7 minute read
Exploração do burnout nos alunos de
EXPLORAÇÃO DO BURNOUT NOS ALUNOS DE MEDICINA DA FCS-UBI DURANTE A PANDEMIA POR COVID-19: CASO ESPECÍFICO DO 3º ANO 2020/2021
Texto de Lúcia Heitor
Advertisement
Asíndrome do burnout é definida na ICD-11 como o resultado de stress laboral crónico que não foi devidamente gerido. Esta apresenta 3 dimensões: sensação de exaustão, despersonalização, negativismo ou cinismo para com o trabalho realizado, e incapacidade de alcançar os objetivos pretendidos.
Esta não é uma realidade nova para os alunos de Medicina de todo o país, tal como já foi demonstrado pelo estudo realizado pela Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM), “Burnout Buddy: Conhecimento dos Estudantes de Medicina acerca do Síndrome de Burnout e das ferramentas de apoio psicológico disponível nas diferentes Escolas Médicas”. Este demonstrou a falta de conhecimento que existe quanto à temática, o quão relevante os estudantes a consideram e as barreiras existentes, quer sociais quer institucionais, para a procura de ajuda.
Como já é conhecido por todos, a pandemia atual veio aumentar este problema, através de toda a instabilidade social provocada desde o seu início em 2020. O estado de emergência, adaptação aos meios digitais e completa alteração dos paradigmas de trabalho causaram tanto o aparecimento como o agravamento de perturbações mentais, entre elas a ansiedade. A Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) da Universidade da Beira Interior (UBI) não foi exceção à regra. Assim que a pandemia foi declarada, a FCS rapidamente adotou as medidas necessárias para uma resposta adequada à situação. O que era possível passar para o meio online fez esta transição, e as atividades em meio clínico foram adaptadas, umas mais bem-sucedidas que outras.
O objetivo deste artigo é de conhecer a realidade dos alunos de Medicina da FCS quanto à sua perceção da síndrome do burnout, durante a pandemia de COVID-19, tentando determinar como foi a sua experiência, grau de satisfação com a FCS e perspetivas futuras.
Os alunos do 3º ano do Mestrado Integrado em Medicina da FCS, no ano letivo 2020/2021, foram a amostra escolhida para a elaboração do presente artigo. O 3º ano de Medicina é tido em conta como um dos anos mais exigentes, sendo também o último ano de ensino pré-
clínico. Por estas razões, este conjunto de estudantes foi considerado como o mais apropriado para a realização desta sondagem. A obtenção de dados foi realizada através da criação de um formulário, constituído por 6 questões abertas (Tabela 1) e um espaço para dar aos inquiridos a possibilidade de acrescentar qualquer informação que fosse considerada pertinente e que não tivesse sido abordada nas questões. O mesmo formulário foi partilhado com os alunos através do seu grupo próprio de Facebook. A realização deste estudo não foi alvo de apreciação pela comissão de ética da FCS ou outra entidade competente. Além dos participantes estarem informados quanto a este último facto, as respostas recolhidas foram obtidas de forma anónima, não tendo sido requerida qualquer informação confidencial que permitisse a identificação dos inquiridos.
Dos cerca de 160 alunos inscritos no 3º ano de 2020/2021, foram obtidas 22 respostas ao formulário. Estas foram obtidas entre os dias 26 de maio e 21 de junho de 2021. Devido à natureza das respostas pretendidas, algumas destas não transmitem uma informação que possa ser quantificável ou categorizada, sendo que as mesmas não foram contabilizadas para efeitos estatísticos (Gráfico 1 e Tabela 1).
A primeira questão pretendia perceber se os alunos consideravam estar “em burnout” e caracterizar o que sentiam. Das respostas inequívocas, 60% dos alunos consideraram apresentar a síndrome. Este tipo de autoavaliações não deve ser tomado como correto, pois, tal como o estudo “Burnout Buddy” demonstrou, a maioria dos alunos não identificava corretamente os sintomas cardinais da síndrome de burnout. Focando especificamente nos resultados neste parâmetro, apenas 13,8% reconheceram corretamente os sintomas.
Por outro lado, independentemente da autoavaliação de cada um, 64% dos alunos mencionaram sentirem-se cansados, tendo ainda mencionado/sugerido sentimentos de negativismo (18%), receio de não atingirem os seus objetivos (18%), problemas de distração (14%) e desmotivação (18%).
A segunda questão referiu-se ao ano letivo que decorria na altura da aplicação do formulário. Das respostas inequívocas, 60%
dos alunos afirmou que este tinha corrido bem apesar das dificuldades percecionadas. Por outro lado, 69% considerou que o ano letivo foi diferente das suas expectativas.
