações no desenvolvimento maxilar, os aparelhos do tipo extrabucal, como o de Kloehn e o de Thurow, são os mais indicados para controle do crescimento16. De acordo com o padrão facial, os pacientes em crescimento poderão ser submetidos a procedimentos distintos. O aparelho extrabucal de tração cervical (Kloehn) é indicado para casos de protrusão maxilar e dimensão vertical reduzida e seus

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efeitos são: distalização e extrusão dos molares superiores, restrição do crescimento da maxila, aumento da dimensão vertical, rotação da mandíbula no sentido horário e inclinação anterior do plano palatal16. Já o splint maxilar, ou extrabucal de Thurow, age sobre a maxila devido ao aumento da área para a aplicação de forças, oferecendo controle da direção e localização da força aplicada, restringindo o deslocamento anteroinferior da maxila e a rotação horária da mandíbula24. Para os pacientes com má oclusão de Classe II devido a uma deficiência do crescimento anterior da mandíbula, as terapias propostas geralmente estão associadas a aparelhos funcionais, que teriam por finalidade estimular o seu desenvolvimento anterior para correção da discrepância sagital dos maxilares30. Esses aparelhos poderiam auxiliar no tratamento dessas más oclusões através da remodelação do côndilo e da cavidade glenoide, assim interferindo no desenvolvimento e crescimento facial. Entretanto, a existência de acréscimos nos incrementos do crescimento mandibular durante a fase ativa do tratamento com esses aparelhos e a estabilidade dessas alterações são, ainda, importantes questionamentos a serem respondidos29. Assim sendo, a opção pela intervenção terapêutica para a correção das más oclusões de Classe II ocorre em uma grande gama de abordagens e tipos de tratamentos, cabendo ao ortodontista julgá-las criteriosamente, adequando-as às necessidades do paciente23. Ainda para pacientes portadores de má oclusão de Classe II em crescimento, dois protocolos de tratamento ortodôntico são preconizados. O primeiro, chamado de tratamento em duas fases, é iniciado quando o paciente encontra-se na pré-adolescência (fase pré-surto puberal), e o objetivo de sua primeira fase é a correção da discrepância esquelética e da relação molar25, realizada por meio de aparelhos ortopédico-funcionais ou extrabucais. A seguir, durante o surto de crescimento puberal, é realizada a segunda fase, onde o tratamento ortodôntico fixo aprimora a oclusão.

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a necessidade de compensação dentária5,10,28. Entretanto, atualmente há controvérsias sobre essas vantagens. Quanto à questão da diminuição da frequência de trauma em incisivos superiores, por exemplo, recentes pesquisas demonstraram que essa prevenção seria somente obtida quando o tratamento é iniciado excessivamente cedo, aumentando o tempo de Ortodontia15,25. Assim, os que advogam o tratamento em uma única fase argumentam, também, que a pouca atividade do crescimento antes da fase do surto puberal aumentaria a duração e o custo de tratamento, reduzindo o nível de cooperação dos pacientes, uma vez que não há evidências científicas que sustentem a possível superioridade dos resultados finais obtidos com uma intervenção precoce13,22,25. A análise do custo/benefício do tratamento em duas fases mostrou que pelo menos 90% de todos os pacientes em crescimento poderiam ser tratados com sucesso em apenas uma fase, a qual deve ser iniciada durante a dentição mista tardia, identificada pela exfoliação de todos os dentes decíduos, com exceção do segundo molar. Esses achados reforçam que a indicação precoce (pré-surto puberal) não demonstra, necessariamente, diferenças favoráveis nos resultados dos tratamentos ortodônticos para Classe II, frente à indicação do tratamento durante o surto puberal9. O presente trabalho tem como objetivo avaliar o grau de conhecimento em Ortodontia de alunos cursando o último período de graduação nas instituições de ensino de Odontologia do estado do Rio de Janeiro. Para isso, utilizou-se um questionário abordando a capacidade de diagnóstico, o reconhecimento das características típicas de um paciente apresentando Classe II de Angle, como também a conduta clínica e a época ideal para tratamento ortodôntico.

