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O TESTE DO ÁCIDO DO REFRESCO ELÉTRICO Nos anos 1960, um famoso escritor reúne, sob sua liderança, um grupo extravagante, autodenominado Festivos Gozadores, que acreditava ter uma missão na terra - difundir o uso do LSD, ainda pouco conhecido, como instrumento para abrir as portas da mente. O psicodelismo, a rebeldia hippie, o idealismo da revolução cultural que marcou a segunda metade do século XX são descritos por Tom Wolfe, recriando através de uma linguagem alucinógena toda a vertigem daqueles anos. Publicado pela primeira vez em 1968, The Electric Kool-Aid Acid Test (O teste do ácido do refresco elétrico, na tradução brasileira), foi um dos livros que marcou o movimento do New Journalism e alavancou a carreira do então repórter Tom Wolfe. A obra foi escrita no calor dos acontecimentos, logo depois que Ken Kesey, o autor de Um estranho no Ninho, se torna um fugitivo da Justiça e parte para o México com seu grupo visionário. Wolfe sai à cata de uma boa história e depara com um retrato da época, com seu endeusamento das drogas e ruptura moral. O olho clínico de Tom Wolfe revela, por trás da aventura dos jovens revolucionários, a derrocada daquele idealismo quando obrigados a enfrentar o mundo real. Mas deixa transparecer uma dose de simpatia pelas fraquezas daqueles personagens, inebriados com a vida quando ainda não havia sido decretado que o sonho acabou.
VIDEODROME Em fevereiro de 1983 foi lançado o hoje cult de horror Videodrome. Dirigido por David Cronenberg, o filme traz a história de Max Renn (James Woods), dono de uma pequena emissora de televisão a cabo em Toronto, no Canadá. Enquanto está procurando material novo para um programa, ele descobre um suposto programa asiático chamado “Videodrome”, que reúne imagens de pessoas torturadas e mortas. Logo, ele descobre que o show é feito em Pittsburgh, nos EUA, e é muito mais do que apenas ficção. Trata-se de um experimento que usa a televisão para alterar permanentemente as percepções das pessoas, causando sérios danos no cérebro. Enquanto ele tenta descobrir a origem do sinal, mergulha em um camadas de mentiras, conspirações e lavagem cerebral. perdendo o contato com a realidade em uma série de alucinações.
Dito
“Acredito em igualdade para todos, exceto para repórteres e fotógrafos.” Mahatma Gandhi (1869 - 1948)
“Antigamente, os homens tinham a roda de tortura. Hoje, têm a imprensa.” Oscar Wilde (1854 - 1900)
“A verdadeira notícia é uma má notícia.” Marshall McLuhan (1911 - 1980)
REVISTA PRESS183
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SUMÁRIO
Sumário
Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN
RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RS CEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181
Textos: MARCELO BELEDELI
www.revistapress.com.br comercial@revistapress.com.br
Diretor-Geral JULIO RIBEIRO
Diagramação/ Arte Final ESPARTA PROPAGANDA Imagens: Fotografias da entrevista: Jefferson Bernardes/Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA
4 PRESS183
Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 99971 5805 com NELCI GUADAGNIN PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.
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Almanaque
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MIX
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Aquário
08
MIX
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Entrevista: Valter Nagelstein
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Opinião: Mário Rocha
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Matéria de Capa: Brasil sem o mesmo brilho
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Especial: The Post
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Grandes Nomes: Carlos Heitor Cony
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Galeria: O Carnaval da Manchete
MIX
Lucro do New York Times cresce com estratégia digital O jornal americano New York Times reportou
FOLHA ABANDONA O FACEBOOK O jornal Folha de S. Paulo deixou de publicar conteúdo no Facebook, após a maior rede social do mundo ter decidido reduzir a visibilidade do jornalismo profissional nas páginas de seus usuários. A Folha, com 5,95 milhões de seguidores no Facebook, disse que manteria sua página na rede social, mas sem atualizar com novas publicações. A mudança, segundo o jornal, reflete as discussões internas sobre os melhores caminhos para fazer com que o conteúdo do jornal chegue aos seus leitores. Contudo, a decisão anunciada pelo Facebook em janeiro, de mudar o filtro do News Feed para priorizar o que os amigos e familiares compartilham, tornaram mais evidente as desvantagens em utilizar a rede como um caminho de distribuição de conteúdo, disse a Folha. A mudança no algoritmo da rede social, segundo o jornal, “reforça a tendência do usuário a consumir cada vez mais conteúdo com o qual tem afinidade, favorecendo a criação de bolhas de opiniões e convicções, e propagação das ‘fake news’”. O jornal disse que os leitores poderão continuar compartilhando conteúdo da Folha em suas páginas pessoais da rede social.
um lucro anual de US$ 112,3 milhões em 2017, crescimento de 10,6% na comparação com o ano anterior. Boa parte do aumento reflete
estratégias do grupo focadas em assinaturas
pagas e publicidade digital. Até o final do ano passado, o jornal já tinha aproximadamente 2,6 milhões de assinaturas exclusivamente
digitais, crescimento de 46% na comparação
com 2016. A verba vinda de assinantes chegou a US$ 1 bilhão, correspondendo a 60% do
total de receitas — US$ 1,7 bilhão, que cresceu 8%. A receita de publicidade digital cresceu 14,1% no ano passado, chegando a US$ 238 milhões. No impresso, porém, continuou
enfrentando dificuldades, fechando com US$ 320 milhões e queda de 13,9% em relação a
2016. A receita total de publicidade caiu 3,8%, fechando 2017 com US$ 558,5 milhões.
YOUTUBE TOMA MEDIDAS CONTRA FAKE NEWS A plataforma de vídeo online YouTube anunciou que começará a adotar novas medidas para combater a distribuição de notícias falsas na Internet, como o Facebook. Segundo a empresa controlada pela Google, vídeos que forem postados na plataforma, provenientes de meios de comunicação financiados por governos, estamparão um rótulo próprio. Além de destacar os vídeos que receberam algum tipo de financiamento (governamental ou público), a empresa pretende incluir links para artigos da Wikipédia sobre cada emissora. O objetivo é ajudar os espectadores a conhecerem as fontes das notícias - e entender o contexto da publicação.
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AQUÁRIO
O passado que nos eterniza
Estou completando 30 anos de jornalismo e lembro de como eram as coisas no início da minha carreira. O sétimo filho de uma ninhada de oito do seu Alcebíades e a dona Maria era o primeiro a chegar à universidade (pública) e o primeiro a obter um diploma superior. O mundo era um mapa a ser esquadrinhado. Jornalismo sempre foi a minha meta de vida. Nos anos 80, quando me formei, a profissão, o mercado de trabalho e a realidade da imprensa era outra, completamente diferente do que temos hoje. Vivíamos, ainda, o reinado dos grandes jornalões, das rádios tradicionais, do telejornalismo hegemônico da Globo, de algumas poucas revistas locais e, claro, sem o universo todo da internet, que viria a explodir somente na década seguinte. As referencias locais para os profissionais de imprensa da época eram Zero Hora e Correio do Povo, este tendo que se reinventar após a grave crise da Companhia Caldas Jr., que culminou com a sua venda para o empresário Renato Ribeiro. Zero Hora dominical chegava a circular com mais de 300 páginas, dois terços disso eram de anúncios classificados. Em nível nacional, as referências eram a Folha de S. Paulo, o Esta-
dão, O Globo, Gazeta Mercantil e o Jornal do Brasil. Os três primeiros remanesceram, ainda que com números de circulação e faturamento muito inferiores aos de três décadas passadas. A Gazeta fechou. O JB ainda buscou uma recuperação, ao ser vendido pelos Nascimento Brito para o empresário Nelson Tanure, que tentou de tudo um pouco para reativar o título, até mesmo o formato tablóide. Em 2010, foi anunciado o fim da edição impressa. Pois agora, depois de ser adquirido pelo empresário Omar Resende Peres Filho, o JB voltou a circular impresso, apenas no Rio de Janeiro. Isso me faz pensar sobre a necessidade que temos de manter o passado vivo, como testemunha de épocas que vivemos, como que a avalizar os bons tempos. Eu mesmo coleciono um monte de coisas antigas, como uma tevê portátil, preto e branco, do mesmo modelo que eu consertava quando trabalhava como técnico da Philco; alguns tipos móveis em madeira, do tempo em que fui tipógrafo, na adolescência, em minha cidade natal; e exemplares de vários jornais e revistas em que publiquei artigos ao longo dessas três dezenas de anos desde a minha formatura na Fabico-UFRGS. Essas coisas servem como marcadores da nossa história, como âncoras que lançamos sobre nosso passado para lembrar quem somos e de onde viemos — o "para onde vamos" é bem mais complicado, não é Gauguin? Como diz o filósofo Lulu Santos, "nada do que foi será, do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo
JULIO RIBEIRO
julioribeiro@terra.com.br
passará". Então, porque teimamos em manter, ou ressuscitar algumas coisas? É certo que o JB não vai mais ser um jornal impresso de circulação nacional, como já foi em seus áureos tempos. É certo que os discos em vinil não voltarão a ser a principal mídia de música da humanidade, nem as fitas de VHS voltarão a ser nosso ponto de contato com o cinema. Nossa nostalgia tem muito menos a ver com as coisas em si do que com o que elas representaram e testemunharam em nossas vidas. O que não muda é nossa vontade de driblar a morte e o sofrimento da existência. Para isso recorremos a exercícios físicos, medicamentos, cirurgias plásticas, ao photoshop e outros quetais que nos fazem sentir mais novos. E, paradoxalmente, recorremos a amuletos do passado, para afirmar que viemos de longe, que temos uma longa história. Nisso se encaixam a tevê preto e branco e a ressurreição do JB.
