Onco& ed. 8, ano II

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Outubro/Novembro 2011 Ano 2 • no 8

Oncologia para todas as especialidades

Nutrição Alterações metabólicas e terapia nutricional em câncer

Oncogenética O futuro já chegou? Medicina baseada em genética e seus desdobramentos

Do bem Além do paciente: quando quem cuida também precisa ser cuidado

Oncogeriatria É hora de aproximar as áreas e encontrar uma nova forma de tratar o idoso com câncer entrevista | onco-hematologia | emergências oncológicas


sumário

Câncer, pesquisa, educação, Deus: nada escapa da análise minuciosa de Ricardo Brentani, diretor-presidente da Fapesp

entrevista

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capa

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A vez da oncogeriatria Na integração da oncologia e da geriatria, uma nova abordagem do paciente idoso de câncer

ginecologia

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Atualizações em screening e epidemiologia do câncer ginecológico José Carlos Sadalla

ginecologia

18

Atualizações em câncer de ovário Jorge Saad Souen

mama

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Mastectomia redutora de risco Maurício Magalhães Costa

oncogenética

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Para onde caminha a oncogenética? – Oportunidades e desafios José Cláudio Casali da Rocha

nutrição

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Desnutrição em câncer Dan Linetzky Waitzberg, Letícia De Nardi e Lilian Mika Horie

onco-hematologia

38

Desafios no diagnóstico de linfoma indolente Alexandre Palladino, Ana Carolina Nobre e Diogo Rodrigues

emergências oncológicas

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Urgências metabólicas no paciente oncológico Simone Maradei, Leonardo Javier Arcuri e Daniel Tabak

do bem

52

Cuidando do cuidador: quando quem zela pelo paciente de câncer também inspira cuidados

quiz

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A cada edição, um caso novo e pouco comum. E o diagnóstico é... Ricardo Caponero

curtas

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Notícias da indústria, iniciativas, prêmios: um giro pelo mundo da oncologia

calendário

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Programe-se: eventos e congressos para anotar na agenda


Conselho editorial Editor clínico: Sergio D. Simon

I – Cancerologia clínica Oncologia clínica: André Moraes (SP) Anelisa Coutinho (BA) Auro Del Giglio (SP) Carlos Sampaio (BA) Claudio Petrilli (SP) Clarissa Mathias (BA) Daniel Herchenhorn (RJ) Fernando Medina (SP) Gothardo Lima (CE) Igor Morbeck (DF) João Nunes (SP) José Bines (RJ) Karla Emerenciano (RN) Marcelo Aisen (SP) Marcelo Collaço Paulo (SC) Maria de Fátima Dias Gaui (RJ) Nise Yamaguchi (SP) Oren Smaletz (SP) Paulo Marcelo Gehm Hoff (SP) Roberto Gil (RJ) Sebastião Cabral Filho (MG) Sérgio Azevedo (RS) Sergio Lago (RS) Onco-hematologia: Carlos Chiattone (SP) Carmino de Souza (SP) Daniel Tabak (RJ) Jane Dobbin (RJ) Nelson Spector (RJ) Vânia Hungria (SP)

Transplante de medula: Jairo Sobrinho (SP) Luis Fernando Bouzas (RJ) Nelson Hamerschlak (SP) Yana Novis (SP)

II – Biologia molecular Ada Alves (RJ) André Vettore (SP) Carlos Gil (RJ) Helenice Gobbi (MG) José Cláudio Casali (RJ) Luísa Lina Villa (SP) Maria Isabel Achatz (SP)

III – Cancerologia cirúrgica Neurologia: Manoel Jacobsen Teixeira (SP) Marcos Stavale (SP) Cabeça e pescoço: Luis Paulo Kowalski (SP) Vergilius Araújo (SP) Tórax: Angelo Fernandez (SP) Riad Naim Younes (SP) Abdômen: Ademar Lopes (SP) José Jukemura (SP) Laercio Gomes Lourenço (SP) Marcos Moraes (RJ) Paulo Herman (SP)

Mama: Alfredo Barros (SP) Antonio Frasson (SP) Carlos Alberto Ruiz (SP) Maira Caleffi (RS) Urologia: Antônio Carlos L. Pompeu (SP) Miguel Srougi (SP) Ginecologia: Jorge Saad Souen (SP) Sérgio Mancini Nicolau (SP) Sophie Derchain (SP) Tecido osteoconjuntivo: Olavo Pires de Camargo (SP) Reynaldo J. Garcia Filho (SP)

IV – Radioterapia Ludmila Siqueira (MG) Paulo Novaes (SP) Robson Ferrigno (SP) Rodrigo Hanriot (SP) Wladimir Nadalin (SP)

V – Cuidados paliativos e dor Ana Claudia Arantes (SP) Claudia Naylor Lisboa (RJ) Fabíola Minson (SP) João Marcos Rizzo (RS) Ricardo Caponero (SP)

Ano 2 • número 8 Outubro/Novembro 2011

Editorial Lilian Liang lilian@iasoeditora.com.br Sergio Azman sergio@iasoeditora.com.br Comercial Simone Simon simone@iasoeditora.com.br Direção de arte Luciana Cury luciana@iasoeditora.com.br Pré-impressão Ione Gomes Franco Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva

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Impressão: Ipsis Gráfica e Editora Tiragem: 10 mil exemplares ISSN: 2179-0930 Jornalista responsável: Lilian Liang (MTb 26.817)

Colaboraram nesta edição: Alexandre Palladino, Ana Carolina Nobre, Dan Waitzberg, Daniel Tabak, Diogo Rodrigues, Jorge Saad Souen, José Carlos Sadalla, José Cláudio Casali da Rocha, Leonardo Javier Arcuri, Letícia De Nardi, Lilian Mika Horie, Maurício Magalhães Costa, Ricardo Caponero, Sérgio Vieira e Simone Maradei

A revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, uma publicação da Iaso Editora, especializada em comunicação médica, traz informações sobre oncologia a profissionais de todas as especialidades médicas. De circulação bimestral, tem distribuição nacional e gratuita por todo o território nacional. A reprodução do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte.

Avenida Vereador José Diniz, 3720 – cj. 406 Campo Belo – 04604-007 – São Paulo – SP (11) 2478-6985 (redação) – (21) 3798-1437 (comercial)


Aproveitar as oportunidades

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epois de meses de preparação e expectativa de governos e sociedade civil, a tão esperada Assembleia das Nações Unidas, a segunda na história da ONU a se dedicar exclusivamente à saúde, realizada em Nova York em meados de setembro, terminou numa espécie de anticlímax: boas intenções, mas poucas medidas concretas. O documento de 14 páginas e 57 pontos resultante da reunião descreve as doenças crônicas – entre elas câncer, diabetes, doenças cardiovasculares e doenças respiratórias – como um “desafio de proporções epidêmicas”, mas define linhas de ação pouco específicas para essas condições, que, juntas, são responsáveis por mais de 60% das mortes no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Trata-se de um desfecho desanimador, porque os problemas já foram mapeados. Não é segredo para ninguém que, para que as doenças crônicas sejam abordadas de forma eficiente, é necessário investir maciça e consistentemente em prevenção; promover a aproximação de governo e sociedade civil na implementação de medidas de controle; fortalecer sistemas e políticas nacionais de saúde; investir em pesquisa e desenvolvimento; e desenvolver alianças nacionais e internacionais para medidas conjuntas. Desperdiçou-se, infelizmente, a valiosa oportunidade de fazer aos líderes de cada país a pergunta mais importante: “Como fazer tudo isso?”. Esse desperdício tem importantes reflexos na economia. Um estudo do World Economic Forum e da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard mostra que o impacto econômico das principais doenças crônicas pode chegar a US$ 47 tri lhões nos próximos 20 anos. Dados da OMS mostram que 25% de todas as mortes por doenças não transmissíveis ocorrem na fase mais produtiva

da vida, a maioria em países em desenvolvimento. Em seu discurso, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, deixou claro: “As doenças crônicas são uma ameaça ao desenvolvimento”. O Brasil não escapa dessa sentença. Com o envelhecimento da população, a incidência de câncer no país só tende a aumentar. Como país em desenvolvimento, o Brasil não pode se dar ao luxo de encarar as perdas trágicas previstas pelos economistas. Muito já foi feito, sem dúvida. Mas é preciso ir mais longe. Há alguns exemplos a seguir. Algumas iniciativas têm não apenas aproveitado as chances que aparecem para discutir o “Como?”, mas também criado tais oportunidades. Destaco aqui as ações do Instituto Oncoguia, que, sob a liderança de Luciana Holtz, não poupa esforços para trazer à mesa os envolvidos na discussão do câncer como saúde pública. Em agosto, a organização promoveu dois encontros fundamentais para esse debate: o II Fórum de Discussão de Políticas Públicas em Oncologia e o II Simpósio para Jornalistas – A Força da Mídia em Articulação com a Voz do Paciente. Os resultados desses encontros extrapolam a simples elaboração de relatórios, como é tão comum. Seja num e-mail de resposta ao paciente, seja numa conversa com o ministro da Saúde em Brasília, eles se concretizam em ações, porque quando se sabe “o que” e “como”, o “fazer” se torna quase inevitável. Boa leitura!

Lilian Liang

* Jornalista especializada na cobertura de saúde, é editora da Onco& – Oncologia para todas as especialidades Contato: lilian@iasoeditora.com.br

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entrevista

Mais que luxo, necessidade Oncologia, pesquisa, casamento e até Deus: nada escapa da análise minuciosa de Ricardo Brentani, diretor-presidente da Fapesp e vencedor da 2a edição do prêmio Octavio Frias de Oliveira

Eduardo Cesar/FAPESP

Por Lilian Liang

Ricardo Renzo Brentani

* Diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

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ocê pode me perguntar o que quiser, até se eu acredito em Deus.” Foi com esse convite que o oncologista Ricardo Renzo Brentani, diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), deu início à nossa conversa numa tarde de segunda-feira. Aos 74 anos, Brentani não se esquiva das perguntas difíceis. De riso fácil e sem a aura solene que parece sempre cercar os grandes pesquisadores, esse italiano de Trieste expressa suas opiniões para quem quiser ouvir. Não tem papas na língua nem medo de pisar no calo alheio. Mesmo com jornalistas, não faz cerimônia. Desenvolveu um método: “Quando você não quer que o você falou seja publicado, é só colocar um palavrão no meio”, confessa, dando risada. Formado em 1962 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brentani tem um currículo que lhe permite essas pequenas extravagâncias. Emplacou seu primeiro artigo na Nature, uma das mais conceituadas revistas científicas do mundo, quando ele ainda estava no quarto ano da faculdade, em 1960. Repetiu o feito mais três vezes: em 1964 e 1966, em parceria com sua mulher, e em 1990, com sua filha. Sua lista de artigos publicados é longa. O cientista contabiliza hoje quase 200 artigos em periódicos científicos internacionais, que foram citados cerca de 4,5 mil vezes por outros pesquisadores. Não é pouco. Entre suas conquistas mais notáveis, duas saltam aos olhos: o desenvolvimento do projeto Genoma Humano do Câncer, financiado pela Fapesp e pelo Instituto Ludwig, que sequenciou 20 tipos de tumores e alçou o Brasil a uma posição de destaque na ciência internacional; e a transformação do Hospital do A.C. Camargo em uma das maiores referências em câncer no país. A mola que impulsiona tudo isso, segundo

Brentani, são o investimento e o incentivo à pesquisa. “A pesquisa deve ser entendida como uma ferramenta de promoção social. Não é um luxo, é uma necessidade do país”, enfatiza. Mesmo no Brasil, onde existem tantas outras prioridades? “A inteligência não tem bandeira. Não há nenhuma razão para não investir em pesquisa de ponta. Sim, os recursos no Brasil são limitados, mas você não vai me dizer que os do Obama não são”, alfineta. Brentani acrescentou em agosto mais uma invejável linha ao seu extenso currículo: foi vencedor na categoria Personalidade em Destaque da segunda edição do prêmio Octavio Frias de Oliveira, concedido pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) em parceria com o Grupo Folha. “É sempre gratificante ver que as outras pessoas valorizam o que você faz, mas não acho que merecia o prêmio”, conta. “Só fiz o que achava que era minha obrigação fazer.” De trás da mesa impecavelmente arrumada, Brentani dispara respostas às perguntas polêmicas como um profissional de tiro ao alvo: com destreza, precisão e firmeza. Mas, para desarmá-lo, basta falar da mulher, a química Maria Mitzi (“uma cientista bem melhor que eu, na minha opinião”), com quem está casado há meio século. O segredo para o casamento longevo? “Faço tudo que ela manda. Lá em casa, manda quem pode e obedece quem tem juízo. Eu tenho muito juízo”, brinca. Confira a seguir alguns trechos da entrevista.

Onco& – O senhor já vem há algum tempo acompanhando o desenvolvimento da oncologia no Brasil. Como estamos nos saindo? Ricardo Brentani – Um dos grandes problemas da oncologia é que ela não é ensinada na maioria das escolas médicas do Brasil. Temos mais de 180 faculdades de medicina no país e duvido que 10


tenham um curso de oncologia na graduação. Portanto, o médico se forma sem ter noções básicas de oncologia, sem saber fazer diagnóstico e muito menos a tratar. Não é culpa dele, é culpa da escola que não ensinou. O que acontece nas escolas é que cada cirurgião ensina como “arranca o pedaço” dele. O resto ninguém ensina: se faz quimioterapia antes, depois ou durante; quais as indicações de quimioterapia e radioterapia. Isso ninguém sabe. Não bastasse isso, metade dessas escolas não tem hospital próprio, portanto o estudante se forma médico sem ter visto o doente. Eu brinco sempre que esses médicos têm um diploma número “00 qualquer coisa” – como o James Bond, com licença para matar. Some-se à falta de hospitais o fato de dois terços das escolas não terem residência médica. Então o aprendizado que o aluno não teve na faculdade e poderia ter na residência não vai acontecer, porque não tem residência disponível para ele.

Onco& – Qual a saída? Brentani – O MEC considera um segredo de estado, eu não entendo por que, quais as escolas de medicina que nunca conseguiram que um aluno seu fosse aprovado em algum exame de residência no território nacional. Isso, na minha opinião, deveria ser matéria de primeira página. No ano passado eu dei uma entrevista para a Folha de S. Paulo e o título da matéria era “Pode fechar metade que ninguém percebe”. Existem hoje 320 mil médicos no Brasil. Segundo a OMS [Organização Mundial da Saúde], o Brasil precisa apenas de 180 mil. Agora, o sindicato dos médicos, do qual eu fui inimigo público número 1, está chegando à conclusão de que é preciso fechar escolas médicas, que há vagas demais, que deveria haver um filtro. Acresça a isso o fato de o crime do erro médico ainda ser muito pouco julgado no Brasil – a gente lê nos jornais, precisa matar seis moças por lipoaspiração antes de alguém tomar alguma providência. Essa é a base do problema. Se você fala em residência de oncologia especificamente, deve haver cinco ou seis, no máximo, em todo o território nacional. Então não tem onde aprender oncologia. O que eu acho curioso, pois a mortalidade por doenças cardiovasculares está caindo. Os fatores de risco para essas doenças foram perfeitamente identificados há pelo menos 30 anos e houve um empenho muito grande da própria população, que foi alertada pela mídia para evitar fatores de risco: precisa fazer exercício, não pode ter colesterol alto, não pode ter pressão alta, não pode fumar. O Brasil é o país onde a taxa de fumantes caiu mais depressa, e isso, nosso líder máximo vai me perdoar, mas é mérito do José Serra, não do governo do PT. Se eu me lembro bem, antes de o Serra ser ministro da Saúde havia 42% de fumantes na população. Hoje deve ter 16%. Essas prevenções tiveram papel importante na redução do risco de doença cardíaca e, consequentemente, da mortalidade. Aliado a isso houve um desenvolvimento muito grande dos métodos diagnósticos de doença cardíaca, como o cateterismo, e dos métodos de tratamento também. Ninguém ganhou o prêmio Nobel por inventar o stent, mas certamente a implantação quase ambulatorial do stent reduziu a mortalidade significativamente. Em câncer, isso infelizmente ainda não

aconteceu. Todo mundo sabe que fumar é ruim e os outros fatores de risco – agora já existe vacina contra hepatite, HPV, provavelmente daqui a 20 anos o câncer de colo do útero e outros sexualmente transmitidos vão diminuir muito –, mas no mais a gente sabe muito pouco. Então você tem aí um quadro muito interessante: educação dos médicos defasada e conscientização da população precária.

Onco& – O quadro não me parece muito animador. Brentani – Existe também um fato que eu acho alarmante: câncer é doença de velho. Se observarmos a evolução da raça humana na próxima década, o número de habitantes na face da Terra não vai crescer mais do que 20%, mas a pirâmide de distribuição etária vai mudar muito, porque a expectativa média de vida está aumentando e os métodos diagnósticos e a eficiência do tratamento estão melhorando. Portanto, estima-se que nas próximas duas décadas, embora a população não vá crescer mais do que 20%, o número de casos novos de câncer no mundo dobre e o número de pessoas vivas com câncer triplique. E por uma razão mais do que óbvia, 80% dessa casuística vai acontecer no mundo em desenvolvimento, porque embora a economia do mundo desenvolvido esteja muito ruim, todos já chegaram na expectativa média de vida mais alta. É muito mais difícil aumentar a expectativa média de vida de 75 para 76 do que de 40 para 60. Então vamos, no nosso país, enfrentar uma epidemia de câncer na próxima década. Portanto a mortalidade por câncer no Brasil, em função da formação deficiente e da falta de informação da população, vai aumentar muito mais do que deveria. Já existem estudos da IARC [International Agency for Research on Cancer], que é o braço oncológico da OMS, mostrando que hoje no Brasil morre muito mais gente do que deveria. A relação entre a morbidade e a mortalidade por câncer é mais alta do que deveria ser.

Onco& – Dinheiro resolve o problema? Brentani – O problema não é dinheiro. Vamos começar pelo começo: para câncer de colo do útero, por exemplo, já existe uma vacina que funciona. Primeiro: por que, ao invés de desperdiçar dinheiro com besteira, o governo não compra vacina para distribuir para a população carente? Qual é a população em risco para câncer de colo do útero? São as meninas de 10 a 15 anos de idade com uma condição de vida precária. São essas pessoas que deveriam ser vacinadas. “A vacina custa caro” é o argumento. Bom, então vamos negociar. Em segundo lugar, a vacina só vai baratear. Quando a vacina contra hepatite foi lançada, era muito cara. Hoje ela está disponível até na África. Então precisa querer. Quanto está sendo gasto com campanhas inúteis... Quando a gente fala de campanha contra câncer de colo do útero, o que o governo imagina é fazer Papanicolau em todo mundo. Mas não é ético fazer o diagnóstico em alguém que não vai poder ser tratado depois. Se sabe que não vai conseguir tratar, não procure fazer o diagnóstico. Todo o enfoque da campanha de prevenção de câncer de colo do útero está errado. Nos grandes centros as mulheres de 60 anos fazem um Papanicolau a cada seis meses – isso é tolice, é jogar dinheiro fora. É preciso identificar quem é a população sob risco, e Onco& outubro/novembro 2011

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“Nenhum pesquisador brasileiro tem mais a desculpa de que não produz porque não tem dinheiro. Isso não é verdade.” essa população tem que ser atendida e fazer o Papanicolau. Existem estudos que mostram claramente que o risco de câncer de colo do útero cai pela metade nas mulheres que fizeram um Papanicolau na vida. Acho que não preciso dizer mais nada, certo?

Onco& – O senhor falou da questão dos sobreviventes de câncer. Já chegamos a essa discussão ou ainda temos de resolver problemas básicos, como formar os médicos? Brentani – Sim, a primeira questão é a formação profissional. O câncer é hoje a segunda causa de morte por doença. Nas escolas que têm oncologia na graduação, o curso não dura mais do que duas, quatro semanas, num curso de seis anos. Isso é ridículo. Sempre teremos que passar por essa etapa primeiro. Mas lógico que é preciso pensar no problema, porque resolver depois que ele apareceu é muito ruim. Existe algo que se chama prevenção, que vale também para a saúde pública. Sempre digo que prevenir não é só melhor do que remediar, mas é mais barato também. Então, se você antecipa o diagnóstico, o tratamento de um estadiamento inicial é sempre mais barato e mais eficiente do que o tratamento de um estadiamento avançado. Mas, de novo, você tem que ter certeza de que é capaz de fazer o diagnóstico e tratar adequadamente. Um hospital como o A.C. Camargo está virando superespecialista, porque uma fração crescente dos pacientes só nos procura porque não deu certo em outro lugar. É uma pena, porque câncer não é igual a unha encravada, que tira e acabou. Não é sempre que dá para resolver. Hoje conhecemos a causa de 75% dos tumores humanos – cigarro, 35%; álcool, 15%; vírus, 10%; outros fatores ambientais, como dieta, sol, 5%; sobram 10% de hereditário. Então é preciso ter pesquisa para descobrir a causa dos outros 25%, e tem que ter muito mais prevenção do que se tem hoje. As operadoras de saúde têm uma relutância muito grande em custear prevenção, o que é uma estupidez. O Brasil ainda não se livrou da mentalidade inflacionária. Ninguém pensa que, se eu prevenir hoje toda a minha carteira, daqui a dez anos vou ter uma sinistralidade mais baixa. Quero lucrar o máximo hoje, amanhã é outro dia. É como os políticos: ninguém pensa em cinco anos, porque o mandato deles é de quatro. Então não tem esgoto, água encanada, luz, porque não vai dar para inaugurar durante o mandato.

Onco& – Diante de um quadro tão difícil, a pesquisa em câncer deve ser prioridade para países em desenvolvimento como o Brasil? Brentani – A inteligência não tem bandeira. Não há nenhuma razão

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para não investir em pesquisa de ponta. Sim, os recursos no Brasil são limitados, mas você não vai me dizer que os do Obama não são. Esse argumento já peca pela raiz. Além de tudo, é muito importante que se diga que desde o primeiro dia, do primeiro mandato do FHC, o investimento em ciência no Brasil nunca mais deixou de existir. O investimento das agências federais era espasmódico – um dia tinha dinheiro, outro não. Essa inconstância, associada a uma inflação galopante, tinha uma consequência muito ruim na qualidade e no volume da ciência brasileira. Isso não existe mais. O país gasta hoje seguramente 1,5% do PIB em pesquisa. No estado de São Paulo esse volume é ainda maior. Não é muito dinheiro, outros países investem mais que isso. No entanto, esses países têm uma comunidade científica grande; a nossa ainda é relativamente pequena. A estrutura acadêmica é complicada, há uma remuneração baixa e pouco incentivo para comercialização da sua invenção. O Brasil patenteia 100 vezes menos do que a Coreia do Sul, por exemplo. Seja como for, o investimento das agências de governo e, principalmente, da Fapesp no estado de São Paulo, é significativo. Nenhum pesquisador brasileiro tem mais a desculpa de que não produz porque não tem dinheiro. Isso não é verdade. A pesquisa deve ser entendida como uma ferramenta de promoção social. Não é um luxo, é uma necessidade do país. Se a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] não fizesse pesquisa, a gente não teria o domínio mundial de soja que temos hoje. Temos vários exemplos. Então está muito claro hoje que a ciência é uma prioridade de governo e merece ser apoiada – talvez não tão claro neste governo federal.

