Edição 24 - Ano IV

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www.revistaonco.com.br

julho/agosto 2014 Ano 4 • n º 24

Oncologia para todas as especialidades

Entrevista

Mario Eisenberger fala sobre a evolução da oncologia nos 50 anos da ASCO

Rastreamento

Dilemas do diagnóstico precoce do câncer de pulmão

Gastrointestinal Perspectiva no tratamento de tumores

Qualidade de vida e custo dos medicamentos dão novos rumos para as pesquisas clínicas mama | políticas públicas | campanhas | melanoma


p03 sumario:Onco& 10/07/14 09:05 Page 3

sumário

entrevista

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capa - ASCO 50 anos

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Estudos apresentados na 50ª ASCO trazem à luz a discussão sobre a questão do custo-efetividade de novas tecnologias e da necessidade de ampliar benefícios aos pacientes

pulmão

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Rastreamento e diagnóstico precoce do câncer de pulmão no Brasil e no mundo: dilemas, controvérsias e respostas Ricardo Sales dos Santos

gastrointestinais

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ASCO 2014: Perspectivas no cuidado dos tumores gastrointestinais Paulo M. Hoff, Maria Ignez Braghiroli e Marcela Crosara

mama

30

ASCO 2014: Pesquisas sobre câncer de mama surpreendem Sergio Simon

pele

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Tratamento do melanoma (parte 2): doença avançada e perspectivas ASCO 2014 Fábio Nasser Santos

políticas públicas

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Lançado no fim de 2013, o Plano de Atenção Oncológica tem por objetivo reestruturar e reorganizar a rede de atendimento no Rio de Janeiro

do bem

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Diversas iniciativas utilizam a culinária para levar conhecimento e distração a pacientes e acompanhantes

campanhas

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Veja as ações sobre câncer que ganharam destaque na mídia e nas redes sociais

curtas

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Novidades sobre pesquisas, parcerias e eventos: um giro pelo mundo da oncologia

mundo virtual

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Aplicativos para tablets e smartphones que ajudam médicos a se manter sempre atualizados para o diagnóstico e tratamento de seus pacientes

acontece

49

Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos da área

calendário

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Programe-se: eventos e congressos que estão por vir

O brasileiro Mario Eisenberger fala sobre a expansão da oncologia no ano em que se comemoram 50 anos do Congresso Anual da ASCO


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Conselho editorial Editor clínico: Sergio D. Simon

I – Cancerologia clínica

II – Cancerologia cirúrgica

IV – Patologia

Oncologia clínica:

Abdômen:

André Moraes (SP) Anelise Coutinho (BA) Artur Katz (SP) Auro Del Giglio (SP) Carlos Sampaio (BA) Clarissa Mathias (BA) Claudio Petrilli (SP) Daniel Herchenhorn (RJ) Fernando Maluf (SP) Fernando Medina (SP) Igor Morbeck (DF) Jacques Tabacof (SP) João Nunes (SP) José Bines (RJ) Karla Emerenciano (RN) Marcelo Aisen (SP) Marcelo Collaço Paulo (SC) Maria de Fátima Dias Gaui (RJ) Mario Luiz Silva Barbosa (SP) Nise Yamaguchi (SP) Oren Smaletz (SP) Paulo Marcelo Gehm Hoff (SP) Roberto Gil (RJ) Sebastião Cabral Filho (MG) Sérgio Azevedo (RS) Sergio Lago (RS)

Ademar Lopes (SP) José Jukemura (SP) Laercio Gomes Lourenço (SP) Marcos Moraes (RJ) Paulo Herman (SP)

Carlos Bacchi (SP) Felipe Geyer (SP) Fernando Soares (SP)

Onco-hematologia: Carlos Chiattone (SP) Carmino de Souza (SP) Daniel Tabak (RJ) Jane Dobbin (RJ) Nelson Spector (RJ) Vânia Hungria (SP)

Transplante de medula: Jairo Sobrinho (SP) Luis Fernando Bouzas (RJ) Nelson Hamerschlak (SP) Yana Novis (SP)

Ginecologia: Jorge Saad Souen (SP) Sérgio Mancini Nicolau (SP) Sophie Derchain (SP)

Mama: Alfredo Barros (SP) Antonio Frasson (SP) Carlos Alberto Ruiz (SP) Maira Caleffi (RS) Ruffo de Freitas (GO)

Neurologia: Manoel Jacobsen Teixeira (SP) Marcos Stavale (SP) Cabeça e pescoço: Luis Paulo Kowalski (SP) Vergilius Araújo (SP) Tecido osteoconjuntivo: Olavo Pires de Camargo (SP) Reynaldo J. Garcia Filho (SP)

Tórax: Angelo Fernandez (SP) Riad Naim Younes (SP)

V – Cuidados paliativos e dor Ana Claudia Arantes (SP) Fabíola Minson (SP) João Marcos Rizzo (RS) Ricardo Caponero (SP)

VI – Pesquisa Carlos Barrios (RS) Conceição Accetturi (SP) Everardo D. Saad (SP) Greyce Lousana (SP) Gustavo Werutzky (RS)

VII – Radiologia e diagnóstico por imagem Jairo Wagner (SP)

VIII – Radioterapia João Victor Salvajoli (SP) Ludmila Siqueira (MG) Paulo Novaes (SP) Robson Ferrigno (SP) Rodrigo Hanriot (SP) Wladimir Nadalin (SP)

IX – Especialidades médicas

Urologia:

Cardiologia:

Antônio Carlos L. Pompeu (SP) Miguel Srougi (SP)

Roberto Kalil Filho (SP)

III – Biologia molecular

Mario Luiz Silva Barbosa (SP)

Ada Alves (RJ) André Vettore (SP) Carlos Gil (RJ) Helenice Gobbi (MG) José Cláudio Casali (RJ) Luísa Lina Villa (SP) Maria Isabel Achatz (SP)

Gastroenterologia:

Clínica médica:

Carlos de Barros Mott (SP)

Geriatria: Wilson Jacob Filho (SP)

Pneumologia: Carlos Roberto de Carvalho (SP)

Ano 4 • número 24 julho/agosto 2014 Publisher Simone Simon simone@iasoeditora.com.br Editorial Regiane de Oliveira regiane@iasoeditora.com.br Subeditor Gabriel Ferreira gabriel@iasoeditora.com.br Direção de arte/Prepress Ione Franco ione@iasoeditora.com.br

Impressão: Ipsis Gráfica Tiragem: 10 mil exemplares ISSN: 2179-0930 Jornalista responsável: Regiane de Oliveira (MTb 35.749/SP) Colaboraram nesta edição: Fábio Nasser Santos, Lourdes Rodrigues, Marcela Crosara, Maria Ignez Braghiroli, Paulo M. Hoff, Ricardo Sales dos Santos, Sergio Simon e Simone Rosa

A revista Onco& – Oncologia para todas as especialidades, uma publicação da Iaso Editora, especializada em comunicação médica, traz informações sobre oncologia a profissionais de todas as especialidades médicas. De circulação bimestral, tem distribuição nacional e gratuita por todo o território nacional. A reprodução do conteúdo da revista é permitida desde que citada a fonte. A opinião dos colaboradores não reflete necessariamente a posição da revista.

Consultora médica Cristiane Benvenuto Andrade Revisão Patrícia Villas Bôas Cueva

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É tempo de falarmos sobre o câncer

É

CONSENSO: DEZ ENTRE DEZ MÉDICOS CONSULTA-

DOS PELA ONCO& AFIRMAM QUE O CUSTO DO TRA-

TAMENTO DO CÂNCER É IMPRATICÁVEL. O QUE FAZ com que mesmo inovações radicais trazidas pelas pesquisas, aquelas que promovem mudanças profundas na forma como é feito o tratamento de alguns tipos de câncer, sejam vistas com um misto de alegria e preocupação. A cada nova descoberta, um rastro de dúvidas persegue pesquisadores, médicos, gestores públicos e pacientes. Afinal, quanto vale um mês a mais de vida? Quem vai pagar essa conta? E como vai pagar? E no final do tratamento, que qualidade de vida terá esse paciente? Estamos longe de ter respostas para essas questões, especialmente no Brasil, onde nem sequer começamos uma discussão séria, que envolva sociedade civil, governos e empresas, sobre os limites do custo saúde e mesmo sobre quais ações podemos fazer para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. E essa é uma discussão que não pode ser mais adiada, como revela nossa reportagem de capa desta edição, feita por Regiane de Oliveira e Gabriel Ferreira. Ao comemorar 50 anos, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) decidiu dar destaque aos estudos que mostram o custo e/ou a redução dele, bem como os benefícios em qualidade de vida do paciente. Não se trata de renegar o esforço científico, mas de incentivar pesquisas que tragam soluções simples e, por que não dizer, baratas, para o tratamento do câncer e que ainda tragam benefício à vida das pessoas. Como lembra o médico brasileiro Mario Eisenberger, entrevistado nesta edição pela repórter

Simone Rosa, custa muito desenvolver uma droga “estudos em 2,5 mil pacientes chegam a custar US$ 1 bilhão”, e a indústria precisa recuperar esse investimento. Até mesmo porque os investimentos governamentais declinaram após a crise financeira de 2008. “Atualmente o número de estudos clínicos que o governo americano está fazendo é muito menor que o da indústria”, afirma Eisenberger, que nos dá um panorama sobre a expansão da oncologia nos 50 anos da ASCO e também da necessidade de repensarmos os custos do desenvolvimento de novas drogas. Esses dilemas também estão presentes nos artigos, como o do médico Ricardo Sales dos Santos, investigador do ProPulmão, que fala sobre rastreamento e diagnóstico precoce do câncer de pulmão no Brasil e no mundo. E também na reportagem de Lourdes Rodrigues, sobre políticas públicas, que traz o desafio da implementação do Plano de Atenção Oncológica, que tem por objetivo reestruturar e reorganizar a rede de atendimento no Rio de Janeiro. Essta edição convida todos a refletir sobre as novas tecnologias, como elas podem ajudar a melhorar a qualidade de vida do paciente e, principalmente, quanto estamos dispostos a pagar por elas. São assuntos que não podem mais ser deixados embaixo do tapete. É tempo de falarmos sobre o câncer. Boa leitura!

Simone Simon Publisher Contato: simone@iasoeditora.com.br

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entrevista

Uma testemunha da evolução na luta contra o câncer O médico brasileiro Mario Eisenberger fala sobre a expansão da oncologia no ano em que se comemoram 50 anos do Congresso Anual da ASCO e sobre a necessidade de repensar os custos do desenvolvimento de novas drogas Por Simone Rosa

E

M TOTAL SIMBIOSE.

FOI ASSIM QUE SE DEU A EX-

Divulgação

PANSÃO DO QUE É HOJE O CONGRESSO ANUAL DA

Mario Eisenberger *Professor de urologia e oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins; Especialista nos tratamentos de bexiga, rins, próstata e testículos Contato: marioe@jhmi.edu

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SOCIEDADE NORTE-AMERICANA DE ONCOLOGIA Clínica (ASCO), um dos maiores simpósios sobre o câncer do mundo, que acontece há 50 anos, nos Estados Unidos. Testemunha dessa evolução, Mario Eisenberger, professor de urologia e oncologia da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, dimensiona: “Nos anos 70, eram ocupadas quatro salas no Hotel Hilton, em Washington, com quatro especialistas palestrantes e 200 pessoas para assistir. Era possível ver tudo. Hoje a ASCO recebe entre 25 mil e 30 mil pessoas e só existem duas ou três cidades nos Estados Unidos com capacidade para absorver esse congresso”. Brasileiro, Eisenberger decidiu se mudar para a América do Norte tão logo se formou em medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro, há 40 anos. Viu que haveria um futuro promissor na oncologia, que, naquela época, nem sequer recebia o status de subespecialidade nas escolas de medicina norte-americanas. Hoje, ele é especialista no tratamento de câncer de bexiga, rim, próstata e testículos e participa do que é o maior departamento da Johns Hopkins, que tem como objetivo a busca incansável pelo conhecimento, a pesquisa e o trata-

mento dos inúmeros tipos de tumor que acometem os serem humanos. Ele destaca o surgimento do PSA (antígeno prostático específico) como um avanço notável em sua área e lembra que, quando o estudo foi apresentado na ASCO, no fim dos anos 80, a maioria dos pacientes tinha metástase e sentia dor. E a sobrevida média depois da terapia era de mais ou menos dez meses. No fim da primeira década dos anos 2000, menos de 4% dos pacientes se apresentam na hora do diagnóstico com metástase. São todos diagnosticados por uma elevação do PSA e uma biópsia. A sobrevida média de quem apresenta metástase hoje é entre cinco e seis anos. Quando fala do avanço dos tratamentos disponíveis, o especialista é implacável: os custos das drogas usadas têm se elevado muito mais do que as perspectivas de sobrevida dos pacientes. Um dos motivos apontados é a redução dos investimentos do governo norte-americano em pesquisas no contraponto da evolução da indústria farmacêutica. “Custa muito desenvolver uma droga – estudos em 2,5 mil pacientes chegam a custar US$ 1 bilhão –, e a indústria quer recuperar isso. Mas esse fator não era tão importante quando o governo norteamericano estava investindo ou mesmo contro-


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lando. Antes de as companhias farmacêuticas terem um controle maior no desenvolvimento dos tratamentos novos, eles não eram tão caros.” A Onco& falou com o Dr. Mario Eisenberger por telefone. A seguir, a entrevista:

Onco& – O que atraiu um médico recém-for-

“Nos anos 70, a ASCO ocupava quatro salas no Hotel Hilton, em Washington, e havia quatro palestrantes, especialistas em hematologia, que estavam começando a se interessar pela oncologia. A plateia era de apenas 200 pessoas e era possível assistir a todas as palestras. Hoje a ASCO recebe entre 25 mil e 30 mil pessoas e só existem duas ou três cidades nos Estados Unidos com capacidade para absorver esse congresso”

mado aos Estados Unidos em plena década de 1970? Mario Eisenberger – Vim para os Estados Unidos em 1973 para fazer um treinamento em medicina interna e, depois de três anos, decidi me especializar em oncologia. Tive a oportunidade de entrar bem no princípio. Em 1976, a oncologia ainda não era uma especialidade. Tornou-se subespecialidade da medicina em 1979. A oncologia me fascinou. No princípio não havia muitos tratamentos nem conhecimento amplo e, por consequência, treinamento. Naquela época o que havia era a especialização da hematologia para tratamento de doenças como leucemia, também na fase crônica, e algumas quimioterapias voltadas para tumores sólidos.

Onco& – Nesses 40 anos, o que mudou? Mario Eisenberger – A oncologia se desenvolveu muito, como todas as outras áreas da medicina. O conhecimento básico a respeito dos tipos de câncer aumentou enormemente, assim como a habilidade para fazer pesquisas de laboratório e usar esse mesmo conhecimento na clínica. Nesse período, nossa capacidade de compreender esse ambiente se ampliou enormemente. E a oncologia foi a reboque. Por exemplo, na Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopinkins, onde eu trabalho, o departamento de oncologia é o maior de todos. Maior que o departamento de cirurgia e que o de medicina interna. Isso porque a oncologia, tipicamente, é uma especialidade multidisciplinar, e isso ajudou a expandir. Assim como cresceu muito rapidamente o conhecimento básico de doenças em geral, inclusive as oncológicas. Os estudos voltados às questões moleculares e genéticas agora estão produzindo resultados importantes para os pacientes.

Onco& – Que avanço o senhor destacaria? Mario Eisenberger – Muitas coisas me impressionaram. O conhecimento biológico básico do câncer está se expandindo de tal maneira que está fazendo

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diferença no tratamento. Evoluiu de tal forma que hoje uma proporção pequena, mas importante, dos pacientes pode ter tratamentos mais personalizados, que se pode prescrever ou planejar tendo como base o conhecimento molecular do tumor. Estamos descobrindo, por exemplo, que o câncer de pulmão não é o mesmo sempre, mas existem diversos tipos dependendo da genética molecular.

Onco& – Como essa evolução do conhecimento se refletiu na ASCO?

Mario Eisenberger – Vou dar um exemplo. Nos anos 70, eram ocupadas quatro salas no Hotel Hilton, em Washington, e havia quatro palestrantes, especialistas em hematologia, que estavam começando a se interessar pela oncologia. A plateia era de apenas 200 pessoas e era possível assistir a todas as palestras. Hoje a ASCO recebe entre 25 mil e 30 mil pessoas e só existem duas ou três cidades nos Estados Unidos com capacidade para absorver esse congresso. Tanto que há contratos de dez anos com uma determinada cidade. Além disso, a ASCO e a American Association of Cancer Research (AACR) eram conduzidas em apenas uma semana. Nos primeiros dias era apresentada a parte clínica, e nos quatro dias depois, a de pesquisa básica de laboratório. Um seguia ao outro e essa estrutura durou mais ou menos uns 20 anos. Agora é uma semana para cada conferência, com a AACR geralmente ocorrendo antes da ASCO.

Onco& – Qual estudo mais o marcou nestes anos todos de ASCO?

Mario Eisenberger – Na minha área, que é câncer de próstata, houve uma mudança incrível quando se descobriu o teste do PSA (antígeno prostático específico), aprovado aqui nos Estados Unidos no início dos anos 90, quando passou a ser usado com maior frequência. Antes desse teste, na minha clínica a maioria dos pacientes tinha metástase e sentia dor. E a sobrevida média depois da terapia era de mais ou menos dez meses. No fim do século XX, a incidência de metástase já estava diminuindo e aproximadamente 50% não tinham nenhuma evidência de metástase ou tumor palpável, apenas uma elevação do PSA. A incidência de pacientes com dor recuou e a sobrevida média daqueles com metástase subiu para cerca de 30 meses. Quando entramos


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nos primeiros cinco anos do século XXI, a incidência metastática na hora do diagnóstico desceu a mais ou menos 10%. A maioria dos pacientes não tinha doença palpável e entre 15% e 20% dos pacientes relatavam dor. No fim da primeira década dos anos 2000, o quadro era melhor ainda: menos de 4% dos pacientes aqui na América do Norte se apresentam na hora do diagnóstico com metástase. São todos diagnosticados por uma elevação do PSA e uma biópsia. Os valores normais para esse teste são menos de 4. Mas, se a pessoa faz um exame que dá 2,5 e no outro, 3, faz-se uma biópsia e já se descobre o câncer da próstata. A sobrevida média de quem apresenta metástase hoje é de cinco a seis anos. E aqueles casos em que há ampliação da doença de maneira difusa provavelmente são menos de 2% atualmente.

Onco& – Segundo a ASCO deste ano, as pesquisas subsidiadas pelo governo norte-americano estão diminuindo. O que está ocorrendo? Mario Eisenberger – A economia norte-americana vacilou um pouco na última década. Nós tivemos programas de guerra e coisas relacionadas. Além disso, a economia mundial também não estava seguindo como anos antes. Isso teve repercussão em diversos setores dos Estados Unidos, inclusive na saúde, que era uma área que sempre teve investimentos muito altos. Acho que nós estamos em uma encruzilhada e, aqui nos EUA, temos que compreender o que está ocorrendo.