Julio Ribeiro é jornalista e publisher da Athos Editora
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MIX
Críticas ao
Jornal do Brasil volta a ser impresso
Instant Article
O Jornal do Brasil faz sua reestreia no formato
impresso. Primeiro jornal a abandonar a versão em papel (em 1 de setembro de 2010) e focar apenas no digital, o JB volta a circular nas
bancas desde o dia 25 de fevereiro, no Rio de Janeiro, com periodicidade diária. Essa é a
promessa do empresário Omar Resende Peres Filho (Catito Peres), que comprou o veículo
em fevereiro de 2017 e assumiu a marca em 22 de dezembro. Com isso, começa uma nova
fase para o veículo criado em 1891. No Facebook, Catito Peres defendeu a retomada da
impressão, afirmando que, apesar de a mídia
e o jornalismo atravessarem a “maior crise de sua história”, quem souber, hoje, compreender essas transformações, “terá o futuro e o mercado em suas mãos”. Segundo ele, ‘ter
mais ‘um jornal impresso no Rio, não quer
dizer muita coisa’. Mas ter de volta o Jornal do Brasil, aí mora a diferença. É simples assim”.
TIRAGEM DOS PRINCIPAIS JORNAIS CAI 41,4% EM TRÊS ANOS 8
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Alguns dias após anunciar que abandonaria o Facebook, a Folha de S. Paulo publicou uma matéria, citando pesquisa do site BuzzFeed, informando que enquanto grandes jornais do mundo abandonam as postagens em Instant Article do Facebook, sites de notícias falsas ganham dinheiro ao usar a plataforma de distribuição gratuita de conteúdo na rede social para propagar informações com mais rapidez. Segundo o site, depois de uma busca por "fake news" dentro da plataforma, foram encontradas 29 páginas que estão usando o recurso para propagar informações completamente inverídicas na rede social. Pelo menos 24 delas estão inscritas na plataforma Audience Network, onde editores podem incluir anúncios próprios ou usar a rede de publicidade do Facebook, que ganha receita com isso. Lançados em 2015, os artigos instantâneos foram criados para que veículos de comunicação pudessem carregar suas notícias rapidamente dentro do aplicativo móvel do Facebook. No entanto, a ferramenta não deixa claro para os leitores se a empresa responsável pelo conteúdo é confiável. Alguns dos maiores jornais já abandonaram a plataforma Instant Article, como o britânico "The Guardian" e o americano "New York Times".
De acordo com levantamento do site Poder 360, citando dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC Brasil) os 10 principais jornais brasileiros vêm tendo uma queda constante de circulação há três anos. De dezembro de 2014 a dezembro de 2017, a tiragem média impressa dos 10 maiores jornais do Brasil caiu de 1,256 milhão para 736 mil exemplares, uma redução de 41,4%. Já as assinaturas digitais subiram apenas 5,8% no mesmo período, passando de 548,7 mil para 580,4 mil. Único jornal gaúcho na lista, Zero Hora foi o veículo que mais teve ganho de assinaturas digitais em três anos: de 37,7 mil para 80,1 mil, crescimento de 112,6%. Já a tiragem média impressa no período caiu 38,6% no período, passando de 164,3 mil para 100,9 mil exemplares.
ENTREVISTA
VALTER NAGELSTEIN
"Porto Alegre se tornou uma das cidades mais burocráticas, difíceis e antiempreendedoras do Brasil" Em 2018, a presidência da Câmara de Vereadores de Porto Alegre está a cargo de um vereador conhecido por não temer fazer críticas, mesmo que sejam a seus aliados. Valter Nagesltein (MDB) assumiu a gestão do parlamento portoalegrense prometendo “inovar, fiscalizar, dialogar e agir”, não só na gestão da Casa, mas também em relação às ações do Executivo municipal. Filho do advogado criminalista Mathias Nagelstein, o novo presidente da Câmara de Vereadores da Capital nasceu em Bagé, em 14 de julho de 1970. Mudou-se para Porto Alegre aos 14 anos para estudar. Advogado, formou-se pela PUC-RS. A carreira política iniciou em 2000, aos 30 anos, como secretário do Conselho de Desenvolvimento dos Estados do Sul (Codesul) e diretor de Fomento Social da Caixa RS, hoje Badesul. No mesmo ano, foi o mais jovem candidato a prefeito de Porto Alegre. Em 2002, foi candidato a deputado estadual e, em 2004, candidato a vice-prefeito da cidade. Nagelstein foi eleito vereador pela primeira vez em 2008, pelo PMDB, reelegendo-se em 2012 e 2016. No primeiro ano de mandato, foi líder do governo na Câmara e presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Em 2010, foi nomeado secretário municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic), na gestão do ex-prefeito José Fogaça (PMDB). Também foi secretário de Urbanismo de Porto Alegre entre 2015 e 2016. Nesta entrevista, Nagelstein comenta os desafios à frente da Câmara de Vereadores, as dificuldades para se fazer política séria no Brasil atualmente e os problemas urbanos e de administração de Porto Alegre, entre outros temas. A política anda tão por baixo. Que ânimo o senhor tem para assumir a presidência da Câmara de Vereadores de Porto Alegre? Os franceses têm uma expressão que significa “para alguma coisa a tragédia serve". Eu acho que pior do que está, é impossível ficar. Eu espero, para o bem do Brasil e de Porto Alegre, que a gente tenha chegado no fundo do poço. Não tem um porão no fundo desse poço? Eu espero que não. Pelo menos eu vou lutar para nesse poço construir um guindaste em cima para a gente conseguir levantar um pouco. Levantar a moral da cidade e levantar a política como expressão de uma atividade que tem que
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ser nobre, que não pode ser pobre como ela virou. Mais do que pobre, indigente, medíocre, onde ter o mínimo de qualidade é ser visto como um defeito. Obter formação na política é ser visto como elitista ou como opressor, talvez. Eu acho que é preciso recuperar os valores no país, de um modo geral. Faz parte, na minha visão, de um processo que está embutido na visão da esquerda. Não estou querendo ser maniqueísta nisso que estou dizendo, mas apenas me ater à realidade das coisas como elas são. A doutrina gramsciana é toda nesse sentido. É preciso fazer terra arrasada de um sistema para que se possa, a partir daí, construir a nova ordem. E isso foi levado a cabo, tem sido levado a cabo. Eu sou um conser-
vador liberal. Eu acho que é preciso conservar os valores, os bons valores, e é preciso ser liberal na questão das liberdades do indivíduo, que é a menor das minorias. Respeitar o direito do indivíduo, a sua liberdade. Nas outras questões da sociedade, levar em consideração o acúmulo da experiência da humanidade. O direito é uma ciência e no direito, precisa ser visto como tal e ser aplicado a ele a estabilidade, a previsibilidade dos atos. Os contratos têm que ter valor, obviamente, que tudo isso subordinado a institutos recentes como o direito do consumidor, por exemplo, ou as legislações antitruste e monopólio, que servem para proteger a sociedade.