Onco& – Onde o Brasil se encaixa no cenário mundial de pesquisa em oncologia? Brentani – A oncologia brasileira hoje deve representar entre 0,5% e 1% da ciência oncológica do mundo. Dá para melhorar muito. Segundo a Capes, o A.C. Camargo é responsável por 60% da ciência oncológica do Brasil. Não deveria ser assim, as outras instituições devem investir mais. É preciso haver mais pesquisa em oncologia no país – e a desculpa de que não tem dinheiro não cola mais. Onco& – Muito se critica o ambiente burocrático que dificulta a pesquisa no Brasil. Brentani – É o ambiente burocrático das instituições acadêmicas. É muito fácil culpar a Anvisa, a Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa], a alfândega, mas muita coisa se perde dentro da própria ins-


tituição: é o seu serviço de compras que não colocou o pedido na Anvisa, não providenciou a documentação na alfândega. Por isso a Fapesp, há muitos anos, resolveu ser responsável pelas importações inerentes a todos os auxílios custeados por ela para a comunidade científica do estado de São Paulo. Não estou dizendo que não existem problemas, todo mundo tem problemas. Só para dar um exemplo: tem um amigo meu, que agora está em Miami, que é o pioneiro em pesquisa da doença da vaca louca. Ele é suíço e trabalhava na Suíça. Mas na Suíça aos 65 anos de idade você é obrigado a se aposentar, e aposentado não pode mais ter emprego nenhum na Suíça. Portanto ele foi impedido de dirigir o laboratório. Como ele ainda estava com a corda toda, resolveu se mudar para a Inglaterra. Lá ele ficou um ano e meio no Imperial College, esperando que a comissão nacional da rainha o autorizasse a usar os camundongos transgênicos que ele mesmo havia desenvolvido. Cansado de esperar, ele foi trabalhar em Miami. Então toda comunidade científica tem problemas: a brasileira, a suíça, a inglesa, todo mundo tem problema. Mas você nunca vai encontrar alguém que diga: meu problema é que eu sou burro, que eu sou vagabundo. O problema foi sempre um outro que criou.

Onco& – Existe incentivo à pesquisa por aqui? Brentani – Eu digo sempre uma coisa: no Brasil a gente não precisa ser bom. A gente vira estável quando defende o doutorado. Você faz concurso público para entrar na universidade, passa no concurso, vira estável. Qual é o requisito para passar no concurso? Tem que ter grau de doutor. Então vai trabalhar para quê? O problema é que não se tem a pressão que se tem nos EUA para ser bom. Nos EUA você ganha um salário pequeno, o tenure, e complementa isso com seu auxílio à pesquisa. Então se você não consegue ganhar o auxílio à pesquisa você está fulminado, para não usar outra palavra. Então tem que ser bom – senão vai ser outra coisa, não dá para ser cientista, porque você tem que garantir o feijão das crianças. Aí olhamos para a universidade pública brasileira. Todo mundo diz que a USP é a melhor universidade pública do Brasil. Mas quando se analisa a fração dos docentes da USP que produzem cientificamente não dá 25%. Os outros 75% fazem o quê? Isso quem me disse foi um ex-reitor da USP, não fui eu que inventei. Então trabalhar para quê? E tem o reverso da medalha: se eu publico na Nature, eu ganho alguma bonificação, muda meu salário, ganho uma secretária? Não. Então para que publicar? Na universidade privada, a razão para não fazer é a mesma: é porque também não precisa fazer. Pegue uma universidade que não tem nenhum curso que tirou C no ENEM, só D. Acontece alguma coisa para aquela universidade? Não. Então para que fazer força? Não falta trouxa. Naquela entrevista da Folha, o repórter me perguntou por que essas escolas de medicina prosperam. E foi exatamente isso que eu disse: porque não falta trouxa. Essas coisas é que atrasam a ciência.

Apesar disso, o Brasil hoje é o 13o produtor de ciência no mundo. Se você pensar em termos de impacto médio das publicações, as publicações brasileiras pareiam com as da Argentina, do Chile. Se pegar o estado de São Paulo em particular, a produção por cientista pareia com Espanha, Portugal, Canadá.

Onco& – Que lições podemos tirar do sucesso do A.C. Camargo? Brentani – A primeira lição, óbvia, é que o A.C. Camargo é um instituto de ensino e pesquisa. Ele de fato faz pesquisa. É o único hospital privado que é um dos institutos de ciência e tecnologia do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. É o único hospital privado que é um dos CEPIDs [Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão] da Fapesp, que tem pós-graduação para mestrado e doutorado credenciada no MEC. O que isso trouxe para o hospital? Um corpo clínico de peso, com boa parte engajada por vocação no ensino e na pesquisa. Isso tem, necessariamente, uma repercussão na qualidade da medicina e traz uma imagem favorável do hospital. É um modelo que funciona, por isso que o Sírio [Hospital Sírio-Libanês] e o Einstein [Hospital Israelita Albert Einstein] criaram seus institutos de ensino e pesquisa. A lição é esta: ensino e pesquisa são importantes porque melhoram a qualidade da medicina que se pratica. E melhorar a qualidade da medicina que se pratica é importante porque dá dinheiro. [A atriz] Marlene Dietrich dizia que há muitas outras coisas na vida além do dinheiro, mas todas custam caro. (risos) Acho que o que foi muito importante foi a implantação dessa filosofia de uma instituição de ensino e pesquisa, e isso me permitiu atrair bons garotos, como eu os chamo, e criar um corpo clínico com essa vocação.

Onco& – O que significa ter recebido o prêmio Octavio Frias de Oliveira, na categoria Personalidade em Destaque?

Brentani – É sempre gratificante ver que as outras pessoas valorizam o que você faz. Mas, na hora em que recebi o prêmio, disse que achava que não merecia, porque eu só havia feito o que achava que era minha obrigação fazer. “Ah, mas você fez bem-feito”, alguns dizem. Sim, mas a obrigação é fazer bem-feito. Eu sou um privilegiado, porque o que faço me diverte. Meu pai me dizia que eu era vagabundo, porque trabalho é só o que enche o saco. Eu adoro o que faço e isso não me desobriga de fazer bem-feito. Outro dia estava conversando com um amigo, dizendo que eu estava ficando velho. Ele perguntou: “Mas você ainda fica bravo quando a revista recusa um artigo seu ou só seus alunos ficam?”. Respondi que sim. “Ah, então você não está velho!”

Onco& – Já que o senhor deu a deixa: acredita em Deus? Brentani – (risos) Não muito. Eu acho que era muito mais fácil acreditar em Deus quando se dizia que tinha trovoada porque Deus estava bravo. Quando apareceu uma explicação científica para a trovoada ficou mais complicado. Eu acredito numa força superior que criou o universo, mas não acho que ele está demais preocupado com uns seres vivos, num planeta de quinta categoria, girando em volta de uma estrela mixa como o Sol. Deve ter mais coisa aí. Onco& outubro/novembro 2011

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A vez da oncogeriatria O envelhecimento da população e o aumento da incidência de câncer em pacientes idosos criam a necessidade de um novo profissional, que alie conhecimentos de oncologia e geriatria. Saiba mais sobre essa tendência Por Sérgio Vieira

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“Até muito recentemente, cada oncologista tratava seus pacientes idosos com base em sua experiência. E o geriatra não se envolvia em absoluto no tratamento do câncer. Isso começa a mudar.” 12

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BRASIL ESTÁ ENVELHECENDO. E BEM RÁPIDO. DADOS DO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE) MOSTRAM QUE, em uma década, a expectativa de vida da população cresceu quase três anos. Hoje, o tempo médio de vida dos cidadãos é de 73 anos, e o mais recente censo do órgão, realizado no ano passado, mostra que a população idosa no país está em franco crescimento: dos 190 milhões de habitantes, 14 milhões têm 65 anos ou mais, o que representa 7,4% do total. Em duas décadas, estima-se que os idosos representem mais de 30 milhões de brasileiros. O Brasil se encontra diante de uma população mais madura, experiente e ainda produtiva. Mas a longevidade tem seu preço. Viver mais significa ter mais tempo não só para fazer aquela viagem de volta ao mundo ou abrir a tão sonhada pousada, mas também para desenvolver doenças. No Brasil, essa análise vem se mostrando cada vez mais verdadeira. Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), é exatamente a parcela mais velha da população a mais atingida pelo câncer. Estima-se que 60% dos pacientes oncológicos no país tenham 65 anos ou mais e que 70% das mortes decorrentes da doença ocorram nessa fase da vida. Seria de se esperar que essa população fosse estudada mais de perto e recebesse um atendimento adequado às limitações da idade. Infelizmente, essa ainda não é a realidade no Brasil. Tecnologia, abordagens, equipes médicas e conceitos de tratamento ignoram esse público. Já há sinais, no entanto, que apontam para mu-

danças na forma como o assunto é abordado. Há não mais do que cinco anos foi cunhado o termo oncogeriatria, uma espécie de junção informal da oncologia com a geriatria. O objetivo? Criar um profissional preparado para transitar bem nas duas áreas e, portanto, mais equipado para compreender e tratar o câncer do paciente idoso, com todas as exigências e limitações que lhe são inerentes. O que move a criação dessa “quase” especialidade médica é a possibilidade cada vez mais real de o paciente de câncer idoso viver por mais tempo, de forma digna. “Quase” porque, formalmente, o oncogeriatra não existe: existe o oncologista com especialização em geriatria e vice-versa. Não se sabe ao certo o número de profissionais médicos que trafegam nessas duas vias – sabe-se, no entanto, que se trata de um número bem inferior ao que seria necessário para atender a demanda. O Brasil não foi o único a descobrir apenas recentemente a importância e o impacto dessa atuação conjunta. O surgimento do conceito da multidisciplinaridade voltada aos pacientes 65+ não tem mais de uma década. A diferença é a velocidade com que essa subespecialidade vem se desenvolvendo fora daqui. Países como Estados Unidos, Bélgica e França caminham a todo vapor para o crescimento constante da oncogeriatria e já são considerados referências mundiais na área. Na 47a edição do congresso da American Society of Clinical Oncology (ASCO), realizado em junho, em Chicago, o tema dominou inúmeros debates, envolvendo profissionais do mundo todo. A conclusão? Falta atenção es-


pecífica para os idosos com câncer, e a classe médica, principalmente em oncologia, precisa olhar com mais atenção para essa população.

Oncogeriatria no Brasil No Brasil, a oncogeriatria aos poucos ganha força e adeptos. Para Rafael Kaliks, oncologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, o próprio envelhecimento da população e o consequente aumento na incidência de câncer no país são razões para isso. “Paralelamente, a medicina está avançando e, com isso, mais casos da doença são diagnosticados. Ocorre que o geriatra não tem em seu currículo de treinamento nenhuma ênfase em oncologia, e oncologistas não têm conhecimento sobre a fisiologia do envelhecimento, ou sobre particularidades do câncer no idoso. Então, até muito recentemente, cada oncologista tratava seus pacientes idosos com base em sua experiência. E o geriatra não se envolvia em absoluto no tratamento do câncer. Isso começa a mudar. Não só há cada vez mais estudos de oncologia especificamente abordando pacientes idosos com câncer, como há uma tentativa de incorporar no processo decisório ferramentas já conhecidas pelos geriatras e que podem ajudar a determinar o curso ideal do tratamento”, analisa o médico. Há quem argumente que esse tipo de conscientização deve começar bem antes, enquanto o médico está em formação. O tema, no entanto, ainda está distante das salas de aula, que é exatamente onde os futuros médicos recebem a primeira orientação sobre os caminhos das especialidades – não há disciplina que trate especificamente da oncogeriatria e as residências não promovem o encontro entre as matérias. O que ocorre, portanto, é um hiato entre o que pensam os profissionais e o que de fato ocorre no início do aprendizado.

“Seria fundamental que o residente em oncologia passasse pela área de geriatria e vice-versa. Além disso, a oncologia precisa seguir o mesmo ritmo de crescimento da geriatria. Um precisa conhecer o trabalho do outro para que o resultado no tratamento do paciente seja satisfatório”, diz Theodora Karnakis, representante nacional da Sociedade Internacional de Oncogeriatria (SIOG), responsável pelo programa de geriatria do Hospital Israelita Albert Einstein e colaboradora do serviço de geriatria e programa de oncogeriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “Os cursos universitários nas áreas de saúde e direito necessitam implementar como grade curricular temas específicos para a assistência ao idoso. A sociedade não está preparada para receber essa população.” O resultado dessa deficiência se faz sentir no atendimento de idosos com câncer em todo o país. “Infelizmente, o atendimento ao idoso ainda está aquém do que se pode oferecer. A avaliação adequada dessa população requer a formação de equipes múlti e interdisciplinares, compostas por oncologistas, geriatras, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais, psicólogos, fonoaudiólogos, entre outros, que consigam abordar o idoso globalmente avaliando sua funcionalidade, capacidade cognitiva, comorbidades, risco nutricional e suporte social. Esse tipo de avaliação é fundamental para definir o tratamento oncológico a ser proposto”, avalia Theodora. A geriatra reconhece que a carência de especialistas nessa área se deve basicamente à dificuldade de se montar equipes integradas, em que todos conversem entre si. “Para mudarmos essa realidade é fundamental que os grandes centros de oncologia estruturem suas equipes na abordagem do idoso”, explica. Para Auro Del Giglio, professor titular de oncologia e hematologia da Faculdade de Medicina da Fundação ABC, a oncogeriatria permite que se desenvolva, entre outras habilidades, o bom senso no cuidado com o idoso. “Ele depende de uma boa interação entre o oncologista e o geriatra. É importante que se faça uma avaliação ampla do paciente antes do diagnóstico, por isso a necessidade de uma equipe multidisciplinar”, diz. E, nesse sentido, Del Giglio já dá uma boa notícia: até o fim do ano, a faculdade em que leciona inaugurará o setor de oncogeriatria, um dos primeiros do país.

Pouco estudados É inegável, portanto, que existem interesse e disposição para se chegar a um denominador comum no tratamento ideal de idosos com câncer, sob a óptica de junção de disciplinas. Um dos empecilhos, no entanto, para que a Onco& outubro/novembro 2011

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oncogeriatria seja de fato abraçada é um conhecimento mais profundo da população que pretende atender. Essa falta de familiaridade com o público idoso com câncer vem, em parte, de um problema já identificado, mas ainda não resolvido na subespecialidade: a baixa participação de idosos em estudos clínicos de câncer. Ora, se há a preocupação em buscar a melhora no atendimento e os idosos estão cada vez mais conscientes de que uma vida mais longa também deve vir acompanhada de mais saúde, por que não há estudos clínicos específicos para essa população, dificultando não apenas o melhor conhecimento desse público mas também o desenvolvimento de novas drogas? Theodora sintetiza: “A população idosa é bastante heterogênea. Entre os indivíduos acima de 70 anos temos tanto os funcionalmente independentes, que não fazem uso de nenhuma medicação, quanto os que usam mais de dez remédios por dia. Logo, a inclusão desses pacientes em estudos clínicos requer monitoramento e abordagem específicos, aos quais os trials desenhados para a população jovem não conseguem se adequar”. Kaliks vai na mesma linha: “Quando se desenvolve uma droga nova e se quer testá-la, é preciso realizar o estudo em uma população relativamente homogênea, de preferência com baixo risco de ter complicações e com pouca probabilidade de interferência com outras medicações. Assim, os estudos acabam selecionando pacientes com câncer, mas que idealmente são saudáveis apesar da doença. Isso automaticamente exclui os idosos. No mundo real, porém, idosos são a maioria dos pacientes com câncer. Uma vez que a medicação nova se torna efetiva em uma população sem outras variáveis, aí sim iniciamse estudos para avaliar sua eficácia e segurança em populações mais velhas, com outras doenças. Portanto, a oncogeriatria fica atrasada em vários anos em relação aos avanços dos pacientes jovens”.

Quando parar? Ao desconhecimento da população se somam outros desafios aos oncogeriatras, como as taxas de sucesso extremamente baixas se comparadas às de pacientes mais jovens. “Para uma paciente com câncer de mama, por exemplo, a mulher jovem normalmente passa por uma cirurgia sem grande preocupação com os riscos de uma anestesia geral. Na mulher acima de 70 anos, não é raro que o risco cirúrgico seja excessivo. Há casos em que a cirurgia tem de ser realizada com anestesia local, o que certamente limita a operação. Do ponto de vista de tolerância à quimioterapia, raras são as mulheres de 40 anos que não podem receber potencialmente qualquer químio agressiva. O mesmo não é verdade em mulheres

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acima de 70, para as quais temos de pesar com extremo cuidado se o potencial benéfico não implica riscos consideráveis. Mas vale dizer que há idosas extremamente saudáveis e que podem receber o mesmo tratamento das mais jovens; há outras que não. O segredo na oncogeriatria é como avaliar de maneira fidedigna qual sim e qual não”, argumenta Kaliks, do Einstein. Mas esse talvez não seja o ponto crucial no atendimento da população idosa. Há uma questão, inevitável, que envolve o custo-benefício e o duro exercício de decidir até que momento o paciente idoso deve continuar sendo rastreado e tratado para câncer. Difícil, mas importante momento, porque não se discute aqui apenas a questão ética profissional, mas o sentimento individual de tomar a decisão de parar com as ações para prolongar a vida do paciente idoso. “O rastreamento deve cessar quando a probabilidade de ocorrer um câncer já diminuiu muito ou quando a expectativa de vida é relativamente limitada, que é menor de dez anos para câncer de próstata em homens e menor que cinco para câncer de mama em mulheres. Não é a idade cronológica que deve determinar a interrupção do rastreamento, e sim a expectativa de vida do paciente, aliado ao risco real de incidência da neoplasia”, diz Kaliks. “Do ponto de vista de políticas públicas de rastreamento e tratamento, a discussão é mais difícil, e deveria envolver uma ampla reflexão sobre qual parâmetro usar para interromper o uso de recursos públicos na prevenção e no tratamento, pois o fato de conseguirmos manter vivo alguém com idade avançada, com doença incurável e que causa sofrimento não significa necessariamente que devemos fazê-lo. Mas estabelecer o limite não é fácil.” Theodora acrescenta a questão da decisão solitária – por mais que se faça parte de uma equipe multidisciplinar – na hora de mandar


parar o rastreamento e o tratamento. “O rastreamento de neoplasias segue princípios de custo-efetividade. É natural que, em se tratando de população idosa, a própria expectativa de vida deva ser levada em conta ao se adaptar diretrizes da população mais jovem. Entre os questionamentos estão quando devemos deixar de fazer determinado rastreamento e se devemos, de fato, instituir diretrizes para toda a faixa etária mais avançada, de forma homogênea”, pondera. “É amplamente aceito o conceito de se individualizar a decisão do rastreamento oncológico na população idosa, considerando o conjunto da saúde do indivíduo como um todo, sua expectativa de vida e seus valores.” Del Giglio complementa, analisando justamente a questão do tempo de vida. “É preciso levar em conta que um cidadão bem idoso já está próximo de completar seu ciclo de vida – bem diferente de alguém com câncer na faixa dos 30 anos, por exemplo. Não há como fugir do fato de que o tempo dedicado ao rastreamento tem de estar condicionado à expectativa de vida da pessoa”, diz o professor da Fundação ABC. Embora seja vista como uma desvantagem, pelo menos em uma ocasião a idade pode ser considerada algo favorável: na hora de dar a notícia sobre o câncer. “Costuma ser mais fácil do que com um paciente jovem, a não ser quando a família quer blindá-lo do diagnóstico”, conta Kaliks. “Esse preparo que o idoso tem facilita a conversa. Em casos em que familiares não querem que ele saiba o diagnóstico, o próprio

1o Simpósio Internacional de Oncogeriatria Para tentar avançar nessa discussão, será realizado em novembro, no Hospital Israelita Albert Einstein, o 1o Simpósio Internacional de Oncogeriatria, que reunirá os principais nomes do Brasil e do exterior. “Esse simpósio é um marco na oncogeriatria do país, por ser o primeiro a abordar o tema e também por trazer os melhores especialistas que atuam tanto na área de geriatria e gerontologia como na de oncologia. Eles discutirão temas sobre os quais ainda não há consenso na literatura”, diz Theodora Karnakis, responsável

idoso finge não saber para poupar seus parentes. Cabe ao médico tentar fazer uma ponte para que ocorra uma conversa aberta entre todos.”

Perspectivas Mesmo com tantos desafios, Kaliks é otimista quanto ao futuro da oncogeriatria brasileira. “A perspectiva é boa. Existe a consciência da necessidade de o oncologista ter um maior conhecimento do idoso e de suas particularidades. Estamos trazendo para mais perto o geriatra e entendendo que tratamento oncológico não significa piora da qualidade de vida ou desrespeito com a dignidade”, explica. Para o oncologista, a oncogeriatria não deve se limitar a ferramentas de mera avaliação e estratificação de idosos para permitir que eles entrem, homogeneamente, em estudos clínicos. É preciso mais do que isso: que ela seja uma área de conhecimento sobre fisiologia do envelhecimento e do câncer. “Devemos promover uma aproximação maior entre o trabalho do oncologista que cuida do câncer do paciente idoso e do geriatra que cuida do paciente que também tem um câncer. A ação deles deve ser conjunta”, diz. “Vale lembrar que todos nós, sem exceção, temos ou teremos um avô, pai ou irmão mais velho que terá câncer em algum momento da vida. Devemos nos perguntar se o melhor para esse parente não seria uma ação integrada entre o geriatra e o oncologista. A resposta certamente será sim.”

“Devemos promover uma aproximação maior entre o trabalho do oncologista que cuida do câncer do paciente idoso e do geriatra que cuida do paciente que também tem um câncer. A ação deles deve ser conjunta.”

pelo programa de geriatria do Hospital Israelita Albert Einstein. Uma das idealizadoras do evento, a geriatra lançará no congresso o livro Oncogeriatria, Uma Abordagem Multidisciplinar, cuja organização coordenou. É em eventos desse porte que é possível mensurar a capacidade do profissional brasileiro em se adequar ao novo momento da oncologia. Para Rafael Kaliks, o cenário da oncogeriatria tem tudo para crescer. O primeiro passo? “A conscientização de que a parceria entre as duas especialidades é um caminho sem volta. Não há mais como desassociar as áreas quando o assunto é tratar de um paciente idoso com câncer”, diz.

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ginecologia

Atualização em screening e epidemiologia do câncer ginecológico

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ESTE TÓPICO SERÃO ABORDADOS OS ARTIGOS

MAIS RELEVANTES NO SCREENING E EPIDEMIOLOGIA DO CÂNCER GINECOLÓGICO EM GERAL

publicados em 2010 e 2011. Os artigos selecionados englobam os cânceres de vulva, colo, endométrio e ovário.

