Onco& ed. 9, ano II

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Dezembro 2011/Janeiro-Fevereiro 2012 Ano 2 s no 9

Oncologia para todas as especialidades

Especial SBOC XVII Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica: muito além da oncologia clínica

Entrevista Uma nova forma de abordar as doenças não transmissíveis: uma entrevista com Gene Bukhman, da Universidade Harvard

Quiz Teste seus conhecimentos em oncologia

Cirurgia robótica Sempre a melhor opção? Conheça as vantagens, as desvantagens e as polêmicas dessa técnica

ginecologia | nutrição | do bem


sumário

entrevista

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capa

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Cirurgia robótica: vantagens, desvantagens e polêmicas da técnica aplicada à oncologia

especial SBOC

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XVII Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica: na ausência de grandes novidades científicas, a interdisciplinaridade foi a palavra de ordem

nutrição

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Avaliação e planejamento nutricional em câncer Dan Linetzky Waitzberg, Letícia De Nardi, Lilian Mika Horie e Claudia Cristina Alves

ginecologia

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Prevenção do câncer de ovário Jesus Paula Carvalho

do bem

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Unidades móveis de prevenção levam informação e prevenção de câncer aos cantos distantes do Brasil

quiz

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A cada edição, um caso novo e pouco comum. E o diagnóstico é... Evandro Lucena

curtas

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Notícias da indústria, iniciativas, prêmios: um giro pelo mundo da oncologia

calendário

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Programe-se: eventos e congressos para anotar na agenda

Com um modelo inovador de abordagem das doenças não transmissíveis, o professor de Harvard Gene Bukhman propõe uma maneira diferente de enxergar a saúde


Conselho editorial Editor clínico: Sergio D. Simon

I – Cancerologia clínica Oncologia clínica: André Moraes (SP) Anelisa Coutinho (BA) Auro Del Giglio (SP) Carlos Sampaio (BA) Claudio Petrilli (SP) Clarissa Mathias (BA) Daniel Herchenhorn (RJ) Fernando Medina (SP) Gothardo Lima (CE) Igor Morbeck (DF) João Nunes (SP) José Bines (RJ) Karla Emerenciano (RN) Marcelo Aisen (SP) Marcelo Collaço Paulo (SC) Maria de Fátima Dias Gaui (RJ) Nise Yamaguchi (SP) Oren Smaletz (SP) Paulo Marcelo Gehm Hoff (SP) Roberto Gil (RJ) Sebastião Cabral Filho (MG) Sérgio Azevedo (RS) Sergio Lago (RS) Onco-hematologia: Carlos Chiattone (SP) Carmino de Souza (SP) Daniel Tabak (RJ) Jane Dobbin (RJ) Nelson Spector (RJ) Vânia Hungria (SP)

Transplante de medula: Jairo Sobrinho (SP) Luis Fernando Bouzas (RJ) Nelson Hamerschlak (SP) Yana Novis (SP)

II – Biologia molecular Ada Alves (RJ) André Vettore (SP) Carlos Gil (RJ) Helenice Gobbi (MG) José Cláudio Casali (RJ) Luísa Lina Villa (SP) Maria Isabel Achatz (SP)

III – Cancerologia cirúrgica Neurologia: Manoel Jacobsen Teixeira (SP) Marcos Stavale (SP) Cabeça e pescoço: Luis Paulo Kowalski (SP) Vergilius Araújo (SP) Tórax: Angelo Fernandez (SP) Riad Naim Younes (SP) Abdômen: Ademar Lopes (SP) José Jukemura (SP) Laercio Gomes Lourenço (SP) Marcos Moraes (RJ) Paulo Herman (SP)

Mama: Alfredo Barros (SP) Antonio Frasson (SP) Carlos Alberto Ruiz (SP) Maira Caleffi (RS) Urologia: Antônio Carlos L. Pompeu (SP) Miguel Srougi (SP) Ginecologia: Jorge Saad Souen (SP) Sérgio Mancini Nicolau (SP) Sophie Derchain (SP) Tecido osteoconjuntivo: Olavo Pires de Camargo (SP) Reynaldo J. Garcia Filho (SP)

IV – Radioterapia Ludmila Siqueira (MG) Paulo Novaes (SP) Robson Ferrigno (SP) Rodrigo Hanriot (SP) Wladimir Nadalin (SP)

V – Cuidados paliativos e dor Ana Claudia Arantes (SP) Claudia Naylor Lisboa (RJ) Fabíola Minson (SP) João Marcos Rizzo (RS) Ricardo Caponero (SP)

Ano 2 • número 9 dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012

Editorial Lilian Liang lilian@iasoeditora.com.br Sergio Azman sergio@iasoeditora.com.br Comercial Simone Simon simone@iasoeditora.com.br Direção de arte Luciana Cury luciana@iasoeditora.com.br Pré-impressão Ione Gomes Franco Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva

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Impressão: Ipsis Gráfica e Editora Tiragem: 10 mil exemplares ISSN: 2179-0930 Jornalista responsável: Lilian Liang (MTb 26.817) Colaboraram nesta edição: Andrea Murta, Claudia Cristina Alves, Conceição Lemes, Dan Linetzky Waitzberg, Evandro Lucena, Jesus Paula Carvalho, Letícia De Nardi, Lilian Mika Horie ERRATAS (edição número 8) Na matéria “A vez da oncogeriatria”, a especialista Theodora Karnakis foi erroneamente descrita como responsável pelo programa de geriatria do Hospital Israelita Albert Einstein. Ela é responsável pelo programa de oncogeriatria do mesmo hospital. Na matéria “Quem cuida do cuidador”, ed. 8, as imagens da página 53 são do livro De Volta para Casa – Um Documentário sobre o Tratamento Domiciliar no

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Brasil, de André François. As imagens da página 55 é que pertencem ao livro Cuidar – Um Documentário sobre a Medicina Humanizada no Brasil, do mesmo autor. A revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, uma publicação da Iaso Editora, especializada em comunicação médica, traz informações sobre oncologia a profissionais de todas as especialidades médicas. De circulação bimestral, tem distribuição nacional e gratuita por todo o território nacional. A reprodução do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte. A opinião dos colaboradores não reflete necessariamente a posição da revista.

Avenida Vereador José Diniz, 3720 – cj. 406 Campo Belo – 04604-007 – São Paulo – SP (11) 2478-6985 (redação) – (21) 3798-1437 (comercial)


Um ano de conquistas

N

O ÚLTIMO SÁBADO DE OUTUBRO, RECÉM-

XVII CONGRESSO BRASILEIRO DE ONCOLOGIA CLÍNICA, EM GRAMADO, FUI recebida pela manchete no Jornal Nacional: “Expresidente Lula está com câncer na laringe e vai passar por sessões de quimioterapia e radioterapia a partir de segunda-feira”. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de algumas semanas com dores na garganta e uma rouquidão persistente, e diante da insistência da presidente Dilma Rousseff, ela mesma ex-paciente de câncer, foi finalmente fazer os exames. Foi diagnosticado naquele sábado com câncer de laringe. Começou a fazer o tratamento na semana seguinte e, numa imagem emblemática de força e coragem, raspou o cabelo e a barba, que era sua marca registrada. Enquanto isso acontecia, circulavam pelas redes sociais inúmeras campanhas que repercutiam a doença do ex-presidente, todas elas com o mesmo teor: “Lula, faça o tratamento pelo SUS”. Não entrarei na questão da solidariedade com um paciente de câncer, seja ele quem for, ou da qualidade do sistema de saúde público. Tudo isso já foi exaustivamente discutido após o diagnóstico do ex-presidente. O que prefiro ressaltar é que o câncer é sempre um golpe. É um período de incerteza, revolta e insegurança, e só o paciente pode escolher como enfrentá-lo. Lula, me parece, escolheu o caminho do otimismo. E por ser uma figura pública, suas ações são acompanhadas por 200 milhões de brasileiros. Acredito que a doença de Lula pode ter efeitos positivos na luta contra o câncer – não só porque traz a doença de volta à pauta, mas porque Lula personifica tantos fatores que se procuram enfatizar em campanhas mas que, sem rosto, se perdem na comunicação. O Lula paciente, sem vínculo com CHEGADA DO

partidos ou ideologias, presta a partir do exemplo um inesperado serviço à saúde: fazer o exame para detecção precoce, seguir à risca o tratamento proposto pelos médicos, adotar mudanças no estilo de vida, encarar com otimismo esse período difícil. Aqui na Onco&, nosso objetivo é exatamente este: ajudar, através de informação isenta e de qualidade, nesse esforço de conscientização sobre prevenção e diagnóstico precoce para que outros pacientes, figuras públicas ou não, tenham essa mesma oportunidade. Na última edição do ano, o balanço é inevitável. E é muito bom perceber que em 2011 conseguimos trazer tantos aspectos diferentes do câncer – novidades científicas, temas polêmicos, saúde pública, iniciativas pioneiras – à discussão. Embora costume dizer que “quanto mais sabemos, menos sabemos”, creio que estamos no caminho certo. No ano que vem, queremos continuar nessa jornada. Em 2012 queremos fazer mais, informar mais, ajudar mais. E só podemos sonhar com isso porque contamos com muita gente comprometida nesse trabalho, gente que acredita que por trás do trabalho existe uma missão. Estar cercada de pessoas assim dá significado ao que fazemos todos os dias. Você, leitor, é parte disso. Esse é nosso maior presente. E por isso, muito obrigada. Boas festas e um ótimo 2012!

Lilian Liang

* Jornalista especializada na cobertura de saúde, é editora da Onco& – Oncologia para todas as especialidades Contato: lilian@iasoeditora.com.br

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entrevista

Solidariedade global Professor de Harvard e diretor de cardiologia na ONG Partners in Health, Gene Bukhman defende a abordagem em grupo das doenças não transmissíveis, inclusive o câncer, com integração de serviços e melhor uso de recursos Por Andrea Murta

Divulgação

C Gene Bukhman

* Diretor do Programa Global em Doenças Não Transmissíveis e Mudança Social da Escola de Medicina da Universidade Harvard; diretor de cardiologia da ONG Partners in Health

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ARDIOLOGISTA DE FORMAÇÃO,

GENE BUKHMAN

PODERIA FACILMENTE OCUPAR SEU TEMPO APE-

NAS ENTRE A ESCOLA DE MEDICINA DA UNIVERsidade Harvard, onde dirige o Programa Global em Doenças Não Transmissíveis e Mudança Social, e o atendimento em hospitais de ponta em Boston (EUA). Mas, tanto quanto possível, prefere deixar o conforto de lado e viajar 11 mil quilômetros até Ruanda para viver outro papel: o de conselheiro sênior do governo local, ajudando a integrar serviços para doenças não transmissíveis endêmicas, como câncer cervical, e revolucionando o sistema de saúde do país africano. Bukhman faz parte da Partners in Health (Parceiros na Saúde, ou PIH, na sigla em inglês), organização baseada em Boston voltada a melhorar a oferta de serviços de saúde em comunidades carentes e marginalizadas pelo mundo. Ruanda é apenas um dos 12 países em que os 13 mil funcionários da PIH atuam – estão incluídos, por exemplo, Peru, Rússia, Lesoto e até Cazaquistão. A organização defende uma forma de integrar serviços que inicialmente desafia a lógica predominante em países pobres, enxergando as doenças não transmissíveis como grupos abordáveis em conjunto. A tarefa exige esforço e tempo, mas, segundo Bukhman, pode tornar a aplicação de recursos muito mais eficiente e reduzir a mortalidade de vários tipos de câncer. “Estamos vivendo em uma época em que a injustiça de termos pessoas morrendo por doenças curáveis é cada vez mais óbvia”, afirma. Além de cardiologista-chefe da PIH, Bukhman

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também aconselha a Força-Tarefa Global para Expandir o Acesso ao Tratamento e Controle do Câncer em Países em Desenvolvimento. Ele é formado pela Universidade do Arizona, onde também obteve o Ph.D. em antropologia da medicina, e realizou a residência no Brigham and Women’s Hospital (Boston). Completou estudos em cardiologia no Beth Israel Deaconess Medical Center e é certificado em medicina interna e cardiologia, com competência específica em ecocardiografia. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que ele concedeu a Onco&.

Onco& – A Assembleia de Alto Nível da ONU para Doenças Não Transmissíveis (entre elas as cardiovasculares, diabetes, câncer e doenças mentais), ocorrida em setembro em Nova York, terminou numa espécie de anticlímax, com poucas linhas de ação concretas. Como o senhor avalia a reunião? Afinal, câncer é prioridade em saúde pública? Gene Bukhman – A comparação que tem sido feita para a Assembleia é o encontro de alto nível sobre a aids que ocorreu em 2001, realizado sob um contexto muito diferente devido ao clima econômico global. [A crise financeira] baixou as expectativas desta vez. Mas, assim como ocorreu com o encontro sobre o HIV, teremos de esperar alguns anos para avaliar com precisão os resultados da Assembleia. A ação contra o HIV/aids se desenvolveu muito nos anos seguintes ao encontro, então ainda vejo motivos para ser otimista em relação às doenças não transmissíveis. Uma das coisas mais importantes que foram feitas é que o encontro reuniu pessoas de


grupos diversos que lidam com a mesma batalha, de quem atende crianças diabéticas dependentes de insulina a doenças do coração, oncologistas etc. Considero um grande sucesso que essa comunidade consiga manter a solidariedade. Sobre se o câncer é prioridade em saúde pública... bem, acho que está ficando cada vez mais difícil dizer a sério que algumas doenças são mais importantes ou mais prioritárias do que outras. Estamos vivendo em uma época em que a injustiça de termos pessoas morrendo por doenças curáveis é cada vez mais óbvia, e muitos tipos de câncer são parte dessa história. Insisto nisso porque é preciso abordar essas doenças a partir de uma comunidade integrada. Todos lutamos contra doenças não transmissíveis.

Onco& – A presidente Dilma Rousseff anunciou em março um investimento de R$ 4,5 bilhões em ações de prevenção de câncer de mama e de colo do útero no Brasil. Só dinheiro resolve o problema do câncer nos países em desenvolvimento? Vacinar todo mundo contra o HPV, por exemplo, é o caminho para erradicar o câncer de colo do útero? Bukhman – O Brasil é um país que inspirou o mundo todo com seu programa para a aids. Sem dúvida, recursos são parte importante da nossa batalha contra o câncer. E não estamos falando de recursos que não existem. Eles estão disponíveis globalmente, mesmo no ambiente econômico atual. Quando digo que o Brasil é inspirador, quero dizer que ainda pode ser um líder no desenvolvimento de estratégias para fornecer serviços, vacinas etc. em larga escala. Se fosse fazer sugestões, diria, de forma geral, que a chave para a eficiência é abrir a porta para tratar também condições relacionadas com as doenças principais que queremos abordar. Isso leva a um aproveitamento máximo dos recursos. Não sei dizer quais são os gargalos que o Brasil enfrenta, mas começaria observando se há demanda por serviços médicos que gravitam em torno do câncer de mama e cervical que poderiam ser abordados em grupo. Isso envolve treinamento e infraestrutura.

63% dos 7,6 milhões de mortes devidas ao câncer ocorreram em países em desenvolvimento. Até 2030, estima-se que esses países carregarão 70% do fardo mundial do câncer, mas ainda assim só 5% dos recursos para a doença são destinados a eles. A mentalidade ainda não está mudando? Bukhman – A linguagem que usamos para falar do mundo em desenvolvimento está ficando mais complicada e mudando muito. Há 50 anos, havia uma divisão clara entre países ricos e “o resto”. Pensávamos em países de renda baixa que tinham muitas coisas em comum, da Ásia à América Latina e à África. Mas, ao longo das últimas décadas, o desenvolvimento desses países foi muito desigual. É muito difícil colocar Xangai ou São Paulo na mesma categoria de uma área rural da Libéria. É comum pensar que, depois de todo o sucesso que tivemos em combater doenças infecciosas em países pobres, mudanças no estilo de vida (especialmente queda na atividade física e aumento do fumo) acabaram atuando como motores para o aumento das doenças não transmissíveis. Acho essa mentalidade problemática. Pode ser verdadeira para São Paulo, Cidade do México ou Cape Town, mas não acontece da mesma forma em Ruanda ou Serra Leoa. Além disso, há outra história para as doenças não transmissíveis, incluindo o câncer: elas sempre foram parte significativa do fardo dos países pobres. A natureza dessas doenças pode ser diferente quando temos as mudanças de estilo de vida que comentei antes, mas daí falaremos em câncer de pulmão influenciado por esses fatores em São Paulo, enquanto na Libéria falaremos de câncer cervical. Mesmo nos países mais pobres, as doenças não transmissíveis compõem historicamente pelo menos 20% das enfermidades, o que é muito significativo. A diferença está no tipo de doença.

Onco& – Como essas diferenças mudam a abordagem do tratamento para o câncer no mundo em desenvolvimento?