Onco& – Encruzilhada? Mario Eisenberger – Eu trabalhei no National Institute of Health entre 1982 e 1984 e naquela época as coisas começaram a mudar um pouco porque não havia muita verba, mas era um patamar que eu diria adequado. O instituto estava fazendo o screening (rastreamento/teste) de diversas drogas novas em parceria com a indústria farmacêutica. Se uma droga parecia promissora, ela era testada por cerca de oito centros cooperativos em pacientes que precisavam. Havia um controle forte do Instituto e do Food and Drug Administration (FDA) nessa parceria com a indústria farmacêutica. A partir daí, muitas companhias começaram a desenvolver sua estrutura para fazer seus próprios estudos. Quando a verba para a pesquisa nos Estados Unidos caiu, o

número de centros cooperativos diminuiu, assim como o número de estudos financiados pelo governo, e agora o National Institute of Health raramente tem controle sobre a maioria das drogas que está sendo desenvolvida. A sofisticação se transferiu do governo para o setor privado. Atualmente o número de estudos clínicos que o governo americano está fazendo é muito menor que o da indústria.

Onco& – O senhor pode dar um exemplo do volume de recursos necessários para esses testes? Mario Eisenberger – Um estudo com mil pacientes para uma droga que esteja se candidatando à aprovação do FDA para o tratamento do câncer custa em torno de US$ 500 milhões. As Contract Research Organization (CROs) vão cobrar mais ou menos US$ 100 milhões para obter os dados, fazer o monitoramento dos pacientes e também elaborar a parte regulatória e estabelecer os padrões para aprovar o estudo. Uma droga chamada Super UserT, que é uma vacina aprovada pelo FDA há uns quatro anos, custa US$ 100 mil para três doses em um paciente com metástase e dá a ele sobrevida média de mais ou menos quatro meses. Para desenvolver essa droga, é preciso saber a dose certa da vacina, testar nos pacientes, demonstrar que ela não tem problemas clínicos e que os efeitos colaterais são mínimos, que podem ser administrados, além da metodologia e a tecnologia para produzir em escala. Gastam-se, por paciente, do princípio desse processo até o fim dos testes, US$ 1 milhão. E isso se reflete no custo dos novos medicamentos. Apesar dos avanços que tivemos, o custo de um tratamento clínico aumentou enormemente.

“A seleção dos tratamentos tem que ter mais lógica. Se temos a droga A e ela é bem efetiva, com aumento da sobrevida, qualidade de vida, pode estar disponível no mundo e não custa muito, por que vou fazer uma droga B, que talvez seja prima da A e que vai custar três ou quatro vezes mais?”

Onco& – Por quê? Mario Eisenberger – Acho que essa coisa tem que ser avaliada muito cuidadosamente. A seleção dos tratamentos tem que ter mais lógica. Se temos a droga A e ela é bem efetiva, com aumento da sobrevida, qualidade de vida, pode estar disponível no mundo e não custa muito, por que vou fazer uma droga B, que talvez seja prima da A, e que vai custar três ou quatro vezes mais? As companhias farmacêuticas fazem marketing para dizer o que é melhor, usam os centros acadêmicos para dar suporte ao argumento deles. De repente, uma droga que custa US$ 100 vai custar US$ 10 mil. Por quê? No fim, a melhora da sobrevida é a mesma.

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Onco& – O que pesa na construção do peço de um medicamento? Mario Eisenberger – Custa muito desenvolver uma droga – estudos em 2,5 mil pacientes chegam a custar US$ 1 bilhão –, e a indústria quer recuperar. Mas esse fator não era tão importante quando o governo norte-americano estava investindo ou mesmo controlando. Antes de as companhias farmacêuticas terem um controle maior no desenvolvimento dos tratamentos novos, eles não eram tão caros. Eu acredito que agora, neste momento, é necessário investigar uma maneira melhor de fazer isso, para baratear o tratamento. Os passos, apesar de pequenos, são importantes, mas o custo está ficando alto demais para a nossa sociedade.

Onco& – Qual a droga desenvolvida pela indústria farmacêutica que teve impacto na sua área?

Mario Eisenberger – O Taxotere. Há dez anos eu apresentei na ASCO o desenvolvimento dessa droga na sobrevida de pacientes com câncer de próstata e esse estudo resultou na aprovação da droga pelo FDA. O Taxotere demonstrou um impacto positivo enorme e foi desenvolvido pela indústria farmacêutica. Quando foi lançado, o Taxotere reduziu o índice de mortalidade em 25%, que se traduziu em mais três meses de vida. Dez anos mais tarde, foi testado em pacientes que tinham sobrevida estimada em cinco anos e, provavelmente, eles poderão viver por oito anos.

Onco& – Sobrevida é diferente de cura. O senhor acredita na cura do câncer?

Mario Eisenberger – Sim, é bem diferente. Mas a medicina não cura muita coisa, não. A cardiologia não cura nada, a diabetes não é curável, assim como o mal de Parkinson e a elevação do colesterol. No câncer, se você tirar um tumor no início, muito pequeno, aí sim. Mas o que a gente pode fazer é melhorar a quantidade e a qualidade de vida. Se o custo for razoável e os efeitos colaterais não forem muito grandes, eu acho que é um ganho significativo.

Onco& – E no Brasil, qual sua avaliação sobre a atenção oncológica? Mario Eisenberger – Não sei bem como responder a essa pergunta, mas, daqui, tenho a impressão de que os tratamentos não estão disponíveis para toda a população. Uma pessoa que mora em uma cidade pequena, que é Maryland, onde eu moro, pode vir para o Johns Hopkins e participar de um estudo clínico, com tratamento de ponta. No Brasil é um pouco mais difícil, pois só uma proporção pequena dos pacientes, que tem conhecimento, plano de saúde ou que tem uma boa situação financeira, se precisar, terá tratamento muito bom. Há bons profissionais, mas o paciente terá de ter essas condições citadas. A proporção de pacientes que podem ter um cuidado médico excelente, eu creio, não deve ser mais de 3% da população total. Mas, em

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geral, acho que a oncologia no Brasil está crescendo, o conhecimento está se desenvolvendo. O governo brasileiro deveria ter investido há muitos anos em saúde, especialmente em enfermidades que matam os cidadãos, como câncer, doenças cardiológicas. Deveria dar prioridade alta para a saúde, investir em mudança de hábitos, educação e treinamento dos médicos, prevenção.

Onco& – O senhor falou em prevenção... Mario Eisenberger – A prevenção é só uma parte da oncologia. É uma parte muito importante, mas, para demonstrar os efeitos, demora muito tempo. Estamos começando agora a compreender isso um pouco melhor. Demora uma geração ou até duas para saber qual o impacto de uma intervenção de prevenção na existência de câncer. Uma das ações pode ser o fim do uso de qualquer tipo de tabaco, o que é uma intervenção importante, simples, mas até que se verifique que há realmente uma incidência na mortalidade vai demorar.

Onco& – Como o senhor avalia a participação de médicos brasileiros na ASCO?

Mario Eisenberger – Os brasileiros estão participando de estudos clínicos. A proporção de pacientes que entram nos estudos clínicos de câncer de próstata e vêm do Brasil é entre 2% e 3%. Há situações isoladas, que são maiores do que isso, em estudos mais simples. Os brasileiros que têm influência na ASCO são aqueles que treinaram aqui nos Estados Unidos e que, durante sua carreira, se associaram a comitês de medicina. O oncologista brasileiro Gilberto Schwatsman, que é de Porto Alegre, participou de um comitê internacional da ASCO que começou como uma força-tarefa. Há muita gente que tem valor enorme. Mas no Brasil fazer estudos clínicos não é simples por fatores monetários, não existem muitos centros clínicos, de pesquisa, que possam fazer estudos grandes, mas certamente vejo que aumentou muito o envolvimento em pesquisa internacional porque a educação evoluiu. Acho que o fator mais importante terá de ser a iniciativa tanto do governo quanto dos oncologistas brasileiros de investir na pesquisa clínica para ajudar o cidadão brasileiro. Sem o governo capitanear isso, fica muito difícil.

Onco& – Qual a dica que o senhor daria para os novos médicos que vão se especializar na pesquisa ou tratamento de câncer? Mario Eisenberger – Estudem, se atualizem com os melhores, tenham acesso a novos e bons conhecimentos, mas, depois, voltem para seus países e continuem a transmitir o conhecimento que conseguiram para outras pessoas. Com meus fellows eu sempre tenho esse problema: todos que passam dois anos por aqui querem permancecer nos Estados Unidos, mas eu os aconselho a voltar e, depois, eles ficam muito felizes.


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capa – ASCO 50 anos

Qualidade de vida ganha maior peso nas pesquisas clínicas Estudos apresentados na 50ª edição do Congresso da ASCO trazem à luz a discussão sobre a questão do custo-efetividade de novas tecnologias bem como a necessidade de ampliar benefícios aos pacientes Por Regiane de Oliveira e Gabriel Ferreira

O

PRIMEIRO CONGRESSO DA SOCIEDADE

AMERICANA DE ONCOLOGIA CLÍNICA (ASCO), REALIZADO EM 1965, NA FI-

LADÉLFIA, REUNIU 70 CONVIDADOS EM TORNO DE TRÊS APRESENTAÇÕES SOBRE LEUCEMIA E MIELOMA MÚLTIPLO. PAS-

©ASCO 2014

SADOS 50 ANOS DA FUNDAÇÃO DA ASCO, OS QUATRO DIAS DE EVENTOS QUASE NÃO DÃO CONTA DA APRESENTAÇÃO

de 5 mil estudos para os mais de 25 mil profissionais de oncologia de todo o mundo. Sob o tema “Ciência e sociedade: os próximos 50 anos”, o encontro evidenciou ensaios que vão desde confirmações sobre as promessas da medicina personalizada no tratamento de câncer até a necessidade de encontrar maneiras simples de melhorar a vida dos pacientes. É consenso: as novas tecnologias vêm se provando cada vez mais capazes de trazer ganhos substanciais aos pacientes. Mas a que preço? Vários estudos da ASCO destacaram preocupação com a melhoria da qualidade de vida e o custo na apresentação de seus resultados. “Até pouco tempo atrás, a comunidade médica tapava os olhos para a questão custos. Nos apegávamos aos benefícios clínicos, aquele 1% ou 2% de chance de cura, aos meses de sobrevida”, afirma Rafael Kaliks, diretor de oncologia do Instituto Oncoguia. Hoje isso não é mais possível. “Nas últimas décadas, o desenvolvimento de novas drogas elevou o custo das medicações para patamares que nenhuma sociedade pode sustentar. Nem a norte-americana, que é a que mais gasta em saúde no mundo.” Isso não é uma prerrogativa exclusiva da oncologia, mas, como a incidência de câncer está aumentando juntamente com o aumento do custo de tratamento, a abordagem de saúde do ponto de vista oncológico em qualquer país se tornou inviável. “Existe uma pressão no mundo inteiro para se discutir essa questão. Não é à toa que a própria ASCO resolveu encampar a ideia e propor a discussão: afinal, quanto vale esse benefício adicional que está sendo proposto por novos tratamentos? E o que isso agrega à qualidade de vida do paciente?”, pergunta Kaliks. Questões como essas começaram a ganhar forma na edição 2013 da ASCO, quando uma enxurrada de críticas aos preços de novas drogas veio à tona. Um dos principais críticos ao modelo atual de precificação dos medica-

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Questões sobre os custos dos medicamentos ganharam forma na ASCO de 2013, quando uma exurrada de críticas aos preços de novas drogas veio à tona

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mentos é o oncologista Hagop Kantarjian, chefe do departamento de leucemia da Universidade do Texas e médico do MD Anderson Cancer Center, em Houston. Em artigo para a revista MIT Technology Review, no fim do ano passado, ele explica que, em uma economia livre de mercado, as commodities são avaliadas de acordo com o preço que o mercado pode suportar. Porém, quando se trata de produtos que afetam a vida e a morte das pessoas, como os medicamentos, opta-se por utilizar o padrão normal de precificação, que varia conforme a oferta e a demanda. Kantarjian acredita que drogas contra o câncer deveriam ser precificadas como commodities. “Em 2012, 12 das 13 novas drogas aprovadas para o câncer foram precificadas acima de US$ 100 mil por ano. Esse exorbitante e insustentável aumento está ferindo nossos pacientes e nosso sistema de saúde”, publicou o médico libanês. “Em meu próprio trabalho, frequentemente falo com os pacientes sobre uma terapia em particular apenas para descobrir mais tarde que eles não podem pagar.” Kantarjian aponta uma solução para a questão, que leva em conta o potencial benefício do medicamento para a vida do paciente. Quanto você pagaria por um ano extra de sua vida? “Muitos especialistas acreditam que um ano extra pode valer cerca de US$ 50 mil a US$ 60 mil”, aponta o autor. Isso significa que uma droga que prolongasse a vida útil de um paciente em seis meses não poderia custar mais do que US$ 30 mil. Por mais que seja difícil não torcer o nariz para tal lógica, que precifica o tempo de uma vida, o que Kantarjian propõe é abrir uma discussão em torno de uma abordagem mais humana e moral para o negócio de desenvolvimento de medicamentos contra o câncer. Críticas como a de Kantarjian têm mobilizado a comunidade médica, que, em apresentações de novas tecnologias, tem tomado a iniciativa de contextualizar os estudos em relação ao custo desses avanços versus os benefícios em qualidade de vida. “Hoje, se temos dois medicamentos aparentemente iguais, é a qualidade de vida que vai garantir o desempate, especialmente quando falarmos do paciente metastático”, afirma Evanius Wiermann, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). A ASCO abraçou esse movimento e destacou pesquisas como o Optimize-2, financiado pela Novartis, que valoriza as estratégias de tratamento

onde “menos é mais”. O estudo randomizado de fase III sugere que, após um ano de tratamento mensal com o ácido zoledrônico, as mulheres com câncer de mama e metástase óssea podem passar com segurança para um tratamento a cada três meses. “A adição de bisfosfonatos como o ácido zoledrônico melhorou drasticamente o atendimento de pacientes com metástases ósseas. Mas o tratamento a longo prazo acarreta o risco de efeitos secundários graves, como osteonecrose dos maxilares e problemas nos rins”, disse o principal autor do estudo, Gabriel Hortobagyi, professor de medicina no MD Anderson Cancer Center, em Houston. “Nós descobrimos que o tratamento menos frequente pode reduzir o risco de efeitos secundários graves, com benefícios adicionais na redução de inconvenientes para o paciente e também no custo.” Outra apresentação que seguiu a linha “menos é mais” foi a de um estudo randomizado, financiado pelo governo federal norte-americano, que indicou que é seguro parar o tratamento com estatinas em pacientes com uma expectativa de menos de um ano de vida. As estatinas são medicamentos que ajudam a reduzir o colesterol, diminuindo assim o risco de ataques cardíacos e derrames. Porém, tem como efeitos colaterais bastante comuns as dores de cabeça, dificuldade para dormir, dores musculares, sonolência e tontura. O que em pacientes em estado terminal, que muitas vezes estão tomando dez ou mais comprimidos por dia, é um grande fardo. O estudo mostrou que a descontinuação das estatinas não encurtou a sobrevivência e ainda deu uma série de benefícios para a melhora da qualidade de vida global dos pacientes. “Muitos médicos argumentam que, perto do fim da vida útil, não é necessário continuar os medicamentos para doenças crônicas, que não são de risco de vida. Mas não há nenhuma orientação sobre quais medicamentos se pode parar e nem de quando fazê-lo”, afirmou a principal autora do estudo, Amy Abernethy, oncologista e especialista em cuidados paliativos na Duke University Medical Center, em Durham. “Nosso estudo fornece a primeira evidência de que a interrupção das estatinas é segura e melhora a qualidade de vida do paciente.” Esse estudo incluiu 381 pacientes com doença limitante da vida (49% tinham câncer) e uma ex-


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Foco em cuidados paliativos Também financiado pelo governo federal norte-americano está o estudo Enable-III, que mostra os benefícios de um programa de apoio específico de cuidados paliativos por telefone para os cuidadores de pacientes com câncer avançado. Os resultados sugerem que, quanto mais cedo os serviços de cuidados paliativos forem introduzidos para os cuidadores, mais eles serão capazes de lidar com a experiência do cuidar. “Cuidadores familiares são uma parte crucial da equipe de assistência ao paciente. O bem-estar de um afeta o bem-estar do outro, e ambas as partes se beneficiam quando os cuidadores recebem o apoio de cuidados paliativos”, disse a autora sênior do estudo, Marie Bakitas, professora da Escola de Enfermagem da Universidade do Alabama, em Birmingham. “Quando os cuidadores começaram a receber apoio de cuidados paliativos no início do diagnóstico de câncer avançado do paciente, eles tiveram menos depressão, perceberam-se menos sobrecarregados nas tarefas de cuidador e tiveram melhor qualidade de vida.” No estudo, 207 pacientes com câncer metastático ou recorrente e 122 cuidadores familiares receberam o apoio de cuidados paliativos por meio de uma intervenção por telefone. Um grupo de pacientes e de cuidadores familiares começou a receber essa intervenção no prazo de duas semanas, enquanto outro grupo começou 12 semanas mais tarde. O trabalho apresentado mostrou que o grupo de cuidadores que foi contatado mais cedo mostrou melhores condições de qualidade de vida. “Infelizmente, a gama completa de serviços de cuidados paliativos é raramente aproveitada porque os cuidados paliativos são muitas vezes apresentados muito tarde no curso do tratamento do câncer”, diz Bakitas. O tema do cuidado paliativo frequentemente aparece quando se discute custo – redução ou aumento dele –, e, na maioria das vezes, de forma equivocada, como explica Toshio Chiba, coordenador do

Programa de Cuidados Paliativos do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp). Cuidado paliativo é definido pela Organização Mundial de Saúde como “a assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida”. “Ainda assim, o viés que temos hoje para muitos médicos e pacientes é que cuidado paliativo é para quem está morrendo”, lamenta. “Tratamentos médicos como radioterapia, radiocirurgia, quimioterapia, entre outros, estão progredindo de forma exponencial. Mas, na essência do cuidado para o sofrimento do paciente, a gente não progrediu. E não falo só do Brasil, o mundo está atrasado. É como se tivéssemos esquecido como ver outros aspectos além da doença, como as questões sociais e as psicológicas, que também fazem parte do corpo do paciente”, avalia Chiba. E quando o assunto é custo, Chiba é taxativo em dizer que, de forma individual, o cuidado paliativo é caro. Mas, quando analisado de forma sistemática, ele pode ser uma grande ferramenta de redução de custos. “Isso acontece porque, no caso do paciente que recebe acompanhamento interdisciplinar, o médico tem maior controle sobre o tratamento. Esse paciente não precisa mais de pronto atendimento, por exemplo. E os custos diminuem. Mas vale lembrar que essa economia é fruto da ação de cuidado paliativo e não o objetivo final dessas ações”, afirma Chiba. ©ASCO/Brian Powers

pectativa de vida de um mês a um ano. As taxas de sobrevida e de complicações cardiovasculares não foram significativamente maiores no grupo observado sem estatina em relação àqueles pacientes que receberam a droga. Os pesquisadores estimaram que US$ 603 milhões poderiam ser economizados nos Estados Unidos se todas as pessoas com uma expectativa de vida de um ano ou menos, semelhante ao grupo envolvido no estudo, descontinuassem as estatinas. A evolução de algumas drogas também ajuda a aumentar a qualidade de vida dos pacientes. É o caso das drogas que apresentam efeitos muito mais toleráveis, diminuindo a debilitação do paciente ao longo do combate à doença, como a nova geração de inibidores de tirosina quinase, utilizados no tratamento do câncer de pulmão. “Cada nova geração traz efeitos muito mais toleráveis do que a anterior”, diz Eduardo Medeiros, oncologista do centro de oncologia da Rede D’Or São Luiz. Na ASCO deste ano, o maior destaque relacionado a inibidores de tirosina quinase foi o estudo AZD9291, conduzido pela AstraZeneca, que mostrou resultados bons em todos os subgrupos de pacientes com câncer de pulmão de não pequenas células com mutação EGFR, com 51% deles apresentando redução dos tumores.

