Onco& - Ano VIII - Ed. 40

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revistaonco.com.br

Oncologia para todas as especialidades médicas apoio

outubro • novembro • dezembro Ano 8 • n o 40 Material destinado à classe médica

Da fumaça

ao vapor Cigarro eletrônico desperta controvérsias entre especialistas

especial

hemato aborda o mieloma múltiplo

Entrevista O oncologista português Luis Costa pesquisa o câncer de mama metastático Do bem prevenção que começa pela boca Panorama Vírus se tornam aliados contra o câncer



ca rTA 3

De volta ao debate

O

tabagismo é uma doença crônica e representa hoje a maior causa de morte evitável em todo o mundo. Pode parecer absurdo, mas, mesmo com a disseminação dessa informação assustadora, 20% da população mundial era fumante em 2016 – cerca de 1,1 bilhão de fumantes adultos em todo o planeta, segundo os dados mais recentes da OMS. O fumo mata 7 milhões de pessoas por ano. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, o cigarro não está relacionado apenas ao câncer de pulmão. Seu consumo está associado a cerca de 50 tipos de doença. No caso do câncer, aproximadamente 30% das mortes são atribuídas a tumores ligados ao tabagismo. Embora o Brasil tenha avançado muito na luta contra o fumo, com a aprovação de leis que proíbem a propaganda de cigarros e restringem seu uso em locais públicos, o fumo ainda é um problema, especialmente entre os mais jovens. Na faixa entre 18 e 24 anos, o percentual de adeptos ao cigarro cresceu de 7,4%, em 2016, para 8,5%, no último ano. O acesso fácil dos jovens ao cigarro é preocupante. Uma pessoa exposta ao cigarro na adolescência corre muito mais risco de se tornar um dependente do tabaco. A chegada dos cigarros eletrônicos, com a possibilidade de uso de diferentes sabores e cores, atrai a juventude e pode ser a porta de entrada para o cigarro convencional, além de trazer também problemas de saúde, mesmo que menores que os provocados pela queima do tabaco. Ainda não sabemos a extensão dos males que o cigarro eletrônico pode trazer, mas certamente ele não é inócuo e não deve ser promovido. Os malefícios do fumo são conhecidos por todos, mas a juventude, em particular, é muito suscetível ao vício e precisa ser protegida. Evitar o fácil acesso de adolescentes ao cigarro, em qualquer forma (eletrônico, vapor, narguilés), é um grande passo para fecharmos ainda mais o cerco contra o fumo.

Paulo M. Hoff Oncologista clínico; Presidente da Oncologia D’Or; Prof. titular da Disciplina de Oncologia FMUSP; Editor clínico da revista Onco&


4 expediente

Conselho editorial Editores clínicos nacionais: Aina Colli (SP) outubro | novembro | dezembro 2018 ano 8 • no 40

Publisher:

Ana Amelia Fialho de Oliveira Hoff (SP) Ana Carolina Nobre (RJ) Anderson Silvestrini (DF)

Simone Simon

simone@revistaonco.com.br Editora:

Andre Moll (RJ) Candice Santos (PE) Carlos Frederico Pinto (SP)

Sofia Moutinho

sofia@revistaonco.com.br Direção de arte:

Clarissa Serodio da Rocha Baldotto (RJ) Claudio Ferrari (SP) Daniel Herchenhorn (RJ)

Apoena Horta

apoenahorta@hotmail.com

Juliana Sidsamer

Daniel Saragiotto (SP) Edivaldo Basílio (DF)

Revisão:

Patrícia Villas Bôas Cueva Comunicação e Marketing Oncologia D’Or:

Jessica Areta, Luisa Adão, Maria Eduarda Carvalho, Mariângela Luna, Marcele Oliveira, Renata Canuta Tenório, Ingrid Ferrari

Eduardo Rego (SP) Felipe Erlich (SP) Fernanda Tovar Moll (RJ) Flávio Cure Palheiro (RJ) Gilberto Amorim (RJ) Hélio Calábria (PE) Karina Moutinho (SP) Laura Testa (SP)

Impressão : Ipsis Gráfica

Tiragem: 15 mil exemplares

ISSN: 2179-0930

Jornalista responsável:

Sofia Moutinho (MtB 031012/RJ) Colaboraram nesta edição:

Jornalistas: Martha San Juan, Renata Fontanetto, Rodrigo de Oliveira Andrade e Vinicius Zepeda Articulistas: Carlos Eduardo Lima, Daniel Fernandes Saragiotto, Deusdedit Cortez Neto, Eduardo Rego, Edvan Crusoe, Flavia Gabrielli, Georgia de Oliveira, Karina Moutinho, Renata Lyrio e Vitor Sforni Queremos ouvi-lo! Dúvidas, elogios ou sugestões: contato@revistaonco.com.br Tel. (21) 2126-0150

Realização:

Apoio:

Lisiana Wachholz Szeneszi (RJ) Loana Valença (BA) Lucianno dos Santos (DF) Maria de Lourdes de Oliveira (RJ) Maria Del Pilar Estevez Diz (SP) Maria Ignez Braghirolli (SP) Markus Gifoni (CE) Paulo Hoff (SP) Ricardo Marques (SP) Rodrigo Abreu e Lima (DF) Veridiana Pires de Camargo (SP)

A revista Onco& é uma realização da Associação de Pesquisa Clínica (APC), com apoio da Oncologia D’Or, que trata a oncologia sob seu aspecto multidisciplinar, trazendo novidades e avanços científicos de maneira atraente e dinâmica. Seu objetivo é transformar a oncologia num tema mais familiar para o médico não oncologista, de forma que ele esteja mais preparado para o diagnóstico precoce e o acompanhamento de seu paciente durante e após o tratamento do câncer. Equipando o médico para a detecção precoce do câncer, aumentam as chances de sobrevida e cura do paciente. De circulação trimestral, a revista tem distribuição nacional e gratuita voltada para a classe médica em todo o território nacional. A reprodução de seu conteúdo é permitida desde que citada a fonte. A opinião dos colaboradores não necessariamente reflete a posição da revista.


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Dr. Frederico Costa Diretor Técnico CRM: DF 10582

Atendimento e excelência hospitalar 5 estrelas.


6 sumário

10. ENTREVISTA

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O oncologista português Luis Costa fala sobre suas pesquisas clínicas com câncer de mama avançado e metástases ósseas

14. PÍLULAS Informação na dose certa sobre o que há de novo na medicina, resultados de pesquisas e iniciativas interessantes que chamam a atenção

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16. CAPA Cigarros eletrônicos carregam a promessa de ajudar a cessação do tabagismo, mas evidências apontam riscos à saúde

21. HEALTH TECH

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Impressão 3D ganha espaço na sáude, ajuda a planejar cirurgias e facilita aprendizado

23. ONCO&HEMATO Especial aborda diversas facetas do mieloma múltiplo, do entedimento da doença aos tratamentos atuais

31. DISCUSSÃO DE CASO

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Oncologista, radioterapeuta e urologista discutem caso de câncer de próstata localizado

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34. GESTÃO Demografia médica faz raio X da profissão no país e aponta para crescimento de jovens e distribuição geográfica desigual

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38. DO BEM Prevenção do câncer de boca e de orofaringe e acompanhamento do paciente em tratamento passam pelo cuidado do cirurgião-dentista

41. IN LOCCO Especialistas comentam os destaques dos principais eventos de suas áreas

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43. PANORAMA Proliferam pesquisas que apostam no uso de vírus oncolíticos no combate ao câncer

46. PERSPECTIVA A rádio-oncologista Karina Moutinho conta o que aprendeu com sua experiência como médica e filha de paciente médico

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49. DE RELANCE Imagem premiada mostra resposta promissora em lutecioterapia contra câncer de próstata

50. AGENDA

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Programe-se para os eventos médicos que vêm por aí

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10 EN T REVIS T A

Na bancada contra o

CÂNCER de MAMA O oncologista e pesquisador português Luis Costa desenvolve ensaios clínicos variados sobre câncer de mama e busca entender o papel da metástase óssea na doença por  sofia moutinho

U

nir o atendimento oncológico à pesquisa clínica é o trabalho diário do médico e pesquisador português Luis Costa. O oncologista divide sua atenção entre as funções de professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, responsável pela Unidade de Investigação Clínica em Oncologia Translacional, no Instituto de Medicina Molecular (IMM), e de diretor do Departamento de Oncologia do Hospital de Santa Maria, também em Lisboa. Nessas instituições, Costa está envolvido com variados estudos clínicos de fase 2 e 3 sobre diversos tumores sólidos, câncer de mama e metástases ósseas. Mais recentemente, seu foco tem sido o entendimento dos mecanismos moleculares de progressão metastática usando a metástase óssea como base. Esse tipo de metástase é tema de suas pesquisas desde 1995, tendo sido alvo de parcerias de pesquisa com a Universidade Penn State (USA) para testar o valor clínico da análise dos fragmentos de colágeno como forma de monitorar a resposta dos pacientes ao tratamento.

No Hospital de Santa Maria, o pesquisador conduz vários estudos. Nos últimos dois anos, liderou 17 ensaios clínicos em câncer de mama e metástases ósseas. Em seu currículo constam mais de 150 publicações científicas em periódicos como Plos One, Journal of Clinical Oncology, European Journal of Cancer e The Lancet Oncology. “Necessitamos criar médicos cientistas e cientistas interessados nos problemas médicos, e a pesquisa clínica é fundamental”, diz Costa, que é um dos palestrantes do VI Congresso Internacional Oncologia D’Or, que ocorrerá nos dias 9 e 10 de novembro no Rio de Janeiro. Nesta entrevista, o médico comenta suas pesquisas em andamento e suas expectativas em relação aos avanços no diagnóstico e no tratamento dos diferentes tipos de câncer de mama, passando por questões como os testes genéticos, a biópsia líquida e novos medicamentos. Luis Costa, oncologista do Hospital Santa Maria e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e da Unidade de Investigação Clínica em Oncologia Translacional do Instituto de Medicina Molecular (IMM)


foto: nuno coimbra

O senhor está envolvido com vários ensaios clínicos em câncer de mama e metástases ósseas. Pode nos contar quais são os principais estudos e o que tem observado de mais promissor? Continuamos muito interessados na metastização óssea, e a partir do seu estudo estamos encontrando áreas interessantes sobre a biologia da metastização e do crescimento tumoral através da via do RANK/RANKL. Essa via é fundamental na osteoclastogênese e, portanto, participa no processo de reabsorção óssea associada a metástases ósseas. No entanto, sabemos também que ela pode participar do processo de tumorigênese. Dados da nossa investigação apontam que a via RANK/RANKL está implicada na mudança de fenótipo das células do câncer de mama hormoniodependentes, que passam a ter características mesenquimatosas pela indução do processo de transição epitélio-mesênquima. Fazemos, sobretudo, estudos acadêmicos em parceria com a indústria, na descoberta de novos biomarcadores e de novos alvos como esse. Estamos finalizando um estudo sobre a heterogeneidade das células tumorais

Participamos de estudos clínicos com novos alvos e com imunoterapia. Esta pode ser muito promissora, pelo menos para alguns tumores triplo negativos”

em circulação em pacientes com metástase óssea única versus pacientes com metastização em vários órgãos. Fizemos recentemente uma análise de cerca de 2 mil mulheres, e concluímos que as pacientes com mestástase óssea exclusiva apresentam um risco de complicações ósseas aumentado em comparação com as pacientes com metástases viscerais (extraósseas). Esse trabalho será apresentado na próxima reunião San Antonio Breast Cancer (SABCS), em dezembro. >>


12 EN T REVIS T A

A descoberta de mutações emergentes e que sejam indicadoras de mudança de tratamento pode bem vir a ser uma realidade no câncer de mama, tal como é atualmente no de pulmão”

O câncer de mama triplo negativo é um dos seus temas de estudo. Temos tido pouco progresso no tratamento desse tipo de doença. O que podemos esperar de novo e mais eficaz para essas pacientes? Participamos de estudos clínicos com novos alvos e com imunoterapia. Esta pode ser muito promissora, pelo menos para alguns tumores triplo negativos. Para além de estudos com inibidores de check-point (atezolizumabe, pembrolizumabe, nivolumabe) em câncer da mama e em vários tipos de tumores sólidos, estamos fazendo uma caracterização detalhada da modificação do perfil imunológico em pacientes com câncer da mama sob inibidores de ciclinas em comparação com aquelas em tratamento com quimioterapia. O senhor participou de pesquisas que testaram o uso de fragmentos de colágeno como biomarcador de resposta ao tratamento de metástases ósseas. Como estão essas pesquisas? É algo que pode ser usado na clínica ou apenas em ensaios clínicos? O estudo dos fragmentos do colágeno do osso (tipo I) continua a ser uma área de nosso interesse. Sempre que existe um novo medicamento em teste para metástases ósseas, nas fases 1 e 2, o uso dos fragmentos de colágeno é obrigatório para selecionar a atividade e a dose dos inibidores de reabsorção óssea. Entretanto, quisemos alargar os nossos horizontes e estamos pesquisando também o papel biológico dos fragmentos de colágeno. Posso afirmar que os dados clínicos sobre

a importância prognóstica dos fragmentos de colágeno são muito fortes, mas os dados laboratoriais são ainda recentes e não estão prontos para divulgação. Temos um plano de projeto somente dedicado a este assunto: isolamento dos fragmentos e estudo de interação com receptores de membrana celular. A biópsia líquida já é uma realidade no tratamento e no monitoramento do câncer de pulmão. Como está isso no câncer de mama? Quão distantes estamos do seu uso na clínica? No câncer da mama, estamos analisando os resultados de DNA tumoral circulante, perfil imunológico e CTCs em 50 pacientes com câncer metastático. A detecção de mutações de forma prospectiva nessas pacientes está sendo feita em colaboração com o Memorial Sloan Kettering Cancer Center (MSKCC). A descoberta de mutações emergentes e que sejam indicadoras de mudança de tratamento pode se tornar uma realidade no câncer de mama, tal como é no de pulmão. Se o conceito de biópsia líquida for mais abrangente, poderemos incluir também a detecção de defeitos de reparação de DNA, que podem ser muito interessantes para a escolha de quimioterapia ou de novos fármacos como os inibidores da PARP. Em termos de análise genética para casos avançados de câncer de mama, que tipo de teste é hoje padrão em Portugal? Como deve ser feita a prescrição desses testes? Quais pacientes se beneficiam deles?