Bukhman – Temos duas implicações. Primeiro, em alguns ambientes

Onco& – A PIH acaba de lançar o relatório “Closing the Cancer Divide: A Blueprint for Improving Cancer Care in Low and Middle Income Countries” (Acabando com as diferenças no câncer: um plano para melhorar o tratamento ao câncer em países de baixa e média renda”, em tradução livre). Que lições o Brasil pode tirar dele? Bukhman – Há exemplos de países com os quais o Brasil pode se identificar, como o México, que fez esse salto no acesso ao tratamento para muitos cânceres no contexto da universalização dos seguros-saúde ou do aumento progressivo da cobertura. Isso pode ser algo que o Brasil queira observar. E também temos bons exemplos de países de renda média que estão fazendo progresso na tentativa de aumentar o acesso a tratamentos sem levar o serviço público à falência.

há uma correlação importante com a idade da população. Quando você tem uma população relativamente jovem, a condição individual de cada câncer não respeita uma epidemiologia específica, e nenhum tipo compõe a parte mais importante do total das doenças. A distribuição é maior. Isso exige uma descentralização e integração de serviços. É preciso pensar quais grupos de atendimento podem ser oferecidos juntos, qual tipo de treinamento é mais adequado. Em segundo lugar, essas condições muitas vezes são evitáveis a partir de detecção precoce e vacinação. O custo em um ambiente pobre não é necessariamente tão alto, porque não é algo que domina a epidemiologia. Creio que o principal determinante para trabalhar com câncer é a distribuição etária e se há ou não muitos habitantes com mais de 65 anos. É importante mencionar também a prevalência de HIV nesses países, que facilita o desenvolvimento de alguns tipos de câncer.

Onco& – Antigamente o pensamento dominante era de que o

Onco& – O senhor fala de uma abordagem integrada. O relatório

câncer era uma doença de países desenvolvidos. Houve uma virada – em 2008, 53% dos 12,7 milhões dos novos casos de câncer e

da PIH fala em diagonalização. O que isso quer dizer exatamente? Bukhman – Doenças específicas podem, com a descentralização de Onco& dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012

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“Estamos vivendo em uma época em que a injustiça de termos pessoas morrendo por doenças curáveis é cada vez mais óbvia, e muitos tipos de câncer são parte dessa história”

serviços, ser um ponto de partida para oferecer um espectro mais amplo de serviços de saúde. Esse é um aspecto da diagonalização. Um exemplo clássico é do câncer cervical. Você pode pensar inicialmente em um planejamento para prevenir e tratar o câncer, mas chega a uma situação em que atende a vários outros tipos de demandas de saúde que não estão sendo atendidas nos serviços clínicos normais, como exames de mama, biópsias, tratamento de infertilidade etc. Ou seja, integramos vários serviços relacionados. Outro exemplo pode ser com câncer de mama, que abre a possibilidade de tratamento crônico para várias outras condições. Muitos pacientes vão precisar de tamoxifeno e vai ser necessário criar todo um sistema para garantir que exista um estoque do medicamento, além de verificação de comparecimento dos pacientes, se estão respondendo ao tratamento, e até questões relacionadas a seguros-saúde. Ou seja, para qualquer condição mais exigente será preciso uma estrutura de suporte completa. Acabamos apoiando a descentralização de todo um sistema.

Onco& – O câncer cervical pode ser considerado em vários casos uma doença transmissível (devido ao fato de o HPV ser fator de risco). Isso facilita de alguma forma a integração de serviços? Bukhman – Para mim, o fato de que um agente infeccioso pode ter dado origem a doenças não transmissíveis (câncer, doenças do coração) não é o fator mais importante para a forma de atendimento. O mais importante é determinar a plataforma de serviços necessária para o tratamento. O que as doenças não transmissíveis compartilham, isto é, o que nos faz agrupar câncer cervical e problemas do coração na mesma categoria, é o fato de que são muito prevalentes, difíceis de lidar e envolvem dano a órgãos, resultando em um problema muito mais desafiador para sistemas de saúde nacionais. Por outro lado, do ponto de vista da prevenção, faz muita diferença. No caso do câncer cervical, é preciso organizar campanhas de vacinação [contra o HPV]. Um dos principais problemas é que será preciso ter instituições estabelecidas para lidar com essa abordagem. E há o fato de que muitas condições que compartilham necessidade dos mesmos serviços exigidos para o atendimento a pacientes com HIV/aids. Isso pode ser útil, particularmente no contexto de doadores internacionais. Se ligarmos, por exemplo, o HIV com alguns tipos de câncer, isso torna o recebimento de fundos mais fácil. Muitos programas focados no tratamento do HIV parecem ser capazes de expandir o atendimento a doenças de alguma forma ligadas à aids.

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A dificuldade aqui é que pacientes com o mesmo tipo de câncer mencionado acima não poderiam receber o tratamento se fossem HIV negativos. Isso seria muito limitador para um programa.

Onco& – Como o senhor vê hoje o desafio de integrar prevenção e tratamento? Uma visão disseminada é a de que é melhor em termos de custo-benefício concentrar recursos em prevenção no mundo em desenvolvimento e deixar o tratamento, que é mais caro, para países ricos. Bukhman – Obviamente ninguém quer adquirir uma doença, e a situação se complica muito depois que ela se instala. Se é possível prevenir, ótimo. Mas muitas, muitas condições não são evitáveis. E, mesmo se fossem, isso não ajudaria quem já está doente. Não é interessante ter esse tipo de abordagem fragmentada – essa visão, creio, já caiu. Não se fala sobre tratamento de doenças já adquiridas em termos de custo-benefício. Por exemplo, o número de pacientes com doenças pediátricas é pequeno, e tratar todos eles não é o que vai quebrar o orçamento. Enquanto isso, prevenção tem como alvo muito mais gente, e isso encarece as operações. O que é vital é estabelecer o quão eficaz a abordagem pode ser. Eficácia é um critério que funciona melhor para estudar custos. Dá para conseguir muita coisa com tratamentos. Dependendo do caso, um investimento de US$ 200 a US$ 1.000 tem eficácia de 50% ou 80% pelos próximos 16 anos. Agora, se as ferramentas que temos à disposição são muito caras, temos de avaliar o porquê desse custo. Pode ser pelo funcionamento do mercado, ou podem estar usando métodos caros quando há alternativas mais baratas. Onco& – O senhor pode dar exemplos de como baixar custos? Mesmo economizando, câncer não é das doenças mais baratas.

Bukhman – Para muitas coisas o custo é bem baixo. Estamos falando de tratamentos com tempo limitado, não uma entrega de medicamento para algo crônico, que vai durar a vida toda. Uma das variáveis mais importantes é que drogas a baixo custo podem não estar disponíveis em determinado país se não forem compradas em grandes quantidades. E é um círculo vicioso, porque não compram muito justamente porque o preço é alto, e dessa forma o preço não cai. Mas, em muitos casos, as drogas são bem baratas e os tratamentos não custam muito, além do fato de o número de pacientes não ser tão


alto. Abordar o tratamento de tipos de câncer tratáveis não é tão caro assim. É uma das coisas mais interessantes da epidemiologia. Outras coisas são mais complicadas, como treinamento, especialmente ligado a cirurgia, e questões ligadas a até que ponto a radioterapia é fundamental – onde colocamos o limite para o valor dessa intervenção, pois há um ponto em que sua eficácia já não é tão boa.

Onco& – O relatório da PIH menciona que, em muitas situações, drogas para o controle da dor não estão disponíveis. Em muitos casos o problema não é o custo, mas a organização do sistema de saúde e até barreiras culturais. O senhor já enfrentou esse tipo de dificuldade? Bukhman – O que quisemos dizer é que esse é um problema facilmente contornável. Remédios para dor podem ser incrivelmente baratos, e quando vemos a dificuldade de obter drogas em alguns lugares a questão não é o preço. Há certa preocupação em torno desse tipo de medicamento devido ao risco de roubo e tráfico, e há falta de reconhecimento da importância de mitigar dor e sofrimento dos pacientes. Creio que podemos chamar isso de cultural. Onco& – A questão do treinamento de pessoal é um investimento de longo prazo. Como isso deve ser equilibrado com necessidades de curto prazo, em termos de destinação de recursos? Bukhman – É uma ótima pergunta. Uma das questões é que o treinamento para um enfoque integrado requer longo prazo para ser implementado, se compararmos com uma intervenção mais limitada. Mas vemos isso da seguinte forma: se você encontra o grupo certo de serviços que podem ser oferecidos em conjunto, o treinamento não é tão complicado. Não vai levar anos, e sim alguns meses. E a integração de serviços é uma intervenção mais durável do que o treinamento em uma doença específica. É claro que alguns tipos de serviços requerem treinamento de longo prazo e supervisão de apoio, particularmente os ligados a cirurgia para câncer de mama ou quimioterapia pediátrica. Isso significa que precisamos levar muito a sério a necessidade de uma excelente formação médica no nível da pós-graduação. E realmente isso é muito ambicioso e de longo prazo. O desafio de muitos países pobres é a falta de supervisão – é preciso criar uma primeira geração de médicos que possam contribuir para a formação dos próximos. Isso envolve parcerias entre lugares com treinamentos mais desenvolvidos. É importante ter médicos supertreinados do Brasil, da Índia, dos EUA, que possam ir para esses países por alguns anos para apoiar a formação de profissionais que possam levar o trabalho adiante.

Onco& – No Brasil há uma preocupação em melhorar o treinamento para o atendimento primário, de forma a facilitar a identificação de sinais de alerta e acelerar diagnósticos. Ocorre o mesmo em outros países onde o senhor trabalha? Bukhman – Sim, totalmente. Primeiro, o reconhecimento de condições

que podem ser tratáveis é muito importante. Para o paciente, é crucial saber que potencialmente há um tratamento: isso ajuda a minimizar o estigma, de forma parecida ao que vimos com o HIV, e facilita a busca por atendimento. Claro, isso para tipos mais óbvios, como blastomas, sarcomas, alguns tipos de câncer de mama avançados. A questão, porém, se complica em termos de testes que enfermeiros e funcionários do atendimento primário podem fazer. No caso do câncer cervical, já temos estratégias bastante avançadas. Mas outros tipos podem ser mais complicados, e cada país tem de estudar o que pode ou não fazer. De toda forma, detecção precoce é fundamental para as chances de cura, então é algo que merece investimento.

Onco& – Outra dificuldade que pode aparecer é que, mesmo quando o diagnóstico é feito e o tratamento pode começar, há falta de profissionais de apoio que possam fazer acompanhamento dos efeitos, como cardiologistas. Esse é um problema global? Bukhman – Tem razão, é um desafio global. Muitas vezes as pessoas optam por tratamentos que são menos agressivos pela falta de acompanhamento disponível – por exemplo, preferindo não fazer quimioterapias mais tóxicas. Por outro lado, muitos dos tratamentos mais modernos não dependem de atendimento de especialistas, como você pode pensar. Por exemplo, não é obrigatório que um ultrassom do coração seja feito por um cardiologista, particularmente para o tipo de doença de que estamos falando. Um clínico geral ou um enfermeiro especializado pode fazer uma avaliação mínima do coração para saber se o paciente pode receber um certo tipo de quimioterapia. Acho que o ponto mais amplo aqui é de novo a integração dos serviços a partir da plataforma do atendimento primário. E os desafios não são insuperáveis. Onco& – A PIH defende que muito pode ser feito com recursos já disponíveis hoje. Para onde esses recursos estão indo então?

Bukhman – Em qualquer sistema, especialmente um que tentou se expandir rapidamente, é muito difícil ser eficiente nas primeiras tentativas. Vimos nos últimos dez anos investimentos significativos em sistemas de saúde, mas não houve tempo suficiente para otimizar o uso dos recursos. Para usá-los melhor, eu sugeriria destinar uma porção maior para médicos e enfermeiras e treinamento de pessoal de apoio. Isso não tem sido feito de forma satisfatória. Em muitos lugares os gastos com saúde ainda são muito, muito baixos, na casa dos US$ 20, US$ 30 dólares per capita em países mais pobres, enquanto nos EUA fica em US$ 5 mil e, num país como o Brasil, em torno de US$ 150 per capita. Acho muito difícil encontrar um sistema de saúde que aborde toda a questão das doenças tratáveis e evitáveis com investimentos de US$ 25 dólares per capita. A atenção ao câncer vai exigir uma expansão dos limites da solidariedade global. Onco& dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012

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capa

Tempos modernos? A cirurgia robótica se apresenta como mais uma ferramenta no arsenal contra o câncer. Veja quais as vantagens e os limites dessa técnica Por Conceição Lemes

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STAÇÃO CONSOLAÇÃO DO METRÔ DE SÃO PAULO, AVENIDA PAULISTA COM RUA AUGUSTA. DIARIAMENTE, PESSOAS DE TODAS AS ETNIAS, CULTURAS, religiões e classes sociais embarcam e desembarcam para ir e vir do trabalho, comer, realizar compras, encontrar amigos. Recentemente, juntei-me a essa multidão e, por curiosidade, perguntei aleatoriamente a homens e mulheres que passavam por ali.

Se precisasse ser operado(a), você escolheria: a) Cirurgia convencional, aberta (o médico realiza as incisões e ressecções de tecidos com as próprias mãos)? b) Cirurgia com robô? (cirurgia assistida por computador, cirurgia robótica e cirurgia robótica assistida são seus outros nomes; o médico, em um console joystick parecido com controle de videogame, manipula os “braços” do robô, que faz as incisões e ressecções). Surpresa zero. Dos 30 passantes ouvidos, 28 optaram pelo robô. Inovações tecnológicas seduzem, mesmo, aqui e lá fora. “Os pacientes querem o robô. Muitos vem à consulta apenas para perguntar: ‘Você usa o robô? Ok, bem, obrigado’”, conta o urologista Jeffrey A. Cadeddu, do Southwestern Medical Center, da Universidade do Texas, nos EUA. “E vão embora.” Nos EUA há cerca de mil robôs cirúrgicos em atividade, segundo informações da Strattner, empresa que representa no Brasil o fabricante, a Intuitive Surgical. No Brasil há apenas três, todos em hospitais pri-

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dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012 Onco&

vados de São Paulo: Albert Einstein, Sírio-Libanês e Oswaldo Cruz. A razão é o elevadíssimo preço. Como há apenas uma empresa no mercado mundial, a falta de concorrência se reflete nos valores. Segundo Paulo Mattera, da Strattner, cada um custa, em média, R$ 2,5 milhões. A manutenção gira em torno de R$ 200 mil por ano. Para complicar, os planos e seguros de saúde não reembolsam o aluguel do robô, que custa de R$ 6 mil a R$ 12 mil (dependendo da cirurgia), sempre pago pelos pacientes. Aqueles sem plano de saúde ou sem direito a internação nesses hospitais têm de pagar ainda a operação propriamente dita, ou seja, tudo particular. Resultado: uma conta bem salgada para o doente. “Em todos os lugares a cirurgia robótica é mais cara do que a aberta; aumenta em 30%, em média, o custo da operação”, atenta o urologista Sidney Glina, professor livre-docente de urologia da Faculdade de Medicina do ABC e chefe da Clínica Urológica do Hospital Ipiranga, em São Paulo. “É uma desvantagem.” “Em compensação, a cirurgia robótica diminui o tempo de internação”, replica o também urologista e cirurgião Gustavo Caserta Lemos, do Hospital Israelita Albert Einstein. “O paciente retorna mais rápido à suas atividades normais.” “Tem muita gente fazendo cirurgia robótica desnecessariamente para uma porção de situações em que o robô nada agrega em relação à via laparoscópica”, observa o cirurgião do aparelho digestivo e coloproctologista Raul Cutait, professor associado de cirurgia da FMUSP. “Novas tecnologias passam sempre a imagem de modernidade. As


questões-chave são: quanto realmente beneficia o tratamento do paciente e a que custo?” “Assim como a cirurgia laparoscópica e a convencional, a robótica tem um papel. É para cirurgias oncológicas absolutamente regradas”, pondera o cirurgião Raphael Paulo de Paula Filho, responsável pelo setor de Cirurgia Oncológica do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. “Fora disso, é marketing. Não tem justificativa. Pacientes podem se prejudicar quando o método não for bem planejado ou bem indicado.”

