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ano 12
r$ 9,90
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ENTREVISTAS
Júlio medaglia e rené Girard DOSSIÊ
Foucault o homem um dia desaparecerá como A HERANÇA DE
Michel
um rosto de areia na orla do mar
eDitorial
FouCault: o PenSamento, aS PalavraS e aS CoiSaS em 25 junho de 1984, em função de complicações provocadas pela aiDS, morria michel Foucault, aos 57 anos, em plena produção intelectual e reconhecido como um pensador que exerceu, como poucos, forte impacto sobre as ciências humanas. o dossiê desta edição apresenta a variedade de sua provocadora obra e mostra um homem impossível de ser classificado. Foucault está cada vez mais vivo e a influência de seu pensamento é cada vez maior, nas mais variadas áreas do conhecimento. Como sempre, a Cult convidou especialistas para participar do dossiê e o resultado é um trabalho que perdurará além da periodicidade mensal desta revista. Servirá de base para pesquisas acadêmicas e também para aqueles interessados em conhecer o universo teórico de um dos mais brilhantes pensadores e um dos homens mais corajosos da vida política contemporânea. uma entrevista com o maestro Júlio medaglia, resenhas e críticas literárias, as colunas de marcia tiburi, Francisco Bosco e norman lebrecht completam a edição de abril. Boa leitura, daysi Bregantini daysi@revistacult.com.br
diretora e editora resp. – Daysi m. Bregantini diretor de Redação – marcos Fonseca editor – eduardo Socha editor-assistente – Wilker Sousa Site – Daniel marques Imagem de capa – michel Foucault © FouCHet JeanPierre/rapho departamento de arte: editor de arte – Fábio Guerreiro departamento financeiro – ana lúcia P. Silva e-mail: financeiro@editorabregantini.com.br departamento administrativo – Dejair Bregantino Assinaturas – tel.: (11) 3385 3385 e-mail: assinecult@editorabregantini.com.br Relações públicas – Flávia moreira e-mail: eventos@revistacult.com.br Assessoria de imprensa – andréa Simões e-mail: andrea@attachee.com.br Publicidade em São Paulo: Gilberto rala (executivo de negócios) e-mail: gilberto@editorabregantini.com.br Júlia Farina (executiva de negócios) e-mail: juliafarina@editorabregantini.com.br tel.: (11) 3385 3385 Publicidade em Brasília: Front Comunicação – Pedro abelha e-mail: pedroabelha@terra.com.br tel.: (61) 3321 9100 Gráfica – Parma distribuição exclusiva no Brasil (Bancas) – Fernando Chinaglia CULT - ReVISTA BRASILeIRA de CULTURA é uma publicação mensal da editora Bregantini Praça Santo agostinho, 70 – 10º andar Paraíso - São Paulo – SP – CeP 01533-070 tel.: (11) 3385-3385 - Fax: (11) 3385 3386 CULT on LIne www.revistacult.com.br Matérias e sugestões de pauta: redacao@revistacult.com.br espaço Revista CULT espacocult@revistacult.com.br Cartas cartas@revistacult.com.br
iSSn 1414707-6 – nº 134 – aBril/2009 – ano 12
A Global Editora publica a obra lexicográfica mais esperada de 2009:
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa VOLP – 5a edição A Global Editora, com a autoridade da Academia Brasileira de Letras quanto à grafia e à classificação dos vocábulos da língua portuguesa, tem a honra de publicar o VOLP, 5a edição, sob a coordenação do professor Evanildo Bechara. Apresentado por Cícero Sandroni, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), o VOLP foi publicado integral e fielmente de acordo com as instruções da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL, constituída pelos acadêmicos Eduardo Portella, Alfredo Bosi e Evanildo Bechara.
Global Editora e Distribuidora Ltda. Rua Pirapitingui, 111 – Liberdade CEP 01508-020 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3277-7999 Fax: (11) 3277-8141 e-mail: global@globaleditora.com.br www.globaleditora.com.br
◆
340 mil verbetes da língua portuguesa, com um vocábulo ou expressão por verbete, com classificação gramatical; ortoépia, para eliminar dúvidas sobre a pronúncia correta;
◆
1.500 verbetes de palavras estrangeiras, com um vocábulo ou expressão por verbete para palavras e expressões de outras línguas de uso corrente no Brasil: inglês, espanhol, francês, latim, alemão, japonês, italiano e outras;
◆
4.487 vocábulos para reduções, reunindo abreviaturas, abreviações, siglas, acrônimos e outras formas reduzidas de maior uso.
Uma obra indispensável!
Reserve já o seu!
