Revista Contraste #04

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1 NOME E SOBRENOME (DO AUTOR)


NOME E SOBRENOME (DO AUTOR)

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3 NOME E SOBRENOME (DO AUTOR)
















ILUSTRAÇÕES: DANILO FERREIRA




21 NOME E SOBRENOME (DO AUTOR)


22 22 THIAGO CARRAPATOSO

A UM PASSO DA CIDADANIA

CIDADANIA PASSO DA

THIAGO CARRAPATOSO é jornalista e colaborador do BaixoCentro

A UM


in memoriam Liane Lira

As ruas e espaços públicos, historicamente, sempre estiveram em disputa. É por meio deles que as discussões públicas, dos commons, que dizem a todos, são levantadas, apresentadas e defendidas em suas diferentes perspectivas. O público — ou audiência, por assim dizer —, então, em sua atuação nessas áreas e nesses momentos exercem sua função cidadã, ou seja, se tornam parte real da sociedade de que fazem parte, construindo e decidindo seu futuro. Os diferentes pontos de vista, as diversas argumentações, a variedade de demandas usam essas áreas como palco para se expor ao Outro, ao diferente, àquele que, provavelmente, irá contestá-las e demonstrar outros argumentos para a mesma situação. E é nesse confronto que emerge tanto o (re)conhecimento de outra perspectiva, quanto a reanálise de sua própria visão. Há um parágrafo escrito pela teórica política Chantal Mouffe que sempre uso para explicar a relação do BaixoCentro com as ruas. Mouffe explana sobre o que é a “democracia radical”, na qual o espaço público


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“O ESPAÇO PÚBLICO É O LUGAR DE ANTAGONISMOS QUE GERAM UMA DEMOCRACIA NA RAIZ, RADICAL. É O CONFLITO ENTRE OS DIFERENTES QUE TORNA POSSÍVEL A PLURALIDADE DA SOCIEDADE E QUE IDEIAS OPOSTAS COEXISTEM ATÉ SE CHOCAREM EM UMA DISCUSSÃO NECESSARIAMENTE POLÍTICA” é o lugar de antagonismos que geram uma democracia na raiz, radical. É o conflito entre os diferentes que torna possível a pluralidade da sociedade e que ideias opostas coexistem até se chocarem em uma discussão necessariamente política. Ela diz: “quando aceitamos que toda identidade é relacional e que a condição de existência de qualquer identidade é a afirmação de uma diferença, ou seja, a determinação de um ‘outro’ que irá atuar com o papel de um ‘excluído constituído’, é possível entender como o antagonismo emerge. No âmbito das identificações coletivas, nas quais o que está em questão é a criação de um ‘nós’ pela delimitação de um ‘eles’, a possibilidade sempre existe de que a relação nós/eles se torne uma relação


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do tipo amigo/inimigo. (…) Isto pode acontecer quando o outro, que era considerado até aquele momento apenas como um modo de diferença, começa a ser perseguido como negador de nossa identidade, como se questionasse a nossa própria existência. A partir desse momento, qualquer tipo de relação nós/eles, seja religiosa, étnica, de nacionalidade, econômica ou outras quaisquer, se torna palco para um antagonismo político.”1 Antes de adentrar mais nessa relação, é sempre importante frisar o meu ponto de fala. Fiz/faço parte do movimento BaixoCentro desde a sua concepção, quando na Casa da Cultura Digital a gente discutia as intersecções entre tecnologias, cidade, arte e urbanismo. Naquele momento (e, como se vê com o projeto para a reforma do Anhangabaú, atualmente também), havia processos feitos pela administração pública que afetavam a cidade, mas que não envolviam a participação cidadã, a discussão, o debate: o projeto NovaLuz (em que se previa “revitalizar” uma área da região central, demolindo 33% de sua área construída) e as ações militaristas da PM no que eles denominam como

1 Mouffe, C. “Introduction”, The Return of the Political. Verso. 1993. p. 2-3


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Cracolândia (em vez de se tratar como um assunto de saúde, agiu-se como se fosse criminal). Para trazer mais pessoas a entender e se questionar sobre o espaço público é que surgiu o BaixoCentro em 2011, tendo o primeiro festival organizado em 2012. E, para tanto, usamos o modus operandi das comunidades de software livre para criar o que seria esse movimento horizontal e colaborativo. Yochai Benkler junto com Helen Nissenbaum fizeram uma análise, publicada no The Journal of Political Philosophy em 2006, sobre essas comunidades e como elas trabalham a virtuosidade do cidadão. Quando se se dedica a um bem comum (que pode ser tanto um software de computador quanto a ocupação dos espaços públicos de uma cidade), de acordo com eles, é que se desenvolve uma moral e ética colaborativa que, depois, é revertida para toda a sociedade. Ou seja, os dias que você passa em frente ao seu computador isolado e conversando e trocando códigos com uma comunidade online serão muito bem revertidos para a sociedade em geral, já que você será uma pessoa melhor moral e eticamente falando.


Um virtuoso, por fim. E por virtude, eles definem como “as situações que envolvem as faculdades de escolha, julgamento, desejo, emocionais e de ação”2. Para que uma comunidade possa ser enquadrada como compartilhada entre pares (ou seja, um coletivo sem hierarquia definida), para os autores, ela precisa ter três estruturas: 1) as tarefas precisam ser modulares de forma a serem divididas entre os voluntários; 2) possuir variações de engajamento, sendo umas atividades mais complexas e outras mais simples, como meio para atrair o maior número de perfis para as tarefas – e consequentemente agilizar o processo de produção, uma vez que as tarefas são pulverizadas; e 3) ter um baixo custo na execução de cada módulo para a construção de um produto final. Mas quais seriam as virtudes trabalhadas dentro de um coletivo? Benkler e Nissenbaum as dividiram em quatro diferentes clusters, que são: 1) autonomia, independência, liberdade; 2) criatividade, produtividade e processos industriais (aqui, no sentido genérico do termo); 3) benevolência, caridade, generosidade e altruísmo; e 4) sociabilidade, camaradismo, amizade,

2 Benkler, Yochai & Nissenbaum, Helen. “Commons-based Peer Production and Virtue”. The Journal

of Political Philosophy: Volume 14, Number 4. 2006. p. 405.


3 Ibidem. p. 394. 4 Bishop, Claire. Artificial Hells –

participatory art and the politics of spectatorship. Verso. 2012. p. 11

cooperação e virtude cívica. Para eles, não é necessário possuir essas qualidades antes de se engajar em um determinado coletivo. Pelo contrário. Será dentro deles que a virtude será trabalhada e desenvolvida. Como eles falam, “nós sugerimos que a emergência da produção por meio de pares ofereça a oportunidade para que mais pessoas se engajem em práticas que permitem que se mostre e experimente comportamentos virtuosos.”3 Indo um pouco mais além, a pesquisadora Claire Bishop, em suas análises sobre arte participativa, acredita que não é somente dentro do núcleo de organização que se trabalha a virtuosidade cívica, mas também quando se está interagindo com a intervenção criada. De acordo com ela, “para muitos artistas e curadores da esquerda, a afirmação de Guy Debord [sobre a alienação e os efeitos divisórios do capitalismo em seu A Sociedade do Espetáculo] atinge no coração do porquê participação é importante para o projeto [de arte participativa]: ele re-humaniza a sociedade atávica e fragmentada pela instrumentalização repressiva da produção capitalista.”4 E ela vai mais fundo


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“ATUALMENTE, HÁ DIVERSOS COLETIVOS/MOVIMENTOS/INICIATIVAS QUE QUESTIONAM, PENSAM E PARTICIPAM DO ESPAÇO PÚBLICO, CRIANDO UM CENÁRIO ÚNICO E PLURAL PARA SE ENTENDER COMO CONSTRUIR UMA SOCIEDADE MAIS DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA.”

ainda: “arte participativa, em seu sentido mais restrito, acaba com a ideia de espectador e sugere um novo entendimento de arte sem audiência, uma arte em que todo mundo é produtor. Ao mesmo tempo, a existência de uma audiência é impossível de se eliminar, uma vez que é impossível para que todo mundo participe em todos os projetos.”5 Coloco aqui as ideias de Bishop porque o BaixoCentro utiliza(va?) dessa própria perspectiva para realizar as mais de 700 atividades nestes quatro anos. O que vimos nas ruas foi uma construção não só pessoal, mas dos discursos presentes na cidade quando o assunto é urbanismo e a cidade que queremos. Atualmente, há diversos coletivos/ movimentos/iniciativas que questionam,

5 Bishop, Claire. “Participation

and Spectacle: Where Are We Now?” Living as Form. The MIT Press. p. 36


6 O evento “Inquietudes Urbanas: Ativismos na Cidade – Fricções

Entre Público e Privado” foi orga-

nizado em dois dias: 17 de agosto, com uma roda de conversa com

alguns coletivos e movimentos

convidados; e 24 de agosto, na semana seguinte, em uma mesa mais formal, com a minha participação, de Wisnik, e do secretário-adjunto de Direitos Humanos,

Rogerio Sottili, e a integrante do A Batata Precisa de Você, Laura

Sobral. Os links para as gravações

encontram-se nos seguintes QR codes:

pensam e participam do espaço público, criando um cenário único e plural para se entender como construir uma sociedade mais democrática e participativa. E, para tanto, era — e talvez ainda seja — necessário entender quais as demandas que cada um, com sua própria perspectiva sobre o espaço público, possui e exige para fazer parte desta sociedade plural, como diria Mouffe. A virtuosidade, então, não seria apenas trabalhada dentro de apenas um coletivo, um grupo, mas na união dos diversos, amplificando o debate de forma a não só questionar a perspectiva pelo viés hegemônico (como disse, é importante entender o nosso ponto de fala), mas também de outras discussões que ficam invisíveis dentro da administração pública ou da grande mídia. Em uma conversa com esses movimentos que organizei junto a Guilherme Wisnik, no Centro Universitário Maria Antônia6, embora a proposta fosse entender as fricções do espaço público, o que se viu foi uma sequência de mea-culpas e críticas generalistas sobre a atuação de grupos diferentes. Enquanto ativistas argumentavam


pela invisibilidade de setores da sociedade (pessoas em situação de rua, comunidade LGBT+, negros, mulheres, movimentos de moradia, e tantos outros que são continuamente excluídos do debate público), os coletivos artísticos defendiam sua atuação pela influência de impacto que poderiam ter no cidadão comum, transeunte randômico. O intuito do encontro, no entanto, era tentar criar pontes, laços, e agregar uma luta com a outra. Talvez, para o primeiro encontro, seja um tanto utópico almejar isso. Mas, de qualquer forma, a roda foi um passo importante para entendermos em que posição estamos quando o assunto são os espaços públicos e urbanismo da cidade. No fim, o que se vê é que ainda é preciso não só criar laços entre os coletivos, mas sim se abrir para construir uma linha que una um lado ao outro. Somente depois da linha, é que o nó, o laço, pode ser discutido e construído. A construção cidadã, tão importante para a esfera pública e para o entendimento do que é realmente público, precisa de ajuda em um momento em que a polarização é mais presente do que


“NO FIM, O QUE SE VÊ É QUE AINDA É PRECISO NÃO SÓ CRIAR LAÇOS ENTRE OS COLETIVOS, MAS SIM SE ABRIR PARA CONSTRUIR UMA LINHA QUE UNA UM LADO AO OUTRO. SOMENTE DEPOIS DA LINHA, É QUE O NÓ, O LAÇO, PODE SER DISCUTIDO E CONSTRUÍDO.”

o esperado. Por causa disso, para finalizar, uso um trecho escrito por Hal Foster que, ao questionar o papel da crítica no mundo da arte (especialmente o norte-americano) no começo da década de 1990, aponta uma situação daquela época que, talvez não à toa, se assemelha muito com o que vivemos hoje: “Qual é o lugar da crítica numa cultura visual eternamente administrada – desde um mundo artístico dominado por agentes de promoção com escassa necessidade de crítica até o mundo midiático das empresas de comunicação e entretenimento sem nenhum interesse por nada? E qual é o lugar da crítica numa cultura política eternamente afirmativa – em especial no meio de guerras da cultura que levam a direita à


ameaça do ame-o ou deixe-o e a esquerda a imaginar onde estou nesse cenário? Obviamente, essa mesma situação também torna as velhas funções da crítica mais urgentes do que nunca – questionar um status quo econômico-político comprometido acima de tudo com sua própria reprodução e proveito e fazer a mediação entre grupos culturais que, desprovidos de uma esfera pública para o debate aberto, acabam parecendo sectários. Mas apontar as necessidades não é fornecer as condições.”7 ◑ ILUSTRAÇÃO: VANESSA MATTARA

7 Foster, Hal. O Retorno do Real. Cosac Naify. 2014. p. 13-14




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ARTE, CULTURA E OS MOVIMENTOS DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO


ciação científica, intitulada "Redes sociais, arte e cidade: Junho de 2013 e os movimentos de resistência na produção do espaço urbano"

É fácil se perder em meio ao caos da cidade contemporânea. Entre rotinas agitadas e corridas contra o tempo, é compreensível a perda, por parte de muitas pessoas, da consciência sobre as dinâmicas da cidade que elas mesmas ocupam. O tempo dessa cidade contemporânea parece sugar liberdades e afastar, cada vez mais, cidadãos de cidadania. São Paulo não fica de fora: na maior cidade da América Latina, parecemos estar ainda distantes de um entendimento geral da necessidade de consolidar espaços de ampliação da consciência humana como potentes forças críticas e que entendam a cultura como exercício de cidadania e liberdade. É a partir de tal consciência que decorrem as lutas pelo direito à cidade, e a procura por espaços públicos onde seja possível fortalecer as relações entre indivíduo e coletivo. Enxergar a cidade como espaço de permanência e, principalmente, como um lugar de responsabilidade de cada um de seus moradores, abre debates ao inserir novos pensamentos e possíveis soluções para os problemas urbanos. Ao se apropriar da cidade, torna-se mais fácil criar (ou

JULIA LOPES PEREIRA

banismo pela FAUUSP. Este texto foi baseado em sua ini-

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JULIA LOPES PEREIRA é graduanda em Arquitetura e Ur-


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fortalecer) a relação entre indivíduo e coletivo, e entre coletivo e espaço. Nesse cenário, duas questões surgem, sendo elas bastante relacionadas: de um lado, têm mostrado grande atuação na cidade de São Paulo, e em outras capitais pelo país, os coletivos ligados à produção cultural, que discutem questões de cidadania e apropriação do espaço urbano; e, por outro, vê-se (res)surgir, no contexto das cidades, manifestações populares onde existe certo entendimento da lógica do espaço urbano, e passa-se a questionar uma maior autonomia da população, por exemplo, como aconteceu em junho de 2013. “Reivindicar o direito à cidade no sentido que aqui proponho equivale a reivindicar algum tipo de poder configurador sobre os processos de urbanização, sobre o modo como nossas cidades são feitas e refeitas, e pressupõe fazê-lo de maneira radical e fundamental.” (HARVEY, 2014, p. 30) Desde muito antes de se iniciarem os movimentos das Jornadas de Junho, já atuava na cena de São Paulo uma série de coletivos de arte, engajados na tarefa de alterar o modelo vigente, no qual a população é sempre objeto em vez de sujeito, e por isso acaba sendo excluída da própria organização da cidade. Dessa maneira, o que os coletivos questionam e trazem para discussão é a impossibilidade de se manter os antigos modos, uma vez que a cidade e a vida urbana são pontos-chave dessa discussão. É preciso renovar, reconstruir e qualificar a cidade como espaço público. Atuante na cena cultural de São Paulo desde 2004, o coletivo Política do Impossível desenvolve projetos de investigação e ação no espaço urbano, incentivando novos olha-


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res capazes de relacionar informações e intervir na realidade – em 2008, eles desenvolveram a ação “Traga sua luz”, que teve por objetivo reunir pessoas que vivem, atuam ou pensam a região da Luz, em função das intervenções e reivindicações que se seguiriam ao projeto da “Nova Luz”. Já o grupo de teatro OPOVOEMPÉ apresenta espetáculos e intervenções que procuram fortalecer a apropriação do espaço da cidade por aqueles que nela vivem, trabalham, transitam. O espetáculo “A máquina do tempo (ou longo agora)”, que se deu entre 2011 e 2012, dialoga sobre a questão da passagem do tempo na vida cotidiana e da relação de cada indivíduo com esse processo, de maneira a incitar no espectador uma percepção de como a vida contemporânea — e o tempo imposto por ela — agem sobre os deslocamentos e fluxos da população em geral. No texto “Será que formulamos mal a pergunta?” (2013), de Silvia Viana, a autora relembra alguns movimentos de 2012, nos quais jovens saíram às ruas de São Paulo num movimento de ocupação e reinvindicação dos espaços da cidade: foi o ato “Existe amor em São Paulo”, que reuniu cerca de 10 mil pessoas na Praça Roosevelt, no centro da cidade. Em entrevista, o arquiteto Guilherme Wisnik afirmou que “os jovens estão cada vez mais presentes nas ruas. Hoje, temos grandes movimentos coletivos que contribuem para fortalecer a integração. Quando as pessoas ocupam os espaços, conseguem transformá-los e acabam se tornando protagonistas”. As Jornadas de Junho foram de fundamental importância para trazer novos ares à cidadania da população das grandes cidades do país — e teve suas raízes diretamente ligadas à questão da liberdade de


cada cidadão, pensando a questão da mobilidade e dos deslocamentos pela cidade que devem (ou deveriam) ir além dos movimentos pendulares entre casa-trabalho e trabalho-casa. A ocupação dos espaços públicos partilha, portanto, da construção de esferas públicas, transformando ruas e praças em lugares de discussão pública, influenciando a opinião pública. Os espaços da cidade passam a funcionar como grandes arenas de participação política. Traçando o caminho da apropriação do espaço a partir da atuação de alguns coletivos de arte e cultura, entende-se que já existia um amplo movimento de ocupação dos espaços da cidade, que tal processo se potencializou com os movimentos sociais que ganharam força em 2013. Outra maneira de ressignificação das relações indivíduo/coletivo/espaço se dá por meio de intervenções artísticas e estéticas, o que se viu a partir não só de obras e exposições que tiveram junho como tema principal — como a obra “Não é sobre sapatos”, de Gabriel Mascaro e apresentada na 31ª Bienal de São Paulo, ou a exposição “140 caracteres” organizada por uma curadoria coletiva, em 2014, no MAM de São Paulo —, mas também de outras formas de expressão estética usadas pelos próprios manifestantes, e que poderiam ir desde o uso das redes sociais para a reprodutibilidade de fotografias e vídeos amadores, até a enorme quantidade de frases e cartazes levados à rua ou colados pela cidade, as próprias pichações e o uso de máscaras. Junho pode ser encarado como um momento emblemático na história política e social da cidade (e do país) como um aprendizado, ou reaprendizado, de velhas abordagens e estratégias de luta até então esquecidas. Essa nova forma de organização social


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traz à luz a possibilidade de aproximação entre atividades cotidianas, ação política e apropriação da cidade. Ruas e praças, assim como as redes sociais, transformaram-se em lugares de discussão política e expressões ideológicas e culturais, não só em São Paulo como em várias outras cidades do mundo. Entre 2010 e 2013, diversas praças tornaramse icônicas no que diz respeito à participação popular, entre elas: Praça do Sol (Madri), Praça Taksim (Istambul), Praça do Parque Zuccotti/Wall Street (Nova York), Praça Tahrir (Cairo), Largo da Batata (São Paulo). Voltouse atrás na ideia da falência de grande parte dos espaços públicos nos Estados Unidos, por exemplo. O mesmo aconteceu na Praça Tahir e em tantas outras pelo mundo, onde os manifestantes encontraram, num lugar às vezes pouco valorizado, o potencial de fazer dessas praças lugares de uso e expressão de quem vive naquelas cidades. Isso implica concluir que a questão maior é como as Jornadas foram capazes de abrir caminho para um imenso leque de possibilidades que podem delas derivar e incorporar às práticas de organização social no país. O que reflete diretamente, também, no leque de possibilidades que se abriu para o ramo das artes e da cultura. Jean-Paul Sartre, em entrevista à revista Le Nouvel Observateur em maio de 1968, caracteriza os movimentos da época como uma expansão do campo do possível, onde mais do que alcançar resultados e desenhar uma nova ordem, o que se valoriza é a noção do processo. As ressignificações dos espaços urbanos são, dessa maneira, questões contemporâneas talvez desde antes de 1968, mas, cada vez mais, a população percebe seu papel ativo nas transformações: tanto quanto à mobilidade quanto a outras problemáticas que


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ainda precisam ser discutidas nas cidades contemporâneas. Um momento como o de junho é, sem dúvida, apenas o começo. “Mas o importante não é elaborar uma reforma do sistema capitalista, mas sim lançar uma experiência de ruptura completa com esta sociedade; uma experiência que não dure mas que deixe entrever uma possibilidade: percebe-se algo, fugidiamente, que depois se extingue. Mas basta para provar que esse algo pode existir.” (SARTRE, 1968) ILUSTRAÇÃO: FELIPE RIGHI

REFERÊNCIAS ARANTES, Paulo Eduardo. O novo tempo do mundo. São Paulo: Boitempo, 2014.