O robô é mais uma ferramenta de trabalho Realmente o assunto é polêmico. Divide os cirurgiões. Não me admiro, portanto, de a essa altura muitos de vocês estarem questionando: Afinal, o que é realmente a cirurgia robótica?; Ela substitui o cirurgião?; Vale mesmo a pena usar o robô em cirurgias para o tratamento do câncer?; Em que tumores está sendo utilizada?; E os resultados?; Qual o estado da arte?; O que dizem os estudos disponíveis?; O que fazer quando um paciente diz que quer o robô?... Para começar, o procedimento nasceu da necessidade de as Forças Armadas norte-americanas fazerem cirurgias a distância. Foi na década de 1990. A expectativa era ter braços robóticos em hospitais próximos aos fronts, como Afeganistão e Iraque. Funcionaria assim: nos EUA ou em outra parte do mundo, o cirurgião principal, atuando num joystick, faria o procedimento. Transmitidos por internet, esses dados iriam até o robô no campo de batalha. Esse projeto, porém, não foi adiante. Primeiro, devido às limitações na velocidade de transmissão de dados. Segundo, à impossibilidade de operar no campo de batalha sem que houvesse alguém que mexesse no robô in loco. “A pessoa que opera o robô tem de estar ao lado do doente”, frisa um cirurgião que pediu que seu nome não constasse da matéria e a quem chamaremos de doutor R*. “Na verdade, ao longo de muitos anos o robô foi uma tecnologia procurando uma aplicação para valer”, atenta Cutait. Até que, com o advento da cirurgia laparoscópica para o câncer de próstata, alguns médicos notaram que ficava mais fácil operar por laparoscopia com a ajuda do robô do

que sem ele. Essa operação exige uma sutura muito fina da uretra com a bexiga e os braços robóticos permitem alguns movimentos que não se tem na cirurgia laparoscópica. “Atualmente, a melhor indicação para o uso do robô é para cirurgia de próstata, pelo simples fato de que realmente facilita tecnicamente a sutura da bexiga com a uretra, ou seja, pode haver um ganho na qualidade do procedimento”, informa Cutait. “Assim, nos Estados Unidos, cerca de 70% das cirurgias de câncer de próstata são hoje realizadas por via laparoscópica com o auxílio do robô.” Lá, a operação robótica começou entre 1999 e 2000. Aqui, em 2008. “O robô é mais uma ferramenta de trabalho”, diz Lemos. “Tem todas as vantagens da laparoscopia, acrescida de visão tridimensional e pinças articuladas, o que permite movimentos mais precisos.” Na sala de cirurgia, para operar, o cirurgião senta-se à frente do console de um computador, que é conectado a uma torre, onde ficam os braços robóticos. Uma vez manipulados os controles, o sistema traduz imediatamente os movimentos de mãos, pulsos e dedos do cirurgião para a extremidade dos instrumentos dentro da cavidade endoscópica. As tesouras, pinças e porta-agulhas do robô repetem, dentro da cavidade, os mesmos movimentos que o cirurgião faz no console. “Efetivamente o robô é um escravo”, afirma Lemos. “Faz apenas o que o cirurgião manda, não tem autonomia nenhuma. Tanto que, se tirarmos o olho do console, o robô trava imediatamente devido ao sensor de presença.”

“Nem tanto ao céu nem tanto à terra. O robô não é a melhor coisa do mundo, sem o qual a gente não pode viver, mas também não é a personificação do mal. É mais um bisturi, um instrumento de cirurgia”

As vantagens da robótica, segundo quem a faz Na verdade, Lemos e o doutor R só têm elogios à cirurgia robótica: * Permite realizar procedimentos de alta complexidade de modo mais simples, sem abrir o paciente. É a abordagem mais avançada de cirurgia minimamente invasiva. * Suas pinças articuladas, com movimentação de 270 graus, possibilitam manobras e suturas difíceis na cirurgia laparoscópica, cujos instrumentos rígidos não têm mobilidade. Onco& dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012

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* Garante ao médico visualizar o que está sendo operado em três dimensões em alta definição, com aumento de até 12 vezes. * Filtra os movimentos involuntários da mão, tirando tremores. Há vários filtros. O cirurgião que tem a mão firme pode usar o filtro de 2 para 1. Já aquele que treme bastante usaria um filtro de 5 para 1, por exemplo. Assim, de cada dois ou cinco movimentos, só passa um pelo robô. “À medida que os anos avançam, algum tremor pode surgir. Com o robô isso desaparece. Além de uniformizar a mão do cirurgião, possibilita mais precisão e aumenta o acesso a cirurgias complexas em que as mãos não podem tremer nada”, afirma o doutor R. “O robô universaliza a cirurgia. O sujeito não precisa ter tanto dote natural para ser um grande cirurgião.” * Garante postura mais confortável, ergonômica, durante a operação, já que os cotovelos do cirurgião ficam apoiados no console. Assim, fica mais descansado, principalmente nas cirurgias longas. E isso melhora a perfomance. “A cirurgia robótica é menos invasiva, causa menos dor no pós-operatório, menor trauma cirúrgico”, diz Lemos. “Consigo fazer anastomose da bexiga com uretra de forma mais precisa; em vez de manter por dez dias a sonda uretral na prostatectomia radical, seis são suficientes.”

Indicações, eficácia e limites, também por quem faz Segundo Mattera, da Strattner, a cirurgia robótica é atualmente empregada em tumores de próstata, rins, útero, reto, cólon, estômago, fígado, pâncreas, duodeno, pulmões, esôfago, base de língua, mediastino, baço, entre outros. “Nós temos usado em tumores não muito grandes de reto, cólon, estômago, vesícula biliar, esôfago, pâncreas (ressecções parcial e total) e fígado”, afirma o doutor R. “Está havendo no mundo inteiro um boom para tirar a glândula tireoide por meio de robótica sem abrir o pescoço, através de pequena incisão na axila da paciente, sobretudo em mulheres.” Lemos utiliza em tumores de próstata, rins (pequenos e grandes), adrenal e linfadenectomia retroperitoneal em casos de tumor de testículo.

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E a eficácia? “Os estudos no mundo inteiro têm demonstrado que a operação com robô tem os mesmos resultados da cirurgia aberta”, afirma o doutor R. “Mas em nossa casuística e experiência os resultados da robótica são, sem dúvida, superiores.” “No caso da prostatectomia radical, a robótica, no mínimo, empata em todos os parâmetros”, diz Lemos. “Em alguns parâmetros é até melhor. Por exemplo, causa menor impotência. Com robô, ela atinge 15% dos operados; já na cirurgia convencional, aberta, 30%. A incontinência urinária é revertida mais rapidamente. Na robótica, demora 44 dias em média; na operação convencional, 160 dias.” E as desvantagens? “As mesmas da cirurgia laparoscópica”, diz o doutor R. “Se tiver um campo muito difícil, bastante proximidade de vaso grande, é preciso abrir o paciente para completar a cirurgia.” O que isso significa? “Começamos com o robô. Caso cheguemos a algum ponto em que se duvida da sua eficácia sem abrir o abdômen, aí partimos para a cirurgia aberta”, esclarece o doutor R. “Isso acontece numa minoria de casos. Na maioria, com os resultados dos exames pré-operatórios, dá para saber se vamos fazer com robô ou aberta.”

“É preciso dar a devida dimensão ao uso do robô” Cutait, Glina e De Paula pensam diferente. Perguntei-lhes se consideram imprescindível a cirurgia robótica. A resposta dos três foi a mesma: não. Nenhum, porém, é contra o método. Mas todos são críticos. “Na área de aparelho digestivo, o impacto é limitadíssimo por enquanto”, considera Cutait. “Há uma experiência inicial para tratamento do câncer de pâncreas e de reto. Em ambos os casos, para situações muito específicas. Pâncreas, quando se tira a cabeça dele, pois há suturas muito delicadas. Reto, porque pode ajudar homens com pelve muito estreita. Agora, nada que a experiência do cirurgião não resolva sem robô.”


“É preciso tomar cuidado para que não se faça a apologia do uso de uma tecnologia que o fabricante e alguns cirurgiões alardeiam como fundamental e que, na verdade, não o é na maioria dos casos”, adverte Cutait. “Isso pode criar no imaginário da população a falsa percepção de que, sem robô, as cirurgias são inferiores. É preciso dar a devida dimensão ao uso do robô.” “O grande problema do robô é a curva de aprendizagem muito grande”, expõe Glina. “Não é algo que se aprende em duas ou três vezes. E como no Brasil os robôs estão em hospitais privados e não há simulador, dificulta muito o aprendizado. Em consequência, o cirurgião acaba aprendendo a fazer a cirurgia robótica nos seus próprios pacientes, que ainda pagam pelo seu custo.” De Paula concorda com Glina: “Realmente, a curva de aprendizagem é muito longa. Primeiro, é preciso saber fazer bem a aberta, que é a mãe de todas as cirurgias. Depois, saber operar bem por laparoscopia. Para depois, então, se lançar do robô. São três etapas. Não dá para pular nem inverter uma delas”. Glina fez o curso de robótica nos Estados Unidos, treinou e chegou à conclusão de que o método não é tão bom para operar quanto na aberta. Numa prostatectomia radical, ele demora duas horas e meia na cirurgia aberta; com robô, 5 horas, em média. Lemos aparteia: “Eu demoro duas horas numa prostatectomia radical com robô”. “E do ponto de vista operatório, a robótica, na minha mão, não pareceu ser melhor do que a aberta”, retoma Glina. “Se eu tivesse feito tantas cirurgias de robô quanto fiz de cirurgias abertas, talvez fosse igual. Mas, por enquanto, não é. Por isso, aos meus pacientes eu indico a aberta para a prostatectomia radical.” “Também não há dados que nos permitam dizer que os resultados da cirurgia robótica na prostatectomia radical são melhores do que os da cirugia aberta”, afirma Glina. “Há até trabalhos que mostram que os resultados da robótica são piores em relação à incontinência e à impotência por causa da curva de aprendizado.” “Se pegarmos um cirurgião que já fez 5 mil cirurgias com robô, como há alguns nos EUA,

provavelmente o resultado dele é igual ou superior”, acrescenta Glina. “Mas, se considerarmos a média dos cirurgiões que operam com robô, não é igual à média dos que fazem cirurgia aberta.” Cirurgiões altamente qualificados, como K. Ashutosh Tewari, do Weill Cornell Medical College, em Nova York, dizem que demora cerca de 200-300 procedimentos para as cirurgias assistidas por robô se tornarem altamente proficientes. Tewari fez 3,2 mil.

“Para cirurgias oncológicas absolutamente regradas” Usando esta frase de um colega de equipe, De Paula costuma brincar com os residentes: Tudo dá para fazer. Contorcionistas de circo, por exemplo, entram dentro da mala. A questão é para quê. O mesmo se aplica à cirurgia robótica para tumores: Tudo dá para fazer. Para quê? Qual a vantagem de se aprender essa tecnologia? O que o paciente ganha? O robô, vocês observaram um pouco atrás, está sendo empregado em uma gama imensa de tumores. Porém, segundo o estado atual da arte, as indicações são bem limitadas. * O robô é recomendado para cirurgias oncológicas absolutamente regradas, ou seja, aquelas em que a lesão é pequena e a palpação desnecessária, portanto, quando se sabem o começo, o meio e o fim da operação. Basicamente, tumores pequenos de próstata, endométrio, colo do útero. “No caso de paciente obeso, o método de eleição para tumor de próstata é o robô, desde que com grupo bem treinado”, diz De Paula. “É difícil operar tanto por cirurgia aberta quanto por laparoscopia.” * Para os demais tumores, como pâncreas, reto e estômago, a cirurgia robótica é discutível, faz-se para simplesmente entrar na “mala”. “A não ser que seja para dizer que faz robótica, não tem justificativa usá-la em pâncreas”, opina De Paula. “Além disso, há o risco eventual de não estar sendo suficientemente radical.” * “Especificamente em relação ao tumor de reto, o robô e a laparoscopia não são a melhor indicação e o doente não evolui diferente”, julga De Paula. “Estou convencido de que a cirurgia aberta é a

“Efetivamente o robô é um escravo. Faz apenas o que o cirurgião manda, não tem autonomia nenhuma. Tanto que, se tirarmos o olho do console, o robô trava imediatamente devido ao sensor de presença”

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melhor. Vou continuar fazendo, pois já vi muitas recidivas de tumor de reto operado por cirurgia laparoscópica que talvez não precisassem acontecer.” * Já tumores pequenos de próstata, endométrio e colo do útero podem ser operados por cirurgia robótica, laparoscópica ou aberta, convencional. As três estão corretas. Comparativamente ainda não se tem números definitivos para mostrar que o resultado de um é melhor que o de outro. A tendência é que sejam muito parecidos. O médico deve optar por aquela que ele sabe fazer melhor. * É incorreto começar com robótica, depois mudar para aberta no meio. Tem de se entrar para fazer a técnica escolhida, seja robô, laparoscopia ou aberta. * O robô não tem a mínima indicação para tumores que exigem grandes ressecções, em múltiplos órgãos, cujas cirurgias saem do beabá e nas quais se tem de agir conforme as lesões se apresentam. Mesmo que sejam de próstata, endométrio e colo do útero.

“Nem tanto ao céu nem tanto à terra” “O futuro do robô é brilhante na cirurgia oncológica, ele ainda nem começou”, empolga-se o doutor R. “Nós, cirurgiões, já temos de começar a nos envolver com ele, para que as próximas gerações de robôs, mais leves, mais ágeis, não nos peguem desprevenidos, sem ter experiência com o robô mais autoescola, que é com o qual estamos trabalhando.” “Nem tanto ao céu nem tanto à terra”, vislumbra Glina. “O robô não é a melhor coisa do mundo, sem o qual a gente não pode viver, mas também não é a personificação do mal. É mais um bisturi, um instrumento de cirurgia. É um método para ser usado quando for preciso.” Cutait vai na mesma linha: “A tendência é os robôs terem as suas indicações, mas não serão tão espetaculares como apregoam. É preciso dar a devida dimensão ao seu uso”. Como saber se é um caso para robótica, laparoscopia ou cirurgia aberta? “Estadiando adequadamente o tumor com exames pré-operatórios”, frisa De Paula. “Não se pode deixar de indicar um método por não saber fazê-lo. Está errado. Eu posso não indicar por não achar que é o melhor para aquele paciente.” Voltemos ao começo desta reportagem. Lem-

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bram-se da enquete com homens e mulheres na Estação Consolação do Metrô de São Paulo? Absolutamente despretensiosa, ela dá pistas de como os pacientes podem acabar fazendo uma opção seduzidos pelas novas tecnologias. Pois bem, uma pesquisa publicada pela revista americana Medical Care mostra que hospitais que compram robôs cirúrgicos acabam realizando mais operações de câncer de próstata, sugerindo que a tecnologia se tornou uma força motriz por trás de decisões sobre os cuidados dos homens com câncer. Sugere ainda que a forma como os homens são tratados de câncer de próstata parece ser influenciada por vários fatores, incluindo a tecnologia e os objetivos de marketing dos hospitais e médicos, em vez de evidências científicas sobre benefícios e riscos. O estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade de Nova York e outras instituições, acompanhou as compras de robô cirúrgico em 554 hospitais, juntamente com o tratamento dado a mais de 30 mil homens que receberam diagnóstico de câncer de próstata entre 2001 e 2005. Segundo o estudo, quando um hospital adquire robôs cirúrgicos, os homens daquela região são mais propensos a uma cirurgia para tratar câncer de próstata do que antes de a tecnologia ser adquirida. A compra de um robô levou a um aumento médio de 29 operações por ano por hospital. Os dados sugerem ainda que pacientes que poderiam ser candidatos a opções não cirúrgicas tendem a ser direcionados para a cirurgia robótica em seu lugar. Para os pesquisadores, os resultados são preocupantes, pois a prostatectomia radical pode resultar em uma série de complicações, incluindo incontinência e impotência. Conclusão: a cirugia robótica não é para todo mundo, mas isso não quer dizer que ela não seja para ninguém. Estejam atentos às evidências científicas deste momento. Procurem se cercar de colegas sérios para saber qual caso tem mais ou menos indicação. Afinal, a vida dos pacientes depende disso.