Entrevista: Julio Ribeiro Fotos: Marcos Nagelstein
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ENTREVISTA O problema no Brasil não é legal, não é por falta de leis. Em Porto Alegre, existem 10 mil leis. Então, o papel da Câmara, parece, não é legislar mais, mas é a fiscalizar e fazer com que a lei seja aplicada. Nesse aspecto é até um paradoxo. O Estado brasileiro tem uma máquina de não fazer. A máquina está preparada para atrapalhar as pessoas, para ser uma burocracia infernizante na vida de quem quer que seja. Por isso, é algo paradoxal. Num país onde, após Constituição de 1988, há milhões de leis editadas, nós temos paradoxalmente a isso, uma anomia, que é uma ausência aparente de regras. Uma sociedade que está sem rumo, sem referência, sem parâmetros, onde não se sabe mais o que é certo e o que é errado. Faz parte também, obviamente, dessa matriz que eu estava falando antes, faz parte de um projeto político. Agora, de novo, eu não quero ficar num maniqueísmo. Acho que todos têm culpa nesse processo, inclusive uma parte da sociedade brasileira que não sabe distinguir o que é conservadorismo de reacionarismo, que são duas coisas completamente diferente. O conservador não é reacionário e o reacionário pode ser conservador em muitas coisas. Essa distinção que politicamente eu estou buscando, hoje, também enfrentar. No dia de hoje, parte dos deputados de oposição do Estado foi à Justiça pedir que a pauta da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul não aprecie tal e tal projeto. Isso é uma invasão absurda de competência entre os poderes, provocada pelos próprios parlamentares. Aqui na Câmara, seguidamente os vereadores buscam resolver questões na Justiça... E, às vezes, encontram amparo para coisas que eu acho absurdas. Ainda ontem, na posse do presi-
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VALTER NAGELSTEIN to deve ter perante à sociedade. No ano passado, tratamos dos assuntos da cidade, como transporte público, evitamos a majoração do IPTU que iria ser algo bastante substancial na vida das pessoas, 25% de aumento em 2017 e 2018 e mais 25% em 2019, isso seria terrível e nós evitamos. Nós estamos discutindo todos os temas mais importantes da vida da cidade, mas, mesmo assim, há uma espécie de divórcio de percepção do cidadão com relação à sua representação, ao parlamento. Isso é importantíssimo de se resgatar e nós só vamos conseguir fazer isso quando as pessoas perceberem aquilo que está no Artigo 1º da Constituição Federal: todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido. Isso se expressa no voto e na representação.
dente da Justiça Militar, eu falava com o desembargador Carlos Cini Marchionatti, que é o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), e nós concordávamos a respeito disso. É preciso que se saiba exatamente os limites das atribuições dos poderes. E nós estamos vivendo no Brasil, mais recentemente - não no julgamento do presidente Lula, que foi absolutamente legal e de acordo com os marcos constitucionais -, mas em alguns momentos estamos vivendo uma invasão indevida do Poder Judiciário nas atribuições do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Mas mais especialmente do Poder Legislativo. Isso é uma ocupação de espaço, porque os parlamentares têm permitido. Têm permitido, mas acontece que legisla o parlamento. O Poder Judi-
ciário, quando provocado, faz a modulação da lei, mas ele não legisla. Mas, hoje, o Supremo Tribunal Federal está legislando sobre tudo. Está legislando. Nós estamos indo para eleições onde o processo eleitoral tem sido regido nas duas últimas construções normativas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O TSE está legislando. Então, há essa invasão de competências, esse esvaziamento dos parlamentos. Hoje, sinceramente, não parece que se fechassem os parlamentos do Brasil não correriam muitas lágrimas da população? Essa é a impressão que eu tenho. Por isso que eu fiz um desafio na Câmara, neste ano, de a gente resgatar o papel e a posição que o parlamen-
Primeiro o cidadão vota no prefeito A, que durante a campanha fez alguma pirotecnia ou conseguiu com um discurso angariar a empatia da população. Passado a eleição, o prefeito dá uma banana para o eleitor e o eleitor tem que esperar quatro anos para se livrar dele. Não tem um recall no meio, não tem nada... Nos Estados Unidos tem a figura importante do recall, em dois anos o eleito pode sofrer um impedimento. Ele vai ser avaliado. Aqui no Brasil nós temos a figura do impeachment, que se presta para os crimes de responsabilidade. Mas o que temos visto, também, é que se o político é inapto para a função à qual se propõe e está sendo um zero à esquerda e não sabe fazer política, como aconteceu recentemente, ele cria um ambiente, também, para o seu impedimento. Agora, infelizmente, a ferramenta institucional ordinária é, nesse caso, a eleição. Há uma pena muito grande para esse político também, que é o seu caimento no ocaso.
Mas enquanto isso, a população sofreu quatro anos, não? Pois é. Esse é um grande problema. Porto Alegre parece que está abandonada. Qualquer pessoa, não precisa ter nenhuma preferência política ou ideológica, mas ao andar pelo centro de Porto Alegre percebe uma cidade abandonada. O que a Câmara de Vereadores pode fazer de pressão sobre o prefeito para que as coisas aconteçam? Muita pressão. É o instrumento que nós temos, que a institucionalidade nos permite. Foi um compromisso meu de posse, um compromisso de transparência, inovação, fiscalização e austeridade. No caso da austeridade eu criei um grupo de trabalho para em 30 dias iniciarmos o processo de papel zero na Câmara. Vou economizar em torno de R$ 2 milhões com papéis na Câmara. Todo processo será eletrônico, que dá mais transparência e evita que um documento se perca. Fiz a doação de 50% da frota de veículos (são 10) que atendem administrativamente a Câmara — os vereadores não são atendidos por esses veículos, a não ser o presidente, que tem um veículo de representação que eu determinei a partir dessa medida que seja compartilhado com setores da Casa também. Isso representa redução de manutenção, combustível. Acertei com o prefeito de doar para a guarda municipal. Eu vejo com muita preocupação esse mau desempenho do Executivo municipal. Fui secretário por duas vezes, tentei, em vários momentos, trocar experiências com o prefeito a respeito da minha própria experiência pessoal e onde eu via que as coisa não davam certo. O prefeito tem uma visão própria dessa questão. O que mais me preocupa é que, em um programa de
qualidade, a gente tem ferramentas de gestão. Uma delas se chama PDCA, que é o Planejar, Desenvolver, Checar e Agir. Isso faz com que contrate o redesenho de uma estrutura organizacional, reaplique esse redesenho na prática, numa empresa ou num governo, e faça rodar o modelo que foi desenhado. Testa durante seis meses, oito meses, 10 meses. Verifica o que deu certo e o que não deu, mede essas coisas, e o que não está dando certo deve ser corrigido. Quando fui secretário de Urbanismo, cheguei lá com um ano e meio de atraso nas licenças, rodei o PDCA que estava lá dentro, fui no PGQP (Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade), falei com o Luiz Pierry (secretário-executivo do PGQP), fizemos as correções com muita luta e algumas resistências, e zerei os processos que tinham lá dentro da secretaria. Quando o prefeito mandou para cá pela primeira vez o projeto do redesenho administrativo que ele fez, eu apontei naquele momento alguns equívocos e propus algumas emendas. Eles não quiseram. A base do governo não aceitou. Essa base do governo, que começou lá atrás no início de 2017 com algo em torno de 20 vereadores já se reduziu para em torno de sete vereadores, em alguns momentos, 11 vereadores, quando ele precisa de 19, no mínimo, para aprovar qualquer coisa aqui. E a reforma administrativa não funcionou. Essa é uma área extremamente complicada na gestão do município? Um dos grandes problemas de Porto Alegre foi ter se tornado uma das cidades mais burocráticas, difíceis e antiempreendedoras do Brasil. Criaram 10 guichês diferentes para licenciar e cada um com seu poder próprio, com suas razões próprias, e cada um com seu tempo próprio, que não é o tempo do setor