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foto: shutterstock

Essa é uma área muito vasta. Para tornar a resposta mais precisa, posso dizer que a Associação Portuguesa de Investigação em Cancro está conduzindo um projeto nacional para a caracterização do desfecho clínico das pacientes com câncer de mama e portadoras da mutação portuguesa do BRCA2. Esses tumores costumam ser positivos para receptores de estrogênio. Esse trabalho está sendo feito em colaboração com o dr. Steven Narod. A mutação portuguesa (inserção ALU) está associada ao câncer de mama com expressão de receptores de estrogênios; no entanto, parece ter um comportamento mais agressivo (sem boa resposta à hormonioterapia). Temos em curso um estudo epidemiológico sobre esse tema, utilizando a base nacional portuguesa de registro de câncer. O senhor também estuda o uso de inibidores de ciclinas no câncer de mama avançado. Hoje, no Brasil, temos dois inibidores disponíveis. Como o senhor vê o uso desses medicamentos? Que impacto eles trouxeram para a eficácia do tratamento do câncer de mama metastático e em termos de qualidade de vida do paciente? Temos uma experiência muito positiva com os dois inibidores de ciclinas aprovados em Portugal: palbociclibe e ribociclibe. Em breve, teremos experiência com o abemaciclibe. São fármacos que aportam muito valor clínico para as pacientes com câncer de mama metastático, tipo luminal. Apesar de terem efeitos adversos, como a neutropenia, que obrigam a uma vigilância mais apertada em comparação com a exigida para pacientes que fazem somente hormonioterapia, eles de fato são mais bem tolerados do que a quimioterapia. Para além da participação em ensaios clínicos, estamos também estudando o impacto dos inibidores de ciclinas na biópsia líquida: CTCs (circulating tumor cells, células de tumor circulantes, em tradução livre); evolução

do ctDNA. E também o seu impacto no perfil imunitário das pacientes. Como o oncologista e os demais médicos devem lidar com o novo conjunto de efeitos colaterais que os inibidores de ciclina trazem? A curva de aprendizagem vem crescendo. Isso quer dizer que, com o aumento da experiência, dominamos melhor os efeitos adversos mais frequentes (tal como a neutropenia) e também descobrimos outros detalhes importantes para a segurança da paciente (como interações medicamentosas), apesar de menos frequentes. //

O inibidores de ciclinas, já disponíveis no Brasil, têm tido bons resultados em Portugal


foto: divulgação

14 P Í LULAS

Um giro pelas novidades em

saúde

Câncer avança como causa de morte pelo mundo

A nova edição do GLOBOCAN 2018, publicado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), estima 18 milhões de novos casos da doença e 9,6 milhões de mortes em sua decorrência para 2018. O estudo traz estimativas sobre a incidência e a mortalidade de 36 tipos de câncer em 185 países. Segundo o levantamento, um em cada cinco homens e uma em cada seis mulheres terão câncer e um em cada oito homens e uma em cada 11 mulheres vão morrer da doença. O aumento do número de casos se deve fatores como o envelhecimento da população e o desenvolvimento econômico. Em economias em crescimento, os pesquisadores observam uma redução dos casos de tumores relacionados a infecções e condições de pobreza e um dos casos de tumores mais ligados à vida urbana, típicos de países desenvolvidos. O estudo mostra ainda uma queda geral na incidência do câncer de pulmão, a neoplasia que mais mata no mundo, especialmente nos EUA e na Europa. No entanto, o número absoluto de casos de câncer está em ascensão, e o de pulmão permanece entre os três tipos que mais matam, junto com o câncer de mama feminino e o colorretal. Para o Brasil estão previstos 559 mil novos casos de câncer, com 243 mil mortes, em 2018. Até 2040 é esperado ainda um aumento de 78,5% dos casos, um dos maiores entre as principais economias mundiais. O Brasil, junto com outros países como Rússia, China e Países Bálticos, está entre os poucos que assistiram a um aumento geral de incidência e mortalidade na última década. // Incidência global de cancêr Europa 23,4% 4.230.000 casos

Américas 21% 3.791.000 casos África 5,8% 1.055.000 casos Oceania 1,4% 252.000 casos

18,1 milhões de novos casos

Ásia 48,4% 8.751.000 casos

Américas 14,4% 1.371.000 casos África 7,3% 693.000 casos Oceania 0,7% 70.000 casos

Touca térmica tem aprovação expandida

A A agência reguladora americana (FDA) expandiu a aprovação de uso da touca inglesa (PAXMAN) como forma de prevenção da queda de cabelo durante a quimioterapia. O equipamento, que já tinha sido aprovado para uso de pacientes com câncer de mama, agora tem indicação para qualquer tumor sólido. O sistema de resfriamento da cabeça é usado antes, durante e depois da quimio. Uma máquina ligada a uma touca resfria o couro cabeludo do paciente a uma temperatura entre 18ºC e 22ºC, o que permite a menor absorção dos fármacos nessa região. Em mais de 50% dos casos, os pacientes relatam a diminuição da alopecia a ponto de não precisar usar peruca. leia mais_

revistaonco.com.br/cancer-avancacomo-causa-de-morte-pelo-mundo

Mortalidade global por cancêr Europa 20,3% 1.943.000 casos

9,6 milhões de mortes

Ásia 57,3% 5.477.000 casos

estimativa de números de casos de mortes de todos os cânceres, incluindo câncer de pele não-melanoma fonte: globocan



Da fumaça ao

vapor

Cigarros eletrônicos carregam a promessa de ajudar a cessação do tabagismo, mas evidências apontam riscos à saúde por  Rodrigo de Oliveira Andrade

L

ançados com a promessa de ajudar os fumantes a se livrar do vício, os cigarros eletrônicos — ou e-cigarettes, como também são chamados — conquistam cada vez mais adeptos ao redor do mundo. De acordo com dados divulgados pela consultoria norte-americana P&S Market Research, o mercado global de cigarros eletrônicos deverá alcançar 48 bilhões de dólares até 2023. No entanto, os efeitos sobre a saúde humana associados ao uso contumaz desses dispositivos ainda dividem opiniões entre os especialistas. Os cigarros eletrônicos foram criados em 2003 pelo farmacêutico chinês Hon Lik e logo se tornaram uma febre mundial, sobretudo na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos. “A ideia é que o aparelho, alimentado por uma bateria, simule o fumo por meio da produção de vapor inalável, com ou sem nicotina, o princípio ativo do tabaco associado à dependência química”, comenta João Gonçalves Pantoja, médico pneumologista da Rede D’Or. Ele explica que, na tragada, um sensor eletrônico detecta o movimento de ar e ativa o nebulizador, que transforma em vapor o líquido armazenado no aparelho. É o caso do vaporizador Juul, lançado em 2015 nos Estados Unidos.

“Os líquidos usados nos cigarros eletrônicos são bastante distintos em termos de composição química e aditivos”, afirma Pantoja. “Alguns são acrescidos de sabores, como chocolate, morango e menta, o que pode contribuir para um aumento do consumo desse dispositivo entre crianças e adolescentes”, alerta. No início deste ano, a Philip Morris, fabricante dos cigarros Marlboro, lançou o IQOS (acrônimo para I Quit Ordinary Smoking), uma nova modalidade de e-cigarettes, em que um cartucho de tabaco é aquecido para liberar o vapor. “A principal ‘vantagem’ dos cigarros eletrônicos é que eles são capazes de disponibilizar nicotina e reproduzir sensação semelhante à inalação da fumaça produzida pelos cigarros comuns sem que haja a queima do tabaco. Isso reduz a liberação das mais de 8 mil substâncias tóxicas, como o monóxido de carbono, pesticidas e alcatrão, das quais pelo menos 250 são prejudiciais à saúde e mais de 50 conhecidas por desencadearem o surgimento de tumores”, esclarece Clarissa Baldotto, oncologista da Oncologia D’Or. A queima do tabaco, seja no cigarro comum, charuto, narguilé ou outras formas de fumo, está associada ao surgimento de vários tipos de câncer (pulmão, cavidade oral, laringe, faringe, esôfago, estômago, pâncreas, fíga-


c a p a 17

do, rim, bexiga, colo do útero e leucemias) e é responsável por cerca de 30% das mortes pela doença. Fumantes chegam a ter 20 vezes mais risco de desenvolver câncer de pulmão, 10 vezes mais de ter câncer de laringe, e de duas a cinco vezes mais de desenvolver câncer de esôfago, em comparação com não fumantes.

Fotos: Shutterstock

Incertezas e veto

Existem hoje mais de 1,5 mil variedades de cigarros eletrônicos disponíveis no mercado mundial, com diferentes visuais. Os mais tradicionais, no entanto, são visualmente semelhantes ao cigarro comum, com a cor branca e amarela, e o mesmo formato alongado. Alguns modelos possuem uma lâmpada de LED na ponta para representar a brasa e podem ser carregados via USB. Estima-se que os cigarros eletrônicos sejam até 95% menos tóxicos que os cigarros conven0cionais, segundo dados do relatório E-cigarettes: an evidence update, comissionado em 2015 pela Public Health England, do Departamento de Saúde e Assistência Social no Reino Unido. “No entanto, apesar das vantagens aparentes, a venda e o consumo dos cigarros eletrônicos são proibidos no Brasil — ainda que seja fácil adquirir esses aparelhos, muitas

Não há dados que comprovem a eficácia desses produtos como agentes para a cessação do tabagismo ou sua menor toxicidade em relação ao cigarro comum” Sandra Helena Poliselli Farsky, USP

vezes sem marca ou garantia de origem, em sites ou tabacarias”, destaca Clarissa. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou o veto ao produto em agosto de 2009, evocando o princípio da precaução, até que existam dados científicos que comprovem sua eficiência, eficácia e segurança. A decisão também se baseou em constatações do Food and Drug Administration (FDA), agência que regula o comércio de alimentos e remédios nos Estados Unidos, de que esses dispositivos liberariam substâncias tóxicas e cancerígenas — entre as quais formaldeído, acroleína e propanol —, diferentemente do que alegam seus fabricantes. >>


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Fumar cigarro normal equivale a se pendurar na janela do 20o andar de um edifício, enquanto fumar cigarro eletrônico equivale a se pendurar na janela no 10o andar. As alturas são diferentes, mas o tombo é equivalente” João Paulo Lotufo, USP

“Não há dados que comprovem a eficácia desses produtos como agentes para a cessação do tabagismo ou sua menor toxicidade em relação ao cigarro comum, ainda que as evidências toxicológicas da exposição aos cigarros sem combustão indiquem um cenário de menor risco à saúde quando comparados aos cigarros convencionais”, destaca a farmacêutica Sandra Helena Poliselli Farsky, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP). Farsky iniciou recentemente um projeto de pesquisa que pretende avaliar o impacto das substâncias produzidas pelo IQOS, da Philip Morris, no desenvolvimento de artrite reumatoide, doença associada ao hábito de fumar que leva à deformidade e à destruição das articulações e cuja prevalência na população é de 0,5% a 1%. Segundo ela, os estudos publicados nos últimos anos divergem quanto aos efeitos associados ao uso prolongado dos e-cigarettes. “Mas uma coisa é certa: eles não são inócuos”, destaca.

Perigos em estudo

Nos últimos anos, vários trabalhos apresentaram novas evidências que sugerem que esses dispositivos podem desencadear reações alérgicas e irritações na boca e na garganta, tosse, dor de cabeça, dispneia e vertigem, além de síndromes inflamatórias e respiratórias. Em um artigo publicado em agosto na revista científica Thorax, pesquisadores norte-americanos verificaram que o vapor do cigarro eletrônico interfere no funcionamento dos macrófagos alveolares, comprometendo sua capacidade de defesa contra infecções bacterianas no trato respiratório. No estudo, eles vaporizaram fluidos de cigarros eletrônicos em células pulmonares coletadas de indivíduos não fumantes sem histórico de asma ou outra doença pulmonar obstrutiva crônica. Após 24 horas de exposi-

ção, o número total de células viáveis expostas à vaporização havia diminuído significativamente em comparação com as células que não foram submetidas ao vapor dos cigarros eletrônicos. “Nossos achados sugerem que o fluido vaporizado dos e-cigarettes pode prejudicar a função das células imunes do pulmão humano de maneira similar à observada em fumantes de cigarros tradicionais, de modo que as pessoas que consomem esse produto correm o mesmo risco de desenvolver doenças pulmonares crônicas”, destacou à revista Onco& Rahul Mahid, pesquisador da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, e um dos autores do estudo. Os resultados, segundo ele, também servem de alerta aos governos e órgãos reguladores, que devem “se manter céticos sobre os cigarros eletrônicos e refletir isso nas políticas em torno dos avisos de publicidade e segurança”. Da mesma forma, outro estudo, apresentado também em agosto durante o 256o Encontro Nacional & Exposição da American Chemical Society (ACS, na sigla em inglês), uma das maiores sociedades científicas do mundo, constatou que o uso prolongado dos e-cigarettes é capaz de danificar o DNA das células da boca, o que pode desencadear o surgimento de tumores de língua, céu da boca, faringe e amígdala, genericamente chamados de tumores de cabeça e pescoço. Também há casos de intoxicação pela ingestão acidental de seus cartuchos, especialmente entre crianças, ou de aparelhos que superaqueceram enquanto suas baterias carregavam, provocando incêndios e explosões. Para Marcus da Matta, doutor em patologia pela Faculdade de Medicina da USP, a melhor forma de reduzir o dano do tabagismo é a cessação total do uso de todos os tipos de fumo. O médico João Paulo Lotufo vai na mesma linha. Para ele, é preciso abolir os dois tipos de cigarro, uma vez que ambos são nocivos à saúde. “Fumar cigarro normal


equivale a se pendurar na janela do 20o andar de um edifício, enquanto fumar cigarro eletrônico equivale a se pendurar na janela no 10o andar. As alturas são diferentes, mas o tombo é equivalente”, comenta Lotufo, que é coordenador do projeto antitabágico do Hospital Universitário da USP.

como PARAR DE FUMAR

Alternativas para parar de fumar

Existem métodos e dispositivos validados cientificamente para a cessação de tabagismo, como:

Adesivos de nicotina Permitem a absorção da nicotina por meio da pele. Em geral, aproximadamente 0,9 mg da substância é absorvida por hora, reduzindo os sintomas de abstinência, como ansiedade, inquietude, irritação, agressividade, depressão.