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participar e compartilhar em busca de formas alternativas de organização coletiva

LAURA SOBRAL é arquiteta e urbanista pela FAUUSP e Politecnica de Ma-

drid, pesquisa e trabalha com a apropriação dos espaços públicos urbanos. Colaboração de LORENA VICINI, formada em Letras pela FFLCHUSP, propretária e fundadora da editora PROVA3; e de BIANCA ANTUNES, jornalis-

ta formada pela ECAUSP, editora da revista aU - arquitetura e urbanismo.


POSSÍVEL PARA AS CIDADES

1 SIMMEL, George. The Metropolis and Mental Life. Free Press, 1976.

2 LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. Centauro, 2001.

“A pontualidade, a contabilidade, a exatidão, que coagem a complicações e extensões da vida na cidade grande, estão não somente no nexo mais íntimo com o seu caráter intelectualístico e econômico-monetário, mas também precisam tingir os conteúdos da vida e facilitar a exclusão daqueles traços essenciais e impulsos irracionais, instintivos e soberanos, que pretendem determinar a partir de si a forma da vida, em vez de recebê-la de fora como uma forma universal, definida esquematicamente.”1 O pragmatismo urbano levado ao extremo, que privilegia o interesse individual em detrimento do coletivo, tudo em nome da produtividade, conduziu ao desenvolvimento de muitas das metrópoles modernas. Aos poucos, vem se tomando consciência de que esse modelo não gera cidades “humanizadas”, que privilegiem a qualidade de vida. Chegamos, então, ao momento de refletir sobre o paradigma do desenvolvimento urbano atual e, consequentemente, sobre a busca pelo resgate do valor do que é público, coletivo e comum. Para uma cidade mais humana, urge a retomada da essência do urbano: “A vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos”,

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UMA OUTRA LÓGICA

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Nas grandes cidades, as pessoas estão sempre com pressa, a sensação é a de que não há tempo pra nada. Simmel escreveu:


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escreveu o sociólogo francês Henri Lefebvre2. O espaço público, historicamente o locus do encontro e exercício da cidadania, muitas vezes negligenciado, passou a ser visto como oportunidade para a intervenção e reinvenção da vida urbana em um novo contexto. Nesse processo de ressignificação, a sociedade civil desempenha um importante papel, assumindo a responsabilidade sobre o território e a cidade como produto social. Porém, ao mesmo tempo em que o espaço público provê a convivência do diferente e do encontro, é também disputa e conflito. Como compartilhar sem dividir? Como conseguir que o conflito seja o motor de novas alternativas, que seja exercício do diálogo, de troca, de tolerância e do invento, ao invés de ser segregador e polarizador?

CONSTRUÇÕES DE CIMA PARA BAIXO

A tendência predominante no Brasil – especialmente em São Paulo – é a construção formal do território urbano baseada em megaprojetos, distantes, em concepção e processo, do interesse coletivo. Projetos para áreas a serem urbanizadas ou reurbanizadas são desenvolvidos por escritórios de arquitetura ou de engenharia, nem sempre conhecedores das dinâmicas desses espaços e das expectativas e necessidades de seus frequentadores e moradores. Essa questão básica não tem sido tomada como premissa. As obras arrastam-se por anos, muitas vezes dobrando a previsão original de sua concepção. Muito do que estava no papel acaba não se concretizando, cedendo em diversos aspectos aos interesses do mercado corporativo, em especial o imobiliário. Há um movimento recente de indivíduos e coletivos que buscam caminhos alternativos à maneira que a urbanização vem avançando, fazendo do espaço público um lugar de experimentação. Suas iniciativas valorizam a qualidade da ocupação dos espaços pela presença humana e atividades temporárias, e constroem uma narrativa coletiva sobre e no território, incentivando a apropriação da cidade e de seus processos pelo cidadão.


Em outras partes do Globo o urbanismo tático3 – nome dado ao movimento que utiliza projetos rápidos, pequenos e/ou temporários para demonstrar a possibilidade e o potencial de mudanças em larga escala e a longo prazo – gera resultados positivos há anos. O coletivo EXYZT – com bases em Londres e Paris –, diz em seu manifesto “Queremos construir novos mundos onde a ficção é realidade e jogos são novas regras para a democracia. Se o espaço é composto por dinâmica de troca, então todos podem ser arquitetos do nosso mundo e encorajar a criatividade e a reflexão para renovar comportamentos sociais”4 . Outros exemplos internacionais são o Tempelhof, em Berlim, que, em um referendo sobre o destino de um aeroporto desativado, indicou a vontade dos cidadãos de que o local, onde hoje fica o maior parque público da cidade, fosse

3 Urbanismo tático são ações de curta duração, baixo

custo e microescala, realizadas em grandes cidades a partir do esforço da sociedade civil. Segundo o urbanismo tático, intervenções feitas de baixo pra cima

(“bottom up”, em inglês), em que a população tem poder de escolha e tomada de decisão no espaço público,

facilitam na catalisação de mudanças a longo prazo, realizadas não somente por urbanistas, mas por locais

através do engajamento social. In: LYDON, Mike. Tactical Urbanism: Short-term Action for Long-term Change, Island Press,2015.

4 EXYZT. Manifesto. Disponível em: http://www.exyzt. org/be-utopian. Acesso em: 16 jul. 2015.

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DE BAIXO PARA CIMA

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URBANISMO TÁTICO,

mantido como está, sem qualquer tipo de construção na área, frustrando os planos da municipalidade de construir empreendimentos. Em Madri, El Campo de Cebada foi organizado pela comunidade do bairro La Latina, que se apropriou do terreno, antes destinado à construção de um equipamento público. Hoje é um lugar ativo, cheio de atrações culturais e de lazer, como cinema ao ar livre e cafés da manhã comunitários. Na cidade de São Paulo, iniciativas despontam nos mais diferentes territórios da cidade, como os coletivos reunidos em volta da casa Ecoativa, no bairro do Grajaú, espaço ocupado por moradores do extremo Sul, que promovem a agroecologia, atividades culturais e de preservação da biodiversidade local. No centro da capital paulistana emerge o Parque Augusta como o último bosque de mata na-


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tiva dessa região: com status de propriedade privada, mas com áreas registradas em cartório como públicas – 80% da propriedade não pode, por lei, ser alterada – o Parque é objeto da mobilização de uma considerável parcela da população paulistana, que se articula, também com ocupações culturais, posicionando-se contra o plano das construtoras que querem construir torres no local. Na zona Oeste, o Largo da Batata passou por uma operação urbana agressiva, em que muitas casas foram derrubadas e a morfologia do lugar foi bastante alterada, deixando, depois de mais de dez anos de construção, um terreno arrasado, sem árvores ou mobiliário. Moradores e frequentadores da região organizaram-se para ocupá-lo regularmente com atividades para chamar a atenção para seu processo e tornar o lugar, de fato, um espaço público vivo.


51 LAURA SOBRAL

A CIDADE COMO DIREITO

Nessa busca por novas maneiras de se fazer a cidade, sob outras lógicas que não a corporativa, os commons adquirem maior significado como um processo político: além de espaços públicos, os espaços que se deseja também são espaços de autonomia cidadã, do experimentalismo, do comum. O termo “comum” tem muitos significados, em si. Os bens comuns são bens no maior sentido da palavra, do virtual ao físico. Trata-se de recuperar a legitimidade de um direito de utilização sem o controle estatal (ou privado) excessivo. O ato de commoning torna-se

um exercício coletivo, pelo qual tais espaços podem ser repensados e, finalmente, reinventados, pela democracia direta, auto-organização e verdadeira participação, que não é a consultiva, mas a conjunta, processual e interativa. Em sua definição de commons, Massimo de Angelis salienta a importância de três elementos: o conjunto de recursos comuns não-mercantilizados, uma comunidade para sustentar e criar commons, e o processo de commoning que une a comunidade e os recursos. O termo commoning é um dos mais importantes para a compreensão dos commons, na opinião de Massimo 5 . A participação presencial e também pelas redes sociais, abaixo-assinados e protestos são rupturas que podem decifrar códigos e regulamentos urbanos, abrindo espaço para se inventar formas de organização e de uso compartilhado.

5 AN ARCHITEKTUR. On the Commons: A Public Inter-

view with Massimo De Angelis and Stavros Stavrides, in e-flux journal 17, 2010.


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INVENTANDO PROCESSOS URBANOS PARA UMA CIDADE-LABORATÓRIO

É desejável que o planejamento de uma cidade participativa tenha etapas mais simples de serem concluídas e acompanhadas, tanto na escala macro quanto na escala do microplanejamento. Arquitetos e urbanistas têm, hoje em dia, a oportunidade de tornar os processos de desenho abertos, transparentes e compartilhados. Atualmente, os meios social e virtual permitem tanto o financiamento de novas ideias como a organização contra medidas impopulares em níveis sem precedentes de escala e velocidade. Em um contexto mais participativo, a cidade deixa de ser um assunto restrito aos especialistas. Um importante desafio para muitas metrópoles é criar a cultura de ocupação dos espaços públicos, incentivando a autonomia dos cidadãos sobre a cidade, o espaço público não mais sendo tratado como se fosse “de ninguém” mas sim um espaço, efetivamente, de todos. O papel do cidadão nessa transformação é central, assim como a necessidade de um modus operandi aberto à sua participação efetiva – que, afinal, nada mais é que um direito, citando o geógrafo David Harvey: “Não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas é o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente”6. ◐

6 HARVEY, David. Cities for All: proposals and experiences towards the right to the city, Habitat International Coalition (HIC), 2010.


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AN ARCHITEKTUR. On the Commons:

and Stavros Stavrides. Disponível em: <http://

www.e-flux.com/journal/on-the-commons-a-

public-interview-with-massimo-de-angelis-andstavros-stavrides/>. Acesso em: 16 jul. 2015.

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REFERÊNCIAS

LAURA SOBRAL

A Public Interview with Massimo De Angelis


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FILIPE BARCELOS DE FARIA

4 O Vale do Anhangabaú foi um cenário de transformações, construções, demolições, divagações, fechando com o complexo abandono atual. Sempre foi palco de mudanças históricas para a cidade de São Paulo, assunto recorrente dentro das faculdades de arquitetura e urbanismo, seja como história do urbanismo paulista, seja como caso de estudo para projetos que realmente não deram certo. Acadêmicos escrevem sobre o assunto, arquitetos adoram o tema. Se fizermos uma pesquisa rápida sobre o número de teses de graduação, mestrados e doutorados tendo como ponto de partida o território geográfico do Vale do Anhangabaú, pode-se dizer que o assunto ainda é pauta, pauta vívida. Angelo Bucci escreveu dois textos interessantes sobre o assunto: “Anhangabaú: uma arqueologia do futuro” e “Anhangabaú, o Chá e a Metrópole”, este último é o título de seu mestrado. Pablo Hereñu dissertou em seu mestrado sobre o assunto com o título “Sentidos do Anhangabaú” e teve em sua banca o Angelo Bucci, ambos formados na FAU-USP. Cito os dois nomes como sendo referências atuais sobre o tema, conhecidos no ambiente tanto do academicismo quanto pelo seus trabalhos arquitetos urbanistas. Basta dar uma olhada no corpo da EMURB, buscar um pouco de história e ver que muitos outros arquitetos urbanistas se debruçaram sobre esse território dicotômico, ver os concursos que ocorreram, as propostas e quantidade de material gerado. Só no concurso realizado pela EMURB em 1981 foram inscritas 155 equipes e 93 trabalhos foram julgados pelo juri. A equipe vencedora era representada pelo Jorge Wilheim e Rosa Kliass. Por causa da burocracia já recorrente e conhecida no nosso processo histórico de país, as obras para o Vale começaram em janeiro 1986, finalizadas em dezembro de 1991 e a inauguração oficial aconteceu em janeiro 1992 com show de Caetano Veloso. Antes teve até proposta do Artigas e por aí vai.

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NOME E SOBRENOME (DO AUTOR)


5 Podemos passear pelo Vale, seja de modo virtual, digital ou físico, para sabermos que o Vale que encontramos atualmente é um lugar estranho, retalhado e recortado por caprichos autorais. Espaço público autoral: uma coisa que arquitetos urbanistas gostam de praticar, mas que hoje foi ocupado pela síndrome do quase esquecimento, pois não dá pra esquecer completamente aquela calamidade urbana. Desde a verruga construída, que já foi um banheiro declarado à céu aberto e que hoje é uma mistura de poço, buraco, caverna, cuja função é atrapalhar um dos eixos mais significativos que poderíamos ter na cidade até o cruzamento por necessidade entre centro velho e o centro novo, apenas fluidez peatonal.


ALINA PAIAS

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os espaços públicos na cracolândia ALINA PAIAS é aluna da graduação da FAUUSP e tem uma pesquisa em andamento com o tema “Jornadas de Junho:

as dimensões estética e política do espaço urbano”, orien-

tada pela professora Dra. Ana Barone, com apoio da FAPESP


57 ALINA PAIAS

a relação entre projetos, poderes e usos em uma das áreas de maior fragilidade social da cidade


58 ALINA PAIAS

As primeiras aparições do termo cracolândia nos jornais datam da metade da década de 90, mas sua consagração é recente, pertence aos anos 2000. Não que a vocação de abrigo às mais variadas atividades contra-hegemônicas seja nova na região: durante os anos 30, foi lar da Boca do Lixo; no momento do milagre econômico, entre 1968 e 1973, tornou-se núcleo de mendicância e prostituição dos muitos imigrantes recém-chegados de trem, pela Estação da Luz, e que não encontravam na cidade as oportunidades que buscavam. A ocupação da área pela elite econômica foi breve e anterior à industrialização. Ao longo da República Velha, encerrada em 1930, vigorava a economia cafeeira, e os barões optaram por se instalar próximos à ferrovia, legando à região, após sua saída, grandes edifícios ecléticos, alguns dos quais seriam ocupados com programas culturais no final do século XX. O fim do ciclo do café e a industrialização marcaram o deslocamento da elite em marcha estável ao Sul e ao Oeste da cidade. Não só a Luz como

todo o centro enfrentou o abandono pela elite e a perda de status de centralidade econômica. Sucedeu-se, como consequência, o abandono pelo poder público, instalando-se ao longo do século XX um estado de degradação por grande parte da região. A partir de 1970, os primeiros discursos sobre a revitalização1 do centro começaram a ser elaborados. O histórico de práticas artísticas e os já existentes edifícios de grande porte que poderiam abrigar programas ambiciosos contribuíram para a construção da vocação cultural da região da Luz dentro da configuração da cidade2. A diferença entre essa e outras áreas, porém, foi a de que, embora o discurso de atração de investimentos privados já estivesse presente em muitas das ações implementadas pela cidade, o interesse privado na revitalização da Luz, além de intermitente, foi pouco expressivo. Guardadas as devidas nuances entre as diferentes administrações e projetos, o interesse inicial de requalifica-

a diferença entre essa e outras áreas, porém, foi a de que, embora o discurso de atração de investimentos privados já estivesse presente em muitas das ações implementadas pela cidade, o interesse privado na revitalização da Luz, além de intermitente, foi pouco expressivo


1 O esquema de revitalização nas cidades pós-modernas se

consolidou em 1980 com o projeto do Inner Harbor, em Baltimore. Sua ideia, de forma simplificada, consiste em, den-

tro de uma parceria público-privada, requalificar espaços específicos para que estes ancorem determinada forma de mudança social nas áreas adjacentes.

2 Sobre a gênese da relação direta entre requalificação territorial e implantação de grandes equipamentos culturais,

ver BAUDRILLARD, J. L’effet Beaubourg: Implosion et dissuassion. Paris, Éditions Galilée, 1977.

ALINA PAIAS

região. Faziam parte dele, ainda, a requalificação de vias públicas e melhorias na infraestrutura. A área de intervenção correspondia a quase toda a extensão da cracolândia e a parte considerável da Santa Ifigênia, e após conturbadas tentativas3 de implementação pelas gestões anteriores, o prefeito Fernando Haddad oficializou o fim do projeto em 2013, alegando falta de recursos públicos para sua realização. São condicionantes da atuação pública na região no presente momento, portanto, limitações financeiras, resistência social e uma situação de saúde e segurança pública premente a ser solucionada. Denota-se, também, a partir deste histórico, as sucessivas frustrações das propostas de requalificação, impossibilitadas em seus modelos concessionários de produção do espaço exatamente pelo desinteresse do capital privado nelas, algo obviamente influenciado pela existência de um núcleo de tráfico e usuários de drogas. Uma em-

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ção da região sempre foi público. O papel da iniciativa privada esteve continuamente na consumação das parcerias e financiamentos necessários para a execução destes projetos de larga escala. Destacam-se na comprovação histórica deste esquema propostas como o Luz Cultural, que previa a instalação de equipamentos culturais de grande porte aliada à restauração do patrimônio arquitetônico da área; o Pólo Cultural Luz, contemporâneo à reforma da Pinacoteca, da Estação Júlio Prestes e da estação da Luz; ou os mais recentes Centro Cultural Luz, concebido pelo governo estadual, e o Projeto Nova Luz. A situação contemporânea da cracolândia se relaciona, em grande medida, com o histórico do projeto da Nova Luz. Iniciado durante o governo José Serra e desenvolvido durante a gestão Kassab, o projeto previa a instalação de um pólo econômico, consolidado a partir de incentivos e estímulos ao estabelecimento de empresas na


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presa privada que subsiste na região, entretanto, é a seguradora Porto Seguro. O ano de 1976 marcou a transferência da matriz da Porto Seguro para a região dos Campos Elíseos, ao lado da Luz e da Estação Júlio Prestes. Este seria o início da permanência da empresa na região, estendida até os dias de hoje. Em 1991, a sede foi novamente transferida para a Rua Guaianases, e a atividade da seguradora sobre os Campos Elíseos se fortaleceu tanto pela aquisição de novos imóveis para a implantação de programas adicionais à sede, quanto de relacionamento com as atividades e moradores do bairro como estratégia de desenvolvimento de seus projetos de responsabilidade socioambiental. Fazem parte dessa estratégia ações como a manutenção do Instituto Porto Seguro Socioambiental e da Casa Campos Elíseos Melhor, que fornece cursos de formação profissional; além da requalificação e manutenção do Largo Sagrado Coração de Jesus, entre as alamedas Barão de Piracicaba e Dino Bueno. O Largo, de construção paralela à do Liceu e do Santuário Coração de Jesus, do início do século XX, configurou-se desde o início da cracolândia como ponto essencial no fluxo4, e novas atenções se voltaram a sua ocupação e seu uso a partir da execução, em janeiro de 2014, da primeira fase do programa De Braços Abertos. Orientado por práticas de redução de danos associados ao uso do crack, o Programa foi elaborado como contrapartida às políticas repressivas de guerra às drogas praticadas pelas gestões municipais anteriores. Estava prevista, dentro do quadro de redução de danos, a requalificação de espaços públicos, dentre eles o próprio Largo. Mesmo com motivações diferentes, portanto, convergiram os planos da seguradora e do poder público sobre o lugar.

