artigo inédito
Ação de corticosteroides sobre o movimento dentário ortodôntico: revisão de literatura Luegya Amorim Henriques Knop1, Ricardo Lima Shintcovsk1, Luciana Borges Retamoso2, Ana Maria Trindade Grégio2, Orlando Tanaka3
Introdução: a movimentação dentária é caracterizada, inicialmente, por uma inflamação aguda estéril, seguida por reações múltiplas sequenciais no ligamento periodontal em resposta às forças biomecânicas. Agentes farmacológicos, como os corticosteroides, podem alterar o curso da movimentação ortodôntica. Os estudos científicos demonstram ações antagonistas dessas drogas sobre a reabsorção óssea durante a movimentação dentária. Objetivo: realizar revisão de literatura sobre a ação dos corticosteroides no movimento dentário ortodôntico. Conclusão: os pacientes devem ser questionados quanto ao uso dessas drogas na clínica ortodôntica e, para aqueles que fazem uso, o tratamento ortodôntico deve ser diferenciado, com intervalos maiores entre as consultas e solicitação periódica de radiografias devido ao atraso na neoformação óssea observado em alguns estudos científicos. Palavras-chave: Movimentação dentária. Mediadores da inflamação. Remodelação óssea. Corticosteroides.
Professora Titular de Odontologia, PUC/PR.
Como citar este artigo: KKnop LAH, Shintcovsk RL, Retamoso LB, Grégio AMT, Tanaka O. The action of corticosteroids on orthodontic tooth movement: A literature review. Dental Press J Orthod. 2012 Nov-Dec;17(6):20.e1-5.
Professor Titular de Odontologia, CCBS - PUC/PR.
Enviado em: 23 de outubro de 2008 - Revisado e aceito: 20 de agosto de 2012
Mestranda em Odontologia, área de concentração Ortodontia, PUC/PR.
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» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo. Endereço para correspondência: Luegya Amorim Henriques Knop Rua Brigadeiro Franco, 2515 – Apto 901 – Centro – Curitiba/PR CEP: 80250-030 – E-mail: luegya@hotmail.com
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REVISÃO DE LITERATURA E DISCUSSÃO Antes de relatar acerca da ação dos corticosteroides sobre a movimentação dentária ortodôntica, torna-se imprescindível entender os princípios biológicos que regem esse processo. Diversas teorias sobre o movimento dentário ortodôntico foram propostas, de forma que todas apresentam a reabsorção óssea como um dos efeitos biológicos. Na primeira metade do século XX já existia a preocupação sobre o mecanismo de atuação e desencadeamento da força aplicada sobre a coroa dentária. A teoria pressão-tensão baseava-se na vitalidade do ligamento periodontal, ou seja, o estímulo exercido sobre o ligamento não envolvia ou requeria estímulo advindo de outra estrutura, como o osso alveolar, por exemplo. As fibras colágenas e o sistema vascular eram essenciais para o desenvolvimento deste fenômeno3. A movimentação dentária ortodôntica caracteriza-se por ser um processo biológico múltiplo que envolve reações sequenciais do tecido periodontal em resposta às forças biomecânicas. Duas regiões no ligamento periodontal são observadas, a de tração (Fig. 1A) e a de compressão (Fig. 1B). O osso neoformado é depositado na parede alveolar do lado de tração quando aplicadas forças mecânicas leves ou pesadas. No lado de compressão, sob forças leves, o osso alveolar é reabsorvido diretamente por osteoclastos situados nas lacunas de Howship (Fig. 2)13. Quando uma força exercida sobre o dente apresenta intensidade suficiente para ocluir totalmente os vasos e
INTRODUÇÃO A biologia da movimentação dentária ortodôntica compreende o estudo dos fenômenos celulares, bioquímicos e moleculares que ocorrem no ligamento periodontal e no osso alveolar. A remodelação óssea que ocorre durante o movimento ortodôntico é um processo dinâmico, que necessita de atividades celulares coordenadas entre osteoblastos, osteoclastos e osteócitos, a fim de manter a homeostase do tecido mineral. Todas essas atividades são reguladas por mediadores químicos, de origem celular e plasmática9. Tem sido demonstrado que o movimento ortodôntico pode ser alterado pela administração de agentes farmacológicos7,21. Os corticosteroides são agentes imunossupressores e anti-inflamatórios amplamente utilizados em processos patológicos na clínica médica e odontológica11, de forma que os pacientes em tratamento ortodôntico podem apresentar variações na remodelação óssea normal devido ao uso dessas drogas7. Pithon e Ruellas16 relataram que é imperioso o conhecimento do mecanismo de ação de medicamentos por parte do cirurgião-dentista, bem como das possíveis interações sobre o movimento dentário ortodôntico que podem ocorrer, de forma a beneficiar o tratamento ou a ajustá-lo aos efeitos sobre o sistema estomatognático. O objetivo desse artigo é realizar uma revisão de literatura sobre a ação dos corticosteroides no movimento dentário ortodôntico.
