5 minute read

Uso medicinal de canábis em Portugal

Next Article
Cartoon

Cartoon

Texto de Rodrigo Martins

Revisão científica de Dr. Rúben Catarino

Advertisement

ACannabis Sativa L. é uma planta constituída por centenas de compostos químicos, entre eles os canabinóides, sendo os mais comuns o delta9tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) (1). Atualmente, em Portugal, o seu cultivo e comercialização para fins medicinais é legal, e obedece a regras estipuladas pelo Infarmed. A principal espécie usada é a Cannabis Sativa L. e, atualmente, esta é a única a ser plantada e comercializada em Portugal (2).

O THC e CBD têm algumas propriedades em comum, como o seu efeito analgésico, anti-convulsivante, anti-emético e antiinflamatório. O THC, ao contrário do CBD, tem a particularidade de ter um elevado potencial psicoativo, atuando sobre o sistema nervoso central, e afetando os processos mentais, perceções, emoções e comportamentos de quem o consome (1). O CBD é ainda um poderoso ansiolítico, imuno-depressor e inclui importantes propriedades neuroprotetoras e anti-oxidantes (1).

A Lei n.º 33/2018, estabeleceu um quadro legal para a utilização de medicamentos, preparações e substâncias à base da planta de canábis para fins medicinais, nomeadamente a sua prescrição e dispensa em farmácias (4). De acordo com o Decreto-Lei n.º 8/2019, atendendo às caraterísticas dos produtos à base de canábis, a prescrição destes encontra-se limitada a um conjunto restrito de patologias em que a terapêutica convencional para os mesmos seja ineficaz ou produza efeitos adversos (4): a) Espasticidade associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula; b) Náuseas, vómitos (resultantes da quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e medicação para hepatite C); c) Estimulação do apetite de doentes em cuidados paliativos decorrentes de tratamentos oncológicos ou doentes com SIDA; d) Dor crónica (associada a doenças oncológicas ou do sistema nervoso, como por exemplo na dor neuropática causada por lesão de um nervo, dor do membro fantasma, nevralgia do trigémio ou após herpes zoster); e) Síndrome de Gilles de la Tourette; f) Epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância, tais como a síndrome de Dravete Lennox-Gastaut; g) Glaucoma resistente à terapêutica.

A canábis pode ser administrada de várias formas. Atualmente, em Portugal, as terapêuticas canabinóides podem ser apresentadas sob a forma de flor seca ou de solução bucal (2). A administração da primeira ocorre pela via inalatória após vaporização com recurso a um dispositivo médico devidamente aprovado para o efeito, e proporcionando um rápido alívio dos sintomas alvo (5). Caracteriza-se por ser até à data, a primeira e única substância àbase da planta da canábis para fins medicinais a obter uma Autorização de colocação no mercado (ACM) por parte do Infarmed. Relativamente à solução oral, “Sativex®” obteve a sua Autorização de Introdução no Mercado (AIM) em 2012, e é o único medicamento à base da planta de canábis aprovado em Portugal. Este é um spray para aplicação na mucosa oral (6) que, atualmente, tem a limitação de apenas estar contemplado aos utentes que sofrem de

espasticidade associada à esclerose múltipla (3).

O acesso às terapêuticas descritas apresenta muitos obstáculos. Para além da falta de literacia por parte de alguns médicos acerca destas novas formas de tratamento, existe um elevado estigma em torno do seu uso na sociedade (7). Para agravar esta problemática, estas preparações têm um elevado custo para o utente. Uma embalagem de “Sativex®” tem um preço de venda ao público de 475,27 euros com comparticipação de 37% (6), enquanto que uma embalagem de “Tilray Flor Seca THC 18” custam 150 euros com comparticipação de 0% (5).

A prescrição destes fármacos exige uma abordagem multidisciplinar entre médicos e farmacêuticos. O primeiro passo requer a justificação do seu uso a partir da condição médica do utente, já que esta apenas deve ser aconselhada quando as terapêuticas convencionais não são eficazes. Deve ser analisada qual a melhor forma de administração para o utente, que no caso de Portugal se encontra reduzida a duas opções (2). Dependendo da via de administração para o utente existem variações quanto à quantidade de canabinóides que serão absorvidos, o tempo até surgirem efeitos, assim como a duração destes (1). Quer o “Sativex®” quer o Tilray Flor Seca THC18 são sujeitos a receita médica obrigatória e de venda exclusiva em farmácia. Cabe ao médico assistente decidir sobre a sua utilização, e qual a dosagem e esquema de administração adequado (2).

Por fim, é de salientar que é importante que as decisões quanto à utilização de canábis para uso medicinal sejam feitas com base em evidência científica atual e desprovida do estigma muitas vezes associado a ela (7), pois este nunca deve sobrepor os interesses dos utentes que dela podem beneficiar (8). Para além disso, é importante a comparticipação destas terapêuticas para desincentivar o recurso a circuitos menos controlados e mais baratos, nos quais não existem garantias de segurança ou qualidade (8). Assim, dado os diversos efeitos terapêuticos da canábis, deve ser facilitado o seu acesso aos visados, assim como a expansão da sua área de ação a todas as condições clínicas cuja investigação científica demonstre ter uma eficácia aceitável no seu tratamento.

Referências bibliográficas

1. Canábis Medicinal [Internet]. OPCM: Observatório Português de Cánabis Medicinal. Available from: https://opcm.pt/canabis-medicinal/ 2. Canábis para fins medicinais [Internet]. INFARMED: Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde. Available from: https://www.infarmed.pt/web/ infarmed/canabis-medicinal 3. Canábis Medicinal Aprovada [Internet]. OPCM: Observatório Português de Cánabis Medicinal. Available from: https://opcm.pt/canabis-medicinal-aprovada/ 4. Decreto-Lei n.o 8/2019 - Diário da República n.o 10/2019, Série I de 2019-01-15. Presidência do Conselho de Ministros. [Internet]. Available from: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/8/2019/01/15/p/dre/pt/html 5. Detalhes do Medicamento: Tilray Flor Seca THC 18 [Internet]. INFOMED: Base de dados de medicamentos de uso humano. Available from: https://extranet.infarmed.pt/INFOMED-fo/detalhes-medicamento. xhtml 6. Detalhes do Medicamento: Sativex [Internet]. INFOMED: Base de dados de medicamentos de uso humano. Available from: https://extranet.infarmed.pt/ INFOMED-fo/detalhes-medicamento.xhtml 7. Melnikov S, Aboav A, Shalom E, Phriedman S, Khalaila K. The effect of attitudes, subjective norms and stigma on health-care providers’ intention to recommend medicinal cannabis to patients. Int J Nurs Pract [Internet]. 2021 Feb;27(1):e12836. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ijn.12836 8. Ribeiro S. Estigma, literacia e evidência científica não andam de mãos dadas [Internet]. Observador. [cited 2021 May 22]. Available from: https://observador. pt/opiniao/estigma-literacia-e-evidencia-cientifica-nao-andam-de-maos-dadas/

This article is from: