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O SOM DE SUKA FIGUEIREDO

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SUSPECT DEVICE

SUSPECT DEVICE

Por Fernando de Freitas

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Aprimeira vez que vi (e ouvi) Suka Figueiredo foi na peça Gota D’água [Preta]. A saxofonista faz parte da banda e do elenco da montagem assinada por Jé Oliveira e que foi tema de uma crítica publicada na Revista 440Hz. Dentre uma constelação de talentos que incluía Juçara Marçal, Suka participava altiva de seu papel de musicista e figurante, sendo impossível não notá-la sobre o palco. Também pudera, a montagem teve por objetivo expor questões do protagonismo negro, e Suka, mesmo figurante, tem a postura artística de uma protagonista.

É nas rédeas de seu próprio protagonismo que Suka apresenta “Caminho de mármore”, um tema que conversa com sua formação íntima de musicista e com o imaginário instrumental que permeia a construção de um percurso de composição de quem, provavelmente, segue no encalço de uma melodia que ressoa nos limites do seu subconsciente, que a tradução para o instrumento gera variações infinitas das mais diversas cores e tonalidades.

O caminho de Suka é único e sem clichês. A (ex-)bancária carioca, logo após se mudar para São Paulo, se apaixonou pelo saxofone durante uma apresentação do Jazz na Kombi no bairro do Butantã. O arrebatamento pelo som do instrumento foi tamanho que foi atrás de aprender a tocar. Encontrou aulas gratuitas e foi percorrendo as possibilidades que lhe apareciam até conseguir sua vaga no conservatório.

ALTA FIDELIDADE

Suka é uma artista metódica e atenta aos detalhes. Segue repetindo a posição de Xenia França, segundo a qual “onde não tem espaço para mim, eu abro o espaço”. É com essa postura que encara o desafio de firmar seu lugar no ambiente da música instrumental e, mais especificamente, dentro do time dos metais, região dominada por homens, em sua grande maioria com anos de estudos bancados por seus privilégios sociais de brancos. É um ato político que Suka propõe cada vez que sobe em um palco armada de seu saxofone ou quando coloca sua marca em uma gravação.

Ao imprimir sua própria personalidade em composições, a saxofonista usou as tintas da diversidade, deixando-se influenciar por todo som que ama, mas que fazem de suas pegadas um registro único. As frases rítmicas refletidas sobre os estudos de Astor Piazzolla e Moacir Santos se destacam, sem deixar esquecer que existe um tanto de bossa que ressoa Jobim e Baden-Powell. Colocada lado a lado com a Silibrina ou Bixiga 70, é fácil perceber que Suka está também conectada com seu tempo.

A compositora recomenda que se ouça a gravação em alta fidelidade nas plataformas de streaming, em boas caixas ou com um bom fone de ouvido. A recomendação advém da própria experiência: “no dia em que a música foi lançada, acabou a luz em casa. Peguei o carro para carregar o celular e ouvir”, e foi assim que ela ouviu, pela primeira vez, sua música lançada. Suka não sabia que seu celular estava programado para tocar a música em economia de dados, ou seja, com a definição baixa, o que, combinado com as limitações de áudio do telefone, a fez ter o sentimento de ver seu trabalho destruído. Passado o susto, ouviu novamente em alta definição, e o alívio se transformou em alegria.

A gravação inicia com o som do acordeom com frases de tango, envolto de ruído e chiado. Não é a estética low-fi, mas uma homenagem às gravações anteriores aos suportes analógicos. Homenagem que serve como declaração, Suka não esconde de onde alimenta sua música, é agradecendo à suas referências que ela inicia Caminho de Mármore.

A transição para o tema tocado pela banda é feita pela bateria. Nesta ponte entra o baixo que passeia entre o balanço e o groove, ou seja, em levadas que variam entre a sonoridade dos ritmos afro-brasileiros com o soul americano. É nesta base que Suka para a lançar os desafios no flauta e saxofone.

Em sucessivas frase e comentários, a variação melódica usa e abusa do jogo de ponto e contraponto. Em intensidade crescente, o caminho parece desenhar um movimento em que a própria música passa a alimentar os instrumentistas e dar a eles a energia da superação.

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