Divulgação

Tumores ginecológicos em geral

José Carlos Sadalla * Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP; assistente do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP/FMUSP; membro do Núcleo de Mastologia do Hospital Sírio-Libanês

Contato: jcsadalla@gmail.com

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Para começar, temos o trabalho de Hjartåker e colegas1 avaliando a relação de álcool e tumores. Tratase de análise de estudos de coorte e caso-controle publicados até 31/03/09. A premissa é de que o consumo de álcool aumenta o risco de câncer de colo, vagina e vulva. Entretanto, o resultado desse estudo não mostrou associação de consumo de álcool com aumento no risco de câncer ginecológico. Yu e colegas2 investigaram o consumo de café e a associação desse hábito com câncer em geral. Foi uma metanálise de 40 estudos, englobando estudos de coorte prospectivos que avaliaram risco relativo (RR) com intervalo de confiança de 95% (IC=95%). O objetivo do estudo foi avaliar o risco de câncer com consumo de uma xícara de café por dia. Como resultado, o consumo de uma xícara de café por dia promoveu redução global de 3% na incidência de câncer (RR, 0.97; 95% CI, 0.96-0.98). Na análise de subgrupo, os cânceres que apresentaram diminuição foram de bexiga, orofaringe, colorretal, esôfago, fígado, pâncreas, próstata, leucemia. Na esfera ginecológica, a redução se deu nos cânceres de mama e endométrio. Ou seja, como mensagem do trabalho: tome uma xícara de café por dia. Finalmente, temos o trabalho de Cibula e colegas3 avaliando a contracepção hormonal e o risco de câncer. Os autores colocam que um dos motivos da não aceitação e da descontinuidade do uso dos métodos contraceptivos hormonais é o medo de câncer (“cancerofobia”). Sendo assim, realizaram revisão de estudos coorte e caso-controle publicados na base de dados PUBMED e EMBASE até 12/2008.

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Os resultados foram: • Câncer de mama: discreto aumento na incidência, desaparecendo de 5 a 10 anos após a interrupção do uso da medicação. • Câncer de ovário: diminuição da incidência. Essa proteção aumenta com os anos de uso (o risco relativo diminui 20% a cada 5 anos de uso). Diminui inclusive em pacientes com mutação nos genes BRCA 1 e 2. • Câncer de endométrio: diminui 50% a incidência nas usuárias. Essa proteção também aumenta com a duração de uso dos contraceptivos. • Câncer de colo uterino: discreto aumento em usuárias de longa data (mais de 5 anos). Também houve aumento nos tumores benignos do fígado (aumento moderado) e no câncer de fígado (aumento discreto). Os autores salientam que nenhum estudo mostrou maior incidência global de câncer ou de mortalidade nas usuárias de contracepção hormonal. Ou seja, é desnecessária a cancerofobia nas usuárias de métodos contraceptivos hormonais. Mais ainda, esses métodos devem ser recomendados a portadoras de mutação nos genes BRCA 1 e 2 como quimioprevenção.

Câncer de colo uterino Há vários trabalhos relatando screening com captura híbrida, em vez da citologia. Seleciono o de Zhao e colegas4 pela grande casuística. O objetivo principal do trabalho foi avaliar a acurácia dos métodos de DNA HPV, citologia base líquida (CBL) e IVA (inspeção visual com ácido acético) para detecção de neoplasia intraepitelial grau 3 (NIC 3) e câncer invasivo. Num total de 30.371 mulheres rastreadas, 1.523 foram excluídas. Os critérios de exclusão foram pacientes gestantes, com história prévia de NIC ou câncer e radioterapia pélvica. As respectivas sensibi lidades e especificidades foram: 97,5% e 85,1% (DNA HPV); 87,9% e 94,7% (CBL); e 54,6% e 89,9%


(IVA). Como mensagem do trabalho, temos que DNA HPV pode ser benéfico para futuros programas de rastreamento. Outro trabalho interessante, para não dizer inusitado, é o de Chu e colegas5. É relatado que ducha vaginal pós-coito é comum mundialmente. Entretanto, seu efeito na LSIL (lesão intraepitelial escamosa de baixo grau) é incerto. Para avaliar isso, foi criada uma coorte prospectiva, com 1.332 pacientes. Destas, 295 foram diagnosticadas com LSIL, sendo seguidas trimestralmente com colposcopia. Os parâmetros estudados foram infecção por HPV, higiene pessoal e comportamento sexual. Das pacientes com LSIL, 15% também apresentavam HSIL (lesão intraepitelial escamosa de alto grau) quando submetidas a colposcopia/biópsia; e 8% desenvolveram HSIL em um ano. No seguimento de 36 meses, 83% regrediram, 11% evoluíram e 6% permaneceram. O fator de risco e odds ratio obtidos foram de 4,4 para persistência de HPV e de 3,14 para ducha vaginal. Mais ainda, esses dois fatores conferiram menor regressão da LSIL (8,0 x 4,1 meses – HPV; e 8,0 x 5,6 – ducha). Como mensagem, temos que a prática de ducha vaginal pós-coito está associada com não regressão de LSIL.

Câncer de endométrio Em relação ao screening para câncer de endométrio, temos o trabalho de Timmermans e colegas6 questionando a espessura do eco endometrial para pacientes com sangramento vaginal pós-menopausa. Foi realizada uma metanálise, com revisão de 90 artigos no MEDLINE, englobando 2.896 pacientes e 259 casos de câncer de endométrio. Através de análise de curvas ROC e de regressão logística, os autores chegaram à conclusão de que o cut-off deveria ser de 3 mm apenas. Já Jacobs e colegas7 analisaram o screening em pacientes assintomáticas, que não faz parte das orientações atuais. Há um aumento na incidência de câncer de endométrio, sendo o ultrassom transvaginal (USG TV) bom método para rastreamento. Não há estudos em grande escala com USG TV. O objetivo foi detecção de hiperplasia atípica ou câncer. Foram rastreadas 48.230 mulheres, num follow-up médio de 5,11 anos. O cut-off ideal sugerido é de 5,15 mm, com sensibilidade de 80,5% e especificidade de 86,2%. Houve 96 casos de hiperplasia atípica ou câncer em pacientes assintomáticas. Nesses casos, o cut-off de 5 mm teve sensibilidade de 77,1% e especificidade de 85,8%. Usando regressão logística para grupo de alto risco, temos que o cut-off ideal Referências bibliográficas 1. Hjartåker A, et al. Alcohol and gynecological cancers: an overview. Eur J Cancer Prev. 2010 Jan;19(1):1-10. Review. 2. Yu X, et al. Coffee consumption and risk of cancers: a meta-analysis of cohort studies. BMC Cancer. 2011 Mar 15;11:96. 3. Cibula D, et al. Hormonal contraception and risk of cancer. Hum Reprod Update. 2010 Nov-Dec;16(6):631-50. 4. Zhao FH, et al. Performance of high-risk human papillomavirus DNA testing as a primary screen for cervical cancer: a pooled analysis of individual patient data from 17 population-based studies from China. Lancet Oncol. 2010 Dec:11(12):1160-71. 5. Chu TY, et al. Post-coital vaginal douching is risky for non-regression of

seria de 6,75 mm com sensibilidade de 84,3% e especificidade de 89,9%. Como mensagem, temos que USG TV tem boa sensibilidade como screening. Custo e falso-positivo são menores no grupo de alto risco, principalmente obesas e com histórico familiar.

Câncer de ovário Talvez o trabalho mais importante deste ano em relação ao screening tenha sido o de Buys e colegas8 investigando o papel do rastreamento no câncer de ovário. Screening com CA-125 e USG possui efeito incerto na mortalidade. Sendo assim, foi realizado estudo randomizado controlado, com 78.216 mulheres de 55 a 74 anos. Criaram-se dois grupos: o de screening anual (39.105 pacientes) e rotina (sem screening, com 39.111 pacientes). O estudo envolveu dez centros nos EUA entre 11/1993 e 07/2001. No grupo screening foi dosado CA-125 anual por seis anos, junto com realização de USG anual por quatro anos. O seguimento foi de até 13 anos, objetivando câncer ou morte (término 28/02/2010), analisando mortalidade de câncer de ovário (incluindo peritônio e tubas), incidência de câncer de ovário e complicações do screening (procedimentos diagnósticos/terapêuticos). Houve 212 casos de câncer de ovário no grupo de screening contra 176 no grupo controle (rotina), sendo essa diferença não significante. Ocorreram 118 mortes por câncer de ovário no grupo de screening contra 100 no grupo controle (rotina), sendo essa diferença também não significante. Observaram-se 2.924 mortes por outras causas no grupo de screening contra 2.914 no grupo controle (rotina), sendo essa diferença também não significante. Entretanto, houve 3.285 falso-positivos no grupo de screening, sendo 1.080 pacientes operadas. Destas, 163 tiveram uma complicação séria (15%), como infecção, perda sanguínea, lesão intestinal, ou eventos cardiovasculares. Sendo assim, como mensagem, temos que screening com CA-125 e USG TV não reduz mortalidade de câncer de ovário. Mais ainda, screening com falso-positivo está associado a complicações. Finalizando os artigos, trago um sobre a vitamina D, tão em voga atualmente. Esse trabalho é de Cook e colegas9 e avalia se a suplementação de vitamina D diminui o risco de câncer de ovário. Foi realizada metanálise de artigos no MEDLINE. Como mensagem, temos que não há evidências consistentes suportando suplementação de vitamina D para diminuir incidência de câncer de ovário. low-grade squamous intraepithelial lesion of the cervix. Gynecol Oncol. 2011 Mar;120(3):449-53. 6. Timmermans A, et al. Endometrial thickness measurement for detecting endometrial cancer in women with postmenopausal bleeding: a systematic review and meta-analysis. Obstet Gynecol. 2010 Jul;116(1):160-7. 7. Jacobs I, et al. Sensitivity of transvaginal ultrasound screening for endometrial cancer in postmenopausal women: a case-control study within the UKCTOCS cohort. Lancet Oncol. 2011 Jan;12(1):38-48. 8. Buys SS, et al. Effect of screening on ovarian cancer mortality: the Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian (PLCO) Cancer Screening Randomized Controlled Trial. JAMA. 2011 Jun 8;305(22):2295-303. 9. Cook LS, et al. A systematic literature review of vitamin D and ovarian cancer. Am J Obstet Gynecol. 2010 Jul;203(1):70.e1-8.

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ginecologia

Atualizações em câncer de ovário

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CÂNCER DE OVÁRIO NÃO É TÃO FREQUENTE

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QUANTO O CÂNCER DE MAMA, O DE COLO DO

Jorge Saad Souen * Professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Contato: clinicasouen@uol.com.br

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ÚTERO E O DE ENDOMÉTRIO; PORÉM, OS EPITEliomas, sua forma mais frequente, são os de pior prognóstico entre essas entidades. Na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), por exemplo, situava-se em quarto lugar na prevalência entre os tumores malignos da Clínica Ginecológica (CG); no entanto, era o mais fatal – entre as portadoras do mal, só 19% sobreviveram mais que cinco anos. A razão de tão mau prognóstico se deve ao fato de seu reconhecimento acontecer apenas em fases tardias da doença. Nos casos citados da FMUSP – CG, quase 80% dos tumores estavam inseridos em estádios III e IV, quando as chances de sobrevida caem drasticamente. Quando a neoplasia é descoberta em estádios iniciais, ou seja, “borderline” e estádio I, o prognóstico é bem melhor, o que propicia sobrevida, após correto tratamento, de 90% ou mais. Nessas condições, tumores ditos “borderline” ou de baixo potencial maligno, assim como no estádio I, é possível realizar cirurgias não radicais em mulheres jovens, proporcionando-lhes a possibilidade de engravidar mais tarde. Nas formas mais avançadas, no entanto, o tratamento é altamente complexo. Isso se deve ao fato de a progressão da doença ocorrer por disseminação em peritônio livre, causando inúmeros implantes neoplásicos na superfície peritoneal. Tais implantes atingem todos os órgãos e tecidos intra-abominais, inclusive aqueles do abdômen superior, como fígado, omento, baço, pâncreas, estômago, alças intestinais, paredes abdominais, além de linfonodos pélvicos e para-aórticos em toda a sua extensão. O tratamento é cirúrgico e quimioterápico, e eventualmente radioterápico e com hormonioterapia. Quanto à cirurgia, há nítida correlação entre o

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volume do tumor ressecado, incluindo evidentemente a fonte de origem da neoplasia, ou seja, ovários e trompas, e a evolução tumoral. Quando a retirada dos genitais, linfonodos e omento, além de todos os implantes, for completa, o prognóstico é razoavelmente bom. Porém, se sobrarem, por impossibilidade técnica de ressecção, massas neoplásicas maiores que 1 cm, o prognóstico piora de maneira significativa. O fato de os implantes atingirem órgãos e tecidos importantes dificulta grandemente amplas ressecções e determina tentativas muitas vezes frustradas de se atingir o objetivo de diminuir o volume neoplásico. Frequentemente, quando das cirurgias radicais, há necessidade de ressecções de órgãos comprometidos, como alças intestinais, o que obriga a atuação de equipe multidisciplinar e de cirurgiões altamente especializados. Devido às considerações, há morbidade importante e evolução muitas vezes tempestuosa. Os carcinomas de ovário, que são os referidos tumores malignos de origem epitelial, quase sempre exigem quimioterapia baseada em platina. Quando não é possível ressecar otimamente o tumor durante a primeira tentativa, recomenda-se atualmente quimioterapia dita neoadjuvante, ou seja, tratamento inicial com quimioterápicos. O objetivo é, após certo número de sessões das drogas, diminuir o tamanho da massa neoplásica e, numa segunda tentativa, conseguir o intento de ressecar otimamente a massa tumoral. Todavia, atingir essa meta nem sempre é possível. Realmente é mais provável conseguir a citorredução completa na primeira tentativa do que na segunda. Algumas novas tendências procuram melhorar o prognóstico do carcinoma de ovário, entre elas a quimioterapia intraperitoneal com ou sem hipertemia associada. No entanto, os resultados desses recursos ainda não são totalmente conhecidos, além


do fato de a hipertemia associada às drogas quimioterápicas poder causar uma importante morbidade. Enfim, a esperança de que o prognóstico dos carcinomas de ovário melhore repousa na possível descoberta de novas terapêuticas relacionadas à biologia molecular e de terapias-alvo. Indubitavelmente, o ideal, como em qualquer tumor maligno, seria

a detecção precoce. Porém, contamos com recursos pouco confiáveis nesse aspecto. A ultrassonografia pélvica e os marcadores tumorais CA 125 e CEA, feitos rotineiramente, não diminuíram a mortalidade da doença. Os exames periódicos ginecológicos com eventual solicitação da ultrassonografia podem ser a estratégia que nos resta na tentativa de detectar precocemente essa insidiosa moléstia.

Referências bibliográficas

ian Cancer. Gynecological Oncology. Cochrane Database Syst. Rev. 2011 Apr 13; (4) CD007697. Khonry Cold F., Chias A. S. Recent Surgical Management of Ovarian Cancer. J Obstet Gynecol. Rev. 2011. May; 37(5): 379-82. 3. Classe J.M., Cerato E, Boursien C, et al. Retroperitoneal Lymphadenectomy and Survival of Patients Treated for an Advanced Ovarian Cancer: The CARACO trial. J Gynecol Obstet Biol Reprod (Paris) 2011, May; 40(3): 2010-7.

1. Souen J, Carvalho J.P. Câncer de ovário. IN: Manual de Oncologia Genital Feminina. Eds: Jorge Souen, Jesus P. Carvalho e José Aristodemo Pinotti. Ed Roca 2001. São Paulo – Brasil p. 213. 2. Ang L., Chan KK, Bryant A. et als. Ultra Radical (extensive) Surgery Versus Standard Surgery for the Primary Cytoreduction of Advanced Epithelial Ovar-


mama

Mastectomia redutora de risco

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CÂNCER DE MAMA É A NEOPLASIA MAIS PREVA-

BRASIL. SEGUNDO DADOS DO INSTITUTO NACIONAL DE Câncer (INCA), estima-se que em 2011 serão registrados quase 50 mil novos casos da doença. Há inúmeras variáveis que contribuem para o risco de câncer de mama, como idade, questões hereditárias, história pregressa de câncer de mama, lesões precursoras, fatores endócrinos endógenos e exógenos e fatores ambientais. A disponibilidade de meios para identificar mulheres de maior risco para desenvolver câncer de mama, tais como teste genético para rastrear as mutações dos oncogenes BRCA1 e BRCA2 e índices epidemiológicos estatísticos como o modelo de Gail, intensifica a necessidade de definir os riscos e os benefícios de medidas protetoras para essas mulheres. Os recursos disponíveis atualmente para protegê-las são: screening mamográfico intenso, mudança de estilo de vida (dieta, atividade física), quimioprevenção (SERMS, IAS) e mastectomia redutora de risco. LENTE ENTRE MULHERES NO

Mastectomia redutora de risco

Maurício Magalhães Costa * Mestre e doutor em ginecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); especialização em oncologia ginecológica pelo Instituto Karolinska (Suécia); responsável pelo setor de oncologia ginecológica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ; membro do Conselho Diretor da American Society of Breast Diseases Contato: mamcosta@yahoo.com

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A mastectomia redutora de risco ou profilática é a remoção cirúrgica de parte do tecido mamário, com a finalidade de diminuir o risco de desenvolvimento de câncer de mama. Vale ressaltar que nenhuma técnica de mastectomia pode garantir a remoção total da glândula mamária, devido à impossibilidade de se estabelecer os seus reais limites, já que ela apresenta muita intimidade com a pele e prolonga-se para a axila. Porém, estima-se que a cirurgia proporcione uma redução de 90% do risco – portanto, quanto mais radical a cirurgia, maior a proteção. O benefício da cirurgia profilática varia segundo o risco de desenvolvimento da doença: em mulheres com um risco de 40% durante a vida, a cirurgia profilática adiciona três anos de vida; naquelas

em que o risco é de 85%, esse número sobe para mais de cinco anos. A mastectomia profilática pode ser aplicada em duas situações: mastectomia contralateral sincrônica ao tratamento do tumor primário e procedimento bilateral em mulheres de alto risco. Ela é indicada para mulheres com maior risco de desenvolver câncer de mama, que pode aumentar na presença de alguns fatores (Quadros 1,2 3 e 4): 1. História familiar: mulheres com parentes de primeiro grau que tiveram câncer de mama antes dos 50 anos, bilateral ou múltiplos parentes com câncer de mama ou ovário. 2. História pessoal de câncer: mulher que teve um câncer de mama tem maior risco de desenvolver na mama contralateral. 3. Presença de mutação genética em genes BRCA1 ou BRCA2. 4. Múltiplas biópsias mamárias com diagnóstico de lesões precursoras com atipias e principalmente o carcinoma lobular in situ. 5. Alterações difusas em mamas densas, principalmente microcalcificações, dificultam o seguimento, mas isoladamente não caracterizam indicação cirúrgica. 6. História de irradiação em tórax antes dos 30 anos, principalmente para tratamento de linfoma de Hodgkin. É fundamental a seleção individualizada da paciente, com propedêutica por imagem incluindo mamografia, ultrassonografia mamária e ressonância magnética. Deve ser feita uma avaliação por equipe multidisciplinar – mastologista, oncologista, cirurgião plástico, psicólogo e geneticista – para definir se há indicação para a cirurgia, saber se a paciente está preparada para um eventual resultado estético insatisfatório, definir a melhor técnica cirúrgica e a melhor opção de reconstrução.


A opção pela cirurgia deve ser feita conjuntamente, e sem pressa, entre paciente, família e equipe médica. A avaliação psicológica é fundamental e a cancerofobia é um fator que deve ser avaliado cuidadosamente para não haver precipitação ou abuso de indicação. Recomenda-se a assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido.

Quadro 3: Fatores de risco da história familiar para ser portador de mutação BRCA1 e 2 Mutação BRCA1 e 2 conhecida Câncer de mama e ovário

Quadro 1: Fatores de risco para câncer de mama

Dois ou mais casos de câncer de mama com < 50 anos na família

Fator de risco

Risco relativo

Câncer de mama no homem

Idade (>50 anos)

6,5

História familiar

1o grau 2o grau

1,4 - 13,6 1,5 - 1,8

Um ou mais casos de câncer na família em descendentes de Ashkenazi Câncer de ovário em descendente de Ashkenazi

Idade menarca (<12 anos)

1,2 - 1,5

Idade menopausa (>55 anos)

1,5 - 2,0

Idade no primeiro parto (<20 >30)

1,3 - 2,2

Quadro 4: Critérios para ser incluída em categoria de maior risco

Hiperplasia atípica

4,0 - 4,4

Dois ou mais parentes de primeiro grau com câncer de mama.

TRH

1,0 - 1,5

“A opção pela cirurgia deve ser feita conjuntamente, e sem pressa, entre paciente, família e equipe médica. A avaliação psicológica é fundamental e a cancerofobia é um fator que deve ser avaliado cuidadosamente."

Um parente de primeiro grau e dois ou mais de segundo ou terceiro grau com câncer de mama. Um parente de primeiro grau com câncer de mama antes dos 45 anos e outro parente com câncer de mama.

Quadro 2: Mutações genéticas Estima-se que 5% dos casos de câncer estejam associados a alterações conhecidas. A presença dos genes BRCA1 e BRCA2 aumenta entre 56% e 85% o risco de desenvolver câncer de mama, ovário, cólon e próstata. As mutações genéticas estão associadas a tumores em mulheres mais jovens. O risco de mutações genéticas na população geral é de 1/800. Em judeus Ashkenazi, é de 2,3%.

Um parente de primeiro grau com câncer de mama e um ou mais com câncer de ovário. Dois parentes de segundo ou terceiro grau com câncer de mama e um ou mais com câncer de ovário. Um parente de segundo ou terceiro grau com câncer de mama e dois ou mais com câncer de ovário. Três ou mais parentes de segundo e terceiro grau com câncer de mama. Um parente de primeiro grau com câncer de mama bilateral.

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Técnicas de cirurgia As técnicas de cirurgia consistem em retirada do parênquima glandular bilateralmente. As cirurgias se classificam em: 1. Mastectomia simples ou total (retira toda a glândula e o CAP); 2. Adenomastectomia preservadora de pele e CAP (retirada da glândula com preservação do CAP). Essa técnica é a que deixa maior proporção

de tecido mamário residual; 3. Adenomastectomia com preservação da pele (técnica que retira o máximo de tecido, preserva a pele). Discute-se a inclusão da identificação e exame do linfonodo sentinela, mas a tendência é de só indicá-la se houver diagnóstico de câncer de mama, seja infiltrante ou intraductal (Tabela 1).