Equilibrando as expectativas Para Carlos Barrios, do Hospital Mãe de Deus e do Centro de Pesquisa em Oncologia do Hospital São Lucas, da PUC-RS, a busca por melhores resultados de qualidade de vida é o grande dilema imposto aos oncologistas, que precisam encontrar a melhor maneira de salvar seus pacientes e, muitas vezes, colocam os efeitos do tratamento em um segundo plano. “A ideia é resolver a questão o mais rápido possível, mesmo que haja alguma perda de qualidade de vida no processo. Mas com a evolução das drogas é lógico que a diminuição desses efeitos colaterais vai ganhando importância.” Onco& julho/agosto 2014

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©ASCO/Phil McCarten

Porém, no percurso em busca de salvar a vida dos pacientes, foram criadas algumas discrepâncias que se tornaram insustentáveis ao longo do tempo. Barrios afirma que hoje 62% dos medicamentos oncológicos mais modernos, lançados nos últimos cinco anos, são consumidos apenas nos Estados Unidos. Outro grupo significativo, 22%, também é oferecido aos pacientes europeus e 4% também estão no mercado japonês. “Todo o resto do mundo fica com a menor parte, porque não tem condições de pagar pelos preços”, lamenta Barrios. Nesse cenário, seria importante uma rediscussão do custobenefício e dos valores desses tratamentos de ponta. “É uma discussão muito conceitual, mas que precisa ser feita pela sociedade. É fundamental que governos, sociedade civil e indústria se reúnam e encontrem uma equação.” Kaliks, do Instituto Oncoguia, complementa esse raciocínio: “Talvez a sociedade não queira pagar um medicamento que garante um mês a mais de vida pelo custo de R$ 300 mil. Temos que discutir isso”. Em alguns lugares esse assunto já ultrapassou o plano das ideias. Em 2012, os médicos do Memorial Sloan Kettering Cancer, nos Estados Unidos, se recusaram a utilizar o medicamento Zaltrap, da Sanofi, para câncer colorretal avançado, por entenderem que o custo-benefício não compensava em relação ao medicamento utilizado até então, Avastin, da Roche, cujo custo/mês era duas vezes inferior. O oncologista Gilberto Lopes, do HCor, membro do comitê de assuntos internacionais da ASCO, ressalta que vários países também têm trabalhado para fazer algum tipo de controle de preço antes de incorporar os medicamentos em sua rede. Nos EUA, o Medicare, programa que cobre a saúde para pacientes com mais de 65 anos, é obrigado a cobrir todas as drogas para o câncer aprovadas pelo FDA. Já na Europa é diferente. Após aprovado pela agência europeia de medicina, cada país discute internamente preços e negocia antes da incorporação em sua rede. “Isso faz com que o custo dos medicamentos chegue a ser 30% a 40% mais baixo na Europa. Na Inglaterra, por exemplo, o Nice [National Institute for Health and CareExcellence] determina se um medicamento novo é custo-efetivo ou não, isto é, se vale a pena o que está sendo cobrado por ele”, diz Lopes. Em muitos casos, ressalta o oncologista,

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a entidade reguladora define que o custo versus a efetividade não compensam. “E acaba negociando as aprovações com grandes descontos de preço da indústria.” Já nos Estados Unidos, essa situação é bastante diferente, pois o Food and Drug Administration (FDA) usa basicamente o critério clínico para tomar as decisões e não a variável econômica. “Nos EUA, há muita discussão em relação ao problema do custo, porém pouca coisa prática, com exceção de algumas fontes pagadoras que estão começando a medir a qualidade para ter uma decisão”, diz Lopes.

Mas e quanto ao Brasil? Em meio a esse cenário mundial, a visão dos médicos consultados pela Onco& é que as discussões estão bastante atrasadas no âmbito da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela análise de eficácia e segurança dos medicamentos, e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), responsável pela análise do custo-efetividade, isto é, a avaliação econômica e a incorporação de novos medicamentos no Sistema Único de Saúde. “A Anvisa e a Conitec nunca dizem que o problema para negar é a falta de dinheiro, sempre tentam inventar um motivo para a recusa”, afirma Kaliks, do Instituto Oncoguia. “No Brasil, ainda se acredita que estudos clínicos são feitos para garantir o lucro de laboratórios. Há uma ignorância sobre os fatos científicos, que denigre os benefícios dos ganhos clínicos dessas pesquisas. E isso esconde uma realidade: a vergonha de dizer que não temos dinheiro.” A questão é que, quando o assunto é custo da saúde, essa “vergonha” não faz sentido, pois é um problema que afeta todos os países, como lembra Kaliks. Por vezes, ganhando projeção internacional. No começo do ano passado, o ministro das Finanças japonês, Taro Aso, sugeriu que os idosos de seu país deveriam morrer para poupar gastos públicos com saúde. A sugestão não foi bem recebida, e ele teve de voltar atrás e se retratar com a sociedade. “Na Inglaterra, pacientes acima de 75 anos não podem fazer diálise na saúde pública”, afirma Kaliks. “É uma decisão polêmica, sim, que não tem certo ou errado, por isso é preciso que a sociedade discuta o assunto. Mas para isso teremos que tratar o assunto de forma transparente”, diz Kaliks.


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Lopes lembra que, no Brasil, a Anvisa toma decisão para a aprovação de um medicamento com base, principalmente, em dados de sobrevida global. Fatores como melhoria na qualidade de vida do paciente ou sobrevida livre de progressão não têm peso alto nesse processo. Por isso, medicamentos muitas vezes celebrados fora do país acabam sendo barrados no crivo da Anvisa. Lopes cita o caso do crizotinibe, da Pfizer, indicado para câncer de pulmão de não pequenas células com uma mutação genética específica (fusão EML4-ALK). Pesquisas mostram que o medicamento é capaz de mais que dobrar o tempo em que o tumor fica controlado, além de demonstrar melhorias nos indicadores de qualidade de vida em relação ao tratamento padrão. Porém, a agência alegou que não há evidência de aumento de tempo de vida. A Pfizer informou que apresentou recurso e aguarda novo parecer do órgão regulatório. Outro medicamento citado por Lopes é o afatinibe, da Boehringer, que age em pacientes com câncer de pulmão não pequenas células que tenham a mutação EGFR. Estudos mostram que o medicamento chegou a triplicar a sobrevida sem a progressão da doença e, apesar de não ter demonstrado aumento na sobrevida global, controlou ou reduziu o tumor em 58% dos pacientes. Consultada pela Onco&, sobre se recorreu da decisão da Anvisa, a Boehringer informou que não comenta assuntos regulatórios. “São medicamentos que deveriam ter sido aprovados no país, pois controlam a doença por mais tempo, mas, como não temos uma determinação clara para a aprovação de drogas em estudos preliminares, acabam ficando fora do país”, lamenta Lopes. Isso não significa que ele concorde com todas as aprovações. “Há medicamentos cujo benefício deve ser questionado”, lembra. É o caso do ramucirumabe, um antiangiogênico do laboratório Eli Lilly, que bloqueia a formação de vasos sanguíneos no tumor e também foi apresentado na ASCO. O estudo de fase III REVEL mostrou que adicionar o ramucirumabe a quimioterapia prolonga a sobrevida global de pacientes com câncer de pulmão não pequenas células de 9,1 meses (tratamento com docetaxel) para 10,5 meses (tratamento combinado docetaxel com ramucirumabe). O resultado foi considerado modesto, porém chamou atenção, pois foi a primeira vez em quase uma década que um ensaio clínico demonstrou aumento de sobrevida nesse tipo de doença. “Tenho dúvida se deveria ser aprovado ou não. Como médico e paciente, sempre nos apegamos naquilo que oferece as melhores opções de tratamento. Mas, no caso do tratamento oncológico, quem paga a conta, na maioria das vezes, não é o paciente, é a sociedade. Se tem um benefício de 1,4 mês a mais que o tratamento padrão, será que a sociedade vai querer investir? Teremos de discutir”, afirma Lopes.

Tratamentos personalizados, custos mais elevados Na visão da oncologista Maria de Lourdes de Oliveira, do centro de oncologia da Rede D’Or São Luiz, a questão do custo no tratamento oncológico deve ser analisada com muito cuidado. Para ela, é natural que as novas drogas, sobretudo os imunoterápicos e os tratamentos

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mais personalizados, tenham custos mais elevados. “Com essa maior personalização dos tratamentos, isso ganha um contorno de duas vias. Por um lado os medicamentos são mais caros, mas por outro eles são muito mais efetivos.” Com isso, evitam-se tratamentos infrutíferos que, analisados pelo viés econômico, representariam grandes desperdícios de recursos. “Desde o início da crise econômica mundial temos notado um redesenho nos estudos, com uma busca não necessariamente por redução de custos dos tratamentos, mas por aumento da eficiência, o que é muito positivo”, afirma ela. Vários estudos na ASCO seguem essa característica destacada por Maria de Lourdes. Por exemplo, o estudo randomizado fase III EORTC 18071, financiado pela Bristol-Myers Squibb, que apontou, pela primeira vez, que o ipilimumab – já utilizado no tratamento de melanoma avançado – pode reduzir substancialmente o risco de recorrência em determinados grupos de pacientes que apresentam a doença em estágios menos avançados. Os resultados foram apresentados por Alexander Eggermont, diretor-geral do Gustave Roussy Cancer Campus, em Paris. “Esse é o primeiro estudo com ipilimumab a mostrar que podemos introduzir esse tipo de droga em um estágio anterior da doença, com potencial para curar mais pacientes”, afirmou o pesquisador. Outra pesquisa, um estudo de fase II, financiado pelo governo norte-americano, mostrou que um tratamento imunoterápico personalizado induziu a uma remissão completa e duradora em um grupo de mulheres com câncer cervical avançado. Apesar de ser ainda um estudo pequeno e ter envolvido poucas pacientes, ele foi recebido como uma boa notícia, uma vez que existem pouquíssimas opções efetivas de tratamento para essa doença. “Ainda é um tratamento considerado experimental e está associado a alguns efeitos colaterais significativos. Precisamos também entender por que essa terapia funcionou tão bem para algumas mulheres, mas não para outras”, afirmou o líder do estudo, Christian Hinrichs, do National Cancer Institute, em Bethesda, nos Estados Unidos. Vale ressaltar também o estudo de fase III Chaarted, que mostrou que começar quimioterapia junto com a terapia hormonal em homens com câncer de próstata hormônio-sensível em fase precoce da doença pode trazer melhor sobrevida global por mais de 13 meses, em comparação com o tratamento só com terapia hormonal. A sobrevida foi ainda maior em pacientes com doenças de alto volume. “Até um tempo atrás não existia esse cenário, para a grande maioria só oferecíamos o tratamento hormonal”, lembra Evanius Wiermann, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. “Estamos acostumados a ouvir falar em ganhos de um, dois, três meses em sobrevida. Dois anos é uma quebra de paradigma. São dados bastante relevantes que mudaram a conduta do oncologista no dia após a palestra”, comemora Wiermann. É a mesma visão de Sérgio Roithman, do Hospital Mãe de Deus, de Porto Alegre. Para ele, apesar de algumas inovações como essa, a reunião da ASCO deste ano foi crucial para consolidar tendências, como a importância cada vez maior das pesquisas envolvendo medicamentos biológicos e as pesquisas focadas em entender cada câncer dentro de suas


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especificidades. “Está se tornando comum ouvir que cada câncer é uma doença rara, de tão únicos que eles são”, afirma Roithman. “Os tratamentos estão ficando cada vez mais específicos e menos tóxicos. Isso é fundamental para melhorar a qualidade de vida das pessoas.” Com o avanço da preocupação sobre o custo-benefício e a quali-

A crise do financiamento ©ASCO/Scott Morgan

Quatro ensaios clínicos de fase III em três dos tipos de câncer mais comuns – mama, próstata e colorretal – apresentados na ASCO foram produto, mesmo que em parte, de financiamento do governo federal norteamericano. Entre eles estava o tão aguardado resultado do estudo de fase III ALTTO, que sugere que o tratamento pós-operatório, com a combinação de duas drogas alvoClifford Hudis, presidente da ASCO HER2 (trastuzumabe e lapatinibe), não é mais eficaz do que o tratamento padrão com trastuzumabe em mulheres com câncer de mama precoce HER2-positivo. No estudo, os pesquisadores não encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de tratamento, em quatro anos de sobrevida livre de doença, que variou entre 86% e 88%. “Ficamos surpresos pelo fato de a adição de lapatinibe não ter fornecido benefício maior, uma vez que a combinação dessas drogas foi promissora quando utilizada antes da cirurgia em um estudo menor”, disse a autora sênior do estudo, Edith A. Perez, vice-diretora do Mayo Clinic Cancer Center, na Flórida. “Uma lição fundamental desse resultado é que precisamos de ensaios clínicos robustos em ambientes específicos da doença para avaliar plenamente e entender o valor dos novos regimes de tratamento.” Outro resultado que deixou a comunidade médica em alerta foi o estudo fase III que demonstrou que o tratamento em primeira linha de bevacizumabe (Avastin) associado a quimioterapia e de cetuximabe (Merck) associado a quimioterapia são equivalentes em termos de sobrevida para pacientes com câncer colorretal metastático e sem mutações KRAS. No estudo, a sobrevida global média foi de cerca de 29 meses, com ambas as terapias. “Estudos considerados

dade de vida, a oncologia vive um momento de mudança cultural. “Estamos encarando o fato de que não faz sentido que o paciente morra do tratamento, mas com a filosofia antiga é isso que acontece muitas vezes”, afirma Eduardo Medeiros, oncologista do centro de oncologia da Rede D’Or São Luiz.

negativos também trazem bons resultados, pois mostram para que lado temos que ir. Muitos abrem um novo leque de opções para que o oncologista, juntamente com o paciente, possa escolher o melhor caminho a seguir”, lembra Evanius Wiermann, da SBOC. Decepcionantes para uns, reveladores para outros, esses estudos são possíveis quando há um financiamento público por trás. Porém, desde a crise financeira de 2008, o governo americano vem diminuindo investimentos em pesquisa. De acordo com Clifford Hudis, presidente da ASCO, a redução no número de resumos apresentados e aprovados na ASCO que têm como financiador a fonte pública é um indicativo “perturbador” do menor comprometimento federal com as pesquisas. Foram 575 resumos, em 2008, contra 169, em 2014. Dada a queda vertiginosa no número de estudos, Hudis se pergunta: “Resta saber quem vai planejar, lançar e completar este tipo de pesquisa no futuro”. Wiermann destaca que, enquanto isso, o Brasil não avança nas pesquisas clínicas por dificuldades na regulação. “Nem estou discutindo ainda a questão dos recursos para a pesquisa, que tem um subfinanciamento dramático. Falo do problema básico, regulação: as pesquisas demoram anos para serem aprovadas.” Não são raros os casos de pesquisas que começam no Brasil quase um ano após terem sido iniciadas em outros países. “Isso faz com que percamos pacientes, que nossos recrutadores percam a possibilidade de participar, entender a droga e de validar o medicamento na nossa população.” O efeito de não testar adequadamente determinadas drogas na população é ter de “aprender na marra”, o que não é do melhor interesse para o paciente nem para a ciência. Wiermann lembra o caso da droga experimental Orteronel, da Takeda, que foi testada em segunda linha em pacientes com câncer de próstata metastático resistente à castração e se mostrou negativa em sobrevida global tanto nos Estados Unidos quanto em países da Europa. Mas em um subgrupo de estudos fora desses mercados a sobrevida global foi melhor do que no grupo em placebo. A diferença? “Nesses outros mercados não havia a disponibilidade de drogas que há nos EUA e na Europa. A diferença estava no sequenciamento das drogas. E um medicamento que poderia desaparecer do mercado mostrou sua eficácia num estudo mais robusto.”

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pulmão

Rastreamento e diagnóstico precoce do câncer de pulmão no Brasil e no mundo: dilemas, controvérsias e respostas

O

RASTREAMENTO DO CÂNCER DE PULMÃO É UM

20 ANOS. DADOS RECENTES DEMONSTRAM A EFETIvidade da tomografia do tórax de baixa dose no rastreamento do CP, com potencial superior ao rastreamento para tumores de mama e cólon, por mamografia ou colonoscopia, respectivamente. Contudo, nesses casos, existem políticas públicas vigentes. Felizmente, as sociedades médicas internacionais começam a recomendar sistematicamente o rastreamento do CP ao redor do mundo. No Brasil, destacamos os resultados preliminares do primeiro programa na América Latina, onde faz-se imperativo que o debate seja criado, procurando estabelecer critérios seguros para a execução do método. Neste artigo, discutimos aspectos e novidades do rastreamento, expondo controvérsias e concordâncias sobre o tema. O câncer de pulmão (CP) é um problema de

Divulgação

TEMA DE CALOROSO DEBATE NOS ÚLTIMOS

Ricardo Sales dos Santos *Fellow e instrutor em cirurgia minimamente invasiva e robótica nas universidades de Pittsburgh (UPMC) e Boston (BU), EUA (2002-09); Investigador principal do ProPulmão: Programa de rastreamento do câncer de pulmão no Brasil; Cirurgião do Tórax; Hospital Israelita Albert Einstein (retaguarda especializada), Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Hospital do Coração, São Paulo, Brasil

Aparecimento do câncer

Câncer detectado pelo rastreamento

saúde que claramente merece um programa de rastreamento. A cada ano, cerca de 27 mil pessoas morrem no Brasil devido ao câncer de pulmão. Além disso, mais de 90% das pessoas são diagnosticadas com uma doença incurável, ou estágio em que o tratamento tem pouco efeito na sobrevida global1. Muitos dos primeiros estudos de rastreamento com radiografia de tórax e tomografia computadorizada não foram concebidos para minimizar tendências que demonstravam apenas sobrevida prolongada; mas não eram suficientes para demonstrar redução da mortalidade. Esse efeito, também denominado lead time bias (ou viés do tempo de entrega), conduzia ao raciocínio de que pessoas diagnosticadas com CP em antecedência apenas viveriam mais tempo sabendo da doença mas morreriam no mesmo prazo que as demais que descobrem a doença após surgimento dos sintomas (Diagrama 1).