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ENTREVISTA privado. É o tempo que o servidor público acha que tem que tomar. Então, na Cultura são seis meses, na SMAM (Secretaria Municipal do Meio Ambiente) é um ano, na PGM (Procuradoria-Geral do Município) mais seis meses, na Fazenda mais seis meses, e por aí vai. Os processos de licenciamento de Porto Alegre ficaram para sete, oito anos, no mínimo três anos. Isso é inaceitável. Isso empobreceu a cidade. Faz com que a cidade não tenha um crescimento de arrecadação exponencial, o crescimento da arrecadação é vegetativo. No final das contas, eu dizia isso para os servidores, não sobra dinheiro para pagar os salários dos servidores e é isso que aconteceu. E essa reforma administrativa agudizou mais ainda esse problema. Ela dividiu os serviços do DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos), do DPE (Departamento de Esgotos Pluviais) e do DMLU (Departamento Municipal de Limpeza Urbana) em duas áreas diferentes. Botou uma parte de licenciamento na antiga SMOV (Secretaria Municipal de Obras e Viação), que faria a manutenção da cidade - e que teria que fazer hoje a manutenção dos buracos da cidade -, que não existe mais. Porto Alegre se transformou num queijo suíço. E transferia a questão da limpeza e do asseio, naquilo que cabia ao DMAE, ao DPE e ao DMLU para uma secretaria de serviços urbanos, que também, infelizmente, não funciona, não por força dos secretários que estão lá, que eu acho que são pessoas com boas intenções e estão se dedicando, mas por uma questão de fundo. O desenho organizacional está errado. Os caras que fizeram esse desenho não eram de Porto Alegre, não conheciam a aldeia, não conheciam nem os índios. Se o prefeito tivesse chegado no final de 2017 e tivesse visto. "olha, realmente fizemos errado, está na hora de
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VALTER NAGELSTEIN revisitar esse negócio, rever isso", eu olharia para 2018 com esperança, mas isso não foi feito. O que lhe deixará satisfeito ao chegar ao final deste ano, terminando o seu mandato de presidente da Câmara? Ter conseguido mostrar para as pessoas que alguém que se dedica, faz a política como profissão de fé, que quer ver a cidade pelo menos minimamente espelhada nas melhores experiências urbanas do mundo, consegue fazer muita coisa. Não precisa ir longe, aqui na América Latina mesmo, Medelin na Colômbia, Rosário na Argentina, são experiências urbanísticas que estão muito adiante de Porto Alegre. Se o parlamento puder ajudar a melhorar os indicadores de segurança pública, mobilizando as comunidades, criando grupos de WhatsApp, envolvendo a polícia e a Brigada Militar. Se o parlamento puder chamar a atenção para a questão da nossa orla e do nosso rio e se valer dos seus poderes para ser um instrumento de pressão, para admoestar o poder público para que leve adiante o transporte hidroviário em Porto Alegre (nós temos uma hidrovia pronta, é um absurdo que não se explore isso). Se nós conseguirmos ser um elemento de pressão para tocar as obras que estão paradas na cidade, se pudermos ajudar a obter recursos em Brasília para que sejam concluídas. Se pudermos mudar marcos legais para fazer com que a questão do morador de rua seja vista de uma forma diferente. Ninguém quer colocar o morador de rua num campo de concentração, mas também não precisamos ficar no outro extremo em que estamos hoje, que os moradores de rua se apropriaram dos espaços mais importantes da cidade e que nós não temos mais esse espaço. Não dá para andar pelo via-
duto Otávio Rocha, pelo fedor, pelas fezes, pela própria degradação humana. Tem um barraco na Praça da Matriz. Existe esse problema na Praça Júlio de Castilhos, no Viaduto da Conceição, há uma favela construída às margens do Arroio Ipiranga. Então, no mínimo, o parlamento precisa incomodar com relação a essas coisas. Eu tenho feito isso. O Mercado Público, que é um marco da cidade, está há cinco anos esperando para ser reformado e reaberto. É um absurdo isso. A trincheira da Ceará, está lá há cinco anos. A revisão do Plano Diretor, o prefeito disse que não quer mudar este ano e eu lamento que não vai. O PMDB esteve no poder junto com o prefeito Fortunati e essas soluções não vieram. Eu acho que o PMDB, enquanto esteve com o prefeito José Fogaça, mesmo com o tempo do Fogaça que, às vezes, as pessoas acusavam de ser mais lento, ele deixou muita coisa muito bem encaminhada. O prefeito Fogaça errou quando renunciou naquele momento. Ele renunciou no momento errado. Teria que ter concluído aquele governo. Eu era secretário de Indústria e Comércio e fiz toda revitalização das feiras de rua da cidade. Eu busquei a Nestlé, nós transformamos toda feira modelo em mercadão do produtor, nas feirinhas amarelas, organizamos todas elas, recebi dois carros da Nestlé e todos materiais dos feirantes. Procurei o Walmart e o Big, revitalizamos todo o Brique da Redenção, equipei todo o Procon, toda a secretaria com parcerias, aplicando as multas. Em muitas áreas, íamos bem. Depois assumiu o prefeito Fortunati, de quem fui secretário, e aquilo que cabia a mim eu sei que fiz. Por exemplo, assumi a secretaria do Urbanismo com atraso histórico nas licenças, a cidade parada e eu avancei as licenças,
implantei o processo eletrônico. Quando cheguei havia só um processo eletrônico aprovado, quando eu saí eram mais de 700. Quando assumi, tinha 1,6 mil processos físicos trancados dentro de uma sala e quando eu saí não tinha mais nenhum processo físico lá dentro da secretaria. Agora, a secretaria se ressentia. Eu defendo há muito tempo a reestruturação do urbanismo em Porto Alegre e o prefeito José Fortunati não quis fazer isso. Agora, a gestão era do prefeito. Gostaria de ser prefeito de Porto Alegre? Gostaria muito. Dentro do seu partido haveria espaço para isso? Não sei, mas o que eu vejo também é que não há, na história de Porto Alegre, um vereador que tenha conseguido se eleger prefeito. Isso é uma coisa muito ruim. Em várias cidades isso acontece muito,
no interior é muito usual, em Porto Alegre, geralmente, é um outsider, alguém de fora ou um deputado que vem com mais escopo político. Eu lamento muito, porque um vereador, como eu, de três mandatos, conheço cada recanto dessa cidade. E por ter sido secretário do município por duas vezes eu conheço os meandros da burocracia municipal. Gostaria muito de poder me dedicar à cidade. Só que isso só o tempo e Deus que vai poder permitir. Tenho saúde, sou jovem, estou com um problema de divertículo, que supero em seguida, vou ter que fazer uma cirurgia, mas faz parte. Eu acho que passada essa etapa, e se tiver saúde, é algo que gostaria, com a garra que eu tenho, com o amor que eu tenho por Porto Alegre, com a minha experiência de ter morado em outras cidades do mundo - morei em Londres seis meses, morei em Paris seis meses, viajo, fui à Barcelona para fazer o projeto de revitalização do 4º Distrito.
Há bolsões na cidade que poderiam ter um aumento dos índices de construção? Esse é o Pré-Sal urbano. É aí que o prefeito já poderia ter começado. Existem vazios na cidade, como, por exemplo, lá para trás do aeroporto, nas margens da Freeway, o que a gente chama de operação urbana consorciada, que no Rio de Janeiro e São Paulo fizeram. São Paulo está fazendo um bairro todo novo, ali na Ponte Estaiada, em cima de uma operação urbana consorciada. Isso gera emprego na obra, arrecadação do ISS, IPTU, ITBI, urbanização da cidade, medidas mitigatórias. Por exemplo, toda parte que sofre com enchente na Zona Norte poderia estar sendo mitigada, hoje, com macrodrenagem. A abertura da Fernando Ferrari, que é uma rua projetada e vai ligar a BR 116 até a avenida Assis Brasil, poderia estar gerando arrecadação, com a urbanização de toda aquela região. O projeto do Masterplan de 4º Distrito que eu fiz junto com o Núcleo de Tecnologia Urbana (NTU) da Ufrgs. Aqui em Porto Alegre se chama edifício de 12 andares de arranha-céu. Isso vem dessa mesma visão desse mesmo grupo ideológico que vê na construção civil apenas especulação imobiliária, e impede que nós pudéssemos mudar o skyline da cidade. Uma torre de 120, 130, 140 metros não é uma heresia urbanística desde que tenha os espaçamentos adequados, uma área de circulação lateral que possa ter um verde na volta, um parque na volta. É possível ter um edifício de 300 metros de altura, enxergando Bagé, lá na fronteira com o Uruguai. Por que não? Mas a gente precisa mudar o plano diretor, mas antes de mudar o plano diretor tem que mudar a cabeça do portoalegrense.