Tabela 1: Técnicas de incisão Tipo de incisão

Periareolar

Sulco inframamário

T invertido

Volume mamário ideal

Pequeno

Pequeno, médio

Médio e grande

Grau de dificuldade

Grande

Grande polo superior

Menor

Maior risco

Perfurar retalho

Perfurar cauda axilar

Necrose do T

A

B

D

E

Exemplo de mastectomia redutora de risco com: A) incisão em "T" invertido, infra-aureolar; B) retirada de toda a glândula mamária; C) peça cirúrgica; D) marcação da posição do CAP; E) resultado final após cicatrização

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Técnicas de reconstrução A reconstrução pode ser com implantes de silicone, expansores temporários ou definitivos, retalhos dermomusculares de abdômen ou de grande dorsal. Em alguns casos podem ser utilizados os dois recursos. O complexo areolopapilar pode ser reconstruído com pele mamária, tecido da região vulvar ou tatuagem (Tabela 2).

Pré e pós-operatório No pré-operatório, é importante descrever a cirurgia e mostrar imagens tanto de bons resultados quanto de outros menos satisfatórios. Além disso, vale informar a paciente sobre os riscos de complicações e enfa-

tizar as possíveis sequelas como alteração da temperatura, sensibilidade e forma. Para mulheres tabagistas, reforçar a importância de parar de fumar para prevenir complicações (Tabela 3). Embora o índice de mastectomia tenha caído nos últimos anos, cada vez mais mulheres com câncer de mama unilateral estão optando por ter as duas mamas removidas. Pesquisadores têm questionado se a mastectomia profilática contralateral tem sido utilizada mais que o necessário. Em recente estudo conduzido no Memorial Sloan-Kettering Hospital, observou-se um aumento na indicação de mastectomia profilática contralateral de 6,7% para 24,2% em oito anos. Em estudo genético

Tabela 2: Métodos de reconstrução Tipo

Vantagens

Desvantagens

Prótese submuscular

Técnica simples. Procedimento único

Ausência de projeção e ptose; contratura capsular

Expansor temporário

Melhor projeção. Ptose. Sulco bem definido

Enchimento; segundo tempo cirúrgico

Expansor permanente

Procedimento único

Menor projeção. Enchimento

Músculo grande dorsal

Boa definição do prolongamento axilar e infraclavicular

Necessita inserção de prótese, cicatriz no dorso

Músculo reto abdominal

Ótima forma. Não necessita de prótese

Procedimento de longa duração. Complicações abdominais

Retalhos livres com microanastomoses

Forma depende do retalho escolhido

Alta taxa de insucesso. Longa duração. Equipe multidisciplinar

A

B

Reconstrução mamária com colocação de prótese sob o músculo peitoral. A) preparação do músculo; B) inserção da prótese; C) resultado estético da cirurgia

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Tabela 3: Complicações de cirurgia reconstrutora Precoces (< 6 semanas)

Tardias (> 6 semanas)

Hematoma 11,3% Necrose 6,2% Infecção 4,5%

Contratura de cápsula 17,5% Estética 17,5% Dog ear 9,1%

Fonte: Heemskerk- Gerritsen et al, Ann Surg Oncol 2007; 14(12) 3335-3344

de 407 mulheres, apenas 13% eram realmente de maior risco para um segundo câncer de mama. A conclusão da pesquisadora Monica Morrow e de sua equipe é de que a incorporação de ressonância magnética no diagnóstico tem uma forte associação com o crescimento das taxas de mastectomias profiláticas contralaterais. Estudo recente do Journal of National Cancer Institute em março de 2010 demonstrou uma melhora na sobrevida específica de câncer em cinco anos em mulheres que realizaram a mastectomia profilática contralateral e mulheres jovens com câncer de mama inicial e receptores hormonais negativos (83,7% vs. 88,5%). Em contraste, mulheres mais velhas com doenças mais avançadas e receptores hormonais positivos não demonstraram benefício com o procedimento. Na reunião da ASCO deste ano, Monica Morrow apresentou um estudo que demonstrou que o estado mental das pacientes teve grande influência na decisão cirúrgica. Mulheres com maior ansiedade em relação à recidiva local optaram três vezes mais por cirurgias radicais. Ela questiona se é ético tratar ansiedade com cirurgia e conclui que são necessários mais estudos prospectivos para responder se a mastectomia contralateral tem real benefício e para que subgrupo de pacientes. A seguir, outros pontos que devem ser considerados na possibilidade de uma mastectomia redutora de risco: • Necessidade de cirurgia reconstrutora; • Efeito da cirurgia na imagem do corpo e sexualidade;

• Irreversibilidade da decisão; • Esclarecimento que nem todas as mulheres que foram operadas teriam câncer de mama; • Cirurgia redutora de risco é uma boa opção para prevenção do câncer de mama em mulheres de alto risco, mas a eficácia do método e a melhor técnica não estão estabelecidas; • Mulheres candidatas devem ouvir especialistas e se informar claramente sobre os benefícios e limites da técnica; • Estudos clínicos demonstraram redução de 90% na incidência e de 81% a 94% no risco de morte por câncer de mama; • Estudos de satisfação de longo prazo evidenciaram 4% de arrependimento; 44% revelaram que gostariam de ter feito a cirurgia dez anos antes; • Na Universidade Johns Hopkins apenas 10% das pacientes a quem a cirurgia foi oferecida aceitaram realizá-la.

Referências bibliográficas:

of the breast 3rd.ed Philadelphia. Lippincott Williams and Wilkins, 2004. 5. Altekruse SF, Kosary CL, Krapcho M et al. SEER Cancer statistics Review, 1975-2007, Bethesda, MD, National Cancer Institute, 2010. 6. Ma, H, Bernstein L, Pike MC, Ursin G. Reproductive factors and breast cancer risk according to joint estrogen and progesterone receptor status. A metaanalysis of epidemiological studies. Breast Cancer Research 2006; 8(4): R43 7. Lynch HT, Silva E, Snyder C, Lynch JF. Hereditary breast cancer. Diagnosing hereditary breast cancer syndromes. The Breast Journal: 14(1) 3-13. 8. Nava M, Fabrizio T, Petit JY em Veronesi, U et al Reconstrução pós-mastectomia em Mastologia Oncológica, pag 374-388, Ed. Medsi 2002. 9. Chen et Parmigiani, J Clin Oncol, 2007; 25: 1329- 33.

1. 1. Hartmann, LC; Schaid, DJ et al. Efficacy of bilateral prophylatic mastectomy in women with a family history of breast câncer. N Engl J Med 1999;340:77-84. 2. Meijers-Heijboer,H; Van Geel, B et al. Breast cancer after prophylatic bilateral mastectomy in women with a BRCA1 and BRCA2 mutation. N Engl J Med 2001; 345: 159-164. 3. Morrow, M Contralateral Prophylatic mastectomy Journal of Clinical Oncology in April 2011 (doi: 10.1200/JCO.2010.29.4041) doi: 10.1093/jnci/djq018). 4. Singletary , SE. Techniques in surgery. Therapeutic and prophylactic mastectomy. In: Harris JR, Lippman, ME, Morrow, M, Osborn, CK Editors. Diseases

Considerações finais • Raras indicações: apenas casos BRCA1+ comprovados • Técnica: adenectomia. Nos casos de mutação genética, considerar ooforectomia bilateral • Idade ideal: cerca de 35 anos • Mastectomia contralateral apenas em casos de bom prognóstico • Avaliação pré-operatória com RNM • Não pesquisar linfonodo sentinela • Seguimento com USG e exame físico. RM poderá ser empregada

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oncogenética

Para onde caminha a oncogenética? – Oportunidades e desafios O futuro chegou?

T

ALVEZ AINDA NÃO TRATEMOS CADA PESSOA IN-

DIVIDUALMENTE, MAS CERTAMENTE ENORMES

Divulgação

AVANÇOS RECENTES VÊM TORNANDO A MEDICINA

José Cláudio Casali da Rocha * Doutorado em oncologia, Fundação Antonio Prudente, São Paulo; pós-doutor em farmacogenética, St Jude Children’s Hospital, EUA; diretor do CGEN – Centro de Genética, São Paulo; oncogeneticista da Clínica COI e da Clínica Salus, Rio de Janeiro; pesquisador do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba. Autor do livro Oncologia Molecular

Contato: joseclaudior@uol.com.br

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baseada na genética uma realidade. Será que nós, oncologistas clínicos, teremos que nos tornar também oncogeneticistas? A aquisição de conhecimentos nessa área será, sem dúvida, necessária até mesmo para entendermos o desenho dos novos estudos clínicos. Acredito que vamos direcionar nosso aprendizado segundo nossas áreas de atuação clínica e de interesse. Antecipando a necessidade de formação nas áreas de oncogenética e biologia molecular, essas matérias foram incluídas como parte do currículo mínimo recomendado pela ACCO (ASCO Core Curriculum Outline), que define pontualmente as competências mínimas para oncologistas clínicos em treinamento, sendo a primeira delas: “I. Princípios científicos básicos; incluindo biologia do câncer e genética, etiologia do câncer, imunologia tumoral, e epidemiologia”. A ASCO (American Society of Clinical Oncology), juntamente com a ESMO (European Society for Medical Oncology), recentemente definiu no documento Global Core Curiculum as habilidades que devem ser desenvolvidas por oncologistas clínicos, alcançadas em três níveis de conhecimento: essencial (básico); competência para atuar clinicamente, do diagnóstico clínico/molecular até as condutas de rastreamento e prevenção (médio); e bases epidemiológicas e biológicas (avançado). Além dos princípios científicos básicos acima, o currículo prevê habilidades na área de patologia/medicina laboratorial/biologia molecular. O fato é que precisamos nos preparar nas várias vertentes do conhecimento em oncogenética, já que (1) o uso de biomarcadores de predisposição ao

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câncer; (2) o diagnóstico e classificação molecular dos tumores, com implicação prognóstica; (3) a suscetibilidade do indivíduo aos efeitos do tratamento; e (4) a predição de benefício com o uso de agentes farmacológicos farão cada vez mais parte de nossas rotinas.

A herança do câncer esporádico O reconhecimento de que as variações genéticas herdadas de nossos ancestrais nos caracterizam como únicos – não apenas na aparência externa, mas também na forma como reagimos a estímulos endógenos, ambientais e genéticos e a suas interações – é o campo explorado pela epidemiologia molecular. Mesmo nos tumores esporádicos, o componente genético pode influenciar a carcinogênese no desenvolvimento de subtipos específicos de tumores, na idade de desenvolvimento e também no seu comportamento biológico. À luz dos conhecimentos atuais, a etiologia dos tumores, o risco e as medidas para o controle do câncer devem ser compreendidos considerando-se o indivíduo e sua família em seus aspectos regionais.

Câncer hereditário: individualizando a prevenção e o tratamento No campo dos tumores hereditários, o nosso nível de compreensão vem melhorando com o reconhecimento das variações clínicas de síndromes hereditárias conhecidas e a partir da possibilidade de testagem de mutações genéticas germinativas nos genes de predisposição ao câncer nos probandos afetados e nos seus familiares assintomáticos (teste preditivo). É interessante que, a cada semana, novos genes sejam associados a síndromes hereditárias e novas síndromes de predisposição ao câncer sejam descritas. Pouco ainda se conhece sobre as principais síndromes de câncer hereditário no Brasil, com


séries de casos pequenas ou restritas a uma região. Embora a maioria das famílias brasileiras com síndromes de câncer hereditário relatadas até agora desenvolva um padrão sindrômico semelhante ao de outras populações, algumas variações fenotípicas, mutações genéticas e riscos de tumores peculiares da população brasileira também têm sido descritos. Estudos futuros devem explorar as características étnicas, clínicas e genéticas de populações de alto risco, melhorando o cuidado especializado e intradisciplinar e garantindo o direito ao aconselhamento genético e o acesso aos testes moleculares. Um dos obstáculos que precisamos superar ainda hoje é o reconhecimento de indivíduos com diagnóstico ou suspeita de câncer hereditário. A coleta adequada da história familiar de tumores, más-formações congênitas e patologias recorrentes, a representação da estrutura familiar com a confecção do heredograma (ou árvore genealógica) e sua interpretação são considerados conhecimentos essenciais. É fundamental fornecer orientação ao paciente com câncer sobre (1) seus riscos e de seus familiares, prevenindo sinistros futuros; e (2) os riscos de transmissão à prole e de recorrência. O diagnóstico clínico e molecular, assim como medidas individualizadas de rastreamento e prevenção, inclusive cirurgias redutoras de risco, deve ser definido. Devido à raridade de estudos clínicos e ao baixo poder estatístico pelo número de participantes nos estudos, os consensos de especialistas guiam muitas dessas condutas. Antes de tudo, é importante que as recomendações estejam adequadas aos riscos relativos e aos percebidos pelo indivíduo. A experiência prática na área de oncogenética facilita o reconhecimento das principais síndromes hereditárias no dia a dia e a referência ao oncogeneticista para o aconselhamento genético (Figuras 1 e 2).

Câncer de mama Câncer de ovário

Figura 1 Heredograma de uma família com a síndrome do câncer de mama e ovário hereditários (HBOC, na sigla em inglês) associada principalmente com mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 (~20%), mas também com envolvimento de outros genes ainda pouco explorados, como PTEN, CHK2, ATM, BRIP1, PALB2, RAD51C, RAD51D, FANC e CDKN2A, com contribuições <1% cada um

Assinaturas genéticas O escore de recorrência baseado na assinatura de genes expressos por tumores vem sendo cada vez mais aplicável na prática clínica. Um exemplo disso é o painel de 21 genes OncotypeDx, disponível comercialmente para identificar um grupo de mulheres com carcinoma de mama localizado, receptores hormonais de estrogênio ou progesterona positivos, com extensão para um a três linfonodos axilares, que não terão nenhum benefício com quimioterapia, e que derruba o paradigma contemporâneo de que toda paciente com comprometimento axilar deve receber quimioterapia adjuvante. O uso cada vez maior de painéis de genes classificadores para predição de resposta ao tratamento e/ou de resistência tumoral identificará os pacientes que terão grande benefício de tratamento adjuvante e aqueles com baixo escore, que, consequentemente, poderiam ser poupados dos efeitos adversos do tratamento. O rápido desenvolvimento de novas tecnologias para análises genéticas com alta performance e de aplicativos de bioinformática trouxe para o presente a possibilidade de avaliar genomas de tumores (Figuras 3 e 4). Uma lacuna de oportunidades existe para explorar o

Figura 2 Via BRCA. As vias de interação das proteínas BRCA1 e BRCA2 com outras proteínas celulares facilitam o conceito de que mutações de diferentes componentes da mesma via genética podem causar fenótipos semelhantes

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imenso abismo que separa o avanço tecnológico e a aplicação prática dos novos conhecimentos adquiridos.

Biomarcadores moleculares preditores de sensibilidade O avanço na clínica do uso de biomarcadores vem sendo demonstrado, entre outras aplicações, para a classificação molecular dos tumores e a

definição do benefício de um tratamento específico. Além da classificação dos tumores por suas características histopatológicas, a expressão de proteínas (por imuno-histoquímica) e os métodos moleculares (pCR, sequenciamento, FISH, microarray) trouxeram para o presente a possibilidade do uso rotineiro de detecção de mutações genéticas, amplificações e fusões gênicas dos tumores com relevância clínica. Um crescente número de agentes terapêuticos direcionados a alvos específicos nas células tumorais vem sendo desenvolvido, revolucionando a forma como se tratam diferentes tipos de câncer, tendo como alvo mutações e/ou vias genéticas. Vários estudos demonstraram que a seleção de pacientes com base em características genéticas presentes no tumor identifica aqueles indivíduos que mais se beneficiarão do uso desses agentes. Com a crescente complexidade da rede de interações de vias genéticas e dos mecanismos de escape biológicos dos tumores, será necessário desenvolver uma forma abrangente de se compreender o espectro de alterações genéticas distintas do câncer. Só assim será possível traçar estratégias personalizadas voltadas para subgrupos de pacientes com maior chance de obter benefício com um tratamento específico ou combinado (Tabela 1).

Farmacogenética Figura 3 Mapa genômico de uma linhagem tumoral de câncer de mama (HCC1954). O gráfico circular representa os resultados do sequenciamento do exoma da linhagem, onde os segmentos definidos no contorno representam os cromossomos, e as linhas que interligam cromossomos representam as fusões intra ou intercromossômicas

Figura 4 Evolução dos avanços genômicos ao longo dos últimos anos. A tecnologia permitiu a mudança de resolução da análise genética cromossômica para o nível de nucleotídeos. Além disso, o avanço tecnológico também permitiu aumentarmos o processamento para as análises genômicas globais e o sequenciamento genômico

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A variabilidade de resposta dos indivíduos aos medicamentos é a base dos princípios que suportam a farmacogenética. Enquanto os estudos clínicos procuram definir a janela terapêutica, e a dose do medicamento é normalmente baseada na dose máxima tolerada, a farmacogenética procura adaptar o tratamento com a dose mínima eficaz segundo as características do indivíduo. A variação de resposta tumoral desejada e a toxicidade tolerada pelos tecidos normais podem ser explicadas por varia-


ções genéticas comuns (polimorfismos) presentes nos genes responsáveis por absorção, transporte, distribuição, metabolismo (bioativação e inativação) e eliminação dos fármacos, bem como nos genes que regulam as funções celulares, como o ciclo celular e a capacidade de reparo aos danos do DNA. As variações genéticas potencialmente modulam a disponibilidade do agente terapêutico nas células normais e tumorais do indivíduo e têm sido incorporadas à prática clínica, como a genotipagem dos genes TPMT (metabolismo das tiopurinas); UGT1A1 (irinotecano); DPD, TS, MTHFR, RFC, entre outros do ciclo do ácido fólico (fluoropirimidinas); e CYP2D6 (tamoxifeno). O desafio de ajustar as doses e a escolha de

medicamentos com base em análises farmacogenéticas também é uma perspectiva da medicina personalizada.

Conclusão Ainda temos muitos desafios pela frente até alcançarmos na prática a chamada medicina personalizada. Com a perspectiva real de regermos os cuidados ao paciente com câncer e seus familiares, presenciaremos cada vez mais mudanças no desenho de estudos clínicos. Devemos aproveitar para discutir as implicações da medicina personalizada no sistema de saúde público e privado, bem como os seus aspectos éticos e legais.

Tabela 1: Marcadores genéticos de relevância terapêutica em oncologia Alteração genética

Gene envolvido

Fenótipo (câncer)

Agente alvo direcionado

Translocação/fusão

BRC-ABL PML-RARa EML4-ALK FIP1L1-PDGFR

LMC Leucemia promielocítica aguda Mama, colorretal, pulmão Leucemia eosinofílica crônica

Imatinibe, dasatinibe, nilotinibe Ácido retinoico All-trans (ATRA) Crizotinibe (fase III), foretinibe (fase II) Imatinibe

Amplificação

EGFR

Pulmão, colorretal, glioblastoma, pâncreas

ErbB2 KIT SRC PIK3CA

Mama, ovário GIST, glioma, hepatocarcinoma, rim, LMC Sarcoma, LMC, LLA Mama, ovário, colorretal, endométrio

Cetuximabe, gefitinibe, erlotinibe, panitumumabe, lapatinibe Trastuzumabe, lapatinibe Imatinibe, nilotinibe, sunitinibe, sorafenibe Dasatinibe Inibidores PI3-kinase; experimental: LY294002

EGFR

Pulmão, glioblastoma

KIT PDGFR BRAF MET KRAS RAS/RAF PTEN (mTOR) PI3K/Akt (mTOR) PTCH1, SMO (Hedgehog)

GIST, glioma, hepatocarcinoma, rim, LMC GIST, glioma, hepatocarcinoma, rim, LMC Melanoma, astrocitoma pediátrico Pulmão Colorretal, pâncreas, estômago, pulmão Linfoma de células T cutâneo Câncer de endométrio, próstata, pulmão NSCLC, rim Câncer de endométrio, próstata, pulmão NSCLC, rim

Cetuximabe, gefitinibe, erlotinibe, panitumumabe, lapatinibe Imatinibe, nilotinibe, sunitinibe, sorafenibe Imatinibe, nilotinibe, sunitinibe, sorafenibe PLX4032 (fase III) Cresatinibe (fase III), foretinibe (fase II) Resistência a erlotinibe, cetuximabe (colorretal) Selumetinib (fase II) Ridaforolimo, temsirolimo, everolimo Ridaforolimo, temsirolimo, everolimo

Carcinoma basocelular

GDC-0449 (vismodegib) (fase II)

VEGF-2578 VEGF-1154

Mama Mama

Bevacizumabe Bevacizumabe

Mutação pontual

Genótipo

Referências bibliográficas 1. Curriculum for Medical Oncology. ACCO: ASCO Core Curriculum Outline http://www.asco.org/ascov2/Education+&+Training/ASCO+ Program+Guidelines. 2. ESMO-ASCO Global Core Curriculum for Training in Medical Oncology Log Book.

http://www.asco.org/ASCOv2/Department%20Content/International%20Affairs/Downloads/ESMO_ASCO_log_book%20final.pdf. 3. MacConaill, LE; Van Hummelen, P; Meyerson M; Hahn, WC. Clinical Implementation of Comprehensive Strategies to Characterize Cancer Genomes: Opportunities and Challenges. Cancer Discovery; 1(4): 297–311, 2011. 4. Em: Oncologia Molecular. Ferreira, CG; Casali da Rocha, JC. Editora Atheneu, 2a edição, 2010.

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nutrição

Desnutrição em câncer Introdução

O

Divulgação

MENTO DO CÂNCER.