Tempo de espera Tempo de sobrevida percebida Morte

Câncer detectado por sintomas

Contato: ricardo.santos@einstein.br

Tempo de sobrevida percebida

Diagrama 1 – Tempo de espera

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“Diversos estudos em andamento baseiam-se na possibilidade de que marcadores proteicos e mutações genéticas também possam servir como método de rastreamento da doença invisível, ou possam minimizar a quantidade de testes de imagem ou exames invasivos em população de risco”

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A resposta para esse problema foi o desenho de um estudo randomizado, considerando a mortalidade pela doença como ponto final primário da análise. O National Lung Screening Trial (NLST) selecionou 53,4 mil pessoas, com idade entre 55 e 74 anos, fumantes com 30 anos-maço de carga tabagística ou que haviam parado de fumar nos últimos 15 anos, e realizou tomografias por um período de três anos consecutivos. Esse estudo, publicado em 2011, demonstrou a redução da mortalidade por CP na ordem de 20% para pessoas submetidas a tomografia em comparação àquelas submetidas a radiografia do tórax. Além disso foi observada redução da mortalidade em 6,7% por outras causas. A redução significativa levou não somente à interrupção do estudo, mas refutou a hipótese do viés do tempo na análise do rastreamento do CP: doença letal, que ao emitir sintomas leva o portador à morte em menos de um ano em mais de 65% dos casos. Com relação a isso, a questão relevante do overdiagnosis (traduzido como sobrediagnóstico ou superdiagnóstico, que faz com que doenças silenciosas sejam tratadas sem a real necessidade) pode ocorrer em 10% a 12% dos casos de CP. Devemos considerar, portanto, o rastreamento do CP como um processo e não um único exame, pois, com o seguimento periódico de casos suspeitos, o sobrediagnóstico pode e deve ser minimizado. O derradeiro argumento frequente dos que advogam, ou advogavam, contrariamente ao rastreamento do CP seria de que a prevenção primária deve ser a prioridade, e não deveríamos despender recursos na prevenção secundária por meio da detecção precoce. Tal argumento soa como dizer que para “não chorar pelo leite derramado” seria melhor nem pensar no leite, ou nesse problema. A situação atual do CP no Brasil é certamente mais condizente com a do “leite derramado” mas pouco lamentado, pois pouco vem sendo feito para milhões de brasileiros expostos ao risco, ou mesmo com sintomas da doença. Em estudo liderado por José Rodrigues Pereira2 foi observado grande atraso para obtenção do diagnóstico em 372 pacientes com CP na instituição com universo de pacientes públicos e privados. Na análise, foi significante o fato de que mais de 80% dos pacientes procuraram assistência médica nas primeiras 12 semanas após o início dos sintomas; porém em apenas 21% dos casos foi cogitada a hi-

pótese de CP, sendo que em cerca de 40% dos pacientes o diagnóstico demorou mais de seis meses para ser feito, com o paciente percorrendo várias instituições e visitando diversos médicos. Essa realidade não deve ofuscar, mas sim enfatizar, a necessidade da obtenção do diagnóstico na fase anterior aos sintomas, com rastreamento e intensa campanha de conscientização sobre o problema, tanto para a população leiga quanto para os médicos envolvidos na linha de frente do atendimento ambulatorial. Nos Estados Unidos, estima-se uma população de mais de 5 milhões de pessoas sob risco elevado para o CP. No Brasil, a prevalência do tabagismo é próxima aos índices norte-americanos na maioria das capitais. Devemos admitir, entretanto, que desde a década de 80 houve avanços na política pública de prevenção primária do câncer de pulmão, com redução efetiva do tabagismo na população adulta, tendo sido o cigarro banido em diversos locais públicos, com queda dos índices de 44% para menos de 20% da população adulta brasileira. Contudo, em números absolutos a quantidade de fumantes ainda alcança cifras de 7 ou 8 dígitos, e para essa população existe o risco das doenças relacionadas ao tabaco. Assim, a prevenção secundária por meio da detecção precoce torna-se essencial. Mais de 90% dos indivíduos diagnosticados com câncer de pulmão são fumantes ou foram fumantes durante longo período da vida. O risco nessa população é cerca de 20 a 30 vezes superior ao da população não fumante. Contudo, o estágio inicial da doença é curável, e os fatores de risco para o câncer de pulmão são razoavelmente compreendidos desde a década de 1960. Felizmente, hoje existe um teste de rastreamento altamente sensível e disponível: a tomografia com baixa dose de radiação (TCBD). Estudos observacionais em diferentes partes do mundo3, incluindo de 600 a 8 mil participantes e realizados entre 1992 e 2000, encontraram nódulos indeterminados entre 5% e 51% dos participantes de variadas idades e história tabagística, confirmando-se o CP em 0,4% a 3% da população recrutada – sendo que a maioria em estágio I ou II, acusando sensibilidade entre 50% e 95%. Entre os mais importantes estudos, ressaltamos o NLST4 e o I-ELCAP5 (International Early Lung Cancer Program), com incidência de CP acumulada superior a 2% dos participantes. Estima-se que sejam


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necessários 320 exames para salvar uma vida no rastreamento do CP, ou 219 exames considerando outros agravos do tórax. No caso da mamografia são estimados 570 exames (idade acima dos 50 anos), enquanto para o câncer do cólon são necessários 871 exames para salvar uma vida. Em congresso recente da ASCO foram discutidos, em forma de resumo, os custos associados a um amplo programa de rastreamento nos Estados Unidos; estimando-se de US$ 1 a US$ 4 o aumento do custo por pessoa/mês na cobertura de saúde da população. A partir de janeiro de 2015 as operadoras de saúde devem passar a dar cobertura ao exame, baseados na recente recomendação grau B da U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF).

Estudo Nacional Em 2012, iniciamos no Instituto de Responsabilidade Social (IIRS) do Hospital Israelita Albert Einstein, com o apoio do Ministério da Saúde, através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS), as atividades do primeiro estudo brasileiro, inédito na América Latina: o ProPulmão, para o rastreamento do CP6. Nesse trabalho, executado em parceria com profissionais da Santa Casa de São Paulo, da Unifesp e da Universidade de São Paulo, já foram recrutados mais de 700 participantes, sendo que a incidência do CP encontrada foi similar a de outros estudos internacionais, em torno de 1,2%. Entretanto, como era previsto devido a doença granulomatosa, a prevalência de nódulos é elevada, com cerca de 44% dos estudos classificados como “positivos” na primeira rodada de tomografias. Os critérios da National Comprehensive Cancer Network (NCCN) e componentes do I-ELCAP foram incluídos no estudo, no qual foi construída uma ampla base de dados para registro e seguimento de todos os participantes, denominada Sistema de Prontuário Inteligente SPI®. Tal base abriga todas as variáveis do I-ELCAP e coleta resultados dos questionários sobre qualidade de vida (SF 36), dependência a nicotina (Fargestron) e índices de ansiedade e depressão (HAS) na população estudada. Os dados obtidos nesse estudo podem servir de base adjuvante na discussão sobre a construção de política nacional em rastreamento do CP, no contexto da prevenção aos males do tabagismo.

Cessação do tabagismo A orientação para a cessação do tabagismo é componente importante do ProPulmão, sendo considerado um momento de excelente oportunidade para abordagem do indivíduo fumante, pois neste momento ele(a) encontra-se suscetível à informação sobre prevenção. Além disso, informações obtidas do NLST demonstram aumento na cessação do tabagismo especialmente em indivíduos com achados suspeitos na tomografia, levando a crer que a integração entre o programa de rastreamento e a cessação do tabagismo pode levar à diminuição da morbidade e mortalidade relacionada ao tabaco7, ressaltando que tal morbimortalidade está muito relacionada a problemas cardiovasculares. Sob essa perspectiva, outro exame, a angiotomografia do tórax, é utilizado como instrumento sensível para o achado de doenças coronarianas8. Nesse tipo de exame, o cálculo do escore de cálcio é considerado eficiente método de triagem inicial para a descoberta da doença cardíaca em fase pré-sintomática e o seu uso vem se tornando cada vez mais comum. A ampliação do campo de visão, incluindo os campos pulmonares e periferia da caixa torácica, permite o diagnóstico precoce do câncer de pulmão, ressaltando a importância do full-field-of-view, que deve ser considerado como padrão nos serviços que realizam esse tipo de exame9. A tomografia de baixa dose feita para o rastreamento do câncer de pulmão, em conceito análogo ao acima exposto, permite a identificação do cálcio nas artérias coronarianas, mesmo nos exames realizados sem contraste. A tecnologia atual, que avança a passos largos, traz novidades inclusive na detecção automática dessa calcificação por meio de sistemas de CAD (computed-aided diagnosis)10. Sendo assim, muitos tumores do pulmão e achados incidentais na pleura e mediastino são evidenciados no exame de check-up cardiológico. Falta-nos, entretanto, um programa estruturado para realizar o seguimento adequado dos achados e, acima de tudo, que indique com segurança e precisão o próximo passo na árvore decisória (Diagrama 2): acompanhamento, tratamento clínico ou biópsia. O tratamento mais efetivo para o câncer de pulmão localizado é a cirurgia, que, ao ser realizada em casos mais precoces, é o único tratamento necessário. Entretanto, considerando que no Brasil de 80%

“Estima-se que sejam necessários 320 exames para salvar uma vida no rastreamento do CP, ou 219 exames considerando outros agravos do tórax. No caso da mamografia, são estimados 570 exames (idade acima dos 50 anos), enquanto para o câncer do cólon são necessários 871 exames para salvar uma vida”

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a 90% dos pacientes obtêm o diagnóstico em situação avançada, o tratamento em geral é conduzido de forma multimodal.

Terapias-alvo e marcadores moleculares O avanço no entendimento da biologia do câncer de pulmão vem permitindo a criação de novas terapias baseadas na presença de marcadores proteicos e ou mutações genéticas. Diversos estudos em andamento baseiam-se na possibilidade de que tais alterações também possam servir como método de rastreamento da doença invisível, ou possam minimizar a quantidade de testes de imagem ou exames invasivos em população de risco. Contudo, não existe no momento nenhum marcador molecular presente no sangue ou em outros tecidos com uso clínico viável para o rastreamento11. A integração multidisciplinar é chave para a condução segura de um programa de rastreamento: cirurgiões do tórax, radiologistas torácicos, pneumologistas e oncologistas devem participar ativamente das decisões para a realização de biópsias em lesões suspeitas na tomografia. As

TCBD inicial

suspeita de câncer de pulmão

-

a. Repetir TCBD em 6 meses b. Repetir TCBD em 3 meses c. TC com contraste d. PET-CT e. Punção transtorácica f. Broncoscopia g. Cirurgia

intervenções devem ser feitas em sua totalidade por meio de procedimentos minimamente invasivos, tais como a punção guiada por imagem (Figura 1), a broncoscopia e a cirurgia videoassistida. Os achados de malignidade em rastreamento também podem e devem ser resolvidos por técnicas menos agressivas: a lobectomia por vídeo e a cirurgia robótica constituem o padrão-ouro para a abordagem desses casos. A morbimortalidade em programa de rastreamento deve ser a mínima possível. No estudo nacional em andamento2 não registramos intercorrências em 29 biópsias por diferentes técnicas – oito lobectomias por vídeo e uma remoção de tumor neurogênico por cirurgia robótica foram realizadas em CP estágio Ia e Ib, sem complicações (Figura 2). A condução do rastreamento nos moldes do NLST, com time multiprofissional treinado em cirurgia minimamente invasiva e com equipamentos compatíveis, permite a realização segura dos procedimentos, com índices de mortalidade nas ressecções pulmonares por câncer inferiores aos obtidos no cotidiano, na ausência de programas estruturados.

TCBD anual

suspeita de câncer de pulmão

TCBD anual

-

TCBD anual

suspeita de câncer de pulmão

Biópsia

-

Biópsia

a. Repetir TCBD em 6 meses b. Repetir TCBD em 3 meses c. TC com contraste d. PET-CT

TCBD anual

Diagnóstico de câncer de pulmão Biópsia

Diagrama 2 – Fluxo do programa ProPulmão

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TCBD anual

e. Punção transtorácica f. Broncoscopia g. Cirurgia

suspeita de câncer de pulmão


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Conscientização Programas institucionais, mídia, família e grupos de apoio são fundamentais para estabelecer a cultura da prevenção e detecção precoce do câncer de pulmão. O fumante merece auxílio para parar de fumar,

Figura 1 – Nódulo pulmonar suspeito no programa ProPulmão: biópsia guiada por imagem demonstrou adenocarcinoma minimamente invasivo. Hospital Albert Einstein, 2014

proporcionando a prevenção primária do câncer. E para aumentar a detecção precoce com exame adequado, executado e avaliado de forma multidisciplinar e com decisões pautadas na segurança.

Figura 2 – Abordagens por videocirurgia e robótica no ProPulmão: programa de rastreamento do câncer de pulmão com tomografia de baixa dosagem. Hospital Albert Einstein, 2013-14

Referências bibliográficas: 1. Santos RS, Franceschini J, Kay FU, Chate RC, Costa Júnior Ada S, Oliveira FN, Trajano AL, Pereira JR, Succi JE, Saad Junior R . Low-dose CT screening for lung cancer in Brazil: a study protocol. J BrasPneumol. 2014 Apr;40(2):196-9 2. Lista M, Bes FC, Pereira JR, Ikari FK, Nikaedo SM. Excessiva demora no diagnóstico clínico do câncer de pulmão. Depende do médico, do paciente ou do sistema? ArqMedHospFacCiencMed Santa Casa São Paulo. 2008; 53(1): 6-9. 3. Overview of observational studies of low-dose helical computed tomography screening for lung cancer. Manser RL, Irving LB, de Campo MP, Abramson MJ, Stone CA, Pedersen KE, Elwood M, Campbell DA. Respirology. 2005 Jan;10(1):97-104. Review. 4. National Lung Screening Trial Research Team, Aberle DR, Adams AM, Berg CD, Black WC, Clapp JD, et al. Reduced lung-cancer mortality with low-dose computed tomographic screening. N Engl J Med. 2011 Aug 4;365(5):395–409. 5. Henschke CI, McCauley DI, Yankelevitz DF, et al.: Early Lung Cancer Action Project: overall design and findings from baseline screening. Lancet 354 (9173): 99-105, 1999 6. SANTOS, Ricardo Sales dos et al . Low-dose CT screening for lung cancer in Brazil: a study protocol. J. bras. pneumol., São Paulo , v. 40, n. 2, Apr. 2014 7. Tammemägi MC, Berg CD, Riley TL, Cunningham CR, Taylor KLImpact of lung cancer screening results on smoking cessation.JNatl Cancer Inst. 2014 May 28;106(6 8. ArjmandShabestari A. Coronary Artery Calcium Score: A Review. Iran Red Crescent Med J. 2013 Dec;15(12):e16616. Epub 2013 Dec 5. Review 9. Kim TJ, Han DH, Jin KN, Won Lee K. Lung cancer detected at cardiac CT: prevalence, clinicoradiologic features, and importance of full-field-of-view images.Radiology. 2010 May;255(2):369-76 10. YitingXie ; Matthew D. Cham ; Claudia Henschke ; David Yankelevitz ; Anthony P. Reeves; Automatedcoronaryarterycalcificationdetectiononlow-dose chest CT images. Proc. SPIE 9035, Medical Imaging 2014: 11. Hensing TA, SalgiaR.Molecular biomarkers for future screening of lung cancer. J SurgOncol. 2013 Oct;108(5):327-33

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ASCO 2014

Divulgação

Perspectivas no cuidado dos tumores gastrointestinais

C

OMO TODOS OS ANOS, NO FIM DE CADA MÊS DE

MAIO OCORRE O ENCONTRO ANUAL DA SOCIEDADE

Paulo Holff *Professor titular de oncologia na FMUSP; diretor-geral do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (Icesp) e do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês Contato: paulo.hoff@hsl.org.br

Maria Ignez Braghiroli *Médica oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (Icesp) e do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês Contato: ignezbraghiroli@gmail.com

Marcela Crosara *Médica oncologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (Icesp) e do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês Contato: marcelacrosara@gmail.com

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AMERICANA DE ONCOLOGIA CLÍNICA (ASCO) E, em 2014, ela atingiu um marco importante, realizando o seu 50º encontro. Na área dos tumores gastrointestinais, contamos com duas apresentações plenárias, além de inúmeros trabalhos oriundos dos mais diversos centros de tratamento oncológico e de pesquisa. Neste manuscrito vamos comentar sobre alguns dos mais importantes. Em cada encontro, são oferecidas homenagens a médicos pesquisadores em reconhecimento ao trabalho desenvolvido nas diversas áreas da oncologia. Neste ano, o “Science of Oncology Award” foi oferecido ao Dr. Harald ZurHusen. Esse prêmio é dedicado a trabalhos inovadores na área das ciências básicas. O Dr. ZurHusen é alemão e atualmente trabalha no Centro Alemão de Pesquisa em Câncer, apesar de oficialmente já estar aposentado. Sua formação foi na área da virologia, e foi nessa área que desenvolveu suas linhas de pesquisa, incluindo trabalhos que correlacionam HPV e câncer de colo do útero, o que lhe rendeu um prêmio Nobel em 2008. Atualmente, o Dr. ZurHusen investiga fatores relacionados ao desenvolvimento de outras neoplasias. Há muito tempo o consumo de carne vermelha vem sendo relacionado ao desenvolvimento de câncer colorretal (CCR). Países com grande consumo de carne vermelha, como os Estados Unidos e alguns da Europa, parecem ter maior incidência de CCR. Além disso, em 1987 os japoneses publicaram um trabalho correlacionando o preparo da

carne através do cozimento com a liberação de carcinógenos que estariam elevando o risco de desenvolvimento de neoplasias naquele país. No entanto, paradoxalmente, essa elevação do risco de CCR não parece estar associada ao consumo de frango nem de pescados, mesmo utilizando os mesmos métodos de preparo, com a ressalva de que o último tem inclusive sido relacionado como possível fator de proteção. Outro dado que contraria essa suposição é a relação entre o consumo de carne vermelha e a incidência de CCR em alguns países específicos. Por exemplo, na Mongólia se consome carne vermelha em grande quantidade, porém a incidência de CCR é muito baixa. Correlacionando dados demográficos de incidência de CCR ao longo do tempo e mudança em padrões alimentares em diversos países e levando em consideração a procedência da carne vermelha em cada local, o Dr. ZurHusen identificou um risco maior para consumo de carne de bovinos do tipo europeu, e investigou a hipótese de que o CCR pode estar relacionado a algum fator específico, sugerindo que seja um vírus relativamente termorresistente ainda não identificado, que seja transmitido através da ingestão de carne crua ou pouco cozida. Ele sugeriu que essa infecção latente seria responsável por alterações inflamatórias no cólon com formação de radicais livres, que, eventualmente, levariam à formação de pólipos e ao câncer. Através da análise do soro obtido em gado europeu, foram isoladas algumas amostras de DNA circulares que são termorresistentes. No entanto, eles ainda não foram encontrados em amostras de