O segundo protocolo seria o tratamento em uma fase, na qual o profissional só começa a correção no início de surto de crescimento puberal, onde as correções esqueléticas e dentárias seriam realizadas simultaneamente9. Na tentativa de avaliar a eficácia desses dois protocolos de tratamento para Classe II, importantes estudos foram realizados com grandes amostras clínicas e enfocando os resultados comparativos entre o tratamento ortodôntico em uma e em duas fases8,14,22,25,30. De forma geral, essas pesquisas compararam três grupos: dois tratados e um controle, de forma a avaliar o efeito do tratamento e do crescimento. Os grupos tratados realizaram uma primeira fase com um aparelho extrabucal (puxada alta, Kloehn ou Thurow) e um aparelho funcional (Fränkel, Bionator ou placa de batente), seguida de uma segunda fase com Ortodontia fixa. Um grupo controle, não submetido à primeira fase, foi tratado somente em uma fase com Ortodontia fixa durante o surto de crescimento puberal. Observou-se nesses estudos que os grupos tratados apresentaram melhora significativa na relação maxilomandibular, sendo que os maiores efeitos na maxila estavam relacionados aos aparelhos extrabucais e na mandíbula estavam relacionadas aos aparelhos funcionais8,14,22,25,30. O grupo controle, ao ser comparado com os outros grupos, ao final do tratamento completo, não apresentou diferenças clínicas (índice PAR). Observou-se, também, que o tempo de tratamento total foi maior nos grupos que realizaram uma fase precoce. Quanto às vantagens do tratamento em duas fases, alguns autores acreditavam que a abordagem precoce favoreceria a modificação do crescimento, diminuindo a duração e a complexidade da segunda fase do tratamento; melhoraria a autoestima do paciente; diminuiria a incidência de traumatismos em dentes anteriores; seria executada na pré-adolescência, quando há uma boa colaboração do paciente; reduziria a necessidade de extrações dentárias, visto que ocorrem maiores modificações esqueléticas; e diminuiria

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MATERIAl E MÉTODOS A amostra foi composta, aleatoriamente, por 138 alunos do último período de graduação das seguintes 10 escolas de Odontologia do estado

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Foi utilizada a técnica padronizada de coleta de dados, através de questionário anexado ao caso clínico (Fig. 1, 2). Esses foram apresentados a todos os alunos do último período que estavam presentes no dia da visita, individualmente e sem limitação de tempo para responder às questões. O material apresentado consistia de um cabeçalho com a caracterização do paciente quanto ao sexo e

do Rio de Janeiro: Faculdade de Odontologia de Campos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Gama Filho, Universidade Estácio de Sá, Universidade de Volta Redonda, Universidade de Nova Iguaçu, Universidade do Grande Rio e Universidade Veiga de Almeida.

Figura 1 - Fotografias de perfil e frontal da paciente cujo caso clínico foi apresentado aos alunos.

Figura 2 - Vistas laterais, frontal e oclusais dos modelos que foram apresentados aos alunos.

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Os dados coletados foram processados e analisados com o auxílio do programa Epi Info 6.04, e os gráficos foram confeccionados utilizando-se o programa Microsoft Excel 2004. Como o objetivo desse trabalho foi avaliar o grau de conhecimentos ortodônticos dos alunos de graduação, a análise foi descritiva e comparativa.

a idade, fotos de frente e perfil da face e modelo de gesso de um paciente com Classe II de Angle, divisão 1, com as seguintes características dentárias: trespasses horizontal e vertical aumentados, linhas médias dentárias superior e inferior não coincidentes e presença de diastemas entre os dentes anterossuperiores, durante a fase de dentição mista. Não foram fornecidas radiografias cefalométrica, panorâmica e de mão e punho, para simular ao aluno uma consulta clínica de rotina, onde o cliente exibe somente suas características clínicas. Após analisar o material apresentado, os alunos eram questionados, através de perguntas fechadas, sobre a classificação de Angle, a existência de problemas dentários, a fase ideal para o início do tratamento e sua possível indicação para o especialista. As respostas do questionário foram mantidas em sigilo, para preservar a identidade dos alunos.