n o 134 aBril 2009
exposição Iberê Camargo Um ensaio visual
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Do leitor
16 entreviSta Júlio medaglia
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Reprodução
Cultura em movimento
Divulgação/Fundação Iberê Camargo
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Acervo CULT
ÍnDiCe
mÚSiCa norman lebrecht: arrebatar-se pela obra de Josef Haydn, um dos compositores mais produtivos da história, não é tarefa fácil
Cultura em movimento exposição Iberê Camargo – Um ensaio visual apresenta obras inéditas do artista gaúcho
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30 entreviSta
Para o filósofo rené Girard, a tendência das multidões é canalizar a violência coletiva em um único indivíduo
o polêmico Júlio medaglia critica a transição na osesp e avalia a proposta de renovação das leis de incentivo à cultura
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CrÍtiCa
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literatura Tratados da vida moderna – escritos entre 1830 e 1839 – e tradução inédita de Eugénie Grandet revisitam a obra de Balzac
livroS ensaios de Siegfried Kracauer evidenciam um academicismo consequente e isento de notas de rodapé
em livro de contos, Beatriz Bracher abre mão da narrativa linear para produzir, na ficção, o deslocamento necessário da realidade
24
entreviSta
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FiloSoFia Para marcia tiburi, pensar o Brasil hoje é ir além da identidade de tomar um pouco de ar para ajudar a memória
Arquivo pessoal
ColaBoraDoreS André duarte, professor de filosofia da uFPr. É autor de O pensamento à sombra da ruptura. Política e filosofia no pensamento de Hannah Arendt (Paz e terra, 2000) e de Biopolítica e resistência: o legado de Michel Foucault (in Figuras de Foucault, ed. autência, 2006)
francisco Bosco, ensaísta e escritor. É colunista da revista Cult e autor de Banalogias (objetiva, 2007), entre outros
coordenador da Cia teatral ueinzz, escritor e ensaísta. É autor de O tempo não-reconciliado (ed. Perspectiva, 1998) e Vida Capital (ed. iluminuras, 2003), entre outros, e tradutor de obras de Deleuze
42 michel Foucault
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ernani Chaves, professor de filosofia da uFPa. É autor de Foucault e a psicanálise (ed. Forense-universitária, 1988), No limiar do moderno: estudos sobre Friedrich Nietzsche e Walter Benjamin (ed. Paka-tatu, 2003). traduziu Introdução à tragédia de Sófocles (Jorge Zahar, 2006), de nietzsche Arquivo pessoal
DoSSiÊ
Maria Rita de Assis César, professora do programa de pós-graduação em educação da uFPr. É autora do livro Invenção da adolescência no discurso pedagógico (unesp, 2008) e de artigos sobre as relações de poder na educação, biopolítica, e estudos de gênero
Marcia Tiburi, filósofa e escritora. É colunista da revista Cult e autora de
Coluna
Mulher de costas (Bertrand Brasil, 2006) e Filosofia em comum (record, 2008), entre outros
Cláudio oliveira, professor de filosofia da
DoSSiÊ foucault no século 21 por André Duarte
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entre o elogio e a crítica por Ernani Chaves
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fala dos confins por Peter Pál Pelbart
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Pensar a educação depois de foucault por Maria Rita de Assis César
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A época da norma por Márcio Alves da Fonseca
norman Lebrecht, escritor e crítico musical britânico. apresenta o programa lebrecht.live, na rádio BBC. É colunista da revista Cult e autor de Maestro, ObrasPrimas & Loucura (record, 2008) Arquivo pessoal
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60
universidade Federal Fluminense (uFF). É co-organizador de Clínica Psicanalítica das Psicoses (ed. eduff) e autor de artigos publicados em coletâneas, A filosofia após Freud (ed. Humanitas) e Nove abraços no inapreensível: filosofia e arte em Giorgio Agamben (ed. azougue)
Julián fuks, escritor e jornalista. É autor de Histórias de literatura e cegueira (record, 2007). mestrando em literatura argentina na uSP
Melissa Antunes de Menezes é escritora e jornalista
A herança foucaultiana de Agamben por Cláudio Oliveira Márcio Alves da fonseca, professor de pós-graduação em filosofia da PuC-SP. É
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oFiCina literÁria
autor dos livros Michel Foucault e o Direito (max limonad) e Michel Foucault e a constituição do sujeito (educ), co-tradutor de A hermenêutica do sujeito, de Foucault
Arquivo pessoal
Francisco Bosco analisa o sucesso da exposição do artista plástico vik muniz
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Divulgação
Peter Pál Pelbart, professor de filosofia da PuC-SP,
Do leitor enTReVISTA MARILenA CHAUI
não me interessa se a professora marilena Chaui é ou não petista, pois o que realmente importa é a coerência de suas colocações. Para se falar de política econômica e programas sociais do país é necessário citar o governo lula. todos nós temos o direito de discordar.
a Cult é a única revista de alta cultura que existe no país. Sou assinante há quatro anos e ela nunca me decepcionou. mas reconheço que é de esquerda e isso incomoda alguns leitores. Por isso, acho que deveria se envolver menos com política. Sugiro que se foque mais em cultura.
uma das principais missões do intelectual, no dizer da própria marilena Chaui, é fazer os silêncios falarem. De modo que estou com a mestra, retirando, sim, os “chauismos”. Fui seu aluno e muito lhe agradeço pela cultura crítica compartilhada. Sua produção intelectual é um orgulho para o Brasil.
Paulo Sérgio A. Péricles, pelo site
Ary Carlos Moura Cardoso, pelo site
Críticas são sempre salutares, mas quando despidas de teor reacionário e raivoso. Sem dúvida, marilena Chaui foi clara e coerente em suas colocações.
o texto é, no mínimo, uma excelente forma de exercitarmos o pensamento sem preconceitos. entrevista brilhante, devemos ter orgulho desta intelectual.
Marcelo Alves, pelo site
Nelson Nisenbaum, pelo site
ouvir a professora marilena Chaui é sempre um privilégio num universo repleto de argumentos vazios. Cláudio Pereira da Silva, pelo site
Batista Pinheiro, pelo site
Parabéns, professora marilena Chaui, por tão lúcidas respostas nesta entrevista semeada de temas urgentes para o nosso cotidiano, oferecendo, com isso, visibilidade para enfrentarmos os dolorosos conflitos que vivenciamos. Saúdo-a, também, pela sua aposta no ensino de filosofia em nossas instituições escolares.