* O cirurgião havia aceitado participar desta reportagem, mas depois pediu que seu nome fosse retirado. Como as suas opiniões espelham o que está sendo feito em termos de cirurgia robótica no Brasil, mantivemos algumas delas e vamos chamá-lo doutor R.


especial SBOC

Com o foco no indivíduo

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17A EDIÇÃO DO CONGRESSO BRASILEIRO DE ONCOLOGIA CLÍNICA, REALIZADO EM GRAMADO (RS) ENTRE 26 E 29 DE OUTUBRO, FOI PARA O TEMA “INDIVIDUALIZAÇÃO E HUMANIZAÇÃO DO Tratamento”. Em dias de avanços alucinantes da ciência e investimentos cada vez maiores da indústria farmacêutica em busca de novas drogas, a comissão organizadora do congresso deu espaço para outras áreas envolvidas no tratamento do paciente de câncer, como cuidados paliativos, psico-oncologia e enfermagem oncológica, entre outros. Embora o congresso não tenha trazido grandes novidades científicas, a variedade de temas relacionados ao câncer – e não apenas à oncologia clínica – constituiu um dos grandes atrativos do evento. Saíram ganhando os quase 3 mil participantes do encontro, que puderam conferir as discussões em suas próprias áreas de atuação e em áreas relacionadas: as salas destinadas aos simpósios paralelos ao congresso brasileiro – o XI Congresso Brasileiro de Enfermagem Oncológica, o III Simpósio de Farmácia em Oncologia e o II Simpósio Internacional de Psico-Oncologia – contaram com participantes de diversas especialidades envolvidos nos debates. “O objetivo foi realmente fazer com que houvesse um intercâmbio de ‘expertises’ nos mais diferentes aspectos da assistência oncológica”, explicou o oncologista clínico José Luiz Miranda Guimarães, presidente do congresso, organizado pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. “Nesse particular aspecto, fiquei com a nítida sensação de missão cumprida.” A seguir, você acompanha algumas entrevistas com os coordenadores dos módulos que procuraram abordar o paciente de um aspecto mais humanizado e individual. ÊNFASE DA

José Luiz Miranda Guimarães, presidente do XVII Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica O tema do congresso deste ano foi “Individualização e Humanização do Tratamento”, com grande ênfase na multidisciplinaridade do câncer. De onde veio a ideia do tema? O que esse destaque, num congresso desse porte, diz sobre os rumos do câncer? Não foi uma simples ideia. O tema é reflexo de uma mudança de paradigma mundial na plataforma da pesquisa de novas moléculas. A intensificação de um melhor entendimento nos mecanismos da gênese do câncer e de novas descobertas de vias de sinalização celular nesses últimos anos permite que haja um esforço em desenvolver moléculas com mecanismos de ação muito específicos. Portanto, sendo chamadas de drogas alvo específicas ou ditas inteligentes, muitas delas preservam

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em parte as células não cancerosas. Logo, a consequência prática é a possibilidade concreta de proporcionar tratamentos menos tóxicos para as células normais do hospedeiro. Por outro lado, há um consenso internacional da importância da humanização oncológica na assistência aos doentes, o que sem sombra de dúvida agrega um valor inestimável para a qualificação no atendimento oncológico global. Quais os principais destaques científicos do evento? Há quem diga que o congresso da SBOC é muito mais uma oportunidade de revisão do que de conferir novidades, como na ASCO. O senhor concorda? Na minha modesta opinião, a montagem desse congresso não se preocupou em propiciar destaques. O destaque é o próprio participante e ouvinte, pois o congresso é montado para a sua razão de ser, qual seja, o médico interessado na assistência ao paciente oncológico. De certa forma, não há como desconsiderar que o Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica não seja um palco de revisões dos temas. Não possuímos e não somos um celeiro de pesquisadores inovadores e tampouco há incentivos vultosos em pesquisa genuinamente nacional. Evidentemente que, nesse quesito, as pesquisas básicas são realizadas em um número muitíssimo reduzido de instituições acadêmicas de excelência. Apesar das enormes dificuldades vivenciadas diariamente pelos acadêmicos e pesquisadores (burocracia, recursos financeiros, recursos materiais, falta de planejamento e diretriz institucional, politicagem etc.), o congresso oferece espaço para a apresentação em plenário dos melhores trabalhos nacionais, o que dá visibilidade concreta da produção científica de pesquisadores brasileiros. Farmacoeconomia e políticas de atenção oncológica foram duas sessões muito bem comentadas no congresso. Que motivos levaram a comissão a incluir tais temas na programação? Farmacoeconomia e políticas de atenção oncológica sempre tiveram espaço nos congressos anteriores da SBOC, sobretudo pelo simples fato de que esses temas têm repercussão direta e imediata no atendimento de nossos pacientes. De um lado a indústria oferecendo novos medicamentos com um custo elevado, de outro as agências governamentais sendo lentas nas suas deliberações, o Ministério da Saúde procurando não incorporar e agregar tratamentos inovadores em razão do custo, e a saúde suplementar aperfeiçoando ferramentas para implementar critérios de custo-efetividade. E por último o dueto médico e paciente e toda a sorte de regras; nós querendo proporcionar o que há de melhor para o nosso doente e o paciente querendo receber o que há de mais efetivo em termos de tratamento. E quem irá financiar? Portanto, são temas palpitantes e sempre repercutem positivamente.


Qual o balanço desse congresso? Infelizmente, até o momento, não houve uma reunião da comissão organizadora e tampouco um balanço oficial do congresso. Mas para um Congresso Brasileiro comandado por mineiros, organizado por cariocas, tendo como maioria de conferencistas paulistas e albergado pelos gaúchos, não tenho dúvida que do ponto de vista científico as metas foram alcançadas.

Ricardo Caponero, coordenador do módulo de Cuidados Paliativos/Reabilitação/Nutrição Você foi um dos coordenadores do módulo de cuidados paliativos do congresso da SBOC. Quais foram os critérios e as dificuldades para a escolha dos temas? A ideia é trazer sempre algo de prático e que possa sensibilizar o oncologista para os cuidados paliativos, sem abordar os aspectos específicos e as discussões mais profundas, frequentes em eventos específicos de cuidados paliativos. Nesse aspecto, a seleção dos temas não causou dificuldades para as escolhas. É difícil falar de humanização sem falar de cuidados paliativos. Você acha que estamos num nível mais maduro de discussão do tema no Brasil? Diante dos modelos tão bem-sucedidos no Canadá, parece que ainda estamos engatinhando. O que podemos fazer para melhorar isso? É verdade. É difícil falar de individualização e humanização sem olhar, de fato, para o ser humano como pessoa e não apenas como o hospedeiro de uma neoplasia maligna. Nesse contexto a integração dos cuidados paliativos, desde o início do tratamento antineoplásico, é fundamental para que se atinjam os objetivos propostos. As discussões estão amadurecendo no Brasil, mas ainda estamos só nas discussões, na teoria. Algo que os psicanalistas chamariam de “muita oralidade e pouca penetração”. Temos muitos obstáculos a vencer, desde barreiras culturais imensas até aspectos práticos de financiamento da saúde. O Canadá está, de fato, muito mais adiantado do que nós. É por isso que eles foram convidados no ano passado, quando da realização do Fórum de Expansão dos Cuidados Paliativos no Brasil, capitaneado pela dra. Claudia Naylor, do INCA (HC-IV, ex-CSTO). Para melhorar essa situação é que realizamos o Fórum do Rio. Saímos de lá com algumas forças-tarefa com missões específicas. Esperamos que novas reuniões desse grupo já possam trazer proposições mais concretas de atuação. A ideia é elaborar um documento e, através do INCA, fazer com que essas proposições cheguem ao Ministério da Saúde. Hoje fala-se tanto em “humanização da medicina” que se corre o risco de a expressão ficar batida. Como enfatizar a importância dos cuidados paliativos nesse contexto sem banalizar o tema?

Já vi serviços em que a “humanização” consistiu em colocar um relógio, um calendário e um vaso de flor no quarto do paciente. Obviamente as necessidades estão muito além disso. O ser humano sempre foi o alvo central de toda a ação médica, mas ele está sendo visto pela lente da tecnocracia. O importante é mudar a visão, escutar e ouvir o que os pacientes desejam e adequar esses desejos ao que podemos, de fato, oferecer, ao mesmo tempo em que limitamos nossa oferta terapêutica ao que o paciente deseja receber. O símbolo dessa nova postura é o trabalho da dra. Jenifer Temel, publicado no New England Journal of Medicine. Um estudo randomizado de fase III (alto nível de evidência) que mostra os reais benefícios dos cuidados paliativos em evitar o sobretratamento, melhorando a quantidade e a qualidade da vida. Poucos oncologistas estiveram presentes nas sessões de cuidados paliativos do congresso. Como: (a) diminuir esse gap entre o que se prega e o que se faz, já que eles reconhecem a importância dos cuidados paliativos mas poucos os praticam; (b) melhorar a interface entre todos os profissionais envolvidos no tratamento do câncer? Pela própria definição da OMS, os “cuidados paliativos” são sempre multiprofissionais. O primeiro problema é que os oncologistas acham que sabem o que são cuidados paliativos e acham que sabem oferecer esse tipo de atenção aos seus pacientes. Esse erro de julgamento é a primeira coisa a ser corrigida. Como você disse, os oncologistas reconhecem a importância dos cuidados paliativos, só que eles acham que estão praticando. A interface dos profissionais é relativamente boa. Todos os serviços especializados acabam tendo farmacêuticos, enfermeiros e, geralmente, psicólogos. Assim, o que é necessário não é melhorar a interface, que já existe (tanto que o congresso era multiprofissional), mas sim mudar o foco dessa interface. O que deve começar a mudar esse cenário é a recém-publicada portaria da AMB – CNRM e CFM que cria a “Medicina Paliativa” como área de interesse. Isso vai permitir que os residentes de oncologia, e de outras cinco áreas, possam estender sua formação em mais um ano e se capacitar melhor nessa nova área. Quais palestras em cuidados paliativos você destacaria como as que mais renderam durante o congresso? É difícil selecionar. Cada uma teve seu aspecto positivo. Cada uma tinha uma mensagem específica e todos os que estavam lá o faziam para transmitir uma mensagem, nem que fosse para relatar suas dificuldades em colocar os cuidados paliativos na prática. Por isso, acho que o mais importante foi ter esse espaço no congresso, juntando pessoas que vivem os cuidados paliativos no seu cotidiano, com mais ou menos dificuldade, e que puderam mostrar suas realizações e, por que não, seus sonhos. Para saber mais:

www.paliativos.org.br www.cuidadospaliativos.com.br Onco& dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012

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Iara Aydos, coordenadora do módulo de Farmácia em Oncologia e presidente da Sociedade Brasileira de Farmácia em Oncologia Quais foram os critérios e os principais desafios no desenvolvimento da grade da programação? Procuramos abordar os assuntos mais interdisciplinares e relacionados a gestão de riscos e auditoria farmacêutica. Esses temas são desafios encontrados pelos farmacêuticos que já dominam os temas específicos de farmacotécnica dos medicamentos oncológicos mas necessitam ainda se desenvolver nas atividades clínicas e de gestão de processos. Qual o papel do farmacêutico em oncologia hoje e como ele se encaixa no grande quebra-cabeça da oncologia? Adquirir medicamentos e materiais, preparar e dispensar as doses de quimioterápicos são tarefas fundamentais, que devem ser complementadas por um estreito entrosamento entre os membros da equipe em benefício de uma maior qualidade no atendimento prestado ao paciente. Quais são os grandes desafios da farmácia em oncologia hoje? E quais as tendências? A relação interdisciplinar é um grande desafio na medida em que o farmacêutico precisa administrar as diversas necessidades dentro da EMTA-Equipe Multidisciplinar de Terapia Antineoplásica. Essa nova forma de atuar abre espaço para profissionais com formação clínica que trabalham em conjunto com a equipe, junto ao paciente, no esclarecimento e na orientação quanto a utilização de medicamentos, registro e tratamento de reações adversas e orientações em geral. Como melhorar a interação entre as várias áreas envolvidas no tratamento do paciente de câncer? Qualificar cada vez mais os farmacêuticos nas questões da interdisciplinaridade através do conhecimento dos processos envolvidos em cada segmento. Ao médico cabem o diagnóstico, o estadiamento e a prescrição da terapia dentro do protocolo indicado. Ao farmacêutico compete viabilizar as doses dentro de critérios de biossegurança e assepsia que possibilitem à enfermagem a correta administração ao paciente. O paciente deve ser o centro desse esforço conjunto. Que aulas foram destaque durante a programação? Por quê? Todas as aulas foram de grande importância, mas ressaltaria a da canadense Carole Chambers, que tratou da gestão dos riscos relacionados à medicação, mostrando que a realidade do seu serviço é similar à realidade brasileira, enfatizando a necessidade de dupla checagem em várias etapas do processo de prescrição, manipulação de doses e administração. E a aula da Marcia Manfredi, que abordou assuntos relacionados ao pagamento dos tratamentos – o alto custo dos tratamentos e a viabilidade financeira dos serviços têm de ser

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acompanhados para que se mantenham a qualidade e a farmacoeconomia. Um perfeito entendimento entre os serviços e fontes pagadoras deve contemplar transparência e disposição para o diálogo técnico, tendo o paciente como o maior cliente. Como o farmacêutico em oncologia se encaixa no tema do congresso “Individualização e Humanização do Tratamento”? Através da “atenção farmacêutica”, esse profissional presta informações relacionadas à terapia medicamentosa de forma individual aos pacientes e a seus cuidadores, reconhecendo as dificuldades relacionadas ao estresse causado pelo diagnóstico e as reações adversas dos tratamentos. Essa atuação efetiva tem apresentado excelentes resultados na adesão aos tratamentos, contribuindo para um melhor desfecho. Para saber mais: www.sobrafo.org.br

José Claudio Casali da Rocha, coordenador do módulo de Genética e Oncologia Translacional Quais foram os critérios e os desafios para montar a grade de oncogenômica no pré-congresso? O maior desafio foi fazer um programa que abordasse temas atuais em uma linguagem acessível ao oncologista e a toda equipe interdisciplinar, formada por psicólogos, enfermeiros, biomédicos e farmacêuticos. A oncogenética vem aos poucos deixando de ser discutida em salas fechadas. A interdisciplinaridade do câncer, principalmente no que diz respeito à genética, já é uma realidade? A interdisciplinaridade é o nosso grande objetivo. O oncogeneticista passa a integrar a equipe de cuidados do paciente e aproxima a família para junto da equipe, esclarecendo riscos e medidas de prevenção individualizadas para cada um. O conhecimento de biologia do DNA, da célula tumoral e as intervenções precisam traduzidos de maneira que paciente e equipe entendam a informação genética de forma adequada. O tema do congresso foi “Individualização e Humanização do Tratamento”. Como a genética pode ajudar nisso? A informação genética precisa ser bem passada e trabalhada no sentido de se fazer o diagnóstico correto e traçar uma linha de ação para intervir nos riscos presentes e futuros. Sabemos que as mudanças de hábitos, como o cuidado do corpo e da mente, podem atenuar riscos genéticos, por isso a avaliação psicológica e nutricional é fundamental. O congresso foi uma arena interessante para a troca de informações entre as diferentes áreas de atuação. As discussões atingiram as expectativas? Os objetivos foram plenamente atingidos. A estratégia foi oferecer uma abordagem combinada de teoria aplicada na prática no curso


pré-congresso de oncogenômica. Com casos clínicos reais e a participação de todo o público presente na extração de DNA de morango e de saliva, conseguimos aproximar os profissionais de oncologia da oncogenética. Durante o congresso, o módulo de Genética e Oncologia Translacional foi bem avançado, começando por epidemiologia molecular, patologia molecular, farmacogenética e, por último, uma palestra internacional da dra. Laura MacConail, chefe do Instituto de Genoma e do Departamento de Medicina Personalizada da Universidade Harvard, sobre os desafios de aplicar a oncogênomica na prática. O que essa maior atenção à oncogenética diz sobre os caminhos que a oncologia deve seguir nos próximos anos? A oncogenética já é uma subespecialidade da oncologia e deverá, nos próximos anos, ampliar sua atuação nas famílias com câncer hereditário e na área de farmacogenética e marcadores tumorais prognósticos e terapêuticos. Nosso maior desafio atualmente é definir modelos onde essa prática possa ser estendida ao SUS.