Dan Linetzky Waitzberg * Professor associado do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP; coordenador do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia (Metanutri – LIM 35); diretor do Grupo de Nutrição Humana (GANEP)

Letícia De Nardi * Nutricionista; mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); pesquisadora do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia (Metanutri – LIM 35 – FMUSP); especialista em Nutrição Clínica pelo Grupo de Nutrição Humana (GANEP)

Lilian Mika Horie * Nutricionista; mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Gastroenterologia da FMUSP; pesquisadora do Laboratório de Metabologia e Nutrição em Cirurgia (Metanutri – LIM 35 – FMUSP); especialista em Nutrição Hospitalar em Hospital Geral do Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMUSP Contato: metanutri@gmail.com

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ESTADO NUTRICIONAL INFLUENCIA O TRATA-

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DISTÚRBIOS

DO ESTADO

NUTRICIONAL CONTRIBUEM PARA MAIOR INcidência e gravidade dos efeitos colaterais do tratamento da moléstia cancerosa, aumento do risco de infecções e redução da sobrevida1. Adiciona-se que a desnutrição é causa de óbito em 20% a 40% dos portadores de câncer2. Alterações do estado nutricional podem estar presentes já no momento do diagnóstico de moléstias cancerosas. A anorexia está presente em 15% a 25% de todos os doentes com câncer por ocasião do seu diagnóstico e em quase todos os que apresentam metástase3. O conjunto de anorexia, anemia, perda de peso, massa muscular e gordurosa leva o paciente a um estado de desnutrição grave, conhecida por caquexia. A desnutrição é muito comum no câncer e sua intensidade varia conforme o tipo e a localização da neoplasia maligna. Em câncer de cabeça e pescoço, por exemplo, cerca de 40% dos pacientes se encontram desnutridos antes do diagnóstico e do tratamento4. No Brasil, a incidência de desnutrição em pacientes com câncer e as suas consequências foram abordadas em estudo multicêntrico nacional (IBRANUTRI). Waitzberg e colaboradores (2001)5 analisaram 4 mil pacientes internados pela rede SUS em hospitais de grandes cidades brasileiras e encontraram desnutrição em 47,6% dos enfermos. Os autores identificaram 794 doentes (19,9%) com câncer nessa casuística. Ao comparar a incidência de desnutrição entre os pacientes com câncer e os internados por outras doenças, foi possível averiguar que a desnutrição é mais frequente na vigência de neoplasia maligna (desnutridos com câncer (66,9%) versus desnutridos sem câncer (40,7%), p< 0,01). As consequências da desnutrição são graves e de alto custo institucional. A presença de desnutrição se associou a maior mortalidade (31,1% de desnutridos versus 20,6% de nutridos) e morbidade (14,4% de desnutridos versus 5,9% de nutridos) e

também a maior número de dias de internação hospitalar, que foi de 10±12 dias para os doentes nutridos contra 17±24 dias para os desnutridos5. A alta frequência de alterações nutricionais e suas graves consequências para o doente com câncer justificam esforços para compreender suas causas e mecanismos, com o intuito de orientar medidas terapêuticas e de suporte. Na presente publicação pretende-se abordar as principais alterações metabólicas decorrentes do câncer para traçar, a seguir, as linhas mestras de terapia nutricional em câncer. O primeiro passo para instituir a terapia nutricional e buscar atenuar o quadro de desnutrição do paciente com câncer é a avaliação nutricional. Uma vez identificado o estado nutricional, iniciam-se o planejamento e a terapia nutricional, cujos principais objetivos encontram-se na tabela abaixo: Objetivos da terapia nutricional em câncer • Prevenir ou corrigir desnutrição • Favorecer a tolerância ao tratamento • Reduzir efeitos colaterais e complicações relacionadas com a nutrição • Preservar a força e a energia • Manter a capacidade de reagir à infecção • Auxiliar na recuperação e na cicatrização • Manter ou melhorar a qualidade de vida

Repercussões do tumor maligno no hospedeiro A partir de um determinado estágio de desenvolvimento e dependendo do tipo de câncer, ocorrem modificações no organismo hospedeiro em função da reação contra a presença do câncer ou decorrentes da ação de substâncias produzidas pelo próprio tumor. De maneira geral, predomina uma reação do tipo inflamatória, medida por elevação de hormônios contrarreguladores e citocinas pró-in-


flamatórias, como fator de necrose tumoral (TNF) e interleucinas (IL1, IL-2 e IL-6)6. Essa reação inflamatória pode ser acompanhada pela maior produção hepática de proteínas de fase aguda, salientando-se como marcador a proteína C reativa, em detrimento da produção hepática de outras proteínas como a albumina6. As alterações neuro-hormonais e de citocinas pró-inflamatórias promovem modificações no metabolismo intermediário, que se assemelham a resposta metabólica ao trauma e à infecção7. Assim, em câncer não se encontra resposta metabólica adaptativa ao jejum. Portanto, o organismo vai necessitar de glicose obtida principalmente pela degradação de proteínas, ao invés de se adaptar através de energia às custas do tecido adiposo e dos corpos cetônicos8.

Alterações metabólicas no paciente com câncer A etiologia da desnutrição em câncer é multifatorial e pode ser devida à anorexia ou à diminuição da ingestão dietética, por fatores mecânicos, perda de ciclos metabólicos fúteis, aumento do gasto energético mediante alterações metabólicas causadas pelo tumor, efeito adverso de terapia antineoplásica radical, dor, náusea, vômitos, diarreia, má absorção e depressão9-11. A caquexia caracteriza-se por grave depleção do tecido adiposo e musculoesquelético refletida na progressiva perda de peso corpóreo em câncer avançado. A perda do tecido adiposo pode atingir 85% da massa gordurosa total, enquanto a perda de proteínas do musculoesquelético chega a 75% do total, o que leva o paciente à perda de 30% do peso corpóreo total. No entanto, a perda de peso a partir do musculoesquelético é provavelmente o fator mais limitante para a sobrevida dos pacientes oncológicos, devido à diminuição de tecido muscular, que leva ao comprometimento de funções fisiológicas como diminuição da função respiratória e aumento da suscetibilidade a infecções6,12,13. Cerca de 50% de todos os pacientes com câncer apresentam perda de peso corpóreo, porém a síndrome da caquexia não está presente em todos os tipos de tumores malignos. Os pacientes com câncer pancreático e gástrico têm perda de peso com grande frequência (83% a 87%), enquanto os pacientes diagnosticados com quadro desfavorável de linfoma não-Hodgkin, câncer de cólon, próstata e pulmão apresentam perda de peso intermediária (48% a 61%). A perda de peso encontra-se em menor frequência principalmente nos pacientes com subtipos favoráveis de linfoma não-Hodgkin, câncer de mama, leucemia aguda não linfocítica e alguns sarcomas (31% a 40%). Isso se explica porque os tumores capazes de induzir caquexia têm expressão gênica alterada, com produção de fatores modificadores do metabolismo intermediário, com o intuito de disponibilizar substratos para rápida proliferação das células neoplásicas6,14. As principais alterações metabólicas observadas no paciente com câncer envolvem estímulo da gliconeogênese a partir do lactato, aumento da captação de glicose pelas células tumorais e mobilização das

reservas orgânicas2. Fatores relacionados ao hospedeiro, como liberação de citocinas, aumento do gasto energético e redução da ingestão alimentar, associados a fatores tumorais que incluem liberação de substâncias catabólicas, priorização dos substratos energéticos e proteicos para a proliferação celular, podem ainda levar ao desenvolvimento da caquexia com aumento da mortalidade7. A sobrevivência das células tumorais depende, em parte, da capacidade de síntese de microcirculação na região tumoral, por meio de fatores angiogênicos. A progressão tumoral envolve alterações genéticas: ocorre perda de função dos genes supressores de tumor e ativação de oncogenes que favorecem a tumorigênese, resultando no desequilíbrio da proliferação celular. Células cancerosas são ávidas por glicose e capazes de captar a glicose cerca de 10 a 50 vezes mais em relação às células normais pro ximais ao tumor10. Pacientes com câncer desenvolvem alterações importantes no metabolismo da glicose, secundárias ao intenso turnover da glicose corpórea, devido ao uso preferencial desse nutriente como fonte de energia pelas células tumorais14. O ciclo de Cori consiste na conversão hepática do lactato à glicose com gasto de energia15-17, sendo considerado “ciclo fútil” por ser energeticamente ineficiente para o paciente e por contribuir parcialmente para o aumento do gasto energético17. Observa-se redução do uso da glicose pelo tecido muscular, maior utilização tumoral da glicose por via anaeróbica com aumento da liberação de lactato na circulação sanguínea e consequente estímulo para o ciclo de Cori, de forma a compensar a acidose metabólica comum nos pacientes com câncer. No ciclo de Cori, o lactato proveniente da glicólise anaeróbica liberado pelos tecidos extrahepáticos (principalmente músculos) é reciclado no fígado, com alto custo energético (seis ATPs por ciclo)15,18. Pacientes oncológicos com acentuada perda de peso apresentam aumento no turnover de glicerol e ácidos graxos quando comparados com indivíduos normais ou pacientes oncológicos sem perda de peso. As concentrações plasmáticas de glicerol apresentam-se elevadas, devido ao aumento da lipólise17. Os ácidos graxos livres concorrem para aumento em 20% na taxa de oxidação de gorduras. Em pacientes com câncer não existem evidências da diminuição dos níveis da enzima lipase lipoproteica (LPL) no tecido adiposo, porém existe aumento de duas vezes dos níveis de mRNA para lipase hormônio sensível (HSL), o que sugere aumento na regulação na hidrólise do triacilglicerol17. A atividade lipolítica também pode ocorrer em pacientes portadores de tumor e ser mediada através do fator de mobilização de lipídios (FML). Essa substância é produzida por alguns tipos de células tumorais e encontra-se ausente em pessoas saudáveis19. Os ácidos graxos provenientes de lipólise podem ser utilizados por diferentes vias, incluindo síntese de energia em ciclos metabólicos fúteis e por meio de reação de betaoxidação na mitocôndria, síntese de fosfolípides utilizados na composição de membranas celulares e síntese de Onco& outubro/novembro 2011

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eicosanoides que são mediadores inflamatórios, além da produção de calor no tecido adiposo marrom e musculoesquelético20. Em diferentes situações de trauma e doença, as perdas de tecido adiposo na caquexia podem ser mediadas por citocinas pró-inflamatórias, principalmente o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), por meio da mobilização de ácidos graxos pela inibição da atividade de lipoproteína lipase. Em tais condições, essa inibição leva ao aumento da lipólise no tecido adiposo e de ácidos graxos livres no sangue21,22. Em câncer ocorre predomínio da degradação muscular em relação à síntese proteica, que está diminuída. Ocorre aumento da proteólise, em particular das proteínas miofibrilares com maior liberação de aminoácidos, como alanina e glutamina. As alterações metabólicas observadas no câncer conduzem ao aumento da excreção de nitrogênio urinário e à presença de balanço nitrogenado negativo23. Diferentes vias proteolíticas são responsáveis pelo catabolismo do musculoesquelético. Entre elas, a via ubiquitina dependente de energia é a principal responsável pela acelerada proteólise em condições de estresse, como jejum, sepse, acidose metabólica, diabetes e durante a caquexia do câncer. Esse processo ocorre através da ativação de proteínas intracelulares, que são sinalizadas para a degradação por uma pequena proteína denominada ubiquitina (processo denominado ubiquitinação). Ocorre a conjugação da proteína alvo com a ubiquitina, que atua como sinalizador do substrato para a ação da enzima proteolítica proteasoma 26S. Geralmente, as proteínas ubiquitinadas são degradadas pelo complexo enzimático proteasoma 26S, encontrado no núcleo e no citoplasma celular. Essa via envolve três diferentes etapas dependentes de energia (ATP), que resultam em maior gasto energético, encontrado em alguns pacientes que apresentam caquexia do câncer23,24. O catabolismo do musculoesquelético em pacientes com caquexia ainda pode estar relacionado à produção de uma glicoproteína sulfa-

tada denominada fator de indução de proteólise (PIF). O PIF foi isolado na urina de pacientes com caquexia do câncer, mas não na urina de indivíduos normais, pacientes com perda do peso devido a trauma ou nos pacientes oncológicos com manutenção do peso25,26. Os pacientes com câncer de pulmão e gastrintestinal com perda de massa muscular apresentam níveis aumentados de proteína C reativa (PCR)27. Além disso, associa-se a elevação dos níveis de fibrinogênio aos pacientes com câncer pancreático com reduzido tempo de sobrevida28. As citocinas podem ser produzidas pelo hospedeiro em resposta ao quadro inflamatório ou pelo próprio tumor. As citocinas IL-6, IL-8 e TNF-α induzem a produção de proteínas de fase aguda, que pode sugerir seu papel na caquexia do câncer6. No entanto, estudos experimentais e clínicos demonstram que a alteração dos níveis de citocinas pode não se correlacionar com a perda de peso. Espat e colaboradores (1996) administraram IL-6 durante sete dias em ratos adultos saudáveis e verificaram aumento nos níveis hepáticos de proteínas de fase aguda, porém sem alteração de peso29. Entretanto, em outro estudo demonstrou-se que níveis séricos de TNF-α, IL-1, IL-6 e IFN-γ não se correlacionam com a perda de peso apresentada por pacientes com câncer avançado ou terminal30. As alterações do metabolismo intermediário descritas repercutem em prejuízo do estado nutricional associado a maiores índices de morbidade e mortalidade, com maior risco de infecção, maior tempo de hospitalização, piora da qualidade de vida, menor resposta a quimioterapia e radioterapia e maior custo hospitalar9,31-34. O conhecimento das principais alterações metabólicas observadas nas células transformadas e suas repercussões clínicas no paciente oncológico têm grande importância para a melhor compreensão do impacto da terapia nutricional sobre a evolução e o prognóstico dos pacientes com câncer.

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onco-hematologia

Desafios no diagnóstico de linfoma indolente Introdução

O

TERMO LINFOMA NÃO-HODGKIN É UTILIZADO

Divulgação

PARA DESIGNAR UM GRUPO DE NEOPLASIAS DO

Alexandre Palladino Oncologista do INCA; membro do Grupo de Linfomas do INCA; onco-hematologista do Centro de Oncologia da Rede D’or e da clínica Oncologistas Associados Contato: palladino.alexandre@gmail.com

Ana Carolina Nobre * Oncologista da Pesquisa Clínica do INCA; oncologista do Hospital Geral da Lagoa; oncologista do Centro de Oncologia da Rede D’or e da clínica Oncologistas Associados Contato: carolanobre@gmail.com

Diogo Rodrigues * Oncologista do HFAG; oncologista do Centro de Oncologia da Rede D’or e da clínica Oncologistas Associados Contato: daurros@gmail.com

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SISTEMA LINFÁTICO, CONSTITUÍDO POR ENTIdades clínicas específicas que apresentam diferenças em sua fisiopatologia, histologia, biologia molecular e curso clínico. Sua origem são células B ou T em diferentes estágios de maturação. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica os linfomas baseados na fisiopatologia e na origem celular, o que não inclui o termo “linfoma indolente” e “linfoma agressivo”. Porém, essa designação é amplamente utilizada na prática clínica. Os linfomas agressivos normalmente se apresentam de forma aguda ou subaguda, com aumento rápido e importante do volume da doença, presença de sintomas B (febre, calafrios e perda de peso de > 10% em 6 meses) e elevação de LDH. Exemplos de linfomas agressivos são os linfomas difusos de grandes células, linfoma de Burkitt, linfoma/leucemia de células T do adulto e linfoma linfoblástico. Os linfomas indolentes representam um grupo de linfomas de crescimento lento, frequentemente associados a menos sintomas. É comum se apresentar como doença avançada já na apresentação, com linfonodomegalias em diferentes cadeias ganglionares, hepatomegalia, esplenomegalia e infiltração da medula óssea.

Epidemiologia Os linfomas são a quinta maior causa de morte por câncer nos Estados Unidos, sendo as neoplasias hematológicas mais comuns. Representam de 4% a 5% do total de novos casos de câncer, com um aparente aumento dessa incidência nas últimas décadas. Esse aumento foi observado principalmente nos casos de linfomas mais agressivos, como os associados à infecção pelo HIV. Os linfomas indolentes respondem por cerca de 40% de todos os linfomas não-Hodgkin. Enquanto os linfomas de características mais agressivas costumam acometer populações mais jovens, os linfomas indolentes ten-

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dem a acometer populações mais idosas. O subtipo histológico mais comum de linfoma indolente é o linfoma folicular. Outro subtipo com alta prevalência é a leucemia linfocítica crônica/ linfoma linfocítico de pequenas células (representam a mesma patologia, porém com diferença na apresentação clínica: leucêmica vs. linfomatosa, respectivamente).

Apresentação clínica A apresentação clínica dos linfomas não-Hodgkin pode variar conforme o subtipo. A grande maioria dos pacientes se apresenta com linfadenopatia pe riférica não dolorosa. Aproximadamente 50% dos pacientes podem desenvolver doença extranodal e 10% a 35% vão se manifestar com doença primária extranodal desde o diagnóstico. Na anamnese devemos ter atenção especial ao curso da doença e seu tempo de evolução, o que permite avaliar a sua agressividade e ter uma ideia inicial do possível subtipo de linfoma. Esperamos uma evolução de meses ou até mesmo anos para um linfoma indolente. Alguns pacientes não valorizam um gânglio aumentado pelo curso extremamente arrastado da doença. Colocações como “este caroço é antigo, já tenho há alguns anos” não são incomuns. Já pacientes com linfoma agressivo estão claramente “doentes”, com queixas agudas, sintomas sistêmicos e queda do estado geral. Entretanto, história de sintomas B pode estar presente em 30% dos pacientes com LNH indolente durante o curso de sua doença. Os sintomas B consistem em febre, perda de peso (> 10% em 6 meses) e sudorese noturna e estão associados a um pior prognóstico. Outros sintomas sistêmicos relatados são fadiga, mal-estar e prurido (menos de 10% dos casos). Esses sintomas não possuem correlação prognóstica. Também deve ser observada a história patológica pregressa do paciente, principalmente no que diz respeito à presença de patologias e condições relacionadas ao diagnóstico de linfoma. Nesse grupo incluímos algumas infecções virais e condições rela-


cionadas a imunodeficiência, como o uso de algumas drogas, infecção de leucemização é vista em 10% dos pacientes com linfoma, principalmente naqueles com doença indolente. pelo HIV, HTLV1, hepatites B e C e doenças autoimunes. Fenômenos autoimunes, como anemia hemolítica e PTI, são obA relação entre infecções virais e linfoma é bem conhecida, a exemplo da correlação entre o vírus Epstein-Barr e alguns subtipos de servados em alguns pacientes, sendo mais frequentes nos linfomas inlinfoma, como Burkitt e doença de Hodgkin. Pacientes imunossupri- dolentes que nos agressivos. O envolvimento do sistema nervoso central, em meninge ou parênmidos em programas de transplante de órgãos também estão sob risco. O tratamento prévio de neoplasias deve ser documentado. Alguns quima cerebral, e doença óssea também podem ocorrer, mas costumam ser mais comuns nos linfomas agressivos. tratamentos antineoplásicos estão associados ao diagnóstico de uma segunda neoplasia. Além disso, existem algumas associações de outros tumores e o diagnóstico de linfoma, como a relação de câncer de cólon Diagnóstico e do linfoma linfocítico de pequenas células/leucemia linfocítica O diagnóstico de linfoma, dentro de um contexto clínico apropriado, crônica. Alguns quadros virais se apresentam com febre e linfono- é confirmado pela avaliação histopatológica de um gânglio ou estrutura domegalias, podendo confundir com o diagnóstico de linfoma, porcomprometida. Também utilizamos a imuno-histoquímica e estudos tanto é importante arguir quanto à saúde dos contactantes. genéticos que auxiliam tanto no diagnóstico quanto na classificação Particularmente interessante é a associação da droga hidantoína com do linfoma. O ideal é que o material seja obtido através de uma biópsia uma rara condição conhecida como pseudolinfoma, o que mostra a excisional para melhor avaliação de todo o linfonodo. Punções aspiimportância de uma história clínica bem conduzida. rativas por agulha fina não fornecem material apropriado para o diagHistória familiar de neoplasia é um fator importante, já que o risco nóstico, e comumente não são recomendadas. de desenvolver a doença pode ser maior em quem tem casos de linNa avaliação histopatológica observam-se a morfologia das células foma e outras neoplasias na família. e o padrão de infiltração linfonodal, que pode ser folicular ou difuso. Linfonodomegalias periféricas palpáveis ao exame físico estão preA expressão de antígenos celulares permite a classificação do linsentes em boa parte dos pacientes ao diagnóstico – alguns pacientes foma e pode ser feita pela imunofenotipagem ou pela imuno-historelatam que os gânglios aumentam e diminuem espontaneamente, sem química. A imunofenotipagem é realizada por citometria de fluxo em qualquer tratamento. tecido a fresco, como sangue ou medula óssea. A imuno-histoquímica No exame físico devem ser examinadas todas as cadeias linfáticas, é realizada em tecido fixado ou congelado. que incluem os anéis de Waldeyer, linfonodos axilares, supraclavicuA imunofenotipagem tem um papel crucial para o diagnóstico e a lares, cervicais, inguinais e femorais, cadeias occipitais, pré-auriculares, subclassificação da maioria dos LNH. O padrão de expressão dos antíepitrocleares e poplíteas. genos de diferenciação linfoide na superfície celular é usado para distinO envolvimento de estruturas orbitais é raro, mas pode estar pre- guir entre células B e T e seus vários estágios de maturação (Tabela 1). sente nos linfomas de células do manto, zona marginal e sistema nervoso central. Tabela 1: Marcadores usados na avaliação dos linfócitos por citometria de fluxo Aproximadamente 20% dos pacientes com LNH apresentam adenopatia mediastinal. O envolvimento Marcador Tipo celular Comentário mediastinal pode ocorrer como manifestação isolada, principalmente no linfoma difuso de grandes células B, Expressas em todas as células T CD3 Células T e em outros tipos celulares que é um subtipo de linfoma agressivo. Pode ocorrer síndrome de compressão da veia cava superior. Predominantes nas células CD4 Algumas células T helper/inducer T cells Pode-se notar o comprometimento de serosa, particularmente a pleura, podendo ser observados achados Predominantes nas células T citotóxicas, CD8 Algumas células T compatíveis com um derrame pleural ao exame físico. e em um terço da natural killer O acometimento dos linfonodos abdominais geralCD19 ou CD20 Células B mente é assintomático, mas eventualmente chama a Algumas células NK podem não expressar CD16 Células natural killer atenção por uma massa palpável ou pelo desconforto abdominal. A hepatoesplenomegalia difusa é encontrada Expressas na maioria das células NK CD56 Células natural killer com maior frequência nos linfomas indolentes, porém Expressas na maioria das células NK CD57 Células natural killer massas hepáticas são mais comuns em linfomas agressivos. CD45RA Células T naives Os exames laboratoriais podem revelar citopenias, especialmente quando há comprometimento da meCD45RO Células de memória T dula óssea, comum em linfomas indolentes. A presença Onco& outubro/novembro 2011

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A análise genética é importante para pesquisa de alterações cromossômicas como translocações, adições e deleções, bem como o rearranjo de genes específicos. A pesquisa de alterações genéticas pode ser realizada por técnica de PCR ou FISH. Pode também ser feita pela pesquisa, através de imuno-histoquímica, da expressão de proteína que seja produto de determinado gene. Um exemplo é a translocação (14; 18), que leva à hiperexpressão do gene bcl-2 e da proteína BCL-2 em pacientes com linfoma folicular. A Tabela 2 apresenta uma relação das translocações mais bem documentadas e das alterações genéticas mais frequentes nos linfomas indolentes.

sólidos, doenças infecciosas diversas, doenças autoimunes, linfonodomegalias secundárias a infecções localizadas (Tabela 3). Linfomas que se apresentam fora do sistema linfático podem ser semelhantes a massas mediastinais, pulmonares ou do sistema nervoso central ou lesões do trato gastrointestinal, como úlceras.