Populista, de acordo com a entrevistada, são os outros e nunca os seus correligionários. a professora marilena Chaui não diz uma palavra sobre alianças entre Pt e José Sarney, renan Calheiros, romero Jucá e alguns dos partidos nanicos. Luiz Fernando Soares Brandão, por e-mail
a professora marilena Chaui raramente dá entrevistas, apesar da insistência da mídia em citá-la constantemente. li dois livros dela: Convite à filosofia e Nervura do real. Sou médico, e na minha profissão a leitura dessas obras me ajudou muito. Carlos M. Ferreira, pelo site
Silvio Medeiros, pelo site
doSSIÊ – feMInISMo o dossiê da edição de março está muito bem resolvido editorialmente e o assunto é árduo. também gostei da diagramação e das fotos. em minha faculdade fez muito sucesso e causou emocionada discussão na sala de aula com os alunos. Izabel K. Martini, pelo site
Quero parabenizar a filósofa marilena Chaui pela brilhante entrevista. uma mulher de visão democrática e pluralista.
uma revista de cultura sobreviver no Brasil é um fato raro e merece respeito. li que a Cult tem 12 anos de história e fiquei ainda mais surpreso. uma revista que assume sua posição deve ser lida, ainda mais nesse caso da entrevista marilena Chaui.
aprendi coisas que mudaram meu jeito de pensar. as fotos são incríveis e as páginas estão mais bonitas. esse dossiê está nota 10.
Francisco Rolim Sobrinho, pelo site
Jairo Solle, pelo site
Maria Carolina, pelo site
as cartas devem ser encaminhadas para o e-mail cartas@revistacult.com.br ou para o endereço: Praça Santo agostinho, 70 – 10º andar – Paraíso São Paulo – SP – CeP 01533-070 Por motivos de espaço, reservamo-nos o direito de publicar parcialmente ou resumir o conteúdo dos comentários e das cartas enviadas à redação
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n°134 abril 2009
Do leitor CoLUnA fRAnCISCo BoSCo nunca fui um grande fã do jogador robinho, tanto dentro quanto fora do campo. Contudo, não tolero hipocrisia. Concordo com Francisco Bosco no que tange ao respeito à privacidade do jogador e à manipulação injusta de sua imagem pela revista Veja. esta, aliás, já é conhecida de longa data por suas reportagens parcamente embasadas e previamente pautadas pela ganância do dinheiro.
mais uma vez Francisco Bosco é lapidar em sua crítica. abstraído o protagonista – aqui poderia figurar um sem-número de nomes –, a análise pontual do “caso robinho” denuncia, sem desvios e sem meias palavras, a falta de compromisso com que se desenha o cotidiano da mídia brasileira. triste cenário, sobretudo quando capitaneado por publicações de tão largo alcance. triste cenário, porém sem maquiagem, sem hipocrisia. Parabéns. É isso que queremos ver e ouvir.
Diego Queiroz, pelo site Cleon Bassani Ribas, pelo site
TeSTe CULT – edIÇão 133 os dez primeiros participantes do teste Cult da edição anterior recebem um exemplar do livro Rumo equivocado – O feminismo e alguns destinos (Civilização Brasileira, 2005), de elisabeth Badinter. os vencedores têm até trinta dias para retirar o livro na sede da revista (Praça Santo agostinho, 70, 10º andar, Paraíso, São Paulo/SP), de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h.
- osvaldo eduardo marichal alamo - lucius Provase - Breno Juz - maria luiza tonelli - isis lima Soares - José Carlos Fereira Dias - maria Salete Santos - Sâmara Santino - mayra Soares - lygia maurutto trevisan
Cultura em Movimento
Reflexo e reflexão
A onda Eric Rondepierre
Palavras ausentes. Traços a carvão unidos ao azul e branco. Assim é narrado o primeiro encontro de uma menina com o mar. Lançado há apenas um ano nos Estados Unidos, o livroimagem A onda, da coreana Suzy Lee, já vendeu mais de 100 mil exemplares e conquistou o prêmio de melhor livro ilustrado de 2008, segundo lista do New York Times. Com traços simples e precisos, Suzy Lee traz poesia à aventura da pequena menina e sua relação com o mar. Ao longo das páginas, o medo inicial dá lugar ao encantamento.
A onda Suzy Lee Cosac Naify 40 págs – R$ 35
Imagem de autoria de Eric Rondepierre, fotógrafo cujos trabalhos integram a mostra Reflexio
Reflexio: Imagem contemporânea na França Local: Santander Cultural, Porto Alegre Data: 23 de abril a 23 de agosto Entrada franca
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Divulgação/Ilustração: Suzy Lee
A mostra Reflexio: Imagem contemporânea na França integra o calendário oficial dos eventos que marcam o Ano da França no Brasil. A escolha do título deve-se à etimologia da palavra latina reflexio, cuja raiz é a mesma de reflexo e reflexão. Ao expor trabalhos de nomes centrais das artes visuais francesas atuais, propõe-se discutir acerca do papel da imagem na arte contemporânea. As obras apresentam linguagens variadas, com abordagens e edições distintas, de modo a oferecer ao expectador um pequeno mosaico da atual produção francesa. Para a curadora e crítica de arte Lígia Canongia, o intuito é “apresentar diferentes recortes a serviço de uma visão de mundo universal”.