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OPINIÃO
Mosqueteiros ou Lei de Gersón?
Tenho certeza de que há muito D’Artagnan no jornalismo impresso, Aramis em profusão no online, Athos às mancheias no rádio, incontáveis Porthos na tevê. E que pensam no jornalismo em primeiro lugar e estão prontos a agir na base do “um por todos e todos por um” como forma inteligente e necessária para resistir aos tempos difíceis que organizações empresariais e trabalhadores da comunicação estão enfrentando. Tenho sólidas indicações de que também não são poucos os adeptos da famigerada “Lei de Gérson”. Pra quem não lembra nem quer procurar, trata-se da infeliz participação do Canhotinha de Ouro da Seleção Brasileira em um comercial do cigarro Vila Rica (1976). Não creio que ele tivesse tal intenção, mas grudou a imagem de ação egoísta caracterizada pela tal lei não escrita decorrente desta fala testemunhal: "Por que pagar mais caro se o Vila me dá tudo aquilo de um bom cigarro? Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também, leve Vila Rica!". A questão é se vamos optar, massivamente, por formas colaborativas do exercício da profissão, ou vamos embarcar na canoa furada do “cada um por si e seja o que deus quiser”. Na primeira opção, ganha que integra a audiência, seja em que plataforma estiver; na segunda, bateu o desespero e, o pior, estão abertas as portas para todo tipo de ação que violadora das mais singelas – nem
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por isso menos profundas - normas da ética profissional. Falta de coleguismo e de respeito com o leitor, o ouvinte, o telespectador, o internauta até pode garantir mais um tempinho no mercado se o dono do campinho e da bola também não estiver nem aí para a função social do jornalismo. A justiça tarda, mas chega. Antes dela, porém, afundam a autoestima e a imagem de isenção construída com tanto esforço. Vale a pena? Penso que está mais do que na hora de nos mirarmos na obra de Alexandre Dumas, ainda mais pela gênese jornalística: a história foi publicada originalmente na forma de folhetim no jornal francês Le Siècle, entre março e julho de 1844. A publicação existiu entre 1º de julho de 1836 e 28 de junho de 1932. Em 1939 tinha 30 mil assinantes... (Obrigado, Dona Wikypedia, é sua a responsabilidade por estas preciosas informações.) Nesta época de instabilidade extrema, de corte$ individuais e pa$$aralho$ coletivos, parece-me adequado preservar o bom relacionamento com os colegas em todas redações, independentemente do tamanho e formato que apresentem tais espaços de atuação. É preciso acreditar que o mérito vá, sempre, prevalecer e preserve lugares. Ou, pelo menos, que abra outros quando alguma porta se fechar. É um tempo em que a solidariedade com quem for dispensado/a) é vital e o estímulo a quem empreende nutre que se aventura em meio às incertezas naturais do novo desafio. É um tempo de buscar apoio nas entidades. O Sindicato dos Jornalis-
MÁRIO ROCHA
mario.rocha@ufrgs.br
tas do RS realizou assembleia para autorizar a venda da sede de Passo Fundo e está enxugando despesas para enfrentar legislação trabalhista que bota o garrão no pescoço do trabalhador. Precisamos preservar a instituição e combater de dentro o que não concordamos como orientação sindical, política ou administrativa. A Associação Riograndense de Imprensa e a UNISC programaram para 25 e 26 de maio próximo a primeira edição dos Diálogos ARI de Jornalismo – Experiências e Inovações. Tal interação entre a octogenária entidade e a academia (professores e estudantes), aberta a toda a categoria profissional, é um desafio ao marasmo, ao derrotismo, ao interesse de quem quer apenas o jornalismo amestrado e laudatório que se confunde com a má propaganda e o mau uso das relações públicas. Nas redações de quem nos emprega, nas nossas redações, nas salas de aula, no Sindjor e na ARI, as palavras de ordem são ética, solidariedade, integração e coragem Mario Rocha é jornalista e professor da Fabico
MATÉRIA DE CAPA
Mídia internacional reduz o número de correspondentes no país após jogos mundiais e desarranjos econômicos. A imagem, hoje, é a de uma nação que emergiu surpreendentemente para
imergir, pouco tempo depois, nos estereótipos de sempre
E
ra 20 de setembro de 1851, quando o Brasil foi citado pela primeira vez nas páginas do The New York Daily Times, fundado dois dias antes. Hoje, o jornal circula com outro nome, The New York Times, mas o alcance global da publicação só se fortaleceu nos 166 anos que se seguiram. Naquela quarta-feira de 1851, o país foi mencionado em uma breve nota (From South America) por ser sondado para uma aliança com o Peru. Era um período de disputas na América do Sul e a nota, provavelmente, abordava as primeiras movimentações que resultariam na Guerra do Pacífico. O Brasil ficou de fora do conflito, mas a sua importância não foi ignorada nem pelos países vizinhos e nem pelo jornal. De lá para cá, segundo o arquivo digital do NYT, o Brasil registrou mais de 122,7 mil menções no jornal, sendo 33,7 mil apenas nos últimos 30 anos. Se um dos principais veículos de comunicação do mundo pode ser usado como termômetro para indicar o interesse da mídia internacional sobre o país, é possível afirmar que as notícias sobre a realidade brasileira estão menos interessantes. Em média, nas últimas três décadas, o Brasil foi citado em 1.123 notícias por ano. É verdade que os números não mentem, mas enganam bastante. Em 2017, foram apenas 714 ocorrências, o menor nível de menções desde 1996. O que aconteceu? Afinal, o Brasil perdeu a relevância no cenário internacional?
Entre altos e baixos
Outro veículo da mídia estrangeira, a revista The Economist, retratou uma sucessão de fatos envolvendo o Brasil em suas capas. Colocadas na ordem de publicação, é possível dizer que elas, por si só, contam uma história recente perturbadora, que vai da decolada econômica ao fracasso político, econômico e institucional.
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MATÉRIA DE CAPA
ALTERNATIVA NA CRISE
DENISE DE ROCCHI
GIULIANA MIRANDA
MARIE NAUDASCHER
PABLO GIULIANO
Professora de relações internacionais e jornalismo da UniRitter
Correspondente da Folha de S.Paulo em Portugal
Presidente da Associação de Correspondentes Estrangeiros (ACE)
Correspondente da Agência Telam Argentina
São oito edições em que o Brasil foi capa da revista entre 2009 e 2017. A primeira é icônica, mostra o Cristo Redentor decolando. Era a alusão à economia em ascensão e à forma ágil como o país contornou os efeitos da crise financeira de 2008. Foi a única capa positiva entre as oito elaboradas. A partir de 2013, prevaleceu uma imagem negativa, gradativamente pior a cada nova edição. Em 2013, o Brasil apareceu atolado na lama junto com outros países do BRICS com a chamada “a grande desaceleração”. Ainda naquele ano, o mesmo Cristo reapareceu, em queda: “o Brasil explodiu?”. Em referência à eleição de 2014 e usando a imagem de uma Carmem Miranda decepcionada, a publicação mostrou que se posicionava contra o partido da situação, o PT, indicando que o Brasil necessitava de uma mudança.