Cristiane Sachotene Vaucher, coordenadora do módulo de Enfermagem Oncológica e presidente da Sociedade Brasileira de Enfermagem Oncológica Quantos enfermeiros oncológicos existem no Brasil hoje? Quantos estavam no congresso da SBEO este ano? Não tenho o registro de todos os enfermeiros que trabalham em oncologia no Brasil. No congresso tivemos aproximadamente 500 enfermeiros participantes. Quais foram os critérios e as principais dificuldades para montar o programa de enfermagem oncológica do congresso? O critério foi atingir todas as áreas de atuação do enfermeiro, que vão desde a prevenção até a paliação, e não tivemos nenhuma dificuldade em montar a programação para enfermagem. Quais sessões você destaca como as que mais tiveram repercussão durante o congresso e por quê? Tivemos com destaque as palestras: • “Eventos adversos em quimioterapia”, pois ressaltou a importância da vigilância constante para que esses eventos não aconteçam, evitando dessa forma danos ao paciente e à própria equipe de saúde. • “A taxonomia da NANDA e a SAE em Oncologia” e “A integração NANDA, NIC e NOC na prática da enfermagem oncológica”, pois foi colocado que na prática podemos fazer todas as etapas do processo de enfermagem mesmo nos locais que não têm toda a tecnologia da informática. • “A utilização de terapias alternativas por pacientes oncológicos”,

pois sabemos que muitos pacientes utilizam essas terapias e hoje já existem estudos comprovando sua eficácia em pacientes em tratamento quimioterápico. • “O papel do enfermeiro no Programa Nacional de Controle do Tabagismo”, pois sabemos que a melhor forma de prevenção das doenças ocasionadas pelo tabaco é através das ações educativas. Na solenidade de abertura do evento, ressaltou-se muito a questão da multidisciplinaridade do câncer. É só teoria ou já constatamos isso na prática? Como? Na prática isso já está ocorrendo, cada vez mais precisamos da ação de todos os profissionais da área de saúde para que o paciente tenha uma efetiva recuperação. Existe consciência, tanto de médicos quanto de enfermeiros, de que a enfermagem oncológica exige uma formação específica? Como mudar esse quadro? Hoje já está claro que, para que o paciente receba um atendimento de qualidade, é necessário que este seja feito por profissionais capacitados cientificamente. Os pacientes requerem um atendimento qualificado, aliado a muito conhecimento científico e prático, pois sua instabilidade clínica ocorre em qualquer etapa do tratamento. Infelizmente, muitas vezes os gestores do serviço não têm a conscientização da importância e da diferença que faz no serviço um profissional qualificado para atuar com pacientes oncológicos. Como você descreve o papel do enfermeiro oncológico no cuidado do paciente de câncer? Estamos perto do modelo ideal? Quais os principais obstáculos para atingi-lo? O papel do enfermeiro é imprescindível na ação do cuidar, pois dentre suas competências está uma atuação direta em ações de prevenção primária e secundária no controle do câncer, desenvolvendo ações educativas, apoiando medidas legislativas e auxiliando no diagnóstico precoce. Além dos atos de prestar assistência no tratamento, reabilitação, cuidados paliativos e atendimento aos familiares, e também no desenvolvimento de ações de integração junto aos profissionais da equipe multidisciplinar e a identificação de fatores de riscos ocupacionais para a prática de enfermagem na assistência ao paciente oncológico. Ainda não estamos perto desse modelo em todo o Brasil. Certamente os centros mais desenvolvidos conseguem atingir esse padrão de excelência, mas isso não acontece com cidades mais distantes e menos desenvolvidas. O principal obstáculo para conseguir essa excelência ainda é a falta de recursos financeiros para deslocar profissionais para grandes centros, onde acontecem os cursos que capacitam o enfermeiro a atuar com o paciente oncológico. Ainda existem muitos gestores que não veem a necessidade de ter um profissional qualificado no cuidado do paciente. Para saber mais: www.sbeonet.com.br

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Regina Liberato, coordenadora do módulo de Psico-Oncologia e presidente da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia Como foi a organização da grade e o que se pretendeu com ela? A gente tinha um objetivo, que defende há tempos, que é o trabalho em equipe interdisciplinar. A grade tinha como prioridade apresentar temas atuais e que pudessem ser de uso, de proveito dos diversos profissionais que lidam com oncologia. Nossa preocupação era também que fossem temas abrangentes, para que os outros profissionais pudessem se interessar. Como estávamos num congresso de oncologia clínica, sabíamos que a população seria variada. A ideia era que nossa grade atendesse todos os profissionais do congresso. O congresso enfatizou a ideia de humanização e individualização. Embora essa já seja uma máxima da psico-oncologia, dá para dizer que já chegamos à interdisciplinaridade na oncologia como um todo? O congresso procurou dar ênfase à humanização e ao tratamento individual para fazer bom atendimento, para olhar para o paciente de maneira singular. Não há, em oncologia, como fazer isso de forma separada, porque implica diferentes dimensões do humano. Já passamos por um período de multidisciplinas, quando se falava a respeito do paciente, mas cada um com a responsabilidade de sua área específica. Hoje falamos em interdisciplinaridade, porque estamos aprendendo a efetuar trocas, a achar linguagem comum entre profissionais que atendem, que dão assistência e estão aprendendo a trocar informações sobre isso. Nosso objetivo é chegar à transdisciplinaridade, quando poderemos fazer o atendimento em conjunto de forma mais

sistemática, mais afinada, onde o indivíduo seja visto pela equipe de maneira mais constante. Um bom exemplo de interdisciplinaridade foram as sessões de oncogenética no pré-congresso em Gramado. Estávamos num curso em que a maioria eram médicos e vários profissionais de aconselhamento genético falando uma linguagem comum, respeitando os limites de cada um. A psicologia, de certa forma, faz parte da rotina de todo profissional que lida com câncer, não? Isso foi representado nos participantes nas sessões de psico-onco? Pela variedade de temas, todas as aulas foram muito cheias. Falamos de temas relacionados a cuidadores, a pacientes, aos próprios profissionais de saúde, que cada vez mais sofrem da síndrome de burnout. São aspectos importantes, porque a unidade de cuidados vai muito além do paciente oncológico. Abordamos também a relação mentecorpo, com profissionais de várias áreas na mesa. Como os temas eram muito abrangentes, tivemos médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, farmacêuticos, enfermeiros e, lógico, muitos psicólogos na sala. Saímos do congresso muito felizes, com muita gente interessada em saber mais sobre a psico-oncologia. Foi um resultado extremamente proveitoso. A SBOC foi muito generosa e bastante feliz ao trazer esses outros profissionais para dentro do congresso para trocarmos informações. A inclusão e a humanização nós estamos discutindo em todas as áreas da sociedade. Em saúde ela ainda é incipiente. Para humanizar, é preciso entender o que é o humano, viver com as diferenças, conviver, aprender a conviver. Não é um trajeto muito simples, mas foi muito corajoso fazer um congresso com todos juntos, e bastante gratificante. Para saber mais: www.sbpo.org.br

SBOC em pílulas Oncologia Clínica – Terapia Baseada em Evidências Se o lançamento tivesse sido numa livraria, a fila certamente teria virado o quarteirão. O lançamento do livro Oncologia Clínica – Terapia Baseada em Evidências durante o XVII Congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, no estande do laboratório Roche, foi sucesso de público. O livro, que se propõe a ajudar os oncologistas na árdua tarefa de se atualizar na área do câncer, é uma iniciativa do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês.

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Editada pelos oncologistas Artur Katz, Claudio Luiz Ferrari, Frederico Perego Costa, Gustavo dos Santos Fernandes, Paulo Marcelo Hoff, Ricardo Marques, Vanderson Rocha e Yana Novis, a obra procura ajudar na tarefa de selecionar a informação mais relevante para o bom exercício da prática diária. Para isso, destaca o nível de evidência reconhecido para cada uma das condutas indicadas pelos estudos, orientando os leitores quanto ao peso que os resultados das diferentes pesquisas devem ter e apontando o grau de recomendação através de uma versão modificada do modelo proposto pelo Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation Working Group (GRADE). A primeira edição, com 3 mil exemplares, patrocinada pela Roche, terá distribuição gratuita.


Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais já prepara consensos nacionais para tratamento O XVII Congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica foi o local escolhido para o lançamento oficial do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais. Segundo a oncologista Anelisa Coutinho, idealizadora do grupo juntamente com os oncologistas Paulo Hoff e Gabriel Prolla, a ideia veio da alta incidência de tumores gastrointestinais observada atualmente. “São doenças extremamente incidentes, e com alguns profissionais no Brasil já com foco de interesse direcionado para isso. Não são muitos, mas já começam a surgir profissionais com interesse especial em tratamento de tumores gastrointestinais”, afirmou. O grupo está há um ano em fase de planejamento e já possui uma série de ações e projetos em andamento, como a elaboração de consensos brasileiros para o tratamento desses tumores que substituam as diretrizes americanas utilizadas hoje. “A tentativa de criar guidelines brasileiros que possam ser atualizados com frequência é um dos focos. Já fizemos a reunião para elaboração do consenso de câncer de cólon, e temos agendada a reunião para câncer de estômago e esôfago. No próximo ano temos planejados os consensos dos cânceres de reto, canal anal, pâncreas e vias biliares”, disse. Anelisa conta que o grupo também pretende ser um fórum para discussões, simpósios e consultas no que se trata de tumores gastrointestinais. O objetivo é que seja algo de fácil acesso aos profissionais, através da internet ou de publicações impressas. “Pretendemos uniformizar uma linguagem, e convergir essa linguagem para o grupo de tumores gastrointestinais. Além disso, vamos fazer um registro de casos, para que o Brasil tenha mais dados estatísticos”, explicou. Ela ressaltou ainda que, apesar de a diretoria atual ser composta basicamente por oncologistas clínicos, o grupo está aberto a todo médico ou profissional de saúde com interesse em tumores gastrointestinais.

1o Prêmio Roche em Câncer de Mama Para incentivar a pesquisa no Brasil do câncer mais letal entre as mulheres, o 1o Prêmio Roche em Câncer de Mama buscou fomentar a análise epidemiológica do câncer de mama nos diversos serviços públicos e privados do país, retratando um cenário mais próximo da realidade nacional. O prêmio é uma iniciativa da empresa em conjunto com o Grupo Brasileiro de Estudos em Câncer de Mama (GBECAM), que avaliou os trabalhos a partir de critérios como originalidade, relevância e revisão de literatura.

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A premiação aconteceu durante o XVII Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, em Gramado. Entre os 58 trabalhos submetidos por pesquisadores de diversos estados, a primeira colocação ficou com Lucas Silveira, de Florianópolis, com o estudo “Mortalidade por câncer de mama, em homens, no Brasil entre 1997 e 2008”. O autor terá todas as despesas pagas para comparecer ao Simpósio Anual de Câncer de Mama de San Antonio 2011, o mais importante encontro científico da área, que ocorre em dezembro, nos Estados Unidos. O segundo lugar, que também viajará a San Antonio, ficou com Adriana Regina Gonçalves Ribeiro, do Hospital A.C. Camargo, de São Paulo, com o estudo “HER2 com FISH indeterminado ou inconclusivo em câncer de mama: limitação terapêutica e desafio diagnóstico”. A Roche ainda irá patrocinar a ida do 3o ao 5o colocados ao congresso da ASCO 2012, em Chicago, Estados Unidos. As pesquisas dos 20 finalistas estão disponíveis no site www.dialogoroche.com.br/premioroche.

Projeto Universo MOC (UniMOC) Durante o XVII Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, o oncologista clínico Antonio Carlos Buzaid, em parceria com a Dendrix e com apoio da Roche, lançou o Universo MOC (UniMOC), um ambiente virtual de cunho informativo destinado a médicos para discussão de casos teóricos acerca de tratamentos do câncer. O site tem o objetivo de melhorar a capacitação profissional de médicos e universalizar o acesso às evidências científicas sobre a oncologia. O projeto foi desenvolvido a partir de uma demanda observada no site do Manual de Oncologia Clínica do Brasil (www.mocbrasil.com), onde os usuários usavam o canal Fale Conosco para postar dúvidas e propor discussões sobre tratamentos do câncer. A frequência dessas ocorrências levou os editores do Manual a criar o Universo MOC, destinado especificamente a isso. No UniMOC, as discussões se dão de forma inovadora. Os usuários – médicos cadastrados no site do MOC, com CRM válido, independentemente da especialidade – formulam questões teóricas, sem referenciar casos clínicos específicos. As questões são analisadas pelo coordenador Marcelo R. S. Cruz e encaminhadas para os consultores do projeto, médicos especialistas nos diversos tipos de câncer (oncologistas, radioterapeutas, cirurgiões, mastologistas, entre outros). Em seguida, os consultores elaboram respostas em formato de vídeo e as disponibilizam na Videoteca do UniMOC para todos


os médicos que queiram pesquisar sobre o caso. A principal novidade do projeto, segundo a própria equipe, são as respostas em formato de vídeo, o que torna a pesquisa mais prática e dinâmica para os usuários do site. Em nota, a Dendrix, empresa responsável pela edição do UniMOC, explica que os casos postados podem receber mais de uma resposta e destaca: “As respostas não devem ser compreendidas como recomendações terapêuticas para casos individuais, mas como opiniões técnicas com finalidade meramente informativa”. Para saber mais, acesse: http://mocbrasil.com/unimoc

Ator global em campanha contra o câncer A Glenmark conferiu um tom global ao XVII Congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. A empresa trouxe o ator Herson Capri, atualmente na novela Aquele Beijo, da Rede Globo, para falar sobre sua experiência e ressaltar a importância do diagnóstico precoce e do acesso a exames e tratamento de câncer – essenciais na sua própria luta e vitória contra a doença. “A Glenmark acredita em saúde acessível a uma maior parte da população, promovendo no Brasil medicamentos genéricos para tratamento do câncer. Sempre lutamos para que mais pacientes tenham acesso ao tratamento, e nos deparamos com um depoimento do Herson em que ele dizia exatamente isso”, explicou Ana Luiza Neves, gerente de produtos de oncologia da Glenmark. Daí à aparição em Gramado não precisou de muito. Capri é um dos personagens do livro Sem Medo de Saber, de Ilan Gorin, com depoimentos de personalidades públicas que foram pacientes de câncer e no qual ele enfatiza a importância do diagnóstico precoce da doença. “Desenhamos o projeto de o Herson estar no estande e autografar o livro, chamando atenção sobre a importância do diagnóstico precoce e do acesso a exames e tratamentos. Ambos os projetos – Acesso ao Diagnóstico e Acesso ao Tratamento – serão conduzidos com maior força pela Glenmark ao longo de 2012”, disse Ana.

Oncogeriatria – Uma Abordagem Multidisciplinar A oncogeriatria ganhou mais uma obra de peso em Gramado. O livro Oncogeriatria – Uma Abordagem Multidisciplinar, escrito por 58 autores de várias especialidades e instituições, visa disseminar o conhecimento atual sobre as particularidades do paciente idoso com

câncer, propondo a geriatras, oncologistas e onco-hematologistas que compartilhem seus conhecimentos em prol do restabelecimento da saúde do idoso com câncer. O livro aborda em profundidade os pacientes geriátricos e suas peculiaridades no contexto do câncer. Um desafio e tanto, considerando a heterogeneidade da população: as capacidades físicas variam entre os indivíduos, bem como as comorbidades e as expectativas de vida. Essa heterogeneidade afeta decisões terapêuticas, principalmente as relacionadas a tratamentos potencialmente tóxicos. O grande avanço no conhecimento sobre o câncer e sua patogênese, nos últimos 20 anos, vem permitindo a descoberta de tratamentos cada vez mais seguros, eficazes e menos tóxicos – benefícios que, pouco a pouco, vêm se estendendo a pacientes idosos e muitas vezes frágeis.

Clinical Trials Brazil Em parte inspirado pelo site clinicaltrials. T rials B razil gov, o projeto Clinicalo site da Pesquisa Clínica em Oncologia TrialsBrazil (CTB), patrocinado neste último ano pelo laboratório Boehringer Ingelheim do Brasil, foi apresentado no congresso da SBOC. Esse patrocínio permitiu um novo layout e uma reformulação completa do seu conteúdo. O CTB, que é uma iniciativa única no Brasil, foi idealizado pelos oncologistas clínicos Carlos Barrios, Daniel Herchenhorn e Everardo Saad e, atualmente, é coordenado pela pesquisadora Andrea Mangabeira. O objetivo do projeto é servir como um repositório de informações a respeito da pesquisa clínica em oncologia, no qual são cadastrados os centros de pesquisa e os estudos clínicos que estão sendo realizados. Essa iniciativa é importante para a divulgação dos estudos conduzidos no Brasil, já que o país conta com pesquisadores e estudos de nível internacional. Durante o congresso, o CTB foi apresentado pelo dr. Carlos Barrios na sessão de pesquisa clínica, além de ser divulgado aos participantes por meio de folders e também por vias digitais (tablets conectados à internet) no estande da Boehringer Ingelheim, onde os congressistas tiveram a oportunidade de conhecer melhor o projeto, esclarecer dúvidas e expor suas impressões iniciais e sugestões sobre o site. Para saber mais, acesse: www.clinicaltrialsbrazil.com.br

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Guia Prático para Solicitação de Testes Moleculares em Oncologia A Progenética, com apoio da Roche, lançou em Gramado o Guia Prático para Solicitação de Testes Moleculares em Oncologia, de autoria de Carlos Gil Ferreira, Mariano Zalis e Marcos Pinho. A obra é produto de uma lacuna identificada na oncologia. Segundo o prefácio

Videolaparoscopia e atenção ao médico generalista foram os destaques da 10a edição do Congresso Brasileiro de Cirurgia Oncológica Outro importante evento na área da oncologia foi o X Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, que aconteceu no mês de outubro, no Rio de Janeiro, paralelamente ao VII Gastrinca e ao II Curso de Oncologia Essencial. Essa edição teve como tema principal “Cirurgia Oncológica em Evidência – Buscando Qualidade em um Brasil Desigual”. Rubens Kesley, presidente do congresso, afirmou que, apesar da dificuldade de obter patrocínio, o congresso fez parcerias importantes, essenciais para a viabilização do evento. “Uma das principais dificuldades foi a falta de patrocínio. As indústrias, de uma maneira geral, não nos apoiaram diretamente, não vestiram a camisa do congresso. Isso é normal. O cirurgião não é um prescritor de remédios. E o instrumental cirúrgico dura 15 anos. Então é difícil para a indústria olhar para um cirurgião como uma fonte para ela. Mas felizmente contamos com um grupo grande de apoio. Tivemos apoio da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), da Sociedade Brasileira de Radioterapia, do Instituto Nacional de Câncer. Sem esses apoios esse congresso não teria acontecido.” Segundo Kesley, essa edição trouxe uma evolução tanto na qualidade dos palestrantes como na quantidade de participantes. “Tivemos mais participantes, na prática quase duplicamos esse número. Além disso, o centro de convenções utilizado permitiu uma proximidade maior entre os convidados internacionais, na-