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entreviSta
JÚlio meDaGlia
Fotos: Acervo CULT
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entreviSta
JÚlio meDaGlia
Polêmico ma non troppo Com o verbo solto, medaglia critica a transição na osesp, relativiza o legado do tropicalismo e avalia a proposta de renovação da lei de incentivo à cultura EDUARDO SOCHA E WILKER SOUSA
O
primeiro contato do paulistano Júlio Medaglia com a música se deu ainda criança quando a empregada de sua família lhe presenteou com um violino infantil. Anos mais tarde, ao participar da orquestra de amadores da Lapa, em São Paulo, conheceu o oboísta Isaac Karabitchevsky, que o convida para estudar na Escola Livre de Música, onde lecionava o compositor e musicólogo alemão Hans Joachin Koellreutter. Ao mudar-se para Salvador, para criar os seminários de música da Universidade Federal da Bahia, Koellreutter levou consigo o jovem Medaglia. Lá, surgiu o convite de Artur Hartmann, então diretor da Escola Superior de Música da Universidade de Freiburg, para estudar regência na Alemanha. Em solo europeu, Medaglia estudou com figuras centrais da música contemporânea, como Karlheinz Stockhausen e Pierre Boulez, e teve aulas de regência com o mítico maestro John Barbirolli. Sua trajetória, a partir de então, foi marcada por participações em momentos decisivos da música erudita e popular no Brasil. Ao final dos anos 1960, tornou-se júri dos célebres festivais da TV Record e, em 1967, escreveu o arranjo de “Tropicália”, canção de Caetano Veloso considerada o marco inicial do Tropicalismo. Nas décadas de 1970 e 80, compôs trilhas sonoras para a TV Globo, como a da série Grande sertão: Veredas, e dirigiu por quatro anos o Teatro Municipal de São Paulo. Durante os anos 1990, participou de grandes espetáculos cênico-musicais no Brasil, entre eles, a ópera “Aida”, de Verdi, encenada em 1995, em estádios de futebol. Criou, dois anos depois, a Amazonas Filarmônica, em Manaus. A experiência e o conhecimento adquiridos ao longo da carreira motivaram-no a escrever os livros Música impopular (Global editora, 2003) e Música, maestro! (Globo, 2008). Com linguagem fluente e nítida intenção pedagógica, seus livros desejam ampliar o acesso à história da música, de forma a derrubar as barreiras que separam a música erudita do grande público. Atualmente, Júlio Medaglia realiza trabalhos na ópera nacional da Bulgária e apresenta o programa Prelúdio, na TV Cultura - único da TV aberta dedicado aos novos talentos da música erudita nacional. Nesta entrevista, concedida em sua casa para a CULT, o maestro fala do turbulento processo de transição na Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), sobre alguns momentos de sua carreira e avalia as atuais políticas na área musical.
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entreviSta
JÚlio meDaGlia
CULT – o senhor poderia fazer uma breve análise dos anos John neschling à frente da osesp? Júlio Medaglia – ninguém sabia quem era John neschling. Ficou aqui por um tempo como regente da orquestra Jovem do estado, depois foi embora; ninguém percebeu. De repente, colocam r$ 67 milhões e um salário de r$ 200 mil na mão dele (quase o dobro do que ganha o Simon rattle, regente da Filarmônica de Berlim), e ele se achou o rei da cocada preta. Depois começou a espernear, agredir todo mundo, expulsar músicos da orquestra, dizer palavras de baixo calão aos músicos, a seus colegas de profissão, como se todos nós fôssemos imbecis. Só que ele teve azar de dar uma canelada em alguém que um dia virou governador do estado. aí pronto. É o estado que paga. É uma orquestra independente artisticamente, mas quem paga pode chegar e dizer “ou mudam aí, ou não tem mais dinheiro”. aí, ele dançou. ele fez um trabalho administrativo muito bom. Como tinha muito recurso, preparava muito bem todas as temporadas. antes de acabar o ano, as pessoas já recebiam a programação do ano seguinte. também contratou excelentes músicos internacionais, etc. a orquestra evidentemente adquiriu um profissionalismo. mas também é verdade que nunca trouxe o pessoal do primeiro time. nunca vi um Zubin mehta, um maurizio Pollini, uma martha argerich, nem um Claudio abbado tocarem com essa orquestra, embora tivesse orçamento para isso. e os bons maestros brasileiros, de nível internacional, ele também nunca convidou.
Fernando Henrique “ foi um bom presidente,
ainda que sua gestão na área cultural tenha sido a mais inexpressiva” CULT – o que achou do processo de transição na direção artística da orquestra? JM – essa substituição é um problema. Começaram a inventar coisas como “ah, vamos buscar consultor lá na austrália, em londres”. ninguém sabia quem era o neschling até a década de 90! ele chegou aqui, fez um grande trabalho, colocou a orquestra para funcionar, sem consultar ninguém. Para fazer uma programação, para fazer algo profissional, não precisa perguntar para nenhum australiano. Para que buscar um maestro desempregado lá na europa do quinto escalão? o [Yan] tortelier é um bom músico, não vou dizer que seja incompetente. mas qual o motivo para se buscar alguém que não tem nenhuma expressão na música europeia? Se trouxessem o mehta, o abbado, o mutti, algum monstro sagrado da regência universal aqui para São Paulo, o estado vira notícia no mundo inteiro. o [Yan] tortelier é um cara que regeu uma orquestra lá no interior da inglaterra e que estava sem nada para fazer na europa.