3 A grande questão do Projeto Nova Luz foi seu vínculo à Lei

de Concessão Urbanística, aprovada em 2002, e que previa a concessão do poder de desapropriação às próprias empresas consorciadas. O Projeto enfrentou resistência desde

de comerciantes que teriam seus imóveis desapropriados a ativistas sociais e ONGs que alegavam a inconstitucionali-

dade e o potencial caráter antidemocrático de se transferir poderes de desapropriação a empresas privadas.


61 ALINA PAIAS

O projeto de requalificação do espaço, fruto de uma parceria público-privada entre as esferas municipal e estadual e a Porto Seguro, se iniciou em janeiro de 2014, sendo acordada com os usuários a alocação do fluxo às ruas circundantes. Em junho do mesmo ano revelou-se, em cerimônia oficial de inauguração, o novo projeto. O Largo refeito contava com duas quadras poliesportivas, equipamentos de recreação para crianças, novos bancos e mesas e uma base comunitária da Polícia Militar associada às ações do programa Recomeço, a iniciativa estadual de combate ao crack iniciada no governo Alckmin. Também foram instalados mecanismos de controle e vigilância de uso e acessos, como um gradil ao redor do espaço e câmeras ao longo de seu perímetro. Pouco mais de um ano após a requalificação, uma visita ao largo, que está em excelente estado de manutenção graças ao auxílio provido pela Porto Seguro, trai o nítido contraste entre os dois lados do gradil: todas as ruas ao redor do lugar concentram grupos de usuários, mas nenhum deles adentra a área de lazer. Restrições específicas como a proibição do uso de qualquer produto fumígeno, mesmo a céu aberto, aliadas ao atento policiamento, vindo da base comunitária, convencionam o fluxo como uma atividade não mais tolerada por ser inadequada ao próprio espaço, e, mais precisamente, à sua vocação pública. Outro elemento do conjunto de espaços públicos na cracolândia é a praça Júlio Prestes, localizada em frente à estação de mesmo nome. Já em 2015, no mês de abril, avançou-se a agenda do De Braços Abertos, e foi pactuado com os usuários o desmonte de todas as barracas que abrigavam o fluxo. Como a praça vinha comportando grande parte deste, mais uma vez acordou-se a alo-


ALINA PAIAS

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ILUSTRAÇÃO: BERNARD LEMOS TJABBES


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cação das aglomerações, desta vez para a área específica entre a Rua Helvétia e a Alameda Dino Bueno. O processo de transferência foi convoluto, contabilizando até mesmo episódios de repressão policial. No final do mês, a praça renovada foi entregue à população em cerimônia oficial. De tamanho reduzido, ela não conta com edifícios ao seu redor e sofre com a incidência solar constante. Seu mobiliário é composto de bancos de concreto com assentos curvos que impossibilitam deitar-se neles e alguns canteiros florais. A inexistência de qualquer cobertura torna desagradável a permanência no espaço, e, em visitas feitas alguns meses após a inauguração, notou-se que este se encontrava continuamente vazio. Uma ou duas viaturas da Guarda Civil Municipal estão sempre posicionadas em seu perímetro, e a remoção do fluxo da área foi permanente e completa. São Paulo vem presenciando, na última década, a ampliação da atuação de grandes empresas na concepção e implementa-

ção de intervenções na cidade através das áreas culturais, de mobilidade e de espaços públicos. O caso mais notável é o do grupo Itaú, responsável pela gestão de uma rede de cinemas e espaços culturais, por um sistema de locação de bicicletas pela cidade e, mais distintamente, pela parceria com a prefeitura para a implementação de um novo projeto na área do Vale do Anhangabaú. É relevante extrair disso que não apenas o grupo Itaú ou a própria Porto Seguro, mas todas as empresas comprometidas com a ideia de responsabilidade socioambiental, têm a possibilidade de interferir diretamente nas cidades e em sua composição. A Porto Seguro, por exemplo, atua em regime de responsabilidade socioambiental não apenas nos Campos Elíseos mas em diversos pontos da cidade, delegando núcleos administrativos expressivos no gerenciamento destas questões. O cumprimento destas responsabilidades, para além da contribuição positiva à imagem5 e à percepção das empresas pelo

São Paulo vem presenciando, na última década, a ampliação da atuação de grandes empresas na concepção e implementação de intervenções na cidade através das áreas culturais, de mobilidade e de espaços públicos


zada no próprio local da concentração de usuários e barracas, e será, portanto, utilizado neste sentido ao longo do texto.

ALINA PAIAS

4 O termo corresponde à denominação coloquial e mais utili-

que simplesmente não efetuam impacto algum sobre qualquer forma de déficit social. Também traz novas atenções à área central um movimento de dita renascença do centro da cidade, capitaneado pela ocupação cultural e artística da população mais jovem e instruída, exatamente à maneira de muitas cidades norteamericanas durante o século XX, com exemplo incomparável em Nova York. Além disso, nestes próprios casos, os espaços públicos reformados tiveram posição fundamental nestes processos de reversão da ocupação. Assim, embora esta forma de atuação em nova escala, focada pontualmente em determinados espaços e seus usos, seja nova em São Paulo e ainda mais nos Campos Elíseos, não se pode dizer o mesmo dela enquanto instrumento de muitas outras gestões europeias e norteamericanas. Por fim, a retirada dos usuários das praças pode ter sua análise decantada em duas chaves diferentes. A primeira, muito específica ao lugar, diz respeito à concepção

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público, as transforma em agentes sociais e de transformação do espaço. Existem, entretanto, duas questões a serem levantadas quanto a essa forma de ação. A primeira é que ela é fragmentária, e não obedece a algum direcionamento de estruturação do espaço. Não que seja via de regra, mas intervenções pontuais e fragmentadas são, frequentemente, ponto de partida de processos gentrificatórios. A segunda é que o objetivo de transformação social proposto em uma ação responsável (no caso, principalmente projetos de revitalização ou qualificação dos espaços) não necessariamente possibilita essa transformação, no sentido de que se evade (na verdade, as empresas apenas não possuem esta responsabilidade) de tratar ou combater aspectos estruturais da desigualdade social ou, no caso da cracolândia, de saúde pública e direitos humanos. Otília Arantes (ARANTES, 2000, p. 23), por exemplo, descaracteriza os processos de revitalização enquanto políticas sociais ao indicar


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do fluxo como atividade que pede desmantelamento. Desprovê-la de uma base física de ocorrência, ou ao menos alocá-la a áreas cada vez mais reduzidas, talvez seja a forma mais simples de efetuar seu desmanche. Não se ignora, evidentemente, que a remoção esteja prevista dentro de um programa de redução de danos, e que, mesmo visado o desmanche do fluxo, a gestão atual se destaca em tratá-lo como uma questão de direitos humanos e saúde pública. Interessa, contudo, identificar como a atenção aos usos dos espaços anteriormente aos projetos os orientam. Mesmo que enquanto elemento negativo, o uso entra na equação do projeto, condicionando-o6. Outro momento de análise a ser feito é quanto ao papel dos espaços públicos na produção e na imagem do território. Existe a necessidade de conformar estes espaços a determinada concepção construída de civilidade e democracia, já que eles, enquanto seus corolários, não apenas abrigam a vivência democrática da cidade como a representam ao longo de todo um território. Dentro de um processo de compreensão imagética da vida, a pobreza e as mazelas sociais adquirem o caráter de paisagem, que, se indesejada em determinado espaço, roga sua eliminação. Em direta relação, Deutsche (DEUTSCHE, 1996, p. 275) chama a atenção, principalmente, à dita incontestabilidade do que é o uso legítimo do espaço público: se público de fato (não em termos de uso e acesso, mas de sua gênese e papel dentro da sociedade democrática), ele não escapa aos conflitos, porque é produzido por eles. Mais do que isso, buscar compreender histórica e politicamente - em vez de simplesmente eliminar - a presença de determinados atores sociais em determinados espaços ajuda a compreender a produção da cidade e do território como um todo. ◑

5 Em um contexto de culturalismo de mercado (ARANTES,

2000, p. 16), o marketing e a fabricação e manutenção de imagens sedutoras ao público são essenciais ao sucesso de qualquer empresa.

6 Sobre a relação entre paisagem produzida e exclusão, ver

Zukin, 1991. Quanto ao uso indesejado e o que representa

como imagem, “The homeless person, represented as an intruder in public space, supports the housed resident’s fan-

tasy that the city, and social space in general, is essentially an organic whole. The person without a home is constructed

as an ideological figure, a negative image created to restore positivity and order to social life.” (DEUTSCHE, 1996, p. 277)


consensos. São Paulo, Editora Vozes, 2000. DEUTSCHE, R. Evictions: Art and Spatial Politics. Cambridge, MIT Press, 1996. HARVEY, D. Spaces of Capital: Towards a Critical Geography. Nova Iorque, Routledge, 2001. KARA JOSÉ, B. A população do centro de São Paulo: Um estudo de transformações ocorridas nos últimos 20 anos. Tese de doutorado (FAUUSP). São Paulo, 2010. KARA JOSÉ, B. Políticas culturais e negócios urbanos: A instrumentalização da cultura na revalorização do centro de São Paulo (1975-2000). São Paulo, Annablume, 2007. ZUKIN, S. Landscapes of Power: From Detroit to Disney World. California, University of California Press, 1991. ENDEREÇOS DIGITAIS (acessados em 10/08/2015) http://www.capital.sp.gov.br/portal/noticia/5588#ad-image-6 http://www.capital.sp.gov.br/portal/noticia/5240#ad-image-17 http://www.capital.sp.gov.br/portal/noticia/659#ad-image-0 http://www.justica.sp.gov.br/portal/site/SJDC/menuitem.01417f028446dbd354f160f4390f8ca0/?vgnextoid=528eade0da946410VgnVCM1000008936c80aRCRD&vgnextfmt=default http://noticias.r7.com/sao-paulo/apos-retirada-de-barracas-guarda-civil-bloqueiaruas-da-cracolandia-02052015 Colaboraram, de formas diferentes, na redação deste texto Felipe Faria Maria Beatriz Rufino Raphael Escobar

ALINA PAIAS

ARANTES, O. Uma estratégia fatal: A cultura nas novas gestões urbanas, in: A cidade do Pensamento único: Desmanchando

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REFERÊNCIAS


















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6 Pelo que parece a bucha do insucesso do novo vale erundinense caiu nas mãos da arquiteta urbanista Rosa Kliass, fato interessante, pois quando conversava com alguns professores na graduação sobre o projeto do Vale do Anhangabaú, os professores-homens diziam o nome da autora-mulher Rosa Kliass, mãe do desastre da paisagem. Pronto. O nome do outro responsável ou dos coautores era deixado de lado, prática também recorrente dentro dos escritórios, onde a assinatura e o sobrenome famoso tem um poder no mínimo interessante. Apenas para apimentar o debate também atual sobre a “outorga da culpa direcionada” que ainda acontece de um modo machista dentro desta tão valorosa profissão que não é somente arquitetura e urbanismo, mas tem outro fator de definição: paisagismo. Este último parece ter sua função jogada mais às traças sendo considerado quase como uma fachada do território, o que o urbanismo não pode responder deixa que o paisagismo responde, mesmo quando nem se sabe direito a pergunta. Defeitos que a academia, hoje, com todo seu glamour, ainda não consegue resolver. Pessoalmente espero que não resolva e se amargure com isso.

NOME EFILIPE SOBRENOME (DODE AUTOR) BARCELOS FARIA


7 Nas redes sociais, veículos de comunicação fast-food, houve a declaração do arquiteto Mario Figueroa no dia 22 de julho deste ano, com duas imagens e com a seguinte descrição do autor: “A esquerda a nossa proposta de 1996 para o Concurso NOVO CENTRO a direita a proposta recente do arquiteto dinamarquês Jan Gehl. Equipe do Concurso: José Magalhães Jr., José Francisco X. Magalhães, Mario Figueroa, Andréa Castanheira, Beatriz Corrêa, Luciana Brasil, Maria Augusta Bueno e Roberta Duarte. Na época eu e o Chico, ambos com 30 anos, acompanhávamos o Zé Magalhães com uma equipe de arquitetas recém formadas do Mackenzie [todas ex-alunas]. A ilustração é uma fotomontagem feita a 4 mãos [eu e o Zé] sobre um clássico cartão postal do início dos 90. A nossa proposta tratava a condição das bordas tratando o parque em bandas programáticas que dialogavam entre as partes. Por isso á uma grande concentração de árvores na frente do Teatro Municipal... uma extensão natural, uma lembrança do antigo parque.. Eram propostos também jogos de água bem em frente ao que hoje é a Praça das Artes. Uma proposta clara, precisa, geométrica mas me parece humana e com uma certa sensibilidade na tal da ‘costura urbana’.”


VICTOR MARTINS DE AGUIAR

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87 VICTOR MARTINS DE AGUIAR





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LE CONQUÊTE DE L’

BARRE D’ PROMENADES DANS L’ GÉOMÉTRIE DANS L’ REGARD BALAYANT L’

DÉCOUVERTE DE L’

POSITION DANS L’

MANQUE D’

E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE TEMPS MESURÉ

OBLIQUE VIERGE EUCLIDIEN AÉRIEN GRIS TORDU DU RÊVE

DÉCOUVERT

COMPTÉ VERT VITAL CRITIQUE

LIBRE CLOS FORCLOS

GEORGES PEREC

102


L’ODYSSÉE DE L’

REGARD PERDU DANS LES GRANDS L’ÉVOLUTION DES

TOUR DE L’ AUX BORDS DE L’

LE PIÉTON DE L’

S S SONARE LITTÉRAIRE

D’UN MATIN

BRISÉ ORDONNÉ VÉCU MOU DISPONIBLE PARCOURU PLAN TYPE ALENTOUR

MORT D’UN INSTANT CÉLESTE IMAGINAIRE NUISIBLE BLANC DU DEDANS

GEORGES PEREC

E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE E S PACE 103


LA CONQUISTA DEL

BARRA DE PASEOS POR EL GEOMETRÍA DEL MIRADA QUE EXPLORA EL

DESCUBRIMIENTO DEL

POSICIÓN EN EL

FALTA DE

E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O TIEMPO MEDIDO

OBLICUO VIRGEN EUCLIDIANO AÉREO GRIS TORCIDO DEL SUEÑO

DESCUBIERTO

CONTADO VERDE VITAL CRÍTICO

LIBRE CERRADO PRESCRITO

GEORGES PEREC

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LA ODISEA DEL

MIRADA PERDIDA EN EL LOS GRANDES LA EVOLUCIÓN DE LOS

TORRE DEL A ORILLAS DEL

EL PEATÓN DEL

S S SONORO LITERARIO

DE UNA MAÑANA

QUEBRADO ORDENADO VIVIDO BLANDO DISPONIBLE RECORRIDO PLANO TIPO EN TORNO

MUERTO DE UN INSTANTE CELESTE IMAGINARIO NOCIVO BLANCO DEL INTERIOR

GEORGES PEREC

E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O E S PACI O 105


106 JAIME LERNER

OS

SONS, AS CORES E OS CHEIROS DA RUA JAIME LERNER é arquiteto e urbanista e ex-prefeito de Curitiba


107 JAIME LERNER

O vendedor ambulante muitas vezes é caçado pelos fiscais burocráticos. É pena, pois ele não é apenas um comerciante, às vezes, reconheço, atuando de forma ilegal. Mas ele deve ser visto com olhos mais generosos, dada a amplitude de sua atuação. Na verdade, o vendedor de hot dog em Nova York, de água de coco no Nordeste, as vendedoras de acarajé na Bahia, o homem que grita “olha o mate” nas praias do Rio, as vendedoras de frutas no Caribe, com suas bacias na cabeça, todos têm um componente de identidade muito forte. Eles acrescentam o som, o cheiro, a cor, e isso faz com que nossa identidade se sustente. Durante anos morei em frente a uma fábrica de bolachas no bairro Cabral, em Curitiba. Cada dia da semana era produzido um tipo de bolacha. Quinta-feira, por exemplo, era dia de bolacha de coco, e a região inteira sentia aquele cheiro de gostoso. A fábrica já fechou, mas toda quinta-feira ainda sinto o cheiro da bolacha de coco. Já na parte sul da cidade, todo mundo sentia o cheiro do Matte Leão sendo fabricado. Muitos têm histórias semelhantes das suas cidades. O afiador de facas, o vendedor de frutas, os serviços anunciados e prestados em domicílio, o grito das manchetes dos jornaleiros, alguns desses sons talvez tenham desaparecido das cidades. Novos sinais surgem. O homem-sanduíche de São Paulo e outras cidades acabou se transformando num grande site em que oportunidades são comunicadas. Mas o som, a cor, o cheiro das feiras e dos ambulantes não podem desaparecer. Terrível é uma cidade que não cheira nem fede. ◐


8 Uma mudança tem que acontecer, sim, mas calma lá, resolvendo com diagramas bem feitos, com desenho agradável aos olhos e montagens eletrônicas meio que mentirosas não passando de apenas uma suposição, ainda mais chamando os gringos que “fizeram” projetos que deram certo lá fora, procurando ainda por cima a participação popular que ainda não sabemos como é feita ou se é apenas um encaminhamento intencional, esses elementos não são o segredo para “dar certo”. A falácia de que o Anhangabaú tem que dar certo de alguma maneira reside na pauta de que talvez ele hoje precise passar por mais sufoco. Queremos apagar um erro de 25 anos atrás, um projetinho jovem, sendo que o projeto construído deveria durar um tempo maior, tempo de envelhecer, para digestão da história urbana de São Paulo, marco de memória, sofrimento contínuo pelos erros. A cidade precisa de sentir realmente a depressão e não procurar uma solução paliativa. Mais obra, mais mão-de-obra, mais roubo e confusão nas licitações, uma postura sintomática com as famosas construtoras que amariam uma obra desse tipo, babando pra construir uma lagoinha e desentravar mais um lava-jato, mangueira, mas tem que ser relacionado com lavagem e água, líquido, se quiser insere até o Bauman na discussão, afinal “nada é pra durar e tudo escorre pelas mãos”. Pressa para tentar recuperar o tempo perdido de modo desesperado e no cunho da memória esquecemos que no centro de São Paulo, hoje, existem pautas que são mais importantes do que a tal revitalização do Vale do Anhangabaú, pautas óbvias. Os habitantes de São Paulo souberam dar sentido à aquilo que os arquitetos urbanistas tentaram resolver juntamente com o estado, mas cagaram na intenção principal. Seja com eventos oficiais ou não, seja com o comércio oficial ou não, a população utiliza o Vale do Anhangabaú como pode. A prefeitura que, ao decorrer dos anos, não viu tamanha besteira sendo feita, besteira que ainda perdura em espaços similares como a Praça da Sé e o Largo da Batata, poderia reconhecer o erro com antecedência, erros óbvios, mas não, inanição projetual está sendo muito comum por aqui, nestas terras “além-mar”. A obviedade parece ser um assunto pré-histórico, todo mundo sabe mas pra que considerar o óbvio se posso ter uma ideia malucona e ter fé de que vai dar certo. Sei.