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Um ano depois, retratou uma musa do Carnaval aparece afundando na lama, dispensando, novamente, maiores explicações. Na primeira edição de 2016, a chamada “queda do Brasil” conjugada com a foto de Dilma Rousseff cabisbaixa sinalizava um ano desastroso para a chefe do Executivo. Dois meses depois, a presidente reapareceu na capa sob a chamada “hora de partir” – era a The Economist manifestando, mais uma vez, a sua posição e pedindo renúncia. A sucessão de fatos culmina com o Cristo. Desta vez, pedindo socorro, em abril de 2016, na sequência de um dos momentos mais emblemáticos do país, a votação do impeachment na Câmara dos Deputados, marcada pela visão de parlamentares, muitos deles envolvidos em casos de corrupção, votando “pela moralidade”.
Política, corrupção e violência: mais do mesmo Fato é que, passado esse período mais conturbado e que abarcou dois eventos esportivos mundiais, tem sido cada vez mais difícil para os correspondentes estrangeiros “venderem” notícias sobre o Brasil para veículos internacionais. “É mais difícil nos últimos anos. Começou mudar depois das Olimpíadas”, admite o holandês Joost de Jong, que está no país desde 2014. Aliás, o jornalista revela que propor pautas daqui é a maior dificuldade profissional que enfrenta. “Posso dizer que reduziu o interesse do meu jornal, Algemeen Dagblad, sim, depois das Olimpíadas. A crise política e os escândalos são notícia, mas como ‘sempre é a mesma coisa’ (segundo meu chefe), perde o interesse.” A percepção de Jong é a de
que o número de correspondentes no Brasil está reduzindo. Essa observação é comprovada na realidade. De acordo com a Associação de Correspondentes Estrangeiros (ACE), sediada em São Paulo, o número de integrantes reduziu pela metade desde 2015, passando de 64 membros para 32. A francesa Marie Nadauscher é quem preside a ACE. Entre seus conterrâneos, dimensiona que eram cerca de 40 jornalistas na Copa do Mundo e, agora, são cerca de 10. Atuando como freelancer no Brasil desde 2010, Marie já reportou para as rádios RTL, Vatican News, Deutsche Well, France e, atualmente, para Europe 1. Além disso, já escreveu dois livros-reportagem sobre o Brasil e já atuou como stringer na produção de reportagens e documentários para canais franceses. A dificuldade dos freelancers, relata, é emplacar pautas que fujam aos cli-
Para contornar custos de enviar correspondentes, existe a opção de contratar os serviços das principais agências de notícias, hoje, responsáveis pelo grande tráfego de informações.
chês que sempre interessam, como Carnaval e violência. Marie cita, também, problemas estruturais que dificultam ainda mais a produção dos jornalistas. “Precisaria, por exemplo, de um centro de imprensa internacional em São Paulo, como existe em Roma, Paris ou Nova York, para que os correspondentes possam ter um lugar central para trabalhar. Essa é uma das pautas da Associação dos Correspondentes para 2018.” O acesso às fontes é outra dificuldade. “As assessorias de imprensa ainda não entenderam como funciona o mercado para freelancers. Elas querem saber ‘para quem você trabalha’, mas na realidade trabalhamos para várias empresas e fazemos entrevistas antes de propor ou vender as pautas, às vezes”, critica Marie, que diz já ter tido credenciamento negado por não ter um “e-mail do veículo”, ainda que possua
a carteira de imprensa do Itamaraty. “Parece que o que vai sair no clipping interessa mais do que propor um conteúdo de qualidade.” Para o argentino Pablo Giuliano, que está há 12 anos no Brasil, o acesso às fontes é a principal dificuldade dos correspondentes. Ele reporta para a Agência Telam Argentina, mas discorda da percepção de que o país esteja perdendo o interesse. “A imprensa europeia ou estadunidense não é referência para isso. O Brasil é o país mais publicado nos 12 países da América do Sul.” Giuliano, diferentemente dos demais jornalistas estrangeiros, não nota uma saída significativa de correspondentes próximos. Pelo contrário, diz que em São Paulo foram acrescentados profissionais. Os casos de retorno credita à crise da mídia em geral.
Cobertura internacional também passa por adaptação
Todo esse cenário confirma que está havendo uma redução de correspondentes e até de reportagens em veículos estrangeiros, mas essa realidade não pode ser interpretada de forma simplista. As notícias são dinâmicas e muitos fatores interferem na cobertura da imprensa internacional, inclusive o próprio modelo de negócios no jornalismo. Os aspectos técnicos pesam bastante na decisão de manter ou não um jornalista em outro país, avalia Denise de Rocchi, professora de relações internacionais e jornalismo da UniRitter. “Precisa ter uma demanda que justifique a manutenção daquele profissional.” Para contornar custos de enviar correspondentes, existe a opção de contratar os serviços das principais agências de notícias, hoje, responsáveis pelo grande tráfego de informações. A partir dessa decisão vem uma
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MATÉRIA DE CAPA certa padronização na forma como os fatos são relatados. Há um filtro ao qual os veículos se condicionam: vai virar notícia aquilo que a agência considerar relevante, e a tendência é a de que ela seja produzida de uma forma mais abrangente, para atender a todos os veículos que atende. Dessa forma, contextualiza a professora, a vinda de um corresponde passa a fazer sentido para as empresas que priorizam um material diferente ou em situações específicas e pontuais. É o que ocorreu recentemente durante a cobertura da Copa do Mundo e das Olimpíadas. “Isso aumentou o interesse por vir ao Brasil.” O interesse durante os jogos é natural, em qualquer país do mundo. Com a África do Sul foi assim, destaca Denise. “Antes da Copa, o Guardian fez 262 sobre a África, depois do torneio passou a fazer 20 e poucas. Depois dos jogos, o encanto com o país diminui um pouco”, sustenta. “No Brasil ainda perdurou porque teve desdobramentos políticos, que eram coisas de magnitude acontecendo em um país que estava ganhando interesse.” Depois de 2016, quando a turbulência arrefeceu, boa parte das questões nacionais passaram a ter mais relevância para a comunidade brasileira em outros países. No entanto, é um grupo de pessoas que tem acesso aos veículos de informação daqui. Ainda assim, há momentos em que é importante ter um jornalista in loco acompanhando alguns acontecimentos, como ocorreu recentemente com o julgamento de recurso no processo que envolve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e como deve acontecer durante a cobertura eleitoral de 2018. Denise lembra que há estereótipos vinculados ao Brasil que tendem a gerar mais interesse, como
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casos de violência, escândalos de corrupção, questões ambientais, mulatas, futebol e Carnaval. Era o que prevalecia antes dos jogos internacionais. E é o que voltou a ser abordado posteriormente aos eventos esportivos. “O que eu vejo no trabalho dos correspondentes é que, já que eles estão aqui, tentam fazer uma matéria mais apurada, contar uma história diferente.” O problema, lembra, é que as notícias de um determinado país competem com outros 200 países possíveis de serem publicados nas editorias internacionais. E há grandes preocupações mundiais que não envolvem o Brasil, como a política dos Estados Unidos, conflitos com a Coreia do Norte, guerra na Síria, refugiados etc.
O Brasil perdeu a relevância?