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CULT – A escolha foi uma provocação? JM – não sei se foi provocação. tenho suspeitas de que existam pessoas fazendo a cabeça do Fernando Henrique Cardoso, que é uma pessoa séria. mas alguém está dizendo bobagens no ouvido dele e ele está acreditando. o Fernando Henrique foi um bom presidente, ainda que sua gestão na área cultural tenha sido a mais inexpressiva. Quando indicou a secretária de cultura aqui para São Paulo, a Claudia Costin, foi a pior que o estado já teve. Colocaram o Fernando Henrique no conselho da osesp para que tenham uma figura forte e para que assim não acabem com a orquestra. CULT – o modelo de gestão da osesp deveria ser aplicado em outras orquestras do país? JM – a tendência é essa, de ser uma oscip [organização da
entreviSta sociedade civil de interesse público] como a osesp. isso é o que a gente quer no Brasil há muito tempo. infelizmente, as sinfônicas no Brasil, quando dependeram de soluções públicas, sempre foram ruins. agora começam a ficar boas, porque é possível administrá-las como empresas, ou seja, cobrar qualidade, colocar melhores músicos, não ceder a pressões políticas. Parece que o pessoal acordou. a amazonas Filarmônica é uma associação civil sem fins lucrativos, assim como a Petrobrás Sinfônica, a orquestra de minas Gerais e a orquestra Sinfônica Brasileira.
Usam meu imposto para “mostrar na Alemanha que
São Paulo tem uma orquestra! É tão ridículo quanto mandar uma escola de samba alemã tocar no Brasil” CULT – Já que o senhor falou da orquestra Sinfônica Brasileira, maior beneficiada da Lei Rouanet, a reavaliação do governo sobre esse mecanismo de incentivo é pertinente? JM – o que está certo na lei rouanet é que as empresas precisam aprender a pôr a mão no bolso para gastar com cultura. o pessoal fica com um pouco de raiva pelo seguinte: por que a volkswagen, que ganha muito dinheiro no país, não gasta dinheiro com a restauração lá da igreja do interior do Piauí? existe a vontade de alterar esse mecanismo para distribuir melhor o dinheiro destinado à cultura. mas acho isso errado, porque não faltam grandes empresas nesses estados também. estive em Sergipe conversando com o atual governador, e há empresas fortes que, com lei rouanet, poderiam fazer uma festa de cultura por lá. não fazem porque não querem. e não é mudando a lei rouanet que isso vai mudar. os empresários precisam se dar conta de que precisam estabelecer um relacionamento com a comunidade local, como nos estados unidos. a gente aprende com eles só o que existe de ruim: rap, rodeio, country. mas não aprendemos como conseguem manter 2.500 orquestras sinfônicas. o espírito comunitário norte-americano a gente não aprende. uma fábrica de parafusos lá do texas, quando se instala na região, a primeira coisa que faz é se relacionar com a comunidade, dar apoio à biblioteca, a uma orquestra de câmara que precisa de ajuda. e lá não tem lei rouanet. o dono da empresa tira do bolso dele. CULT – e quanto às distorções da lei, ao fato de que a renúncia fiscal estaria sendo utilizada para projetos culturais questionáveis ou de pouco interesse público? JM – mas isso é culpa do ministério da Cultura! um projeto, para ser aprovado, passa pelos pareceristas. Se aprovaram o Cirque de Soleil, então quem está errado é o ministério, não a lei. acho que precisa de uma peneira. músicos como Chitãozinho e Xororó não precisam de incentivo. ivente Sangalo tem avião! tem sentido ela ganhar incentivo fiscal?
JÚlio meDaGlia
Gosto do [ministro da Cultura] Juca Ferreira, é uma pessoa séria; bem-intencionada. tenho impressão de que vai fazer uma boa gestão no sentido de regular os abusos da lei. todos morrem de inveja da lei rouanet, porque as regiões mais ricas são mais beneficiadas com ela. acontece que tem mais movimentação cultural aqui. Por que os empresários de Sergipe não fazem uma orquestra de qualidade internacional? não querem. a lei rouanet deveria servir para incentivar o espírito comunitário. mesmo assim, não colocam dinheiro, porque acham que precisam patrocinar alguma coisa que vai fazer sucesso, quando deveriam patrocinar aquilo que valoriza a marca. CULT – o senhor criticou duramente os concertos da osesp no exterior. Por quê? JM – Porque isso é ridículo! Se o empresário alemão convidasse a orquestra para tocar lá, seria uma maravilha. mas não. usam meu imposto para mostrar lá na alemanha que São Paulo tem uma orquestra! tocam Brahms no interior da alemanha! É tão ridículo quanto mandar uma escola de samba alemã tocar aqui no Brasil. Se ao menos dissessem “a orquestra vai para divulgar música brasileira”, tocar villa-lobos, etc, aí talvez fizesse sentido. mas ir para viena tocar La Mer, tem sentido isso? o contribuinte aqui de Bauru, que paga essa orquestra, não vê a orquestra tocar em sua cidade e lê no jornal que está tocando no interior da Suíça. Por isso não tem sentido esse francês aqui. um regente titular brasileiro, ao assumir essa orquestra, assumiria também um compromisso com a cultura de São Paulo. Como custa muito dinheiro, essa orquestra precisa render muito. além do concerto que os mesmos assistem, poderiam fazer o quê? viajar pelo interior, fazer os músicos da orquestra dar aulas para os músicos da região, trazer esses músicos do interior para aprender aqui, para que outras osesp’s venham a se formar no interior. insisti muito nisso, e parece que o neschling ia fazer isso também. ela tem que valer r$ 67 milhões. Se você analisar quanto custa um assinante para o estado, vai perceber que é uma nota! CULT – A osesp não ajudou então a democratizar o acesso à música de concerto no estado? JM – não. Democratiza-se o acesso promovendo concertos aqui. tocando em outros lugares, fazendo política cultural, tocando nas praças, nas igrejas. a Sala São Paulo causa inibição. tem que fazer política agressiva de animação cultural. na lapa, lembro que eu assistia matinê aos domingos. uma tarde, de repente, entrou a orquestra municipal com coral de cem vozes. Fiquei deslumbrado, comecei a me interessar por música, foi uma emoção incrível. você assiste, é diferente. uma política cultural bem elaborada poderia fazer valer o que essa orquestra custa. CULT – Como o senhor vê iniciativas como a orquestra Sinfônica de Heliópolis? JM – É fantástico, porque a música trabalha com os dois extremos, com a razão e com a emoção. Se ela enfeitiça a pessoa, de outro lado ela disciplina. É um trabalho de sofisticação estrutural muito grande. nenhuma outra arte tem tanto rigor. esse trabalho de Heliópolis é muito importante, e espero que tenham outros Brasil afora. mas n°134 abril 2009