FILIPE BARCELOS DE FARIA

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9 Quando vejo o projeto do Jan Gehl para o Vale do Anhangabaú, sinto que se isso realmente acontecer estaremos mais uma vez seguindo a profecia cíclica de autodestruição. O mais importante a ser considerado é o eixo da Av. São João. O projeto considera essa prerrogativa e é um ponto óbvio a ser resolvido. A mania atual das fachadas ativas parece ser uma boa solução no começo mas em termos práticos quem hoje possui o comércio por lá não estará por lá após as obras. Conhecemos essa história, talvez, com uma dose de quase certeza, aconteceria uma gourmetização do espaço público, atraindo pessoas de certos poderes econômicos, veríamos uma série de carimbos de frequentadores e os mesmos restaurantes e possíveis foodtrucks para a alegria da nova família tradicional brasileira. A tal lagoa perene seria a coisa mais bonita por pouco tempo, mesmo com o patrocínio de banqueiros e eventuais manutenções. Ainda existe um estigma da água em nossa cultura, já temos inúmeros exemplos notórios de que ainda não nos acostumamos com a interação da água em espaço públicos, ponto que ainda é necessário incluir e praticar em pequenas escalas e não na criação de uma poça-espelho que apenas refletirá o mesmo problema do estado atual: fontes desligadas, espaço morto, água parada,

etc. Para resumir, parece que os projetos urbanos não tem nada de diferentes e este novo projeto para o Vale é um projeto de referências: referência ao rio que passava ou que ainda passa mas está afundado, sufocado, referência a uma vida ou estilo europeu de uso do espaço público seguindo a padronagem de soluções que dão certo lá fora e que quase por obrigação da propaganda e adoração à santa Europa têm que dar certo aqui dentro de território latinoamericano. Nós, habitantes dos grandes conglomerados urbanos, temos a tendência de seguir estritamente algumas coisas como parâmetro para qualidade de vida urbana, referência a um colegiado arquitetônico europeu e pior ainda, estadunidense, em que apenas certos nomes têm bastante poder para dizer que isto é válido e isto não é válido e a participação popular apenas é boa e aceitável quando chama o poder da mídia para tentar reconstruir a imagem de um projeto ambicioso que não se sabe bem se vai dar certo ou vai dar errado. Todo projeto é incerto, pois é um projétil lançado ao futuro, mas todo projeto tem um alvo e a intenção é atingir o alvo. O novo projeto tem várias intenções e particularmente tenho dúvidas de que todas essas intenções maravilhosas de um futuro promissor sejam atendidas.


110 PABLO HEREÑÚ

ANHANGABAÚ

IlUSTRAÇÃO: FELIPE SUZUKI


111 PABLO HEREÑÚ

(S) PABLO HEREÑÚ é arquiteto e urbanista pela FAUUSP.

Leciona na Escola da Cidade, São Paulo e é sócio-diretor da empresa Hereñú+Ferroni Arquitetos

O Vale do Anhangabaú já foi um dos lugares mais dinâmicos de São Paulo, identificado por sua população como o grande símbolo do seu desenvolvimento econômico e cultural. No presente, configura-se como um espaço ambíguo, no qual a grandeza de seu passado, cristalizada no importante acervo arquitetônico ali implantado, contrasta com sua falta de sentido urbano, que se revela na apropriação residual e descaracterizada que recebe cotidianamente. A história do Anhangabaú, como O Jogo da Amarelinha de Julio Cortázar, contém uma sucessão heterogênea de pequenos contos que, quando vistos em conjunto, configuram uma novela. O drama do Anhangabaú sintetiza o drama de São Paulo, e é justamente isso o que o torna tão instigante. Para os arquitetos e urbanistas paulistanos, e para muito outros que por aqui passaram, o vale desempenhou o papel de um grande laboratório, sendo objeto de planos e projetos desde os primeiros momentos em que as atividades da arquitetura e do urbanismo se manifestaram neste território.


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cinco momentos distintos se destacam o vale como barreira a ser transposta; o vale como lugar de representação; o vale como passagem dos fluxos metropolitanos; o vale como conflito entre os modos de circular na cidade; e o vale como resíduo de uma operação equivocada.

A leitura das abordagens e premissas que nortearam os projetos para o vale permite identificar o sentido que a ele se atribuía e como este sentido se transformou ao longo do tempo. Cinco momentos distintos se destacam: o vale como barreira a ser transposta; o vale como lugar de representação; o vale como passagem dos fluxos metropolitanos; o vale como conflito entre os modos de circular na cidade; e o vale como resíduo de uma operação equivocada. O período em que o vale se constituía como uma barreira teve início com a expansão oeste da cidade, até então concentrada na colina histórica, sobre o que hoje conhecemos como “centro novo.” Nesse período, iniciativas privadas desenvolveriam propostas de diversas pontes e viadutos visando a sua exploração comercial. A construção dos viadutos do Chá (1877/1892) e de Santa Efigênia (1890/1913) consolidaria a sua superação. A constituição do Anhangabaú em lugar de representação da prosperidade impulsionada pela economia do café se daria de duas maneiras: através da transformação do seu espaço livre, até então de utiliza-

ção rural, em um parque urbano (1911/1917) desenhado por Joseph Antoine Bouvard, e através da edificação de um conjunto arquitetônico de escala e proporções até aquele momento inéditas na cidade, onde se destacam inicialmente os teatros São José e Municipal (1903/1911), os palacetes e a residência do Conde de Prates (1911/1914) e o Edifício Sampaio Moreira (1924). Com a ascensão da figura de Francisco Prestes Maia e dos interesses e forças que este representava, teria início a implantação de um conjunto de propostas de cunho rodoviarista que transformaria a cidade e estabeleceria as bases para o seu desenvolvimento futuro. No seu “Plano de Avenidas” (1930), o Anhangabaú aparecia como ponto de convergência e articulação dos fluxos Norte-Sul de circulação metropolitana. A intensidade crescente destes fluxos anularia o sentido de parque e transformaria o vale num local de passagem, onde a grande avenida simbolizava o novo ciclo de prosperidade da metrópole. Os conflitos provocados pela colonização do espaço urbano pelo automóvel,


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máquina de natureza antiurbana, protagonizaria os grandes debates sobre as cidades a partir da segunda metade do século XX. Em São Paulo, um dos pontos mais destacados de expressão desses conflitos seria o Anhangabaú, no cruzamento entre os fluxos viários Norte-Sul e os fluxos peatonais Leste-Oeste. A rotina de acidentes e atropelamentos levaria o poder público, através da Emurb, a formular, ao longo de toda a década de 1970, propostas mais ou menos fragmentadas de passarelas e passagens subterrâneas que, por sua clara ineficiência, jamais sairiam do papel. Mesmo a proposta desenvolvida por Vilanova Artigas em 1974, a mais abrangente e integrada desse período, mostrava-se insuficiente para lidar com as complexas questões urbanas que estavam colocadas naquele momento. A construção das estações São Bento e Anhangabaú do Metrô, no final dessa mesma década, desperdiçou grande oportunidade de reconfigurar o vale como um todo ao implantar projetos acanhados, monofuncionais e pouco articulados com seu entorno.

A decisão de licitar a construção de seis passarelas cruzando o Anhangabaú, divulgada pela Emurb em 1980, provocaria uma forte oposição da opinião pública que levaria ao abandono da iniciativa e à realização de um concurso de projetos em 1981. A proposta vencedora, de autoria da equipe liderada por Jorge Wilheim e Rosa Kliass, organizava-se a partir de uma configuração geral comum aos três primeiros colocados e presente em boa parte dos projetos participantes: enterrar a avenida criando uma extensa superfície destinada exclusivamente aos pedestres. A segregação dos fluxos imposta pela grande laje inaugurada em 1992, se por um lado resolvia as situações mais críticas de conflito, por outro anulava a urbanidade advinda da fricção entre as dinâmicas metropolitanas e as locais. Superada a barreira, desfigurado o lugar, enterrada a passagem e eliminado o conflito, o vale se transformaria em um grande resíduo, desprovido de caráter e sentido urbano. Até os dias de hoje, mais de duas décadas após sua inauguração, nenhum tipo


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de apropriação conseguiu imprimir um novo caráter ao vale. É lamentável constatar que depois de tanto esforço e investimento, os principais problemas listados pela equipe de arquitetos como justificativa da solução proposta, permaneceram após sua implantação. As afirmações abaixo, retiradas do memorial descritivo elaborado para o concurso, caberiam numa descrição do Anhangabaú atual: “(...) o problema básico, o único a justificar uma intervenção profunda, é o empobrecimento funcional e desperdício do Vale como espaço urbano desfrutável: apesar de sua acessibilidade urbana (...), não tem função de ponto de encontro; apesar de seu potencial e valores paisagístico-culturais, não há como nem por que nele permanecer e gozar; apesar de sua localização ensejar encontros de solidariedade, não tem hoje o menor teor de urbanidade.” As deficiências do Anhangabaú atual vêm sendo debatidas publicamente através de planos e projetos de reorganização desde 1996. O mais recente deles, que contou com a consultoria do arquiteto dinamarquês Jan Gehl, encontra-se em fase de detalhamento e, pelo material divulgado até o momento, parece reincidir em equívocos de propostas anteriores. A reconfiguração do espaço sobre a laje é uma ação inevitável, mas uma nova solução só terá chances de ser bem sucedida se articulada a uma estratégia prévia de construção de sentido. O exemplo recente de reconfiguração da Praça Roosevelt oferece um conjunto de lições que não pode ser desprezado. As experiências que vem sendo realizadas em espaços de menor escala


das da dissertação Sentidos do Anhangabaú, apresentada à FAUUSP em 2007 e orientada por Regina M. P Meyer.

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Muitas das reflexões resumidas neste artigo foram extraí-

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através do programa Centro Aberto, com a instalação de estruturas temporárias que permitem ensaiar diferentes apropriações, indicam um caminho nesse sentido. Ajustar essas experiências à escala do vale constitui um desafio. A conclusão da Praça das Artes e a reativação dos espaços sob o Viaduto do Chá e a Galeria Prestes Maia, deveriam igualmente ser medidas prioritárias. Novas infraestruturas de transporte em planejamento, como o corredor de ônibus norte-sul, que terá estações de desembarque nos dois sentidos do túnel existente, e a possibilidade de uma nova estação do Metrô, oferecem mais uma vez a oportunidade de friccionar dinâmicas locais e metropolitanas. Tomando como ponto de partida o ano de 1877, quando Jules Martin pregou na vitrine de sua loja a primeira imagem do Viaduto do Chá, quase 140 anos se passaram. Chegou o momento de virar a página e iniciar a redação de um novo capítulo da novela do Anhangabaú. Um inédito protagonismo do espaço público vem se destacando recentemente na agenda urbana de São Paulo e configura um contexto amplamente favorável à construção de um novo sentido para o vale, que dialogue com todas as suas escalas e dinâmicas e volte a desempenhar um papel urbano relevante, à altura de sua memória e de todo o esforço empreendido até aqui.


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ANDRÉ MORENO BONASSA é arquiteto e urbanista formado pela FAUUSP. As ilustrações foram produzidas para o seu TFG “Desenhos do Anhangabaú”


O Ç A P S E O O C I L A B T Ú U P P O S I Ç D A P EOMES O EM C I L B Ú P A T U P S I D FÁBIO MARIZ é professor da FAUUSP e Diretor do Departamento de Urbanismo - DEURB da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano - SMDU da Prefeitura de São Paulo


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Até a década de 50 a maior parte da população brasileira ainda era rural. As transformações operadas desde o colapso do café e as guerras mundiais contribuíram para o desenvolvimento das atividades industriais e manufatureiras. O processo de urbanização da população acelerou-se a partir daí. As elites nacionais que por séculos controlaram a sociedade rural e autoritária passaram a ter dificuldades com a gestão das novas forças sociais e políticas e simplesmente encerraram o período democrático que já contava com quase vinte anos, desde a morte de Vargas. As forças que deram sustentação ao regime ditatorial acabam negociando a abertura democrática em 1985, com Tancredo Neves.

Embora tenhamos avançado significativamente nestes trinta anos, nossas cidades seguem espelhando nosso passado de desigualdade e exclusão. Avançamos enquanto sociedade reduzindo significativamente, pela primeira vez, a pobreza e a desigualdade, mas as distâncias e as diferenças ainda persistem como características marcantes da nossa sociedade e das nossas cidades. Os arquitetos e urbanistas brasileiros trabalharam nestas três décadas para viabilizar as cidades sem que estas diferenças precisassem ser resolvidas. Cidades tão desiguais organizaram-se em verdadeiros guetos: condomínios fechados e esparsos ocuparam áreas agrícolas e urbanas; condomínios clube criaram verdadeiras fortificações urba-


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nas; shoppings espalharam-se pela cidade construindo o lugar para o consumo e o lazer de cada classe social separadamente. As distâncias, os muros, as oportunidades, os empregos, tudo conspira para que as diferenças se mantenham. Não é à toa que as maiores manifestações desta nova sociedade urbana e democrática tenham ocorrido com a bandeira da mobilidade em 2013. Também não é coincidência que tenham ocorrido nas ruas das grandes cidades. As ruas são a chave para que estas diferenças sejam minadas. John Holloway¹ no livro “Fissurar o capitalismo” apresenta várias experiências de sociedades mais igualitárias. Mostra que os mais recentes e bem sucedidos esforços por mudanças sociais, que questionem as estruturas políticas e econômicas, não se dão mais da mesma forma que no século XX. Ele mostra que não se deseja mais “derrubar” o sistema, nem mesmo esperar pela sociedade que virá depois da “revolução”. Busca-se experimentar e vivenciar a vida que se quer hoje, preferencialmente agora mesmo. O livro conta do trabalho de cooperativas, coletivos, movi-

1 HOLLOWAY, John. Fissurar o capitalismo. São Paulo: Publisher Brasil, 2013.


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mentos sociais mais ou menos organizados, espalhados pelo mundo todo, de Londres a Chiapas, que buscam criar experiências, mesmo que finitas, localizadas e limitadas, que gerem oportunidade de reflexão e mudanças de comportamento imediatas. Criar ruas para todos, conquistar as ruas para todos, é expor as diferenças e os conflitos, é fazer a experiência de fissurar o sistema. Grupos que não são aceitos por toda a sociedade conquistam trechos ou ruas inteiras criando espaços onde a diversidade possa ser externada como na Rua Augusta, na Rua Frei Caneca, na rua lateral da Praça Roosevelt ou na Avenida Vieira de Carvalho. Espaços públicos nos quais diferentes classes sociais e diferentes grupos com diferentes comportamentos possam conviver. Negar as ruas é negar o espaço para a manifestação e convívio entre os diferentes. As ruas seguem sendo o espaço para os que ficam à margem da sociedade, dos que não são aceitos, é o lugar de moradia ou abrigo dos que não tem mais nada, dos que passam fome, dos que bebem e dos que

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CRIAR RUAS PARA TODOS, CONQUISTAR AS RUAS PARA TODOS, É EXPOR AS DIFERENÇAS E OS CONFLITOS, É FAZER A EXPERIÊNCIA DE FISSURAR O SISTEMA.


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consomem drogas. As ruas abrigam as profissões mais perseguidas, o meretrício, o catador de material reciclável, o ambulante e o tráfico. Contudo, são elas que abrigam as passeatas e as manifestações das classes médias, das elites, dos religiosos, dos gays e lésbicas, e dos Black blocs. Para Hannah Arendt² as atividades humanas podem ser entendidas em três tipos: o trabalho, a obra e a ação. O trabalho consistindo nas atividades cotidianas associadas à manutenção da vida e o consumo associado a ela. A obra consistindo no trabalho que gera objetos ou produtos que permanecem. A ação como a mais nobre das atividades, estabelecida na inter-relação entre os seres, a que constrói a vida política. A ação, no sentido estabelecido por Hannah Arendt é o oposto do isolamento, se dá apenas no encontro, especialmente no encontro dos diferentes. Para ela, os espaços onde estas atividades se desenvolvem podem estar na esfera privada ou na esfera pública. Esta distinção, embora não permita a simples substituição do termo “esfera” por “espaço”,

2 ARENDT, Hannah, A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.


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ILUSTRAÇÕES: FLORA MILANEZ

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MELHORANDO E BARATEANDO OS TRANSPORTES PÚBLICOS CONQUISTA-SE A CIDADE E A CIDADANIA PARA TODOS.


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O QUE TEMOS ASSISTIDO NA ATUAL GESTÃO MUNICIPAL É O ESFORÇO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL DE RESPONDER A ESTE MOMENTO SINGULAR DA HISTÓRIA DA CIDADE.

pode muito contribuir para o entendimento do papel dos espaços qualificados pelos mesmos complementos – público e privado. Para Arendt a esfera pública é constituída pelo conjunto de ações que se desenvolvem à vista de todos, o que pode ser visto por todos. É também o mundo das coisas, comuns a todos os homens, o que une e é compartilhado por eles. A disputa pelas ruas como lugar da vida pública é a disputa pela visibilidade e pelo acesso.

Por esta razão a mobilidade urbana foi a pauta capaz de catalisar parte tão expressiva dos jovens que tomaram as ruas em 2013. Melhorando e barateando os transportes públicos conquista-se a cidade e a cidadania para todos. Permite-se o acesso ao trabalho, ao estudo e ao lazer para todos. Questiona-se a capacidade de exclusão e segregação que o valor da terra vem garantindo. Como vender privilégio e exclusividade se todos pudessem chegar a qualquer lugar?


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O que temos assistido na atual gestão municipal é o esforço do poder público municipal de responder a este momento singular da história da cidade. Buscar alterar os tipos das construções estimulando edifícios multifuncionais, com térreos voltados para as ruas, com estratégias para implantar unidades de interesse social de forma mais dispersa e misturada, alargar e qualificar calçadas, implantar parklets, permitir o trabalho de músicos de rua, investir no transporte público e nas ciclovias,

criar o transporte público 24 horas, qualificar espaços públicos da cidade, são ações de natureza distinta, de diferentes escalas, mas articulados como conjunto de ações que visam tornar as ruas mais vivas e acessíveis a todos. Este objetivo geral comparece no Plano Diretor de 2014, e no Zoneamento encaminhado à Câmara Municipal este ano. Não sabemos ainda quais destas propostas vingarão, o quanto lograrão alterar a cidade real ou as suas formas de uso e apropriação. Pode ser que só daqui a décadas


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É NAS RUAS QUE CONSEGUIREMOS TRAVAR E CONSTRUIR OS DEBATES QUE POSSAM CONTRIBUIR PARA MUDANÇAS E AVANÇOS SIGNIFICATIVOS PARA A NOSSA SOCIEDADE E PARA AS NOSSAS INSTITUIÇÕES.

suas consequências, sua efetividade, poderão ser mais bem avaliadas. No Brasil as leis são mais atrasadas do que a sociedade. O divórcio só foi aprovado em 1977 enquanto o Uruguai, nosso vizinho, aprovou o divórcio em 1903. O Plano Diretor paulistano não é pioneiro no mundo, pautas similares estão na agenda de cidades europeias e americanas há uma década. Mas é evidente que, se parte da sociedade brasileira percebe a importância destas propostas e contribui de alguma forma para que esta fosse a sua agenda, outra parte desta mesma sociedade resiste e se opõe fortemente. Por anos as ruas tiveram suas calçadas estreitadas para que os carros pudessem circular com mais fluidez e velocidade. Faixas de pedestres e passarelas foram implantadas priorizando a circulação dos veículos. Vias expressas foram abertas, viadutos implantados sobre avenidas, destruindo e dividindo bairros históricos, cobrindo rios e córregos, sem contestação. Ações foram aceitas sem oposição pea população em nome do progresso e da modernização, não houve resistência.

Hoje assistimos diariamente a movimentos organizados espontaneamente, pelas redes sociais ou não, reivindicando mais espaços para lazer, demolição de viadutos, fechamento de vias e destamponamento de córregos. Ao mesmo tempo vemos grupos protestando contra e jogando tachinhas nas ciclovias. Estes conflitos e debates seguirão ocorrendo e encontrando seu espaço privilegiado nas ruas. As ruas são hoje, mais do que nunca na história brasileira, a bandeira e o palco das nossas lutas, diárias e políticas. Acredito que é nas ruas que conseguiremos travar e construir os debates que possam contribuir para mudanças e avanços significativos para a nossa sociedade e para as nossas instituições. Como arquitetos e urbanistas temos a obrigação de contribuir com este debate, um papel a cumprir.


FOTO: MARIA CAROLINA NASSIF


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ENTREVISTA COM

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Entende-se que a atual gestão da prefeitura de São Paulo (20132016), dirigida por Fernando Haddad, vem tomando decisões que contrariam o status quo de nossa cultura urbana paulistana. Trazendo equipamentos, regras e aspectos à cidade que introduzem novas relações com o espaço — em especial o espaço público —, são situações de aproximação do pedestre com seu espaço, de tornar as ruas e praças lugares de permanência e não mais de mera passagem (a exemplo da abertura da Avenida Paulista aos domingos e da conversão de vagas de carro em parklets), de valorizar o pedestre e modais alternativos de transportes em detrimento de uma mentalidade rodoviarista — voltada ao transporte individual motorizado, que tem como consequência a naturalização de um estilo de vida “condomínio – shopping – trabalho” e em que, num processo reatroalimentador, nutre-se o “medo da rua” e, consequentemente, o isolamento “seguro” em tais enclaves. Apesar de tais ideias já terem sido aplicadas em outras cidades do mundo e de haver um apoio político-intelectual a muitas delas, ainda há uma oposição social resistente e diversa. Como formular políticas que permitam que tais objetivos de construção de uma nova mentalidade urbana voltada ao coletivo sejam alcançados?


