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SUSPECT DEVICE

Por Henrike Baliú

ANOS 50

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Johnny Cash “Original Sun Singles ’55-‘58” (LP) duplo & “The Outtakes” (CD box set)

Fico imaginando a cidade de Memphis, no estado de Tennessee no sul dos Estados Unidos, por volta de 1954. Elvis, um garoto motorista de caminhão, entrando pelas portas do pequeno e modesto estúdio da Sun Records do Sam Phillips, gravando o compacto que começaria uma revolução musical. Por aquelas portas ainda passariam Carl Perkins, Jerry Lee Lewis, Roy Orbison, Billy Riley, Johnny Cash, e tantos outros. O Man in Black ainda não tinha ganhado esse apelido, era um vendedor, muito ruim por sinal, que oferecia aspiradores de pó de porta em porta, que tocava com sua banda tecnicamente limitada, a Tennessee Two. A limitação virou um ponto positivo, pois a banda criou um som único, característico, e o trio gravou clássico após clássico entre 1955 e 1958, todos lançados em quatorze singles de sete polegadas. Essas 28 pérolas estão presentes no LP duplo de 180 gramas do selo americano Sundazed, impecavelmente remasterizadas. Infelizmente, algumas músicas, consideradas cruas demais, foram “embelezadas” por instrumentos adicionais e backing vocals após as gravações. Mas se você quiser testemunhar essas músicas em toda sua glória, da maneira que foram originalmente gravadas no estúdio da Sun Records, com todos os takes existentes, conversas entre os músicos e incríveis versões inéditas, então pegue o box set The Outtakes, lançado pelo selo alemão Bear Family Records. São três CDs com tudo que existe do material gravado por Johnny Cash na Sun. Escutar esses CDs com o fone de ouvido e um copo de whiskey na mão, é uma experiência sonora mágica, que te leva para o cantinho do estúdio. E sentado no chão, pra não atrapalhar, você observa enquanto Cash e o Tennessee Two erram, começam de novo, e vão lapidando as músicas que hoje são consideradas não só clássicos do rock’‘n’roll e do country, mas clássicos da música americana. O box set ainda conta com um livreto de mais de 100 páginas, com fotos e informações técnicas. Dois lançamentos essenciais para entender as raízes desse gigante, que gravaria até sua morte, aos 71 anos de idade.

ANOS 60

ELVIS “The International Hotel August 26, 1969” (LP duplo)

Quando avisaram John Lennon da morte de Elvis, em 1977, ele disse: “Elvis morreu quando entrou para o exército”. Entre 1958 e 1960, o maior fenômeno musical que o mundo já tinha visto serviu o exército americano em um batalhão de tanques de guerra na Alemanha. De volta aos Estados Unidos, não pisou mais em um palco até 1969. Se você quisesse ver o Rei naquela época, você tinha que ir até o cinema mais próximo, comprar seu ingresso, uma pipoquinha, e assistir a algum dos seus mais de trinta filmes, que, convenhamos, não são lá essas coisas (salvo um ou outro, tipo “Jailhouse Rock”), e olha que sou fã do cara. Então, imagina o frenesi quando foi anunciada a temporada de shows em Las Vegas, no luxuoso hotel cassino recém construído, o The International. Era o evento do final da década. Os ingressos esgotaram. Todos queriam testemunhar a volta do Rei aos palcos. E quem o fez, jamais esqueceu. Elvis estava espetacular, em plena forma, com uma banda ensaiadíssima. Sua gravadora, a RCA, gravou alguns desses shows e aqui temos um deles completo! É aquela coisa, como diz o ditado, “quem não gosta de Elvis, bom sujeito não é”. John Lennon estava redondamente enganado, Elvis em Las Vegas, no verão de 1969 estava mais vivo do que nunca, ele era uma explosão de energia, provando para si mesmo e para o mundo, que o Rei do rock‘n’roll estava de volta para retomar sua coroa aos 34 anos de idade. Esse LP duplo, edição limitada em vinil amarelo e rosa, lançado em 2019 para comemorar os 50 anos desses shows antológicos, foi um lançamento exclusivo para a loja de Graceland, o eterno lar do Rei, mas você ainda encontra esse álbum em vinil preto. Vale a pena, Elvis é Elvis.