Tabela 3: Diagnóstico diferencial dos linfomas Doenças

Tabela 2: Translocações citogenéticas e oncogenes associados frequentemente nos cânceres linfoides Doenças

Anormalidades citogenéticas

Características

Doenças hematológicas Doença de Hodgkin, leucemias crônicas e agudas, mieloma múltiplo, doença de Castleman Doenças infecciosas

Virais (HIV, EBV, HBV, HCV), fúngicas (histoplasmose, paracoccidioidomicose), tuberculose, DSTs

Oncogene

LLC/Linfoma de células pequenas

t(14;15) (q32;q13)

ATM

Neoplasias sólidas

Mama, próstata, pulmão, cólon, tireoide, cabeça e pescoço

Linfoma MALT

t(11:18) (q21;q21)

API12/MLT

Inflamatórias

Linfoma de células do Manto

t(11:14) (q13;q32)

BCL-1, IgH

Sarcoidose, lúpus eritematoso sistêmico, doença de Still, síndrome de Sjögren

Pseudolinfoma

Secundário a drogas. Ex.: Hidantal

Linfoma folicular

t(14:18) (q32;q21)

BCL-2, IgH

Linfoma de Burkitt

t(8; -) (q24;q -)

C-MYC

Linfoma difuso de grandes células

t(3;-) (q27;-) t(17;-) (p13;-)

BCL-6 P53

Linfoma anaplásico de células grandes CD 30+

t(2;5) (p23;q35)

ALK

Linfoma linfoplasmocitoide

t(9;14) (q13;q32)

PAX-5

A biópsia de medula óssea deve ser realizada em todos os pacientes como procedimento de estadiamento, já que pode estar infiltrada em um número apreciável de pacientes. Pode ajudar no diagnóstico, mas não substitui a biópsia ganglionar, já que o padrão de comprometimento do gânglio auxilia na classificação. O acometimento da medula óssea está presente em 30% a 50% dos pacientes com LNH, sendo em 18% a 36% dos pacientes com linfomas agressivos e em 40% a 90% dos pacientes com linfoma indolente.

Diagnóstico diferencial Dentre os diagnósticos diferenciais, devem-se considerar outros linfomas ou neoplasias hematológicas, metástases linfonodais de tumores

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Avaliação inicial e estadiamento O estadiamento é feito através de avaliação clínica, tomografias e biópsia de medula óssea. A avaliação clínica deve dar importância à presença de sintomas B e atenção especial no exame físico das cadeias linfonodais, do fígado e do baço. Essas informações são importantes no estadiamento. Além disso, condições que podem interferir na escolha do regime de tratamento, como cardiopatias, doença renal e hepática, hepatites crônicas e infecção pelo HIV, devem ser investigadas. Devem ser solicitados exames laboratoriais, entre eles hemograma completo, testes da função renal e hepática, incluindo LDH (lactato desidrogenase), beta 2 microglobulina, testes para HIV, HBV e HCV, eletrólitos e ácido úrico. Esses exames são importantes na avaliação de condições clínicas associadas e do prognóstico do paciente. São solicitadas tomografias computadorizadas com contraste do pescoço, tórax, abdômen e pelve. O objetivo é analisar cadeias ganglionares não palpáveis em mediastino, retroperitônio e pelve. Os exames de imagem permitem também ter um parâmetro de avaliação inicial das cadeias palpáveis no exame físico para comparação futura com exames pós-tratamento e aferir resposta. O uso de PET-CT é crescente em oncologia, mas sua utilização em


linfomas indolentes traz pouco benefício. O ecocardiograma pode ser importante se optarmos por protocolo de quimioterapia que inclua droga cardiotóxica. A biópsia da medula óssea é essencial para o estadiamento, principalmente pelo fato de observarmos uma alta prevalência de infiltração medular em pacientes com linfoma indolente. A partir dos resultados dos exames podemos definir o estádio da doença, utilizando a classificação de Ann Arbor modificada (Tabela 4).

Tabela 4: Estadiamento dos linfomas de Hodgkin Estádio I

Acomete uma única cadeia linfonodal

Estádio II

Acomete duas ou mais cadeias linfonodais localizadas do mesmo lado (acima ou abaixo) do diafragma

Estádio III

Acomete linfonodos em ambos os lados do diafragma

Estádio IV

Presença de doença em medula óssea, fígado, ou doença extranodal difusa

portanto definido como IIBS. A presença de uma grande massa linfonodal é definida pela letra X. Um exemplo é um indivíduo com estádio III, sintomas B e grande massa mediastinal, que será definido como estádio IIIBX.

Tratamento Os linfomas indolentes geralmente cursam com um comportamento clínico pouco agressivo. Esse fato, associado a maior prevalência em populações mais idosas, permite a observação sem tratamento de uma parcela dos pacientes. Essa opção deve contemplar um acompanhamento regular, avaliando a evolução clínica com cuidado. Nos pacientes que cursam com um quadro clínico desfavorável e que são capazes de tolerar o tratamento, deve-se optar pela quimioterapia. Existem algumas drogas com atividade na doença. As mais utilizadas nos diferentes regimes de tratamento são ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina, fludarabina e clorambucil. Muitos protocolos recebem associação de corticoide, geralmente prednisona. Novas opções de drogas incluem bortezomibe e everolimo. Pacientes com linfoma de células B devem receber rituximabe, um anticorpo monoclonal anti-CD20. A monoterapia é uma opção, mas a maioria dos pacientes tratados recebe poliquimioterapia.

Prognóstico Outras informações complementam a designação numérica de I a IV. Os pacientes que apresentam sintomas sistêmicos de febre, sudorese noturna e perda de peso recebem a letra B, e aqueles que não apresentam esses sintomas recebem a letra A ao seu estadiamento. Por exemplo, aqueles com estádio II e febre são designados IIB; e os assintomáticos, IIA. Pacientes com comprometimento de estrutura extranodal (osso, pulmão, pele...) recebem a letra E. Exemplo: estádio IIBE. A presença de doença no baço acrescenta a letra S (de spleen, em inglês). Um paciente estádio II com sintomas B e doença no baço é

O prognóstico é dependente do tipo histológico e do comportamento da doença. Entretanto, dentro de cada subtipo de linfoma indolente, alguns fatores influenciam no prognóstico, como performance status do paciente, idade, número de sítios linfonodais acometidos, valor da hemoglobina, LDH, acometimento extranodal e estádio clínico. Esses elementos são incorporados em alguns índices de prognóstico que classificam o paciente de acordo com seu risco, como o IPI (International Prognostic Index) e o FLIPI (Folicular Lymphoma International Prognostic Index).

Referências bibliográficas

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emergências oncológicas

Urgências metabólicas no paciente oncológico Divulgação

Introdução

O

S PACIENTES COM NEOPLASIAS ESTÃO SUJEITOS

A DESENVOLVER VÁRIAS COMPLICAÇÕES METABÓLICAS QUE REQUEREM IMEDIATA AVALIAÇÃO

Simone Maradei * Hematologista do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON) e do Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO) – INCA Contato: simaradei@gmail.com Divulgação

Hipercalcemia

Leonardo Javier Arcuri * Hematologista do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON) e do Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO) – INCA Contato: leonardojavier@gmail.com

Daniel Tabak * Hematologista-oncologista; diretor médico do Centro de Tratamento Oncológico (CENTRON); membro titular da Academia Nacional de Medicina Contato: dantabak@terra.com.br

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e tratamento. Entre as principais situações metabólicas que exigem rápida atenção, encontramos a hipercalcemia, a hiponatremia e a síndrome de lise tumoral. Com o aumento da incidência de câncer na população em geral e com a melhora da terapia antineoplásica, os pacientes passaram a ter maior sobrevida e essas emergências ocorrem com mais frequência. Por isso, os médicos devem ser capazes de reconhecer prontamente essas condições clínicas para que o tratamento seja iniciado antes que os sintomas se agravem.

A hipercalcemia é relativamente comum em pacientes com câncer, ocorrendo em aproximadamente 20% a 30% dos casos durante o curso da doença. Ocorre em pacientes com tumores sólidos, bem como nas neoplasias hematológicas. Os cânceres mais comuns associados com hipercalcemia são mama, pulmão e mieloma múltiplo. A ocorrência de hipercalcemia no curso de neoplasias tem um impacto prognóstico desfavorável na grande maioria dos casos. A hipercalcemia nesses pacientes ocorre em virtude do aumento da reabsorção óssea e da liberação de cálcio dos ossos. Há quatro principais mecanismos pelos quais isso pode ocorrer: (1) metástases osteolíticas com liberação local de citocinas (incluindo fatores de ativação dos osteoclastos); (2) tumor que secreta proteínas relacionadas ao hormônio da paratireoide (PTHrP); (3) tumor com produção de 1,25-dihidroxivitamina D (calcitriol); e (4) produção ectópica do PTH. As metástases osteolíticas representam cerca de 20% dos casos de hipercalcemia secundária ao câncer. A indução de osteólise local por células tu-

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morais é comum em alguns tumores sólidos que são metastáticos ao osso e no mieloma múltiplo, sendo menos frequente nos linfomas e na leucemia. O tumor sólido que geralmente produz hipercalcemia por esse mecanismo é o câncer de mama. A destruição óssea observada nas metástases osteolíticas é mediada principalmente pelos osteoclastos e não é um efeito direto das células tumorais. As citocinas como IL-1 e TNF têm uma participação importante nesse processo, pois aceleram a transformação de precursores de osteoclastos em osteoclastos maduros. O segundo tipo é a hipercalcemia humoral maligna (HHM), causada pela secreção do PTHrP na circulação sistêmica pelas células tumorais. É a causa mais comum de hipercalcemia em pacientes com tumores sólidos não metastáticos e em alguns pacientes com linfoma não-Hodgkin. Essa condição é responsável por até 80% dos pacientes oncológicos com hipercalcemia. Os tumores que mais comumente causam HHM são carcinomas de células escamosas (pulmão, cabeça e pescoço e colo uterino), carcinoma renal, de bexiga e endométrio. O PTHrP tem propriedades hipercalcemiantes pois atua de forma semelhante ao PTH, aumentando a reabsorção óssea (maior atividade osteoclástica) nos rins, promovendo fosfatúria. O PTHrP produzido localmente aumenta a expressão do receptor ativador do fator nuclear kappa B ligante (RANKL) no osso. O RANKL contribui para o desenvolvimento de hipercalcemia pela ligação ao receptor ativador do fator nuclear kappa B (RANK) sobre a superfície de precursores dos osteoclastos. Os resultados da interação RANKL/RANK promovem ativação, migração, diferenciação e fusão de células hematopoiéticas da linhagem dos osteoclastos para iniciar o processo de reabsorção. Além disso, citocinas como IL-6, IL-8, IL-1 e VEGF são secretadas por células do câncer de mama e podem contribuir para os efeitos do PTHrP na reabsorção óssea.


O terceiro tipo está relacionado ao aumento da produção de 1,25dihidroxivitamina D (calcitriol). Essa é a causa de quase todos os casos de hipercalcemia em linfoma de Hodgkin e aproximadamente um terço dos casos de linfoma não-Hodgkin. Também tem sido descrita em pacientes com disgerminoma de ovário. Em indivíduos normais, a conversão de 25-hidroxivitamina D (calcidiol) em 1,25-dihidroxivitamina D (calcitriol, o metabólito mais ativo da vitamina D) ocorre através de uma 1-hidroxilase no rim que está sob o controle fisiológico do hormônio da paratireoide (PTH). A alta concentração sérica de fosfato pode alterar esse controle. A hipercalcemia deve suprimir a liberação de PTH e, portanto, a produção de 1,25-dihidroxivitamina D (1,25 D). O aumento da absorção de cálcio no intestino induzida pela alta concentração sérica de 1,25 D é a anormalidade primária. O quarto tipo está associado à produção ectópica de PTH (e não PTH-rp). É uma condição rara, havendo poucos casos descritos na literatura. Alguns tumores como rabdomiossarcoma metastático, carcinoma papilífero de tireoide e carcinoma de pulmão podem ocasionar hipercalcemia em virtude dessa produção ectópica. Quadro clínico Dependendo da severidade e da rapidez de instalação, os pacientes com hipercalcemia podem apresentar graus variados de sinais e sintomas. Os sintomas da hipercalcemia incluem anorexia, náusea, vômito, constipação e poliúria. Os sintomas relacionados ao sistema nervoso central predominam, tais como progressivo declínio da capacidade cognitiva, estupor e coma. As alterações na função renal (incapacidade de concentrar a urina, acarretando poliúria) e no trato gastrointestinal (anorexia, náuseas e vômitos) corroboram para a desidratação e agravam a hipercalcemia. Alterações no aparelho cardiovascular, como hipertensão, bradicardia, encurtamento do intervalo QT, bloqueio AV, assim como fraqueza muscular, dores ósseas e artralgias, fazem parte do quadro. Em geral, as complicações neurológicas e renais são proporcionais ao grau da hipercalcemia. Diagnóstico O diagnóstico da hipercalcemia é geralmente feito através da dosagem do cálcio sérico total. Porém, esse método pode sofrer interferências que levam ao diagnóstico de resultados falso-positivos e negativos. Na presença de hipoalbuminemia, podemos ter níveis falsamente baixos, e o valor do cálcio deve ser corrigido. Por outro lado, alguns raros mielomas múltiplos produzem imunoglobulinas ligadoras de cálcio, e teremos cálcio total superestimado. Assim, em alguns casos seria melhor considerar o cálcio ionizado. Adota-se, atualmente, que a elevação de cálcio até 12 mg/dl corresponde a uma al-

teração leve, cuja avaliação deve ser feita em ambulatório. Níveis de cálcio plasmático entre 12-14 mg/dl configuram uma elevação moderada de cálcio, e acima de 14 mg/dl correspondem a hipercalcemia grave, que se associa a um quadro amplo de manifestações clínicas. Essa situação configura, em geral, uma urgência médica, e o seu pronto reconhecimento e tratamento implicam em redução acentuada de morbimortalidade. A dosagem de PTH-rP circulante só é necessária quando a origem da hipercalcemia não pode ser definida com base nos exames clínicos. Da mesma forma, a dosagem de 1,25 dihidroxivitamina D terá valor na presença de linfomas e outros raros tumores que produzem essa vitamina. A radiografia do esqueleto é muito útil nos casos de mieloma, enquanto a cintigrafia óssea auxiliará na identificação das metástases nos demais tumores. Deve-se suspeitar de hipercalcemia humoral em qualquer paciente com um tumor sólido na ausência de metástases ósseas. E também em pacientes com hipercalcemia de outra forma inexplicável, que apresentam uma concentração baixa de PTH no soro. Níveis de PTH inapropriadamente normais/altos em um paciente que sabidamente tem câncer nos remetem à pesquisa de hiperparatireoidismo primário ou a mais um raro caso em que o PTH é produzido pela neoplasia. O diagnóstico de hipercalcemia humoral maligna (HHM) pode ser confirmado ao se demonstrar uma alta concentração sérica de PTHrP. Essa alta concentração está presente na maioria dos pacientes com tumores sólidos hipercalcêmicos. As concentrações séricas de PTHrP são baixas (indetectável na maioria dos ensaios) em pacientes com hiperparatiroidismo primário e em indivíduos normais. Além de sua importância diagnóstica, os níveis séricos de PTHrP em pacientes com hipercalcemia induzida por tumor podem fornecer informações sobre o prognóstico. Pacientes com hipercalcemia induzida por PTHrP relacionados ao câncer normalmente têm doença avançada e um mau prognóstico. Tratamento O tratamento definitivo da hipercalcemia em pacientes com neoplasia requer o tratamento da doença de base e deve ser instituído logo que possível. Além disso, é necessária a correção da desidratação e dos distúrbios metabólicos. O tratamento baseia-se em: 1. Medidas gerais: Remover o cálcio da alimentação parenteral, interromper medicamentos que contribuem para a hipercalcemia (suplementação de cálcio e vitamina D, lítio, tiazídicos), além de reduzir sedativos para melhorar o nível de consciência e favorecer a deambulação, sempre que possível. 2. Hidratação: Os pacientes habitualmente encontram-se desidratados, pela menor ingestão de alimentos e fluidos causada por

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anorexia, náuseas e vômitos. A hipercalcemia, por si só, reduz a capacidade tubular renal de reabsorver água por mecanismo mediado pelos receptores de cálcio, o que agrava ainda mais a hipercalcemia e a desidratação. Por outro lado, a redução da filtração glomerular reduz a capacidade renal de excretar cálcio. Assim, a hidratação generosa do paciente com grandes quantidades de solução salina é uma etapa fundamental do tratamento. Somente após adequada expansão de volume pode-se associar diurético de alça, como a furosemida, para aumentar ainda mais a calciúria. 3. Reposição de fosfato: A hipofosfatemia é comum em decorrência do efeito fosfatúrico do PTHrP nas HHM, do uso de diuréticos de alça, da própria hipercalcemia ou da menor ingestão alimentar. A reposição de fosfato auxilia a reduzir a reabsorção óssea e, quando necessária, deve ser feita por sonda nasogástrica A reposição intravenosa (IV) deve ser evitada pelos riscos de insuficiência renal, hipotensão e hipocalcemia grave. 4. Glicocorticoides: Quando o excesso de 1,25 dihidroxivitamina D está envolvido na gênese da hipercalcemia, o tratamento pode incluir glicocorticoides para reduzir a absorção intestinal, recomendando-se prednisona 60 mg/dia via oral (VO) por 10 dias ou hidrocortisona 200 a 300 mg IV durante 3-5 dias. 5. Redução de reabsorção óssea: Combater a osteólise é fundamental, e os bisfosfonatos são os medicamentos mais eficientes para esse fim, por seu reconhecido efeito apoptótico e antiproliferativo sobre os osteoclastos. Eles devem ser iniciados tão logo detectada a hipercalcemia, preferindo-se a via venosa devido à pobre absorção por VO. Pelo seu potencial nefrotóxico, o zolendronato deve ser evitado nos pacientes com alteração da função renal. O pamidronato parece ter menor potencial nefrotóxico, sendo inclusive considerado para uso em pacientes com disfunção renal (Tabela 1). No momento, nenhum tratamento específico que inibe a liberação de PTHrP está disponível. A administração de análogos da vitamina D pode diminuir a liberação de PTHrP in vitro. Se esses agentes se revelarão eficazes em pacientes, ainda não se sabe. Em casos refratários pode ser necessário o uso de diálise peritoneal ou hemodiálise.

Hiponatremia A hiponatremia é a alteração eletrolítica mais frequente na prática clínica hospitalar e reflete uma alteração do balanço de água, com consequente diminuição da osmolaridade plasmática. A osmolaridade é o fator determinante da distribuição da água corporal. Em condições normais, existe um equilíbrio entre a administração de água (proveniente da ingestão, dos alimentos e do metabolismo) e a sua excreção (na urina, nas fezes e em perdas insensíveis pela pele e pelo aparelho respiratório), o que mantém a osmolaridade plasmática dentro de determinados limites. Essa regulação do balanço de água é mediada por osmorreceptores localizados no hipotálamo, que na presença de alterações da osmolaridade plasmática determinam modificações na ingestão e na excreção de água. Essas, por sua vez, são mediadas pelo mecanismo da sede e por alterações na secreção de vasopressina ou hormônio antidiurético (ADH), promovendo a retenção de água livre. Pacientes com câncer frequentemente sofrem de hiponatremia, e a fisiopatologia nem sempre é bem compreendida. A síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH) deve ser considerada quando um paciente oncológico se apresenta com hiponatremia. A SIADH é uma condição clínica caracterizada pela diminuição gradual da natremia, com valores extremamente reduzidos, por vezes de 100 a 110 mmol. Com origem no hipotálamo, ou ectopicamente em neoplasias, a secreção de ADH ocorre de forma inapropriada para os estímulos osmóticos e não osmóticos, resultando em retenção de água, diluição de solutos e aparecimento de hiponatremia e hipo-osmolaridade. Embora a SIADH possa ser causada por muitas drogas como antidepressivos, inibidores de enzima conversora de angiotensina e alguns quimioterápicos, o tumor mais frequentemente associado com essa síndrome é o carcinoma de pequenas células do pulmão e o adenocarcinoma do pâncreas. Outra causa frequente de hiponatremia em pacientes com câncer é a presença de edema levando a uma síndrome de diluição. Tal situação clínica pode ser observada na presença de ascite e/ou derrame pleural.

Tabela 1: Bisfosfonatos usados para corrigir hipercalcemia, com dose recomendada Nome

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Dose

Diluição

Infusão

Pamidronato

60 – 90 mg

SF ou SG 200 mL

2h

Ácido zoledrônico

4 mg

SF ou SG 50 mL

15 min

Clodronato

300 mg

SF 0,9% 200 mL

1 – 2h

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Quadro clínico Os sintomas e sinais clínicos vão depender da rapidez com que a hiponatremia ocorreu. A hiponatremia resulta, quase invariavelmente, em hipotonicidade do líquido extracelular (LEC), com consequente fluxo de água em direção ao líquido intracelular (LIC). Com isso, pode ocorrer edema intracelular, com prejuízo do funcionamento de algumas células, principalmente as do sistema nervoso central (SNC), onde a restrição volumétrica exercida pelos ossos do crânio limita a expansão do parênquima cerebral ocasionada pelo edema. Os achados neurológicos causados pela hiponatremia variam em função da sua gravidade e também da velocidade de instalação. O tecido nervoso dispõe de mecanismos capazes de contrabalancear as oscilações da osmolaridade plasmática, de forma que uma instalação insidiosa da hiponatremia permite que esses mecanismos se instalem causando menos sintomas do que quando da instalação abrupta. Entre os vários mecanismos destacase a perda de solutos do LIC para compensar a hipotonicidade do meio externo, de forma a evitar o influxo excessivo da água e, portanto, o edema cerebral. Os sintomas neurológicos da hiponatremia são inespecíficos, semelhantes a outras encefalopatias metabólicas. Nas formas leves de hiponatremia (Na > 125 mEq/l), sintomas gerais ocorrem, como mal-estar e náuseas. Valores de sódio plasmático < 120 mEq/l cursam com cefaleia e obnubilação. As formas graves de hiponatremia (Na < 115 mEq/l) costumam induzir coma e convulsões. Mais raramente, manifestações clínicas envolvendo outros sistemas podem ocorrer em função do influxo rápido de água para o LIC, como hemólise intravascular e microangiopatia. Tratamento A escolha da terapia adequada em pacientes com hiponatremia devido a SIADH varia de acordo com a gravidade da hiponatremia, com a presença ou ausência de sintomas e, até certo ponto, da osmolaridade urinária. Entre os pacientes com hiponatremia sintomática grave que se apresentam com convulsões ou outras anormalidades neurológicas graves, recomendamos intervenção urgente com solução salina hipertônica, em vez de outras terapias. Um regime eficaz inicial é de 100 ml de solução salina 3% dado como um bolus IV, o que deve elevar a concentração de sódio no soro por cerca de 1,5 meq/l em homens e 2,0 meq/l em mulheres, reduzindo assim o grau de edema cerebral. Se os sintomas neurológicos persistirem ou piorarem, um bolus de 100 ml de solução salina 3% pode ser repetido uma ou duas vezes mais, em intervalos de dez minutos. Alguns pacientes apresentam manifestações neurológicas menos graves, principalmente aqueles com concentração de sódio sérico abaixo de 120 meq/l, por mais de 48 horas, ou hiponatremia crônica moderada (sódio sérico 120-129 meq/l). A terapêutica inicial desses pacientes depende, em parte, da gravidade dos sintomas. Para pacientes com confusão e letargia, recomenda-se a adminis-

tração inicial da terapia salina hipertônica para elevar o sódio sérico, que deve ser medido em duas a três horas. A taxa de perfusão subsequente deve ser ajustada para atingir uma taxa de correção de menos de 10 meq/l em 24 horas e menos de 18 meq/l em 48 horas. Caso haja necessidade de correção rápida, os antagonistas do receptor da vasopressina podem ser usados. Eles produzem uma diurese seletiva de água, sem afetar o sódio e a excreção do potássio. O conivaptan (VAPRISOL®) e o tolvaptano estão disponíveis e aprovados para o uso em pacientes com hiponatremia secundária a SIADH, porém seu uso é limitado em virtude da necessidade de internação hospitalar e do alto custo. Para pacientes que têm apenas sintomas leves, como esquecimento e distúrbios da marcha, sugerimos terapia inicial com restrição de líquidos e comprimidos orais de sal ao invés de solução salina hipertônica. A terapia de manutenção em pacientes que inicialmente tinham hiponatremia sintomática pode prevenir uma subsequente redução do sódio sérico e recorrência dos sintomas possíveis. Sugerimos restrição de líquidos a menos de 800 ml/dia. Se o sódio sérico é persistentemente inferior a 130 meq/l, adicionamos comprimidos orais de sal e, se necessário, um diurético de alça (por exemplo, furosemida 20 mg por VO, duas vezes por dia) em pacientes com osmolaridade urinária alta (mais que o dobro do plasma). Entre os pacientes assintomáticos com SIADH, iniciamos o tratamento com restrição de líquidos. Comprimidos orais de sal podem ser adicionados e depois, se necessário, um diurético de alça em pacientes com osmolaridade urinária alta.

