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Carreiras paralelas: Medicina e
CARREIRAS PARALELAS
MEDICINA E INVESTIGAÇÃO
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Entrevista de Sara Gomes
Entrevista ao Dr. Manuel Lemos, médico especialista em endocrinologia, investigador na área das causas genéticas das doenças endócrinas e professor de endocrinologia na Faculdade de ciências da saúde - ubi
“Caro Dr. Manuel Lemos, agradecemos desde já a sua disponibilidade para responder às nossas questões e contribuir, desta forma, para a edição da Revista Diagnóstico que vai ao encontro dos temas mais apreciados pelos estudantes de Medicina.”
Como foi o seu percurso profissional até ao momento?
Antes de mais, queria agradecer o convite e dizer que é sempre um prazer para mim partilhar a minha experiência com os estudantes. Eu comecei a minha formação académica na Universidade de Coimbra. Foi lá que fiz a minha licenciatura em Medicina. Nessa altura não havia mestrado integrado, o curso era de 6 anos e quem queria fazer mestrado, tinha de o fazer depois. Fiz o meu internato de especialidade em Endocrinologia nos Hospitais da Universidade de Coimbra. Foi um período de formação intenso, sobretudo porque me envolvi em múltiplos projetos de investigação, tendo realizado em paralelo um mestrado em Biologia Celular. Para além da formação clínica, no final do internato já tinha acumulado bastante experiência de investigação e publicado vários trabalhos em revistas científicas internacionais. Depois de concluída a minha especialidade em Endocrinologia em Coimbra, decidi aprofundar a minha formação fazendo um doutoramento. Optei por concorrer à Universidade de Oxford porque havia um grupo de investigação em endocrinologia molecular que trabalhava em áreas que me interessavam.
Não foi difícil ser aceite, uma vez que já tinha experiência de investigação e isto foi muito valorizado pela instituição. Candidatei-me com sucesso a uma bolsa da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), o que me assegurou o financiamento necessário, e parti para Oxford. Foram anos muito interessantes em que pude desenvolver investigação de ponta e aprender com investigadores mundialmente conhecidos na área da Endocrinologia. Foi um período muito exigente, mas eu aprecio a exigência e gosto de testar os limites da minha capacidade, e por isso senti-me muito bem neste papel de estudante de doutoramento e completei com sucesso a minha tese de doutoramento na área da genética dos tumores endócrinos. No final do doutoramento, passei por um período de indecisão, pois havia várias opções, entre continuar em Oxford, voltar para Coimbra, ou procurar outra instituição. Entretanto, tomei conhecimento que havia uma nova faculdade de Medicina no país. Isto despertou-me a atenção, porque tinha um modelo diferente das restantes e pareceu-me livre de alguns vícios de funcionamento que afetavam algumas das faculdades mais antigas do país. Vi nela um grande potencial de crescimento e um local onde provavelmente o meu contributo poderia ser mais significativo. Isto, em combinação com alguns fatores de ordem pessoal e familiar, dado que, entretanto, casara-me e a decisão passou a ser partilhada, levou-me a experimentar a UBI. É caso para dizer que experimentei, gostei e fiquei… Até ver, estou satisfeito e não pretendo sair. área da genética e fui muito bom aluno na disciplina de Genética Médica no 2º ano do curso. Penso que isso captou a atenção do meu professor de genética na altura, que me convidou para passar algum tempo no laboratório. Aos poucos, fui sendo envolvido em pequenos projetos de investigação nesta área. Tudo isto no pouco tempo disponível que tinha, depois das aulas, estudo, avaliações, etc. Apesar das dificuldades, fui desenvolvendo algum trabalho ao longo do curso e consegui preparar assim as minhas primeiras publicações científicas em revistas internacionais. Tudo isto foi feito, claro, em regime de voluntariado. Assim que acabei o curso, fui contratado como monitor e depois como assistente convidado, da disciplina de Genética Médica. Foi aí que comecei também a dar aulas e descobri que isso era algo que me dava muito prazer. Ao início era uma situação um pouco estranha para mim, porque os alunos eram apenas um pouco mais novos do que eu, mas talvez por isso, o relacionamento era fácil. Desde então, a investigação tem sido parte integrante da minha atividade profissional, a par com o ensino universitário e com a atividade clínica.