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CONTRASTE: Numa entrevista à Carta Maior em maio de 20151 você disse que São Paulo não é uma cidade conservadora, mas sim uma cidade sobre a qual agem forças conservadoras. O que você entende por esse conservadorismo que age em São Paulo? 1 Disponível em:

FERNANDO HADDAD: Bom, uma metrópole, obviamente, é muito diversa. Por definição, diferente de uma cidade pequena ou de uma cidade média, uma metrópole se caracteriza pela diversidade. Mas aqui nós temos uma concentração muito grande dos meios de comunicação nas mãos de pessoas que pensam muito parecido. Você tem menos diversidade do ponto de vista da opinião do que seria razoável. Nós deveríamos ter mais forças se contradizendo para promover uma dinâmica de argumentação em proveito de sínteses mais avançadas, e isso não se verifica, sobretudo na radiodifusão. Na mídia impressa você ainda tem alguma diversidade, mas a radiodifusão é muito pouco plural. Isso não é uma crítica, é só uma constatação de que se houvesse mais diversidade, se setores mais avançados tivessem encarado os mesmos canais de comunicação que têm os setores mais conservadores — que querem manter o status quo —, acho que nós teríamos uma cidade com uma dinâmica mais mudancista, mais progressista. Então, na verdade, eu penso que há uma assimetria comunicacional na cidade, em que as forças que têm uma visão mais avançada encontram pouco espaço pra manifestar esse desejo de mudança. E isso acaba tendo reflexos políticos importantes, uma vez que se poderia avançar uma agenda


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conectada com o que tem de mais avançado e com uma base científica muito mais robusta, porque hoje existe uma ciência da cidade que consolida conhecimentos que muitas vezes não chegam ao cidadão comum em virtude de um certo bloqueio que esses setores acabam oferecendo. C: Então você acha que falta diálogo ou simetria nas falas? FH: As falas são assimétricas. Quando você pega todas as emissões da radiodifusão em respeito à cidade, vocês vão ver que claramente há uma assimetria muito grande entre quem fala de um lado — com uma visão mais conservadora e privatista de cidade, mais exclusivista, mais individualista — e a porção da cidade que é mais coletivista, mais favorável à ação pública, ao arejamento da cidade, que percebe os espaços da cidade de maneira diferenciada, o tempo de uma maneira diferenciada, que consegue perceber a cidade como um local de encontro e de produção cultural, científica, comportamental... Eu entendo que a cidade ganharia com mais simetria entre essas vozes e, eu não tô falando de voz pro governo aí, tô falando das vozes que existem na cidade. As vozes que eu considero mais avançadas têm menos espaço pra se manifestarem. Até aparecem, vez ou outra, mas se nós levarmos em conta o total de emissões de juízos sobre a cidade, vocês verão que a parte progressista representa uma fração muito diminuta do que se bombardeia a cidade com visões que, na minha opinião, são mais retrógradas. C: Nessa mesma entrevista à Carta Maior, você disse que “se pudesse escrever um Plano Diretor, certamente escreveria um melhor que esse que foi aprovado.” O que você mudaria ou acrescentaria? FH: Acho que eu não usei a palavra melhor. O que eu disse — ou o que eu quis dizer, pelo menos — foi que o Plano Diretor não pode refletir a opinião de uma pessoa. Nós temos que aprová-lo com 37 votos, então necessariamente é uma negociação. Para você conseguir angariar 37 votos... Agora, é importante dizer o seguinte: de que lado esteve a administração no debate sobre o Plano Diretor? Eu considero que nós estivemos defendendo as teses mais avançadas ao duplicar a área de ZEIS; ao estabelecer uma outorga onerosa sobre empreendimentos imobiliários; ao


FH: Olha, eu entendo que a gente, no avanço que foi dado... o caso do coeficiente básico de aproveitamento, um sonho de muitos urbanistas progressistas: fixar o coeficiente em 1 para que os empreendimentos compensassem as externalidades que geram na cidade com pagamento de outorga que vai gerar benefícios de moradia, pra quem não tem, pra quem mora longe do trabalho. Agora, eu imagino que na área de moradia, por exemplo, a gente podia ter avançado um pouco mais. Nós fixamos em 30% o percentual do FUNDURB (Fundo de Desenvolvimento Urbano) pra moradia, 25% do Cepac (Certificados de Potencial Adicional de Construção) pra moradia e aumentamos as áreas de ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), mas acho que o Plano poderia ter feito referência a outros instrumentos de gestão da moradia popular: na parte da locação social nós poderíamos ter avançado. Se eu fosse apontar uma questão que ainda me deixa um pouco ansioso por mudança, eu acho que seria a locação social. O Plano deveria ter feito uma referência explícita a essa política pública, porque ela é mais avançada do que propriedade, quando se fala em moradia social. Acho que nós deveríamos ter tido a coragem de dizer isso, e ficamos preocupados com o que a população de baixa renda pensaria sobre isso, imaginando que nós estivéssemos promovendo um retrocesso e não um avanço. Agora, isso não precisa estar no Plano

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C: Mas, considerando as teses que você defende, quais seriam os pontos mais críticos? Reconhecemos os avanços, mas quais seriam os pontos passíveis de revisão e aprimoramento?

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canalizar esta outorga para um fundo que já existe, mas carimbando os recursos (30% de transporte público e 30% para moradia de interesse social); ao admitir a verticalização, mas onde há infraestrutura de transporte... São teses muito avançadas e não há, do meu conhecimento, no Brasil um Plano Diretor tão avançado quanto o de São Paulo. E na visão do HABITAT da ONU, são poucos os Planos Diretores do mundo tão avançados quanto o de São Paulo. Agora, todo diploma legal pode ser melhorado — a Constituição Brasileira, tudo pode ser melhorado. O que eu quis dizer é que obviamente as teses que eu defendo talvez pudessem estar mais presentes no Plano Diretor de São Paulo, mas nós temos que reconhecer que precisamos dialogar com a cidade para compor uma maioria hegemônica.


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“sempre

tem um jogo político que pode tanto fazer avançar quanto fazer retroceder”


02/12/2015.

C: Ainda sobre o Plano Diretor: ele estabelece objetivos para os próximos 16 anos, mas que tipo de política pode ser formulada para mantê-los por todo esse tempo, apesar das descontinuidades de gestões? FH: Bom, o Plano Diretor não pode ser reformado, a não ser pelas regras previstas no próprio plano, e ele será revisado daqui a 8 anos. É possível rever alguns parâmetros econômicos de 4 em 4 anos — o Plano contém em si mecanismos de aperfeiçoamento. Agora, sempre tem um jogo político que pode tanto fazer avançar quanto fazer retroceder. Por isso é tão importante manter alerta a população pra garantir conquistas históricas. Este Plano Diretor é avançado como é porque o movimento social foi pra dentro da Câmara debater com os vereadores, e, com exceção do PSDB, todos os partidos dialogaram com o movimento social para aprovar o Plano. Então ali teve uma demarcação importante de visões de cidade, em que, na minha opinião, a visão progressista levou a melhor. C: Bom, com relação à gestão participativa, foram criados diversos conselhos e realizadas audiências públicas, dentre outros instrumentos que têm como objetivo tornar as discussões mais amplas, abrangentes... Em que medida você acredita que esses mecanismos estão em vias de tornar a discussão, de fato, participativa e democrática? De gerar debates acessíveis e que possam dar espaço à pluralidade de opiniões? FH: Eu acredito que não. Eu acho que nós vamos ter que avançar no debate sobre participação, sobretudo à luz de fenômenos inteiramente novos, desconhecidos do ponto de vista teórico

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a Secretaria de Habitação em

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2 João Sette Whitaker assumiu

Diretor. O professor de vocês, o João Whitaker, que assumiu a Secretaria de Habitação esses dias2, me pediu como primeira tarefa elaborar um Plano que avançasse na temática da locação social e falei: “Olha, isso pode estar no Plano Municipal de Habitação, não precisa estar no Plano Diretor, porque não é uma regra que precise de maioria qualificada, você pode criar um outro diploma”. O Plano Diretor poderia ter pelo menos sinalizado isso, mas nós nos acanhamos em função do debate com o próprio movimento popular. Respondendo a sua pergunta, eu acho que esse ponto carece de uma atenção maior.


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3 O projeto de lei foi encaminhado à Câmara em 06/01/2016.

que nós estamos começando a compreender com algum atraso, não é? Acho que há instrumentos novos de comunicação, de relacionamento que estão sendo usados com certa parcimônia — nós temos feito consultas on-line... Mas, primeiro: eu gosto da democracia representativa, que tem um papel a cumprir e acho que ela pode ser um instrumento importante de valorização da participação, por paradoxal que isso possa parecer. Vou dar um exemplo: estou convencido de que nós temos que mudar a governança em São Paulo no que diz respeito à subprefeitura. Eu tinha muita dúvida sobre isso. Hoje, eu não tenho nenhuma. Não dá pra nomear subprefeito. Tá errado. Ou a gente tem uma liderança ali que tem que passar por algum tipo de consulta a toda a comunidade, ou nós vamos continuar num pêndulo de centralização e descentralização de recursos que vai passar por temores que muitas vezes extrapolam a questão política. Às vezes o prefeito quer descentralizar mas fica com medo, porque vai descentralizar e vai perder a governança sobre os recursos e, não do ponto de vista político, mas do ponto de vista ético, ele vai falar: “mas se aquele recurso não for bem gerido, sou eu quem vai acabar respondendo por aquilo, porque eu sou prefeito”. Existe um conjunto de forças que vão intimidando o gestor a tomar as decisões que seriam um avanço do ponto de vista da participação popular, não porque ele não queira a participação, mas justamente porque ele tem medo de um descontrole das finanças ou do bom uso do recurso público. Acho que os Conselhos são importantes, a gente estabeleceu vários: tem Conselho da Cidade, tem Conselho Participativo da Subprefeitura, tem Conselho do Transporte e Trânsito, de Habitação. Todos foram revitalizados, são paritários em termos de gêneros. Tudo isso tem sido importante, mas não tem sido suficiente. Eu creio que, junto com isso, se a gente fizer ou por lista tríplice ou por eleição direta... Tem uma comissão estudando isso, provavelmente semana que vem ou no comecinho do ano que vem nós vamos mandar um projeto de lei pra Câmara3 mudando isso, e eu tenho certeza de que vai ser um avanço. Em Paris, por exemplo, nos arrondissement, os “subprefeitos” são eleitos. Em Buenos Aires, também. Várias metrópoles têm uma governança diferente. São Paulo nunca teve coragem de enfrentar isso e nós estamos dispostos a enfrentar num ano decisivo se a Câmara aprovar a medida e se tivermos o aval do TRE para fazer coincidir as eleições. Eu acho que seria sensacional se a gente fizesse isso.


C: Isso, de iniciativa da sociedade civil organizada, grosso modo. Por exemplo, no Largo da Batata, o coletivo “A Batata Precisa de Você” propõe novos usos para os espaços, criação de mobiliário — enfim, ações que partem da comunidade. Como esses movimentos se articulam com a gestão pública? E como encarar essas mudanças que vêm “de baixo pra cima”?

4 Em março de 2015, a Prefeitura publicou um decreto que permite a conversão da compensação ambiental em obras e serviços, jar-

dins verticais e coberturas verdes.

FH: Olha, eu acho que a proliferação de coletivos é a demonstração mais cabal da vitalidade da cidade. Há uma proliferação de coletivos em todos os temas. Você pode restringir à questão urbanística, mas não do ponto de vista cultural, por exemplo, que é uma forma de intervenção urbanística. O artista de rua é uma intervenção urbanística. Você está mudando o cenário da cidade a partir de uma mudança de comportamento. Eu sou muito fã desse tipo de acontecimento e penso que o poder público tem que ter uma atitude de humildade em relação a esses movimentos. Ele não pode querer cooptar, mas às vezes ele pode transformar em política pública aquilo que é um experimento de um coletivo. Vou citar alguns exemplos: os parklets começaram como uma iniciativa da sociedade, inspirados em experiências internacionais. Nós transformamos em política pública, e hoje São Paulo é a cidade que mais tem parklets no mundo. Os jardins verticais, eu conheci o Movimento 90º pelos jornais, chamei aqui e falei: “Ó, tem como transformar isso em política pública? A gente quer participar, mas nós não queremos interromper o movimento nem a autonomia de vocês”. Mas se eu puder criar um marco regulatório na cidade que transforme as empenas cegas que antes eram painéis de outdoor que, com a Lei Cidade Limpa, passaram a ser empenas turvas e feias, bom, colocar um jardim ali é tudo de bom! Aí o que nós fizemos: alteramos a lei de compensação ambiental: você pode hoje, nos termos de compensação ambiental, pagar um jardim vertical e, mediante apoio institucional, manter um jardim vertical 4. Foi outra lei que nós alteramos. Do mesmo jeito que uma praça pode ser mantida por uma empresa com uma plaquinha, “fulano de tal mantém esta praça”, um jardim vertical também, dando

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FH: Urbanismo tático são essas intervenções pontuais...

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C: A gente tem visto recentemente um crescente número de ações ligadas ao urbanismo tático...


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5 O programa Rua Aberta consiste em abrir para pedestres e ciclistas

determinadas ruas e avenidas aos domingos e feriados.

6 Dados sobre as metas e andamento da gestão podem ser acompanhados no PlanejaSampa.

protagonismo pra quem tem uma ação ambiental. Resultado: vai começar, do mesmo jeito que aconteceu com os parklets, a ter muito jardim vertical na cidade. Teve um primeiro, público, vai ter o segundo agora que já está sendo construído lá na região do Minhocão mesmo, e uma das empresas que tinha 12 milhões de compensação ambiental pra fazer (lembrando que um jardim vertical custa na casa de uns 300 mil, portanto estamos falando de 40 [jardins]) já se dispôs a converter toda a compensação em jardim vertical. Os foodtrucks, uma política que nós regularizamos com base num apelo que veio da sociedade. Os artistas de rua, que eram proibidos até a minha gestão — a cidade proibia a presença deles nas ruas, inclusive recolhendo os instrumentos musicais —, existia repressão, como se eles fossem ambulantes irregulares, e muito desrespeito. Nós redigimos um decreto na mesa com eles, chamamos eles aqui, fomos redigindo um decreto junto com a sociedade e há ainda pendências. Não estou dizendo que está perfeito, mas, segundo eles próprios, a cidade de São Paulo é a segunda mais amigável em relação aos artistas de rua. A mais amigável é uma cidade australiana, eu não consigo recordar qual, e São Paulo vem em seguida, com a legislação mais amigável, mais tolerante. Tem ainda questões com artesãos. São questões que ainda estão sendo analisadas, mas 90% dos problemas foram superados e hoje você encontra muita gente tocando, se apresentando, fazendo performances, a polícia e a guarda civil ficam garantindo a segurança de todo mundo, a coisa acontece... E com a Rua Aberta5, as ruas vão se tornando locais em que essas pessoas vão apresentar sua arte, com o público presente. Essas ruas estão sendo ocupadas e isso é uma dinâmica, uma dinâmica positiva que vai se instalando na cidade.

C: No programa de metas 2013-2016, um dos objetivos colocados é de “qualificar estruturas de espaços públicos”6. Sua gestão tem recentemente promovido ações como a retirada de grades de parques e cemitérios. De que maneira isso se insere nessa meta de qualificar os espaços? FH: Olha, falar de gente primeiro... A gente sempre teve muita dúvida de como tratar as pessoas. Então, por exemplo, ou você era higienista ou você era permissivo — assim, pode tudo, faz o que quer na cidade, como se não tivesse bom senso na gestão.


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Então, por exemplo, quando eu assumi, nós mapeamos o centro expandido com 18 favelas em logradouros públicos — não estou falando de terreno, lote... Tem lote público e lote privado, os dois são lote. Logradouro público é rua, calçada, praça, é outra coisa. Em logradouros públicos nós tínhamos 18 favelas. Vou citar alguns exemplos que vocês vão puxar pela memória e lembrar: Largo São Francisco, estava tomado; Praça da Sé, a parte perto da Clóvis Beviláqua, tomada; Parque D. Pedro; Prestes Maia; Princesa Isabel; Praça Ramos; Marechal Deodoro... Eram 18. Neste momento, nós estamos desmobilizando a última favela em logradouro do centro expandido que é a Bresser, com apoio do movimento social, oferecendo bolsa aluguel para as pessoas que estão lá. Agora, em nenhum desses casos houve higienização. A população não foi expulsa. Na marquise do Minhocão nós fizemos a ciclovia, alargamos o canteiro central, tornamos mais permeáveis aquelas colunas horríveis para as pessoas poderem caminhar. Tinham 78 pessoas morando ali. Nenhuma foi expulsa. Nós oferecemos várias opções: para as famílias, autonomia em foco; para os homens solteiros, albergue ou coisa semelhante, abrigo... E fomos oferecendo uma alternativa para cada perfil de morador. Na Luz, os 500 beneficiados do “Braços Abertos”, nós não levamos eles para uma favela no interior, nós os acolhemos nos hotéis que antes serviam ao tráfico e que nós alugamos para acolhê-los, num programa de redução de dano. Então essa população não sumiu do centro, ela está no centro, só que ela não está favelizada. Ela está em hotéis que foram alugados, em casas que foram alugadas, em abrigos que foram alugados. Nós criamos 2600 vagas a mais para a população em situação de rua. Isso qualifica o espaço sem exclusão. Hoje se tem mais praças, inclusive colocamos Wi-Fi para as pessoas. Pateo do Colégio, tá lá o morador em situação de rua, mas também estão na mesma praça o advogado, a arquiteta... Essa questão de muro e grade em São Paulo também virou uma obsessão, então nós estamos removendo as grades de onde tem grade e colocando grade onde tem muro — e, em geral, onde tem muro, não dá pra tirar o muro, mas dá pra colocar a grade. Pô, um dos parques mais bonitos da cidade, que é o CERET — que hoje o pessoal fala que é o Ibirapuera da Zona Leste — era todo murado. Você passa lá hoje, mudou a relação do pedestre com o parque só pela mudança de... Vocês sabem melhor do que eu o que isso significa. Pro arquiteto, o que o cidadão comum acha que é um detalhe é tudo.