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do livro, devido à falta de formação consistente sobre biologia molecular, muitas vezes faltam “conhecimento técnico e segurança para escolher um teste molecular, avaliar se a sua metodologia está adequada, enviar o material de maneira adequada e, sobretudo, interpretar corretamente os resultados no sentido da correta tomada de decisão terapêutica”. Cobrindo as maiores dúvidas dos oncologistas ao lidar com os novos testes da oncologia molecular, o livro se propõe a ser um guia na hora de solicitar um teste a um laboratório especializado.

cionais e congressistas. Foram oito convidados internacionais, entre eles o prof. dr. Dominique Elias (Instituto Gustave Roussy, França); o prof. dr. Yuman Fong (MSKCC, EUA); e o prof. dr. Yuji Nimura (Universidade de Chiba, Japão)”, diz. Entre os assuntos debatidos, o papel dos tratamentos oncológicos pré e pós-operatórios, procedimentos preservadores de órgãos, cirurgias multiorgânicas, cirurgia da superfície peritoneal, cirurgia hepatobiliopancreática avançada e os cuidados perioperatórios que buscam diminuir a morbidade e mortalidade cirúrgica e os tratamentos radioquimioterápicos. Além disso, a videolaparoscopia em câncer foi abordada pela primeira vez. Apesar de ser um tema já discutido nas áreas afins, nunca tinha sido abordado pelos cirurgiões de câncer. “A videolaparoscopia não é mais uma coisa do futuro, é realmente o nosso dia a dia. Hoje é possível realizar as principais cirurgias de câncer pela via laparoscópica. Isso foi um grande ganho. Outro passo importante foi ter uma área exclusiva de ginecologia oncológica com grandes nomes internacionais.” Outro destaque do congresso foi o Projeto Oncologia Essencial, voltado para o médico generalista – o profissional que terá o primeiro contato com o doente com câncer –, que trouxe grandes nomes da oncologia nacional para falar com o médico não especialista sobre diagnóstico precoce, estadiamentos básicos e cuidados paliativos. O saldo final, na avaliação de Kesley, foi bastante positivo para a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica. “Integração talvez seja a palavra mais importante de um congresso. Não existe uma sociedade forte onde cada um pensa de um jeito. E para pensar da mesma maneira é preciso se reunir, conversar, ouvir outras opiniões.


O congresso sem dúvida é um grande ponto de união. E quando você realiza essa aproximação há um ganho científico. Mudam-se opiniões. O fato de podermos interagir e conversar abertamente oferece um novo olhar ao médico, que pode modificar sua conduta médica, do seu dia a dia, a partir dessa interação.”

Nutrição oncológica Na mesma ocasião aconteceu o II Congresso Brasileiro de Nutrição Oncológica do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e a V Jornada Internacional de Nutrição Oncológica, reunindo renomados profissionais nacionais e internacionais da área de nutrição em câncer.

O evento, que teve como tema os “Avanços na Assistência, Ensino e Pesquisa em Nutrição Oncológica”, contou com o lançamento do II volume do “Consenso Nacional de Nutrição Oncológica”, documento elaborado por dezenas de profissionais de saúde ao longo dos dois últimos anos. O consenso aborda condutas nutricionais recomendadas para paciente crítico oncológico, paciente idoso oncológico e para sobreviventes de câncer, apresentando ainda as propostas para o uso de antioxidantes, fitoterápicos e dietas imunomoduladoras. Por Sergio Azman

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Divulgação

nutrição

Avaliação e planejamento nutricional em câncer

Dan Linetzky Waitzberg * Professor associado do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP; coordenador do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia (Metanutri – LIM 35); diretor do Grupo de Nutrição Humana (GANEP)

Letícia De Nardi * Nutricionista; mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); pesquisadora do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia (Metanutri – LIM 35 – FMUSP); especialista em nutrição clínica pelo Grupo de Nutrição Humana (GANEP)

Claudia Cristina Alves * Nutricionista; doutora em ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Oncologia da FMUSP; pesquisadora do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP (Metanutri – LIM 35); especialista em nutrição clínica pela Faculdade São Camilo

Lilian Mika Horie * Nutricionista; mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Gastroenterologia da FMUSP; pesquisadora do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia (Metanutri – LIM 35 – FMUSP); especialista em Nutrição Hospitalar em Hospital Geral do Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMUSP Contato: metanutri@gmail.com

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Avaliação nutricional A avaliação nutricional do paciente oncológico deve ser feita já no momento da primeira consulta e realizada periodicamente ao longo de todo o tratamento. Os métodos de avaliação nutricional mais utilizados na prática clínica são a avaliação nutricional subjetiva global, associada a medidas de variáveis antropométricas, laboratoriais e nutricionais. Questionário de avaliação nutricional A avaliação nutricional por meio de aplicação de questionário é simples, de baixo custo e possibilita rápida identificação de pacientes com risco nutricional. Pode ser utilizado já no primeiro contato com o paciente. Caso se verifique algum grau de desnutrição ou risco de desnutrição, a avaliação nutricional deve ser mais aprofundada, mediante a análise de critérios objetivos. Para pacientes com câncer, três questionários específicos foram validados, como se observa na Tabela 1. Medidas antropométricas A antropometria caracteriza-se por ser um método simples, de baixo custo, não invasivo e de alta confiabilidade. Sua finalidade é identificar a quantidade e a distribuição dos principais determinantes da composição corporal. O peso corporal pode ser utilizado como percentual de perda de peso, percentual de peso ideal ou peso ajustado, índice de massa corpórea (IMC) e como marcador indireto da massa proteica e reservas de energia. Mediante a obtenção do peso e da altura do paciente, é possível calcular o índice de massa corporal (IMC), ou índice de Quetelet. O IMC é muito utilizado e difundido como método de avaliação do estado nutricional e leva em consideração o peso em

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quilos, dividido pela altura em metros ao quadrado. O peso atual é útil para o cálculo da porcentagem de alteração de peso habitual do paciente, que pode ser classificado em perda ponderal moderada ou grave, considerando-se o tempo e a quantidade de peso perdido, como ilustra a Tabela 2. Considera-se perda de peso não intencional de 10% ou mais do peso corpóreo nos últimos seis meses como déficit nutricional importante e com relação direta ao mau prognóstico dos pacientes com câncer. Informações relacionadas à história clínica dos pacientes com câncer podem indicar mudanças recentes da alteração corpórea e hábitos alimentares. Além disso, o exame físico pode revelar precocemente sinais de desnutrição, como perda de massa muscular, perda de força muscular e depleção dos estoques de gordura. Medidas de composição corporal A avaliação da composição corporal na prática clínica pode ser realizada por meio das pregas cutâneas e de bioimpedância elétrica. A utilização da circunferência do braço (CB) e as pregas cutâneas podem ser ferramentas importantes para diagnosticar o estado nutricional do paciente, principalmente na falta do peso corporal. A CB representa a somatória dos tecidos ósseo, muscular e gorduroso; a prega cutânea do tríceps (PCT) se refere à estimativa das reservas e/ou comprometimento de tecido adiposo; e a circunferência muscular do braço (CMB) reflete a quantidade ou o grau de depleção da reserva muscular. A Tabela 3 apresenta a classificação do estado nutricional, segundo Jellife 1996. A bioimpedância elétrica (BIA) é um método não invasivo, rápido, sensível, indolor e relativamente preciso que pode ser aplicado à beira do leito para avaliação da composição corporal. É um método


Tabela 1 Características de três questionários para câncer, adaptada de Huhmann, 2005 Itens de questionário

Modelos de avaliação

Ref

Dados inclusos

17

Histórico de perda de peso, ingestão alimentar, sintomas, atividades, demanda metabólica, avaliação física. É realizada pelo paciente e por avaliador.

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Miniavaliação nutricional

18

Histórico de perda de peso, ingestão alimentar, atividades, estresse fisiológico, dados antropométricos. É realizada por um avaliador.

37

Instrumento de triagem de desnutrição

3

Histórico de perda de peso, alterações no apetite. É realizada pelo próprio paciente.

38

Avaliação nutricional subjetiva global

Adaptado de: Huhmann e Cunninghan, 2005

Tabela 2 Classificação da perda de peso habitual em porcentagem Período

Perda grave (%)

Perda moderada (%)

1 semana 1 mês 3 meses 6 meses ou +

≤ 2,0% ≤ 5,0% ≤ 7,5% ≤ 10,0

> 2,0% > 5,0% > 7,5% > 10,0% Fonte: Blackburn, 1977

Tabela 3 Classificação do estado nutricional de acordo com CB, PCT, CMB e sexo 70%

60%

10 23 20

8 20 17

7,5 18 15

90%

80%

70%

60%

15 25 21

13 22 18

11 20 16

9 17 13

Masculino

Eutrófico

90%

80%

PCT CB CMB

12,5 29 25

11,3 26 23

Feminino

Eutrófico

PCT CB CMB

16 27 23

Classificação

Fonte: Jellife, 1996

• >120%: obeso • 110% - 120%: sobrepeso • 90% - 110%: eutrófico • 80% - 90%: desnutrição leve • 60% - 80%: desnutrição moderada • <60%: desnutrição grave

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“ A avaliação nutricional do paciente oncológico deve ser feita já no momento da primeira consulta”

estimativo dos volumes hídricos, a partir da resistência de uma corrente elétrica e da estatura do paciente. A análise da BIA é feita por meio de passagem de corrente elétrica da baixa amplitude (500 a 800mA) e alta frequência (50kHz), mensurando os componentes primários, a resistência (R), a reactância (Xc), a impedância (Z) e o ângulo de fase (AF). Catalano e colaboradores avaliaram o estado nutricional de pacientes com câncer por meio de BIA e variáveis antropométricas e verificaram que, apesar de os índices antropométricos apresentarem valores dentro da normalidade, o exame de BIA revelou desnutrição, através da alteração da razão da massa extracelular e massa intracelular. Entretanto, em situações de edema e ascite a avaliação da composição corporal por esses métodos deve ser interpretada com cautela. Nas últimas décadas, estudos têm investigado o papel do ângulo de fase como possível marcador de saúde em diversas condições de doença, como câncer de pulmão, insuficiência renal, queimados e crianças desnutridas. Gupta e colaboradores (2004) avaliaram o papel prognóstico do ângulo de fase e a média do tempo de sobrevida de 58 pacientes portadores de câncer de pâncreas estágio IV. Pacientes com ângulo de fase <5,0º (n=29) tiveram média de tempo de

sobrevida de 6,3 meses, enquanto os pacientes com ângulo de fase >5,0º tiveram média de tempo de sobrevida de 10,2 meses, p<0,02. Esse estudo sugere que o ângulo de fase é um importante indicador prognóstico em câncer de pâncreas avançado. Entretanto, mais estudos, com número maior de pacientes e diferentes tipos de câncer, ainda são necessários. Medidas bioquímicas e imunológicas A avaliação laboratorial nutricional considera medidas bioquímicas de proteínas de síntese hepática, hemograma, leucograma e medidas plasmáticas de minerais, oligoelementos e vitaminas. Em condições mórbidas, os níveis das proteínas plasmáticas de síntese hepática podem estar alterados, como doença hepática, metástase, disfunção renal, doença inflamatória intestinal, drogas, estresse e lesão. A Tabela 4 ilustra o uso clínico e as limitações das proteínas plasmáticas. A hemoglobina é uma proteína de transformação metabólica muito lenta e sua diminuição ocorre mais tardiamente na depleção proteica. É um índice sensível, mas pouco específico da desnutrição, podendo se alterar quando há perda sanguínea, estados de diluição sérica e transfusões sanguíneas. A contagem total de linfócitos (CTL), ou linfo-

Tabela 4 Proteínas plasmáticas: uso clínico e limitações em avaliação nutricional Proteínas

Meia-vida

Uso clínico

Limitações

Albumina

14-21 dias

Índice prognóstico de gravidade

Hidratação, distúrbio renal, hepático

>3,5g/dL = normal 3,0-3,5g/dL = depleção leve 2,4-2,9g/dL = depleção moderada <2,4g/dL = depleção grave

Transferrina

8-9 dias

Índice prognóstico e monitorização

Alteração do metabolismo do ferro

150-200mg/dL = depleção leve 100-150mg/dL = depleção moderada < 100mg/dL = depleção grave

Pré-albumina

2 dias

Monitorização e depleção aguda

Distúrbio renal, hepático e inflamação

20mg/dL = normal 10-15mg/dL = depleção leve 5-10mg/dL = depleção moderada < 5mg/dL = depleção grave

Proteína transportadora do retinol

12 horas

Índice prognóstico de gravidade

Distúrbio hepático, inflamação, diminuição de vitamina A e zinco

Valores inferiores a 3mg/dL indicam desnutrição

Valores de referência

Fonte: Coppini, 2004

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citometria, mede as reservas imunológicas momentâneas, indicando condições do mecanismo de defesa celular do organismo. Valores encontrados entre 1.200 e 2.000/mm3 são considerados depleção discreta; entre 800 e 1.199, depleção moderada; e valores menores que 800 indicam depleção grave. Necessidades energéticas e nutricionais A necessidade energética diária de pacientes com câncer varia de acordo com diversos fatores: idade, sexo, peso, altura, atividade, composição corporal e condições fisiológicas. O aumento de peso é um efeito colateral comum em mulheres com câncer de mama em tratamento quimioterápico (QT) adjuvante. Campbell e colaboradores verificaram o efeito da QT adjuvante em dez mulheres portadoras de câncer de mama. Os autores não encontraram mudanças no gasto energético de repouso antes e após QT (1.189,68 ± 80,27 vs 1.205,76 ± 56,71 kcal/d; p =0,74). Além disso, as pacientes não ganharam peso durante o tratamento (663 ± 5,1 vs 68,2 ± 5,0 kg;

p =0,09), entretanto apresentaram aumento de massa gorda (24,2 ± 3,8 vs 26,5 ± 3,2kg; p=0,04), enquanto a massa muscular permaneceu inalterada. Os autores sugerem que essa alteração na composição corporal pode ter uma importante implicação na saúde dessas mulheres. A estimativa do gasto energético é uma importante ferramenta para nortear a terapia nutricional. Ele pode ser calculado por diversos métodos, como calorimetria indireta, direta, água duplamente marcada e fórmulas preditivas (equações). As fórmulas utilizam variáveis como peso, altura, idade, sexo e superfície corporal e são muito utilizadas na prática clínica, por serem simples de calcular, não invasivas, sem custo e de amplo acesso. As equações mais utilizadas para estimar o gasto energético são as de Harris-Benedict (1919), apresentada na Tabela 5, e a fórmula baseada no peso (Tabela 6). A recomendação de ingestão proteica e de micronutrientes para pacientes com câncer varia em função da idade, estado nutricional prévio do paciente, tipo de tumor, tratamento adotado e condição clínica. De maneira geral, seguem-se os critérios apresentados na Tabela 7.

Tabela 5 Fórmula para cálculo da necessidade energética estimada através da equação de Harris-Benedict Equação de Harris-Benedict Homens

GEB = 66,5 + (13,7 x peso) + (5 x altura) - (6,8 x idade)

Mulheres GEB = 655 + (9,6 x peso) + (1,8 x altura) - (4,7 x idade ) GET

GET = GEB x FA x FE x FT

GEB = gasto energético basal (Kcal/dia); peso em Kg; altura em cm; idade em anos; GET = gasto energético total; FA = fator atividade, FE = fator estresse; FT = fator térmico. O fator atividade relaciona-se à capacidade de locomoção do indivíduo, sendo: confinado à cama (fator = 1,2), deambulando pouco (fator = 1,25) e deambulando (fator = 1,3). Segundo Long (1979), para pacientes com câncer e também para aqueles em tratamento quimioterápico e/ou radioterápico, recomenda-se aplicar um fator estresse de 1,25. O fator térmico relaciona-se à temperatura corporal elevada: 38ºC (fator 1,1); 39ºC (fator 1,2); 40ºC (fator 1,3); e 41ºC (fator igual a 1,4).