ANOS 70

Misfits “Static Age” (LP)

O que é uma heresia? É uma ideia ou ideologia rejeitada pela Igreja, tida como falsa. Por exemplo, alguns blasfemadores cometem o sacrilégio de apontar o proud boy Michale Graves como o melhor vocalista que a lendária banda punk americana Misfits já teve. Isso, meus amigos, é um belo exemplo de heresia. Que Danzig em sua infinita sabedoria os perdoe, pois eles não sabem o que dizem. Convenhamos, Misfits sem seu vocalista original, Glen Danzig, não é Misfits. É uma boa banda, mas não é o Misfits. Misfits é isso aqui, esse álbum (mal) gravado em 1978, mas que só viu a luz do crepúsculo em vinil dezenove anos depois. Punk rock em seu estado bruto, primal, violento, com letras inspiradas em filmes B, quadrinhos e serial

killers, mas com uma melodia matadora. Um clássico dos clássicos. Melhor que ele, talvez o LP Walk Among Us, de 1981. Talvez. Hinos macabros como Hybrid Moments, Some Kinda Hate, Last Caress, Angelfuck, Bullet e Attitude” fazem desse LP mais do que um item crucial na coleção. Isso aqui é a bíblia negra do punk rock. We are 138! Amém.

The Carpettes “Frustration Paradise” & “Fight Among Yourselves” (LPs)

Sou aquele cara que julga um disco pela capa. Se eu não conheço a banda, mas a capa é foda, eu até dou uma escutada nos primeiros segundos da faixa de abertura. Se a capa é horrível e nunca ouvi falar da banda, nem tenho vontade de escutar o disco. Sempre achei a capa uma peça importantíssima para a apresentação de um disco, mesmo atualmente, no vasto mundo digital. Muitos anos atrás, no auge dos CDs, a loja FNAC de Pinheiros, em São Paulo, que hoje não existe mais, fez uma liquidação histórica de CDs importados. Eles tinham centenas de títulos de punk rock, sério, era muita coisa. Fui lá com um amigo e enchemos as malas, literalmente, de CDs da gravadora inglesa Captain Oi!, especializada em relançamentos de punk rock dos anos 70 e 80. Fui pegando sem olhar as capas, só porque eram da Captain Oi!, que eu sabia ser sinônimo de qualidade. Cada um por seis reais! Isso em uma época em que CD nacional de banda independente ruim era vendido nos shows a 10 reais. Devo ter comprado mais de 50 CDs naquela noite, tudo parcelado no cartão de crédito. Passei as semanas seguintes trancado no quarto escutando um por um. Deixei o de uma banda chamada The Carpettes por último porque, convenhamos, que nome ruim. E a capa do primeiro disco dos caras? Que coisa horrível, sem palavras. Coloquei o CD para tocar já pensando em quebre-lo no joelho na sequência, prática comum naqueles anos rebeldes. Começa a primeira música, até que é bacana, a segunda também é legalzinha, mas com a terceira, I Don’t Mean It, eles ganharam um fã. É daquelas que grudam na cabeça, um verdadeiro hit power pop. Escutei demais o CD e depois devo ter vendido ou trocado, ou algum pilantra roubou, porque fui procurar um tempo atrás e não o encontrei. Mas recentemente consegui os LPs originais, lançados pelo selo inglês Beggars Banquet. Frustration Paradise é de 1979, Fight Among Yourselves é do ano seguinte. Os dois discos são bons demais, não sei dizer qual é o melhor. Só não gosto muito quando o trio resolve descambar para o reggae. O Stiff Little Fingers e o The Clash fazem isso com maestria, mas o The Carpettes, sei lá, deviam ter seguido a fórmula mágica do power pop que eles dominavam tão bem em todas as faixas. Eles lançaram uma série de singles clássicos entre 1977 e 1980, depois sumiram. Voltaram em 2002 com um álbum decente, mas sem a magia daqueles primeiros anos. É uma banda que não tem o destaque que merece na história do punk rock. Seria pela capa horrível do primeiro LP? Mas se tem uma coisa que o The Carpettes tentou me ensinar é a não julgar um disco pela capa. Não funcionou, sou teimoso, continuo praticando esse ato preconceituoso.

ANOS 90

Johnny Cash “Unchained” (LP) e “Unchained The Outtakes” (CD)

Em 1994, um desacreditado Johnny Cash, esquecido pela grande indústria musical, assinou com o selo American Recordings, do jovem produtor Rick Rubin. Rick já tinha produzido os Beastie Boys, Slayer, Run D.M.C., Danzig e The Cult quando decidiu produzir o novo LP do veterano Cash. Gravaram um álbum, American Recordings, que superou qualquer expectativa e ainda levou o Grammy de melhor disco coun-