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CCR. O Dr. ZurHusen englobou em sua investigação a relação também com outros tipos de tumor e inclusive outras doenças não oncológicas. O outro trabalho relacionado aos tumores gastrointestinais apresentado na sessão plenária pelo Dr. Venook foi o CALGB/SWOG 80405, um estudo de fase III que comparou quimioterapia convencional associada a bevacizumabe ou cetuximabe como primeiro tratamento para pacientes com CCR metastático. Nesse estudo, pacientes com diagnóstico de CCR avançado, com KRAS selvagem para os códons 12 e 13, virgens de tratamento, foram randomizados para um dos seguintes esquemas terapêuticos: FOLFIRI ou FOLFOX, de acordo com a escolha do investigador, associado a cetuximabe ou bevacizumabe. O objetivo primário era avaliar sobrevida global. Bevacizumabe, um anticorpo monoclonal direcionado para VEGF circulante, foi o primeiro antiangiogênico aprovado para uso clínico. O cetuximabe tem como alvo o EGFR, e é utilizado naqueles pacientes que possuem o receptor livre de mutações ativadoras em Ras. Foram incluídos 1.137 pacientes com idade mediana de 59 anos, 84% foram tratados com intenção paliativa desde o início, ou seja, sem perspectiva de ressecção cirúrgica, 73% dos médicos optaram por usar o esquema FOLFOX como primeira linha de tratamento. A sobrevida mediana no grupo que recebeu cetuximabe foi de 29,9 meses, e no grupo que recebeu bevacizumabe, 29,0 meses, p: 0,34, mostrando que os dois grupos tiveram sobrevida praticamente igual. O mesmo pode ser dito para o tempo até a progressão, que foi 10,4 e 10,8 meses, respectivamente. Alguns pacientes, 11% de todos incluídos (n: 124), foram submetidos a cirurgia. Nesse grupo a sobrevida mediana excedeu 5,5 anos, confirmando que, quando possível, a ressecção de doença metastática está associada a maior sobrevida. O perfil de toxicidade encontrado com esses esquemas não foi diferente do esperado baseado em estudos prévios com essas drogas. Alguns dados ainda serão analisados e apresentados, como taxa de resposta, dose intensidade de cada medicação, duração de cada tratamento, esquemas de quimioterapia subsequentes e análise expandida da mutação do NRAS, por exemplo. Baseado nesses resultados, não parece haver diferença significativa entre os esquemas testados, sendo todas essas combinações aceitáveis para pri-

meira linha de tratamento. Mais importante ainda, fica mais uma vez demonstrado que, apesar de terem doença incurável, a sobrevida mediana desses pacientes atinge quase 30 meses, com possibilidade de mais de 5 anos caso apresentem condições para ressecção cirúrgica. Uma questão ainda controversa no tratamento oncológico dos tumores de reto localmente avançados que previamente receberam quimiorradioterapia neoadjuvante e cirurgia é a adição de quimioterapia adjuvante. Foram reportados os resultados de um estudo de fase II randomizado da Coreia que comparou a adição de quimioterapia adjuvante baseada em Fluorouracil (5-FU) e leucovorin (LV) com ou sem oxaliplatina. Com um total de 321 pacientes incluídos e após 38,2 meses de seguimento, 71,6% dos pacientes do braço que recebeu oxaliplatina e 62,9% do braço com 5-FU/LV estavam vivos e sem evidência de doença (p: 0,047). Analisando os subgrupos, aparentemente aqueles que apresentaram pior resposta a quimiorradioterapia mantendo o comprometimento linfonodal foram os que mais se beneficiaram da adição de oxaliplatina. Essa permanece uma questão a ser esclarecida, já que se tratou de um estudo pequeno e os dados de sobrevida ainda não estão disponíveis, porém é possível que alguns pacientes se beneficiem de mais tratamento após a cirurgia, assim como acontece com os tumores de cólon. Como comentamos anteriormente, cada vez mais consideramos procedimentos cirúrgicos para o tratamento dos pacientes com CCR metastático com o intuito de deixá-los livres da doença e, provavelmente, aumentando a sobrevida. O grupo canadense da British Columbia avaliou os pacientes submetidos à ressecção de doença metastática e depois comparou o benefício a depender da sua localização. De 1995 a 2010 foram atendidos 2.082 pacientes com CRC metastático, 544 foram submetidos a cirurgia: 207 ressecaram lesões no fígado (38,1%), 57 no pulmão (10,5%), 11 no fígado e no pulmão (2,0%), 98 no peritônio (18,0%), 50 no ovário (9,2%), 34 no cérebro (6,3%) e 87 em outros órgãos (16,0%). Os pacientes não submetidos a cirurgia tiveram uma sobrevida global de 13,4 meses comparado a 41,8 meses no grupo que realizou ressecção cirúrgica de lesões em fígado, pulmão e ovário. Analisando por sítio de doença metastática, a

“Há muito tempo o consumo de carne vermelha vem sendo relacionado ao desenvolvimento de câncer colorretal (CCR). Países com grande consumo de carne vermelha, como os Estados Unidos e alguns da Europa, parecem ter maior incidência de CCR”

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sobrevida global foi de 46,2 meses para ressecções hepáticas, 43,0 meses para pulmão, 41,2 para fígado e pulmão, 13,4 para peritônio, 21,8 para ovário e 15,8 meses para cérebro. Como conclusão, a cirurgia deve ser considerada como parte do tratamento de pacientes selecionados com doença metastática, sendo os resultados pós-ressecção de lesões hepáticas e pulmonares os mais animadores. O desenvolvimento de novos medicamentos para tratamento de câncer vem evoluindo exponencialmente. No entanto, algumas medicações comumente utilizadas em outros contextos parecem ter atividade também antitumoral. Uma delas é a metformina, que é um antidiabético oral da classe das biguanidas. Alguns estudos de coorte observacional retrospectiva sugerem uma redução da mortalidade naqueles pacientes em uso dessa medicação. Neste encontro da ASCO, a Dra. Jessica Paulus apresentou uma análise da maior coorte retrospectiva investigando essa relação. Foram avaliados 21.352 pacientes com diagnóstico de CCR entre 2001 e 2008, e a sobrevida foi comparada entre quatro grupos: pacientes sem diabetes mellitus (DM) (n=16,355); pacientes com DM em uso de metformina (n= 2,038); pacientes com DM em uso de antidiabético oral que não metformina (n=2,136); e pacientes com DM sem tratamento medicamentoso (n=823). As medianas encontradas foram: 61, 67, 45 e 51 meses, respectivamente. No subgrupo dos pacientes com DM, aqueles que usavam metformina tiveram uma redução de 21% no risco de morte quando comparado ao grupo em uso de outra medicação que não metformina. Avaliada toda a coorte, pacientes com DM em uso de qualquer tratamento medicamentoso que não metformina tiveram maior risco de morte quando comparado aos não diabéticos (HRadj 1,26; 95% CI 1,19-1,33, p=<0,0001). No entanto, a sobrevida mediana dos pacientes com DM em uso de metformina foi similar à dos não diabéticos (HRadj 1,05; 95% CI 0,99-1,12, p=0,11), assim como o grupo com DM sem tratamento medicamentoso (HRadj 1,08; 95% CI 0,99-1,18, p=0,07). Como grande parte dos trabalhos retrospectivos, esse estudo sugere que a metformina tenha algum efeito protetor sobre os pacientes com câncer e suscita investigações prospectivas. Nesse sentido, o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) tem desenvolvido projetos com o intuito de aprofundar o conhecimento em relação aos efeitos antitumorais da metformina, não somente no CCR mas também em tumores de pâncreas e neoplasias neuroendócrinas. Os fatores de risco que parecem envolvidos no desenvolvimento de câncer são múltiplos e por esse motivo é difícil quantificar o peso de cada um deles. Comentamos previamente sobre a carne vermelha, porém a obesidade parece estar relacionada não só com neoplasias, mas também com diversas outras doenças. Em relação especificamente aos pacientes com câncer CCR, foi feita uma análise retrospectiva de uma base de dados chamada ARCADE contendo informação de 21 estudos clínicos correspondendo a 18.564 pacientes de 1997 a 2009. Foram correlacionados os dados entre índice de massa corpórea (IMC) e sobrevida dos pacientes, tendo sido encontrada uma relação em que

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o risco de progressão de doença ou morte foi pior naqueles com IMC ao redor de 15, com redução do risco à medida que o IMC aumenta até aproximadamente 28, a partir daí se mantendo um platô. Em comparação aos pacientes obesos, o IMC baixo se associou a um risco 46% maior de progressão de doença e 85% de morte. Esses achados não foram diferentes quando comparados em relação ao tratamento recebido. Possíveis explicações devem envolver a questão da caquexia dos pacientes com baixo IMC, porém não temos como derivar conclusões baseadas nessa análise somente. Em relação a outros tumores não colorretais, destacamos alguns estudos clínicos investigando novas terapias. Para os tumores esofágicos, o estudo RTOG 0436 avaliou o papel de adição de cetuximabe ao esquema de quimioradioterapia definitiva para neoplasias não operáveis de histologia escamosa ou adenocarcinoma. Os 344 pacientes incluídos foram randomizados 1:1 para receber radioterapia e quimioterapia com cisplatina e paclitaxel associado ou não ao cetuximabe. Nesse estudo de fase 3 não foi observado benefício com a adição da terapia anti-EGFR (cetuximabe) em termos de aumento em sobrevida global (HR 0,92; 95%CI 0,71-1,20; p=0,72) ou taxa de resposta ao tratamento. Dados de uma outra droga alvo anti-EGFR, o nimotuzumabe, também foram apresentados na sessão de pôsteres do congresso (Abstract 4078) e, ao contrário do estudo com cetuximabe, foram observados resultados mais encorajadores. Os dados sobre essa droga vêm de um estudo desenvolvido na América do Sul e Central, inclusive com participação de centros brasileiros. Trata-se de estudo de fase 2 (NICE) que incluiu pacientes com tumores esofágicos localmente avançados e avaliou o papel da adição do nimotuzumabe ao esquema de quimiorradioterapia definitiva. Os 107 pacientes incluídos receberam cisplatina 75 mg/m2 no D1 + 5-FU 1 g/m2/d infusional de D1-4 por 4 ciclos associado a RT 50,4 Gy e foram randomizados para receber ou não nimotuzumabe 200 mg IV, 1x por semana, no total de 6 semanas de tratamento. Análise dos resultados mostrou que a adição do nimotuzumabe ao esquema de tratamento teve impacto em melhora da taxa de resposta tanto por endoscopia digestiva alta quanto patológica, e também se observou uma tendência em aumento em sobrevida global (HR 0,68; 95%CI 0,44-1,07; p=0,09). Com os dados apresentados de terapia anti-EGFR associada ao tratamento de quimiorradioterapia, acreditamos que estudos futuros de fase 3 do nimotuzumabe possam mostrar algum benefício dessa medicação, entretanto não dispomos de evidência para a incorporação de cetuximabe nesse cenário. Em relação aos tumores gástricos, em janeiro de 2014 foram apresentados os dados do ramucirumab, uma nova terapia alvo antiVEGFR2 que no estudo de fase 3 (RAINBOW) foi associado ao paclitaxel semanal para tratamento de 2ª linha em doença avançada. Nesse estudo observou-se aumento significativo de sobrevida global mediana, de 7,36 para 9,6 meses (p=0,0169) (HR=0,807, 95%


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CI:0,678-0,962) e benefício significativo em sobrevida livre de progressão e em taxa de resposta. No Congresso da ASCO foram reportados resultados de um estudo de fase 2 randomizado e duplo-cego que avaliou o uso do ramucirumab em terapia de primeira linha com mFOLFOX. Cento e sessenta e oito pacientes com câncer esofágico ou gástrico avançados foram randomizados para receber quimioterapia associada ao ramucirumab versus placebo. Ao contrário dos resultados observados anteriormente quando empregado em 2ª linha, a associação do ramucirumab em 1ª linha não aumentou a sobrevida livre de progressão (6,4 v 6,7m; HR=0,98; 95% CI 0,69 – 1,37; p =0,89) nem sobrevida global (11,7 v 11,5 m; HR =1,08; 95% CI 0,73-1,58). A análise de subgrupo, entretanto, sugere que os tumores gástricos ou de junção esôfago-gástrica seriam o grupo que mais se beneficiaria do uso de ramucirumab e provavelmente deverá ser a população alvo de futuros estudos explorando o papel dessa droga em primeira linha. Por enquanto os dados disponíveis suportam apenas o uso de ramucirumab em 2ª linha em associação ao paclitaxel. Em hepatocarcinomas, o tratamento para doença metastática com sorafenibe já está bem estabelecido como 1ª escolha, no entanto, aguardávamos os dados do uso dessa medicação no cenário adjuvante. No congresso, foram apresentados resultados do estudo STORM, que avaliou o uso de sorafenibe em pacientes com hepatocarcinoma operado ou submetidos a terapia ablativa e sem doença residual. Nesse estudo fase 3, 1.114 pacientes foram randomizados para receber 400 mg de sorafenibe 2 vezes ao dia por até 4 anos versus placebo pelo mesmo período. Os resultados do estudo foram negativos, e a adição da droga não adicionou nenhum benefício em termos de sobrevida livre de recorrência (RFS): 33,4 meses para o grupo sorafenibe e 33,8 meses para o grupo placebo, tempo para recorrência – 38,6 meses versus 36,8 meses respectivamente, ou sobrevida global que ainda não foi atingida.

Para o tratamento de tumores de via biliar e pancreáticos, os estudos apresentados não proporcionaram grandes mudanças no padrão de tratamento. O estudo de fase 2 randomizado (ABC03) que avaliou o papel da adição de cediranibe ao esquema bem estabelecido de tratamento de neoplasias avançadas de vias biliares com cisplatina e gemcitabina falhou em seu objetivo primário de demonstrar aumento de sobrevida livre de progressão com a medicação (7,7 vs. 7,4 m; HR= 0,99; 95%CI 0,78 – 1,26; p=0,95), frustrando as expectativas de uso futuro dessa droga. Em relação aos tumores pancreáticos, os dados do uso de ruxolitinibe (RUX), uma nova droga alvo inibidora de JAK1/JAK2 (importante na via de sinalização para proliferação celular) em neoplasia de pâncreas avançada, foram reportados. A droga foi avaliada em estudo fase 2 com 127 pacientes que receberiam tratamento de 2ª linha com capecitabina 1000 mg/m2 2 x ao dia por 14 dias a cada 21 dias e seriam então randomizados para associação de RUX 15 mg 2x ao dia continuamente versus placebo. O estudo sugere atividade da droga nesse cenário com melhora de sobrevida global e livre de progressão no grupo experimental. Aguardamos futuros estudos de fase 3 para melhor avaliação do papel do ruxotinibe como uma opção terapêutica nessa doença tão agressiva. Esses foram alguns dos trabalhos apresentados no congresso que elegemos para discussão neste exemplar. Não houve apresentações de trabalhos que sugiram mudanças dramáticas no tratamento de nossos pacientes, mas questões importantes foram discutidas e resolvidas. Além disso, as questões não resolvidas, e as muitas novas informações apresentadas, certamente influenciarão linhas inovadoras de pesquisa nesta área do conhecimento médico. Para mais detalhes, é possível acessar os abstracts no endereço: http://meetinglibrary.asco.org/V.

"Em relação aos tumores gástricos, em janeiro de 2014 foram apresentados os dados do ramucirumab, uma nova terapia alvo antiVEGFR2 que no estudo de fase 3 (RAINBOW) foi associado ao paclitaxel semanal para tratamento de 2ª linha em doença avançada. Nesse estudo observou-se aumento significativo de sobrevida global mediana de 7,36 para 9,6 meses"

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Pesquisas sobre câncer de mama surpreendem

A

LGUNS ESTUDOS EM CÂNCER DE MAMA JÁ BAS-

Arquivo pessoal

TANTE ESPERADOS FORAM APRESENTADOS NESTE

Sergio Simon *Médico oncologista do Centro Paulista de Oncologia e do Hospital Israelita Albert Einstein Contato: recepcao@cponco.com.br

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ANO NA ASCO. O ESTUDO ALTTO E OS ESTUdos SOFT/TEXT foram apresentados em sessão plenária, pela importância de seus resultados. O ALTTO foi um dos estudos mais caros já realizados em oncologia clínica. Ele avaliou o papel da introdução do bloqueio duplo da via do HER2 trastuzumabe e inibidor de tirosina quinase no tratamento adjuvante do câncer de mama HER2-enriquecido. Como se sabe, mulheres portadoras desse tipo de câncer, que perfazem cerca de 20% das portadoras de câncer de mama, são consideradas pacientes de alto risco pela tendência de esses tumores recidivarem rapidamente, principalmente com metástases viscerais. A introdução do trastuzumabe (Herceptin) no tratamento adjuvante dessas pacientes foi um dos grandes avanços da oncologia clínica nos últimos anos, tendo melhorado de maneira muito importante a sobrevida livre de doença e a sobrevida global. Havia forte evidência, vinda tanto de estudos pré-clínicos como de estudos de neoadjuvância, de que o uso concomitante de trastuzumabe com o inibidor de tirosina quinase lapatinibe aumentasse a eficácia antitumoral. O ALTTO analisou justamente essa hipótese: foi um estudo que incluiu 8.381 pacientes para receber tratamento adjuvante padrão apenas com trastuzumabe por um ano (braço 1); apenas com lapatinibe (braço 2); com trastuzumabe por 12 semanas seguido de lapatinibe por 34 semanas (braço 3); ou a combinação de trastuzumabe + lapatinibe por 1 ano (braço 4). As pacientes receberam também tratamento quimioterápico padrão. O braço 2 (lapatinibe isolado) foi terminado precocemente por recomendação do Comitê de Segurança, visto que seus resultados na

análise interina eram inferiores aos dos outros três braços. Nesta ASCO foram apresentados os resultados finais da comparação dos braços 1, 3 e 4. Para surpresa dos investigadores, os resultados de sobrevida livre de doença e de sobrevida global foram rigorosamente idênticos nos três grupos – ou seja, a hipótese de que o bloqueio duplo seria superior ao bloqueio simples com trastuzumabe não foi confirmada. Uma das possibilidades da falha desse estudo é que houve grande número de pacientes que recebiam lapatinibe que não conseguiram receber a droga devido a sua toxicidade (principalmente diarreia) – apenas 60-78% das pacientes que recebiam lapatinibe conseguiram receber > 85% da dose planejada. Com o advento de novas drogas mais eficazes para o manejo da doença metastática, como o pertuzumabe e o TDM-1, o papel do lapatinibe atualmente encontra-se bastante restrito. Outra análise importante apresentada na sessão plenária foi dos estudos SOFT/TEXT. Esse estudo investigava a hipótese de que o uso de supressão ovariana + inibidor de aromatase (IA) seria um tratamento adjuvante superior ao uso de supressão ovariana + tamoxifeno em mulheres pré-menopausadas com câncer de mama receptor hormonal positivo. Sabe-se que em mulheres pós-menopausadas os IAs são ligeiramente superiores ao tamoxifeno como tratamento adjuvante, mas em mulheres prémenopausadas tal hipótese não havia sido testada. A análise combinada desses dois ensaios estudou 4.690 pacientes pré-menopausadas randomizadas para receber tratamento adjuvante com tamoxifeno ou exemestano (um IA), além de supressão ovariana com um agonista do GRH (triptorrelina), ooforectomia ou irradiação ovariana. Após um seguimento mediano de 68 meses, a sobrevida livre de doença aos cinco anos foi de 91,1% no grupo do exemes-


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tano versus 87,3% no grupo do tamoxifeno. Não houve diferença na sobrevida global (talvez por tempo insuficiente de seguimento). Essa diferença absoluta de cerca de 4% é da mesma magnitude da diferença observada em mulheres pós-menopausadas tratadas com IA na adjuvância. Foi, portanto, um estudo positivo, demonstrando a superioridade do IA sobre o tamoxifeno nas mulheres jovens. A observação a ser feita, entretanto, é que o uso de supressão ovariana + IA em mulheres jovens as coloca muito precocemente na menopausa, com todas as consequências metabólicas, ósseas e de qualidade de vida que isso acarreta. Portanto, acreditase que essa estratégia deva ser reservada apenas para mulheres de alto risco de recidiva e após discussão detalhada dos riscos e benefícios com a paciente.

Outro estudo importante apresentado foi o POEMS, que randomizou mulheres pré-menopausadas que iam receber quimioterapia adjuvante para receber também o análogo de LHRH gosserrelina, com o intuito de preservar a função ovariana e a fertilidade. Falência ovariana foi definida como amenorreia por > 6 meses com níveis de FSH compatíveis com menopausa. A incidência de falência ovariana foi de 22% no grupo placebo versus 8% no grupo da gosserrelina, resultado este estatisticamente positivo. A ocorrência de gravidez foi de 11% vs. 21%, confirmando o efeito protetor da gosserrelina sobre a função ovariana. Assim, sugere-se, a partir de agora, que mulheres jovens em tratamento quimioterápico adjuvante sejam protegidas com gosserrelina durante o tratamento.