LP
CEM
VS
LP
OA
CEM
A
B
Figura 1 - A) Lado de tração do ligamento periodontal de ratos três dias após a aplicação da força ortodôntica (hematoxilina-eosina, 400X). . B) Lado de compressão do ligamento periodontal de ratos três dias após a aplicação da força ortodôntica (hematoxilina-eosina, 400X). CEM = cemento; LP = ligamento periodontal; OA = osso alveolar; VS = vasos sanguíneos.
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movimento dentário. O ácido aracdônico é metabolizado pela enzima fosfolipase A2 por duas diferentes vias, a ciclo-oxigenase, que produz as prostaglandinas, e pela lipo-oxigenase, que libera os leucotrienos. As prostaglandinas têm sido associadas ao aumento no número de osteoclastos e estímulo à diferenciação de osteoblastos9. Outro mediador frequentemente envolvido no movimento ortodôntico é o fator de crescimento transformador β (TGF- β), conforme demonstrado por Garlet et al.2 O TGF- β1 é o fator de crescimento mais abundante do osso humano e exerce função anabólica importante ao recrutar precursores de osteoblastos e estimular sua diferenciação, além de favorecer a produção de proteínas da matriz óssea e sua mineralização8,12. O fator de crescimento vascular endotelial (VEGF) é um mediador essencial para a angiogênese. Kaku et al.6 observaram maior concentração de VEGF no fluido crevicular gengival um dia após o início da retração de caninos em humanos. Os eventos biológicos prosseguem e osteoblastos e osteoclastos são ativados para que iniciem a remodelação tecidual9. Após a diferenciação dos osteoclastos, uma série de enzimas, como metaloproteinases, colagenases e gelatinases, é produzida pelos osteoblastos. Essas enzimas têm função primordial ao auxiliar os osteoclastos no acesso ao tecido ósseo mineralizado13. Segundo Reinholt et al.19, os osteoclastos ativos exibem conteúdo aumentado de fosfatase-ácido tartarato resistente (TRAP) no citoplasma, um marcador citoquímico específico que sinaliza a reabsorção óssea. Krishnan e Davidovitch9 relatam que ainda é controverso se a ativação dos osteoblastos inicia-se simultaneamente ao recrutamento dos osteoclastos ou num estágio mais tardio, durante o desenvolvimento das lacunas reabsortivas. Tem sido demonstrado que o movimento ortodôntico pode ser alterado pela administração local ou geral de agentes farmacológicos7,21. A prevalência de processos patológicos tratados pelos corticosteroides é ampla na clínica médica e odontológica, e os pacientes em tratamento ortodôntico podem apresentar variações na remodelação óssea normal devido ao uso dessas drogas7. A descoberta da cortisona como uma substância eficaz no tratamento da artrite reumatoide iniciou uma nova etapa na terapia anti-inflamatória. A partir dessa descoberta, vários derivados sintéticos e semissintéticos
OC
Figura 2 - Osteoclastos presentes nas lacunas de Howship 7 dias após a aplicação da força ortodôntica em ratos (hematoxilina-eosina, 400X). OC = osteoclastos.