Síndrome de lise tumoral (SLT) A síndrome de lise tumoral é caracterizada pela destruição maciça de células malignas. Embora possa ocorrer de modo espontâneo, a SLT aparece, em geral, logo após o início do tratamento com agentes quimioterápicos citotóxicos. Ela acontece quando células neoplásicas são destruídas e seu conteúdo intracelular – potássio, fósforo e ácidos nucleicos – é liberado na circulação sanguínea, ultrapassando a capacidade do organismo de excretar essas substâncias. Clinicamente, é caracterizada por hiperfosfatemia, hipercalemia, hiperuricemia, hipocalcemia e insuficiência renal aguda, frequentemente oligúrica. O ácido úrico é produzido pelo metabolismo da purina. Ácidos nucleicos são metabolizados em hipoxantina, xantina e, como produto final, ácido úrico, que é excretado pelos rins. Hiperuricemia, portanto, ocorre mais frequentemente em doenças de alto índice proliferativo, e é agravada pela quimioterapia citotóxica. Em excesso, o ácido úrico e a xantina cristalizam nos túbulos renais, sendo esse um dos principais mecanismos de insuficiência renal na síndrome de lise tumoral. Quanto mais ácida a urina, maior a tendência de cristalização do ácido úrico. A solubilidade da xantina não depende do pH urinário. Hiperfosfatemia leva à precipitação de fosfato de cálcio ectópico e à hipocalcemia, sendo outro importante mecanismo de lesão renal na Onco& outubro/novembro 2011

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síndrome de lise tumoral. Ao contrário do ácido úrico, o fosfato de cálcio tende a precipitar em meio alcalino. Além disso, pode ocorrer também precipitação de fosfato de cálcio no sistema de condução elétrica cardíaco, levando a arritmias. A reposição de cálcio aumenta o risco de precipitação. A hipocalcemia é, então, secundária à hiperfosfatemia e pode levar a tetania, arritmias e convulsões. Diagnóstico e classificação O diagnóstico é clínico-laboratorial, classicamente caracterizado por hiperuricemia, hipercalemia, hiperfosfatemia, hipocalemia e insuficiência renal. A síndrome de lise tumoral é classificada em laboratorial ou clínica: 1. Laboratorial: quando há pelo menos dois dos seguintes critérios: aumento de ácido úrico, fósforo, potássio (maior que 25% do valor basal ou do limite da normalidade) ou queda de cálcio iônico (maior que 25% do valor basal do limite normalidade); 2. Clínica: quando há também queda do clearance de creatinina (para valores < 60 mL/min, que pode ser estimado pela equação de Cockroft e Gault ou, para crianças, pela fórmula de Schwartz), convulsão, hipocalcemia sintomática, arritmia cardíaca ou morte. A dosagem sérica de creatinina não pode ser utilizada para diagnóstico ou classificação. Estratificação de risco e profilaxia A probabilidade de ocorrer a síndrome de lise tumoral depende diretamente de quatro fatores: a) agressividade da doença; b) volume tumoral; c) efetividade do tratamento citotóxico; e d) medidas profiláticas tomadas. Não se devem subestimar condições clínicas que contribuam para o desenvolvimento dessa síndrome, como desidratação, insuficiência renal crônica prévia, oligúria e hipotensão. Graças a essa multifatoriedade, as incidências relatadas de SLT são extremamente variáveis, mesmo quando se estratifica por doença ou risco. Apesar de classicamente associado ao tratamento citotóxico, a lise tumoral pode ocorrer com doses baixas de corticosteroides e até espontaneamente. Pacientes que já têm níveis altos de ácido úrico antes do tratamento, ou com critérios laboratoriais de lise tumoral, têm risco aumentado. No momento, não há dados que permitam

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Tabela 2: Critérios de Cairo e Bishop para diagnóstico de síndrome de lise tumoral Lise tumoral laboratorial

Ácido úrico > 8 mg/dL (ou > 25% do valor basal) Potássio > 6 mEq/L (ou > 25% do valor basal) Fósforo > 4,5 mg/dL (ou > 25% do valor basal, ou > 6,5 mg/dL em crianças) Cálcio < 7,0 mg/dL (ou < 25% do valor basal)

Lise tumoral clínica

Insuficiência renal (ClCr estimado < 60 mL/min) Arritmia cardíaca Convulsão

Para diagnóstico de lise tumoral laboratorial, são necessários dois critérios. Quando associado a qualquer um dos critérios de lise tumoral clínica, faz-se esse diagnóstico. Fórmulas para estimar clearance de creatinina: - Cockroft e Gault: [140 – idade (anos)] x peso (kg) x 0,85 (mulheres) x [1/Cr (mg%)] x [1/72] - Schwartz: 0,55 x altura (cm) x [1/Cr (mg%)]

Tabela 3: Classificação de risco Alto risco

Linfoma de Burkitt, exceto estágio I totalmente ressecado Leucemia aguda com contagem leucocitária > 25.000/mm3 ou infiltração maciça de medula óssea ou LDH alto

Risco intermediário

Linfoma de Burkitt totalmente ressecado e sem LDH alto Leucemia aguda com contagem de leucócitos < 25.000/mm3 e sem LDH alto Linfoma linfoblástico estágio I – II, sem LDH alto Linfomas agressivos com LDH alto e alta carga tumoral Linfoma folicular grau 3B com LDH alto Tumor germinativo metastático Neuroblastoma Câncer de pulmão de pequenas células Tumor sólido com alta carga tumoral Leucemia linfocítica crônica tratada com fludarabina e rituximabe Mieloma múltiplo com acometimento renal Pacientes com hiperuricemia, desidratação, hipotensão ou disfunção renal prévia

Baixo risco

Outros tumores sólidos Linfoma de Hodgkin

Sem risco

Tumor sólido totalmente ressecado

LDH alto quando > 2 vezes o normal


classificar categoricamente o risco de síndrome de lise tumoral em pacientes com tumores sólidos ou linfomas, e todas as classificações de risco esbarram em um certo grau de subjetividade. A classificação que será apresentada aqui é baseada em dados disponíveis e opiniões, e deve ser interpretada criticamente. Profilaxia O objetivo das medidas profiláticas é aumentar o débito urinário (>2 mL/kg.min), através de hiper-hidratação (2 – 3 L/m2 de superfície corporal) e diurético de alça, e redução dos níveis de ácido úrico. Recomendamos que a hiper-hidratação seja feita com soro hipotônico e que se evite ofertar uma quantidade muito grande de NaCl. A hiperhidratação é a única maneira de reduzir os níveis de fosfato. Vale lembrar que, uma vez instalada, a síndrome de lise tumoral é um quadro grave com consequências potencialmente fatais. Há no mercado brasileiro dois agentes para redução de ácido úrico. O alopurinol, na dose de 300-900 mg/dia por via oral, inibe a xantina oxidase e reduz o risco de cristalização de ácido úrico. Pode haver acúmulo de xantina, que, em menor grau, também pode precipitar nos túbulos renais. O efeito máximo da medicação ocorre após dois dias, que é o tempo que o ácido úrico já existente leva para ser excretado do organismo. Já a rasburicase é uma enzima que converte o ácido úrico em alantoína, muito mais solúvel. A redução dos níveis de ácido úrico ocorre em quatro horas. A dose recomendada é 0,20 mg/kg.dia por cinco dias, por via venosa. Não deve ser utilizada em pacientes com deficiência de G6PD. A rasburicase é mais eficaz e reduz mais rapidamente os níveis de ácido úrico. A única limitação é o custo – por isso é necessário um uso mais racional, com indicação precisa. Um estudo fase III demonstrou que o uso por três dias, ao invés de cinco, associado a alopurinol (tratamento sequencial), tem resultados igualmente satisfatórios em pacientes de alto risco. Há também evidências de que doses menores,

que variam de 0,02 – 0,07 mg/kg, ou fixas entre 3,0 – 7,5 mg, são igualmente eficazes. Não há consenso sobre alcalinização da urina. Se, por um lado, ela reduz a cristalização de ácido úrico, por outro aumenta a precipitação de fosfato de cálcio. Portanto, não se deve alcalinizar a urina de pacientes com hiperfosfatemia ou que desenvolvem hiperfosfatemia. Os pacientes de alto risco e grande volume de doença podem, adicionalmente, receber um pré-tratamento quimioterápico em dose baixa para reduzir o risco de lise tumoral ou alterar o tratamento citotóxico de modo a torná-lo menos intenso no início. Em alguns protocolos, esse pré-tratamento já está incluso. Alto risco Os pacientes com doenças de alto índice proliferativo e alta sensibilidade a quimioterapia, como linfoma de Burkitt, leucemia linfoblástica aguda e leucemia mieloide aguda, são os de mais alto risco para desenvolvimento de síndrome de lise tumoral. Nesses pacientes, a carga tumoral, que pode ser estimada pelos níveis de desidrogenase lática (LDH), contagem leucocitária, tamanho do tumor e infiltração maciça de medula óssea, é o principal preditor de desenvolvimento da síndrome. Pacientes com linfoma de Burkitt, exceto estágio I ressecado, e com leucemias agudas com contagem de leucócitos > 25.000/mm3, LDH > 2 vezes o normal ou infiltração maciça de medula óssea devem ser considerados de alto risco. Esses pacientes de alto risco devem receber profilaxia intensiva, que inclui hiper-hidratação e rasburicase. Devem também ser monitorizados com exames laboratoriais (incluindo LDH, ácido úrico, sódio, potássio, fósforo, cálcio, ureia e creatinina) pelo menos duas vezes por dia, pelos primeiros três dias. O débito urinário deve ser monitorizado a cada quatro a seis horas.

Tabela 4: Profilaxia recomendada Alto risco

Hiper-hidratação Rasburicase Monitorização laboratorial, hídrica e clínica

Risco intermediário

Hidratação Alopurinol Avaliar internação para monitorização

Baixo risco

Alopurinol

Sem risco

Não é necessária profilaxia

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Risco intermediário A lise tumoral em tumores sólidos não é um evento frequente. Os tumores com maior risco de desenvolver a SLT são os de alta sensibilidade à quimioterapia, como câncer de pulmão de pequenas células, neuroblastoma e tumor germinativo metastático. Esses são considerados de risco intermediário. Além disso, grande volume tumoral, especialmente quando há metástases hepáticas, pode ser considerado um fator de risco para o desenvolvimento da lise. Surpreendentemente, a mortalidade relacionada à síndrome de lise tumoral é alta em tumores sólidos, o que reflete o baixo índice de suspeição e o uso de medidas profiláticas menos efetivas. As neoplasias hematológicas de risco intermediário são os linfomas agressivos ou com grande carga tumoral e com LDH > 2 vezes o normal. Exemplos: linfoma anaplásico, linfoma do manto, linfoma difuso de grandes células B, linfoma folicular 3B, linfoma T periférico. Linfomas de Burkitt estágio I, ressecado ou com LDH < 2 vezes o normal, e linfomas linfoblásticos estágio I ou II com LDH < 2 vezes o normal também devem ser considerados de risco intermediário, assim como leucemias agudas com LDH < 2 vezes o normal e leucócitos < 25.000/mm3. Pacientes de baixo risco, porém com disfunção ou acometimento renal (que é frequente em mieloma múltiplo), devem ser classificados como risco intermediário, bem como as doenças de baixo índice proliferativo que apresentam excelente resposta ao tratamento (como, por exemplo, leucemia linfocítica crônica tratada com esquemas contendo fludarabina e rituximabe). Esses pacientes devem receber profilaxia com alopurinol e

hidratação venosa. A necessidade de internação para monitorização clínica e laboratorial deve ser avaliada caso a caso.

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Baixo risco Pacientes com outros tumores sólidos, mieloma múltiplo sem acometimento renal, linfoma de Hodgkin, leucemia linfocítica crônica tratada com agente alquilante, linfomas cutâneos e linfomas agressivos (excluindo-se linfoma linfoblástico e linfoma de Burkitt) com LDH < 2 vezes o normal são de baixo risco, e a profilaxia deve ser feita apenas com alopurinol. Tumores sólidos totalmente ressecados têm risco negligenciável de lise tumoral e não é necessária profilaxia. Tratamento Uma vez desenvolvida, a síndrome de lise tumoral clínica é um quadro grave e potencialmente fatal. Pacientes com ácido úrico elevado devem ser tratados com rasburicase. Hiperfosfatemia e hipercalemia devem ser tratados agressivamente, com diálise se necessário. O tratamento é, basicamente, de suporte. A hipocalcemia assintomática ou sem repercussão eletrocardiográfica não deve ser tratada. A reposição de cálcio pode causar precipitação de fosfato de cálcio nos túbulos renais, piorando ou precipitando a síndrome. Deve-se suspender a hiper-hidratação, uma vez que ocorre oligúria não responsiva a diuréticos de alça, e o paciente deve ser avaliado clínica e laboratorialmente. Não se deve postergar hemodiálise em indivíduos que desenvolvem hipervolemia secundária à síndrome.


do bem

Quem cuida do cuidador? Seja familiar ou profissional, o cuidador também precisa de cuidados para exercer bem sua atividade Por Sergio Azman Fotos André François

A

MORTE DE IVAN ILITCH É UM TEXTO DO AUTOR LEON TOLSTÓI, PUBLICADO EM 1886. NELE, O PERSONAGEM DO TÍTULO É UM JUIZ QUE adoece e entra em processo de morte. Tolstói se utiliza do olhar do enfermo para nos revelar as angústias e os pensamentos de um paciente nessa situação. Dependente de auxílio para realizar suas atividades, integrante de uma família que vive de aparências e para a qual já é considerado um estorvo, Ilitch se apoia na figura de Guerássim, um camponês analfabeto que foi chamado para ajudá-lo. Apenas com seu cuidador ele pode conversar sobre o que realmente está acontecendo e dividir as transformações e os pensamentos que a ocasião suscita. Em determinado momento, Ilitch descobre que deixar as pernas para o alto, sobre uma almofada, diminui um pouco sua dor. Ao pedir que Guerássim levante suas pernas, ele descobre que a dor praticamente desaparece. O que era uma atividade entre tantas torna-se, então, rotina. Guerássim passa a apoiar as pernas do paciente nos ombros, ato que, além de despertar uma intimidade quase impossível entre um juiz e um camponês na Rússia czarista, ameniza a dor do doente de uma forma que os recursos da medicina da época não haviam conseguido. “Acho curiosa essa história porque ela retrata algo que vemos acontecer. Um bom cuidador contribui muito com a qualidade de vida do doente. Infelizmente o inverso também é verdadeiro. O mau cuidador, ou a falta de um, atrapalha muito a vida do doente”, afirma Luana Viscardi, psicóloga do Programa de Cuidados Paliativos do Hospital Samaritano, em São Paulo. “Acho que a qualidade do cuidado que o paciente recebe faz toda a difeRUSSO

“Um bom cuidador contribui muito com a qualidade de vida do doente. Infelizmente o inverso também é verdadeiro”

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rença. É um dos fatores mais importantes.” Luciana Holtz, psicóloga e presidente do Instituto Oncoguia, concorda com Luana sobre a importância do cuidador: “Ele é fundamental para a qualidade do tratamento de um paciente. Diante de um câncer, o paciente tende a se sentir mais sozinho, e o apoio social e familiar são essenciais nesse momento”.

Cuidador é quem cuida Existem dois tipos de cuidador: o familiar, que é aquele que passa a fazer esse papel por causa de uma doença na família; e o profissional, que se prepara para essa função e é remunerado por isso. Segundo Luana, existe uma falsa ideia de que o cuidador contratado precisa, necessariamente, ser um profissional da área da enfermagem. “Há casos e casos. Eventualmente, o paciente pode precisar apenas de cuidados básicos – alguém que o ajude a se alimentar, a tomar banho. Claro que existem procedimentos que são exclusivos dos profissionais da área de enfermagem. Mas, dependendo da situação, procedimentos mais complexos também podem ser ensinados, desde que respeitando as diretrizes e determinações dos respectivos conselhos de classe”, diz. Idealizador da ImageMágica, organização que desde 1995 desenvolve iniciativas em promoção de saúde, cultura e educação por meio da fotografia, o fotógrafo André François percebeu que havia espaço para falar sobre uma medicina mais humana. Assim nasceu a ideia do livro Cuidar – Um Documentário sobre a Medicina Humanizada no Brasil, publicação que empresta algumas de suas imagens para esta matéria. François revela que achou que teria problemas para encontrar bons personagens para o seu pro-


jeto. Que nada. “No hospital, todos conhecem o bom cuidador e indicam o mesmo profissional pelo trabalho diferente que faz”, conta. Para ele, o bom cuidador deve ter um bom conhecimento técnico, pois é imprescindível se manter atualizado. Mas o fundamental é entender o que o paciente tem, saber ouvi-lo, ser acessível. “Os bons cuidadores são aqueles que conseguem combinar tempo, paciência e carinho para cuidar de seus pacientes, mesmo em um ambiente hostil como o hospital. E isso é um desafio para os médicos, pois não é fácil se manter atencioso no dia a dia de atendimento a tanta gente”, diz. Apesar da quantidade de gente que atende por dia, Maria Goretti Maciel, diretora do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor do Estado de São Paulo (HSPE) e do Hospital Samaritano, é dessas pessoas que parecem ter tempo, paciência e carinho de sobra. Ela diz que a enfermaria de cuidados paliativos do Hospital do Servidor disponibiliza uma cama para o doente e outra para o cuidador. “O familiar recebe cuidados como o paciente. Recebe atenção, conversa, ele é cuidado também. E quando percebemos que o cuidador pode ter um luto complicado, por exemplo, ficamos de olho, aumentamos a intensidade de atendimentos de psicologia, e depois da morte também realizamos um acompanhamento.”

Cuidando de quem se ama Acostumada a cuidar de pacientes, Goretti contou que também teve uma experiência como cuidadora em sua família. “Eu tive uma percepção muito diferente quando precisei cuidar do meu pai. Nunca pensei que fosse tão prazeroso cuidar de quem a gente ama. É muito difícil, por exemplo, quando você tem uma relação ambígua, uma mágoa daquela pessoa. E é preciso ficar antenado quando existe um cuidador nessa situação. Você tem de conhecer a história de vida do paciente para poder entender o problema”, ressalta. A artista plástica Sueli Bernabé Martini é um exemplo de quem viveu a experiência do cuidar com ambiguidade. Filha única, foi a responsável pelo acompanhamento da mãe, Sueli Martini, quando ela precisou de cuidados. “Minha mãe sempre foi muito reservada, o meu relacionamento com ela sempre foi complicado. Ela não era uma pessoa de abraçar, beijar. E no hospital foi

Imagens do livro Cuidar – Um Documentário sobre a Medicina Humanizada no Brasil, de André François

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“Um dos primeiros sinais da estafa do cuidador é a irritação. A pessoa começa a não ter muita paciência com as atitudes, com o tempo destinado ao paciente”

um resgate, acho que ela se despiu de tudo isso. Eu resgatei esse amor que eu sentia por ela, e tenho a impressão de que ela também sentiu isso. Porque ela tinha momentos de lucidez, quando a gente conversava tranquilamente. Acho que para ela foi bom. Para mim, foi ótimo”, conta, com a consciência tranquila. O processo, no entanto, não foi assim tão fácil. Ela diz que, apesar de ter sido cuidadora em um ambiente hospitalar, se sentiu muito sozinha em alguns momentos. “No hospital você fica muito sozinho. Os médicos chegam, olham o paciente, e alguns nem olham na cara do acompanhante. Não todos, mas a maioria não dá muita atenção. E às vezes, naquele momento, quem mais está precisando de ajuda não é o paciente, mas justamente quem está do lado”, diz. Ela lembra que o apoio da equipe de cuidados paliativos do Samaritano foi muito importante para que pudesse superar mais facilmente essa fase difícil da sua vida. “Poder conversar com uma equipe de profissionais me ajudou bastante. Todo mundo precisa desse apoio nesse final. Só o fato de você poder desabafar já alivia”, lembra.

Síndrome de burnout A síndrome da estafa profissional, também conhecida como síndrome de burnout, foi descrita pela primeira vez em 1974 pelo psicólogo H.J. Freudenberger para definir o estado de esgotamento físico e emocional causado por condições de trabalho desgastantes. A estafa profissional acontece em todas as profissões, principalmente quando envolvem altos níveis de estresse, como na área de saúde. A oncologia é uma especialidade extenuante por diversas razões, entre elas a constante exposição à morte e o conflito entre o objetivo de cura e a necessidade de prestar cuidados paliativos. Um estudo conduzido entre 2003 e 2004 para avaliar a frequência do burnout entre oncologistas brasileiros apontou que as principais causas da estafa profissional entre eles são: tempo insuficiente para férias, sentimento de impotência e expectativas irreais, raiva, frustração, dificuldade em lidar com perdas e assuntos relacionados a fontes pagadoras. O estudo analisou o burnout nas dimensões exaustão emocional, despersonalização e baixa realização pessoal. Pelo menos

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Amparo profissional A experiência de Sueli é um exemplo do impacto dos cuidados também com o cuidador. Mas será que isso é comum? Na prática, quem zela pelo cuidador? Para Luana, muitas vezes se pensa que o psicólogo é a figura que vai amparar os cuidadores. “Mas se esquece de que o psicólogo é parte dessa equipe que cuida e precisa de cuidados como qualquer outro profissional”, diz. Segundo ela, o dia a dia tem mostrado que quem cuida do profissional de saúde que está lidando com doentes graves é a própria equipe. “Muitas vezes, meu olhar como psicóloga ajuda alguém da equipe a ver aquela situação de outro ponto de vista. E isso pode ter um efeito terapêutico, porque faz o profissional se distanciar da situação através do olhar do outro”, diz. Ela também vivenciou situações nas quais a conversa com um enfermeiro ou um médico foi muito importante. “As conversas que me ajudaram foram no café, na copa. Acho que os momentos mais férteis são justamente aqueles que não são formalizados. A equipe tem a função de se suportar, no bom sentido”, diz.