PERIFERIA O Brasil só é capa das grandes publicações da imprensa internacional em momentos agudos da sua política ou economia
Relevância, no jornalismo, é um conceito abstrato. Afinal, o Brasil deixou de ser importante? Para quem? Tudo vai depender do ponto de referência, sempre. Correspondente da Folha de S.Paulo em Portugal desde 2014, a jornalista Giuliana Miranda ressalta que lá notícias sobre o Brasil são abundantes e muito detalhadas, a ponto de identificarem políticos brasileiros sem cerimônias, como Aécio e Dilma, por exemplo. “Dificilmente um brasileiro saberá dizer quem é o primeiro-ministro de Portugal”, compara. “O julgamento do Lula, em janeiro, foi capa de todos os jornais.” No entanto, Giuliana diz que, quando viaja para outros países, percebe que houve uma redução no interesse pelo Brasil depois das Olimpíadas. Além disso, lembra que a crise da imprensa, de uma maneira geral, também interfere na cobertura, e tem levado muitos veículos a contratarem serviços de freelancers ou de agências, evitan-
do bancar correspondentes. Integrante da Associação dos Correspondentes Estrangeiros de Portugal, Giuliana conta que há poucos anos, Portugal também deixou de ser interessante para os veículos internacionais quando estava enfrentando um período de crise econômica. Nessa época, o número de jornalistas de fora reduziu. Com a recuperação econômica, “toda semana chegam novos correspondentes”. É um cenário não tão diferente do Brasil, que quando se projetava economicamente estava mais presente na cobertura internacional. A questão econômica é sempre determinante, assegura Denise de Rocchi. Basta observar o potencial projetado sobre países emergentes que ficaram conhecidos como BRICS. “O economista Jim O'Neill, que criou o termo do bloco, apostou que o crescimento desses países ultrapassaria, até 2050, o G7. Hoje, diz que se tivesse que falar novamente sobre BRICS, mudaria a sigla e se voltaria mais para Índia e China.” Assim como a aposta foi grande, a decepção veio na mesma escala. Mais uma vez, as referências da mídia internacional aos países pode servir como parâmetro para o nível de interesse sobre os países do bloco. Nos últimos 20 anos, o The New York Times registrou mais citações à China, em primeiro lugar, Rússia e Índia, na sequência. O Brasil, até agora, vem em penúltimo lugar, à frente apenas da África do Sul. Enquanto isso, O’Neill aposta em um novo bloco, o Mints, composto por México, Indonésia, Nigéria e Turquia. Com uma correção econômica lenta e disputas políticas que remetem aos anos 1980, o Brasil, talvez, demore muito para voltar a ter a mesma presença que teve há pouco e por tão pouco tempo.
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ESPECIAL
THE POST
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o longo da história, houve diversos momentos em que jornalistas tiveram que decidir se arriscavam tudo – sustento, reputações, status, até a liberdade — para fazer o que acreditavam ser o certo e necessário para informar o público. Em The Post – A Guerra Secreta, o diretor Steven Spielberg explora um desses momentos. O resultado é um drama baseado nos fatos que aconteceram quando os jornais The Washington Post e The New York Times formaram uma aliança pragmática logo após a revelação de um estudo secreto que mostrava as mentiras do governo norte-americano sobre a Guerra do Vietnã - os Pentagon Papers. Embora o furo tenha sido do The New York Times, o The Washington Post expandiu a matéria original, o que resultou em ameaças jurídicas da Casa Branca. Em apenas alguns dias de crise, a publisher do The Washington Post, Katharine Graham (interpretada por Maryl Streep), e o editor executivo, Ben Bradlee (Tom Hanks), tem que tomar importantes decisões sobre a publicação do material, cientes de que eles podem ser indiciados por crimes contra a segurança nacional. O filme também está provocando um debate sobre o papel dos meios de comunicação como guardiães do direito da população de se informar sobre as ações de seus governos - e se um vazamento semelhante hoje sobreviveria a tentativas de desacreditar o mensageiro. O caso dos Pentagon Papers é considerado um momento-chave para a transparência, denúncia e responsabilização do governo junto ao público. O escân-
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dalo ocorreu em uma época em que Times e Post, juntamente com um punhado de grandes redes de televisão, eram considerados vozes de autoridade. O aviso do reverenciado âncora Walter Cronkite, em 1968, de que a guerra estava condenada a acabar em impasse foi visto como um momento seminal para a opinião pública dos EUA. A paisagem de hoje é mais fraturada e os levantamentos mostram que a confiança pública na mídia sofreu muito desde então. Uma pesquisa recente da Gallup descobriu que apenas um em cada quatro americanos diz tem "muita" ou "bastante" confiança nos jornais.
O caso dos Pentagon Papers
O documento que gerou a crise foi originalmente preparado a pedido do então secretário de defesa dos EUA Robert McNamara, em 1967, com o título “História do processo de tomada de decisões dos Estados Unidos no Vietnã, 194566”, mas ficou conhecido mundialmente como Pentagon Papers. Os textos revelavam que uma série
ampla e vasta de mentiras sobre a guerra do Vietnã tinha sido sustentada ao longo dos governos de quatro presidentes: Harry Truman, Dwight Eisenhower, John Kennedy e Lyndon Johnson. Todos eles haviam enganado repetidamente o público sobre as operações no Vietnã e, mesmo quando o governo dizia que buscava a paz, nos bastidores, o governo expandia a guerra secretamente. Tais revelações foram especialmente explosivas naquela época, quando soldados americanos ainda corriam perigo mortal nas selvas vietnamitas. No fim das contas, a guerra do Vietnã, da qual os EUA se retiraram em 1975, matou 58.220 americanos e causou diretamente a perda de mais de 1,3 milhão de vidas no Sudeste Asiático. A fonte por trás do furo do The New York Times sobre os Pentagon Papers era um analista militar da RAND Corporation (laboratório de pesquisas de grande influência financiado pelo governo): Daniel Ellsberg, que havia participado do estudo secreto e trabalhou dois anos no Vietnã com o Departamento de Estado dos EUA. Mas, ele também havia se tornado cada vez mais desiludido com as enormes discrepâncias entre o que ele via acontecer in loco e o que era dito ao público. Em 1969, Ellsberg começou a fazer fotocópias em segredo de todas as 7.000 páginas dos Pentagon Papers. Somente em março de 1971, Ellsberg convidou o repórter Neil Sheehan, do The New York Times, para examinar o material. Com o aval da direção do jornal, uma equipe de repórteres montou uma operação clandestina em um hotel e passou três meses vasculhando os papéis. No dia 13 de junho de 1971, um domingo, o The New York Times chegou às bancas com a manchete “Arquivo Vietnã: Estudo do Pentágono Documenta Três Décadas de Envolvimento Crescente dos EUA”. Foi um pandemônio. Editores dos jornais de todo o país, cientes de que haviam perdido o furo de uma grande notícia, tentaram iniciar suas próprias investigações. Enquanto isso, em Washington, outros procedimentos entraram em ritmo acelerado para indiciar não só Daniel Ellsberg, mas também o The New York Times e qualquer um que pudesse tentar expor os documentos. Em 15 de junho, o governo Nixon pediu a uma corte federal que expedisse uma liminar para impedir qualquer outra publicação do The New York Times sobre o tema sob alegação de ameaça à segurança nacional. O pedido foi atendido.
Washington Post desafia o governo e faz história
Com o The New York Times impedido de publicar, outros jornais começaram a tentar acesso aos documentos. O The Washington Post, sempre visto como uma opção inferior ao The New York Times, que era maior e de alcance nacional, assumiu a ponta e o editor executivo assistente Ben Bagdikian, antigo colega de Daniel Ellsberg na RAND, obteve outra cópia completa dos documentos. A publisher Katharine Graham, única mulher em cargo de poder em um importante jornal nacional, tinha então a tarefa de autorizar ou impedir a reportagem. Sob forte pressão e contra advertências de que ela poderia prejudicar seriamente o futuro do jornal, que iria iniciar um processo de abertura de capital na Bolsa de Valores, ela autorizou o editor Ben Bradlee a seguir em frente com a matéria. Em 18 de junho, o The Washington Post tornou-se o primeiro veículo a publicar material dos Pentagon Papers após a liminar expedida contra o The New York Times. No mesmo dia, o Departamento de Justiça buscou um mandado de segurança contra o The Washington Post, mas, desta vez, o mandado foi negado pelo juiz federal que julgou o caso. Enquanto isso, a coragem do The Washington Post só serviu para incentivar mais matérias no The Boston Globe, The Chicago Sun-Times e outros jornais, desafiando a Justiça e o governo Em 30 de junho, a Suprema Corte interveio e anulou a liminar contra a publicação, por 6 votos a 3. Na opinião da maioria dos juízes, a publicação dos Pentagon Papers era de interesse público e era dever de uma imprensa livre vigiar e cobrar o governo. Nas palavras do juiz Hugo Black,“a imprensa deve servir aos governados, não aos governantes”.