Quando é que se começou a sentir atraído pela Investigação? Era já uma parte que tinha importância para si enquanto estudante de medicina ou foi desenvolvendo ao longo “A investigação ajuda a desenvolver a capacidade analítica e a estar próximo da geração de conhecimento, que pode ser útil na prática clínica e no ensino.” da profissão?
Na verdade, comecei muito cedo, ainda enquanto estudante de Medicina. Foi no final do 2º ano do curso. Sempre gostei muito da
Como consegue gerir, na sua vida, os diferentes papéis que tem como médico e investigador, sendo as duas profissões tão trabalhosas e exigentes?
Tem razão, são de facto profissões exigentes. Ainda mais quando se adiciona a vertente de ensino. Mas os médicos que optam pela carreira académica, já estão preparados para este desafio. Sabem que têm esta missão tripartida e que terão de equilibrar bem as atividades de médico, investigador e professor. Não é fácil, mas quando se gosta do que se faz, conseguese atingir esse equilíbrio. Aliás, penso que cada uma destas atividades reforça as restantes. Por um lado, a investigação ajuda a desenvolver a capacidade analítica e a estar próximo da
geração de conhecimento, que pode ser útil na prática clínica e no ensino. Por outro lado, a prática clínica permite uma proximidade aos doentes e uma melhor compreensão dos problemas que precisam de ser investigados, e a experiência necessária para que possa ser útil para o ensino médico. Por último, o ensino, particularmente quando envolve alunos motivados e exigentes, obriga a uma atualização constante de conhecimentos por parte do docente, e isso também ajuda a melhorar a sua prática clínica e de investigação.
Acha que as escolas médicas deviam incluir componentes investigativas ao longo do curso de medicina? Ou seja, desde cedo suscitar o interesse dos alunos e ambientálos com esta prática?
Acho que sim. Esse contacto com a componente de investigação deveria ser incentivado desde cedo. Hoje em dia, já está prevista a possibilidade de a tese de mestrado ser sobre um trabalho de investigação, o que já é um avanço, pois na minha altura isto não existia. De qualquer forma, a maioria dos alunos deixa o trabalho de tese para já perto do final do curso e isso acaba por limitar o que pode fazer em termos de trabalho de investigação. Um contacto mais precoce com as metodologias de investigação poderá ajudar o aluno a perceber se tem realmente vocação para a investigação e a integrar projetos de investigação, que poderão resultar mais tarde na sua tese de mestrado. Mas, independentemente de poder ser útil para a sua tese de mestrado, o treino em investigação será sempre fundamental para as restantes etapas da sua carreira médica.
Considera fácil enveredar pela investigação clínica em Portugal?
Não é fácil. Sobretudo porque exige disponibilidade de tempo, que não sobra muito, depois de cumprir todas as obrigações associadas à atividade assistencial nas unidades de saúde. A investigação clínica ainda não é suficientemente valorizada pelas unidades de saúde, pelo que estas raramente permitem que o médico desenvolva investigação dentro do seu horário de trabalho. O resultado prático é que muitos médicos acabam por desenvolver a sua atividade de investigação fora do seu horário normal de trabalho, ou abdicam de a fazer por completo. Penso que isto terá que mudar no futuro e as instituições terão que perceber que o apoio às atividades de investigação é também uma forma de melhorar os cuidados de saúde prestados à população.
Quais os conselhos mais importantes que pode dar aos estudantes de Medicina que têm também interesse pela investigação?
Se o estudante tiver interesse pela investigação, isso já será muito bom. Existe o problema de haver muitos estudantes que nem sequer sabem se gostam de investigação, porque nunca tiveram a oportunidade de contactar com esta possibilidade. Mas, se realmente um estudante achar que tem essa vocação, ou se tem dúvidas e quiser experimentar, pode sempre contactar um professor da sua área de interesse, para ver quais são as possibilidades. Vejam por exemplo as áreas de investigação do CICS na vossa faculdade. Claro que também existem estágios curtos organizados pelas associações de estudantes, e estas modalidades podem ser exploradas. Mas não há mal nenhum em abordar os investigadores diretamente. A capacidade de iniciativa do estudante provavelmente até será valorizada pela maioria dos investigadores. Peçam um período de estágio observacional e depois decidam se querem investir mais tempo. Mas cuidado… a investigação pode criar dependência e, quando derem por isso, estarão a dedicar noites e fins de semana à ciência...
Muito obrigada pela participação e pelo seu testemunho!