Tabela 6 Fórmula para cálculo da necessidade energética estimada através de valor calórico preestabelecido e peso corpóreo do indivíduo Equação gasto energético total baseado no peso Tipo de paciente

Objetivo

20-25

Acamado ou sedentário

Manutenção

30-35

Hipermetabólico, anabolismo

Ganho de peso, suprimento de maior demanda

Kcal/Kg peso/dia

Fonte: Justino et al, 2004

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Tabela 7 Recomendação de ingestão proteica e de micronutrientes para pacientes com câncer Eutrófico submetido a estresse terapêutico Calorias totais

Calorias não proteicas

25kcal/kg a 35kcal/kg

100% a 200% do gasto energético de repouso

Proteínas Solução padrão de aminoácidos (NPT) ou proteína íntegra (NE)

0,25 – 0,35g nitrogênio/kg/dia ou 1,5 a 2,0g proteína/kg/dia

Vitaminas

Solução padrão balanceada Vitamina K ≥ 10 mg/dia Vitamina B1, B6 > 100 mg/dia Antioxidantes: vitaminas A, C, E

Elementos traços

Solução padrão completa Zinco 15-20 mg/dia Selênio 120 µg/dia

Eletrólitos

Adaptação diária sódio, potássio, cálcio Fósforo > 16 mMol/dia Magnésio > 200 mg/dia Fonte: Nitenberg, 2000

Referências bibliográficas 1. Huhmann MB, Cunninghan RS. Importance of nutritional screening in treatment of cancer-related weight loss. Lancet Oncol. 2005;6:334-43. 2. Ottery FD. Definition of standardized nutritional assessment and interventional pathways in oncology. Nutrition. 1996;12(Suppl 1):S15-9. 3. Guigoz Y, Vellas B, Garry PJ. Assessing the nutritional status of the elderly: the Mini Nutritional Assessment as part of the geriatric evaluation. Nut Rev. 1996;54:S59-65. 4. Ferguson M, Kapra S, Bauer J, Banks M. Development of a valid and reliable malnutrition screening tool for adult acute hospital patients. Nutrition. 1999;15:458-64. 5. Steven BH, Baunmgartner RN, Pan S. Avaliação nutricional da desnutrição por métodos antropométricos. In Shills ME, Oslon JÁ, Shike M, Ross AC. Tratado de nutrição moderna na saúde e na doença. 9a ed. Barueri: Manole, 2003. 6. Nitenberg G, Raynard B. Nutritional support of the cancer patient: Issues and dilemmas. Critical reviews in oncology hematology. 2000;34:137-66. 7. Ottery FD. Rethinking nutritional support of the cancer patient: the new field of nutritional oncology. Semin Oncol. 1994;21(6):770-8. 8. Blackburn GL, Bistrian BR. Nutritional and metabolic assessment of the hospitalized patient. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1977;1(1):11-22. 9. Jellife DB. The assessment of nutritional status of the community. Genebra: World Health Organization; 1996. 10. Coppini LZ. Avaliação nutricional no paciente com câncer. In: Waitzberg DL. Dieta Nutrição e Câncer. São Paulo: Atheneu, 2004.

11. Catalano G, Della Vittoria Scarpati M, De Vita F, Federico P, Guarino G, Perrelli A, Rossi V. The role of "bioelectrical impedance analysis" in the evaluation of the nutritional status of cancer patients. Adv Exp Med Biol. 1993;348:145-8. 12. Gupta D, Lis CG, Dahlk SL, Vashi PG, Grutsch JF, Lammersfeld CA. Bioelectrical impedance phase angle as a prognostic indicator in advanced pancreatic cancer. Br J Nutr. 2004;92(6):957-62. 13. Waitzberg DL, Ferrini MT. Avaliação nutricional. In: Waitzberg, D. L. (ed.). Nutrição enteral e parenteral na prática clínica. 4a ed. São Paulo: Atheneu, 2009. 14. Justino SR, Waitzberg DL. Gasto energético. In: Waitzberg, D. L. Nutrição Oral, Enteral e Parenteral na Prática Clínica. 4a ed. São Paulo: Atheneu, 2009. 15. Campbell KL, Lane K, Martin AD, Gelmon KA, McKenzie DC. Resting energy expenditure and body mass changes in women during adjuvant chemotherapy for breast cancer. Cancer Nurs. 2007;30(2):95-100. 16. Matarese, L.E. Indirect calorimetry: technical aspects. J Am Diet Assoc . 1997;97(10)(suppl 2 ):S154-S160. 17. Harris, J.A.; Benedict, F.G. A biometric study of basal metabolism in man. Washington DC. - Carnegie Institute of Washington, Publication nº 297, 1919. 18. Long CL, Schaffel N, Geiger JW, Schiller WR, Blakemore WS. Metabolic response to injury and illness: estimation of energy and protein needs from indirect calorimetry and nitrogen balance. JPEN J Parenter Enteral Nutr 1979; 3(6):452-6. 19. Justino SR, Rocha E, Waitzberg DL. Gasto energético e neoplasia maligna. In: Dieta Nutrição e Câncer. Ed: Waitzberg DL. Atheneu, 1a ed, 2004.

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ginecologia

Prevenção do câncer de ovário

O

CÂNCER DE OVÁRIO É O MAIS LETAL DE TODAS

AS NEOPLASIAS MALIGNAS GINECOLÓGICAS. MENOS DE UM TERÇO DAS MULHERES ACOMETIDAS

Divulgação

sobrevive cinco anos após o diagnóstico. A prevenção do câncer de ovário constitui um dos grandes desafios da medicina, e por muito tempo todas as tentativas foram no sentido de identificar a lesão precoce nos ovários e extirpá-la. Entretanto, essas estratégias, na sua quase totalidade, resultaram em grandes fracassos. No estudo denominado “Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian (PLCO) Cancer Screening Trial”, uma população de 78.216 mulheres foi rastreada para câncer de ovário. No grupo de estudo, 39.105 mulheres fizeram dosagem do CA 125, anual, por seis anos, e ultrassonografia transvaginal anual por quatro anos. No grupo controle, 39.111 mulheres fizeram exames rotineiros usuais. O seguimento máximo foi de 13 anos. A Tabela 1 demonstra a incidência de câncer de ovário e de morte nos dois grupos. É interessante notar que, além de não ter impacto na redução da mortalidade por câncer de

Jesus Paula Carvalho * Professor livre-docente de ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; coordenador do Serviço de Ginecologia Oncológica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) Contato: carvalhojp@uol.com.br

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ovário, no grupo de rastreamento houve 3.285 falso-positivos, que por sua vez resultaram em 1.080 cirurgias desnecessárias e 163 complicações1. Para prevenir um tipo de câncer é necessário saber como ele se origina, quais os fatores de risco, quais as lesões precursoras e como ele se desenvolve a partir dessas lesões. Em todos os demais tipos de câncer ginecológico, os fatores de risco, as lesões precursoras e até mesmos alguns agentes etiológicos são bem conhecidos. Nos ovários, entretanto, até muito recentemente o único fator de risco conhecido era a quantidade de ovulação. Quanto maior o número de ovulações apresentava a mulher, maior era o risco de câncer de ovário (teoria de Fathalla)2. Isso motivou a única medida preventiva do câncer de ovário até pouco tempo atrás: a diminuição no número de ovulações, com o uso de anovulatórios, ou seja, as pílulas anticoncepcionais. De fato, o uso de anovulatórios orais por mais de cinco anos é capaz de reduzir o risco de câncer de ovário em até 50%3.

Tabela 1: Desfecho de uma população submetida a um programa de rastreamento para câncer de ovário, comparada com uma população controle Controle

Estudo

No de mulheres

39.111

39.105

Casos de câncer

176 (4,7/10.000)

212 (5,7/10.000)

Mortes

100

118

Falso- positivos

3.285

Cirurgias

1.080

Complicações

163 (15%)

Mortes por outras causas

2.914

2.924

Conclusões: O rastreamento não diminuiu a mortalidade por câncer de ovário. Exames falso-positivos resultaram em complicações


Além do uso de anovulatórios orais, outra medida preventiva recomendada era a salpingo-ooforectomia profilática nas pacientes com reconhecido risco familiar para câncer de ovário. São consideradas pacientes de risco para câncer de ovário as mulheres portadoras de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, cuja chance de desenvolver câncer de ovário ao longo da vida pode chegar a mais de 50%. Por esse motivo, a recomendação é que sejam retirados os ovários e as tubas uterinas quando elas tiverem idades entre 35 e 40 anos4. Evidentemente, as consequências hormonais e reprodutivas dessa conduta não são desprezíveis. A partir dos anos 2000 alguns fatos relevantes mostraram que as estratégias de prevenção e diagnóstico precoce do câncer do ovário pareciam estar equivocadas5-8. Estudando peças operatórias de pacientes submetidas a salpingoooforectomias profiláticas, diferentes autores observaram o mesmo fenômeno: a lesão precursora do carcinoma invasivo do ovário não se encontrava no ovário, mas sim nas tubas uterinas, mais exatamente na porção terminal das fímbrias9. Esse fato motivou o início de estudos sistemáticos das fímbrias, e os achados reforçaram ainda mais essas primeiras impressões. O câncer mais frequente no ovário é o carcinoma seroso, com aproximadamente 80% dos casos. O carcinoma seroso inicia-se na porção terminal das fímbrias, onde pode ser encontrado com frequência na sua forma pré-invasiva ou intraepitelial (neoplasia intraepitelial tubárica). As tubas uterinas têm um tropismo pela ferida ovulatória no ovário. No momento da ovulação, as tubas uterinas movimentam-se e colocam suas fímbrias em íntimo contato com a ferida ovulatória, com a finalidade de fazer a captação do óvulo. Nesse momento, células neoplásicas, ou com grande potencial neoplásico, presentes nas extre-

midades das fímbrias são implantadas no ovário e a neoplasia maligna que ali se origina se desenvolve de forma rápida, fazendo pensar que o ovário é o sítio primário10,11. Isso explica por que a ovulação constante é fator de risco para câncer de ovário. Existem fortes evidências de que os únicos tumores realmente originados nos ovários sejam os tumores das células germinativas. Os tumores epiteliais (carcinomas) na sua grande maioria são tumores originados em outros sítios e implantados precocemente nos ovários. Esse fato constitui uma mudança radical de paradigma e deve provocar uma revisão de todas as estratégias de prevenção e diagnóstico precoce do que convencionamos chamar de câncer de ovário, quando o mais correto seria chamá-lo de “câncer no ovário”. Todos esses estudos e achados são ainda muito recentes e as consequências naturais desses fatos novos são muitas:

Referências bibliográficas

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a) a ooforectomia profilática deixa de fazer sentido e deve ser substituída pela salpingectomia profilática, com consequências muito menos danosas para o bem-estar da mulher; b) os programas de rastreamento e diagnóstico precoce focados nos ovários estarão sempre fadados ao insucesso, pois quando a doença chega ao ovário ela já é uma doença secundária; c) são necessárias novas estratégias no sentido de estudar as lesões precursoras nas tubas uterinas; d) devem ser identificados os fatores de risco para a transformação neoplásica das fímbrias uterinas. Tudo isso está apenas começando. O que se pode concluir, entretanto, é que os conceitos referentes à carcinogênese ovariana estão passando por uma mudança radical de paradigmas.

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do bem

Diagnóstico sobre rodas Unidades móveis de prevenção realizam exames e ajudam a aumentar a conscientização sobre o câncer

Por Sergio Azman

O

DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER TEM CON-

TRIBUÍDO CADA VEZ MAIS PARA REDUZIR A TAXA

“Apesar do trabalho dos agentes de saúde e dos exames, a falta de informação e o medo de descobrir a doença atrapalham a ação das unidades móveis”

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DE MORTALIDADE PELA DOENÇA. QUANDO DEtectado no estágio pré-sintomático, ou seja, antes que algum sintoma da doença se manifeste, o câncer pode ser tratado e as chances de cura se tornam bem maiores. Para realizar esse diagnóstico e levar informação e tratamento, se necessário, o Hospital do Câncer de Barretos possui seis unidades móveis (ônibus e carretas adaptadas) que percorrem o país realizando exames preventivos de câncer de mama, pele, próstata e câncer de colo do útero, além de duas unidades fixas (Barretos e Juazeiro, na Bahia). O trabalho teve início em 1994, para melhorar o diagnóstico precoce de câncer na região de Barretos, no interior do estado de São Paulo. Os casos que chegavam até a instituição, principalmente os relacionados a mama e colo do útero, quase sempre estavam em estágio avançado. Por isso, decidiu-se realizar uma busca ativa de mulheres para exames preventivos. Com o sucesso da iniciativa o projeto cresceu e passou a atuar não somente em Barretos, mas em outras regiões do país, num trabalho de prevenção de câncer pioneiro na América Latina. As unidades móveis de prevenção realizam diferentes tipos de exames e vão a diferentes localidades do país. São realizados exames preventivos de câncer de mama e colo uterino (Unidades I, II, IV, V e VI), e de pele, próstata e colo uterino (Unidade III). No caso do câncer de pele, além dos exames, os pacientes podem ser tratados na própria unidade móvel, equipada com um centro cirúrgico completo para a realização de cirurgias ambulatoriais. Ana Maria Batista da Silva, enfermeira que esteve recentemente numa ação na cidade de Guaraci, no interior paulista, coordenando os exames de

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mamografia e Papanicolau, explica que as consultas são todas agendadas anteriormente pelos agentes de saúde locais. “A enfermeira de Barretos, responsável pela prevenção, entra em contato com o município, e a equipe do local seleciona as vagas. As enfermeiras da cidade fazem uma triagem e, uma vez selecionadas as pacientes, nós mandamos os kits de cadastro. É tudo feito com antecedência”, diz. Segundo ela, a partir do momento em que a unidade vem para a cidade, a prefeitura é responsável por tudo, desde o exame até o final do tratamento, se for necessário. “Quando a cidade solicita a unidade já são passadas as exigências, e uma delas é que a cidade seja responsável pelo paciente. Se uma paciente é diagnosticada, a próxima conduta é o município encaminhá-la para Barretos. O resultado é enviado para avaliação dos médicos e, caso julguem necessário, são solicitados exames complementares. Se for constatado câncer de mama, por exemplo, ela já começa o tratamento”, diz.

Medo, vergonha e falta de informação Apesar do trabalho dos agentes de saúde, que visitam os pacientes em suas casas, agendam e explicam os exames, a falta de informação e o medo de descobrir a doença (como se o fato de não saber da existência do câncer, por si só, já representasse a cura) atrapalham o trabalho das unidades móveis. “O preventivo pode ser colhido em qualquer posto de saúde. Mas é só falar que é ‘o caminhão do Hospital do Câncer’, já começam a pensar de outro jeito, acham que viemos buscar o câncer nelas. Além disso, às vezes existem falhas dos agentes ao passar a informação correta e, outras vezes, em cidades com população muito humilde, são os pacientes que não conseguem compreender essa informação”, lamenta Ana Maria.


os dois exames, ao descobrir que não poderia realizar a mamografia, pois já tinha feito no ano anterior (a recomendação é que o exame seja feito a cada dois anos), desistiu também de fazer o Papanicolau. As enfermeiras argumentaram, demonstraram a importância do exame, mas não teve jeito. Saiu brava, batendo o pé. Daniela Lopes Maciel, agente de saúde da cidade de Guaraci, conta que muitas vezes encontra resistência dos pacientes, que não querem fazer o exame. “A mamografia elas dizem que é porque dói, e a maioria diz ter vergonha de fazer o Papanicolau. Então temos de conversar, explicar que as pessoas que irão fazer o exame não são de Guaraci, que são de outra cidade. Falamos da importância do exame, vamos cativando até concordarem.” Apesar desses casos, há também quem tenha consciência da importância do diagnóstico precoce. Waldemar Zenário, 71 anos, é casado há 41 anos e sempre acompanha sua esposa nas visitas ao médico. Ele mostra uma consciência surpreendente sobre a necessidade dos exames preventivos e sobre sua própria saúde. “Acho uma boa coisa isso, queria que viesse para os homens também. Antes vinha, não tem vindo mais. Naquela época eu era mais novo, e meu

“Eu ganho meu dia quando visito uma família que oferece resistência por um, dois, três anos e determinada hora eu consigo levá-la para o posto”

Imagens: Sergio Azman

Pisciane Piva, enfermeira que também esteve em Guaraci com a unidade móvel, afirma que muitas pessoas faltam às consultas e ressalta a importância do trabalho realizado pelo agente de saúde. “Muitas mulheres marcam e não vêm. O número de faltas chega a 50% dos agendamentos. Às vezes ela não pode vir por causa do trabalho, ou são as exigências de cada exame. Acontece muito de a mulher vir e não poder fazer. Por isso o trabalho do agente de saúde é fundamental antes de a unidade móvel chegar ao município”, diz. Apenas um dia acompanhando os profissionais na cidade de Guaraci, que naquela tarde contava com um caminhão e um ônibus com capacidade para realizar, juntos, 70 mamografias e 180 exames de Papanicolau, foi suficiente para perceber que o trabalho de convencer algumas mulheres a fazer os exames não é fácil. Uma mulher de 58 anos, que já havia feito alguns exames na carreta em anos anteriores, disse que foi até lá por iniciativa própria. “Nós temos que valorizar nossa saúde, né?” No entanto, na hora em que foi chamada para o exame, onde ela estava? Atravessando a praça, a passos largos. Fugindo. Literalmente. Outra mulher, de 51 anos, que pretendia fazer

Ao lado: unidade móvel de prevenção do Hospital do Câncer de Barretos Abaixo: Railda Zenário (primeira da fila) aguarda atendimento na unidade móvel de prevenção

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Imagens: divulgação

Tour de Prevenção da Sociedade Brasileira de Dermatologia

Tour de Prevenção da SBD em números Em 2010, foram atendidas durante o Tour 2.579 pessoas. Apenas 33,54% delas disseram se expor ao sol com proteção solar, e a maioria, 62%, admitiu não usar proteção. Casos de câncer de pele na família foram relatados em 14,25% dos atendimentos, e 207 pessoas foram diagnosticadas com câncer de pele, ou seja, 8%. Este ano, ainda não contabilizada a última parada do Tour, no Rio de Janeiro, o número de pessoas atendidas já ultrapassava os 3,5 mil.