“Sugere-se, a partir de agora, que mulheres jovens que estejam em quimioterápia adjuvante sejam protegidas com gosserrelina durante o tratamento”


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pele

Tratamento do melanoma (parte 2)*: doença avançada e perspectivas ASCO 2014

O

MELANOMA CUTÂNEO REPRESENTA APENAS

4%

DOS TUMORES DE PELE. A DESPEITO DE SUA RE-

Divulgação

LATIVA BAIXA FREQUÊNCIA EM RELAÇÃO AOS DE-

Fábio Nasser Santos *Hospital A.C. Camargo Departamento de Oncologia Clínica Contato: fabnasser@yahoo.com.br

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mais tipos histológicos, o melanoma maligno é considerado o mais agressivo, com elevado potencial metastático, sendo o responsável pela maior mortalidade relacionada ao câncer de pele. No cenário da doença metastática, diversas estratégias de tratamento têm sido debatidas, não havendo, entretanto, uma modalidade de tratamento considerada ideal para abordagem inicial. Estudos prévios demonstraram atividade de quimioterapia com dacarbazina com taxa de resposta (TR) na ordem de 5% a 12%, sobrevida livre de progressão (SLP) que varia de 1,6 a 3 meses e sobrevida global (SG) que raramente ultrapassa os 10 meses1-4. Apesar de esses estudos sugerirem atividade, seu desempenho nunca foi testado em ensaios clínicos randomizados (ECR) em comparação a suporte clínico ou placebo. Mesmo assim, essa droga foi considerada por muito tempo como padrão no tratamento do melanoma e utilizada como braço controle em ECR de fase III, seja em comparação com outros agentes isoladamente ou em combinações. No entanto, a despeito de inúmeros ECR, pouco avanços foram obtidos com essa estratégia, sem evidência de ganhos em sobrevida global1-4. Na década de 90, estudos de fase II com interleucina-2 em altas doses (IL2-AD) apresentaram resultados promissores. Em uma das maiores séries publicadas, envolvendo 270 pacientes, Atkins e outros autores evidenciaram TR de 16%, sendo 6% de resposta completa (RC)5. Foram observados ainda

longos períodos de SLP em pacientes que atingiram resposta objetiva, não sendo observada progressão de doença em pacientes com RC mantida por mais 30 meses. Keilholz e outros autores, em estudo envolvendo 631 pacientes tratados com diferentes esquemas e doses de interleucina-2, observaram resultados semelhantes, chamando atenção novamente para cerca de 5% de pacientes com respostas duradouras6. A partir desses dados, com uma perspectiva de controle duradouro ou até mesmo de cura para um pequeno subgrupo de pacientes, essa droga recebeu aprovação no Brasil, nos EUA e em diversos outros países para o tratamento de pacientes com melanoma metastático. No entanto, o perfil de toxicidade e a complexidade envolvida no uso de IL2-AD dificultaram a realização de ECR ou mesmo o emprego dessa modalidade fora de centros de grande volume e expertise. A despeito das limitações e restrições ao emprego da IL2-AD, fortaleceu-se, assim, a importância da modulação imunológica no tratamento do melanoma.

Regulação do sistema imunológico e o papel dos immune checkpoints Recentemente, avanços científicos permitiram um melhor entendimento sobre os mecanismos de regulação do sistema imunológico, possibilitando a identificação de novos alvos terapêuticos no tratamento de diversos tumores. A imunidade mediada por linfócitos T, importante nos processos de resposta imune ao câncer, se dá através de uma sequência de eventos, como apresentação de antígenos, ativação e expansão clonal, diferenciação e


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atividade efetora citotóxica. Esses processos fisiológicos são regulados através de interações entre diversos ligantes presentes na superfície celular, denominados de immune checkpoints, resultando em um sinal coestimulatório ou inibitório com o objetivo de modular a resposta imune, evitando reações inapropriadas e dano a tecidos normais. Assim, para uma ativação adequada das células T, é necessário não somente a interação entre complexo de histocompatibilidade principal (MHC) presente nas células apresentadoras de antígenos (APC) e receptor de células T (TCR) nos linfócitos, como também a interação de um segundo sinal coestimulatório, como por exemplo entre os ligantes B7-1 ou B7-2 na APC e CD28 no linfócito T. A interação entre ligantes com ação inibitória, como cytotoxic T-lymphocyteantigen 4 (CTLA4) presente na superfície dos linfócitos, é responsável por suprimir a ativação linfocitária, interrompendo a resposta imune. Dessa forma, o desenvolvimento de anticorpos monoclonais direcionados a determinados immune checkpoints tem se tornado alvo de pesquisa clínica como forma de bloquear os mecanismos de tolerância na resposta imune ao câncer7.

Bloqueio dos immune checkpoints como alvo terapêutico O ipilimumabe (Yervoy®) foi o primeiro anticorpo monoclonal contra CTLA4 aprovado para o tratamento de melanoma. Sua eficácia foi demonstrada inicialmente em pacientes previamente tratados, apresentando ganhos em sobrevida livre de progressão (HR: 0,81; p<0,05 para ipilimumabe + vacina gp100 vs gp100 e HR: 0,64; p<0,001 para ipilimumabe vs gp100) e sobrevida global (HR: 0,68; P<0,001 para ipilimumabe + vacina gp100 vs gp100 e HR:0,66; P=0,003 para ipilimumabe vs gp100)8. Mais notadamente, observou-se sobrevida em dois anos de 21,6% e 23,5% em pacientes tratados com ipilimumabe com ou sem vacina gp100, respectivamente. A despeito dos benefícios em sobrevida, sua atividade em termos de taxa de resposta foi de apenas 11%, entretanto 60% desses pacientes mantiveram resposta em dois anos no grupo tratado com ipilimumabe isoladamente. De forma semelhante, os ganhos em sobrevida foram confirmados no tratamento de 1ª linha com o uso de ipilimumabe associado a dacarbazina quando

comparado a dacarbazina isoladamente (SG mediana dacarbazina + ipilimumabe: 11,2 meses vs dacarbazina + placebo: 9,1 meses; HR:0,72; p<0,001), atingindo 28,5% de sobrevida em dois anos no grupo tratado com ipilimumabe9. Anticorpos monoclonais direcionados a outros immune checkpoints estão em diversas fases de desenvolvimento. Entre eles, aqueles cujos alvos são PD-1 e PD-L1 têm apresentado resultados promissores em estudos de fase I. Recentemente, no Congresso Anual da Sociedade Norte-Americana de Oncologia Clínica (ASCO), em Chicago, os resultados de um dos maiores estudos de fase I já realizados com pacientes com melanoma foram apresentados por Antoni Ribas10. Nesse estudo, 411 pacientes com melanoma metastático, previamente tratados ou não (incluindo pacientes refratários a ipilimumabe), foram submetidos a diversas dosagens de pembrolizumabe (também denominado MK-3475 ou previamente lambrolizumabe). Diferentemente do que se observava em estudos prévios com imunoterapia (p. ex. IL2-AD e ipilimumabe), 34% dos pacientes apresentaram respostas objetivas, rompendo o conceito de que tratamentos baseados na resposta imune estão relacionados a baixas taxas de resposta. Além disso, pacientes previamente tratados ou não com ipilimumabe se beneficiaram com tratamento com pembrolizumabe, apresentando TR de 28% e 40%, respectivamente. Esses dados suportam o conceito de que o bloqueio nas vias CTLA4 e PD1 não é redundante e que mesmo pacientes refratários a ipilimumabe podem ser resgatados com terapia anti-PD1. O resultado: 88% dos pacientes ainda mantinham resposta no momento da análise do estudo, sem ainda ter atingido a mediana da duração da resposta, atingindo 62% de sobrevida global em 18 meses na população total do estudo. Dados de toxicidade mostram também um perfil de segurança favorável, com apenas 12% dos pacientes apresentando efeitos adversos grau 3 ou mais, sendo necessária interrupção do tratamento por toxicidade em 4% dos pacientes. Embora preliminares e provenientes de uma fase inicial do desenvolvimento da droga, esses resultados são promissores e aguardam confirmação em estudos randomizados. Com a perspectiva de incorporação dessas novas drogas no arsenal terapêutico, informações

“Recentemente, avanços científicos permitiram um melhor entendimento sobre os mecanismos de regulação do sistema imunológico, possibilitando a identificação de novos alvos terapêuticos no tratamento de diversos tumores”

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sobre qual a melhor sequência ou o papel da combinação necessariamente serão abordadas em estudos clínicos. Nesse cenário, dados em modelos animais apontam para um efeito sinérgico do bloqueio combinado do CTLA4 e PD1. Em estudo de fase I apresentado recentemente, Sznol et al avaliaram combinação de ipilimumabe e nivolumabe (anticorpo anti-PD1) em três coortes com diferentes doses envolvendo 53 pacientes11. Seus resultados de eficácia apontam para reduções significativas no volume tumoral com o uso da combinação, atingindo 42% de resposta objetiva e 17% de resposta completa, sem ainda ter alcançado a mediana na duração de resposta. Em termos de sobrevida, pacientes tratados com a combinação atingiram 88% de sobrevida em dois anos, resultado acima do observado em outros estudos que utilizaram esses agentes de forma isolada. Entretanto, esses potenciais ganhos em termos de eficácia vieram acompanhados de um aumento na incidência de efeitos adversos, com 62% de toxicidade grau 3 ou mais, principalmente relacionadas a alterações hepáticas (15%) e do trato gastrointestinal (9%).

grupo placebo [SLR mediana de 17,1 meses no grupo placebo versus 26,1 meses no grupo ipilimumabe; HR:0,75 (95%IC: 0,64- 0,90) p:0,0013]. Dados referentes a sobrevida global (SG) e sobrevida livre de recorrência a distância (SLRD) ainda não foram abertos, sendo aguardados após seguimento mais longo. Em comparação com ipilimumabe no cenário metastático, observou-se uma maior incidência de eventos imunorrelacionados, chegando a 42% de eventos grau 3 ou 4, principalmente relacionados a alterações do TGI (16%), hepáticas (10,7%) e endocrinopatias (8,5%). Esses dados sugerem um benefício de ipilimumabe comparável àqueles com IFN-AD (Tabela 1). No entanto, dados mais maduros de sobrevida serão importantes na decisão na abordagem desses pacientes. Resultados de outros estudos, como E1607, que randomizou pacientes a ipilimumabe em duas doses diferentes (3mg/kg ou 10mg/Kg) versus IFN-AD, permitirão ainda uma comparação direta entre os dois tratamentos. Estudo

Tratamento

Inclusão

Ipilimumabe no tratamento adjuvante Quando o tumor é diagnosticado em estágio inicial, ressecções com margens amplas seguidas de avaliação e tratamento adequado da drenagem linfonodal representam a única modalidade de tratamento com intenção curativa. A despeito do tratamento cirúrgico, os pacientes permanecem sob o risco de recidiva, determinado principalmente pela profundidade de invasão (breslow), presença de ulceração ou comprometimento de linfonodo regional. Desde 1995, o tratamento com interferon permanece como única modalidade de tratamento sistêmico adjuvante aprovado no cenário adjuvante. Os resultados dos estudos de fase III com interferon em altas doses (IFN-AD) demonstram de forma consistente um ganho em SLP e ganho controverso em SG12-15. Ao longo de 30 anos de pesquisa clínica, entretanto, pouco se avançou no tratamento sistêmico adjuvante, permanecendo em debate qual a forma ideal do uso dessa medicação no que se refere a dosagem, tempo de exposição, via de administração ou mesmo seleção de pacientes1620 . Dessa forma, incertezas e toxicidades elevadas têm dificultado o uso rotineiro de interferon em alguns centros. Após a confirmação dos ganhos em sobrevida com ipilimumabe no cenário metastático, estudos randomizados estão em andamento para explorar o impacto dessa medicação no tratamento adjuvante. Os resultados do primeiro estudo nesse cenário foram apresentados no encontro da ASCO por Dr. Eggermont. Nesse estudo, conduzido pelo grupo do European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC), 951 pacientes de alto risco (estágio III) foram randomizados em dois grupos: (1) ipilimumabe 10mg/kg a cada 3 semanas por 4 doses seguido de manutenção infusões a cada 12 semanas por no máximo 3 anos: e (2) placebo21. Com 2,7 anos de seguimento, o estudo atingiu seu objetivo primário demonstrando benefícios em sobrevida livre de recorrência (SLR) do grupo tratado quando comparado ao

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Seguimento

SLR

SG

(anos)

HR

p-value

HR

p-value

EORTC Ipilimumabe vs Obs 1807121

EC:III

2,7

0,75

0,001

NA

NA

E168412 IFN AD vs Obs

T4, EC:III

6,9

0,61

0,001

0,67

0,01

Rec LND

12,6

0,72

0,02

0,82

0,18

T4, EC:III

4,3

0,78

0,05

1,0

ns

Rec LND

6,6

0,81

0,09

1,0

ns

T4, EC:III

1,3

0,67

< 0,001

0,72

0,023

Rec LND

3,1

0,75

0,006

0,76

0,04

E169014 IFN AD vs IFN LD vs Obs

E169413 IFN AD vs GM2

Tabela 1 – Estudos clínicos randomizados e controlados com IFN-AD e ipilimumabe (EORTC18071) no tratamento adjuvante de melanoma. IFN AD: interferon em altas doses; Obs: observação; EC: Estágio; Rec LND: recidiva linfonodal; SLR: sobrevida livre de progressão; SG: sobrevida global

Inibidores de tirosina quinase Além dos avanços na imunoterapia, o melhor conhecimento da biologia molecular, principalmente através do sequenciamento genético, tem possibilitado a identificação de mutações específicas cujos produtos são responsáveis por hiperativação das vias de sinalização intracelular que controlam a proliferação e sobrevivência tumoral. Essas proteínas têm se tornado alvo no desenvolvimento de inibidores de tirosina quinase mais seletivos em diversos tumores. Em melanoma, 40% a 60% dos tumores apresentam mutações no códon 600 do exon 15 do gene do BRAF (BRAFv600). Essa mutação confere uma hiperativação da via do RAS-RAF-MEK-ERK através da ativação do BRAF independente da ativação do RAS, sendo importante na manutenção da viabilidade tumoral22. Estudos iniciais com inibidores do BRAF (ve-


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murafenibe e dabrafenibe) apresentaram elevadas taxas de resposta (40-50%), permitindo o rápido desenvolvimento de drogas em estudos de fase III. Os ganhos em SLP e SG, quando comparados a quimioterapia, tornaram-se evidentes nesses ECR atingindo SG mediana de 13,6 e 18,2 meses em estudo de fase III com vemurafenibe e dabrafenibe, respectivamente, justificando a aprovação e uso clínico dessas medicações na prática clínica23,24. Estudo METRIC BRIM-3

23

BREAK-324

Flaherty, 201224,26 (Fase I/II – Parte C)

n

Tratamento

TR(%)

mSLP

mSG

22%

4,8 meses

NR

48,4%

6,8 meses

13,6 meses

Dabrafenibe

53%

5,1 meses

18,2 meses

39

Dabrafenibe 150 mg 2xd + Trametinibe 1mg

50%

9,2 meses

18,7 meses

31

Dabrafenibe 150 mg 2xd + Trametinibe 2mg

76%

9,4 meses

23,8 meses

214

Trametinibe

337

Vemurafenibe

187

dores do BRAF com inibidores do MEK25, estão em avaliação em ECR. Essa estratégia mostrou-se promissora em estudos de fase II, com superioridade em termos de TR (54% vs 76%), SLP [5,4 vs 9,8 meses, HR:0,39 (95% IC: 0,25 a 0,62), p:<0,001] no grupo combinação (dabrafenibe + trametinibe) comparado a dabrafenibe monoterapia, atingindo SG mediana de 23,2 meses26. Resultados preliminares de ECR fase III corroboram os achados em estudos prévios, com elevadas TR (51% vs 67%, p:0,0015) , SLP [8,8 vs 9,3 meses, HR:0,75 (0,57, 0,99), p:0,035]27. Além do aumento de eficácia, o tratamento combinado reduziu a incidência de carcinoma espinocelular (CEC) cutâneo secundário a ativação paradoxal da via RAS-RAF-MEK-ERK (32% vs 3%). Por outro lado, efeitos adversos como febre, calafrios, rash e edema foram mais frequentes no grupo combinação.