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Stanford News Service
ingleses e franceses. Este espírito durou até, aproximadamente, 1916. Estas opiniões sofreram mudanças extremas devido às terríveis perdas da guerra e do progressivo aumento do poder militar. Mann era muito comprometido e leal às ideias antinazistas e perdeu sua crença no poder enobrecedor do aparato de guerra. Concordo com o Thomas Mann mais velho. No futuro, ou não haverá nenhuma guerra como aquelas do século 20, ou nós veremos a destruição da civilização.
Girard: “O rito sacrificial é a gênese da violência humana”
Acredito que o bode expiatório tem um papel essencial na criação e na perpetuação de religiões arcaicas. As culturas arcaicas foram essencialmente a repetição de sacrifícios religiosos, evacuando a violência interna através destas vítimas substitutas. Isto não significa que eu recomende o mecanismo do bode expiatório para a manutenção da paz dentro das comunidades. Uma vez que o ciclo do sacrifício é compreendido, ele perde sua eficácia, como uma arma contra a violência interna. Os deuses arcaicos, na minha opinião, são vítimas da matança daqueles que põem fim à violência disruptiva e são considerados divindades da violência e da paz. CULT – Thomas Mann se perguntava: “Não é a paz um elemento de corrupção civil e a guerra purificação, liberação, uma enorme esperança?” O rito sacrificial – o uso da violência para apaziguar ânimos – vem sendo há muito tempo discutido pela literatura universal? RG – Não concordo que a guerra traga purificação. Na literatura há comentários sobre o comportamento mimético tanto do desejo, quanto da violência. O rito sacrificial é arcaico, é gênese da violência humana. O uso do bode expiatório está presente na literatura, como em Shakespeare, por exemplo. Esta declaração do jovem Thomas Mann reflete a atitude à época do início da Primeira Guerra e foi compartilhada por muitos
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CULT – Em Coisas ocultas desde a fundação do mundo, o senhor diz que os ritos sacrificiais perderam força sob influência do judaísmo e do cristianismo. No que concerne à relação entre Israel e Palestina, existe o uso do mecanismo sacrificial? RG – Devemos tentar ver todos os conflitos e guerras que temos hoje sob a ótica do mecanismo mimético. Mimesis tanto do desejo, quanto do uso da violência. No cristianismo, quebra-se o ciclo. Cristo oferece a outra face e redime seus algozes. Não busca vingança, não derrama mais sangue. É pela cruz, pelo amor, que se dá a interrupção do ciclo de violência. O cristianismo mostrou que a sociedade humana produzia vítimas únicas. A crucificação desobstruiu o caminho para o entendimento do processo da vítima expiatória. CULT – Mimetizamos o desejo e também a violência? Ou, ao mimetizar o desejo, criamos a violência? RG – Sim, as duas sentenças estão corretas. Criamos rivalidade na mimesis, competindo pelo mesmo objeto, desejando os desejos do nosso modelo, o outro. Esta admiração velada do prestígio do outro, do que o outro possui, é a constatação clara de ser insuficiente. Constatação esta muito angustiante e incômoda. Já o modelo, o intermediário, não é passivo dentro deste mecanismo. Pelo contrário, faz de tudo para provocar o desejo do outro sobre seu objeto. Pois, que valor tem o objeto, senão pelo desejo de outrem? Este é o ciclo infernal do desejo. E também dos conflitos. CULT – Para Freud, o mal-estar do homem moderno ocorreria devido à repressão de
sua violência natural, que gera outros problemas de ordem interna e também conflitos sociais de diferentes naturezas. A teoria de Freud não vem de encontro à sua? RG – Sim, há uma oposição entre as ideias de Freud e as minhas. Muitos diriam que tanto na repressão da libido em Freud, quanto no uso do mecanismo de vítimas arbitrárias para aplacar explosões, reside uma ideia similar. Mas não concordo com Freud e com sua teoria de que tudo está relacionado ao desejo sexual. Freud justifica todo comportamento humano baseando-se nesta ideia. Ele foi o primeiro a ver a profunda influência que uma pessoa tem sobre a outra. Mas discordo de sua visão de que a influência dos pais delinearia a personalidade. A visão de Freud ficou muito restrita ao período em que viveu, no qual predominava um certo tipo de estrutura familiar. CULT – E quanto àqueles que somente desejam o impossível? Ou, como disse Kierkegaard, “cometem o pecado capital de não querer nada profunda e autenticamente”? RG – Minhas ideias estão bem mais próximas às de Kierkegaard do que foi visto nas entrevistas que dei e nos artigos escritos sobre minha obra. Para mim, o desejo do impossível e o não-desejo ainda estariam de acordo com mecanismos miméticos. Kierkegaard constatou, em sua análise dos três estágios do ser, a presença de um homem que se escora no outro. Possuindo um vazio existencial aterrador, ele procura na observação do outro, do que o outro possui, do que o outro aparenta, uma forma de saber quem é e como sentir-se pleno. Portanto, para ser ele mesmo, este homem necessita tomar conhecimento do outro, como no mecanismo do desejo mimético, onde este desejo somente se faz possível pela intermediação do que é e deseja um outro.
