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A RUA DE CHICO CHICO

Por Fernando de Freitas

Alguns músicos são famosos desde a infância. Temos inúmeros exemplos de carreiras que começaram em função da precocidade musical. Mas Chico Chico era famoso por ser filho de Cassia Eller. Na época, ele era o Chicão, e lhe foi creditada uma mudança de rumos na carreira de Cassia. Faz parte da mitologia de Cassia. O que não foi mitológico, ainda que tomado por ares heroicos, foi a luta de sua outra mãe, Maria Eugênia, para manter sua guarda após a morte de Cássia.

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À época, a dupla maternidade era um tabu. Como muitas outras realidades sociais, as instituições e as autoridades fechavam os olhos. A Justiça era cega, surda e muda. Diante da fama de Cassia, abriu-se o debate público sobre o tema. Embora o processo nunca tenha chegado à sentença, abriu-se o caminho para que essa realidade fosse oficialmente reconhecida nos anos seguintes. Perguntado sobre o assunto, Chico afirma “tenho muito orgulho que minha história possa ter ajudado outras pessoas”.

O menino que crescia rodeado de música e instrumentos chegou a cursar Geografia, mas acabou se tornando músico. “Eu cresci com acesso a muitos instrumentos e discos”, conta deitado em sua rede, enquanto faz a videochamada com a Revista 440Hz. A conversa com o músico é solta, como se estivéssemos juntos em uma mesa de bar em Santa Tereza, no Rio de Janeiro, dividindo uma cerveja e aproveitando o fim da tarde no verão carioca. Música, cachorros e futebol fazem parte desse cenário.

SEMPRE BEM ACOMPANHADO

Chico é um cara de parcerias. O título de seu primeiro álbum, 2 x 0 Vargem Alta, acabou se tornando o nome da banda que o acompanhava. Embora tenha sido sua estreia, acabou sendo confundido com a estreia de uma banda da qual fazia parte. As parcerias se multiplicaram com participações de artistas como Ana Cañas, Tetê Espíndola, Pedro Luís, Posada, Troá! e Orquídeas do Brasil.

Mas a parceria com Fran rendeu o álbum Onde?, lançado em 2020. Fran já havia lançado o excelente álbum Raiz no mesmo ano e o encontro potencializou o talento de ambos. Chico Chico desenvolveu uma veia mais focada na canção, que contrasta com sua produção solo, trabalhada no estranhamento harmônico. Além do nome de batismo, Francisco, a dupla divide este sentimento de escolher a profissão de um familiar muito famoso, Fran é Fran Gil, neto de Gilberto Gil. Juntos, eles imprimem sua identidade própria na música. É claro que o timbre de voz de Cassia está presente na voz de Chico e que a virtuosidade no violão de Fran lembra a de seu avô. Mas o que resplandece entre eles é a possibilidade de ouvir produções autênticas no encontro de suas próprias identidades musicais, sem a preocupação de estar ou não à sombra de outra geração.

Sobre o timbre de voz, Chico sorri “não tem jeito, né? É minha mãe. É algo genético. Mas ela sabia cantar. Minha mãe estudou, do jeito dela, mas estudou. Eu não”. E explica: “minha música vem da minha necessidade de falar, tenho dificuldade de me considerar um músico, um compositor ou um cantor. Sou um falador”.

Com seu amigo de longa data João Mantuano, Chico lançou uma série de singles em 2020 e planeja um álbum para breve, para coroar essa relação. São composições pungentes, com certa dose de agressividade musical, combinadas com liberdade de experimentação. Não é propriamente uma música experimental ou conceitual, mas a despreocupação com determinadas “regras” da música popular. Os arranjos conversam diretamente e em função da proposição vocal, em especial na canção Pra Tua.

O próximo trabalho deve ser solo. E deve ser logo. Embora pareça que Chico não liga muito para a fama, ele diz que o que as pessoas veem é o jeito tranquilo dele. Na realidade, Chico está ansioso para colocar no mundo esses trabalhos.

Dono de dois cachorros e vascaíno, em algum momento pode aparecer com algum objeto com o símbolo do Atlético Mineiro. Sua mãe era atleticana fanática e colava o símbolo em tudo que possuía. Ela estará sempre lá, e Chico chega bem acompanhado, por ela e por muitos.

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