Chicletes de nicotina Também liberam doses controladas de nicotina, para que sejam absorvidas pela mucosa oral. Às vezes são usados conjuntamente com os adesivos.

Fotos: Shutterstock e pixabay

Sandra Farsky esclarece que hoje existem vários métodos que podem auxiliar as pessoas que querem parar de fumar, como chicletes e adesivos que contêm nicotina e medicamentos específicos para a interrupção do tabagismo. Os dois primeiros métodos se baseiam no princípio da Terapia de Reposição de Nicotina (TRN). “A ideia é administrar pequenas doses da substância, retirando-a do organismo aos poucos e auxiliando a reduzir a crise de abstinência e a fissura por fumar.” A vantagem dessas estratégias é que elas fornecem ao usuário doses controladas de nicotina, sem que ele inale as outras substâncias que seriam liberadas caso consumisse um cigarro tradicional. Pantoja explica que o adesivo, após ser colado na pele, libera pequenas quantidades de nicotina no organismo por 24 horas. “O ideal é que ele seja aplicado pela manhã para liberar a substância na corrente sanguínea durante o dia.” Os chicletes de nicotina agem da mesma forma, liberando a substância na boca. Em ambos os casos, a nicotina, que não é tóxica, cai na corrente sanguínea e em menos de 10 segundos chega ao cérebro. Existem poucos trabalhos que comparam a eficácia do adesivo e a dos chicletes. Uma estratégia usada, sobretudo com as pessoas mais dependentes, é aplicar o adesivo e fornecer-lhes alguns chicletes para que sejam usados caso elas sintam algum sintoma de abstinência muito desconfortável. Os cigarros eletrônicos também liberam quantidades controladas de nicotina, que é rapidamente absorvida pelos pulmões e pela mucosa oral e transportada pela corrente sanguínea até o cérebro. Ainda não se sabe se os e-cigarettes são mais eficazes que os chicletes e os adesivos. Nesse sentido, Pantoja destaca que é preciso cautela e mais estudos acerca dos cigarros eletrônicos. A epidemia do tabaco, segundo ele, é uma das maiores ameaças à saúde pública mundial, matando mais de 7 milhões de pessoas por ano, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mais de 6 milhões dessas mortes se devem ao consumo prolongado do cigarro, >>

Vareniclina

Estimula a liberação de dopamina no cérebro, para reduzir os sintomas de abstinência.


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ao passo que cerca de 890 mil são resultado da exposição ao fumo passivo. “Qualquer nova estratégia que ajude a diminuir a exposição às substâncias tóxicas do cigarro comum precisa ser mais bem esmiuçada, de modo que seja usada com responsabilidade, sem estimular seu uso entre os mais jovens”, diz. “Ainda que o cigarro eletrônico seja prejudicial à saúde, parece ser consenso que o convencional é mais nocivo, de modo que, para dar auxílio a quem não consegue abandonar o tradicional, talvez tenha lógica usar o eletrônico”, completa Pantoja. Quase metade dos fumantes brasileiros quer parar de fumar, segundo dados de pesquisa do Projeto Internacional de Avaliação das Políticas de Controle do Tabaco (ITC) divulgada em 2017 pelo Instituto Nacional de Câncer José Gomes Alencar (Inca). A principal motivação apontada para largar o vício foi a preocupação com a própria saúde, seguida de “dar exemplo para as crianças”, da preocupação com os efeitos da fumaça na saúde de não fumantes próximos e do preço dos cigarros. Seja qual for o método empregado na cessação do tabagismo, ele precisa ser acompanhado de orientação médica e psicológica, além do apoio da família e dos amigos.

Qualquer nova estratégia que ajude a diminuir a exposição às substâncias tóxicas do cigarro comum precisa ser mais bem esmiuçada, para que seja usada com responsabilidade, sem estimular seu uso entre os mais jovens.” João Pantoja, Rede D’Or

Isso é fundamental para que a pessoa mude seu padrão de comportamento em relação à dependência psicológica adquirida após anos fumando. “A ideia é que as terapias de reposição de nicotina, inclusive os cigarros eletrônicos, auxiliem as pessoas para que parem de fumar definitivamente”, destaca Clarissa Baldotto. “Do contrário, só estariam substituindo uma droga por outra”, completa. //

Estrutura do cigarro eletrônico Existem vários modelos disponíveis no mercado, mas, de modo geral, a estrutura básica dos cigarros eletrônicos é composta de:

5 3

7

Sensor eletrônico

Nebulizador

4 2

Microprocessador

Cartucho, ou tanque, com o líquido flavorizado, com ou sem nicotina

6

Compartimento da bateria

Luz de LED vermelha na ponta (em alguns casos)

Fotos: Shutterstock

1

Bocal de inalação


shutterstock

h e a lt h t e c h 21

Impressão 3D auxilia no planejamento de cirurgias Tecnologia promete maior eficácia e precisão na extração de tumores e pode ajudar na educação médica por  Vinicius Zepeda

N vídeo_

Impressão 3D de tumores em: revistaonco.com.br/ impressao-3dcirurgias

os anos 1980 a indústria automobilística trouxe ao mundo uma nova tecnologia: a impressão 3D. De lá pra cá, as impressoras conquistaram outros mercados, como o de móveis, moda, entretenimento e até mesmo o de armas. E na saúde não é diferente. O uso de impressoras tridimensionais tem ampla aplicação, auxiliando na educação médica e no planejamento de cirurgias. Um estudo coordenado por Nicole Wake, pesquisadora do Instituto Sackler da Graduação de Ciências Biomédicas da Faculdade de Medicina da New York University (NYU), vem avaliando o impacto do uso de modelos tridimensionais de tumores de rim e próstata no planejamento pré-cirúrgico de uma amostra de 300 pacientes. O intuito é comparar o uso desses modelos, impressos numa moderna impressora 3D Stratasys J750, de última geração, a partir de imagens de

ressonância magnética do paciente, com métodos convencionais de visualização 3D, ou mesmo com realidade aumentada. “Até o momento identificamos uma redução significativa no tempo de preparo e planejamento de cirurgias, e consequentemente na eficiência do planejamento cirúrgico por meio da impressão tridimensional”, afirma Wilian C. Huang, urologista e professor da Faculdade de Medicina da NYU e coautor do estudo. Os pesquisadores também avaliam o uso das impressões 3D no momento da consulta, como forma de facilitar a explicação do quadro clínico aos pacientes que vão passar por um procedimento cirúrgico. “A maioria dos pacientes não sabe como interpretar as imagens radiológicas, mas pode ter mais facilidade de compreender as imagens anatômicas tridimensionais, podendo então discutir melhor com os médicos a sua situação”, comenta Nicole Wake. >>


22 h e a lt h t e c h

A tecnologia também é tema de pesquisas no Brasil. Na Universidade de São Paulo (USP), um projeto coordenado por Chao Lung Wen vem contribuindo para ampliar os benefícios no campo da formação dos médicos. “Hoje um dos grandes problemas que as faculdades de medicina enfrentam é a falta de cadáveres para estudos de anatomia. Há pouca doação. Em nosso projeto Homem Virtual, elaboramos órgãos do corpo humano em três dimensões para que a tecnologia possa complementar o que antes era estudado em duas dimensões”, explica o pesquisador. “Além disso, os alunos podem levar os órgãos para estudar em casa, o que não é possível com cadáveres”, complementa.

Dilemas e mudanças na economia

A impressão 3D é capaz de reproduzir aspectos como texturas, cores, gradações e transparências, de diferentes estruturas, das mais simples às mais complexas. Com a tecnologia cada vez mais popular e acessível, o consumidor poderá fazer ele mesmo seus produtos. Indústrias e prestação de serviços em áreas como construção, design,

arquitetura, decoração, entre outras, serão seriamente ameaçadas, podendo até mesmo acabar, ou ser forçadas a se reinventar. Em 2013, veículos de imprensa noticiaram tutoriais na internet que ensinavam a fazer réplicas de armas de fogo utilizando impressoras 3D. O assunto gerou uma série de debates ao redor do mundo sobre os limites éticos de seu uso, que pode vir até a contribuir para o aumento da violência ao facilitar o porte de armas, mesmo que por vezes elas sejam apenas falsificações. Já na área médica a tecnologia se mostra extremamente útil para popularizar e baratear a confecção de próteses e órteses. “Atualmente, quem tiver o equipamento e dominar softwares de modelagem em 3D, como o AutoCAD, por exemplo, pode fazer uma prótese ou órtese com baixíssimo custo”, explica a médica fisiatra Eliane Machado. “Entretanto, só a prótese não é o suficiente. Faltam estudos sobre seu uso e uma maior padronização na sua confecção. Além disso, não adianta apenas colocar a prótese se não houver todo o trabalho de reabilitação, fisioterapia e terapia ocupacional para que o amputado aprenda a usá-la”, conclui. // À esq., uma impressão anatômica para estudo. À dir., um modelo de uma próstata, com o tumor em azul.

fotos: divulgação

Estudo facilitado


Especial

hemato

MIELOMA Mร LTIPLO Do entendimento ao tratamento da doenรงa


entrevista com Eduardo Rego

Uma doença discreta mas bem conhecida

O

mieloma múltiplo tem uma história relativamente recente. Até os anos 1940, a radioterapia era o seu único tratamento, para aliviar a dor óssea. Ainda não eram conhecidos o caráter sistêmico da doença nem a importância da interação entre as células malignas e o ambiente da medula óssea. Quase seis décadas depois, o mieloma permanece sem cura. Por ser mais prevalente em idosos e ter como sintomas queixas comuns nessa faixa etária, muitas vezes passa despercebido e não tem o diagnóstico devidamente investigado. Mas o entendimento sobre a doença tem evoluído, junto com as alternativas de tratamento e controle. Neste ano, um marco foi a aprovação, no Brasil, da lenalidomida para os casos de recidiva. O medicamento já estava disponível no mercado estrangeiro há pelo menos oito anos. Além disso, estudos com imunoterapia e manipulação genética abrem novos caminhos. O hematologista Eduardo Rego, professor da Universidade de São Paulo (USP) e médico da Oncologia D’Or, comenta os principais avanços no entendimento da doença, os desafios ainda por vencer e as perspectivas futuras.

Quanto a medicina já avançou na compreensão do mieloma múltiplo? Quais as principais mudanças no entendimento da doença? Avançamos bastante na compreensão do mieloma múltiplo nas últimas décadas. Podemos agrupar esses avanços em duas categorias. Primeiramente, pelo entendimento da característica genética da doença: como as modificações genéticas evoluem à medida que a sua história natural evolui. Em segundo lugar, pela compreensão sobre a relação entre as células do mieloma múltiplo e o meio ambiente da medula óssea. Sobre a história natural e a evolução das alterações genéticas, muito desse avanço se deveu à contribuição do grupo da Mayo Clinic liderado pelo professor Robert Kyle, que demonstrou que os mielomas representam a evolução de uma doença com poucos sintomas e com uma infiltração muito pequena da medula óssea por plasmócitos malignos, o que acabou ficando conhecido como gamopatia de significado incerto ou inconclusivo. Essa doença acomete até 1% da população geral, em particular indivíduos mais velhos, e pode ou não evoluir até o estágio de mieloma múltiplo. A doença passa de gamopatia de significado incerto


publieditorial

para mieloma indolente e, finalmente, para mieloma múltiplo – aumentando o número de plasmócitos anormais, com alterações em outros órgãos, como rins e ossos, e acompanhado de alterações genéticas. Em relação à compreensão do meio ambiente celular, o avanço foi muito importante porque o mieloma múltiplo é muito diferente de outras neoplasias, já que existe uma estreita correlação das células do mieloma com o seu meio. A célula do mieloma secreta substâncias que estimulam outras células não malignas na medula óssea e, por outro lado, essas células estimuladas secretam substâncias que promovem a progressão do mieloma. Em termos de tratamento o que mudou? Podemos destacar em primeiro lugar a incorporação do transplante de células-tronco autólogas combinado com melfalano. Depois, com o avanço do conhecimento sobre a biologia da doença, tivemos o desenvolvimento dos inibidores do proteassoma. Essas moléculas têm como alvo uma estrutura citoplasmática importante para o processamento de degradação de proteínas que, quando inibida, leva à morte do plasmócito do mieloma. O desenvolvimento das drogas imunomoduladoras, tais como a talidomida e mais recentemente a lenalidomida, também foram essenciais para a melhora do prognóstico. Por último, tivemos a incorporação dos anticorpos monoclonais. A combinação dos imunomoduladores, dos anticorpos monoclonais, do transplante autólogo e dos inibidores do proteassoma é o que temos em mãos para melhorar o prognóstico desses pacientes. Após mais de oito anos de espera, a lenalidomida foi aprovada pela Anvisa e está disponível no Brasil. O que representa essa chegada do medicamento? Houve uma espera muito grande pela aprovação da lenalidomida. Havia uma preocupação com o grupo dos imunomoduladores em relação ao efeito teratogênico, que ficou muito conhecido com a história da talidomida. Mas a chegada da medicação é um grande avanço. Ela poderá ser utilizada nos pacientes com mieloma refratário ou recidivado após um esquema prévio de tratamento. Foi aprovada, no momento,