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PSA (antígeno prostático específico, um dos critérios utilizados para detecção do câncer de próstata) era baixo. Os médicos diziam que eu não precisava, que meu PSA era abaixo de 0,1. Mas agora, no último exame que eu fiz, deu 0,8. Vou fazer novamente, porque acho que é importante cuidar”, diz, revelando conhecimento pouco comum sobre o tema. Sua mulher, Railda Zenário, 62 anos, diz que sempre faz os exames, apesar de não gostar. “Hoje só fiz o Papanicolau. Queria fazer a mamografia, mas não deixaram porque fiz no ano passado. Eu não gosto de fazer o exame, fico muito sem graça. É chato. É importante saber que a gente não tem nada, mas eu não gosto. Tenho vergonha, mas nunca deixei de ir.” Railda também veio acompanhada da irmã, Reni Ângela Carvalho, agente de saúde em São José do Rio Preto. Ela revela que, em sua experiência como agente, também encontra muita resistência nas visitas que faz. “Eu ganho meu dia quando visito uma família que oferece resistência por um, dois, três anos e determinada hora eu consigo levála para o posto. Pessoas que não têm cultura, principalmente, acham que não têm muito risco porque não estão sentindo nada. E muitas delas dizem a frase ‘Quem procura acha’”, conta. “Mas antes achar do que ser encontrado.”

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Vem chegando o verão... A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) também possui um caminhão de atendimentos gratuitos à população para diagnosticar e tratar o câncer de pele – que é o mais incidente no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), correspondendo a 25% de todos os tumores malignos registrados no país. Para 2011, são esperados 113.850 novos casos. O Tour de Prevenção é feito por um caminhão itinerante, com o apoio da La Roche-Posay, que percorre dez cidades brasileiras realizando diagnósticos e encaminhando os pacientes para que possam passar pelo tratamento indicado. O trajeto inclui capitais como Palmas, São Luís, Teresina, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Diferente das unidades móveis do Hospital do Câncer de Barretos, o Tour de Prevenção acontece apenas uma vez ao ano. Neste ano o roteiro teve início em setembro, durante o 66o Congresso Brasileiro de Dermatologia, realizado em Florianópolis. Terminou no Rio de Janeiro, no fim de novembro, no dia exato da Campanha Nacional de Prevenção ao Câncer de Pele, que oferece atendimento gratuito simultâneo em 23 estados e no Distrito Federal.


Mais que oferecer atendimento à população, o objetivo do caminhão é chamar a atenção das pessoas para o câncer de pele. “O caminhão é muito vistoso. É um grande veículo de divulgação e podemos atuar na prevenção primária, ou seja, impedir que ele aconteça. Não visamos fazer atendimentos e achar que vamos resolver todo o problema. Acaba sendo um processo de divulgação”, afirma Marcus Maia, coordenador da Campanha Nacional de Prevenção ao Câncer de Pele (CNPCP). Segundo Maia, o caminhão vai aonde possa fazer uma divulgação do câncer de pele, tanto para médicos e público geral como para as autoridades sanitárias locais. “Um dos objetivos é estimular os médicos de atenção primária. Todo mundo vai ao pediatra, ao clínico geral, ao ginecologista. Queremos estimular esses profissionais, principalmente os geriatras, a analisar a pele do paciente e a orientar, tentando evitar que o câncer de pele ocorra.” Ele ressalta que, apesar de a prevenção primária ser o principal foco no câncer de pele, o Tour também

ajuda a esclarecer a população sobre as características da doença, os sinais, as formas de prevenção e a importância do diagnóstico precoce. Apesar de não realizar agendamento prévio, o Tour de Prevenção tem forte adesão pelos locais onde passa. “Quando chegamos, tem fila na frente. A população procura, já tem certa noção dos sinais. As mulheres são mais atentas, fazem o preventivo. Os homens já são mais difíceis. O que acontece é que, quando você faz uma boa divulgação, existem muitas adesões de pacientes de risco. Entre 8% e 10% das pessoas que comparecem estão com câncer de pele. O que não significa que esse número represente a população geral.” Uma vez diagnosticado, o paciente deve ser acompanhado. “Não adianta apenas diagnosticar. Só aceitamos que as cidades participem do Tour se forem resolutivas.” Por isso, além da prevenção primária e secundária, para o paciente diagnosticado com câncer é oferecido também o tratamento gratuito nos serviços credenciados à SBD.

“Quando chegamos, tem fila na frente. A população procura, já tem certa noção dos sinais. As mulheres são mais atentas, fazem o preventivo. Os homens já são mais difíceis”

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quiz

Quebra-cabeça O quiz é uma seção interativa de Onco& que convida leitores a dar opiniões, levantar dúvidas e emitir hipóteses do caso apresentado Novo caso Paciente feminina de 71 anos, branca, casada, natural do Rio de Janeiro. Apresenta baixa acuidade visual progressiva no olho direito há seis semanas. Refere dor torácica à direita quando inspira e apresenta tosse seca há alguns meses. Nega outros sintomas. Submetida a mastectomia da mama direita há mais de 20 anos. Câncer de mama segundo relato da própria paciente. Colecistectomia e apendicectomia há mais de 25 anos. Nega diabetes. Nega HAS. Ao exame oftalmológico observamos acuidade visual corrigida de 20/200 no olho direito e 20/20 no olho esquerdo. Segmento anterior sem anormalidades em ambos os olhos. Fundoscopia sob midríase (fotos 1 e 2) revelou no olho direito massa grande, de aproximadamente 6 mm de base e 1,5 mm de elevação (medida pela ultrassonografia scan B ocular), brancacenta, localizada em polo posterior. Observamos ainda pig-

mentação de aspecto moteado e má delimitação de bordos. Há um descolamento seroso de retina associado. Fundoscopia sob midríase dentro dos limites da normalidade no olho esquerdo. Testes de função hepática, hemograma e bioquímica do sangue normais em ambos os olhos. Foi solicitado exame de tomografia computadorizada de tórax. Fotos a seguir. Qual é o seu diagnóstico? Qual o tratamento?

Evandro Lucena Médico oftalmologista do Instituto Nacional de Câncer (INCA) Ex-fellow Harvard Medical School/Massachusetts Eye and Ear Infirmary

Mande suas respostas para: contato@revistaonco.com.br

Os resultados serão divulgados no site www.revistaonco.com.br e na próxima edição de Onco&.

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Resposta do quiz anterior – edição 8 CLKA, sexo feminino, branca, 58 anos - Retirou um nódulo mamário há mais de dez anos (sem neoplasia - sic). - Colecistectomia laparoscópica há um ano. - Há três meses notou abaulamento na parede abdominal, interpretado como hérnia. - No momento está com dor severa em parede abdominal e torácica, de difícil controle com analgésicos simples. Antecedentes pessoais: hipertensão arterial controlada. Medicação em uso: Bezerol, Benicar. Tomografia computadorizada de tórax (08/07/2011): lesão expansiva infiltrativa heterogênea e de contornos irregulares, localizada no terço inferior da parede torácica anterior, medindo 7,1 x 5,0 cm nos maiores eixos transversos. Essa lesão envolve o terço inferior do corpo do esterno e o apêndice xifoide, estendendo-se para os planos subcutêneos do quadrante inferomedial da mama esquerda. Junto ao seu contorno inferior nota-se lesão com as mesmas características, que infiltra o músculo reto abdominal direito e os planos subcutâneos adjacentes, medindo 3,6 x 3,4 cm. Destacam-se linfonodomegalias nas cadeias mamárias internas medindo até 3,3 x 1,7 cm (com componente que se insinua para o mediastino anterior), axilar esquerda (2,7 x 1,9 cm) e retropeitonal (1,2 cm). Pequeno nódulo sólido heterogêneo com 1,1 cm no quadrante inferomedial da mama esquerda. Anatomopatológico em 14/07/2011: biópsia de massa de parede torácica. Positivo para células neoplásicas malignas, presença de células epitelioides atípicas, contendo vacúolos claros intracitoplasmáticos.

Imuno-histoquímica em 30/07/2011: RE neg. RPg. neg. Her2 neg. (Score 0) p53 positivo focal e fraco Ki-67 em cerca de 80% das células Citoqueratina 5/6 focalmente positivo Qual o diagnóstico provável? Neoplasia de mama. Os exames mostram lesão profunda no parênquima mamário e uma disseminação não usual, exclusivamente para a cadeia mamária interna e, por extravasamento linfonodal, invasão por contiguidade do esterno e parede torácica e abdominal alta. Secundariamente, extensão do comprometimento para linfonodos retroperitoneais. Qual a melhor proposta terapêutica? Pelo comprometimento dos linfonodos retroperitoneais, trata-se de um estádio clínico IV. A imuno-histoquímica mostra negatividade para RE/RPg e HER2, com Ki-67 elevado (80%), sugerindo uma neoplasia basal-símile. Dessa forma, a indicação é para quimioterapia sistêmica antineoplásica. Os esquemas mais adequados de tratamento ainda não estão definidos por consenso. Os mais usuais são as combinações de taxano e antraciclina, e paclitaxel e bevacizumabe. A radioterapia pode ajudar no controle da dor local. O uso de bisfosfonato é questionável, por não se tratar de metástase óssea, mas sim de uma lesão óssea por contiguidade. No caso em questão a paciente recebeu paclitaxel + bevacizumabe + radioterapia antálgica, e a evolução está sendo satisfatória.

Ricardo Caponero Oncologista clínico da Clínica de Oncologia Médica de São Paulo

Tem algum caso interessante que gostaria de divulgar? Mande para contato@revistaonco.com.br Onco& dezembro 2011/janeiro-fevereiro 2012

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curtas

Risco de câncer em pacientes transplantados

Receptores de órgãos transplantados têm um risco elevado de desenvolver 32 tipos diferentes de câncer, segundo um novo estudo feito nos EUA com transplantados que descreve a gama de tumores malignos que podem ocorrer. Pesquisadores do National Cancer Institute (NCI) avaliaram dados médicos de mais de 175.700 pacientes transplantados, representando cerca de 40% de todos os receptores de transplantes de órgãos no país. Os resultados do estudo foram publicados em novembro no Journal of the American Medical Association. “Embora o transplante seja uma terapia salva-vidas para pacientes com estágio final da doença em órgãos, ele também coloca os receptores em maior risco de desenvolver câncer, em parte por causa dos medicamentos administrados para suprimir o sistema imunológico e evitar a rejeição do órgão. O risco de câncer entre os pacientes transplantados se assemelha ao de pessoas com infecção por HIV, cuja probabilidade é elevada para os cânceres relacionados com infecção devido à imunossupressão”, disse o autor Eric A. Engels, MD, do Departamento de Infecções e Imunoepidemiologia, Divisão de Epidemiologia e Genética do Câncer do NCI.

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Prêmio incentiva produção científica em oncologia clínica Criado para incentivar a produção científica em oncologia clínica, o Prêmio Professor Sebastião Cabral Filho é uma homenagem a um dos mais destacados profissionais da medicina brasileira, que dedicou boa parte de sua vida à pesquisa e à prática clínica em oncologia. Em sua primeira edição, o prêmio conta com o apoio da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), da Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC) e da Sandoz do Brasil. Ele é aberto para residentes, estudantes de especialização em oncologia clínica e profissionais formados na área até dezembro de 2008. Os trabalhos devem ser inscritos gratuitamente pelo site www.premiosebastiaocabral.com.br até 31 de maio de 2012. O primeiro colocado assistirá ao encontro promovido pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), em Chicago (EUA), em 2013. Já o autor do segundo estudo premiado terá lugar garantido no Congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), em 2013.

FDA retira autorização do uso de bevacizumabe para câncer de mama avançado O FDA retirou em meados de novembro a autorização do uso da droga Avastin (bevacizumabe) para tratar o câncer de mama em estágio avançado. Segundo o órgão, não há comprovação de que o medicamento seja capaz de prolongar a vida dos pacientes com a doença. Além disso, a droga apresenta efeitos colaterais graves, como trombose e hipertensão. Ela segue recomendada para combate de outros tipos de câncer, como colorretal, pulmonar, renal e cerebral. Em nota, a Roche no Brasil afirmou que a decisão está limitada apenas ao mercado americano. “A Roche reitera que Avastin continua como uma alternativa válida para médicos e pacientes que lutam contra o câncer de mama metastático, uma doença grave que tem poucas possibilidades de tratamento.” A decisão do órgão americano de retirar a indicação do uso para câncer de mama não traz reflexos imediatos no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que, por enquanto, nenhuma revisão da recomendação brasileira será feita. A ideia é apenas reforçar o monitoramento de eventuais reações adversas do medicamento. Fonte: Veja


Doadores de Sabedoria disseminam experiências Foi lançado em São Paulo o Doadores de Sabedoria, uma oportunidade para pessoas que vivenciaram ou se encontram em situações-limite em função de doenças graves como o câncer de compartilhar suas vivências e aprendizados. O objetivo é valorizar a importância da vida plena, da atenção ao próximo e do cuidado com a saúde física, mental e espiritual. A iniciativa, uma parceria entre Instituto Oncoguia, Museu da Pessoa e consultoria in futuro, reunirá depoimentos que serão contados por meio do programa “Conte sua História”, do Museu da Pessoa (espaço expositivo e estúdio aberto para que toda e qualquer pessoa possa gravar sua história ou indicar alguém), e ficarão disponíveis nos sites dos Doadores de Sabedoria (www.doadoresdesabedoria.com.br), do Instituto Oncoguia, da in futuro e na página do Museu. Os depoimentos também serão divulgados nas mídias sociais, Twitter e Facebook, além de sites e blogs.

Glenmark Farmacêutica vence Scrip Awards 2011 Um dos mais importantes prêmios da indústria farmacêutica mundial, o Scrip Awards 2011 elegeu a Glenmark Farmacêutica como a vencedora em duas categorias: Best Company in an Emerging Market (Melhor Empresa em Mercados Emergentes) e Best Overall Pipeline (Melhor Pipeline Global). Além das categorias em que foi vencedora, a empresa também havia sido indicada como finalista em outras duas: “Acordo de Licenciamento do Ano”, com GBR 550; e “Executivo do Ano”, com Glenn Saldanha, presidente da empresa. Para saber mais sobre a premiação, acesse: www.scripintelligence.com/awards/2011_winners/


calendário 2011/2012

2011 Evento

Data

Local

Informações

2011 CTRC-AACR San Antonio Breast Cancer Symposium

6 a 10 de dezembro

San Antonio, EUA

www.sabcs.org

1a Jornada de Reabilitação em Oncologia do ICESP

9 e 10 de dezembro

São Paulo, SP

www.icesp.org.br

2o Simpósio de Cuidados Paliativos do HUPE Edição 2011 – Formação e Comunicação

9 e 10 de dezembro

Rio de Janeiro, RJ

www.hupe.uerj.br

Data

Local

Informações

2012 Gastrointestinal Cancers Symposium (ASCO)

19 a 21 de janeiro

San Francisco, CA, EUA

www.gicasymposium.org

Multidisciplinary Head and Neck Cancer Symposium (ASCO)

26 a 28 de janeiro

Phoenix, AZ, EUA

www.headandnecksymposium.org

2012 Geniturinary Cancers Symposium (ASCO)

2 a 4 de fevereiro

San Francisco, CA, EUA

www.gucasymposium.org

ABC do Câncer: Abordagens Básicas para o Controle do Câncer

1 a 29 de fevereiro

Plataforma de Educação a Distância do INCA

www.ead.inca.gov.br/

VI Congresso Latino-Americano de Cuidados Paliativos

14 a 17 de março

Curitiba, PR

www.vicongresoalcp.org/bienvenidos

XIII Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica

17 a 20 de abril

Natal, RN

www.cbopnatal.com.br/index.php

ASCO Annual Meeting 2012

1 a 5 de junho

Chicago, IL, EUA

www.chicago2012.asco.org

2012 Evento

Calendário de eventos de 2011/2012 completo e atualizado:

50

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