6%

RESULTADOS De acordo com a configuração da amostra, foi perceptível a falta de conhecimento ao notar-se a dificuldade dos alunos em detectar corretamente a má oclusão de Classe II divisão 1, bilateral, visto que apenas metade, aproximadamente, desses diagnosticou a má oclusão de forma correta (n=70 ou 51%). Somente 32% (n=44) identificaram a Classe II subdivisão — ou seja, a relação posterior foi identificada, porém em apenas um dos lados. O restante dos alunos (n=24 ou 17%) não conseguiu diagnosticar o problema apresentado (Gráf. 1). O Gráfico 2 ilustra as características mais reconhecidas pelos alunos, e aquela que foi mais facilmente identificada foi o trespasse horizontal aumentado (92% dos alunos), seguido da presença de diastemas (89% dos alunos), da falta de coincidência entre as linhas médias (84,7% dos alunos), sendo que o menos perceptível foi o trespasse vertical aumentado (77,3% dos alunos) (Gráf. 2). Quanto à necessidade do tratamento ortodôntico, a grande maioria da amostra respondeu que haveria necessidade de se indicar o tratamento e que

51% CLASSIFICAÇÃO DE ANGLE

7% 2%

Classe I Classe II bilateral Classe II unilateral Classe III bilateral Classe III unilateral Não responderam

2%

32%

Gráfico 1 - Classificação de Angle segundo a amostra de alunos de graduação em Odontologia do estado do Rio de Janeiro.

CARACTERÍSTICAS DA OCLUSÃO RECONHECIDAS PELOS ALUNOS

características

84,7%

Falta de coincidência 89%

Diastema 92%

Overbite aumentado

77,3% 65,0%

70,0%

75,0%

Overjet aumentado

80,0%

85,0%

90,0%

95,0%

percentual de alunos Gráfico 2 - Características da oclusão do caso clínico apresentado, reconhecidas pela amostra dos alunos de graduação em Odontologia do estado do Rio de Janeiro.

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deveria ser realizado por um especialista (n=131 ou 95%), contra apenas 2,1% (n=3) que responderam não ser necessário o tratamento (Gráf. 3). No Gráfico 4 são apresentados os resultados do questionamento feito aos alunos quanto à fase ideal para iniciar o tratamento ortodôntico, considerando-se a idade dentária. Verifica-se que 48,9% da amostra optou pela indicação ao final da dentição mista; porém, 41,7% fariam a indicação na dentição decídua e 7,9% acreditam que a dentição permanente seria o momento correto para se introduzir a terapia ortodôntica. Como demonstrado no Gráfico 5, a maior parte dos alunos (54%) foi capaz de compreender que o surto de crescimento pode ser um importante aliado no tratamento de pacientes portadores de má oclusão de Classe II de Angle.

NECESSIDADE DE TRATAMENTO SEGUNDO A AMOSTRA 2,1% 0,8% 2,1%

95%

Gráfico 3 - Necessidade de tratamento do caso apresentado, segundo a amostra de alunos de graduação em Odontologia do estado do Rio de Janeiro.

ÉPOCA IDEAL PARA TRATAMENTO ORTODÔNTICO (IDADE DENTÁRIA) 7,9%

1,5% 41,7%

DISCUSSÃO A intenção desse questionário, realizado com alunos de graduação que já cursaram a disciplina de Ortodontia, foi identificar se alguns conceitos básicos de diagnóstico foram absorvidos. Esses futuros profissionais da Odontologia serão aqueles que durante a sua vida clínica deverão estar aptos a identificar problemas na oclusão dentária de seus pacientes e orientá-los a um tratamento ortodôntico. Nas más oclusões de Classe II, onde o crescimento e o desenvolvimento dos ossos faciais devem ser reorientados pela terapia ortodôntica, o reconhecimento das características clínicas dessa má oclusão, juntamente com a identificação do início da maturação esquelética, é de fundamental importância para o sucesso do tratamento. Entretanto, observa-se que as grades curriculares da disciplina de Ortodontia das faculdades de Odontologia apresentam diferentes metodologias de ensino e, portanto, possuem conteúdo variado na formação ortodôntica dos cursos de graduação. Essas deveriam enfocar principalmente o ensino do desenvolvimento da oclusão normal, assim como o crescimento esquelético dos ossos faciais, fornecendo o embasamento necessário para que seja

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Não necessita de tratamento Indicação para o especialista Aptos a realizar o tratamento Não responderam

Dentição decídua Final da dentição mista Dentição permanente Não responderam

48,9%

Gráfico 4 - Fase ideal para tratamento ortodôntico do paciente com má oclusão de Classe II de Angle, considerando-se a idade dentária, segundo a amostra de alunos de graduação em Odontologia do estado do Rio de Janeiro.