em combinação com dexametasona, mas existem muitos estudos com outras indicações que provavelmente serão incorporadas em breve no Brasil. A indicação em bula atual é muito importante, porque para esse grupo de pacientes as opções de tratamento eram bastante restritas. A recidiva no mieloma ainda é muito comum. Qual a melhor maneira de lidar com esses casos? O novo tratamento para doença recidivada leva vários aspectos em consideração. Precisamos saber que tipo de tratamento o paciente fez inicialmente, que tipo de resposta teve no primeiro tratamento e quanto tempo ela durou. Por exemplo, para um paciente com uma resposta muito boa, talvez possamos considerar um grupo de drogas em vez de outro. Mas precisamos saber se o paciente já foi ou não transplantado e se tem condições físicas para o transplante. A condução dos casos de mieloma deve ser sempre feita por um hematologista e de preferência em grandes centros, que vejam um bom número de pacientes, porque existem várias peculiaridades. É um tema que está em constante mudança e, portanto, é importante ter a opinião de um especialista no assunto. Qual é hoje o papel da imunoterapia no tratamento do mieloma e os principais desafios? Sem dúvida, os resultados observados com a adição do anticorpo anti-CD38 na terapia do mieloma múltiplo foram muito bons. Por isso nesse momento discute-se na comunidade da hematologia internacional se os anticorpos monoclonais devem fazer parte do que chamamos de back bone do tratamento, ou seja, se devem ser incorporados a diferentes linhas do tratamento e associados a outras drogas. Quando o transplante autólogo é uma alternativa? O transplante autólogo continua sendo uma alternativa. Ele tem um papel muito importante desde que os estudos de um grupo espanhol mostraram a sua relevância para o controle da doença. A inclusão das novas drogas ainda não o substitui. Elas vêm para acrescentar alternativas complementares ao tratamento. >>


Uma grande novidade tem sido o uso das CAR-T cells para o tratamento de doenças hematológicas como a leucemia. Quando podemos esperar que isso chegue à prática clínica para o mieloma? As CAR-T cells usam linfócitos T manipulados geneticamente ex vivo para reagir contra antígenos, que podem ser as células dos plasmócitos do mieloma múltiplo. Tivemos resultados iniciais muito bons e há estudos em andamento, em particular analisando pacientes que recaíram após várias linhas de tratamento. Mas ainda existem muitas dúvidas sobre essa abordagem. Não sabemos como ela vai ser incorporada na prática clínica por causa das dificuldades intrínsecas ao método, como logística e desafios técnicos na produção e expansão das células T ex vivo. E isso é válido para o mieloma múltiplo e para as demais indicações de CAR-T cell, como as doenças linfoproliferativas e a leucemia linfoide aguda. Muitos estudos falam do problema da detecção precoce do mieloma no Brasil. O que pode ser feito para melhorar o rastreio? A detecção precoce do mieloma múltiplo é um problema mundial, mas no Brasil isso fica mais evidente. Muitas vezes, são pacientes mais idosos com pouca sintomatologia. Podem apresentar apenas anemia ou dores ósseas, que se confundem com as lombalgias e com as osteoartroses, tão comuns nessa faixa etária. Mas temos que fazer campanha com os colegas geriatras e ortopedistas para que pensem no mieloma múltiplo como um diagnóstico diferencial da anemia, da lombalgia e de alterações da função renal. Destaca-se nesse cenário a importância de um exame relativamente simples: a eletroforese de proteína. Um exame de sangue barato capaz de detectar na maior parte dos casos de mieloma a proteína anormal característica da doença, que aparece descrita como “presença de pico monoclonal”. Nós hematologistas precisamos sempre levar essa lembrança aos demais especialistas para facilitar o diagnóstico precoce, quer no sistema de saúde público, quer no privado. //

O mieloma múltiplo é muito diferente de outras neoplasias, já que existe uma estreita correlação das células do mieloma com o seu meio."


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ENTENDENDO A DOENÇA E O SEU MICROAMBIENTE por Vítor Sforni

O

mieloma múltiplo é uma neoplasia de células imunológicas, conhecidas como plasmócitos, especializadas na produção de imunoglobulinas. O clone neoplásico provavelmente se origina nos linfonodos a partir de linfócitos B que adquiriram lesões genômicas após estimulação antigênica e passagem pelo centro germinativo. Os linfócitos B neoplásicos saem dos linfonodos e migram para a medula óssea, onde se diferenciam em plasmócitos maduros e passam a corromper progressivamente os processos fisiológicos locais de modo a garantir sua sobrevivência, proliferação e expansão. O microambiente medular é composto por uma miríade de células que incluem osteoblastos, osteoclastos, células endoteliais, linfócitos T citotóxicos, linfócitos T reguladores, linfócitos NK, macrófagos, fibroblastos, células estromais, adipócitos, células dendríticas e células supressoras mieloides. Os plasmócitos neoplásicos interagem bidirecionalmente, direta ou indiretamente, com todas essas células, as quais também interagem entre si através de citocinas, moléculas de adesão, exossomos, microRNAs, adipocinas, fatores de crescimento e modificações epigenéticas. Acrescentando mais um nível de complexidade, o microambiente medular não é homogêneo. Existe uma organização tridimensional de todos esses componentes que, associada a um gradiente de oxigênio, subdividem o microambiente medular em compartimentos menores (nichos) especializados em funções específicas da hematopoese. Os plasmócitos neoplásicos ocupam dois nichos dentro do microambiente medular. No nicho vascular, longe das trabéculas ósseas, próximo dos vasos e com maior oxigenação, residem as células com maior taxa de duplicação que correspondem à maior parte da carga tumoral. No nicho endosteal, próximo das trabéculas ósseas, longe dos vasos e com menor

oxigenação, residem as células com menor potencial proliferativo, maior resistência à quimioterapia e mais protegidas do sistema imunológico. Nesse modelo, o arsenal terapêutico atual seria mais eficiente na erradicação dos plasmócitos no nicho vascular, o que levaria à remissão clínica da doença. Contudo, os plasmócitos no nicho endosteal sobreviveriam e seriam responsáveis pela regeneração do nicho vascular e sua subsequente recaída.

O domínio do microambiente favorece o desenvolvimento da neoplasia e provoca diversos efeitos deletérios ao hospedeiro:

→ Aumento da angiogênese; → Imunossupressão, permitindo que a neoplasia seja tolerada pelas células imunes do hospedeiro e promovendo suscetibilidade a infecções; → Aumento da carga tumoral por estímulo à proliferação e inibição da apoptose dos plasmócitos malignos; → Indução de resistência à quimioterapia; → Desequilíbrio do metabolismo ósseo com predomínio da reabsorção óssea, levando a lesões líticas, fraturas e hipercalcemia; → Comprometimento da hematopoese com citopenias progressivas. A introdução das drogas imunomoduladoras, dos inibidores do proteossoma e, mais recentemente, dos anticorpos monoclonais revolucionou o tratamento do mieloma múltiplo, proporcionando maiores taxas de resposta, muito mais profundas e duradouras do que aquelas obtidas com terapias anteriores. Esses fármacos não somente agem diretamente no clone neoplásico como também têm efeitos terapêuticos importantes que derivam das modificações promovidas no microambiente medular. A eficácia sem precedentes dessas novas armas terapêuticas talvez seja a maior prova da importância desse sistema altamente complexo de interações neoplasia-microambiente na patogenia da doença. >>

Vítor Sforni é Médico hematologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Coordenador da hematologia da Oncologia D’Or no Distrito Federal


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Diagnóstico e avaliação laboratorial das gamopatias por Renata Lyrio

A Renata Lyrio é Hematologista da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Oncologia D’Or

gamopatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI) é uma desordem pré-maligna de plasmócitos clonais caracterizada pela presença de proteína sérica clonal (PtnM), menos de 10% de plasmócitos na medula e ausência de critérios para o diagnóstico de mieloma múltiplo ou outra neoplasia linfoplasmacítica . A incidência de GMSI na população geral acima de 50 anos é de cerca de 3%. A GMSI é considerada um requisito para o desenvolvimento de mieloma múltiplo, assim como para o desenvolvimento de amiloidose de cadeia leve e macroglobulinemia de Waldestron, e pode ser detectada anos antes do

diagnóstico dessas entidades . Existem três tipos de GMSI: tipo IgM, tipo não IgM e tipo cadeia leve, cada uma com tipos e taxas de progressão distintos. A GMSI é de importância clínica considerável por alguns motivos: sua alta prevalência na população geral; o risco persistente de progressão para uma neoplasia linfoplasmocitica; e a associação causal conhecida com doenças não malignas graves. Apesar de a maioria dos casos ser esporádica, parece existir uma suscetibilidade germinativa . Esse dado leva ao questionamento se pacientes de mais alto risco devem ser submetidos a screening. Apesar de não existirem medidas preventivas ou

Algoritmo sugerido para realização de biópsia de medula óssea e inventário ósseo em pacientes com gamopatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI)

Suspeita de

GMSI

Baixo risco

não complicada

<1,5mg/dL, tipo IgG, razão FLC normal ou IgM<1,5mg/dL ou GMSI de cadeira leve com razão FLC<8

outros pacientes

Ausência de sintomas

não justificados por outras causas ou alterações laboratoriais relacionadas aos distúrbios plasmocitários

Biópsia de medula óssea e inventário ósseo podem não ser realizados nesse momento

devem ser realizados na GMSI do tipo não IgM

com TC de corpo inteiro de baixa dose ou Rx de esqueleto convencional


tratamento, esses pacientes podem se beneficiar de um follow-up periódico para evitar complicações potencialmente graves. O diagnóstico é geralmente acidental quando uma PtnM sérica menor do que 3g/dL é documentada durante a investigação de uma desordem . Os pacientes com PtnM detectada devem ser submetidos a alguns exames laboratoriais para definir se se trata de uma GMSI ou de uma neoplasia linfoplasmocítica. Os exames são: hemograma, cálcio e creatinina séricos, eletroforese e imunofixação de proteínas séricas e urinárias; quantificação das imunoglobulinas séricas; e dosagem de cadeia livre leve sérica. A biópsia de medula óssea e o inventário ósseo devem ser realizados. Por definição, para o diagnóstico de GMSI é preciso haver presença de menos de 10% de plasmócitos na medula óssea e ausência de lesões líticas . Os pacientes com GMSI de baixo risco podem ser poupados desses exames uma vez que a probabilidade de achados alterados é muito baixa, em torno de 4%. Pelos critérios da Clínica Mayo, são considerados de baixo risco os pacientes com PtnM sérica <= 1,5g/dL, imunoglobulina isotipo IgG e razão de cadeia livre leve sérica normal . Esses pacientes devem ser acompanhados seguindo a orientação dos guidelines específicos pelo risco de progressão para neoplasia linfoplasmocítica . >> 1 Rajkumar SV, Dimopoulos MA,

Palumbo A, et al. International Myeloma Working Group updated criteria for the diagnosis of multiple myeloma. Lancet Oncol. 2014;15(12): e538-e548.

2 Landgren O, Kyle RA, Pfeiffer RM,

et al. Monoclonal gammopathy of undetermined significance (MGUS) consistently precedes multiple myeloma: a prospective study. Blood. 2009;113(22):5412-5417.

4 Greenberg AJ, Rajkumar SV,

Vachon CM. Familial monoclonal gammopathy of undetermined significance and multiple myeloma: epidemiology, risk factors, and biological characteristics. Blood 2012; 119:5359.

5 Berenson JR, Anderson KC,

Audell RA, et al. Monoclonal gammopathy of undetermined significance: a consensus statement. Br J Haematol 2010; 150:28.

6 Rajan AM, Rajkumar SV. Diagnostic

evaluation of monoclonal gammopathy of undetermined significance. Eur J Haematol. 2013;91(6): 561-562. 7 Mangiacavalli S, Cocito F,

Pochintesta L, et al. Monoclonal gammopathy of undetermined significance: a new proposal of workup. Eur J Haematol 2013; 91:356.

8 Go RS, Rajkumar SV. How I manage

monoclonal gammopathy of undetermined significance. Blood 2018;131:163.