Novas perspectivas

Ao longo de um curto intervalo de tempo, observamos a inclusão de novas drogas no arsenal terapêutico no tratamento do melanoma, com alvos e mecanismos de ação diferentes, mas ganhos Tabela 2 – Resultados dos braços de inibidores do BRAF ou inibidores do expressivos em sobrevida. Estudos preliminares sugerem ainda que, MEK, em monoterapia ou em combinação em ECR de fase II ou III. possivelmente, outras novas drogas serão incluídas entre as opções TR: taxa de resposta; mSLP: sobrevida livre de progressão mediana; de tratamento. No entanto, diversos aspectos do tratamento, mesmo mSG: mediana de sobrevida global. NR: não reportado daqueles já disponíveis na prática clínica, ainda permanecem em investigação, no tocante a dose, sequência, combinação, havendo nesse cenário inúmeras possibilidades a serem exploradas. Dessa De uma forma geral, os pacientes apresentam respostas rápidas após a introdução da medicação, no entanto, mecanismos de resistên- forma, torna-se cada vez mais relevante a condução de estudo que cia secundária podem se desenvolver precocemente resultando em identifique o tratamento ideal para cada paciente, através da busca de progressões em curto intervalo de tempo. Estratégias para evitar a re- biomarcadores ou de elaboração de estratégias que minimizem toxicisistência secundária, principalmente através da combinação de inibi- dade, mantendo ou mesmo melhorando em eficácia. COMBI-d27

211

Dabrafenibe 150 mg 2xd+ Trametinibe 2mg

67%

9,3 meses

NR

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11. Sznol M, Kluger HM, Callahan MK, Postow MA, Gordon RA et al. Survival, response duration, and activity by BRAF mutation (MT) status of nivolumab (NIVO, anti-PD-1, BMS-936558, ONO-4538) and ipilimumab (IPI) concurrent therapy in advanced melanoma (MEL). J Clin Oncol 32:5s, 2014 (suppl; abstr LBA9003^) 12. Kirkwood JM, Strawderman MH, Ernstoff MS, Smith TJ, Borden EC, Blum RH. Interferon alfa-2b adjuvant therapy of high-risk resected cutaneous melanoma: the Eastern Cooperative Oncology Group Trial EST 1684. J Clin Oncol. 1996;14(1):7–17. 13. Kirkwood JM, Ibrahim JG, Sosman JA, Sondak VK, Agarwala SS, Ernstoff MS, et al. High-dose interferon alfa-2b significantly prolongs relapse-freeand overall survival compared with the GM2-KLH/QS-21 vaccine in patients with resected stage IIB-III melanoma: results of intergroup trial E1694/S9512/C509801. J Clin Oncol. 2001 May 1;19(9):2370–80. 14. Kirkwood JM, Ibrahim JG, Sondak VK, Richards J, Flaherty LE, Ernstoff MS, et al. High- andlow-dose interferon alfa-2b in high-risk melanoma: first analysis of intergroup trial E1690/S9111/C9190. J Clin Oncol. 2000 Jun 1;18(12):2444–58. 15. Kirkwood JM, Manola J, Ibrahim J, Sondak V, Ernstoff MS, Rao U, et al. A pooled analysis of eastern cooperative oncology group and intergroup trials of adjuvant high-dose interferon for melanoma. Clin Cancer Res. 2004 Mar 1;10(5):1670–7. 16. Eggermont AMM, Suciu S, Santinami M, Testori A, Kruit WHJ, Marsden J, et al. Adjuvant therapy with pegylated interferon alfa-2b versus observational one in resected stage III melanoma: final results of EORTC 18991, a randomisedphase III trial. Lancet. 2008 Jul 12;372(9633):117–26. 17. Eggermont AMM, Suciu S, Testori A, Santinami M, Kruit WHJ, Marsden J, et al. Long-term results of the randomized phase III trial EORTC 18991 of adjuvant therapy with pegylated interferon alfa-2b versus observation in resected stage III melanoma. J ClinOncol. 2012 Oct 30;30(31):3810–8. 18. Eggermont AMM, Suciu S, Mackie R, Ruka W, Testori A, Kruit W, et al. Post-surgery adjuvant therapy with intermediate doses of interferon alfa 2b versus observation in patients with stageIIb/III melanoma (EORTC 18952): randomized controlled trial. Lancet. 2005 Oct 1;366(9492):1189–96. 19. Pectasides D, Dafni U, Bafaloukos D, Skarlos D, Polyzos A, Tsoutsos D, et al. Randomized phase III study of 1 month versus 1 year of adjuvant high-dose interferon alfa-2b in patients with resected high-risk melanoma. J ClinOncol. 2009 Feb 20;27(6):939–44. 20. Mocellin S, Pasquali S, Rossi CR, Nitti D. Interferon alpha adjuvant therapy in patients with high-risk melanoma: a system aticreview and meta-analysis. J Natl Cancer Inst. 2010 Apr 7;102(7):493–501. 21. Eggermont AM, Chiarion-Sileni V, Grob JJ, Dummer R, Wolchok JD et al. Ipilimumab versus placebo after complete resection of stage III melanoma: Initial efficacy and safety results from the EORTC 18071 phase III trial. J ClinOncol 32:5s, 2014 (suppl; abstr LBA9008) 22. Ribas A, Flaherty KT. BRAF targeted therapy changes the treatment paradigm in melanoma.Nature Reviews Clinical Oncology. Nature Publishing Group; 2011 May 24;8(7):426–33. 23. Chapman PB, Hauschild A, Robert C, Haanen JB, Ascierto P, Larkin J, et al. Improved survival with vemurafenib in melanoma with BRAF V600E mutation. N Engl J Med. 2011 Jun 30;364(26):2507–16. 24. Hauschild A, Grob JJ, Demidov LV, Jouary T, Gutzmer R et al. Anupdateon BREAK-3, a phase III, randomized trial: Dabrafenib (DAB) versus dacarbazine (DTIC) in patients with BRAF V600E-positive mutation metastatic melanoma (MM).J Clin Oncol 31, 2013 (suppl; abstr 9013) 25. Flaherty K, Daud A, Weber JS, Sosman JA, Kim K etl al. Updated overall survival (OS) for BRF113220, a phase 1-2 study of dabrafenib (D) alone versus combined dabrafenib and trametinib (D+T) in pts with BRAF V600 mutation-positive (+) metastatic melanoma (MM). J Clin Oncol 32:5s, 2014 (suppl; abstr 9010^) 26. Nijenhuis CM, Haanen JBAG, Schellens JHM, Beijnen JH. Is combination therapy the next step to over come resistance and reduce toxicities in melanoma? Cancer Treat Rev. 2013 Jun 1;39(4):305–12. 27. Flaherty KT, Infante JR, Daud A, Gonzalez R, Kefford RF, Sosman J, et al. Combined BRAF and MEK Inhibition in Melanoma with BRAF V600 Mutations. N Engl J Med. 2012 Nov;367(18):1694–703. 28. Long GV, Stroyakovsky DL, Gogas H, Levchenko E, Braud F, et al. COMBI-d: A randomized, double-blinded, Phase III study comparing the combination of dabrafenib and trametinib to dabrafenib and trametinib placebo as first-line therapy in patients (pts) with unresectable or metastatic BRAFV600E/K mutation-positive cutaneous melanoma. J Clin Oncol 32:5s, 2014 (suppl; abstr 9011^)

*Na Onco& edição 23, de maio/junho de 2014, saiu a primeira parte do artigo: Tratamento do melanoma: doença localizada. Veja a edição virtual no site http://revistaonco.com.br/edicao-virtual/

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políticas públicas

Rio de Janeiro se reorganiza para o combate ao câncer Lançado no fim de 2013, Plano de Atenção Oncológica tem por objetivo reestruturar a rede de atendimento no Estado

Por Lourdes Rodrigues

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OM 92 MUNICÍPIOS E, SEGUNDO O CENSO DE 2010, O TERCEIRO ESTADO MAIS POPULOSO DO BRASIL, O RIO DE JANEIRO, SEGUNDO ESTIMATIvas do Instituto Nacional de Câncer (Inca), terá em 2014 aproximadamente 74 mil novos casos da doença. Com a aceleração do envelhecimento da população do estado, segundo as projeções do IBGE para as próximas décadas, o número de casos de câncer deve aumentar, elevando os custos de infraestrutura que esse tipo de atendimento requer, além da necessidade de uma rede pública organizada, que o Rio de Janeiro ainda não tem. E isso representa um enorme desafio para as autoridades da área de saúde. “Superar o déficit de serviços, a necessidade de mais recursos financeiros para investimento e custeio, sua qualidade e acesso no tempo adequado são alguns dos principais desafios para alcançar melhores resultados na queda da mortalidade e da incidência de alguns tipos de câncer”, diz Mônica Almeida, subsecretária de Atenção à Saúde, da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. A questão de saúde pública no Rio é bastante complexa, o que dificulta a gestão de uma rede integrada no tratamento do câncer, pois envolve uma rede de Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacons) e Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacons), gerenciada por diferentes esferas do governo: municipal, no atendimento básico; estadual, no diagnóstico; e federal, nos tratamentos de alta complexidade. Paralelamente, existem ainda as

redes privadas e as universidades. Segundo Mônica Almeida, a Secretaria Estadual de Saúde (SES), de acordo com seu papel constitucional no SUS, é a coordenadora das Redes de Alta Complexidade, entre elas a Rede de Atenção Oncológica. “Cabe à esfera estadual a organização articulada dos serviços assistenciais oncológicos nas nove regiões de saúde do estado do Rio de Janeiro, chamadas Comissões Intergestoras Regionais (CIR). Existem serviços públicos federais, estaduais, filantrópicos e privados conveniados ao SUS que realizam assistência aos pacientes portadores de câncer. Cabem à Secretaria a habilitação junto ao Ministério da Saúde, a pactuação entre os municípios da área de abrangência dos serviços e o monitoramento de seu funcionamento”, explica a subsecretária. Justamente pela importância técnica e política dos problemas relacionados à doença, o tratamento do câncer tornou-se uma das prioridades da Secretaria Estadual da Saúde. Em 2012, foi firmada uma parceria com a Fundação do Câncer e definido um programa de trabalho, finalizado em dezembro de 2013, para a elaboração do Plano de Atenção Oncológica do Estado do Rio de Janeiro, com proposta de reestruturação e reorganização da rede, com o objetivo de reduzir a incidência e as mortes em decorrência do câncer.

O Plano Desenvolvido por equipes multidisciplinares formadas por profissionais da Secretaria Estadual Onco& julho/agosto 2014

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O câncer é uma doença tempo-dependente e as soluções para mudar o perfil da doença devem ser calcadas em um planejamento consistente”, diz Castro. O médico acrescenta que neste ano, por causa das eleições, a liberação de verbas é mais complicada. “As licitações, por exemplo, foram encerradas em abril e serão retomadas apenas após as eleições.”

Metodologia

José Eduardo Castro, consultor médico da Fundação do Câncer

Plano foi desenvolvido por equipe multidisciplinar que escolheu 47 metas para os próximos dez anos

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de Saúde e da Fundação do Câncer, o Plano de Atenção Oncológica propõe um conjunto de 47 metas a serem implementadas num período de dez anos (até 2023), com revisão a cada três anos. As metas foram definidas a partir do mapeamento de toda a rede de serviços que cobre os 92 municípios do estado do Rio e da análise das informações. O trabalho demorou nove meses para ser concluído e foi elaborado com base no estudo dos Planos de Controle do Câncer dos Estados Unidos e dos países da União Europeia. Entre as metas estão previstas ações de educação em saúde, promoção, prevenção, diagnóstico precoce, ações específicas para a atenção básica, tratamentos cirúrgico, quimioterápico e radioterápico, cuidados paliativos, sistemas de informação em oncologia, registros de câncer e regulação. “Este é um plano de estado e não de um governo”, faz questão de frisar José Eduardo Castro, consultor médico da Fundação do Câncer e um dos profissionais responsáveis pela elaboração do Plano de Atenção Oncológica do Estado do Rio de Janeiro. Isso significa que, mesmo em caso de mudança de governo, o plano tem que ser colocado em prática. “Os políticos e os partidos mudam, por isso esse deve ser um plano de estado, da sociedade, para que tenha continuidade e, de fato, seja implementado e torne mais eficaz o tratamento ao paciente com câncer do Sistema Único de Saúde.

Castro informou que, para a análise dos dados coletados que serviram de base para o desenho do sistema de rede do Plano de Atenção Oncológica, as equipes da Secretaria Estadual de Saúde e da Fundação do Câncer contaram com um grupo de engenheiros da UFRJ/Coppe/ GPI. Partindo de toda a legislação e das normas do Ministério da Saúde e do Inca vigentes, foi construído um processo que considera três eixos: a região de saúde, o tipo de câncer e a linha de cuidado. Os três eixos formam um “cubo analítico” que permite expressar de forma rápida e direta o diagnóstico situacional do câncer no estado ou município e orientar as recomendações para o planejamento da atenção. O processo foi denominado GeoCâncer e conta com uma espécie de aplicativo online para os gestores públicos da área de saúde. Conforme a metodologia definida no cubo, é possível realizar buscas por procedimentos, por prestador de serviço ou por faixa etária de pacientes.

Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP) Uma das metas, que já está vigente, é a ferramenta de vigilância e monitoramento das neoplasias – Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP). Os registros têm como objetivo a estimativa da incidência, da mortalidade e da sobrevida populacional em decorrência do câncer, por meio de coleta, análise, interpretação e divulgação de informações, de maneira sistemática, em populações e períodos de tempo definidos. Os RCBP fornecem informações sobre a ocorrência e o perfil epidemiológico dos diferentes tipos de neoplasia nas comunidades, o que garante aos gestores subsídios para planejamento e implementação de programas e ações de prevenção e controle da doença. Até então, a estimativa de casos novos de câncer era


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definida pelo Inca a partir de projeções de morbidade com base em 19 registros existentes em outros estados e no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).

Diagnóstico precoce A Secretaria Estadual de Saúde gerencia dois hospitais que atendem tipos de câncer da área de hematologia adulta e pediátrica: o Hemorio e o Hospital Estadual da Criança. “Alguns dos maiores desafios para o tratamento precoce do câncer é a suspeição diagnóstica, o acesso aos exames de imagem e laboratório, e a inclusão em um serviço especializado que dê o acesso a todas as etapas do tratamento”, diz Mônica Almeida. O consultor da Fundação do Câncer concorda que o maior gargalo no tratamento para o paciente com câncer está no diagnóstico. Castro destaca que os tipos de câncer que mais causam morte na população do Rio de Janeiro são: pulmão, mama, estômago e intestino. “É preciso mais campanhas de educação preventiva.” O plano permite a otimização de programas na área da prevenção relativos às doenças crônicas não transmissíveis. Fatores de risco para o câncer, como o uso do tabaco, dieta inadequada, sedentarismo e obesidade, consistem em riscos comuns para outras doenças crônicas. A integração de programas possibilitaria um uso melhor dos recursos públicos. Com relação ao diagnóstico precoce – a suspeição diagnóstica –, a subsecretária de Atenção à Saúde avalia que são necessários investimentos importantes na formação dos profissionais de saúde, desde a graduação até práticas de educação permanente de profissionais já formados. “Isso vale especialmente para os médicos que atuam na Atenção Primária em saúde, em que a proximidade das pessoas sob seus cuidados dá maiores possibilidades de detecção pre-

coce de lesões que podem ser oncológicas.” Sobre a importância do preparo dos médicos, Castro cita um case de sucesso, “o grupo Unidos pela Cura, que trabalha para a promoção do diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil no estado do Rio de Janeiro”. De 2007 até abril deste ano, já passaram por treinamento de capacitação 1.886 profissionais.

Os caminhos até o tratamento O mapeamento das informações é importantíssimo para tornar mais rápido e eficiente o encaminhamento do paciente já diagnosticado aos tratamentos de alta complexidade. Atualmente, a Secretaria de Saúde não tem a informação de quanto tempo, em média, o paciente leva para conseguir fazer tratamentos de quimioterapia e radioterapia. “Não temos essa informação sistematizada de todos os serviços localizados no estado do Rio de Janeiro. Esse é um objetivo a ser alcançado, pois implica perspectivas de tratamento precoce e cura”, informa Mônica Almeida. A subsecretária diz que a Lei 12.732, de novembro de 2012, que dispõe sobre o primeiro tratamento de pacientes com neoplasia maligna comprovada e estabelece o prazo de 60 dias para seu início, exige o organização dos serviços das diferentes instâncias do SUS para superar a fragmentação ainda existente, assim como a insuficiência de serviços já mapeada pela Secretaria Estadual de Saúde, demandando melhoria e expansão da oferta existente para seu cumprimento. “Devemos ressaltar, no entanto, que sendo o câncer uma doença com múltiplas apresentações e desenvolvimento diferenciado, um prazo fixo pode não ser adequado aos diferentes tipos. O prazo pode ser longo para alguns e suficiente para outros”, finaliza Mônica Almeida.

Formação dos profissionais é o foco para melhorar questão do diagnóstico precoce

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Tratamento na cozinha Diversas iniciativas utilizam a culinária para levar conhecimento e distração a pacientes e acompanhantes Por Gabriel Ferreira

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O ÚLTIMO DIA DAS MÃES, A FILHA DE EDILEUSA

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SANTOS, PAOLA, DE 13 ANOS, FEZ QUESTÃO DE PREPARAR O ALMOÇO. O PRATO ESCOLHIDO FOI um escondidinho de mandioca. “Ficou uma delícia. Essa menina já cozinha melhor do que eu”, afirma Edileusa. O interesse da garota pela culinária veio em um momento difícil de sua vida. Ela estava lutando contra um tumor na coluna no Hospital Santa Marcelina, em São Paulo, quando começou a participar das aulas do projeto Chef pela Cura. Desenvolvido pela ONG Tucca, o projeto reúne chefs badalados de São Paulo para ensinar adolescentes e acompanhantes de pacientes do hospital a cozinhar. Desde 2012, quando as aulas começaram a acontecer todos os meses, já passaram pela cozinha do Santa Marcelina nomes como Bel Coelho, Adriana Avelar e Gustavo Rozzino. “A gente sempre fica muito tempo lá esperando a criança receber o remédio, então, com as aulas, além de se distrair, a gente aprende uma porção de coisas”, diz Edileusa. A ideia por trás do Chef pela Cura é justamente proporcionar esse momento de distração aos familiares, às mães e aos pacientes. “Curar não é só se livrar do tumor. Curar é deixar o paciente e a família bem, curados de fato”, afirma Sidnei Epelman, oncologista pediátrico e presidente da ONG. Segundo ele, a escolha pela culinária não foi aleatória. “Cozinhar é um grande ato de amor.” Mais do que a distração, muitas

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vezes as aulas do projeto acabam trazendo novas possibilidades. “É uma oportunidade para aquelas pessoas saírem daquele momento de tristeza, mas pode ser também uma chance de descobrir uma forma de complementar a renda. E isso é muito importante, porque muitas vezes essas mães largam seus empregos para se dedicar ao tratamento das crianças”, afirma Renata Frioli, chef da Bolo à Toa, que participou do projeto em setembro do ano passado. Iniciativas que unam comida e tratamento do câncer não são raridade. Grandes hospitais, como o A.C. Camargo e o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), também contam com projetos que transformam a cozinha em parte importante do tratamento. No A.C. Camargo, o projeto Oficina de Culinária nasceu a partir de uma consultoria gastronômica que o hospital recebeu em 2009 para incrementar seu cardápio. “Os pacientes começaram a elogiar muito mais a cozinha e a pedir as nossas receitas”, afirma Monica Macedo, nutricionista do hospital e responsável pelo projeto. Foi então que surgiu a ideia de levar aquele conhecimento aos pacientes e a seus acompanhantes. “Precisávamos desmistificar a ideia de que quem se trata de câncer só pode comer caldinho.” Hoje, as oficinas são abertas a toda a comunidade e apresentam receitas úteis desde a prevenção até o pós-tratamento do câncer. “Vemos um crescimento no interesse das pessoas nas aulas que falam sobre prevenção”, diz a nutricionista. No Icesp, as aulas semanais do projeto Cozinha Experimental são voltadas aos acompanhantes dos


pacientes. Cada aula, que dura em torno de uma hora, trata de um sintoma específico do tratamento e de como a culinária pode ajudar a combatê-lo. “Os acompanhantes conseguem tirar várias dúvidas e descobrem coisas que nem imaginavam sobre como lidar com determinados sintomas”, afirma Débora Mendes da Silva, nutricionista do Icesp. No final de cada encontro, os participantes recebem um folheto com mais explicações sobre aquele sintoma e a receita que foi feita durante a aula. No site da instituição também há uma série de receitas, separadas por temas como náusea, dor para engolir e alterações no paladar.

Indústria E não são apenas ONGs e hospitais que têm procurado tornar a culinária uma importante aliada no combate e tratamento do câncer. A indústria também tem apresentado iniciativas nesse sentido. É o caso do laboratório Sanofi, que em 2006 lançou o livro Comida que Cuida, com dicas e receitas que podem auxiliar pacientes oncológicos. O livro é distribuído gratuitamente para instituições que atuam no combate ao câncer e pela internet. A versão impressa já conta com mais de 70 mil livros distribuídos. Na internet, o número de downloads já supe-

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rou a marca de 300 mil. “Na verdade esse número é maior, pois existem muitas cópias em outros sites”, afirma Cristina Moscardi, diretora de responsabilidade social do laboratório. O projeto deu tão certo que motivou a empresa a preparar versões também para pacientes cardíacos e diabéticos. Em breve, uma quarta edição deve ser lançada, voltada para pessoas com problemas renais. “O paciente não pode ser visto apenas como um doente, mas sim como alguém que precisa se manter bem física e psicologicamente. E nesse aspecto a culinária desempenha um grande papel”, diz Cristina. “Precisamos tirar aquele estigma da ‘comida de doente’ e fazer com que a pessoa volte a ter prazer na refeição”.