ÉPOCA IDEAL PARA TRATAMENTO ORTODÔNTICO (IDADE ESQUELÉTICA) 4,3% 0,7% 4,3% 36,7%

54,0%

Fase de pré-surto Fase de surto Sem potencial de crescimento Não depende do crescimento Não responderam

Gráfico 5 - Momento ideal para tratamento ortodôntico de pacientes Classe II de Angle, considerando-se a idade esquelética, segundo a amostra dos alunos de graduação em Odontologia do estado do Rio de Janeiro.

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1980, o Guia Curricular para Ortodontia, com o propósito de ditar um conteúdo de programas para o ensino da Ortodontia, abrangendo informações suficientes para que haja, por parte dos alunos, um reconhecimento e uma atuação frente às más oclusões, selecionando casos de Ortodontia Interceptora e indicando os demais a especialistas1. Deficiências na formação de clínicos gerais são observadas não somente no diagnóstico dos problemas ortodônticos, mas também na identificação do momento ideal de tratamento das diversas más oclusões e nas indicações para especialistas12. Outros estudos utilizaram a mesma amostra do trabalho (alunos do último período dos cursos de graduação do estado do Rio de Janeiro), para avaliação das más oclusões de Classe I de Angle na “Fase do Patinho Feio” (fase do desenvolvimento da oclusão normal) e de Classe III de Angle. Em ambos os questionários, os resultados demonstraram que grande parte dos alunos não detinha conhecimento adequado para indicação do melhor momento do tratamento. Apesar dos estudantes identificarem a má oclusão de Classe I (n=120 ou 79,6%) e desvios da normalidade como a existência de diastemas (81,7%) e sobremordida exagerada (29,9%), não compreenderam que em um caso da “Fase do Patinho Feio” essas seriam características normais do desenvolvimento e o indicaram para um especialista, podendo levar à realização de tratamentos indesejáveis. No caso da Classe III de Angle, apenas pouco mais da metade (53,3%) considerou a idade esquelética para indicação do tratamento, fator importante para o início da correção, uma vez que sua abordagem ortodôntica deve ser iniciada antes do surto de crescimento. Em ambos os questionários, verificou-se grande deficiência dos alunos na correlação da identificação das características oclusais e a orientação que esses pacientes deveriam ter para o ortodontista12,17. Da mesma forma, o presente trabalho detectou que os alunos apresentavam dificuldade em identificar corretamente a má oclusão de Classe II divisão 1 de Angle (Gráf. 1), uma vez que apenas

possível o diagnóstico de anormalidades nas dentições e desvios no padrão normal de crescimento. No que diz respeito às más oclusões de Classe II, é importante que os clínicos tenham noções sobre o momento ideal para o seu tratamento. A identificação das suas características dentoalveolares específicas e, principalmente, do início do surto de crescimento do paciente são imprescindíveis para que o dentista o encaminhe ao ortodontista no melhor momento para tratamento. Sinais de puberdade, como desenvolvimento físico e dos caracteres sexuais, são excelentes indicadores desse surto. Propositadamente, não foram fornecidas aos alunos radiografias cefalométrica, panorâmica ou de mão e punho, que poderiam identificar melhor o estágio de desenvolvimento do paciente. A intenção, na verdade, foi simular uma consulta inicial de um paciente com má oclusão de Classe II, contando somente com informações clínicas. No presente estudo, os alunos não foram identificados, porém suas faculdades de origem eram registradas com o propósito de comparar e estabelecer possíveis tendências de acordo com a escola de formação. Os cursos de graduação apresentam em seu currículo básico aulas teóricas de classificação das más oclusões. No entanto, após a aula teórica, nem todos os cursos disponibilizam atividade prática com exames de modelos, reconhecimento e classificação das más oclusões. Portanto, os currículos variam em conteúdo, e algumas faculdades contam apenas com aulas teóricas e atividades laboratoriais, enquanto outras possuem, ainda, uma clínica específica para Ortodontia. Algumas escolas fazem esse treinamento em conjunto com a Odontopediatria ou Clínica Integrada, que nem sempre contam com a mesma equipe de professores de Ortodontia. Entretanto, surpreendentemente, não foram encontradas diferenças significativas nas respostas quando os alunos foram agrupados por escolas de origem. Diante da preocupação dos educadores e dentistas em outros países, a Associação Americana das Faculdades de Odontologia desenvolveu, em