3

%

é a incidência de GMSI na população de 50 anos


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Avanços no tratamento do mieloma múltiplo por Edvan de Queiroz Crusoé

O

Edvan de Queiroz Crusoé é Hematologista do Hospital Universitário Professor Edgar Santos – Universidade Federal da Bahia (UFBA); Hematologista do Cehon – Oncologia D’Or; Mestre e doutor pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo.

mieloma múltiplo é a segunda neoplasia hematológica mais comum. A casuística americana revela cerca de 30 mil novos casos por ano nos EUA. Os dados epidemiológicos brasileiros são escassos, mas estudos aqui desenvolvidos revelam semelhança numérica. As terapias para o câncer vêm passando por grande transformação, e o mieloma múltiplo é um exemplo feliz. A melhora na sobrevida do mieloma foi, talvez, a principal história de sucesso contra o câncer nos anos iniciais do século 21. Isso se deve às importantes descobertas na fisiopatologia da doença. A identificação de potenciais alvos terapêuticos trouxe uma revolução no tratamento com o incremento de novos agentes. Nos últimos anos, outro importante avanço foi o conhecimento da presença de distintos subclones, reforçando que a essência do tratamento está baseada na combinação de quimioterápicos como tentativa de um cerco mais efetivo às células tumorais. Os imunoduladores, os inibidores de proteassoma e, mais recentemente, os anticorpos monoclonais, permitiram o aprofundamento de respostas, com poucos ou mais toleráveis efeitos colaterais. A classe de agentes imunomoduladores já demonstrou um potencial de estímulo aos linfócitos antitumorais (células NK e linfócitos T citotóxicos) do próprio indivíduo contra o tumor. Com o avanço do tratamento baseado nos atuais anticorpos monoclonais, foi revelada ainda uma face complementar da imunoterapia. Foi identificado o potencial reestabelecimento do sis-

Terapia do mieloma no Brasil

tema imune, que, indiretamente, reforça a ação antitumoral por reconstituição de linfócitos citotóxicos e redução de linfócitos reguladores (imunossupressores), além de ação citotóxica direta às células tumorais por vias celulares, fagocíticas e do complemento. Com toda essa evolução, o uso de agentes quimioterápicos considerados clássicos (alquilantes, antracíclicos) pode ficar fadado ao passado da terapia. A inovação tecnológica segue. Formas revolucionárias de tratar que já são uma prática real em outras neoplasias vêm sendo estudadas no mieloma múltiplo. O uso de anticorpos biespecíficos (BiTes), anticorpos combinados com quimioterapias e ainda de terapias com células modificadas e/ou potencializadas com proteínas quiméricas (CAR-T Cells) permitiram respostas que já não eram esperadas pelas terapias disponíveis e até a cura de alguns pacientes. Apesar da não termos dados de longo seguimento para avaliação da sobrevida real com as novas terapias, muitos especialistas projetam a sobrevida para mais de dez anos. Como o mieloma é tipicamente diagnosticado em indivíduos idosos (65-70 anos), isso poderá significar que alguns pacientes sobreviverão com uma doença crônica e não como causa de morte. // 1 Siegel RL, Miller KD, Jemal A. Cancer statistics, 2018. CA Cancer J Clin 2018; 68:7-30. 2 Fonseca, R. et al. (2017) Trends in overall survival and costs of Multiple

myeloma, 2000–2014. Leukemia 31, 1915–1921

3 Kumar, S. K. et al. Multiple myeloma. Nat. Rev. Dis. Primers, v. 3, 17046, 2017. 4 Van de Donk NW, Janmaat ML, Mutis T, Lammerts van Bueren

J, Ahmadi T,et al. Monoclonal antibodies targeting CD38 in hematological malignancies and beyond. Immunol Rev. 2016 Mar;270(1):95-112.

5 Hungria VT, Maiolino A, Martinez G, Duarte GO, Bittencourt R, et al. Observational

study of multiple myeloma in Latin America. Ann Hematol. 2017 Jan;96(1):65-72.

Elotuzumabe

Evolução dos medicamentos

imid

2000

Thalidomida

Bortezomibe

2006

2007

Doxorrubicin a lipossomal

Carfilzomibe

2015

2016

Lenalidomida

Daratumumabe

2017

quimioterapia

2018

Ixazomibe

anticorpos monoclonais Inibidores de proteassoma


d i s c u s s ã o d e c a s o 31

CÂNCER DE PRÓSTATA LOCALIZADO: O papel da discussão multidisciplinar

Ficha do paciente: iniciais

t.m.

Sexo: masculino Idade: 76 anos Neoplasia: adenocarcinoma de próstata

apresentação Deusdedit Cortez Neto

fotos: shutterstock e arquivo pessoal

Médico urologista da Santa Casa de SP e do Hospital São Luiz Itaim (Rede D’Or). Mestre em Uro-Oncologia – A.C. Camargo Cancer Center   vieiradasilva@gmail.com

P

aciente do sexo masculino, 76 anos, médico, oriental, com histórico de aumento de PSA (valor: 6 ng/dl) há cinco anos, com biópsia prostática da época evidenciando apenas prostatite e atrofia prostática. Após cinco anos sem acompanhamento, uma nova avaliação mostrou PSA de 16 ng/dl e toque retal com área endurecida em lobo direito da próstata com suspeita de extensão extraprostática. Foi solicitada uma ressonância magnética (RM) da próstata para guiar a biópsia nas áreas mais suspeitas e para estadiamento locorregional. A RM mostrou uma próstata de 40, com extensa área de PI-RADS 5 acometendo quase todo o lobo direito, além de sinais de

extensão extraprostática e de invasão de vesícula seminal direita. O plano de clivagem com o reto era bom e não havia sinais de linfonodomegalias pélvicas. A biópsia transretal da próstata por fusão de imagens (US e RNM) evidenciou adenocarcinoma acinar usual de próstata em 7 de 14 fragmentos, sendo 6 fragmentos à direita (Gleason 4+3 / ISUP 3, com mais de 50% dos fragmentos acometidos) e 1 fragmento em ápice esquerdo (Gleason 3+4 / ISUP 2). Na avaliação clínica, o paciente apresentava bom performance status (ECOG 1 / KPS 90), diabetes e hipertensão (ambas controladas), osteoporose, espondilite anquilosante com artrodese de coluna cervicotorácica (5 níveis) e significativa curvatura cervical, ASA 2 e risco cardíaco de Goldman classe 2. Para o estadiamento sistêmico foram realizadas cintilografia óssea, ressonância pélvica e tomografia de tórax, sem sinais de doença metastática, com estadiamento clínico: cT3aN�M�. >>


32 d i s c u s s ã o d e c a s o cirurgia

A

pesar da idade, trata-se de paciente com bom performance status e de família longeva, com expectativa de vida maior que dez anos. Tratava-se de um tumor de alto risco por ser localmente avançado (cT3a). O caso foi discutido de maneira multidisciplinar, tendo como opções de tratamento a radioterapia (com ou sem hormonioterapia) e a prostatectomia. Entre as opções possíveis para tratamento primário, a cirurgia foi a escolha do paciente e da equipe médica, conforme explicaremos. A prostatectomia radical pode ser realizada por três vias: aberta, laparoscópica clássica ou laparoscópica assistida por robô. O mais importante para um bom resultado oncológico e funcional é a experiência do cirurgião na via escolhida. Recentemente, um artigo prospectivo e randomizado apresentou os resultados oncológicos e funcionais na comparação entre a via aberta e a laparoscópica robô-assistida [Lancet Oncol 2018; 19:1051]. As vantagens de uma abordagem minimamente invasiva foram evidentes e favoráveis à técnica robô-assistida (menor tempo de internação, menor sangramento intraoperatório e recuperação pós-operatória mais rápida). Em 24 meses de pós-operatório não houve diferença nos resultados funcionais de continência (EPIC score) e de potência (IIEF). Os resultados oncológicos também foram semelhantes entre os grupos, sem inferioridade da robótica em relação à técnica aberta. Vale ressaltar que os casos de cirurgia por via aberta foram realizados por cirurgião com mais de 1,5 mil casos abertos de experiência, enquanto os casos robô-assistidos foram realizados por cirurgião com experiência de 200 casos robóticos antes do estudo. Nesse caso clínico, a opção foi a via aberta, diante da dificuldade do posicionamento em Trendelenburg causada pela deformidade anatômica da coluna cervicotorácica. Por se tratar de doença de alto risco, o risco de acometimento linfonodal era maior que 5% no Nomograma de Briganti [Eur Urol 2012;61:480] e maior que 2% no nomograma do MSKCC. Optou-se também pela linfadenectomia estendida abordando as cadeias linfonodais obturatória, ilíaca externa, ilíaca interna e ilíaca comum até cruzamento dos ureteres, bilateralmente [BJU Int 2010;106:537]. O exame anatomopatológico revelou adenocarcinoma acinar usual Gleason 4+5 / ISUP 5, acometendo 15% da glândula, bilateralmente, com presença de extensão extraprostática em

região posterior direita, com invasão de vesícula seminal desse mesmo lado. As margens cirúrgicas foram livres de neoplasia. Foram ressecados 23 linfonodos, nenhum deles comprometido (pT3b pN0 pMx). O paciente teve boa evolução pós-operatória, com PSA indetectável no PO 30 dias (<0,003). Então discutimos a necessidade (ou não) de tratamento complementar com radioterapia e/ou hormonioterapia.

Radioterapia Flavia Gabrielli

Médica radioncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp/HCFMUSP) e da Oncologia D’Or São Paulo   flavia.gabrielli@oncologiador.com.br

A

evolução tecnológica da radioterapia (RT) nos últimos 20 anos, com a consolidação do uso de tratamentos tridimensionais conformados, possibilitou o aumento da dose de radiação nos tratamentos de câncer de próstata, com maiores taxas de controle bioquímico e menores taxas de toxicidade associadas. São dados robustos, vindos do seguimento de pacientes incluídos em estudos prospectivos e randomizados, cujos resultados de longo seguimento já foram publicados [JAMA Oncol 2015;1:897]. Novas ferramentas foram desenvolvidas, como a radioterapia com modulação da intensidade do feixe (IMRT) e guiada por imagem (IGRT), que permitiram a redução das taxas de retite grave para aproximadamente 5% [Int J Radiat Oncol Biol Phys 2008; 70:1124]. Assim, a RT para o câncer de próstata consolidou-se como uma opção segura e eficiente para o tratamento com intenção curativa, com taxas de controle bioquímico por volta de 75% em cinco anos na doença de alto risco, que se elevam significativamente com a associação de bloqueio hormonal de longo prazo, chegando a 85% em cinco anos, com impacto positivo também para o desfecho de sobrevida global [Lancet 2010; 11:1066 , JCO 2009; 27:92]. A principal vantagem da RT para o câncer de próstata é evitar as possíveis complicações relacionadas à cirurgia, especialmente em pacientes com comorbidades clínicas. Por outro lado, pode-se dizer que o maior inconveniente para os pacientes que optam pela RT é a necessidade de


fotos: arquivo pessoal

uro

comparecimento diário, cinco vezes por semana, durante aproximadamente oito semanas. Felizmente, as opções de tratamento hipofracionado, ou seja, com menor número total de dias de tratamento, mas com maior dose por dia, são uma tendência nos serviços de RT que dispõem de alta tecnologia [JCO 2013; 31:3860]. Idealmente, a opção de RT ou cirurgia deve ser discutida com o paciente, com o detalhamento dos métodos, objetivos e toxicidades, permitindo que ele participe da decisão sobre seu tratamento. Essa foi a conduta nesse caso e o paciente optou pela cirurgia. Com o resultado do anatomopatológico, que evidenciou margens negativas mas diversas características de mau prognóstico – como extenso extravasamento extracapsular, invasão das vesículas seminais e escore de Gleason 9 (4+5) –, foi necessária nova discussão sobre a RT no cenário adjuvante. Não há, até o momento, estudos prospectivos e randomizados que comparem os desfechos com a indicação de RT em adjuvância ou salvamento precoce, o que acaba por tornar a decisão sobre a RT ainda mais complexa para pacientes de alto risco. Contudo, um intrigante estudo de uma coorte multi-institucional de pouco mais de 1,5 mil pacientes realizou uma comparação [JAMA Oncol 2018; 4:e175230]. Nesse estudo, houve melhores desfechos para os pacientes com fatores patológicos adversos submetidos à adjuvância, se comparados com aqueles que foram submetidos ao salvamento precoce, tanto na avaliação de falha bioquímica (69% [IC 95%, 60%-76%] vs. 43% [IC 95%, 35%-51%]) quanto na sobrevida livre de metástases a distância (95% [IC 95%, 90%-97%] vs. 85% [IC 95%,76%-90%]) e na sobrevida global (91% [IC 95%, 84%-95%] vs. 79% [IC 95%, 69%-86%]). A publicação de um guia de condutas da Associação Americana de Radioterapia (ASTRO) em conjunto com a Associação Americana de Urologia (AUA) fortaleceu a integração multidisciplinar para a avaliação desses casos [J Urol 2013; 190:441-449]. Nesse guia, a RT adjuvante é considerada uma opção para os pacientes com PSA persistentemente detectável ou com achados patológicos de mau prognóstico, como extensão extracapsular, margens positivas (especialmente se difusas) e invasão de vesículas seminais. Recomenda-se, ainda, que haja a recuperação e a estabilização dos sintomas pós-operatórios antes do início dessa adjuvância, que pode ser realizada em até um ano.

desfecho Daniel Fernandes Saragiotto Oncologista da Onco Star, do Hospital São Luiz Itaim (Rede D’Or) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp/HCFMUSP)   daniel.saragiotto@oncologiador.com.br

N

este caso inicialmente debatemos, além da opção de tratamento cirúrgico, a radioterapia associada à hormonioterapia, por se tratar de um tumor de alto risco. A associação de hormonioterapia com análogos de LHRH (por dois a três anos) comparada com a radioterapia isolada mostrou na literatura médica melhores desfechos, como sobrevida livre de doença, sobrevida câncer-específica, progressão local, metástases à distância, recidiva bioquímica [J Clin Oncol 2003;21:3972 e J Clin Oncol 2008;26:2497] e sobrevida global [N Engl J Med 2009;360:2516]. Escolhida a cirurgia, a avaliação do resultado anatomopatológico (aqui um pT3b pN0, Gleason 9 / ISUP 5, extensão extraprostática e invasão de vesícula seminal) e da evolução pós-operatória do PSA é fundamental para a discussão da necessidade do tratamento complementar. Apesar dessas características, que levam a um maior risco de recidiva local e progressão, considerando-se as comorbidades, a idade e o valor do PSA no pós-operatório (<0,003) e a ausência de claro benefício de sobrevida global, optamos por não indicar tratamento adjuvante para esse paciente, mantendo-o em seguimento com dosagem de PSA periódica e consideração de radioterapia de salvamento precoce no futuro. A discussão deste caso mostra os desafios que urologistas, oncologistas e rádio-oncologistas enfrentam no dia a dia. Determinar o tratamento do câncer de próstata é uma tarefa que cada vez mais exige discussão multidisciplinar de cada caso. Diversas variáveis têm que ser consideradas, inerentes à doença (escore de Gleason, estadiamento, PSA), ao paciente (idade, comorbidades, sintomas, expectativa de vida) e às modalidades terapêuticas (evidência científica, eficácia, segurança, toxicidades e efeitos adversos), para podermos propor as diversas opções e ajudar o paciente em sua decisão. //