interromper o suprimento sanguíneo antes do recrutamento dos osteoclastos, uma necrose estéril é produzida na área. Devido ao aspecto acelular e avascular, essa região é chamada de hialina. O movimento dentário não ocorrerá até que o osso alveolar seja reabsorvido, que as áreas hialinas sejam removidas e o ligamento restabelecido13. A inflamação compreende importante pré-requisito para a movimentação dentária ortodôntica. O período inicial do movimento dentário ortodôntico envolve uma resposta inflamatória aguda, caracterizada por angiogênese, vasodilatação periodontal e migração de leucócitos a partir dos capilares sanguíneos. Essas células, por sua vez, produzem citocinas — moléculas sinalizadoras — que interagem com células residentes e inflamatórias do ligamento periodontal e estimulam a síntese e liberação de diversos mediadores, como fatores de crescimento, prostaglandinas e outras citocinas. O exsudato inflamatório produzido também apresenta mediadores de origem plasmática, como fibrina, plasmina, cininas, imunoglobulinas e proteínas do sistema complemento9. As citocinas desempenham importante função na quimiotaxia, cito-diferenciação e ativação dos osteoclastos10. Investigações clínicas têm demonstrado que interleucina 1-β (IL-1β), fator de necrose tumoral-α (TNF-α), IL-6 e IL-10 estão em concentração elevada no fluido crevicular gengival e no ligamento periodontal de pacientes em tratamento ortodôntico. IL-1 e TNF-α são típicos mediadores da resposta inflamatória envolvidos no processo de reabsorção óssea2. Segundo Krishnan e Davidovitch9, os metabólitos do ácido aracdônico também exercem função importante no processo de remodelação óssea durante o
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foram produzidos, como a dexametasona, prednisolona e metilprednisolona. Sabe-se que essas drogas, quando administradas terapeuticamente, apresentam potente ação anti-inflamatória e imunossupressora. O efeito dos corticosteroides não pode ser atribuído a um único fator. Citam-se redução da atividade dos neutrófilos, macrófagos, fibroblastos e osteoblastos; diminuição da migração celular para o foco inflamatório e alteração da atividade de fatores de crescimento, como o TGF-β1. Além disso, há maior síntese de lipocortina 1 e bloqueio da fosfolipase A2; inibição da transcrição dos genes da ciclooxigenase-2 (COX-2), havendo, consequentemente, menor liberação das prostaglandinas e leucotrienos10. Hübner et al.5 demonstraram que a dexametasona inibe a expressão de citocinas pró-inflamatórias, a saber, a IL-1α, IL-1β e TNF- α, em feridas cutâneas induzidas em ratos. Sobre o tecido ósseo, os corticosteroides apresentam efeitos diversos. Para Pharoah e Heersche17, essa droga reduz de forma dose-dependente o número de células multinucleadas semelhantes a osteoclastos em cultura de células da medula óssea de gatos, enquanto outros autores defendem que os corticosteroides estimulam a reabsorção óssea in vitro4,20 em tempo e concentração dependentes, via aumento da atividade e/ou da formação de osteoclastos20. A osteoporose e a reabsorção óssea têm sido associadas ao hiperparatireoidismo secundário induzido pelos corticosteroides7. Ong et al.15 relataram que a ação dessa droga pode prejudicar a formação dos osteoblastos a partir de células osteoprogenitoras e diminuir a síntese de colágeno por osteoblastos maduros. Poucos estudos foram conduzidos com o objetivo de demonstrar possível ação dos corticosteroides sobre o movimento dentário ortodôntico1,7,14,15,20. Ashcraft et al.1 estudaram coelhos submetidos à ação do acetato de hidrocortisona (15mg/kg), que foi administrado quatro dias antes da indução do movimento dentário até a eutanásia dos animais, 14 e 21 dias após. Os resultados foram consistentes em demonstrar que o movimento dentário foi acelerado nos grupos experimentais (três a quatro vezes mais rápido) e observou-se, histologicamente, reabsorção óssea aumentada e diminuição da neoformação óssea. Nesse estudo, foram administradas altas doses de hidrocortisona por um período de administração maior, o que induziu os ratos à condição de osteoporose e, dessa forma, incrementou a taxa de reabsorção óssea. Ohkawa14 administrou hidrocortisona na