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discutir sobre os tópicos específicos relacionados à sua validade16. A indicação de um tratamento precoce deveria estar relacionada com aqueles casos com grande severidade de desarmonia esquelética, pois o crescimento observado durante o surto ainda não seria suficiente para atingir resultados ideais, evitando que toda a correção esquelética fosse acompanhada durante o tempo de tratamento fixo. É importante salientar que é o dentista clínico e/ou odontopediatra quem recebe primeiramente para exame o paciente com esse tipo de problema e, portanto, é ele quem o encaminha ao ortodontista para um maior esclarecimento aos responsáveis. Assim, ele deve estar a par dos conceitos quanto ao início do tratamento, o qual deve ser idealmente no surto de puberdade, onde a correção ocorre com maior efetividade e eficiência. Apesar dessa evidência, o que se verifica é que diversos especialistas ainda indicam precocemente a correção dessa má oclusão3,26. Uma recente revisão sistemática publicada na Cochrane Library11 reforça que o ortodontista não deve iniciar precocemente a correção Classe II, já que pouco é possível influenciar na predição ou alteração dos componentes esqueléticos da face através de um tratamento ortodôntico, sendo os melhores resultados obtidos nas alterações dos componentes dentoalveolares durante o crescimento. Assim, as melhores idades para se iniciar o tratamento da Classe II situam-se entre os 9 e 13 anos ou, mais especificamente, quando o paciente encontra-se no início do surto de puberdade. Isso reafirma a necessidade da identificação e reconhecimento das características clínicas e individuais dos pacientes pelos clínicos, de forma que eles possam encaminhar seu paciente no momento propício para que o ortodontista possa intervir na correção do problema. Nos problemas relacionados à má oclusão de Classe II de Angle deve-se, portanto: enfatizar aos alunos e futuros clínicos que a correção ortodôntica está intimamente ligada ao momento do surto de crescimento do paciente; e capacitá-los com informações sobre indicadores de maturação

a metade da amostra o fez corretamente. Observa-se que existe certa dúvida quanto ao conceito da relação de Classe II de Angle, uma vez que 32% dos alunos (Gráf. 2) identificaram o problema em apenas um dos lados das arcadas (Classe II unilateral). A grande maioria dos entrevistados conseguiu perceber com facilidade a existência do desalinhamento entre as linhas médias dentárias, a presença de trespasse horizontal aumentado, a presença de diastemas e trespasse vertical (Gráf. 2), características evidenciadas na região anterior das arcadas dentárias. Ainda identificaram que o problema existente deveria ser tratado por um especialista, uma vez que 95% dos alunos (Gráf. 3) indicaram o paciente para o ortodontista. Ao analisar o Gráfico 4, no qual 41,7% da amostra indicou o tratamento do caso em questão ainda na dentição decídua, conclui-se que não há solidificação dos conceitos de melhor época para o tratamento da Classe II. O início do tratamento ortodôntico nessa época não permitiria ao ortodontista atuar efetivamente na correção do maior problema do paciente: a reorientação do crescimento e desenvolvimento dos maxilares, levando o paciente a um tempo excessivamente grande de terapia. O mesmo raciocínio pode ser feito para os 7,9% que indicaram o tratamento na dentição permanente, considerando que esse paciente pudesse não ter mais possibilidade de correção do problema esquelético, o que, nesse caso, poderia ser tratado com exodontia dos primeiros pré-molares superiores para camuflagem ortodôntica. Apesar de haver uma alta frequência para a indicação do tratamento precoce do paciente portador de Classe II em uma abordagem de duas fases3, o tratamento dessa má oclusão em pacientes em crescimento deve ser proposto de uma forma mais crítica, passando a avaliar não apenas o resultado final, mas também todo o custo psicológico, biológico e financeiro relacionado com a decisão do tipo de tratamento a ser realizado. É fácil perceber as divergências que existem na literatura em relação ao tratamento precoce, sendo importante