A terceira questão pediu a opinião dos alunos quanto ao seu desempenho académico: 55% mostravam-se, pelo menos, minimamente satisfeitos com a sua prestação, enquanto os restantes 45% não partilhavam da mesma opinião.
A quarta questão requeria a opinião dos estudantes acerca do apoio percecionado por parte dos professores. A grande maioria dos alunos, 86%, não se sentiu apoiado pelos professores; todos aqueles nos quais a resposta dada foi considerada como afirmativa expressaram que “alguns professores ajudavam e outros não”. Esta percentagem denota um grande descontentamento com a atitude da maioria dos professores, com 36% a afirmar que estes aparentavam piorar a situação dos alunos.
A quinta questão procurou entender a opinião dos alunos relativamente à influência da pandemia nas diferenças experienciadas. Das respostas inequívocas, 89% considerou que a situação pandémica contribuiu para as diferenças sentidas, nas quais 64% foram mudanças negativas. As principais queixas apresentadas foram a desorganização das atividades letivas (42%) e conversão de atividades presenciais em online (32%). Para os alunos que referiram
Tabela 1 - Questões colocadas no formulário enviado aos alunos e quantidade que foi diferenças positivas, toutilizada como dado estatístico (considerada como inequívoca). dos estes consideraram que tiveram mais tempo para estudar, mas apenas 66% destes estavam minimamente satisfeitos com o seu desempenho académico. Por fim, a última questão pretendeu conhecer o nível de motivação dos alunos para o futuro e se já teriam, em algum ponto, ponderado desistir do curso. 55% dos alunos confirmaram ter pensado desistir anteriormente, tendo sido um pensamento recorrente para 58%. Por outro lado, 56% dos alunos sente-se motivado para o futuro e 60% destes pensou em desistir. A partir das respostas obtidas é possível verificar uma sensação de fadiga nos estudantes, mas com otimismo para o futuro. A vontade de ser médico e/ou de poder ajudar pessoas no futuro permanece a força motriz de muitos alunos. Apesar disto, foram levantadas preocupações pelos alunos; em 88% aqueles que as expressaram, estas eram razões associadas à vontade de desistir. Passarei a enumerá-las: a sensação de que não serão bons profissionais, de estarem mal preparados, a pressão da carga laboral e a fraca valorização pela FCS. Os alunos demonstram um grande descontentamento para com a organização do 3º ano e para com os professores. O facto de mais de um quarto dos alunos que responderam ao formulário acreditarem que os professores pioraram a sua situação letiva é alarmante e deveria ser algo a refletir por parte dos mesmos. O cansaço relatado aparenta ser devido a falhas de organização e insatisfação para com o método aplicado às aulas, mais do que por falta de interesse dos alunos. Devido à falta de confirmação do real conhecimento de cada um dos alunos inquiridos relativamente à síndrome de burnout, é difícil
determinar se a percentagem obtida é realista. Apesar de tudo, permite compreender o grau de cansaço e descontentamento dos mesmos para com a FCS e o seu próprio desempenho.
Este artigo encontra-se aquém de um estudo formal acerca da temática-alvo, mas permite dar a conhecer a realidade dos alunos do 3º ano de 2020/2021 e chamar à atenção para a necessidade de ouvir as queixas dos alunos de forma a melhorar o seu ensino. A vontade de ser mais e melhor é aparente, no entanto não parece ser cultivada.
É imperativo continuar com estudos científicos sobre a prevalência desta síndrome no corpo estudantil em geral, não só do curso de Medicina, e alertar para situações que requerem soluções urgentes. Da mesma forma se apela para a participação de todos os alunos em estudos a decorrer e em futuros, em especial naqueles inseridos na realização de dissertações. É a partir deste tipo de iniciativas que se poderá ambicionar por um futuro melhor para todos os alunos na Educação Superior.
Bibliografia
1. WHO. ICD-11 for Mortality and Morbidity Statistics [Internet]. 2021. Available from: https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http://id.who.int/icd/entity/129180281 2. Afonso P. O Impacto da Pandemia COVID-19 na Saúde Mental. Acta Med Port [Internet]. 2020 May 4;33(5):356. Available from: https://actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/13877 3. Associação Nacional de Estudantes de Medicina. Burnout Buddy: Conhecimento dos Estudantes de Medicina acerca do Síndrome de Burnout e das ferramentas de apoio psicológico disponível nas diferentes Escolas Médicas. 2021. 4. https://icd.who.int/browse11/l-m/en#/http://id.who.int/ icd/entity/129180281 5.https://actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/ amp/article/view/13877/5925