Coisas ocultas desde a fundação do mundo René Girard Paz e Terra 512 págs. – R$ 75
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Desculpe a falta de modéstia, mas só fazemos edições históricas.
[DOSSIÊ]
Michel Foucault
Contra a busca do eu perdido
A
celebridade que envolve um autor heteróclito assim como o sequestro de sua obra pelas classificações sempre insatisfatórias talvez sejam os procedimentos mais eficazes para se ocultar o potencial autêntico de suas ideias. Percebendo-se refém de sua popularidade, Foucault (1926-1984) afirmou certa vez “Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo”. A noção de autor e a biografia que tendem a cristalizar uma vida e um destino sempre pareceram suspeitas a Foucault que, segundo o próprio biógrafo Didier Eribon, no fundo “resiste à experiência biográfica”. O famoso parágrafo final de As palavras e as coisas lembrava, afinal, que a ideia de “homem” e de “sujeito” um dia se desvaneceria “como, na orla do mar, um rosto de areia”. Contentemo-nos em afirmar, pelo menos, que a diversidade quase anárquica da personalidade de Foucault reflete aquela de seus escritos, assim como sua recepção no meio universitário. Foi professor de psicologia em Lille (França), conselheiro cultural em Upssala (Suécia) e Varsóvia (Polônia), conferencista no Collège de France, fundador do grupo ativista GIP (Grupo de Informação sobre as Prisões), professor visitante no Brasil, Japão e Estados Unidos. E simplifiquemos bastante dizendo que a originalidade de sua obra está na formação de novos objetos e métodos ao saber filosófico, como a história da sexualidade e da loucura, a crítica genealógica aos poderes institucionais. Quanto à recepção de sua obra, vamos resumir dizendo que ela se manifesta nos estudos literários e
Índice
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Foucault No século 21 As ideias do filósofo continuam no cerne das pesquisas em ciências humanas André Duarte
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artísticos, na sociologia e no direito, na epistemologia, nas disciplinas “psi” (psicologia, psiquitaria, psicanálise), mas também nas diversas práticas coletivas de contestação, mobilizadas pelo exemplo de seu engajamento. Mas afimar tudo isso seria correr o risco de ocultar, como foi dito, o essencial de sua obra. Vinte e cinco anos após sua morte, praticamente todos os campos disciplinares das ciências humanas transformaram a obra de Foucault em referência incontornável para a compreensão do nosso presente histórico. Neste dossiê que se pretende introdutório, privilegiamos uma parte modesta de sua obra (complementar, no entanto, àquela parte analisada em nossa edição 81). Assim, André Duarte apresenta alguns dos pontos e conceitos notáveis da trajetória intelectual de Foucault em um texto que poderia servir de base para a articulação dos demais; em seguida, Ernani Chaves resume a relação tensa e histórica de Foucault com a psicanálise e seus desdobramentos no debate brasileiro; Peter Pál Pelbart comenta a proximidade entre filosofia e literatura pela força da desrazão, segundo os caminhos indicados pela escrita de Maurice Blanchot; Maria Rita de Assis César examina as consequências do pensamento foucaultiano nos estudos sobre educação, em particular na compreensão da instituição escolar; Márcio Alves da Fonseca analisa os mecanismos de normalização institucional e sua relações com o direito; Cláudio Oliveira, por fim, apresenta as influências de Foucault sobre um dos autores fundamentais da filosofia contemporânea, o italiano Giorgio Agamben. (ES)
Entre o elogio e a crítica As relações de Foucault com a psicanálise: etapas da recepção brasileira Ernani Chaves
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Fala dos confins A influência de Blanchot e o lugar da literatura na obra de Foucault Peter Pál Pelbart
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PENSar a EDucaÇÃO DEPOIS DE FOucault A passagem da sociedade disciplinar para a de controle na compreensão da instituição escolar Maria Rita de Assis César
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a éPOca Da NOrMa Qual seria a forma e quais seriam os perigos para o funcionamento do direito nas sociedades modernas? Márcio Alves da Fonseca
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a HEraNÇa EM gIOrgIO agaMBEN A produção do filósofo italiano confirma a continuidade das pesquisas e do método de Foucault Cláudio Oliveira n°134 abril 2009
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dossiê
michel foucault
Pequeno Glossário foucaultiano arqueologia procedimento metodológico utilizando por Foucault nos anos 1960, para descrever suas pesquisas no campo da historiografia. Arqueologia seria a disciplina que estuda os vestígios das culturas e dos modos de vida deixados pelo passado, com o intuito de escrever uma “ontologia do presente”. Em outras palavras, arqueologia é a maneira de observar a história com a intenção de compreender os processos pelos quais fomos conduzidos a viver como vivemos hoje.