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do Rio de Janeiro, observou-se uma deficiência no reconhecimento das características morfológicas da má oclusão de Classe II, divisão 1 de Angle, por alunos de graduação, apesar de características marcantes dessa má oclusão estarem presentes no caso apresentado. A grande maioria dos alunos também não foi capaz de identificar a época ideal para intervenção e indicação do paciente ao ortodontista. Verificou-se, dessa forma, uma deficiência nos conhecimentos adquiridos pelos alunos, em final de curso de graduação, no que tange ao reconhecimento da má oclusão de Classe II e ao momento ideal para o início da intervenção ortodôntica. Essas conclusões levam a uma reflexão quanto ao conteúdo disciplinar e metodologia de ensino da disciplina de Ortodontia nas faculdades de Odontologia, visto que não qualificam os futuros profissionais clínicos a identificar uma má oclusão frequentemente encontrada nos consultórios odontológicos.

esquelética, que eles podem avaliar clinicamente em seus pacientes. Cabe, assim, enfatizar que é importante o clínico estar apto a conhecer as diferenças entre idade dentária e idade esquelética, já que estudos mostram que não há coincidência entre esses dois indicadores6. Diante dos resultados encontrados, sugere-se que estudos de maior abrangência sejam realizados com o intuito de se verificar a necessidade de modificação do enfoque dado aos conteúdos programáticos de graduação em Ortodontia no estado do Rio de Janeiro. O ensino do diagnóstico, discussão e elaboração de planos de tratamento é de relevante importância, estando esses à frente do ensino de qualquer técnica para confecção de aparelhos ortodônticos. CONCLUSÕES Após a análise dos dados obtidos através do questionário respondido pelos estudantes de graduação de faculdades de Odontologia do estado

Assessment of the knowledge of orthodontics demonstrated by dental school undergraduates: Recognizing the key features of Angle Class II, Division 1 malocclusion Abstract Objective: To verify the capacity of graduation students on diagnosing Angle’s Class II malocclusion, as well as to evaluate the clinical conduct of the students when facing a patient with such alteration. Methods: The sample was composed by 138 students of the last semester of graduation from 10 different Dental schools in the state of Rio de Janeiro, Brazil. They were evaluated through questionnaires with closed questions. Photographs and dental casts of a patient in mixed dentition’s phase, which presented Class II malocclusion, with increased overjet and overbite, superior and inferior non-coincident midlines and superior anterior diastemas, were shown to the students. Results: The study observed that students found it easy to identify the increased overjet (92% of the students), followed by the presence of diastemas (89%), midlines deviation (84.7%), and increased overbite (77.3%). On the other hand, approximately half the sample (n=70, 51% of the students) was able to recognize the bilateral Class II malocclusion. Almost 100% agreed with the necessity of treatment, and that a specialist should take care of the patient (n=131 or 95%). They found it hard, however, to recognize the ideal moment to start the orthodontic treatment: 48.9% would choose to start the treatment at the end of the mixed dentition phase; 41.7% at the deciduous dentition; and 7.9% would choose the permanent dentition. Conclusion: Students finish the graduation course with difficulties regarding the diagnosis of Class II and do not even articulate ideas about a basic treatment protocol to correct this malocclusion. Keywords: Interceptive orthodontics. Angle’s Class II malocclusion. Diagnosis.

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Avaliação do nível educacional em Ortodontia em alunos de graduação: reconhecimento das características da má oclusão de Classe II, divisão 1 de Angle

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Enviado em: 08 de setembro de 2008 Revisado e aceito: 01 de outubro de 2009

Endereço para correspondência Cristiane Canavarro Av. Ataulfo de Paiva, 204/sala 510 CEP: 22.440-033 – Rio de Janeiro/RJ E-mail: cristianecanavarro@gmail.com

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