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Às vezes é o gesto que convida ou não a pessoa a entrar ali no local. Nós fizemos um teste no cemitério da Consolação: caiu o muro de arrimo, nos substituímos por grades pra saber como as pessoas reagiriam. No começo: “vão tirar o muro...”, como se a gente tivesse cometendo um sacrilégio, né? E agora está todo mundo pedindo pra a gente estender a grade. Mas, antes, uma confusão... Agora todos os comerciantes da rua lindeira acharam mais bonito, fica mais legal a cidade. São detalhes, não é? Nós alteramos o respirador do metrô do largo São Francisco e as pessoas passaram a ocupar uma praça que era considerada um monumento ao mau gosto — aquela coisa saindo, um vento, ninguém sabia pra que aquilo servia. É gesto, né? Cidade é muito de gesto. Então eu acho que esses coletivos têm um papel, porque eles mostram mais do que nós. Eles têm uma capacidade de provocar o debate, instigar a imaginação, e eu acho que as pessoas não se dão conta de quanto esses detalhes pesam no dia a dia. Sabe aquela coisa daquele sofá que você tem em casa que você não percebia o quanto era desconfortável e estava atrapalhando? Você fala “olha, esse é o problema”. Alguém chega lá e fala “tua casa está entulhada, vamos tirar isso daqui”. Tem muito bode na sala em São Paulo. Resumidamente, acho que é isso: tem muito bode na nossa sala. C: É uma mudança cultural também, e de percepção do espaço que está a sua volta... FH: Sim, eu acho que é só uma questão de percepção... e de comportamento. C: Então existe obviamente essa preocupação com a dimensão do simbólico, para além do pragmático, né? Sobre o Minhocão, você acha que esse debate entre a demolição ou a mudança de uso se insere nesse viés? FH: Eu acho que se você fizer uma pesquisa hoje, as pessoas vão pedir pra manter o Minhocão como ele é. Porque ainda a lógica da fluidez dos carros preside todos os debates na cidade, né? E isso você não muda de um dia pro outro. Quando você fala pra uma pessoa que ciclovia não tirou uma faixa de carro — tirou vaga de estacionamento mas não tirou faixa de rolamento —, a pessoa tem dificuldade até em


cicleta na cidade de São Paulo”, feito pela a Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São

Paulo) em parceria com a ONG

Transporte Ativo e com o Observatório das Metrópoles, que pode ser consultado em:

FERNANDO HADDAD

o estudo “Perfil de quem usa bi-

145

7 Recentemente, foi divulgado

acreditar que isso seja possível. Quando você fala “olha, não importa se a ciclovia está naquele momento cheia ou vazia, porque pra ter mais ciclista tem que ser precedido da infraestrutura”... Ninguém é louco de pegar uma bicicleta no trânsito de São Paulo — e nem deve pegar, é um risco desnecessário. Só ativista mesmo que pega, porque ele quer forçar uma situação. Racionalmente falando, não faz sentido, só enquanto gesto militante, de quem quer mudar as coisas. Eu estive com o prefeito de Bruxelas e perguntei “como é que está isso em Bruxelas?”, ele falou “olha, explodiu o número de ciclistas”. Mas explodiu antes ou depois da ciclovia? Essa é a pergunta que cabe. Explodiu, obviamente, depois. O prefeito de Amsterdã fala a mesma coisa: explode depois. Aumentou 66% a quantidade de ciclistas em um ano, neste mesmo ano caiu 52% o número de mortes de ciclistas. Então temos um caminho aí a explorar. Agora, esses números não chegam às pessoas, por isso que eu volto para a questão da assimetria de comunicação, porque a gente devia abrir mais espaço para debater essas coisas. E mesmo com toda a campanha contra, você ainda tem 59% das pessoas7 a favor desta política. Faixa de ônibus, que hoje tem 90% de aprovação, no primeiro ano de implantação foi um desastre do ponto de vista da crítica: capas de revistas, “esse cara tá ficando louco”, redução de velocidade... Existe uma velocidade ótima na cidade. Você tem um tradeoff. Às vezes me param na rua e me perguntam: “já que você está preocupado com a vida das pessoas, por que você não reduz pra 30 km/h?”. Como se fosse um pecado me preocupar com a vida das pessoas. Mas o que eu digo é o seguinte: “olha, existe um ótimo”. O que a gente sabe hoje é que 60, 70 km/h não dá. Porque o ganho que você vai ter, eventualmente economizando um ou dois minutos, não compensa os cadeirantes e inválidos que vamos ter que cuidar, os mortos que vamos ter que enterrar e os acidentes que vão prejudicar a fluidez. Isso vai sendo medido, não é uma coisa que saiu da cabeça de alguém. O mundo inteiro está medindo isso. São técnicos, engenheiros que estão tentando chegar a uma determinada conclusão. Talvez, em outra cidade, esse “ótimo” seja outro. Algumas cidades estão propondo 20 milhas, que é menos ainda que os 50 km/h. Então eu não sei qual é a verdade de todas as cidades. Não deve ter um número mágico que valha pra todo lugar, mas você tem que calibrar a cidade em termos de custo-benefício. Não se justifica o que estava acontecendo em São Paulo: você ter 12, 13 mortes por


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100 mil habitantes. Hoje nós estamos com aproximadamente 8 e vamos atingir a meta da ONU talvez com 3 anos de antecedência. E uma vida é uma vida. E as pessoas às vezes falam... Outro dia estava ouvindo um comentarista da Jovem Pan dizendo que não é tudo isso, questionando porque ele estava vendo obituário nos jornais e contando e não dava... Então chega a este nível o delírio de algumas pessoas. E se diz historiador ainda... É triste. C: Ainda dentro dessa mudança em São Paulo, da maneira de conceber o sistema de mobilidade: historicamente, a cidade foi planejada sob uma lógica rodoviarista — tínhamos o Plano de Avenidas Prestes Maia, sistema “y” e, hoje, corredor de ônibus, ciclovia... Essas mudanças não operam só na chave do deslocamento; a gente acredita que elas também podem transformar os espaços públicos. Antes, tidos como espaços residuais, hoje já não são mais vistos dessa forma... Você concorda? FH: Concordo e acrescento que é mais fácil fazer a reforma agrária no Brasil do que fazer a reforma viária. Porque a disputa por espaço em São Paulo é tão grande que às vezes as pessoas não percebem que, se não houver o espaço reservado pro transporte público, não haverá transporte público. O transporte público não fará sentido se não for priorizado, por uma simples razão: a renda vai aumentar e todo mundo vai comprar um carro se o trânsito for o mesmo, “se é pra ficar no trânsito, é melhor estar no carro”. Agora, se é pra o carro ficar no trânsito e o ônibus ter a faixa exclusiva, aí começam a raciocinar diferente: “pra que é que eu vou ficar no trânsito se eu tenho um transporte rápido?”. Então o futuro do transporte público depende de uma decisão política: reservar espaço pra ele, já que ele só faz sentido com espaço reservado. Você imagina o metrô se tivesse que pegar o trânsito de São Paulo, não faria sentido. Por isso você tem que reservar espaço pra ele. Subterrâneo, aéreo ou de superfície — tem trilhos de superfície, mas é espaço reservado. Já pensou se no VLT de Paris pudesse entrar carro?! Não é? Não vai funcionar. É isso que as pessoas precisam compreender: pra ter transporte público, tem que ter espaço reservado, seja qual for, subterrâneo, aéreo, de superfície (que tem a vantagem de ser muito barato). Por isso o mundo inteiro hoje está revendo a sua matriz. Porque é muito caro colocar trilho embaixo da terra ou no ar. Então, hoje, muitas cidades estão adotando o trilho de


FH: É verdade... C: Não é uma coisa a se pensar também? Talvez tentar relacionar com a questão das grades... Aquilo também é um obstáculo.

8 Nota do CEAGESP sobre

uma eventual mudança de

endereço do entreposto na cidade de São Paulo:

FH: É verdade... Bom, se me perguntar qual o meu modal predileto, eu te respondo sem erro que é o BRT, porque ele não promove essa segregação, e eu entendo que se a gente avançar e radicalizar nessa política de efetivamente usar o viário de forma racional, você vai diminuir muito a necessidade de transporte de massa da maneira como ele vem sendo pensado. Então mesmo a CPTM, se você pegar, tem claramente a “Lapa de cima” e a “Lapa de baixo”, pra citar um exemplo parecido. É outra dimensão. É óbvio que agora, com a reformulação do Arco Tietê, tudo aquilo que estiver perto do rio vai ganhar um colorido novo. Nós vamos mandar o Arco Tamanduateí pra Câmara, tá pronto. E ano que vem vamos mandar o Arco Tietê já tendo resolvido o problema do CEAGESP8, que é um problema grave também. São 20 mil caminhões por dia, que é uma loucura, que acabam com a infraestrutura da cidade e nós vamos corrigir aquele nó. Nós estamos oferecendo condições boas pro CEAGESP mudar, praticamente dispensando-o de pagamento de outorga naquele terreno. Estamos dando a mais-valia pro CEAGESP mudar de lugar dentro de São Paulo. Então se você completar esse Arco Pinheiros, Tietê e Tamanduateí, você vai organizar a cidade de um jeito muito interessante, vai fazer muita diferença.

C: Queremos conversar também a respeito do Anhangabaú. Dos textos divulgados pela Prefeitura sobre o projeto, selecionamos o trecho que diz que a ideia é tornar o Parque do Anhangabaú “mais seguro, inclusivo, acessível e atraente”. Mas se tratando de um projeto de uma parceria público-privada...

FERNANDO HADDAD

C: Pensando agora, você não acha que esses modais na superfície causam um impacto muito grande no território? Por exemplo, a linha vermelha do metrô. Existe uma clara divisão entre norte e sul com ela...

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superfície, VLT de superfície ou BRT sob pneus com ônibus articulados. Por que todo mundo tá fazendo isso? Porque a vantagem está dada, tá claríssimo que é a melhor opção.


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FH: Não é verdade, mas eu te explico... C: Tudo bem. A gente quer entender se não é uma contradição essa parceria público-privada... FH: Olha, tem uma mitologia em torno deste projeto que realmente me espanta. Sabe aquela coisa que entra na rede e não tira mais? Qual é a verdade sobre o assunto? Eu não tenho nenhum interesse aqui em omitir: nós estávamos procurando alguns casos exemplares de áreas que foram requalificadas para inclusão de todos, que fossem áreas que passassem a ser frequentadas. Eu não considero o Anhangabaú um lugar frequentado. Hoje você fala: “eu vou domingo pra Paulista”, mas ninguém na cidade fala: “hoje eu vou passar o dia no Anhangabaú”. Eu não conheço essa figura. Não é um lugar onde você marca um encontro, e nós queríamos transformar o Anhangabaú num lugar onde você marca um encontro. Como você faz com as praças europeias; as pessoas marcam encontro nas praças. Nós não temos um conceito de praça parecido com os europeus, por exemplo. Aqui, as praças são mais associadas a miniparques com áreas verdes do que com praças, tem mais árvore que gente. É bom, não estou dizendo que é ruim. Praça da República: são jardins. O que a gente chama de praça são jardins. Quando você fala em praça em São Paulo, você associa ao verde, lugar onde tem árvores, canteiros. Quando você fala em praça lá fora, as pessoas associam a gente. Você é o verde. É um lugar de encontro. Como São Paulo é uma cidade que não é litorânea, tem pouco lugar pra se encontrar. Quase todas as capitais do Brasil são litorâneas, então você não precisa de praça. No Rio, você tem a praia, as pessoas marcam encontro na praia, vão à praia... A Paulista Aberta tem esse significado: de um lugar onde as pessoas vão se encontrar, que não seja num shopping, que seja a céu aberto. Então esse é o sentido. Nós queríamos, portanto, transformar o Anhangabaú num lugar de encontro. Ele não é um lugar de encontro. Se a gente olhar ele aqui da janela, vamos ver que ele não é um lugar de encontro, é um lugar de passagem, tem algum verde, um verde meio fake, porque são arvores frutíferas plantadas muito estranhamente. Até acho que algumas nasceram espontaneamente ou alguém plantou lá... Alguma coisa assim. Não tem nenhum tratamento paisagístico mais significativo. Então o que a gente pensou: tem um arquiteto conhecido


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“a paulista aberta tem esse significado: de um lugar onde as pessoas vão se encontrar, que não seja num shopping, que seja a céu aberto”


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que chama Gehl, Jan Gehl, que estava fazendo algumas intervenções que nós consideramos interessantes, e convidamos o grupo do Gehl a olhar o Anhangabaú e perguntamos: “Como é que vocês veriam isso?”. E, pra dar essa consultoria, ele tinha que... Nós não podíamos contratar com dinheiro público, não tinha como pagar com dinheiro público. Então chamamos o Itaú Cultural e falamos com eles, e eles nem sabiam, não tiveram nenhuma participação no conteúdo do projeto. Entraram simplesmente pagando um valor, que é baixo, inclusive, pelo projeto. Se você for pegar o projeto do Teatro da Dança que não vai ser feito mais, lá perto da Sala São Paulo... ali sim o dinheiro que se pagou pelo projeto do Teatro da Dança é um escândalo. Uma coisa de 50, 60 milhões. Ali se pagou uma fortuna por um projeto que não sairá do papel, não será feito um Teatro da Dança de 700, 800 milhões de reais. Agora, nós pegamos o dinheiro de um parceiro, que manda as bicicletas e tal, eles pagaram o projeto, que nós encomendamos. Mas não é um projeto do Itaú, é um projeto do Gehl e o Gehl não recebe ordens do Itaú para fazer. Você acha que o Jan Gehl precisa disso, receber ordens de um banco para fazer o projeto do Anhangabaú? E o projeto que está feito respeita muito o projeto atual, tanto é que passa por ordens de defesa do patrimônio histórico em função da área envoltória do Municipal, aqui do palácio Matarazzo, dos Correios, isso aqui, na área mais importante da cidade, os prédios históricos estão todos aqui no entorno: o Banespão, o Otton, que está sendo reformado, o Sampaio Moreira... Enfim, o patrimônio histórico arquitetônico da cidade está muito concentrado aqui. O que a gente quer é transformar o Anhangabaú numa esplanada. Aí o seguinte: acha feio, acha bonito... Está em consulta pública, dá tua opinião! Não estamos impondo o projeto, já tiveram mais de 50 audiências, podemos fazer mais... Olha, “vamos manter pedra portuguesa?” Não faz sentido manter pedra portuguesa, ninguém gosta de pedra portuguesa. Alguém gosta aqui de pedra portuguesa? Não é funcional. Você sabem que em Portugal eles estão querendo aprovar uma lei proibindo a pedra portuguesa? Porque pode até ser bonitinho, mas não deu certo. É difícil manter, encarde, as mulheres odeiam, as pessoas se machucam, o custo de manutenção é uma aberração. Não faz sentido. Bom, estamos testando na 7 de Abril um negócio moderno, uma coisa bacana. Faz sentido manter aquele buraco ali? No eixo da São João com o Anhangabaú? Algum arquiteto acha aquilo bonito? Então, de que que nós estamos falando?


C: Por exemplo, as lojinhas serão frequentadas por quem? FH: Que lojinhas? C: As lojinhas, bares... Floriculturas, fachadas ativas, restaurantes. FH: Pega o Largo do Arouche: gente de todo tipo, um lugar frequentado. Todo mundo tá ali. Eu não acho que aquilo, se colocar uma floricultura, colocar uma coisa assim... qual o problema? Vai gentrificar? C: O projeto não menciona em nenhum momento o que vai acontecer com as pessoas que estão lá hoje... FH: Mas o que vai acontecer com as pessoas é o que acontece com as pessoas nesta administração. Não tem jato d’água, não tem cacetete, não tem spray de pimenta... Me acha um BO de um guarda civil que tenha agido nesta administração como agiu nas anteriores. Quem agiu, nós botamos pra fora. Quando chegou um vídeo de um guarda civil à paisana quase estrangulando um skatista na praça Roosevelt, dois meses depois ele estava na rua... Não tem essa. Eu entendo o debate e a preocupação, acho tudo isso legítimo, mas você imaginar que trocar pedra portuguesa por uma lajota e tirar aquele... Agora, faz proposta! Não quer que tenha lojinha, não tem. Mas não é esse o ponto. O ponto é assim: Vamos ter uma esplanada onde as pessoas marquem encontro? O meu objetivo é esse só: que as pessoas queiram ir para o Anhangabaú. As pessoas hoje querem ir para vários lugares de São Paulo, mas para o Anhangabaú não querem e deveriam querer, porque nós temos um patrimônio histórico aqui... Agora nós vamos inaugurar os Correios, finalmente. Fica pronto ano quem vem. Aí tem a Praça das Artes, aí tem o Municipal, aí tem o Shopping Light, aí tem a Prefeitura, tem o Otton, Sampaio Moreira... Tá cheio de prédio histórico aqui, tem o Martinelli... Tá tudo aqui, gente. E não pode ter um lugar onde as pessoas

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FH: Por quê? O que que é gentrificado do projeto?

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C: Acho que o receio maior em relação a esse projeto é o que ele produz de espaço gentrificado...


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dizem “vamos marcar lá?”, um lugar que turista possa ficar? São Paulo é o principal destino turístico do Brasil. O que que a pessoa faz quando chega sexta-feira? Vai embora. Hoje tem gente que fica por causa da Paulista. Nós já somos o principal destino turístico do país, por causa de cultura, negócios, gastronomia, por tudo que São Paulo oferece... Nós podemos oferecer um ambiente urbano receptivo para as pessoas, inclusive no final de semana. C: Por fim, retomando o que discutimos agora e pensando nos desafios que São Paulo enfrenta na gestão urbana e que são comuns a outras cidades da América Latina, quais delas você acredita que sejam bons exemplos de modelos urbanos e de gestão? Com quais é possível estabelecer diálogos, trocar propostas e ideias que foram usadas aqui e lá? FH: Olha, eu acho que, modéstia à parte, São Paulo deu uma mudada de agenda vigorosa. A gente não falou de coleta seletiva, não falou de praça Wi-Fi, de cinema público, não falamos de troca de iluminação pública por LED, de Fab Labs públicos... Isso tudo está tudo acontecendo em São Paulo e combina com tudo o que a gente falou. Eu acho que São Paulo se atualizou. Não é por outra razão que tem muito correspondente estrangeiro vindo à prefeitura fazendo entrevista, cobertura. Não é por coincidência que o La Republica, o The Wall Street Journal, o The New York Times, o The Wire da Índia vieram pra cá para cobrir São Paulo. São Paulo está despertando. Estamos trabalhando agricultura orgânica em Parelheiros, turismo... Conseguimos demarcar uma reserva indígena numa metrópole —que é um feito—, que foi lá de Jaraguá. Estamos tentando demarcar a de Parelheiros. Essas coisas fazem sentido, tem uma visão de cidade por trás. Por que que ninguém fala? Ficam falando que a gente pagou o projeto do Gehl, mas não falam que a gente conseguiu demarcação da terra indígena. Para pra pensar o que é demarcar terra indígena numa metrópole. Você já pensou se Nova Iorque demarca uma terra indígena? Vai virar assunto mundial. Nós fizemos numa cidade mais complicada que Nova Iorque. E por quê? Nós lutamos, não é que caiu do céu. Nós fomos no Ministério da Justiça, levamos abaixo-assinado, eu fui falar com cacique, falei com a FUNAI. Por quê? Porque a gente achava simbólico.


10 Eduardo Suplicy é secretário dos Direitos Humanos e Cidadania na Prefeitura de São Paulo. 11 Luciana Temer é secretária de Assistência e Desenvolvimento Social na Prefeitura de São Paulo. 12 Gabriel Chalita é secretário da Educação na Prefeitura de São Paulo.

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toral dos Moradores de Rua.