biopolítica/biopoder termo (tornado público pela primeira vez na conferência de 1974, no Rio de Janeiro) que designa a forma de exercício do poder soberano nos estados modernos, surgido no final do século 18, cujo alvo não era mais o território, mas a gestão calculada de um determinado grupo populacional. Trata-se do conjunto de tecnologias e políticas institucionais voltadas para o controle específico de todos os aspectos da vida e do corpo, desde o controle da natalidade e a higiene corporal à vacinação contra epidemias e infecções.
dispositivo mecanismos de ordem institucional, física ou administrativa, que ampliam o exercício do poder dentro do corpo social, com a finalidade de normalizar comportamentos. As instituições ou “dispositivos” operam segundo o “princípio de homogeneidade da reação social”.
épistémè princípio de ordenação histórica do conhecimento, anterior à enunciação das ciências e aos diferentes setores discursivos. Refere-se às estruturas “inconscientes” que subjazem a produção do conhecimento científico em determinado tempo e lugar. É o campo epistemológico que forma previamente as condições do conhecimento.
genealogia se a arqueologia traduz um nível de organização específico, destinado a produzir formas administradas de conhecimento, a genealogia refere-se a um conceito mais amplo; a genealogia é descrita como a investigação que não procura as origens, mas o descortinamento histórico da verdade, definida por interesses específicos das diversas estruturas de poder.
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governamentalidade (ou ‘artes de governar’) conjunto das racionalidades políticas e dos procedimentos técnicos pelos quais se dá o governo da vida.
heterotopia neologismo (que significa literalmente “outro espaço” ou “outro lugar”) forjado para descrever os espaços reais que acolhem o imaginário, como o teatro, a casa de brinquedo, ou aqueles lugares dos quais o corpo social quer distância, como asilos, cemitérios, prisões.
identidade/sujeito a ideia universal de “homem”, diz Foucault em As palavras e as coisas, um dia desapareceria como um “rosto de areia” na “orla do mar”. A metáfora serve para indicar que a noção identitária e essencial de sujeito implica a aceitação de pressupostos históricos e certas imposições institucionais, passíveis de contestação e superação. Daí que, para Foucault, seria preciso engajar-se na luta a favor da “dissolução” das identidades.
panopticismo panóptico é o projeto prisional, criado por Jeremy Bentham no final do século 18, concebido de tal modo que os prisioneiros possam ser observados por uma torre central; é utilizado por Foucault como a figura paradigmática das operações de coerção e vigilância das diversas instituições disciplinares.
sociedade disciplinar o poder não é disciplina, mas a disciplina é apenas uma forma de exercício do poder, que regula as organizações institucionais no espaço, tempo e comportamento. Ao discutir a história das instituições disciplinares, como prisões, hospitais, asilos, escolas e quartéis, Foucault criou o termo “sociedade disciplinar” (que não deve ser confundido com “sociedade disciplinada”), para totalizar o conjunto dessas instituições, que se consolidaram principalmente a partir do século 19.
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Foucault no século 21 Vinte e cinco anos após sua morte, as ideias do filósofo francês continuam no cerne das pesquisas em ciências humanas: da psicologia ao direito; da filosofia à educação
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oucos pensadores exerceram maior impacto sobre as ciências humanas que Michel Foucault. Vinte e cinco anos após sua morte, ocorrida no dia 25 de junho de 1984, o caráter generoso de suas ideias inovadoras se manifesta na renovação do campo de investigação da psicologia, da psiquiatria, da história, do direito, da arquitetura, da filosofia, da sociologia e da educação, entre outras disciplinas. Dos anos 1960 ao começo da década de 1980, Foucault formulou conceitos e abordagens teóricas que descortinaram novos objetos e demoliram velhas questões ao demonstrar que a história não é o palco pelo qual desfilam os mesmos problemas singulares de sempre. Como poucos dentre seus contemporâneos, Foucault soube apropriar-se do projeto nietzscheano de destruição e transvaloração dos valores vigentes, ensinando-nos a desconfiar da herança metafísica incrustada em conceitos supra-históricos como ‘o’ Homem, ‘a’ verdade, ‘a’ natureza, ‘o’ poder, ‘a’ razão, ‘o’ sexo, ‘o’ corpo, etc. As marcas de sua genialidade intelectual já se anunciavam em sua primeira grande obra, A história da loucura na idade clássica, publicada em 1961. Abria-se ali o espaço de pesquisas que Foucault denominou como uma arqueologia das ciências humanas, e que culminaria em obras fundamentais como As palavras e as coisas, O nascimento da clínica e Arqueologia do saber. Nelas, o autor empreendeu uma crítica não epistemológica da razão, isto é, um questionamento que
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André Duarte
Foucault criou os instrumentos teóricos essenciais para refletirmos sobre as novas formas de biopolítica no século 21
não visava avaliar a evolução histórica da cientificidade das ciências, mas trazer à luz os pressupostos profundos que permitiram à modernidade entronizar a razão como critério absoluto a partir do qual se poderia determinar, por exemplo, o ser da loucura. Assim, ao elaborar sua peculiar história da loucura, Foucault abriu mão da ideia de que a relação histórica entre razão e loucura se dera a partir da contínua e gradual conquista das luzes sobre as sombras, roteiro em que a psiquiatria representava a conquista da suposta n°134 abril 2009
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