33


34 g e s t ã o

Raio x da

população

médica Apesar do aumento do número de profissionais, pesquisa demográfica expõe desigualdade na distribuição geográfica de especialidades pelo país POR  Renata Fontanetto

D

e um lado, distribuição desigual de médicos por região. Do outro, aumento do número de profissionais jovens e do sexo feminino. Esses são alguns dos destaques da Demografia Médica no Brasil 2018, estudo que mapeou características da população médica no país. Os mais de 452 mil profissionais atuantes presenciam realidades conflitantes, como a discrepância entre grandes centros e interior: as 27 capitais concentram 55,1% da força médica, mas abrigam menos de um quarto da população. A pesquisa foi conduzida pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

O estudo revela um aumento de quase 100 mil no número de médicos desde 2010. Segundo os autores, a expansão se deve à abertura de novas escolas médicas. Em artigo de 2015 publicado na Human Resources for Health, os médicos Mário Scheffer, da USP, e Mario Dal Poz, da Uerj, autores também da demografia, comentam que o Programa Mais Médicos contribuiu para a expansão dos cursos de graduação pelo país. Em 2014, havia 241 cursos; em 2017, segundo a Demografia Médica deste ano, 289. A maioria dos cursos é privada. As vagas em escolas particulares representam 65% do total ofertado anualmente. A relação entre público e privado também pode ser observada sob outros ângulos. Segundo Aline Guilloux, veterinária e pesquisa-

Média Nacional

2,18

médicos por mil habitantes dora assistente do estudo, a crise financeira representa precarização das relações de trabalho no sistema público e um possível aumento de pacientes no SUS. “A tendência é que os médicos migrem para o setor privado mais rapidamente. Por outro lado, imaginamos que a alternativa de pessoas desempregadas que antes tinham plano de saúde seja o SUS. A demanda aumenta, os tempos de espera aumentam e a população mais vulnerável pode ter ainda mais dificuldade de acesso ao sistema”, explica a pesquisadora.


Onde estão os médicos no Brasil? Existe uma concentração desigual de profissionais por região do país (%)

Principais especialidades Quatro especialidades representam 38,4% de todos os títulos de especialista no país

%

54,1%

50 40

11,2% 10,3%

30 20 10

8%

17,8% 15,2% 8,3%

Clínica Médica (42.728)

4,6%

0 Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste (1,16) (1,41) (2,81) (2,31) (2,36) Médicos por mil habitantes. fonte: Scheffer M. et al., Demografia médica no brasil 2018

foto e ilustrações: shutterstock

8,9%

A falta de médicos em determinadas regiões é outro cenário apontado pelo estudo. A maioria está no Sudeste. A região tem taxa de 2,8 médicos por mil habitantes, contra 1,1 no Norte. A tendência de concentração nas capitais também é apontada no estudo. As capitais das 27 unidades da federação reúnem 23,8% da população e 55,1% dos médicos. Mais da metade dos registros de médicos em atividade se concentra nas capitais, onde mora menos de um quarto da população do país. A razão das 27 capitais é de 5,07 médicos por mil habitantes. No interior, esse índice é de 1,28, ou seja, 3,9 vezes menor. “Experiências de outros países apontam que não há solução única ou duradoura para esse fenômeno, sendo recomendada a associação

Pediatria (39.234) Cirurgia Geral (34.065) Ginecologia e Obstetrícia (30.415)

de medidas regulatórias e incentivos financeiros”, ressalta a pesquisa. Em estudo de junho de 2012, o Conselho Federal de Medicina e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo já haviam alertado que a meta do então governo de – 2,5 médicos por mil habitantes – não se apoiava em fundamentação científica. Sem políticas claras de formação e estímulo à educação adequada, os novos médicos se concentrariam onde já há muitos.

Mais jovens e mulheres

O fato de 43% das vagas de graduação estarem nas capitais é outro dado que pode contribuir para a concentração de médicos nessas localidades, além das condições de trabalho e qualidade de vida. Segundo a pesquisa, “é baixa a in-

fluência de escolas do interior em fixar os médicos, depois de formados, no local onde estudaram”. A entrada de novos profissionais ocasionou outro fenômeno: a redução da média de idade, que agora é de 45 anos. Entre as cinco áreas com menor média de idade – de 42,6 a 44,2 anos –, duas tratam do câncer: cirurgia oncológica e oncologia clínica, recentemente formalizadas como especialidades distintas. Além disso, as mulheres já são maioria entre os recém-formados e entre aqueles com menos de 35 anos. “O que é preocupante é que ainda há diferença salarial entre homens e mulheres mesmo quando se trata de profissionais com o mesmo tipo de especialidade, carga horária e tempo de prática”, esclarece Aline Guilloux. >>


Especialidades ligadas ao câncer Diferentes especialidades que participam do cuidado e detecção de neoplasias Mastologia

11,1% 45.800

Urologia

1,4% 5.328

Gastroenterologia 1,3% 4.881 Oncologia Clínica

0,9%

Pneumologia

0,9% 3.412

3.583

Coloproctologia 0,5% 1.950 Geriatria

0,5% 1.817

Cirurgia Oncológica

0,3%

Radioterapia

0,2% 734

Quem trata do câncer

1.190

Atualmente, há 59 especialidades reconhecidas no país. Nunca houve tantos médicos com títulos de especialistas – são mais de 280 mil. Isso se deve ao aumento do número de programas de residência médica. Destes, 3.583 são oncologistas clínicos, e a expectativa é que esse número aumente. “Vários municípios estão iniciando serviços de oncologia, então dentro de dez anos teremos cerca de 10 mil oncologistas clínicos no país, o que é considerado um bom número”, avalia o médico Sérgio Simon, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). A concentração de especialidades no Sul e no Sudeste do país, no entanto, também é uma realidade na oncologia. No Sudeste, estão

concentrados 46,5% dos oncologistas do país. Do total de profissionais, quase um terço (1.037) está no estado de São Paulo. Já estados como Tocantins, Amapá, Acre e Roraima têm apenas 16, 10, 6 e 5 profissionais, respectivamente. Um estudo publicado em 2017 no Brazilian Journal of Oncology analisou as perspectivas para 2020 na oncologia médica e destaca que o Centro-Oeste parece ser a região mais crítica do país em cuidados dessa especialidade. Na projeção feita pelo estudo, o Centro-Oeste é o único que apresentou crescimento (68,9%) no número de novos pacientes com câncer por médico oncologista: de 341 em 2014 para 576 em 2020. Isso se deve à tendência do aumento da incidência de câncer na população combinada com a baixa

oferta de residência em oncologia na região. Mesmo com o aumento de 100% em vagas de treinamento entre 2006 e 2014, o número permanece aquém da demanda. A má distribuição desses números contrasta com a realidade de que o câncer vai se tornar a primeira causa de morte no país até 2030. Simon ressalta a necessidade de uma redistribuição de profissionais para as regiões desassistidas. “Precisamos atrair médicos para estados como Roraima, Acre e Piauí, mas as condições de trabalho são precárias. O sistema público precisa melhorar e capacitar melhor os profissionais. Não adianta formar um radioterapeuta e enviá-lo a municípios onde não há equipamentos de radioterapia”, defende o médico. A oncologia é uma área que dialoga com outros campos, já que o tratamento do câncer é multidisciplinar. O quantitativo de profissionais nas especialidades médicas ligadas à oncologia não é a única questão a ser endereçada, no entanto. Hoje, de acordo com Simon, o acesso aos serviços de saúde na esfera privada é mais fácil, o que garante melhor sobrevida ao paciente tratado nesse sistema. “Os tratamentos pagos pelo SUS são antiquados. É preciso ter uma gestão mais focada e gastar em tratamentos melhores. A SBOC está trabalhando com o Ministério da Saúde para tentar eliminar obstáculos na aquisição de drogas novas e mais eficazes”, explica o médico. A seu ver, pensando no futuro, duas áreas são prioritárias: o diagnóstico e a prevenção da doença. //

ilustrações: shutterstock

36 g e s t ã o



38 d o b e m

Cuidado que

começa pela boca Cirurgião-dentista tem papel fundamental na detecção precoce do câncer de boca e orofaringe e no acompanhamento do paciente em tratamento, minimizando efeitos colaterais

A

por  Martha San Juan

prevenção do câncer de cavidade oral (boca e orofaringe) começa na visita ao cirurgião-dentista. É ele quem primeiro pode detectar sinais como placas esbranquiçadas, lesões avermelhadas e feridas que não cicatrizam na mucosa bucal, gengivas, palato duro, língua e assoalho da boca. Se tiver alguma suspeita, o cirurgião-dentista encaminha o paciente a um colega especializado em estomatologia, área da odontologia cuja finalidade é prevenir, diagnosticar e tratar quaisquer doenças que se manifestam na cavidade bucal e no complexo maxilomandibular. “O cirurgião-dentista sabe até mais do que o médico sobre essas doenças, porque vê boca 24 horas por dia, sabe o padrão de sinais, sintomas e fatores de risco relacionados à etiologia do câncer”, afirma o estomatologista Artur Cerri, coordenador dos cursos de pós-graduação da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD). A APCD realiza atividades periódicas de reciclagem profissional e ensino de oncologia não só no estado de São Paulo, mas em parceria com a associação brasileira, com ênfase na prevenção e na realização do exame clínico detalhado da cavidade bucal para detecção de lesões suspeitas e tumores não sintomáticos. Até recentemente, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) preconizava o autoexame e o rastreamento populacional como medidas para reduzir o número de novos casos de câncer de boca e de orofaringe ou baixar a mortalidade pela doença. “No entanto, vimos que fica difícil para

os pacientes detectar precocemente os sinais de lesões potencialmente malignas, principalmente quando não apresentam sintoma”, afirma o cirurgião-dentista Héliton Spindola Antunes, pesquisador da Coordenação da Pesquisa Clínica do Inca. “Quando procuram o profissional, esses pacientes, infelizmente, já estão com o tumor em estado avançado.” Atualmente, para a detecção precoce da doença, além dos cuidados com a saúde bucal de rotina, o Inca recomenda procurar de imediato o dentista caso surja uma lesão na boca que não cicatrize em até quinze dias. O diagnóstico é feito com um exame simples, que requer um espelho odontológico, foco de luz e um abaixador de língua. “Todas as partes da mucosa da boca devem ser examinadas”, enfatiza o diretor do Departamento de Estomatologia do A.C.Camargo Center, Fábio de Abreu Alves. “É feita uma investigação minuciosa mesmo em locais de difícil visualização, como a borda posterior da língua e o palato mole.” Alguns outros tipos de câncer podem ser sinalizados pela boca. Apalpando o pescoço, o cirurgião-dentista pode checar se há gânglios comprometidos e nódulos no pescoço. “Em casos de leucemia, os pacientes podem ter sangramento gengival inexplicado, que, em geral, é associado à presença de petéquias (pequenos pontos vermelhos) na pele, anemia e alterações no exame de sangue, confirmando o diagnóstico”, afirma o oncologista clínico Daniel Herchenhorn, coordenador científico da Oncologia D'Or. >>


cuidado integral

câncer de boca e orofaringe Orientações para o tratamento

Antes do tratamento

shutterstock

→ Tratar lesões de cárie; → Extrair dentes

comprometidos; → Tratar problemas na gengiva; → Fazer ajustes de prótese.

Fonte: Faculdade de Odontologia da USP Folder “Cuidados básicos para pacientes irradiados em cabeça e pescoço”

Efeitos colaterais na boca durante o tratamento do câncer com radioterapia → Queimadura na pele; → Perda do paladar; → Ardência e dor na mucosa; → Sensação de boca seca; → Presença de candidíase. (O dentista pode ajudar a minimizá-los).

Depois do tratamento → Há risco aumentado para cárie,

problemas de gengiva e risco de osteorradionecrose (necrose de osso, especialmente se algum dente for extraído). → Podem ser realizadas restaurações, tratamento de canal e próteses. Mas extrações de dentes e implantes dentários devem ser evitados. (Os cuidados especiais com a saúde bucal deverão ocorrer sempre).


40

cuidado integral

O cirurgião-dentista sabe até mais do que o médico sobre essas doenças, porque vê boca 24 horas por dia, sabe o padrão de sinais, sintomas e fatores de risco relacionados à etiologia do câncer

O que fazer para diminuir o risco de câncer de cabeça e pescoço

→ Não fumar; → Evitar o

consumo de bebidas alcoólicas; → Ter uma alimentação saudável; → Usar preservativo, inclusive durante a prática de sexo oral; → Cuidar da higiene bucal e ir regularmente ao dentista.