Projetos unem aulas de culinária e informações sobre sintomas

Receita Arroz Cremoso Indicado para pacientes com dor para engolir, feridas na boca, boca seca

Ingredientes 2 colheres (sopa) de azeite ½ cebola picada 1 dente de alho picado 1 alho-poró (parte branca) cortado em fatias 1 tomate sem sementes e picado 1 xícara (chá) de ervilhas frescas 2 xícaras (chá) de arroz, lavado e escorrido 6 xícaras (chá) de água fervente 1 colher (chá) de sal ¼ de xícara (chá) de creme de leite 2 colheres (sopa) de salsinha picada

Modo de preparo Em uma panela, aqueça o azeite, doure a cebola e o alho. Junte o alho-poró, o tomate e a ervilha. Acrescente o arroz e refogue por mais 5 minutos. Adicione a água, o sal e cozinhe em fogo brando até o arroz secar. Desligue o fogo e misture o creme de leite e a salsinha. Sirva em seguida. Rendimento: 6 porções de 125g Calorias: 329 kcal por porção Fonte: Icesp

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campanhas

Fique por dentro das ações sobre câncer que ganharam destaque na mídia e nas redes sociais Tatuador consciente ajuda na prevenção do câncer de pele Treinar tatuadores para que sejam capazes de identificar sinais indicativos de câncer de pele e ajudar a formar um exército para combater os 140 mil novos casos por ano do tipo mais comum de câncer do Brasil. Esse é o desafio da campanha criada pela marca de protetor solar Sol de Janeiro, em parceria com o Hospital A.C. Camargo. Juntos, eles criaram um curso que pode ser feito online, para treinar tatuadores de todo o Brasil a identificar sinais da doença e a orientar seus clientes a procurar um dermatologista ao primeiro sinal de manchas de formatos irregulares e várias tonalidades na pele. No site também há uma área para que pessoas interessadas em fazer uma tatuagem encontrem um profissional consciente, capaz de ajudar no diagnóstico precoce da doença. Mais de 450 profissionais já foram formados. O curso está aberto no endereço: www.tatuadorconsciente.com.br

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Check your balls

Carequinha virtual para ajudar a Abrale

Não adianta, às vezes, explicar de forma simples que o autoexame para verificar a existência de nódulos no testículo é fácil de fazer e sem dor – simplesmente não convence. Ainda mais quando o objetivo é dialogar com os jovens. Por isso, o instituto canadense Testicular Cancer decidiu mostrar que há maneiras mais difíceis. Em parceria com a BBDO Toronto, a instituição desafiou 30 jovens para fazer uma depilação na área dos testículos, e serem filmados. O resultado são rostos vermelhos de dor e gritos de desespero, tendo como pano de fundo o frenético “No salão do Rei da Montanha”, de Edvard Grieg. A campanha usa a oposição entre a dor extrema da depilação (ou a dor câncer) com o simples e indolor ritual de prevenção, cujo mote é “Cheque suas bolas” (Check your balls). Veja a campanha em: http://testicularcancercanada.ca/index.php/news-events/tc-month

Reynaldo Gianecchini, Drica Moraes, Mateus Solano e a ex-atleta Hortência, entre outros famosos, ficaram virtualmente carecas para apoiar uma campanha da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), em São Paulo, lançada no Instagram. A ideia é incentivar as pessoas a doar suas notas fiscais paulistas que não foram cadastradas com o CPF (cadastro de pessoa física). Os doadores podem tirar uma foto da notinha e compartilhar no Instagram da entidade, @abraleoficial. E quem quiser ficar carequinha para contribuir com a causa, basta doar notas fiscais que atinjam, no mínimo, R$ 300 reais e enviar um e-mail com uma foto segurando um cartaz em branco, para que seja editada no Photoshop.

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curtas

Lenvatinib melhora sobrevida livre de progressão da doença em câncer de tireoide O estudo de fase III SELECT, financiado pela Eisai Laboratórios, mostrou que o tratamento com lenvatinib resultou em ganhos substanciais na sobrevida livre de progressão da doença (SLP), porém sem avanços em sobrevida global, em pacientes com câncer de tireoide diferenciado refratário ao tratamento com iodo radioativo. Os pacientes que receberam lenvatinib tiveram um aumento médio significativo de 14,7 meses de SLP quando comparados ao grupo que recebeu placebo (média de 18,3 meses no grupo intervenção vs 3,6 meses no grupo placebo - P<0.0001). Além disso, em dois anos, 86% dos pacientes do grupo placebo tiveram progressão da doença, comparado com apenas 41% no grupo tratado com lenvatinib. O lenvatinib é um inibidor seletivo da tirosina-quinase com novos ligantes (multi-inibidor) incluindo sítios de VEGFR1-3, FGFR1-4, PDGFRa, RET, e KIT, que estão envolvidos na angiogênese e na proliferação tumoral. A toxicidade do tratamento, no entanto, foi considerável. Foram observados efeitos adversos em quase todos os pacientes, mas eles foram geralmente tratados com a alteração da dose e medicação. Porém, foram registrados 20 óbitos em pacientes no grupo lenvatinib em comparação com 6 nos pacientes tratados com placebo. Seis das vinte mortes foram consideradas relacionadas ao tratamento, algo que deve ser levado em consideração na decisão do tratamento.

Pesquisadores da Mayo Clinic descobrem genes que têm papel fundamental no câncer de rim Análises genômicas de carcinomas renais de células claras (ccRCC – clear cell renal cell carcinoma) de 72 pacientes revelaram 31 genes que são peças-chave no desenvolvimento, crescimento e disseminação do câncer, informam pesquisadores da Clínica Mayo de Jacksonville, na Flórida. Desses genes, oito não haviam sido relacionados, anteriormente, ao câncer de rim; e outros seis genes, ao que se sabia até então, nunca foram ligados a qualquer forma de câncer. O ccRCC é a forma mais comum de câncer de rim. O estudo dos pesquisadores da Mayo, publicado no jornal Oncotarget, traz a mais extensa análise, até hoje, do papel que a expressão dos genes exerce no crescimento e na metástase de um tumor ccRCC. O subtipo ccRCC é responsável por 80% de todos os casos de câncer de rim, que está entre os dez tipos de câncer sólidos mais comuns nos EUA. A expectativa dos pesquisadores é de que 60 mil novos casos devam ser diagnosticados neste ano e que ocorram 13 mil mortes. Embora o prognóstico do câncer de rim que ainda não se disseminou seja bom, os pacientes com câncer avançado ou metastático desenvolvem resistência aos medicamentos. Pacientes com doença metastática não tratada têm uma taxa geral de sobrevivência de cinco anos de menos de 10%.

Demandas de paciente com câncer raramente levam a exames e tratamentos desnecessários Em um cenário de aumento de custos e apesar das alegações que sugerem o contrário, nos pacientes com câncer as demandas são poucas e muito raramente levam a exames e tratamentos desnecessários pelos prestadores de saúde, de acordo com novos resultados de um estudo de pesquisadores do Centro de Câncer Abramson (ACC, em na sigla em inglês), da Penn Medicine, Universidade da Pensilvânia. A equipe pesquisou 26 oncologistas e profissionais de enfermagem imediatamente após encontros com 2,050 pacientes do ACC, para determinar se pedidos ou exigências de testes e tratamento eram apropriados. Os resultados desse novo estudo ajudam a desmascarar muitos dos equívocos que as pessoas têm sobre as demandas de pacientes, que levam a exames desnecessários e tratamentos como uma importante fonte do aumento dos custos de cuidados de saúde nos EUA. O estudo mostrou que em apenas 1% dos casos houve demanda inadequada por paciente. No ano passado, a equipe da Penn Medicine apresentou na ASCO uma pesquisa que mostrava que mais de 80% do público em geral, 69% dos pacientes e 70% dos médicos acreditavam que eram realizados testes e tratamentos desnecessários.

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Resultados positivos no uso do ruxolitinibe no tratamento de pacientes com policitemia vera Durante a ASCO o laboratório Novartis apresentou uma série de pesquisas que contaram com seu apoio, e uma das mais importantes foi a que apontou resultados positivos no uso do ruxolitinibe no tratamento de pacientes com policitemia vera, doença sanguínea caracterizada pelo excesso de glóbulos vermelhos. Atualmente, o principal tratamento oferecido aos pacientes dessa doença é a flebotomia, procedimento em que se remove sangue para reduzir a concentração de células vermelhas. “Para muitos pacientes, as terapias disponíveis atualmente não controlam a doença”, afirma o oncologista Srdan Verstovsek, principal autor do estudo. Com o uso do ruxolitinibe, 77% dos pacientes que participaram do estudo apresentaram redução nos índices de células vermelhas no sangue, contra 20% dos pacientes tratados com a opção tradicional. Outro estudo apresentado pelo laboratório suíço foi o Panorama-1, de fase II, que demonstrou um ganho de sobrevida para os pacientes com mieloma múltiplo tratados com panobinostat em combinação com bortezomibe e dexametasona, quando comparado com placebo. Na pesquisa, os pacientes que se trataram com a combinação de drogas tiveram uma sobrevida livre de progressão 37% maior do que os que receberam bortezomibe e dexametasona combinados com placebo. “Esse medicamento se provou um novo e eficiente mecanismo de combate à doença, com toxicidade bastante controlável”, afirmou o hematologista Sagar Lonial, um dos responsáveis pelo estudo. O uso do inibidor de ALK ceritinibe para o tratamento de pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas também recebeu destaque por parte da companhia farmacêutica. O estudo apontou uma sobrevida livre de progressão de 8,2 meses. “Mesmo em pacientes com metástase cerebral tivemos resultados muito positivos”, disse o médico Dong-Wan Kim, líder da pesquisa.

Pesquisa brasileira é incluída entre os grandes avanços contra o câncer de pulmão Na edição comemorativa do aniversário de 50 anos da ASCO, o Journal of Clinical Oncology apresentou um artigo com os principais avanços no tratamento do câncer de pulmão ao longo das últimas décadas. E o Brasil marcou presença na lista, com a inclusão do trabalho de médicos brasileiros como Mauro Zukin e Carlos Barrios sobre como a combinação entre o quimioterápico pemetrexede e a carboplatina apresentou bons resultados em ganho de sobrevida para pacientes frágeis com câncer de pulmão de não pequenas células. Os pacientes tratados com a combinação das drogas apresentaram um ganho de 4 meses na sobrevida global. A taxa de sobrevivência após um ano foi de 40,1% para os pacientes tratados com as duas drogas, contra 21,9% para aqueles que receberam apenas o pemetrexede. A pesquisa, que foi conduzida no Brasil e contou com a participação de 226 pacientes ao longo de dois anos, foi incluída na linha do tempo dos avanços dos tratamentos para o câncer de pulmão como um dos mais importantes dos anos 2000. O estudo contou com o apoio de oito centros de pesquisa brasileiros e um americano.

Ibrutinib é superior a ofatumumab para recidiva ou refractário CLL/SLL Os laboratórios Janssen e Pharmacyclics apresentaram na ASCO o resultado da análise do estudo de fase III RESONATE, que comparou o ibrutinib, um inibidor de BTK (tirosina quinase de Bruton) e o ofatumumab para leucemia linfocítica crônica e linfoma linfocítico de pequenas células (CLL/SLL) recidivados ou refratários. O estudo, que incluiu 391 pacientes com pelo menos um tratamento anterior, demonstrou que o grupo tratado com ibrutinib teve aumento significativo na sobrevida livre de progressão – o desfecho primário do estudo – e também aumento na sobrevida global, sendo 43% no grupo tratado com ibrutinib versus 4% no grupo do ofatumumab, p < 0,0001 – um importante desfecho secundário. O perfil de segurança da droga foi aceitável e conforme o observado em estudos anteriores, com 4% necessitando redução da dose e 4% necessitando suspensão do tratamento. De acordo com a Dra. Nicole Lamanna, do Serviço de Leucemia do Columbia University Medical Center, esse estudo trouxe uma mudança de paradigma no tratamento dos pacientes com CLL/SLL recidivada.

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mundo virtual

Onco& recomenda Sites e aplicativos sobre oncologia voltados tanto para médicos, com novidades e informações sobre a área, como para pacientes, com dicas de prevenção e assistência ao doente

Apoio na palma da mão Aplicativos para tablets e smartphones que ajudam médicos a se manter sempre atualizados e no melhor caminho para o diagnóstico e tratamento de seus pacientes Guia dos Exames

CalculatebyQxMD

Com mais de 200 exames em seu banco de dados, este guia pretende ser uma importante referência para o dia a dia da prática clínica. O aplicativo conta com informações como descrição de exames, valores de referência e diagnósticos diferenciais. Para facilitar a consulta, os exames são divididos em categorias como hematologia, sorologias e toxicologia. É possível ainda que os usuários solicitem a inclusão de novos exames sempre que julgarem necessário. A aplicação está disponível para dispositivos com sistema iOS e custa US$ 5,99 na AppStore.

Este aplicativo reúne mais de 150 calculadoras médicas e ferramentas que podem ajudar no diagnóstico e no tratamento. Voltadas para as mais diversas especialidades médicas, as ferramentas que compõem essa aplicação são constantemente atualizadas, apoiando-se em pesquisas recentemente publicadas. Segundo a desenvolvedora, a ideia do sistema é não apenas calcular números, mas ser um importante apoio ao médico na tomada de decisões. Disponível gratuitamente para dispositivos com sistemas iOS, Android e BlackBerry.

Lembrete de Medicamentos MediSafe

Universo Médico

Esta é uma ferramenta que deve ser indicada a pacientes que tenham dificuldade de se lembrar da hora certa de cada medicamento. Além dos alarmes, a ferramenta conta com características adicionais, como a possibilidade de outra pessoa – um parente ou cuidador, por exemplo – acompanhar caso o paciente não confirme no aplicativo que tomou o medicamento na hora certa. Também é possível acompanhar o estoque de remédios, para evitar que se esqueça de realizar a reposição sempre que necessário. O aplicativo é gratuito e está disponível para tablets e celulares com sistemas iOS e Android.

Desenvolvido pela Bayer HealthCare, este aplicativo busca reunir uma série de informações úteis no dia a dia da prática médica. Entre as funcionalidades estão 18 calculadoras médicas, CID 10, P. R. VadeMécum e atlas do corpo humano. No guia de bulas, é possível buscar por nome do medicamento, por patologias ou por palavras específicas. Os usuários podem ainda acessar notícias relacionadas à medicina e conteúdos científicos atualizados. O aplicativo é totalmente gratuito e pode ser instalado em aparelhos com sistemas iOS e Android.

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acontece

Fique por dentro dos congressos, simpósios, encontros de atualização e outros tantos eventos do mundo da oncologia. Confira aqui os principais eventos de oncologia nos próximos meses

III Simpósio Internacional de Câncer de Mama

Best of ASCO

A terceira edição do Simpósio Internacional de Câncer de Mama será realizada em São Paulo, entre os dias 24 e 26 de julho. O evento, cuja comissão científica é composta pelos oncologistas Antônio Carlos Buzaid, Carlos Barrios e Marcelo Rocha Cruz, tem entre os convidados importantes palestrantes internacionais, como Bruce Haffty, dos Estados Unidos, e Sunil Verma, do Canadá. Nos debates, serão abordadas questões como o perfil genético no câncer de mama e a relação entre vitamina D e câncer de mama. Inscrições realizadas até 17 de julho contam com preço promocional. Mais informações podem ser consultadas no site http:// rvmais.com.br/simposio-cancer-mama/.do congresso.

Os estudos de maior destaque na 50ª reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) serão discutidos no evento Best of ASCO, realizado nos dias 29 e 30 de agosto em Salvador. Organizado pelo Latin America Cooperative Oncology Group (Lacog), o evento faz parte do calendário oficial de simpósios pós-ASCO. As inscrições devem ser feitas pelo site www.ascoinbahia.com.br. Os eventos oficias de discussão sobre os resultados apresentados na ASCO acontecerão em diversas cidades ao redor do mundo. A programação completa pode ser acessada em boa.asco.org.

Simpósio: Sofrimento Psíquico do Paciente Oncológico: O que há de específico?

X Simpósio Internacional de Câncer do Aparelho Digestivo – PECOGI

A questão do sofrimento dos pacientes de câncer será o centro do debate neste simpósio, que ocorrerá no Rio de Janeiro no próximo dia 27 de agosto. O evento contará com a participação de palestrantes como Alexandre da Silva Costa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carlos José Coelho de Andrade, chefe da oncologia clínica do Hospital do Câncer I, no Inca, e Benilton Bezerra, psicanalista e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Entre os assuntos tratados, estarão a escuta do paciente e o acolhimento da pessoa no hospital oncológico. As inscrições devem ser realizadas na área de eventos do site do Inca.

Este simpósio acontece entre os dias 21 e 23 de agosto na sede do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo. A ideia do evento é disseminar conhecimento sobre as últimas novidades relacionadas ao tratamento dos tumores do aparelho digestivo. Os temas centrais do encontro serão tratamento multidisciplinar para o câncer do aparelho digestivo alto, cirurgia oncológica hepatobilipancreática, diretrizes do consenso internacional de doenças hepatobiliares e avanço e tratamento de tumores de esôfago e estômago. Até o dia 14 de agosto é possível se inscrever pelo site www.accamargo.org.br/eventos/.

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calendário 2014

Evento

Data

Local

Informações

2014 Annual Update in Anesthesia and Perioperative Medicine

24 de julho

São Paulo, SP

einstein.br/Ensino/eventos

III Simpósio Internacional de Câncer de Mama

24 a 26 de julho

São Paulo, SP

http://rvmais.com.br/simposiocancer-mama/

41º Gastrão – Curso de Atualização em Cirurgia do Aparelho Digestivo, Coloproctologia, Transplantes de Órgãos do Aparelho Digestivo

29 de julho a 1º de agosto

São Paulo, SP

www.gastrao.org.br

XVII Jornada de Patologia

7 a 9 de agosto

São Paulo, SP

http://www.accamargo.org.br/eventos/

4º Fórum Latino-Americano de Biossimilares e 5º Fórum Brasileiro de Biossimilares

13 e 14 de agosto

Brasília, DF

http://forumbiossimilares.com.br/

VIII Jornada Regional de Nutrição Oncológica

15 de agosto

Teresina, PI

http://www.iepbp.com.br/

III HOSPIDOR – Grupo Multidisciplinar de Dor do Hospital Santa Catarina

16 de agosto

São Paulo, SP

centrodeestudos@hsc.org.br

VI Simpósio Nacional de Cancerologia da AERINCA

21 e 22 de agosto

Rio de Janeiro, RJ

http://www.simposioaerinca. eventize.com.br/

III Congresso Brasileiro das Ligas de Cancerologia e I Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia

21 a 23 de agosto

Vitória, ES

http://www.congresso.cobralc.com.br/

X Simpósio Internacional de Câncer do Aparelho Digestivo – PECOGI

21 a 23 de agosto

São Paulo, SP

http://www.accamargo.org.br/eventos/

2º Simpósio Anual do Núcleo de Oncologia Gastrointestinal

22 e 23 de agosto

Rio de Janeiro, RJ

relacionamentomedico@grupocoi.com.br

Simpósio: Sofrimento Psíquico do Paciente Oncológico: O que há de específico?

27 de agosto

Rio de Janeiro, RJ

http://www.inca.gov.br/ie_eventos/

XI Maratona Urológica Internacional

29 e 30 de agosto

Rio de Janeiro, RJ

http://maratonaurologica.com.br/

Simpósio Internacional de Câncer de Próstata

29 e 30 de agosto

São Paulo, SP

http://iep.hsl.org.br/

Best of ASCO

29 e 30 de agosto

Salvador, BA

http://www.ascoinbahia.com.br/

Calendário de eventos de 2014 completo e atualizado:

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