try em 1995. Já em 1996, veio o excelente Unchained. Um disco perfeito do começo ao fim. As gravações eram feitas na casa do Rick Rubin ou na cabana do Cash. Gravaram dezenas de músicas, mas só quatorze entraram no disco. Algumas inéditas acabaram sendo incluídas no excelente box set Unearthed, mas os fãs sabiam que existiam mais tesouros nos cofres da gravadora. Eis que o selo pirata, Cash Bootleg Series, entra em ação, arromba os cofres e presta um serviço, que não tem preço aos admiradores do Man in Black, lançando o CD Unchained The Outtakes. Faixas inéditas como Don’t Sell Daddy Any More Whiskey e I Changed The Locks, somadas às versões cruas de Mean Eyed Cat, Country Boy e I’ve Been Everywhere fazem desse disco um item crucial na coleção. O selo já conta com mais de cinquenta lançamentos em CD em seu catálogo. Você vê que quem está por trás do selo realmente ama Johnny Cash, pois é tudo extremamente bem feito. Olha, não vou ficar aqui discutindo se é certo ou errado um selo pirata lançar material inédito ou não. Mas se a gravadora não lança, alguém tem que lançar! Eu particularmente agradeço à existência do Cash Bootleg Series, o Robin Hood da pirataria musical.

LANÇAMENTOS

Danzig “Danzig Sings Elvis” (LP)

Glen Danzig teve composições suas gravadas por ninguém menos que o mestre Roy Orbison (a lindíssima Life Fades Away) e o eterno Johnny Cash (a sombria Thirteen). Pois bem, eu sabia que uma hora o homem conhecido como The Evil Elvis, iria gravar seu tributo ao Rei. A hora chegou, apesar de eu achar que Danzig deveria ter gravado esse álbum quando estava um pouco mais jovem, pois sua voz já perdeu parte da potência que tinha. Mesmo assim ele faz bonito, como na versão assustadoramente bela de First In Line ou na clássica Always On My Mind. Danzig Sings Elvis é um trabalho de amor, produzido pelo próprio Danzig. Sem uma produção sofisticada, parece que foi gravado no porão dele e, se bobear, foi mesmo. Não é um LP para animar festa, é um álbum para escutar deitado no chão da sala, com todas as luzes apagadas, de madrugada, bêbado, se lamentando pela mulher que você perdeu por ser um babaca. Muita gente não gostou, mas até aí tenho certeza de que Glen Danzig não gravou esse álbum pensando em agradar ninguém. Lançado no começo de 2020 pelo selo americano Cleopatra Records em diferentes versões, a minha é a primeira prensagem limitada à mil cópias, na cor rosa.

Tim Timebomb “Life’s For Livin’” (EP)

Quando ele era moleque e tocava na banda californiana de ska punk Operation Ivy, era conhecido pelo apelido de Lint. Depois usou seu nome de batismo, Tim Armstrong, quando montou a banda punk Rancid. Hoje é conhecido por Tim Timebomb. E com essa alcunha, gravou centenas de músicas, de versões de clássicos do punk e do rock a composições próprias. A maioria dessas gravações está disponível apenas digitalmente, mas para a alegria de colecionadores como eu, algumas foram eternizadas em vinil. No começo da pandemia do Covid 19, a Itália foi um dos países mais afetados pelo vírus. O selo italiano Wild Honey Records quis, de alguma forma, fazer a diferença. Se aliaram ao Tim e juntos lançaram esse EP maravilhoso. No lado A, a inédita Life’s For Livin”, onde se ouve apenas a voz rouca do Tim junto com um piano. No lado B, versões acústicas de It’s Quite Alright, do Rancid e da obra-prima do Bob Dylan, The Time’s They Are A-Changin’. Todo o lucro da venda foi

usado para ajudar na construção voluntária de hospitais de campanha de emergência na cidade italiana de Bergamo, devastada pelo vírus.

“Oi! This is Streetpunk 2020” (LP duplo)

Para “celebrar” esse ano bizarro, a Pirates Press Records e a LSM Vinyl prepararam algo especial, a coletânea Oi! This Is Streetpunk 2020, que conta com vinte bandas em um vinil dez polegadas duplo, com pôster. Tem Lion’s Law, da França; Fuerza Bruta, banda de Chicago que canta em espanhol com dois brasileiros mutantes na formação; Falcata, de Portugal; The Young Ones, da Holanda; Brassknuckle Boys, Bonecrusher e Hard Evidence, entre outros pesos pesados do street punk americano. Representando a América Latina, está a minha banda, Armada, com a inédita The Rebel Sound, um tributo aos canadenses do Forgotten Rebels.