Prevenção

No caso de câncer de boca e de orofaringe, vale ressaltar que o cirurgião-dentista tem um papel importante não só no diagnóstico, mas na prevenção, ao orientar o paciente sobre a higienização e os fatores de risco. O Inca estima quase 15 mil novos casos de câncer de boca para este ano, sendo 11,2 mil em homens e 3,5 mil em mulheres. Mais de 90% são casos de fumantes e consumidores de bebidas alcoólicas. Quando o fumo e o álcool estão associados, o risco de desenvolver a doença é maior. O vírus HPV, transmitido por sexo oral, também está associado ao risco de câncer na boca. Também têm papel na doença a higiene bucal deficiente e a dieta pobre em proteínas, vitaminas e minerais, porém rica em gorduras. Alguns estudos sugerem ainda que pacientes com periodontite (inflamação crônica das gengivas) têm risco aumentado de câncer, embora esse não seja um consenso médico. “Temos que interpretar esses resultados com cuidado, pois não há evidência científica robusta e a doença geralmente vem associada a fatores de risco mais comuns, como o tabaco”, afirma Héliton Spindola Antunes, do Inca. No Brasil, 85% dos tumores estão em estágio avançado no momento do diagnóstico – mais de 5 mil pessoas vão a óbito por causa da doença. No entanto, afirma a estomatologista Priscila Vivas, do Centro de Hematologia e Oncologia da Bahia (Cehon), “todo câncer de boca tem chance de cura alta se diagnosticado prematuramente. Infelizmente, nosso perfil de paciente ainda é tabagista, etilista e demora a buscar atendimento. Recebo pacientes que não vão ao dentista há muitos anos e apresentam vários problemas na boca”.

A participação do cirurgião-dentista não para no diagnóstico e continua durante o tratamento do câncer. É fundamental o trabalho colaborativo do dentista e do oncologista para garantir a qualidade de vida do paciente. “O ideal é uma abordagem rápida e radical antes de iniciar o tratamento em todos os casos que requerem invasibilidade, como lesões de cárie, canal, extração de dentes comprometidos, problemas de gengiva, ajustes de prótese, para evitar complicações futuras severas”, afirma a professora de patologia bucal Marina Gallotini, coordenadora do Centro de Atendimento de Pacientes Especiais da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP). Os efeitos adversos da radioterapia também exigem acompanhamento do dentista. A cirurgiã-dentista Fernanda Fontana Romar, da Clínica São Vicente da Rede D’Or no Rio de Janeiro, explica que a radioterapia, quando realizada em região de cabeça e pescoço, pode levar à destruição das glândulas salivares (xerostomia), levar ao desenvolvimento de cárie e necrose óssea por dificuldade de cicatrização, além de mucosite (afta) de grande impacto entre os pacientes. Outros tratamentos antineoplásicos, com uso de alguns quimioterápicos, e o transplante de medula óssea também podem trazer complicações na cavidade oral. “Quando indicado, o cirurgião-dentista confecciona o espaçador oral, utilizado no momento da radioterapia, auxiliando o isolamento de determinadas regiões que não necessitam de radiação”, complementa a especialista. “Além disso, o laser odontológico de baixa potência, que apresenta ação analgésica, anti-inflamatória e biomoduladora, é utilizado como prevenção e tratamento da mucosite.” //

ILUSTRAÇÕES: shutterstock

Artur Cerri, Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD)


in locco

tórax

acompanhe as as novidades novidades de acompanhe de congressos, congressos, simpósios e encontros de atualização daárea área simpósios e encontros atualização da

por Carlos Eduardo Lima Tive a oportunidade de participar de dois grandes eventos voltados para o diagnóstico e o tratamento do câncer de pulmão. Foram três dias de muito aprendizado e troca de experiências entre diversos especialistas de todo o Brasil e renomados especialistas estrangeiros. No dia 30 de agosto de 2018 foi realizado no Centro de Estudos do Hospital Copa Star, em Copacabana (Rio de Janeiro), o I Workshop Internacional de Cirurgia Torácica Robótica. O evento foi restrito a cirurgiões torácicos e contou com mais de 150 inscritos de todas as regiões do país. Estiveram presentes como convidados internacionais o Dr. Mark Dylewski (EUA) e a Dra. Giulia Veronesi (Itália). Foram discutidos vários aspectos técnicos da cirurgia torácica robótica, desde a implantação de um programa até as mais diversas aplicações técnicas. Ficou evidente a demanda crescente por formação e informação acerca da técnica pelos cirurgiões, assim como o interesse institucional por sua difusão. O ponto alto do evento foi a realização de uma timectomia robótica pela Dra. Giulia Veronesi, com transmissão para o auditório.

Nos dias 31 de agosto e 1 de setembro foi realizado no centro de convenções do Hotel Prodigy Santos Dumont, também no Rio de Janeiro, o III Simpósio Internacional de Diagnóstico em Câncer de Pulmão Oncologia D’Or. Participaram especialistas de diversas áreas de todo o país. Foram mais de 600 inscritos, o que evidencia o grande interesse no aperfeiçoamento, desde a busca do diagnóstico até o tratamento do câncer de pulmão. Foram debatidos temas atuais na área da oncologia torácica, como a imunoterapia e o impacto positivo que esse tratamento tem alcançado em pacientes com câncer de pulmão. A plateia teve a oportunidade de assistir a uma lobectomia robótica, realizada no Hospital Copa Star, com transmissão ao vivo para o auditório. O procedimento foi realizado pelo Dr. Mark Dylewski, um dos pioneiros na cirurgia torácica robótica mundial. Essa técnica minimamente invasiva é considerada um grande avanço no tratamento cirúrgico do paciente com câncer de pulmão, permitindo uma recuperação mais rápida e com menos intercorrências. Diante do sucesso desse grande evento, no qual todos se reuniram em busca do combate ao câncer de pulmão, fica claro que os principais beneficiados serão os nossos pacientes. >> Mestre em cirurgia torácica pela UFRJ Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT) Cirurgião torácico do Hospital Pedro Ernesto/UERJ Cirurgião torácico oncológico da Rede D’Or São Luiz

I Workshop Internacional de Cirurgia Torácica Robótica e III Simpósio Internacional de Diagnóstico em Câncer de Pulmão Oncologia D’Or

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cuidado integral

European Society of Clinical Nutrition and Metabolism – ESPEN 2018

por Georgia de Oliveira O maior Congresso de Nutrição Clínica e Metabolismo da Europa ocorreu em Madri, na Espanha, entre 1 e 4 de setembro. Com o tema “Nutrição sem fronteiras”, o congresso, em sua 40ª edição, e xpressou o interesse em explorar novos tópicos em nutrição clínica, em diferentes contextos clínicos, juntamente com o ambiente multidisciplinar. A programação ofereceu uma grande oportunidade para médicos, nutricionistas, farmacêuticos, cientistas e enfermeiros envolvidos no campo da nutrição e metabolismo, para atender e discutir ciência de ponta mundial. Tivemos novidades no campo da desnutrição do paciente hospitalar, trazendo novos caminhos para diagnosticá-la precocemente. O câncer também esteve entre os debates, especialmente ligado ao tema da adiposidade, ressaltando o papel da obesidade como um fator de risco para a doença. Sabemos que, em casos de obesidade e de excesso de peso, há hiperinsulinemia e resistência à insulina. Acredita-se que o excesso crônico desse hormônio reduza os níveis de proteína ligante de IGF (IGFBP1 e IGFBP2), com consequente aumento de IGF1 (fator análogo à insulina-1) livre, o que culminaria com mudanças no ambiente celular, favorecendo o desenvolvimento tumoral. Podemos destacar que a obesidade pode ser definida por um estado de inflamação subclínica ou de baixo grau, que envolve a produção de várias citocinas pró-inflamatórias, como TNF-a, IL-1

e IL-8, reguladas por genes alvo da via de ativação do fator nuclear kappa B (NF-ĶB) dependente do IKKß. Evidências mostram que a resposta inflamatória favorece a ativação da carcinogênese. No evento também foi divulgado um novo guideline de geriatria, que refere especificidade para risco nutricional e recomenda para pacientes idosos a ingestão de 30 kcal/kg e o mínimo de 1g proteína/kg diários. O cálculo da distribuição proteica é muito importante, sobretudo para o paciente crítico e para o oncológico. A recomendação é de 1,3g de ptn/kg de peso (paciente crítico), podendo chegar a 2,0g de ptn/kg de peso nos demais pacientes, especialmente aqueles com perda de massa muscular. Outro assunto debatido foi a terapia nutricional nas doenças intestinais. A inflamação promove danos no trofismo do trato gastrointestinal, portanto é necessário estar atento à hidratação desses pacientes. Soluções isotônicas têm boa indicação. Além disso, as fórmulas poliméricas, aquelas em que os macronutrientes (proteínas, carboidratos e lipídios), em especial a proteína, apresentam-se na sua forma intacta (polímeros), ainda devem ser utilizadas, sempre que possível. // Especialista em nutrição oncológica Membro da Sociedade Brasileira de Nutrição Oncológica (SBNO) colaborador da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) Especialista em nutrição enteral e parenteral pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral: (BRASPEN) Nutricionista sênior da Oncologia D’Or

comentários_

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p a n o r a m a 43

De vilões a

mocinhos Crescem pesquisas que avaliam o uso de vírus modificados para destruir tumores por  Sofia Moutinho

fotos: shutterstock e The Ottawa Hospital

A

associação entre vírus e câncer é ficamente as células de câncer, provocando a sua geralmente conflituosa. São conhe- morte. “Ao infectar as células neoplásicas, os vírus cidos diversos vírus que podem cau- completam seu ciclo lítico, levando-as à lise (ruptusar a doença – entre os mais comuns ra) e à morte celular”, explica o geneticista Matias o HPV, o da hepatite C e o HTLV-1, Melendez, pesquisador da Universidade de São associado a linfomas. Mas a relação também Paulo (USP) e do Centro de Pesquisa em Oncologia pode ser contrária. Há mais de 50 anos cientis- Molecular do Hospital de Câncer de Barretos. tas estudam o potencial dos vírus como ferraLogo após a descoberta dos vírus e de seu papel mentas contra o câncer. Mais recentemente, a negativo para a saúde, começaram as pesquisas abordagem ganhou força e tem crescido o núme- com a ideia de usá-los como forma de potencializar ro de estudos e investimentos com essa aposta. o tratamento do câncer. Nos anos 1960, a tendência Chamados de vírus oncolíticos ganhou fôlego e vírus começa(do grego, onco = câncer e lítico = ram a ser selecionados e modifiA capacidade desses cados para estudos em animais. destruir), esses organismos são geneticamente modificados para vírus de se replicar em Mas a rejeição imunológica era destruir as células tumorais. A células tumorais faz alta e a estratégia ficou dormenestratégia é simples e se vale da deles uma abordagem te. Nas últimas duas décadas, pocapacidade de infecção e rápida rém, a virusterapia ressurgiu. terapêutica muito multiplicação dos vírus. Eles são De 2015 para 2016, houve um promissora alterados para se tornar inócuos salto no número de publicações à saúde humana e invadir especisobre o tema registradas no >> Matias Melendez, USP

O vírus Maraba vem sendo testado em combinação com a imunoterapia para o combate ao câncer de mama triplo negativo em animais


44 p a n o r a m a

Descobrimos que, ao adicionar os inibidores de checkpoint após a infecção por vírus, o sistema imune envia um exército inteiro para combater o câncer Pubmed: de 61 artigos para 162. Em 2012, esse número mais que dobrou novamente, passando para 298 publicações e se mantendo nessa faixa até hoje. Em 2015, ocorreu a primeira aprovação de um biofármaco a base de um vírus oncolítico: o talimogene laherparepvc, criado a partir de modificações no vírus da herpes (HSV-1), para combater o melanoma. Embora exista um ensaio clínico no Brasil para avaliar o uso dessa abordagem terapêutica, ela ainda não é aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para qualquer tipo de tumor. “O estudo da terapia antitumoral com vírus oncolíticos vem de décadas”, diz Melendez. “Dada a complexidade de se trabalhar esses vírus, desde o processo de engenharia genética até a sua produção, o número de publicações que temos hoje é importante. Trata-se de uma abordagem terapêutica muito promissora.”