28% dos entrevistados apresentaram pontuações referentes a uma das dimensões gravemente alteradas e cerca de 15% deles apresentaram alterações importantes simultaneamente nas três dimensões avaliadas. Segundo Auro Del Giglio, oncologista clínico e um dos líderes do estudo, é preciso ficar atento ao perceber uma diminuição na capacidade profissional e na motivação para trabalhar. “A hora de buscar ajuda é quando o médico sente que não está agregando ou não está tratando bem os pacientes.” Ele afirma que não existe um tratamento específico, e que as atitudes que devem ser tomadas têm a ver com o bom senso. “O indivíduo precisa tirar férias, ter outros níveis de motivação além do profissional, ter um suporte familiar adequado, talvez diminuir a carga de trabalho para adquirir mais satisfação ao trabalhar. Um dos motivos também pode ser a remuneração, que muitas vezes é insuficiente e desmotiva o profissional”, diz. E ressalta: “Quando já está num estágio avançado desse processo, muitas vezes ele tem de procurar uma nova recolocação profissional ou reformatar sua forma de praticar a medicina”.


Quando é hora de procurar ajuda? Os cuidadores, sejam eles profissionais ou fami liares, devem estar sempre atentos se a atividade está trazendo muito sofrimento, irritação ou impaciência. “Um dos primeiros sinais da estafa do cuidador é a irritação. A pessoa começa a não ter muita paciência com as atitudes, com o tempo destinado ao paciente. Quando se detecta isso, é interessante procurar um profissional, que vai mostrar alternativas para uma válvula de escape, ensinar como fazer isso sem sentimento de culpa”, explica Jamiro Wanderley, coordenador de um curso para cuidadores informais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E isso vale também para o cuidador familiar. “Ele também tem medo de perder a pessoa que ele ama e de quem está cuidando de forma tão presente. Na maioria dos casos, orientamos ao familiar cuidador que procure apoio psicológico para que possa dar conta de forma efetiva desse momento, às vezes tão doloroso e que requer tanto dele”, afirma Luciana, do Oncoguia. Além disso, é muito comum que o cuidador familiar fique sobrecarregado, pois raramente o cuidado é compartilhado. “O que se vê geralmente é uma pessoa que fica responsável pelo cuidado de outra. Isso é delicado, porque a pessoa precisa ter tempo para se cuidar”, diz Luana. Por exemplo, numa situação de internação hospitalar, o cuidador tem de sentir que as coisas vão funcionar na sua ausência. “É importante dizer que o cuidador pode sair, descansar um pouco, mas sem cobrar essa atitude, porque se não vira uma tarefa a mais. E isso é muito ruim.”

Wanderley concorda que o que ocorre na maioria das vezes entre os cuidadores familiares é o excesso de responsabilidades. “O cuidador profissional cumpre um horário, faz suas atividades e vai embora. Já o cuidador familiar cuida o tempo todo. Quem tem o perfil de cuidador acaba assumindo os cuidados e os outros familiares se acomodam. A pessoa pode cuidar sozinha durante um tempo, mas vai acabar se exaurindo. Por isso, é importante que ela também se cuide, tenha o seu espaço, consiga ter com quem trocar de vez em quando essa condição de cuidador”, diz. Ele acrescenta que mesmo os profissionais de enfermagem precisam de apoio emocional e psicológico, porque eles têm um apego ao paciente que poderá vir a falecer. “Além disso, se o indivíduo é um cuidador profissional e depende daquilo para sobreviver, a morte desse paciente significa que essa família não precisa mais dele. Ele fica desempregado de uma hora para outra.” O ideal, seja entre familiares ou profissionais, é demonstrar que o cuidador não está sozinho. É preciso ter uma rede de suporte, uma equipe de saúde que o ampare, uma família, uma rede social que o substitua em determinados momentos, para que ele possa se ausentar também. “Acho que o ideal é oferecer essa retaguarda, a disponibilidade para contatos telefônicos, a orientação em relação aos procedimentos que o paciente vai precisar, mesmo que não seja ele quem vai fazer o procedimento. Isso tem um impacto direto para o paciente, mas também impacta o cuidador, que se percebe compartilhando aquela tarefa”, finaliza Luana.

“Às vezes, naquele momento, quem mais está precisando de ajuda não é o paciente, mas justamente quem está do lado”

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quiz

Quebra-cabeça O quiz é uma seção interativa de Onco& que convida leitores a dar opiniões, levantar dúvidas e emitir hipóteses do caso apresentado

Novo caso

Medicação em uso: Bezerol, Benicar.

lizada no terço inferior da parede torácica anterior, medindo 7,1 x 5,0 cm nos maiores eixos transversos. Essa lesão envolve o terço inferior do corpo do esterno e o apêndice xifoide, estendendo-se para os planos subcutêneos do quadrante inferomedial da mama esquerda. Junto ao seu contorno inferior nota-se lesão com as mesmas características, que infiltra o músculo reto abdominal direito e os planos subcutâneos adjacentes, medindo 3,6 x 3,4 cm. Destacam-se linfonodomegalias nas cadeias mamárias internas medindo até 3,3 x 1,7 cm (com componente que se insinua para o mediastino anterior), axilar esquerda (2,7 x 1,9 cm) e retropeitonal (1,2 cm). Pequeno nódulo sólido heterogêneo com 1,1 cm no quadrante inferomedial da mama esquerda.

Tomografia computadorizada de tórax (08/07/2011): lesão expansiva infiltrativa heterogênea e de contornos irregulares, loca-

Anatomopatológico em 14/07/2011: biópsia de massa de parede torácica. Positivo para células neoplásicas malignas, pre-

CLKA, sexo feminino, branca, 58 anos - Retirou um nódulo mamário há mais de dez anos (sem neoplasia - sic). - Colecistectomia laparoscópica há um ano. - Há três meses notou abaulamento na parede abdominal, interpretado como hérnia. - No momento está com dor severa em parede abdominal e torácica, de difícil controle com analgésicos simples. Antecedentes pessoais: hipertensão arterial controlada.

Mande suas respostas para o e-mail: contato@revistaonco.com.br. Os resultados serão divulgados no site www.revistaonco.com.br e na próxima edição de Onco&.

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Resposta do quiz anterior – edição 7

sença de células epitelioides atípicas, contendo vacúolos claros intracitoplasmáticos. Imuno-histoquímica em 30/07/2011: RE neg. RPg. neg. Her2 neg. (Score 0) p53 positivo focal e fraco Ki-67 em cerca de 80% das células Citoqueratina 5/6 focalmente positivo Questões: 1) Qual o diagnóstico provável? 2) Qual a melhor proposta terapêutica?

Ricardo Caponero Oncologista clínico da Clínica de Oncologia Médica de São Paulo

L.S.S., 76 anos, casado, aposentado, residente na cidade de Belém, estado do Pará, procurou atendimento no dia 23/2/2011 para segunda opinião médica. Ao exame físico apresentava lesões em placas elevadas infiltradas, eritemato-acastanhadas, de bordas bem delimitadas, comprometendo principalmente a região torácica, bom estado geral, sem linfonodomegalias nem qualquer outra alteração. O paciente relata tratamento com dermatologistas por aproximadamente seis anos, já tendo utilizado diversos medicamentos tópicos e sistêmicos que não sabe precisar, atualmente em uso das seguintes medicações: Cetaphil, Clovesol, Fexofenadina, Cetrilan e Hixizine. Diz ainda que será submetido a uma cirurgia de glaucoma no mês seguinte. Foram solicitados os seguintes exames laboratoriais: hemograma, U/C, ALT, AST e DHL. Dos exames de imagem disponíveis foi solicitada uma CT de tórax. Os resultados laboratoriais foram normais, com DHL no limite superior da normalidade, e CT de tórax sem qualquer anormalidade. Qual a hipótese diagnóstica? Quais exames complementares solicitar? Quais os diagnósticos diferenciais e o tratamento adequado?

Resposta

Tem algum caso interessante que gostaria de divulgar? Mande para contato@revistaonco.com.br

Trata-se de um linfoma cutâneo difuso de células T, conhecido como micose fungoide do tipo clássica de AlibertBazin. É uma doença de curso indolente e progressiva, que acomete pacientes geralmente acima dos 55 anos, com um predomínio sobre o sexo masculino (2:1). Esse linfoma apresenta-se com muita variação clinicopatológica, podendo exibir inicialmente aspectos inespecíficos ou com lesões mais bem delimitadas, sendo as lesões eritematosas, por vezes hipocrômicas, ou ainda poiquilodérmicas, com superfície ligeiramente atrófica. Surgem geralmente na pele das seguintes regiões: cintura pélvica, nádegas, tronco inferior, virilhas, axilas e mamas, em número variável, disseminando-se gradativamente.

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Com o curso da doença, essas lesões tendem a se tornar placas infiltradas, eritematosas ou eritemato-acastanhadas, de bordos bem delimitados e contornos bizarros. O mais comum é que os pacientes apresentem uma combinação de lesões não infiltradas, placas e tumores, havendo a possibilidade de placas e tumores se tornarem ulcerados. Na história natural da doença podemos encontrar linfonodos regionais aumentados de tamanho, apresentando alterações histológicas relacionadas ao linfoma. Diversos órgãos, inclusive a pele, podem ser acometidos no decorrer da doença devido à falência dos linfócitos T, o que pode levar o paciente a um quadro séptico, principalmente por Staphylococcus aureus. Felizmente esse acometimento sistêmico ocorre na minoria dos casos – 2% evoluem para morte após 32 anos de evolução e 9% dos quadros mostram progressão sistêmica.

Exames complementares Biópsia e histopatologia Os dados obtidos serão correlacionados ao estadiamento clínico da doença. As características que ditam de maneira positiva para a condição incluem: linfócitos com núcleos hipercromáticos e convolutos, rodeados por halo claro, na camada basal da epiderme com aproximadamente o mesmo tamanho dos queratinócitos, isolados ou alinhados, formando configuração linear ou intensa exocitose de linfócitos, e microabscessos de Pautrier.

Diagnósticos diferenciais Dermatoses inflamatórias, tais como eczemas crônicos, tínea do corpo, hanseníase indeterminada, pitiríase alba, parapsoríase em placas, eritrodermia, síndrome de Sézary.

Tratamento Durante a fase precoce com lesões confinadas à pele: corticosteroides tópicos, bexaroteno tópico, quimioterapia tópica com mostarda nitrogenada (mecloretamina ou carmustine), fototerapia com UVB, UVB narrow band, PUVA ou irradiação localizada ou de toda a pele com elétrons. Placas infiltradas e tumores: irradiação total da pele com elétrons. Também podem ser utilizados os modificadores de resposta biológica, como interferon alfa, bexaroteno, interleucina 2 coligada a toxina difitérica, com ou sem associação com a terapia tópica. Doença avançada, doença sistêmica e casos refratários com taxa de remissão parcial, como o descrito: poliquimioterapia semelhante às usadas para linfomas não-Hodgkin nodais com protocolos: COP, CHOP, PROMACE-CYTABON.

Luís Eduardo Werneck de Carvalho Clínica Oncológica Brasil Belém – PA

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curtas

Quimioterapia pode prejudicar a fala

Anvisa aprova novo medicamento contra o câncer de estômago Pacientes com câncer gástrico, o segundo tipo de câncer que mais mata e o quarto mais comum no mundo, têm uma nova opção de tratamento: o medicamento Herceptin® (trastuzumabe), do laboratório Roche, foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em julho. O medicamento, que já é usado com sucesso no combate ao câncer de mama e no tratamento do adenocarcinoma de estômago na Europa e nos Estados Unidos, agora passa a ter a mesma indicação no Brasil. Estudos mostram que pacientes com câncer gástrico em estado avançado do tipo HER2 positivo fazendo uso de trastuzumabe têm sobrevida de 14 meses, contra os 11 proporcionados pelos medicamentos quimioterápicos disponíveis.

Pacientes que receberam altas doses de quimioterapia podem ter mais dificuldade de se expressar verbalmente. Esse é o resultado de uma nova pesquisa realizada pela Academia Sahlgrenska na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, e publi cada na revista científica Acta Oncologica. O estudo ouviu quase mil sobreviventes de câncer de testículo, que foram convidados a responder a um questionário sobre como se sentiam 11 anos após o diagnóstico. Aqueles que se submeteram à quimioterapia apresentaram duas vezes mais dificuldades de linguagem. Eles reclamaram que “as palavras vinham na ordem errada”, que “não diziam as palavras que planejavam” e que tinham “dificuldade em terminar sentenças”. Além disso, sobreviventes de câncer que receberam quimioterapia frequentemente relatam dificuldades com memória e capacidade de concentração, mas os pes quisadores ainda não têm certeza se as deficiências foram causadas pela quimio terapia, já que a maioria das pesquisas é realizada em pacientes com câncer de mama, que também recebem hormônios que podem afetar a função cognitiva.

Rede social permite compartilhar experiências com o câncer Um espaço que permite que portadores de câncer compartilhem suas experiências. Assim é o I Had Cancer, uma nova rede social na qual os usuários podem contar sua história, formar um círculo de amizades, participar de discussões e até escrever mensagens destinadas ao tumor, numa seção denominada “Querido câncer”. Além disso, um sistema de busca possibilita que os usuários encontrem pessoas que enfrentaram a mesma situação por gênero, idade, tipo de câncer e tratamento. Os idealizadores dessa rede social também trabalham para desenvolver aplicativos que ajudem a promover a realização de eventos beneficentes e permitam às ONGs novas formas de destinar seus recursos. Para conhecer a rede social, acesse www.ihadcancer.com.

Novos aliados contra o melanoma O FDA acaba de aprovar o uso do equipamento de diagnóstico Cobas 4800 BRAF V600 Mutation Test, que identifica quais pacientes com melanoma podem ser beneficiados com o medicamento Zelboraf (vemurafenibe), da Roche, indicado para melanoma maligno, a forma mais agressiva de câncer de pele. A droga também foi recentemente aprovada nos Estados Unidos com indicação para pessoas com melanoma metastático BRAF V600E mutação positivo, que corresponde a cerca de metade do total dos casos de melanoma. Tanto o equipamento quanto o medicamento são parte da estratégia global do laboratório de foco em medicina personalizada.

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De olho no público jovem Com o intuito de chamar a atenção para o problema do tabagismo no país, o INCA lançou em agosto o relatório “A situação do tabagismo no Brasil”, com dados de pesquisas do Sistema Internacional de Vigilância do Tabagismo da Organização Mundial da Saúde realizadas no Brasil entre 2002 e 2009. Um dos dados mais alarmantes diz respeito à facilidade de acesso dos adolescentes ao produto. Apesar da lei federal que proíbe a venda para menores de idade, adolescentes entre 13 e 15 anos não encontram dificuldade na hora da compra. A preocupação com os jovens é grande, já que eles são o principal alvo da indústria do tabaco, interessada em atrair novos consumidores. Além disso, o tabagismo entre os adolescentes não tem diminuído como vem ocorrendo entre os adultos, e a iniciação precoce pode aumentar em quase o dobro o risco de danos à saúde.

Tour de prevenção do câncer da pele percorre o país A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), com o apoio exclusivo de La RochePosay, deu início, com o Tour de Prevenção, à 13a Campanha Nacional de Prevenção ao Câncer da Pele. De 10 de setembro a 27 de novembro, um caminhão percorrerá 10 mil km do Sul ao Norte do país, oferecendo à população esclarecimentos e atendimento gratuito sobre cuidados e prevenção do câncer da pele – o mais incidente entre os brasileiros, com expectativa de 110 mil novos casos em 2011, segundo o INCA. Serão diversas equipes médicas compostas por médicos da SBD rea lizando diagnósticos, sempre nos fins de semana, das 9 às 15 horas. Os especialistas realizarão o exame de sinais, pintas e manchas, e os pacientes com suspeita da doença serão encaminhados para tratamento totalmente gratuito nos serviços credenciados de cada estado. Mais informações sobre o roteiro do Tour de Prevenção podem ser obtidas pelo telefone 0800 723-9710 ou pelo site www.previnaocancerdapele.com.br.

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Nova ferramenta antecipa risco de linfedema Pesquisadores brasileiros criaram um conjunto de modelos estatísticos com precisão de mais de 70% para prever o risco de desenvolvimento de linfedema no período de cinco anos após a cirurgia para remoção dos linfonodos em pacientes de câncer de mama. Liderados por José Bevilacqua, cirurgião oncológico no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, os pesquisadores estudaram 1.054 mulheres com câncer de mama submetidas a dissecção axilar entre 2001 e 2002. A incidência geral de linfedema no grupo, no período de cinco anos, foi de 30,3%. Apoiados em fatores clínicos como idade, índice de massa corporal, infusões de quimioterapia no braço ipsilateral, nível de dissecção axilar, localização do campo de radioterapia, entre outros, os pesquisadores desenvolveram três modelos e seus nomogramas correspondentes para prever o risco de desenvolver linfedema em diferentes pontos no período pós-cirúrgico. ”Para efeito de comparação, essas ferramentas de modelagem são tão precisas para prever o risco de uma mulher desenvolver linfedema como a mamografia é para a detecção de câncer de mama”, diz Bevilacqua. Ele sugere que os modelos podem se tornar uma ferramenta útil para ajudar médicos a selecionar em quais casos a dissecção axilar deve ou não ser recomendada. O modelo para estimar o risco de linfedema estará disponível em breve no endereço www.lymphedemarisk.com.


Prêmio Pedro Kassab incentiva pesquisa em nutrição e câncer A terapia nutricional precoce e agressiva tem impacto favorável na redução da morbimortalidade de pacientes oncológicos. O conhecimento dos princípios bioativos dos nutrientes confirma a importância da nutrição no tratamento multimodal do câncer. Para discutir recentes avanços e novas perspectivas, em junho de 2012 serão realizados o V Congresso Brasileiro de Nutrição e Câncer, o Ganepão 2012 e o III International Conference of Nutritional Oncology, que reunirão especialistas nacionais e internacionais. Um dos destaques do evento será a entrega da 2a edição do Prêmio Pedro Kassab, cujo objetivo é incentivar a produção de pesquisa científica no Brasil nas áreas de nutrição e câncer. Os dois melhores trabalhos serão apresentados e premiados pelo prefeito da cidade de São Paulo, Gilberto Kassab, que já confirmou presença. Mais informações: www.ganepao.com.br.

Colonoscopias em intervalos maiores Pessoas que se submeteram a colonoscopia e não apresentaram sinais de câncer podem atrasar ou mesmo não fazer a próxima. Os resultados de uma pesquisa conduzida pelo Centro Alemão de Pesquisa do Câncer, em Heidelberg, na Alemanha, desafiam as diretrizes atuais, que recomendam que a colonoscopia com resultado negativo deve ser repetida após dez anos. Para o estudo, os pesquisadores questionaram cerca de 2 mil pacientes de câncer de cólon e 2,4 mil pessoas saudáveis se tinham feito o exame e quando ele havia sido feito. Em comparação com pessoas que nunca tinham passado pelo procedimento, aqueles cujos testes deram negativo – sem evidências de tumores de cólon – tinham cinco vezes menos risco de desenvolver câncer no futuro. Embora o estudo não seja definitivo, os pesquisadores defendem que intervalos mais longos de rastreamento poderiam ter um impacto significativo sobre o custo-benefício geral da colonoscopia, bem como diminuir a taxa de complicações relacionadas com o exame.

Uso do DIU diminui pela metade risco de câncer de colo do útero

O dispositivo intrauterino (DIU) pode proteger as mulheres contra o desenvolvimento do câncer cervical, embora não interrompa a infecção que normalmente leva à doença. Pesquisadores do programa de pesquisa epidemiológica em câncer do Hospital Llobregat, na Catalunha, Espanha, estudaram 20 mil mulheres e observaram que aquelas com um histórico de uso de DIU não são menos suscetíveis do que as mulheres que não contraíram o papiloma vírus humano (HPV), que causa câncer de colo do útero, mas têm cerca de metade do risco de desenvolver o câncer em si. Segundo cientistas, entre as possíveis explicações para o efeito protetor do DIU está o processo de inserção ou remoção do contraceptivo, que pode destruir células pré-neoplásicas ou causar algum tipo de inflamação que provoca uma resposta imunológica duradoura e evita o progresso do HPV. Os resultados mostraram ainda que o uso do DIU não afetou o risco de infecção pelo HPV, mas estava ligado a um risco significativamente menor de câncer de colo do útero para ambos os tipos principais da doença – redução da probabilidade de desenvolvimento de carcinoma de células escamosas em 44% e adenocarcinoma ou carcinoma adenoescamoso em 54%. O período de tempo que as mulheres usaram o DIU não alterou significativamente o risco, disseram os pesquisadores: o risco foi reduzido quase pela metade no primeiro ano de uso e o efeito protetor permaneceu significativo mesmo após dez anos.

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calendário 2011

Evento

Data

Local

Informações

X Congresso Brasileiro de Cirurgia Oncológica

13 e 14 de outubro

Rio de Janeiro, RJ

www.sbco.com.br

Simpósio de Neuro-Oncologia

14 e 15 de outubro

São Paulo, SP

www.accamargo.org.br/ simposioneuroonco2011/

10o Simpósio Internacional de Economia da Saúde

19 a 21 de outubro

Barretos, SP

www.oncoeventos.com.br/ economiadasaude/

XVII Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica

26 a 29 de outubro

Gramado, RS

www.sboc2011.com.br

XI Curso de Radioterapia de Última Geração

27 e 28 de outubro

São Paulo, SP

http://cursos.hospitalsiriolibanes.com.br/ Vendas/cursos.asp

II Congresso Brasileiro de Cuidados Paliativos – Casa do Cuidar

3 de novembro

São Paulo, SP

www.luminaeventos.com.br/agenda.htm

Simpósio Up to Date – Câncer de Mama

4 e 5 de novembro

São Paulo, SP

www.eventosuptodate.com.br

Simpósio Internacional de Cirurgia Laparoscópica e Procedimentos Intervencionistas em Câncer do Aparelho Digestivo

4 e 5 de novembro

São Paulo, SP

www.accamargo.org.br/pecogi2011/

Cursos à Distância Ganep – Câncer

9 de novembro a 20 de dezembro

À distância – online

www.ganepeducacao.com.br

I Simpósio Internacional de Oncogeriatria

18 e 19 de novembro

São Paulo, SP

http://ensino.einstein.br/portal/

II Jornada Norte-Rio-Grandense de Oncologia

18 a 20 de novembro

Natal, RN

http://jornadadeoncologia.blogspot.com/

1o Simpósio Anual do Núcleo de Oncologia Torácica (NOT) – COI

25 e 26 de novembro

Rio de janeiro, RJ

www.coinet.com.br/pagina/?CodSecao=122

Calendário de eventos de 2011 completo e atualizado:

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