Territories

Falando em Canadá, o Territories tem aqui três lançamentos interessantes. O mais recente, When the Day Is Done é um mini LP com seis músicas que seguem o estilo do álbum de estreia (que ficou na lista de melhores de 2018 de muita gente, incluindo a minha), punk melódico com letras incríveis. O Territories é aquela banda que gosto de colocar para tocar quando estou dirigindo nas estradas, música para viajar. No split single, eles são meio que ofuscados pelos também canadenses Vicious Cycles, que resolveram gravar um hino punk para esse sete polegadas, a fulminante Problem Officer, provavelmente uma das melhores músicas que escutei em 2020. Além do mini LP e do split single, o Territories soltou um single para a música Short Seller, que é um CD que toca na vitrola. A mídia do CD foi usada como base, uma película com as ranhuras (essencialmente ondas sonoras impressas) é aplicada na mídia, apenas de um lado. E pronto! Você tem um CD que toca na vitrola! E o mais legal é que a arte foi feita para imitar uma ficha de poker. Escute Territories já! Me agradeça depois.

The Slackers

Peculiar e Live at Ernerto’s foram originalmente lançados em CD pela Hellcat Records, selo do Tim Timebomb. Ganharam agora relançamentos deluxe em vinil pela Pirates Press Records. Live at Ernerto’s, que comemorou vinte anos em 2020, virou vinil duplo. Peculiar, de 2006, teve um tratamento diferenciado, ganhou um single com duas músicas inéditas encartado no LP, uma capa gatefold e um novo nome: More Peculiar. Confesso que só conhecia a banda nova iorquina de ska de nome, nunca tinha parado para escutar, mas gostei da capa do More Peculiar, então ele foi para a vitrola logo que chegou em casa. Por alguma razão, que o álcool explica, coloquei a agulha no lado B, na faixa I’d Rather Die Happy. Só violão e voz, uma letra simplesmente incrível e uma linda melodia me transformaram em fã em menos de dois minutos. Aí começou What Went Wrong e fiquei me perguntando por que nunca peguei um álbum deles para escutar antes. Como deixei esse disco passar batido? Que trabalho incrível! A música título é demais. Set The Girl Free é hit. Como esses caras não são milionários? Por que alguém não me mostrou essa banda antes? Ou será que mostraram, e eu, no

alto da minha arrogância punk, não dei bola por ser uma banda americana de ska? Não me lembro. Como é que eles não estão em alta rotação nas rádios? Ou talvez estejam, não ouço rádio. Para meu cérebro não fundir com tantas perguntas, abri mais uma cerveja e coloquei o Live at Ernerto’s na sequência. Gravado num boteco na Holanda! Como conseguiram um som tão bom nesse buraco na Holanda? Married Girl é outro hit. Por que os caras nunca tocaram no Rock in Rio? Chega de perguntas! Se como eu, você ficou dormindo até agora e nunca escutou essa banda, ainda há redenção. Ouça The Slackers já! E aproveita e pegue o espetacular single 12 com as inéditas Nobody’s Listening e Sleep Outside.

The Old Firm Casuals

Lars Frederiksen, guitarrista/vocalista do Rancid, assim como o Tim Ti-

meu amigo de cabeça raspada, é Oi! puro, do mais alto calibre. Em uma cena cheia de bandas genéricas, os The Young Ones se destacam. Minha favorita aqui talvez seja “B&G”. Mais um disco que entrou para a prateleira.

Se você acompanha a nova safra de bandas street punks, com certeza conhece os canadenses da Bishops Green. O que talvez você não saiba é que as origens da banda remontam à clássica Subway Thugs, que tinha Greg Huff, o frontman do Bishops Green, na voz e Mike Longshot, o poderoso chefão da LSM Vinyl, no baixo. The Good, The Bad and The Thugly traz a discografia completa em um álbum duplo, encarte com a história da banda e uma capa bem legal, estilo quadrinhos. Uma ótima escolha para fãs do Bishops Green ou para quem gosta de street punk sem muita produção.

Da costa oeste dos Estados Unidos vem os bovver boys da Suede Razors. Todos são veteranos de guerra da cena street punk californiana. O vocalista vem do Harrington Saints. O guitarrista tocou na excelente Hounds and Harlots e hoje está na Ultra Sect junto com o baterista. E o baixista é ninguém menos que o dono da LSM Vinyl. O sete polegadas com os hits The Bovver and the Glory e Crazy Paving, um cover da Billy Karloff Band, obscura banda punk 77 inglesa, foi lançado em 2019. Gosto de covers assim, que fogem do convencional e te fazem conhecer coisas “novas. O mini álbum Razor Stomp é de 2017. São seis músicas que soam como se o Slade encontrasse o Last Resort num pub em Londres, bebessem Guiness até serem expulsos do bar e fossem fazer uma jam session juntos em algum buraco fedendo a mofo. Minha cópia é assinada pela banda, obrigado Mike!

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