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9 Padre Júlio Lancellotti é da Pas-

A nossa cidade tem espaço pra povo originário ser tratado com respeito. Eu acho que é uma combinação de fatores. Agora, eu acho que Medellín avançou, acho que Bogotá avançou, Buenos Aires mais recentemente avançou, mas eu acho que São Paulo está mudando a agenda de discussão. A gente está nos fóruns internacionais, os cases de São Paulo são apresentados fora. E eu estou falando também de programas sociais: Braços Abertos é conhecido internacionalmente, o TransCidadania, que é uma recuperação de transsexuais do ponto de vista de escolaridade e formação profissional, é reconhecido fora. Eu estou falando de dimensões importantes. Quem faz o TransCidadania e o Braços Abertos vai se preocupar com o morador em situação de rua do Anhangabaú, posso te assegurar. Não vai descuidar disso. Às vezes eu acho que força um pouco um debate com um “ah, não é bem assim”. É bem assim. Nós estamos preocupados com as pessoas. E, olha, pode dar uma confusão? Pode dar uma confusão, mas nós estamos discutindo com o Padre Júlio9 há três meses a desfavelização da Bresser e a inclusão dessas pessoas em programas sociais. Sabe, fosse outro com uma liminar de reintegração, passava um carro ali em cima. Estamos há 3, 4 meses na mesa. Vai o Suplicy 10 lá, volta aqui, vai lá, conversa, reconversa, senta com o Padre Júlio, senta com Luciana Temer 11, Chalita 12 me levou duas, três vezes no cardeal pra cuidar das pessoas... Aí alguém vai dizer: “tá gentrificando”. Tô gentrificando porque tô tirando as pessoas debaixo de viaduto e dando auxílio aluguel pra pessoa ter um quarto? Tem gente que está lá fazendo protesto chamando a gente de gentrificador. As opiniões são livres, você pode falar: “isso é gentrificação”. Agora, é gentrificação? Cabe no conceito? Você tirar pessoa da rua e dar um auxílio moradia? Ali é área de risco, tem bujão de gás embaixo de viaduto, ali tem criança, tem mulher grávida, como é que faz? Nós levamos prum juiz, explicamos a situação, a vulnerabilidade, falamos: “Ó, essas pessoas não podem ficar”, mostrando que a maioria são homens, jovens e solteiros, que o auxílio moradia contemplaria tranquilamente a necessidade daquelas pessoas, que as famílias teriam um outro tratamento. Aí o judiciário falou “tá certo”. Aí fomos falar com a Igreja Católica que atua na região, várias reuniões de trabalho... Marcamos barraco por barraco. Conversamos com cada morador: cada morador é chamado a assinar uma


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autorização de desmontar o barraco dele. Cada um autoriza desmontar o barraco, “recebi o auxílio aluguel, tô de acordo com o programa”. Quando é que se fez isso em São Paulo? Então acho que a disputa é boa, mas a verdade tem que estar na mesa. Você não pode querer tachar alguém disso, daquilo, sem apresentar um bom argumento, tá certo? É isso? C: Isso. FH: Muito obrigado, viu? C: A gente que agradece. ◑

TRANSCRIÇÃO: MARÍLIA MÜLLER EDIÇÃO: ANA CLARA FIOR, MARIA CAROLINA NASSIF E MARÍLIA MÜLLER

A entrevista foi realizada em 10/12/2015 na sede da Prefeitura de São Paulo.


foto 2

FOTO: DIEGO SILVEIRA





159 VITÓRIA PASQUALE LUPPI






10 O povo, ah, o povo, esse levante plural, essa soma de individualidades que compõem a sociedade, os arquitetos urbanistas deveriam se curvar um pouco mais na observação direcionada às pessoas, pois os espaços somente se tornam lugares, dotados de significado, por conta das pessoas. A aproximação tem que acontecer e logo, senão mais decisões de encarceramento urbano, espaços encerrados numa ideologia doentia de semi-público serão mais abundantes e os arquitetos-urbanistas-paisagistas-observadores ficarão inertes, apenas fazendo parte do mecanismo, porque faz tempo que não temos nada pra dizer ao povo, apencas contribuindo aqui e acolá com desenho de caixotes de concretos sem virtude nenhuma, gostando dos mestres da nossa arquitetura primeiro paulista e depois brasileira, mas não digerindo e devolvendo para o povo espaços em que o próprio povo se sinta proprietário. O estilo, a academia, sempre antes do povo e ainda queremos que os projetos possam “dar certo”.cac

FILIPE BARCELOS DE FARIA

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11 Anhangabaú, cicatriz. Costura mal feita entre territórios que não passam de remendos. Enquanto isso, tiro do bolso um cigarro e fico vendo o sol talhar a cabeça de um careca que passa com pressa, vejo dois mendigos compartilharem uma marmita, uma mulher vendendo pendrive, um homem idoso vendendo a raquete que mata mosquitos, mata até dengue, vejo bicicletas carregadas de pão, um cadeirante fazendo off-road no terreno irregular e um homem tatuado oferecendo outras marcações no corpo. Sento num dos poucos bancos, ao lado de uma senhora que lê a bíblia, fico olhando pra tudo aquilo e gosto mesmo desse sofrimento urbano, desse espaço que não sabe o seu lugar no mecanismo da cidade. Um novo projeto para essa angustia territorial seria um colírio urbano para os olhos daqueles que não sabem que são cegos. Encontro um amigo que trabalhava na SEHAB (Secretaria da Habitação), pergunto como vão as coisas por lá e ele me responde coçando o cotovelo: “de mal a pior”. ◐


166 LUCAS LAVECCHIA

O ESPAÇO PÚBLICO PRESSUPÕE CONFLITO

LUCAS LAVECCHIA é arquiteto e urbanista. Pós-graduando

no Programa de Pós-Graduação em Estudos Brasileiros (FESPSP – Fundação Escola de Sociologia Política de São Paulo)

O espaço pressupõe conflito entre classes, ter acesso aos espaços públicos requer luta em sociedades desiguais, como é o caso das sociedades latino americanas. Historicamente, os espaços públicos nos países latinos que compõem o nosso continente foram revelados com o propósito de servir aos poderes político, religioso e econômico, com disposições coloniais de domínio e controle do lugar pela classe dominante. Portanto, diante desse quadro, quais são as questões que temos a aprender com manifestações como a revolução mexicana do início do século XX, no combate contra o domínio da questão agrária? As experiências ocorridas na Bolívia em Cochabamba e El Alto e as contribuições das camadas populares na reviravolta dos interesses políticos nos dão alguma direção na busca por respostas e ações populares? Ou ainda, os movimentos sociais contrários à construção de um shopping center em uma área central na Turquia? E, no caso brasileiro, qual a lição que tiramos das resistências da Vila Autódromo no Rio de Janeiro e do Ocupe Estelita no Recife? Cada processo revolucionário conta com a originalidade histórica daquele lugar. As revoluções não acontecem na segunda-feira às 08h00min, é preciso criar mecanismos através de um processo de percursos e resistências voltados aos interesses das classes populares, portanto, devem-se criar espaços para atividades que ocupem os vazios da cidade e que impulsionem a revolução urbana promovida pela população oprimida por meio do sistema de produção espacial mercan-


167 LUCAS LAVECCHIA

tilista, ditado pelo poder de empresas privadas com o consenso do Estado mediante grandes obras urbanas ou grandes reformas, cujo resultado é a acumulação de capital e produção de exvcedentes por trabalhadores ligados à urbanização acelerada das grandes cidades. Nesse sentido, é possível perceber os interesses capitalistas ao notar a transformação da paisagem urbana em ambiente de produção fixa, prestes a ser negociado como produto e consumido de diversas maneiras. Isto posto, entende-se que a geração de valor e a construção de espaços estão ligadas à produção de excedentes e força de trabalho, não apenas dos trabalhadores da construção civil, mas de todos que produzem valor no espaço: os motoboys, os motoristas, os garçons, os comerciantes de lojas, os garis, etc. Essas alterações no espaço não tratam apenas do espaço físico construído, essa relação altera os costumes e nosso modo de vida. Muito já foi dito sobre o espaço público e por sinal muito bem dito por grandes pensadores e críticos. Lembro aqui uma definição de espaço por um grande arquiteto. Para Bruno Zevi, arquitetura é tudo aquilo que possui espaço interior. O sujeito deve penetrar e caminhar neste espaço, como o espaço de uma praça, cujo invólucro é formado por igreja, casas, prédios, instituições financeiras, prefeitura, entre outros edifícios que cercam esse espaço. Zevi se refere à quarta dimensão, o tempo, por onde o sujeito penetra e caminha no ambiente construído, constituindo desta forma o espaço interior. Assim, tudo que está


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construído ou em processo de construção influencia nos costumes e nas relações humanas, e o entorno é aquilo que constrói o espaço interno. Diante de cada alteração do ambiente, vivemos, consumimos e produzimos de acordo com a ordem capitalista vigente, as novas tecnologias, as informações, os transportes, a orientação econômica, a globalização — são fatores que afetam a nossa maneira de viver e consumir, desde pequenos eletrodomésticos, alimentação, serviços, carros, e outros mecanismos que mudaram o nosso comportamento atrelado à construção do espaço urbano, que, entre outras questões, trata também de abertura de crédito, instituições financeiras e um modo de vida consumista. Vale também lembrar que o Estado, por meio do urbanismo, pretende controlar o cidadão, a opinião e, consequentemente, as manifestações sociais. Portanto, pretendo retomar os exemplos do primeiro parágrafo sem a pretensão de explicar do ponto de vista histórico os acontecimentos, tampouco analisar o espaço urbano como espaço físico — ­ a intenção desse texto é lançar um olhar comum entre as forças e pressões sociais que criam um corpo político no espaço público e tecer argumentos que revelem o espaço público como um lugar de formação e criação de movimentos sociais. Homens como Emiliano Zapata e Pancho Villa, capazes de reunir milhares de pessoas inclinadas nos interesses do povo, aparecem na história mexicana como resistências ao capital estrangeiro e às políticas de terras dos regimes ditatoriais mexicanos. Esse giro de forças que as movimentações sociais mexicanas deram adensaram os movimentos sociais que lutavam para que as terras permanecessem nas mãos dos camponeses e pela volta do sistema comunal. Entre as conquistas após a revolução estão a constituição de 1917, os direitos dos trabalhadores e a reforma agrária. É cabível de discussão o tipo de direito e de reforma que foi feito. No entanto, destaco a força da revolução no espaço público. O que está revelado aqui é a questão de conflito de camponeses contra forças políticas autoritárias atreladas ao capital externo. Diante disso, uma organização de cunho político se forma e o espaço público ocupado é a abertura para a luta entre classes. No caso boliviano de Cochabamba e El Alto, descrito por Harvey em Cidades Rebeldes, as forças e pressões que fomam um corpo político consciente da camada da população


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mais pobre e excluída foram capazes de erguer mudanças no campo político nacional, essas mudanças e o espaço conquistado se deu perante conflito com o grande capital estrangeiro, cujos interesses eram a exploração da água, em um evento que ficou conhecido como guerra da água. À frente desse quadro, a conquista de espaço ganhou força conforme a luta e o conflito se desdobraram a ponto das empresas Bechtel e Suez serem expulsas do país. No planalto de El Alto, ocupado por imigrantes, camponeses, população de baixa renda e indígenas, os movimentos formaram corpo sólido o suficiente para a deposição do presidente Sánchez de Lozada (2003) e Carlos Mesa (2005). Tratase, portanto, de conflito entre classe cujo papel dos movimentos rebeldes nos traz a perspectiva de formação de corpo político nos espaços públicos. Assim sendo, a cidade não é apenas espaço construído, é um espaço de conflito, por vezes adormecido e controlado pelas forças do Estado, por vezes, capaz de mudar os rumos da política e suas injustiças. Decisões autoritárias de construções inclinadas ao apoio do setor privado na Turquia nos últimos anos revelaram insatisfações populares contrárias às medidas de privatizações e processos de reformas urbanas, na contramão dos interesses da população. Essas medidas acordadas entre governo e setor privado expulsam moradores de áreas centrais para áreas periféricas. Grande parte das manifestações é contra as políticas de desenvolvimento urbano, muito semelhante e conhecida por nós, latinos americanos. Diante disso, um espaço de corpo político se revelou forte e capaz de mobilizar interesses que conflitam com as iniciativas privadas associadas ao governo. Esses movimentos lutam contra criação e construção de áreas para a especulação imobiliária — mais uma vez vemos que o espaço público pressupõe luta e conflito. Para finalizar, trago dois exemplos próximos de nossa realidade. O caso da Vila Autódromo no Rio de Janeiro, que tem como característica o fato do Estado coordenar, regular, definir formas e mecanismos para permitir invasões de áreas destinadas ao negócio e ao lucro sobretudo áreas para seus parceiros privados, que investem o capital excedente produzido com a força de trabalho em novas produções no espaço. A Vila Autódromo resiste às forças e pressões políticas e econômicas inclinadas à remoção da comunidade para a construção do Parque Olímpico, que posteriormente será entregue ao mercado imo-


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biliário, financiadores de campanhas políticas. Na mesma direção está se formando no Recife um espaço de corpo político inclinado à luta contra o Projeto Novo Recife, também de interesses privados do setor imobiliário, que age sempre da mesma maneira, retirando famílias de áreas de interesses econômicos para seus negócios, e produzindo um gigantesco estoque de edifícios padronizados prontos a serem comercializados. Como disse Chomsky, “Durante anos as forças populares têm procurado obter uma fatia maior na administração pública de seus interesses, com algum sucesso ao lado de muitas derrotas”. A lição que se tira desses episódios é que a conquista de espaço está ligado ao conflito e às organizações de movimentos sociais que tiverem corpo político sólido o suficiente para armar resistências e, desta forma, lutar na garantia de seus direitos. Maneiras de intervenções e consolidações de um espaço político contra os interesses do capital devem ser potencializadas e conscientizadas contra a tomada dos espaços públicos das cidades pela iniciativa privada e o Estado. Os cidadãos, cidadãs e as manifestações populares continuarão lutando e continuarão resistindo, nosso futuro será uma eterna luta, inclinada ao espaço público. ◑

REFERÊNCIAS CHOMSKY, N. Consentimento sem consentimento: a teoria e a prática da democracia, Estudos Avançados 11 (29), 1997.

HARVEY, D. Cidades Rebeldes, do direito a cidade à revolução urbana, 1ª Ed. Martins Fontes.

PRADO, L. PELLEGRINO, G. História da américa latina. A revolução mexicana. Contexto, 2014.

ZEVI, B. Saber ver a arquitetura. 6ª Ed. Martins Fontes, 2009.


Fino, límpido rio, que assististe, em épocas passadas, nas primeiras horas do dia, a despedida triste das heróicas monções e das bandeiras; meu Anhangabaú das lavadeiras, nem teu leito ressequido existe! Que é de ti, afinal? Onde te esgueiras? Para que vargens novas te partiste? Sepultaram-te os filhos dos teus filhos; e ergueram sobre tua sepultura novos padrões de glórias e de brilhos... mas dum exílio não te amarga a ideia: levas, feliz, a tua vida obscura no próprio coração da Pauliceia!

MÁRIO DE ANDRADE

MÁRIO DE ANDRADE

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A N H A N G A B A Ú


172 OTILIA ARANTES POR VERA PALLAMIN

FORMA SURBAN ASEMM UTAÇÃO Entrevista com Otilia Beatriz Fiori Arantes por Vera Pallamin 1

1 Entrevista realizada em outubro

OTILIA BEATRIZ FIORI ARANTES é Bacharel em Filosofia

na Revista Eptic Online Vol. 16 n.1

e livre-docente pela USP

de 2013. Originalmente publicada p.58-67 jan.-abr. 2014

pela UFRGS, doutora pela Universidade de Paris I, Mestre

VERA PALLAMIN é professora livre-docente, graduada em

Arquitetura e Urbanismo e em Filosofia pela Universidade

de São Paulo. Mestre e Doutora pela FAUUSP, conduziu pesquisas de pós-doutorado voltadas para a relação entre arte e esfera pública


Em primeiro lugar: do que se está falando ao reivindicar um espaço público? Qual o sentido hoje de uma tal expressão? Pode-se ainda imaginar algo como uma vida pública nas nossas cidades segregadas, muradas, vigiadas? Em meu texto do início dos anos 90, “A ideologia do lugar público na arquitetura contemporânea”, tratava de revelar o que havia de verdadeiro e de ideológico numa tal ideologia, ou seja, o seu fundamento real. Já hoje, não acho sequer que se possa falar em ideologia, tal a falsidade de um tal conceito de “espaço público”, quando todo o espaço é avaliado simplesmente pelo seu potencial de produção de mais valia. Mas, ao mesmo tempo, não se pode ignorar o fato de que ocorre hoje uma série de experiências de apropriação do espaço urbano que nos faz perguntar: será que é só isso, será que estes espaços não recomeçam a ganhar um alto sentido social e político? Numa entrevista recente, motivada pelas

últimas manifestações de rua, fui obrigada a revisar um pouco a evolução deste conceito – o que retomo em parte aqui para responder à sua pergunta. Quando escrevi aquele texto que acabo de citar, tinha em mente, especialmente, a virada cultural traduzida no discurso ideológico de arquitetos e urbanistas sobre a cidade como “lugar”, isto é, como os arquitetos buscavam recriar espaços de vida pública (ou buscam), mas me referia especialmente àqueles que tentavam ressemantizar (como se dizia è época) a cidade moderna esvaziada, ao mesmo tempo corrigindo a fobia ultramoderna pela vida civil ativa em nome da “intimidade”, quem sabe aquela mesma que Camillo Sitte, mais de meio século antes, chamou de “agorafobia”, e isto, através da criação de suportes físicos e simbólicos em que ela pudesse ser restaurada. No entanto, há que se convir, tais propostas, que pareciam dar um passo adiante em relação à cidade moderna, em geral tinham um caráter regressivo, de volta à uma vida “comunitária”, seja através da ilusão de recuperá-la, numa espécie de vizinhança ou de proximidade

OTILIA ARANTES POR VERA PALLAMIN

Como podemos abordar criticamente a atual relação entre a produção do espaço público e o atual estágio do mundo capitalista?

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Otilia Arantes é autora de um trabalho crítico em relação à arquitetura e ao urbanismo consolidado no país como uma referência incontornável - publicou ainda, entre outros livros: pela EDUSP, O lugar da arquitetura depois dos Modernos (1993) Urbanismo em fim de linha (1998) e Chai-na (2011); Berlim, Barcelona duas imagens estratégicas (Annablume, 2011) e, em co-autoria com Carlos Vainer e Ermínia Maricato, A cidade do pensamento único (Vozes, 2000). Suas obras têm acompanhado de perto as mudanças contemporâneas efetivadas neste âmbito epistêmico, esmiuçando as alterações de suas práticas, valores, estratégias e aportes discursivos. Nesta entrevista, a filósofa comenta algumas das principais transformações ocorridas na produção da cidade nos últimos 50 anos, numa narrativa cujo teor elucidativo favorece também a apreensão de momentos importantes de sua própria trajetória de pesquisa.


174 OTILIA ARANTES POR VERA PALLAMIN

HARVEY, POR EXEMPLO, ATRIBUI MUITA IMPORTÂNCIA À RETOMADA DA CIDADE E DE SEUS ESPAÇOS CONTROLADOS, VIGIADOS E ATÉ CRIMINALIZADOS, DO QUAL O PÚBLICO É EXCLUÍDO PELO ESTADO E SEU APARATO REPRESSOR, CONVERTENDO-A JUSTAMENTE, ACREDITA ELE, NUM ESPAÇO POLÍTICO DE IGUAIS, ATRAVÉS DE MOVIMENTOS COMO O OCCUPY.