Combinação poderosa

Vírus oncolítico destruindo as células tumorais

A tendência atual é combinar os vírus oncolíticos com outras formas de tratamento, como químio, rádio e imunoterapia. Uma das táticas em estudo envolve usar os vírus para potencializar a ação do sistema imune do próprio paciente contra o câncer. Duas pesquisas recentes publicadas na Science Translational Medicine mostraram bons resultados ao combinar, com o tratamento padrão, vírus do tipo reovírus – ligados a infecções no sistema gastrointestinal e vias respiratórias de crianças, mas geralmente inofensivos a adultos. Nesses casos, o vírus não foi modificado geneticamente. Em um dos ensaios, conduzido com nove pacientes com gliobastoma, o vírus injetado no sangue dos doentes foi capaz de chegar até as células tumorais do cérebro. Após apenas uma dose, as células de tumor foram infectadas e destruídas. Além disso, o câncer passou a ser “visível” para o sistema imune. “O nosso sistema imune não é muito bom em

'enxergar' tumores, em parte porque as células de câncer se parecem com as saudáveis e em parte porque elas conseguem despistar o sistema imune. Por outro lado, o sistema imune é muito bom em ver vírus, e é aí que nós podemos agir”, diz um dos autores de um dos estudos, Alan Melcher, do The Institute of Cancer Research, em Londres. Os resultados iniciais já estão sendo testados em um ensaio clínico que avalia a segurança do reovírus em combinação com quimioterapia e radioterapia, após a cirurgia. “Nossa expectativa é que, ao provocar uma resposta do sistema imune ao tumor, os vírus aumentem a quantidade de células de câncer destruídas pelo tratamento padrão”, explica Susan Short, que lidera o ensaio na Universidade de Leeds, também no Reino Unido. De acordo com a pesquisadora, os efeitos colaterais mais comuns da abordagem têm sido corizas leves. Um segundo estudo testou o uso dos reovírus com imunoterapia com inibidores de checkpoint. A ideia por trás da abordagem é que os vírus estimulem o sistema imune no microambiente do tumor antes do início do tratamento, tornando-o mais eficaz. Em um experimento com camundongos conduzido na Universidade de Ottawa (Canadá), foi obtida a cura do câncer de mama triplo negativo metastático, um dos tipos mais agressivos e difíceis de tratar. A combinação do subtipo viral Maraba com inibidores de checkpoint de PD-L1 provocou remissão completa em cerca de 60% dos animais. “A infecção das células de câncer por vírus levanta a bandeira vermelha para o sistema imune, mas em alguns tipos de câncer mais resistentes isso não é suficiente”, explica John Bell, pesquisador do Hospital e da Universidade de Ottawa. “Porém, descobrimos que, ao adicionar os inibidores de checkpoint após a infecção por vírus, o sistema imune envia um exército inteiro para combater o câncer.” No Brasil, o grupo de Melendez conduz dois projetos envolvendo engenharia genética do vírus

fotos: Melendez, USP/ilustrações: shutterstock

John Bell, Universidade de Ottawa


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Como agem os vírus oncolíticos Os vírus oncolíticos infectam as células do tumor, se replicam e provocam sua morte pela sua ruptura, ativando também o sistema imune. Infecção do tumor por vírus

Replicação viral

Célula de câncer vírus

Infecção de células saudáveis

Destruição da célula cancerosa (oncolise)

Geração de imunidade contra o tumor

Célula normal

Bloqueio da replicação do vírus

da herpes para o tratamento de tumores de cabeça e pescoço. “Estamos explorando a introdução de genes sintéticos e derivados de venenos de cobra (Bothrops jararaca) no genoma do vírus, para assim potencializar a ação oncolítica através da indução da morte das células tumorais”, conta. Segundo os estudiosos, as intervenções com vírus oncolíticos parecem ser seguras de modo geral. “A inoculação intratumoral de vírus de replicação competente possui baixa disseminação sistêmica na corrente sanguínea, o que oferece um grau de controle local superior, quando comparado à inoculação sistêmica de outros tipos de fármacos”, diz Melendez. O pesquisador acrescenta que são usadas estratégias extras para tornar os vírus mais seguros. No caso do vírus usado para o tratamento de melanoma, por exemplo, foi introduzido na terapia um inibidor específico para o vírus da herpes, já usado em cremes para controle dessa infecção.

Investimentos a todo vapor

Os resultados promissores abrem caminho para novas terapias à base de vírus contra o câncer. E as indústrias farmacêuticas estão de olho. No início

Células do sistema imune do ano, a Merk anunciou a intenção de compra da Viralytics, empresa australiana especializada na manipulação de vírus, por 394 milhões de dólares. A companhia tem entre suas pesquisas um tratamento experimental baseado no uso de vírus para potencializar a ação da imunoterapia com pembrolizumabe – medicamento usado no Brasil para câncer de pulmão e já aprovado pelo FDA para vários tipos de câncer. Para Melendez, o maior desafio para a implementação da terapia oncolítica é identificar biomarcadores de resposta e prognóstico para selecionar os pacientes que podem responder melhor à terapia. “Na era da medicina personalizada procuramos tratar os pacientes com câncer com terapias específicas, e talvez esse seja o maior obstáculo”, diz. “Além disso, ainda precisam ser mais bem estudadas as interações entre os métodos tradicionais de tratamento do câncer e o uso de vírus oncolíticos. Por exemplo, muitos dos quimioterápicos atuais possuem efeitos citotóxicos ou citostáticos que induzem toxicidade, diminuição da resposta imune e efeitos antiproliferativos. No entanto, para que a terapia viral seja efetiva, um ambiente tumoral que facilite a replicação viral e a ativação do sistema imune se faz necessário", finaliza Melendez.” //


A maior das lições

A

frustração, infelizmente, muitas vezes faz parte do dia a dia da profissão médica. No entanto, a maioria das escolas não nos ensina a lidar com ela. Vamos aprendendo na prática como dar um diagnóstico de doença crônica ou de morte, e grande parte de nós acaba desenvolvendo um mecanismo de defesa básico para sobrevivermos: nos tornamos de certa forma alheios ao problema de nossos pacientes. Mas como podemos ser bons médicos sem ter empatia por aqueles que nos confiam a vida? Foi há alguns anos que aprendi, da forma mais dolorosa, a maior lição que nenhuma faculdade poderia ter me ensinado. Meu pai, cirurgião oncológico, foi sem dúvida a maior influência para que eu me tornasse médica. Minha infância foi cercada por instrumentais cirúrgicos e, com meus 9 anos de idade, gostava mais de brincar com pinças de laparoscopia do que de jogar videogame. Aprendi com ele a amar a medicina! Segui, na oncologia, a área que ele dizia ser a mais bonita: a radioterapia, onde

aprendíamos a associar imagem, física e biologia e transformá-las em tratamento – quase uma arte. Há cinco anos, antes de se submeter a uma cirurgia eletiva, meu pai sussurrou ao pé do meu ouvido: “Peça para realizarem um inventário bem detalhado da cavidade abdominal, principalmente nas goteiras”. Com toda a sua experiência, e para nossa enorme tristeza, ele mostrou o quanto era craque. Foi lá que encontramos todos os sinais de que ele estava com câncer. Naquele momento, comecei uma busca desesperada por artigos sobre os achados cirúrgicos, mas a probabilidade era muito alta de que o tumor fosse maligno. A gente se engana e pensa que essa situação jamais poderia acontecer conosco, dentro da nossa família. Não... o destino não seria tão irônico a ponto de permitir que aquele homem fosse enfrentar, na sua própria pele, aquele velho inimigo, contra quem tantas batalhas travou. Muitas vezes ganhou, mas tantas outras perdeu... Meu primeiro ímpeto como filha foi ser médica, tomar para mim as maiores decisões. Tenho irmão e madrasta médicos também. Assim, as discussões não foram poucas. E a maior lucidez veio dele próprio: vamos procurar um médico que não seja da nossa família e em quem confiemos. Trouxemos meu pai para São Paulo, para aquele que considerávamos o melhor, mas mesmo assim, de forma completamente inadvertida, acabávamos discutindo o caso como se as mesas de almoço fossem os nossos “boards”. E meu pai estudava diariamente sobre sua doença. Quantos momentos lindos em família desperdiçamos discutindo a imuno-histoquímica, o resultado do PET-CT, os efeitos da quimioterapia. Quantas vezes vi meu pai consolar seus pacientes, amigos e colegas, quando era ele quem devia ser consolado... Experimentamos a angústia de aguardar os resultados dos exames e ver a resposta da químio. Conhecer a história natural de um câncer metastático te tira o prazer de comemorar as pequenas vitórias das inúmeras batalhas do dia a dia do tratamento. Mas, depois de alguns meses de tratamento, passei a me permitir acreditar em milagres,

fotos: arquivo pessoal

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por Karina Moutinho

parei de olhar os exames antecipadamente e passei a olhar meu pai, meu herói e o paciente mais obediente que eu conheci. Fez todos os tratamentos propostos, lutou bravamente cada uma das suas próprias batalhas e, sobretudo, acreditou nos seus médicos e foi fiel aos princípios da oncologia até o fim. E eu me permiti ser filha, não médica, e a partir daquele dia passei a viver cada dia como único. Em meio a tantas internações, cirurgias e quimioterapias, meu próprio processo de transformação foi inevitável. Passei a enxergar meus chefes e colegas com outros olhos, e admirações ou decepções foram inevitáveis. Existem pessoas que não honram o avental que usam, mas há também aquelas que elevam a medicina a um amor sublime. A vida é uma dádiva e, piegas ou não, devemos respeitar e jamais esquecer disso. Aprendi que mesmo os bons médicos passam pouco tempo com seus pacientes e que é a equipe multidisciplinar quem de fato está presente nos momentos mais difíceis. Entendi que cada pessoa é única e tem total direito de dizer o que deseja ou não seguir como tratamento, e nosso papel como médicos é sugerir, orientar, mas nunca decidir monocraticamente. Jamais saberemos onde doem os calos alheios. Sobretudo, compreendi que, mesmo quando nada há para ser feito, apenas olhar no olho, dar um abraço ou um aperto de mãos pode ter repercussões inacreditáveis. Foi na última semana de vida que meu pai ensinou a maior das lições. Jamais estaremos preparados para a morte! Meu pai recusou internação quando já sabia que sucumbiria à doença. Cuidar de alguém nos momentos finais é exaustivo, estressante emocionalmente, porém gratificante. Cuidar de alguém que você ama tão intensamente te faz entender de forma muito clara que a vida é um ciclo, que somos efêmeros e que perdemos tempo demais com o que não importa. No dia em que meu pai morreu, renasci, como uma filha mais presente, uma mãe mais tranquila e, mais que tudo, como uma médica mais humana. //

T OU CA INGLESA Tecnologia de primeira linha no combate à AIQ (Alopecia Induzida pela Quimioterapia). Reduz a queda de cabelo em pacientes submetidos a tratamentos quimioterápicos. Único equipamento para AIQ aprovado pelo FDA-USA, que garante eficácia do tratamento e segurança do paciente.

Acesse nosso site e confira os depoimentos dos pacientes que usaram a Touca Inglesa e se beneficiaram com o tratamento.

Karina, filha do Vitor Moutinho Rádio-oncologista da Oncologia D’Or em São Paulo www.paxman.com.br (21) 3177-9500

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QUINTA D'OR CONQUISTA RECERTIFICAÇÃO INTERNACIONAL O Hospital Quinta D’Or acaba de ser recertificado pela metodologia Qmentum Internacional em nível Diamante, chancelado pelo Instituto Qualisa de Gestão (IQG). Esta Acreditação traduz a estratégia da melhoria de qualidade da instituição por meio da priorização da segurança do paciente e do aprimoramento contínuo de seus profissionais. Especializado em tratamentos de alta complexidade, o Quinta D'Or oferece emergência adulto e pediátrica 24 horas, centro médico para consultas e exames em diversas especialidades, cirurgia robótica e centros de terapia intensiva. É credenciado para a realização de transplantes, além de contar com uma unidade da Oncologia D'Or, para oferecer o cuidado completo aos pacientes com câncer. Esta conquista representa a busca incessante da Rede D’Or São Luiz pela excelência. Mais de 80% dos nossos hospitais são acreditados.


de relance

Imagem do ano Exames de imagem mostram remissão de tumores com novo tratamento

imagem: Michael Hofman, John Violet, Shahneen Sandhu, Justin Ferdinandus, Amir Iravani, Grace Kong, Aravind Ravi Kumar, Tim Akhurst, Sue Ping Thang, Price Jackson, Mark Scalzo, Scott Williams and Rodney Hicks, Peter MacCallum Cancer Centre, Melbourne, Australia.

Eleita a imagem do ano pela Sociedade de Medicina Nuclear e Imagem Molecular (SNMMI), a figura mostra o antes e o depois de oito pacientes com câncer de próstata metastático submetidos a tratamento com LutecioPSMA em um ensaio clínico de fase 2 conduzido no Cancer Centre em Melbourne, Austrália. É possível ver a redução ou o total desaparecimento dos tumores nas imagens da direita. //

uro

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50 A g e n d a

eventos 2018 outubro | novembro | dezembro

15 a 17

XXIII Jornada Carioca

de Urologia

out

31 a 03 nov

04 a 06

de Hematologia, Hemoterapia

14ª Jornada Paulista

e Terapia Celular – HEMO 2018

de Mastologia

São Paulo – SP

do Aparelho Digestivo

São Paulo – SP

http://hemo.org.br

– SBAD 2018

Congresso Brasileiro

Rio de Janeiro – RJ www.sburj.com.br

17 a 21

XVII Semana Brasileira

www.sbmastologia.com.br/medicos/

São Paulo – SP

eventos/teste-evento-1

http://www.sbad2018.com.br

10 a 12

nov

21 a 24

Budapeste – Hungria

09 a 10

de Cuidados Paliativos

ESSO 38

www.essoweb.org/events/esso-38

11 a 13

39º Simpósio Internacional de Dermatopatologia São Paulo – SP www.isdp2018.com.br/index.php

11 a 14

VI Congresso Internacional

Belo Horizonte – MG

Oncologia D'Or

www.congressoancp2018.com.br/

Rio de Janeiro – RJ

index.php

http://congressooncologiador.com.br

09 a 10

VII Simpósio GBOT 2018

– Pós WCLC Rio de Janeiro – RJ

XXVIII Congresso Brasileiro

www.gbot.med.br/evento/

de Neurologia

simposio-gbot-pos-wclc-2018

São Paulo – SP www.neuro2018.com.br

14 a 19

VII Congresso Internacional

14 a 17

Congresso Iberolatinoamericano

dez 01 a 04

60ª ASH Annual Meeting San Diego/Califórnia – USA www.hematology.org/Annual-Meeting

04 a 08

San Antonio Breast

XXII FIGO WORLD CONGRESS –

de Dermatologia – CILAD

Cancer Symposium

Federação Internacional

Rio de Janeiro – RJ

San Antonio/Texas – EUA

de Ginecologia e Obstetrícia

http://cilad2018.com

www.sabcs.org/2018-Overview

(FIGO) Rio de Janeiro – RJ https://figo2018.org/site

21 a 24

14 a 17

55º CONGRESSO BRASILEIRO DE CIRURGIA PLÁSTICA

ASTRO 2018 - American Society

Recife – PE

for Radiation Oncology

www2.cirurgiaplastica.org.br/

San Antonio/Texas – EUA www.astro.org

medicos/eventos

AGENDA_

Confira o calendário completo de eventos em www.revistaonco.com.br /agenda




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