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dose de 10mg/kg em ratos, induziram o movimento dentário por meio de uma banda elástica e avaliaram a quantidade de carga mecânica necessária para extrair os primeiros molares inferiores. De acordo com o autor, a carga necessária para extrair o dente é inversamente proporcional à resistência mecânica do periodonto e à remodelação das fibras colágenas presentes no ligamento periodontal. Ele observou que a carga mecânica foi maior no grupo em que foi administrada a hidrocortisona e que, portanto, essa droga é capaz de atrasar o processo de remodelação das fibras colágenas periodontais após aplicação força. Yamane et al.21 avaliaram o movimento dentário in vitro após administrar hidrocortisona na dose de 10mg/kg/ dia por 7 dias em ratos, e observaram, durante 20 horas, a quantidade de movimento dos primeiros e segundos molares por meio de gravador de vídeo. Constataram que no grupo tratado pelo corticosteroide houve menor quantidade de movimento dentário. Ong et al.15 administraram prednisolona (1mg/kg/ dia) por 12 dias antes da indução do movimento dentário em ratos. Observaram menor quantidade de células TRAP-positivas no lado de compressão, o que indica uma ação supressora dessa droga sobre a atividade clástica. No estudo de Kalia et al.7 buscaram avaliar a ação da metilprednisolona (8mg/kg/dia) sobre o movimento dentário em ratos quando essa droga foi administrada por um curto e longo período. Em um grupo experimental, a metilprednisolona foi injetada por quatro semanas antes de induzir o movimento, enquanto que no outro a indução ocorreu concomitante ao início de administração da droga. Observou-se que a taxa de movimentação dentária e a porcentagem de reabsorção óssea foram maiores no grupo em que a metilprednisolona foi administrada por longo período. No outro grupo, houve menor taxa de movimentação dentária, assim como de reabsorção e neoformação ósseas. O longo período de administração da droga em um dos grupos experimentais foi capaz de induzir o hiperparatireoidismo e o aumento da reabsorção óssea nos animais. Infere-se que no grupo em que a droga foi administrada de forma aguda, o efeito da metilprednisolona foi predominantemente anti-inflamatório, inibindo as cascatas de eventos subsequentes à inflamação aguda. Portanto, ao comparar os estudos científicos, nota-se que os corticosteroides podem produzir efeitos antagônicos sobre a reabsorção óssea no movimento
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CONSIDERAÇÕES FINAIS 1) É imprescindível que os pacientes sejam questionados quanto ao uso dos corticosteroides na clínica ortodôntica. 2) O tratamento ortodôntico nos pacientes que utilizam esses medicamentos é diferenciado, e recomenda-se que os intervalos entre as consultas sejam maiores, em função de alguns trabalhos científicos observarem atraso no processo de neoformação óssea. 3) Concomitantemente, radiografias panorâmicas e periapicais devem ser solicitadas rotineiramente, para observar possíveis alterações ósseas. 4) Novos estudos deverão elucidar quais mecanismos moleculares são alterados com a administração de corticosteroides e com simultânea aplicação de forças ortodônticas, inclusive em humanos, já que os estudos em animais apresentam certas limitações.
dentário induzido em animais. Essas diferenças podem ser explicadas pelas variações nas espécies de animais estudadas, magnitude de força utilizada e, principalmente, dosagem, período de administração e potência da droga15. Segundo Ramos et al.18, os corticosteroides, quando utilizados experimentalmente, podem modificar a velocidade da movimentação dentária induzida, mas, clinicamente, essas modificações não refletem alterações estruturais quanto ao trabeculado ósseo nos maxilares, pois o turnover ósseo dos maxilares é mais lento do que em relação aos demais ossos. Além disso, para detectar os efeitos desses medicamentos sobre os tecidos, as doses utilizadas nos estudos são elevadas e os períodos muito longos, se considerarmos o tempo de vida dos animais. O rato, por exemplo, vive em média um ano e meio e submetem-no à medicação por dois a três meses, o equivalente a 1/6 da sua vida, em média.
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