OTILIA ARANTES POR VERA PALLAMIN

pósito dessas ondas mundiais de protesto, em “autocomunicação” das massas manifestantes, como o principal fator de “empoderamento” dos indivíduos, como se diz no jargão das ONGs. Do que se está falando então hoje em dia? O que são estes novos espaços urbanos, ou quais são eles, e como são “ocupados”? Harvey, por exemplo, atribui muita importância à retomada da cidade e de seus espaços controlados, vigiados e até criminalizados, do qual o público é excluído pelo Estado e seu aparato repressor, convertendo-a justamente, acredita ele, num espaço político de iguais, através de movimentos como o Occupy. Daí, segundo Harvey, o caráter incontornável da cidade como espaço onde ocorrem as ocupações e os confrontos: “são os corpos nas ruas e praças, não o balbucio de sentimentos no Twitter ou Facebook, que realmente importam” – diz ele. Praças ou ruas, a cidade como um todo, como o descrevem alguns autores, espaço de fluxos e circulação, não-lugar, espaço vazio, passível de múltiplos usos, e de congestionamento, seja por estes mesmos fluxos, seja pelos corpos que os desviam, interrompem, confrontam e são confrontados – em nome da ordem. Algo que me faz pensar na imagem de um campo de batalha, a que me reportarei logo adiante. Para muitos, entretanto, espaço de performances, de criatividade, de novas formas de expressão, artística por vezes, mas também política, ou, por isto mesmo, eminentemente política. Certamente uma nova forma de conceber a política, que nada mais tem a ver com a ação (na acepção sublimada de H. Arendt), ou ainda a esfera pública da comunicação e das situações ideais de fala, como as concebeu também Habermas, muito menos ainda com o lugar reivindicado

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física, seja através de um mútuo reconhecimento – um vínculo local – propiciado pela identificação com “lugares” urbanos que exprimissem vicissitudes antigas e modernas, por sua história, por sua memória, enfim. Alguns dos teóricos recorriam inclusive a algo que chamavam o “genius loci”. Numa visão por vezes um tanto mítica, fazia-se o elogio dos monumentos comemorativos e do restabelecimento do cuore urbano (por vezes no plural – que logo se tornaram as “novas centralidades” a serem “revitalizadas”). Apoiavam-se para tanto numa literatura variada, que ia de Sitte à Heidegger, muitas vezes passando pela incontornável Hannah Arendt, quando se tem em mente a assim chamada “esfera pública”. Sem falar na influência direta da antropologia e da linguística na versão estruturalista em voga. De meu lado, como referência crítica, preferia utilizar o conceito de esfera pública burguesa tal como a concebeu Habermas, mesmo reconhecendo que talvez ele tenha sublimado as virtudes de uma tal esfera, mas sem acompanhá-lo na crença em uma Razão Comunicativa capaz de restabelecer por outras vias, que não fosse a de uma urbanidade dependente de um suporte físico/arquitetônico, algo quem sabe como uma esfera pública virtual. Hoje o tema reaparece através das famigeradas redes, mas também na relação imediata com os espaços de manifestações e protestos de massa, por vezes gigantescos – nada mais a ver, pela escala e pela natureza destes atos, com a dimensão por vezes mítica e certamente nostálgica dos teóricos do Lugar, nem mesmo, me parece, com a Comunicação a que aspirava Habermas (seguramente não um defensor de Seattle ou do Occupy) – embora, é verdade, ideólogos da Sociedade em Rede, falem agora, a pro-


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pelos que pretendiam encontrar aí as camadas arqueológicas superpostas de uma memória urbana reencontrada pelos seus habitantes (os teóricos do lugar...). São evidentemente novos tempos, dos quais os antigos conceitos, como o de “espaço público” certamente não dão mais conta. No presente, uma das diretrizes das transformações urbanas refere-se à produção do ‘urbano generalizado’ e a tendência a aglomerações desmesuradas, em que os limiares urbanos tendem a configurar formas extremas. Que aspectos você destacaria na análise desse fenômeno? No ano passado, em um encontro nacional, o ENANPARQ, o título da minha intervenção foi justamente “A era das formas urbanas extremas”. Vou resumir rapidamente o que disse naquela ocasião. A amostragem mais completa desse “novo urbanismo”, ou de algo que se situa para além do urbanismo, são as novas cidades asiáticas, passíveis de crescerem ad infinitum. Cidades enfim que não obedecem mais a nenhum plano, salvo de sua expansão sem limites – “cidades genéricas”, na expressão de Koolhaas. Elásticas. Sem história, sem identidade (ou que podem produzi-la a cada semana), imensas, despropositadas, que crescem e se auto-destroem ininterruptamente. Que se verticalizam e se esparramam. Com infra-estruturas superdimensionadas, prevendo usos futuros ou no intuito de competir com as demais: residências, mas também portos, aeroportos, escritórios, ociosos. Estoques supérfluos, como se fossem cidades fantasmas, estradas que não levam a parte nenhuma, salvo a “possíveis” outras cidades, e assim

por diante. Criando enclaves e impasses, infernizando umas às outras. Todas, tendo algo de aeroporto e de shopping center. É como se, depois do fim de linha, ou quem sabe a sua própria e superlativa expressão, tivesse ocorrido ou enfim sido deflagrado o mais espantoso e gigantesco processo de urbanização contemporânea, em curso especialmente na China da Era das Reformas. O termo para caracterizar um tal processo chinês é bem este: “hiperurbanização” – que nos interessa, além do mais, por exprimir a mudança de paradigma implicado pelo inusitado da escala por assim dizer cósmica, tanto pela compressão do tempo, quanto espacial. Pelo menos na acepção que encontrei empregado pela primeira vez, por Graham e Marvin, para designar este “espantoso processo de urbanização jamais visto no planeta”, referindo-se sobretudo à reviravolta na tradição de “desenvolvimento comunal no planejamento de infra-estrutura” em favor de um furioso empreendedorismo local, conduzido por novas e poderosas municipalidades em associação com corporações internacionais de infraestrutura e consultoria, num ambiente de intensa competição entre cidades. Tudo bem pesado, no entanto, são apenas listas de factóides, de paisagens, infraestruturas ou “cidades Potenkim”, mas o fato é que impressionam, ainda mais quando revestidos pela parafernália de acessórios do design corporativo. Tal gigantismo compulsivo, nada mais é do que uma verdadeira mutação pelo excesso – com certeza uma expansão “até novas, inimagináveis e talvez, impossíveis dimensões”, na expressão de Fredric Jameson, e que impressionam, sobretudo, pelas proporções descomunais

C E H


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CIDADES ENÉRICA HIPERUR ELÁSTICAS. SEM HISTÓRIA, SEM IDENTIDADE (OU QUE PODEM PRODUZI-LA

A CADA SEMANA), IMENSAS, DESPROPOSITADAS, QUE CRESCEM E SE AUTO-

-DESTROEM ININTERRUPTAMENTE. QUE SE VERTICALIZAM E SE ESPARRAMAM.


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assumidas por qualquer significante urbano que associe, e faça sentir, os efeitos correspondentes, um ícone qualquer do ultramoderno (seja lá o que isto queira dizer) e uma explosiva escala sobre-humana, como se encerrasse uma promessa de aniquilação. Passando ao outro lado “extremo” nos deparamos igualmente com essa ambiência análoga de mutações radicais. Refiro-me à expansão acelerada das grandes capitais do “Planeta Favela” descrito por Mike Davis. E, para tanto, vou me deter especialmente numa das muitas profecias apocalípticas de Rem Koolhaas, sua percepção de que o paradigma da nova urbanidade pós-urbana deve ser reconhecido no seu extremo patológico, ou seja, nada mais nada menos, do que a impressionante capital da Nigéria. Assim, Lagos não seria mais ou apenas um caso de “evolução” extrema, situado agora que o antigo modelo urbano mundial se desmanchou, no “primeiro plano da modernização global”. Não é Lagos que se aproxima de nós – afirmam os pesquisadores do Project on the City, de Harvard, coordenado à época por Koolhaas – mas somos nós que estamos a ponto de alcançá-la, e nos seguintes termos (à altura de um grand finale): “o fato de que muitas das atuais tendências das modernas cidades ocidentais se deixaram reconhecer de forma hiperbólica em Lagos, sugere que refletir sobre a cidade africana é pensar no estado terminal de Chicago, Londres e Los Angeles”. Simples assim, para dizer o menos: no fim de linha da cidade civilizada, nos deparamos com um modelo futuro literalmente “fora da civilização”. Se quisermos prosseguir, concluem, será preciso rever as idéias herdadas e “reconceitualizar a própria cidade”. Mas agora, em algum ponto de intersecção terminal de um colapso que fun-

ciona: pois é, Lagos “funciona” – 15 milhões de pessoas de algum modo sobrevivem nela. E mais, “a operacionalidade de uma megalópole, como Lagos, ilustra a eficácia em escala macro de sistemas e agendas consideradas marginais, informais e ilegais segundo a compreensão tradicional de cidade”. Suponhamos que seja próprio de uma cidade terminal a indistinção entre proliferação galopante dos mais extravagantes mercados de ocasião e uma modalidade específica de erosão urbana: tudo somado, como Koolhaas, o jornalista George Parker também hesita diante desta cena convulsionada: sinal de vigor ou de doença? – uma força vital ou um apocalipse iminente? Milhões de habitantes em conjuntos habitacionais na base de enormes blocos de concreto, que, rapidamente, nas palavras do jornalista, vão adquirindo “um aspecto leproso, como se uma doença maligna estivesse corroendo suas fachadas”. Um subprefeito entrevistado por ele, diante da antevisão de “23 milhões de pessoas espremidas, tentando sobreviver como cobaias de uma experiência fracassada de um demógrafo louco” não pensa duas vezes: “quanto a mim, acho que é um desastre iminente”. Para início de argumento, digamos que a modernização em marcha forçada, empurrada pela memória do colapso, se confunde com essa aceleração que prepondera com certo senso imediato de urgência. Juntando esses dois extremos da nossa era pós-urbana, seria o caso de arriscar um primeiro reconhecimento conceitual do terreno comum em que se cruzariam as trajetórias explosivas do Renascimento Chinês e do Sul Global com a implosão não menos dramática da “urbanidade” tal como a conhecíamos nas metrópoles do núcleo orgânico do sistema mundial. Pois me parece bem provável


179 OTILIA ARANTES POR VERA PALLAMIN

PARA DIZER O MENOS: NO FIM DE LINHA DA CIDADE CIVILIZADA, NOS DEPARAMOS COM UM MODELO FUTURO LITERALMENTE “FORA DA CIVILIZAÇÃO”. SE QUISERMOS PROSSEGUIR, CONCLUEM, SERÁ PRECISO REVER AS IDÉIAS HERDADAS E “RECONCEITUALIZAR A PRÓPRIA CIDADE”.


180 OTILIA ARANTES POR VERA PALLAMIN

DES COMP AS SOS SENS É MAIS FÁCIL EXPERIMENTAR E “VER”

ESSE ESPAÇO DO QUE DEFINI-LO, MUI-

TO EMBORA, OU POR ISSO MESMO, SEJA APRESENTADO POR SEU AUTOR COMO UM DOS ELEMENTOS DEFINIDORES DA

NOVA ERA DOS DESCOMPASSOS SENSORIAIS PROVOCADOS PELA NOVA ACELERA-

ÇÃO DO MODUS OPERANDI CAPITALISTA.


OTILIA ARANTES POR VERA PALLAMIN

anos de cuja convergência culminaria no diagnóstico de época que se convencionou denominar Pós-modernismo. Com efeito, vinte anos depois do ensaio desbravador de Fredric Jameson, Mike Davis encerraria seu inventário do Planeta Favela “descendo a rua Vietnã”. Digamos que – tendo ele também aprendido, não com a colorida Las Vegas, mas com a desolada e “desurbanizada” Saigon – Mike Davis tenha tirado as consequências geopolíticas de um “planeta de favelas”, quer dizer, um mundo de cidades sem empregos e que logicamente abdicaram de qualquer veleidade de reforma urbana, para dizer o menos, tenha enfim apreendido, por seu turno, a convergência de origem entre o hiperespaço das formas urbanas extremas (nesta extremidade de agora, as “cidades fracassadas e ferozes” do antigo Terceiro Mundo), e a geografia da nova guerra. Está claro que o atual Warfare State americano foi o primeiro a mapeá-la. Mas não se trata apenas de constatar que as megacidades da periferia engolida pela globalização se converteram em ambientes naturais de batalha. Seria preciso dar um passo adiante (mas não aqui, é claro) e verificar se esse novo tempo das formas urbanas extremas, consideradas em seu amplo espectro, nele incluído o “estágio Dubai do capitalismo” (Davis), não seria igualmente o tempo de um novo “urbanismo militar”, tempo de cidades sitiadas, escaneadas, de populações-alvo rastreadas, vigiadas, preventivamente contidas e abordadas segundo perfis de risco, etc. Mas isto fica para uma próxima conversa. ◐

181

que só agora, diante desses conglomeradas caóticos que proliferam indefinidamente, estejamos testemunhando de fato a plena realização da experiência daquele hiperespaço premonitoriamente descrito por Fredric Jameson no seu ensaio famoso, de 1984, sobre “A lógica cultural do capitalismo tardio”. Segundo ele, em um tal hiperespaço, minuciosamente programado, diga-se de passagem, teria sido ultrapassada “a capacidade do corpo humano de se localizar, de organizar perceptivamente o espaço circundante e mapear cognitivamente sua posição em um mundo exterior mapeável (...) esse ponto de disjunção alarmante, entre o corpo e o ambiente construído está para o choque inicial do modernismo, assim como a velocidade da nave espacial está para o automóvel”. É mais fácil experimentar e “ver” esse espaço do que defini-lo, muito embora, ou por isso mesmo, seja apresentado por seu autor como um dos elementos definidores da nova era dos descompassos sensoriais provocados pela nova aceleração do modus operandi capitalista. Gostaria no entanto de assinalar uma outra “visão” que ocorreu a Jameson por ocasião daquela primeira formulação – e que também permite unificar os extremos que estamos evocando, e que tem sido pouco registrada por seus leitores: nada mais nada menos do que o espaço da guerra pós-moderna. Qualificação, aliás, sobre a qual não dá maiores precisões, ele certamente tinha em mente, naquele momento, a guerra do Vietnã como a primeira guerra pós-moderna. Por qualquer ângulo que a brutal assimetria daquele conflito seja examinada, indubitavelmente uma guerra de novo tipo entrara em cena, e rigorosamente contemporânea, senão seu epicentro, de mutações naqueles


182 NOME E SOBRENOME (DO AUTOR)

AS CIDADES E OS MORTOS 5 ITALO CALVINO


183 ITALO CALVINO

Laudômia, como todas as cidades, tem a seu lado uma outra cidade em que os habitantes possuem os mesmos nomes: é a Laudômia dos mortos, o cemitério. Mas a característica particular de Laudômia é a de ser, mais do que dupla, tripla; isto é, de compreender uma terceira Laudômia, que é a dos não nascidos. As prosperidades da cidade dupla são conhecidas. Quanto mais a Laudômia dos vivos se povoa e se dilata, mais aumenta a quantidade de tumbas do lado de fora da muralha. As ruas da Laudômia dos mortos são largas apenas o bastante para que transite o carro fúnebre, e são ladeadas por edifícios desprovidos de janelas; mas o traçado das ruas e a sequência das moradias repetem os da Laudômia viva e, assim como nesta, as famílias são cada vez mais comprimidas em compactos nichos sobrepostos. Nas tardes ensolaradas, a população vivente visita os mortos e decifra os próprios nomes nas lajes de pedra: da mesma forma que a cidade dos vivos, esta comunica uma história de sofrimentos, irritações, ilusões, sentimentos; só que aqui tudo se tornou necessário, livre do acaso, arquivado, posto em ordem. E, para se sentir segura, a Laudômia viva precisa procurar na Laudômia dos mortos a explicação de si própria, não obstante o risco de encontrar explicações a mais ou a menos: explicações para mais de uma Laudômia, para cidades diferentes que poderiam ter existido mas não existiram, ou razões parciais, contraditórias, enganosas. Muito justa, Laudômia confere um domicílio igualmente vasto àqueles que ainda vão nascer; claro que o espaço não é proporcional ao seu número, que se supõe infinito, mas, sendo um lugar vazio, circundado por uma arquitetura repleta de nichos e reentrâncias e cavidades, e podendo-se atribuir aos não nascidos a dimensão que se deseja, imaginá-los do tamanho de um rato ou de um bicho-da-seda, ou de uma formiga, ou de um ovo de formiga, nada impede de visualizá-los eretos


184 ITALO CALVINO

ou agachados em cada um dos suportes ou estantes que ressaem das paredes, em cada um dos capitéis ou plintos, em fila ou esparralhados, atentos às incumbências de suas vidas futuras, e de contemplar numa veia do mármore Laudômia inteira daqui a cem ou mil anos, apinhada de multidões vestidas de modo jamais visto, todos, por exemplo, com barreganas cor de beringela, ou todos com plumas de peru nos turbantes, e de reconhecer os próprios descendentes e os das famílias aliadas ou inimigas, dos devedores e credores, que vão e vêm perpetuando os negócios, as vinganças, os matrimônios por amor ou por interesse. Os viventes de Laudômia frequentam a casa dos não nascidos, interrogando-os; os passos ressoam sob os tetos vazios; as questões são formuladas em silêncio: e é sempre deles próprios que perguntam os vivos, não daqueles que virão; alguns se preocupam em deixar uma ilustre memória de si, outros em encobrir as suas vergonhas; todos gostariam de seguir o fio das consequências dos próprios atos, mas, quanto mais aguçam o olhar, menos reconhecem um traço contínuo; os nascituros de Laudômia aparecem pontilhados como grão de poeira, afastados do antes e do depois. A Laudômia dos não nascidos não transmite, como a dos mortos, qualquer segurança aos habitantes da Laudômia viva, só apreensão. Nos pensamentos dos visitantes, acabam por se abrir dois caminhos e não se sabe qual reserva maior angústia: ou se pensa que o número de nascituros supera grandemente o de todos os vivos e de todos os mortos, e, nesse caso, em cada poro de pedra acumulam-se multidões invisíveis, amontoadas nas encostas do funil como nas arquibancadas de um estádio, e, uma vez que a cada geração a descendência de Laudômia se multiplica, em cada funil se abrem centenas de funis, cada qual com milhões de pessoas que devem nascer e esticam os pescoços e abrem a boca para não sufocar; ou então se pensa que Laudômia também desaparecerá, não se sabe quando, e todos os seus habitantes desaparecerão com ela, isto é, as gerações se sucederão até uma certa cifra e desta não passarão, e por isso a Laudômia dos mortos e a dos não nascidos são como as duas ampolas de uma ampulheta que não se vira, cada passagem entre o nascimento e a morte é um grão de areia que atravessa o estreitamento, e nascerá um último habitante de Laudômia, um último grão a cair que, no momento, está aguardando no alto da pilha.


185 ITALO CALVINO

Trecho de As Cidades InvisĂ­veis, livro de Italo Calvino, publicado pela primeira vez em 1972.


(...) É evidente que acabou de tomar uma decisão, e que má ela foi, com a mão firme segura a esferográfica e acrescenta uma palavra à página, uma palavra que o historiador não escreveu, que em nome da palavra histórica, não poderia ter escrito nunca, a palavra Não, agora que o livro passou a dizer é que os cruzados Não auxiliaram os portugueses a conquistarem Lisboa, assim está escrito e portanto passou a ser verdade, ainda que diferente, o que chamamos falso prevaleceu, sobre o que chamamos verdadeiro, tomou o seu lugar, alguém teria de vir contar a história nova, e como. ◑


REVISTA CONTRASTE Número 4 Março de 2016 ISSN 2317.2134 contraste.edit@gmail.com facebook.com/revcontraste Tiragem 1000 exemplares Corpo de texto: Thesis Serif Títulos e destaque: Flama e Whitney Miolo: Pólen 80g/m² Capa: Supremo Alta Alvura 250g/m² Impressão e Montagem LPG-FAUUSP Rua do Lago, 876, São Paulo, SP Vencedor do concurso de capa Paulo Yuh Corpo editorial Ana Beatriz Rodrigues, Ana Clara Fior, Felipe Lealdini Righi, Luísa Bissoni, Maria Carolina Farah Nassif de Moraes, Maria Luisa Cardoso, Marília Müller, Renan Prado, Sofia Ferreira Toi e Victória Sanches Ferreira da Silva Diagramação Ana Beatriz Rodrigues, Felipe Lealdini Righi, Luísa Bissoni, Maria Carolina Farah Nassif de Moraes, Marília Müller, Renan Prado, Sofia Ferreira Toi e Victória Sanches Ferreira da Silva Agradecimentos Alvaro Puntoni, Ana Castro, André Moreno Bonassa, Caio Sens, Camilla Annarumma, Eddie Terzi, Frederico Souza de Queiroz Assis, Guilherme Wisnik, Joana Mello de Carvalho e Silva, João Pedro Nogueira, João Sodré, Julia Gonçalves Magalhães, Leila Suwwan de Felipe, Luís Antônio Jorge, Luis Guilherme Alves Rossi, Luisa Kon, Mário Henrique D’Agostino, Nicolas Le Roux, Nilce Aravecchia, Paulo Yuh, Priscila Fernandes, Rodrigo Chedid, Tadeu Maia, todos os funcionários do LPG, diretoria da FAUUSP e demais pessoas que apoiaram o projeto. Autores, entrevistados e transcrições Alina Paias, Ana Castro, Ana Daniela Pizzatto, Fabio Mariz Gonçalves, Fernando Haddad, Filipe Barcelos de Faria, Julia Lopes, Laura Sobral, Lucas Lavecchia, Pablo Hereñú, Vitória Pasquale Luppi, Victor Martins de Aguiar e Thiago Carrapatoso Republicações Georges Perec, GrupoSP, Italo Calvino, Jaime Lerner, José Saramago, Mário de Andrade, Mário Quintana, Otília Arantes, Racionais MC’s e Vera Pallamin Fotografias e ilustrações André Moreno Bonassa, Bernard Lemos Tjabbes, Caio Lealdini Righi, Danilo Ferreira, Diego Silveira, Felipe Lealdini Righi, Felipe Suzuki Ursini, Flora Milanez, Harã Nascimento, Isabel Martin, Maíra Akemi, Maria Carolina Farah Nassif de Moraes, Marília Müller, Vanessa Mattara, Victor Henrique Fidelis e Victória Sanches Os trechos da abertura e do fechamento desta edição foram retirados de “História do cerco de Lisboa”, romance de José Saramago, lançado em 1989. Ilustrações por Caio Lealdini Righi.



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