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CAPA. A arquitetura da paisagem

ARQUITETANDO A PAISAGEM

A EXPERIÊNCIA MODERNISTA DE BURLE MARX REVELOU AO BRASIL O POTENCIAL E A EXUBERÂNCIA DE SUA FLORA TROPICAL. SÍTIO DO PAISAGISTA PASSA A INTEGRAR LISTA DE PATRIMÔNIO MUNDIAL DA UNESCO

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EEnquanto o mundo repercutia a tradição clássica dos jardins europeus, Roberto Burle Marx se conectava, em plenos anos 1930, ao tropicalismo vibrante da flora brasileira, Deu de ombros às convenções e transportou o paisagismo para a lógica das artes plásticas. Textura, cor, volume e sombras moldavam a vegetação, enquanto transformavam o espaço. Com força, personalidade, atrevimento e sensualidade, o paisagismo nacional de Burle Marx foi e ainda é revolucionário. Ele se adiantou ao criar nos jardins as curvas que, mais tarde, marcariam o modernismo de Oscar Niemeyer na arquitetura. Era, afinal, um vanguardista.

Foi precursor na defesa da preservação do meio ambiente e sustentabilidade, muito antes do tema virar moda. Burle Marx fez excursões e expedições para estudar a relação entre diferentes grupos de plantas e conhecer mais sobre a nossa flora tropical. Nesses passeios ele descobriu várias novas espécies e pelo menos 30 plantas levam seu nome.

Em 1949, ele e o irmão Guilherme Siegfried adquiriram o Sítio Santo Antônio da Bica, que viria a se tornar o Sítio Burle Marx. O paisagista transformou o local em seu jardim botânico particular e um “laboratório” de experiências em paisagismo que deu origem ao moderno jardim tropical. Agora, o sítio, que se destaca pela vegetação nativa, formada principalmente por manguezal, restinga e Mata Atlântica, acaba de ser incluído na lista de Patrimônio Mundial da Unesco, na categoria paisagem cultural.

Localizado em Barra de Guaratiba, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, o espaço de 407 mil m² de área florestal abriga uma das maiores coleções de plantas tropicais e subtropicais do mundo, com mais de 3.500 espécies, algumas ameaçadas de extinção ou já desaparecidas em seus países de origem, e muitas raras ou exóticas.

A propriedade conta com vários jardins, viveiros, sete edificações e seis lagos, Abriga também um acervo museológico de mais de 3 mil itens, com coleções de arte cusquenha, pré-colombiana, sacra e popular brasileira, além da coleção de obras do próprio Burle Marx. Em 1985, o paisagista doou o sítio ao governo federal com o objetivo de assegurar a continuidade das pesquisas, a disseminação

do conhecimento e o compartilhamento do espaço com a sociedade. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) passou a gerir o local a partir de 1994, após a morte do paisagista.

Com milhares de projetos espalhados pelo mundo, Burle Marx concebeu paisagens de destaque no país, como os jardins do Complexo da Pampulha (1942), em Belo Horizonte, o jardim do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1954), o paisagismo do Aterro do Flamengo (1961), os jardins da sede da Unesco, em Paris, e o famoso traçado do calçadão de Copacabana, em 1970, entre outras.

SUSTENTABILIDADE E PAISAGISMO

Para outro modernista, o arquiteto e paisagista Orlando Busarello, que assina obras emblemáticas em Curitiba, a arquitetura paisagística projeta os espaços onde se modela a paisagem, seu meio ambiente físico, os ecossistemas das cidades e as áreas naturais, em um contexto que pode ser social, cultural, ambiental ou histórico. “O projeto da paisagem associa arte e ciência para criar lugares. Arte pelas formas, cores, texturas dos elementos construídos e da vegetação. Ciência na compreensão dos ecossistemas que compõem o espaço, através de disciplinas como geotecnia, topografia, hidrologia, climatologia, ecologia e botânica”, explica ele, que revela ter sido inspirado por Burle Marx e por Rosa Grena Kliass na escolha da formação acadêmica pela arquitetura da paisagem.

A arquitetura paisagística não trata só de criar espaços artísticos, é preciso criar áreas para usar e viver. “Nossos projetos, na composição de ambientes e espaços de uso e contemplação, têm algumas características que quase sempre estão presentes: um certo minimalismo no uso da vegetação e materiais, geometria de linhas retas e curvas, simetria, ordem e simplicidade”, comenta o arquiteto.

“Arquitetura e paisagismo são disciplinas intrinsecamente conectadas, tanto na concepção de uma edificação quanto na arquitetura de uma paisagem. Os aspectos estruturadores dos projetos são as características naturais e antrópicas do terreno e seu entorno. Cada terreno é único e o manejo adequado dessas características podem tornar o trabalho criativo mais comprometido com a sustentabilidade. Equilibrar áreas permeáveis e impermeáveis, usando vegetação nativa

e pisos drenantes, sempre que possível, reduzem os impactos sobre o meio ambiente, reduzindo o uso complementar de nutrientes, defensivos químicos e irrigação”, comenta ele, enquanto cita espécies nativas do bioma mata atlântica, um dos mais ricos do planeta em biodiversidade, como ipês, jacarandás, caesalpinaceae, tibouchinas, pitangueiras, gabirobeiras, jabuticabeiras, filodendros, monstera, para integrar propostas de paisagismo contemporâneo.

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