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GRANDES NOMES
CARLOS HEITOR CONY UM CÉTICO "Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe"
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o último dia 5 de janeiro o Brasil perdeu o romancista, escritor e jornalista Carlos Heitor Cony. Com 91 anos, ele estava internado no Hospital Samaritano do Rio de Janeiro, e morreu em decorrência de falência de múltiplos órgãos. Nascido em 14 de março de 1926, em Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio de Janeiro, Cony fora considerado "mudo" pela família até os quatro anos de idade. Só emitiu o primeiro som ao levar um susto na praia de Icaraí (Niterói) ante o surgimento de um hidroavião vermelho vindo do mar em direção à areia. Em 1941, quando já estava com 15 anos, uma cirurgia poria fim ao problema. Filho do jornalista e funcionário público Ernesto Cony Filho - morto em 1985 aos 91 anos e celebrizado em 1995 como protagonista de "Quase Memória" - e de Julieta de Moraes Cony, aprendeu a ler e escrever com o pai. Aos 11 anos, depois da primeira comunhão na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Guia, em Mangaratiba, Cony começou a frequentar o Seminário de São José, no Rio Comprido. Dois anos depois, iniciou a carreira de seminarista. A experiência no seminário o marcou para toda a vida. Lá estudou latim, português, grego, francês, italiano, música, matemática, filosofia, psicologia, ética e até cosmologia. Em entrevista à revista "IstoÉ", em 1993, afirmou que "a única coisa que eu realmente quis na vida foi ser padre". O ceticismo, porém, o impediu. "Comecei a duvidar de tudo”, explicou certa vez. Solidificou uma personalidade marcada pelo ceticismo, alérgica a grupos e assumidamente individualista. "Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe", diz a certa altura o protagonista do romance de estreia de Carlos Heitor Cony, "O ventre".
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Em 1946, aos 20 anos, como quem busca um novo eixo, o ex-seminarista ingressa na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Abandona a instituição, porém, no ano seguinte. De 1948 a 1950, frequenta o Curso de Preparação de Oficiais de Reserva (CPOR). Nesse intervalo, casa-se em 1949. Nascem as filhas Regina Celi (1951) e Maria Verônica (1954). Ao longo da vida, Cony teve mais três casamentos formais e duas uniões informais - além de um filho, André Heitor, nascido em 1973. Ainda em 1946, começou a colaborar para a imprensa, ajudando o pai no "Jornal do Brasil". Em 1947, recebeu sua primeira carteira de jornalista como setorista da Gazeta de Notícias na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Mas sua carreira começaria para valer em 1952, como redator na Rádio Jornal do Brasil. O primeiro romance ("O Ventre") é escrito nesse ano. Em 1956, o autor o inscreve sob pseudônimo para o Prêmio Manuel Antonio de Almeida, concurso da Prefeitura. A comissão julgadora considera o livro "muito bom", mas nega-lhe o prêmio por achá-lo rude e pessimista demais para uma competição oficial. Em apenas nove dias, para cumprir o prazo de inscrição, o autor produz seu segundo romance, "A Verdade de Cada Dia", e com ele vence o concurso, em 1957. Com "Tijolo de Segurança", recebe o mesmo prêmio, em 1958. Os três romances viriam a ser publicados respectivamente em 1958, 1959 e 1960 pela Civilização Brasileira, dirigida por Ênio Silveira, que "adota" Cony como autor de ponta da prestigiosa editora. Seguem-se "Informação ao Crucificado" (1961), "Matéria de Memória" (1962) e "Antes, o Verão" (1964). Nesses romances, Cony já assumia a postura de enfrentamento que mar-
caria toda a sua trajetória pessoal e profissional. "Eu não fui o jornalista que se transformou em escritor, fui um escritor que se transformou em jornalista", disse. Em 1961, entrou no "Correio da Manhã" e lançou "Informação ao crucificado", romance em forma de diário sobre um jovem seminarista em crise existencial. Um ano depois, deu início à coluna "Da arte de falar mal" e publicou "Matéria de memória". Em 1964, mais uma ficção sua é editada, "Antes, o verão". Considerado pouco politizado por seu pares, antes e depois do golpe militar, Cony foi atacado tanto pela direita quanto pela esquerda, que cobrava engajamento partidário. Ele respondeu em uma de suas crônicas: "Sou inteligente o bastante para não ser de direita, mas muito rebelde para ser de esquerda". Em outro texto da época, disparou: "No dia em que me der na telha, pegarei no fuzil - e, ainda que não saiba manejá-lo, saberei contra que lado atirar". Em seus textos, até 1964, Cony não abordava a política com frequência. Também por isso tentavam rotulá-lo de "alienado". E o escritor provocava: certa vez, disse que largou no meio o filme "Vidas secas" (1963), de Nelson Pereira dos Santos, porque se sentia entendiado ante a visão de uma vaca. Contudo, foi uma das primeiras vozes a se levantar contra o regime militar, com a coluna intitulada "Da salvação da pátria", em 2 de abril de 1964, apesar da posição de amplo apoio do "Correio da Manhã" ao golpe. Um de seus textos mais duros, "A revolução dos caranguejos", rendeu ameaças anônimas contra suas filhas e uma operação policial na sua casa, em Copacabana. As crônicas do período foram reunidas no livro "O ato e o fato". Durante a ditadura, Cony foi preso seis vezes e também enquadrado na Lei de Segurança Nacional pelo
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GRANDES NOMES então ministro da Guerra, General Costa e Silva (que mais tarde se tornaria presidente). O maior período de detenção foi após a decretação do AI-5, em 1968. A situação ficara insustentável. Cony aproveitou um convite para ser jurado do prêmio Casa de las Americas e viveu quase um ano em Havana, em Cuba. Retornou ao Brasil para assumir um cargo no grupo "Manchete", a convite de Adolpho Bloch. Foram mais de 20 anos na Bloch Editores, onde dirigiu as revistas "Ele & Ela" e "Desfile", além de participar da redação da "Manchete", onde também foi editor e na qual voltou a publicar crônicas que, apesar dos anos de chumbo, eram plenas de alusões simbólicas à ditadura. Em 1974, publicou aquele que pretendia que fosse seu último romance, "Pilatos". Antes, lançara "Balé branco" (1966) e "Pessach: A travessia" (1967), com duras críticas ao Partido Comunista Brasileiro, o que lhe rendeu um boicote do Partidão, além de "Quem matou Vargas", publicado em capítulos na revista "Manchete". No entanto, nenhum alcançaria a repercussão de "Pilatos". "Considero este meu romance definitivo. Depois dele, não tinha mais nada a fazer", disse em entrevista a "Folha de S. Paulo", em setembro de 2012. Mas Cony voltou a publicar um livro, por um motivo que pode ter surpreendido os que viam apenas como um cético. No início dos anos 1990, sua cadela Mila ficou doente e ele voltou a escrever "para suportar o sofrimento de ouvir seus gemidos", como disse ao Globo em 2012. O resultado foi "Quase memória", mescla de ficção e autobiografia em que o narrador parte da descoberta de um envelope com a letra do pai, morto havia dez anos, para fazer uma revisão lírica e afetuosa do passado.
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Lançado em 1995, o livro se tornou um grande sucesso, vendendo mais de 400 mil exemplares, e foi adaptado para o cinema em 2015, pelo diretor Ruy Guerra. Cony o definia como "um desabafo" e relegava os romances que publicou depois a um lugar secundário em sua obra, mero resultado de "pressões comerciais". Mas muitos leitores e críticos saudaram livros como "O piano e a orquestra" (1996), "A casa do poeta trágico" (1997) ou "A tarde da tua ausência" (2003). "Quase memória" e "O piano e a orquestra" venceram o Prêmio Jabuti, assim como "Romance sem palavras", em 2000. Em 1996, Cony também recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (ABL), pelo conjunto da obra. O último romance do autor, "A morte e a vida" (2007), abordou o polêmico tema da eutanásia. Enquanto retomava a carreira de romancista, continuava na imprensa. Na década de 1990, após deixar a Bloch, Cony voltou a colaborar com a "Folha", numa coluna que manteve ativa até a sua morte. Em 2000, foi eleito o quinto ocupante da cadeira número 3 da Academia Brasileira de Letras, na vaga de Herberto Sales. Mas várias vezes direcionou sua ironia seca à instituição, que em entrevista ao Globo chamou de "jardim de infância às avessas". Em 2004, o escritor foi muito criticado ao ter aprovado o seu direito a uma pensão vitalícia de R$ 23 mil (valores da época) como compensação à sua demissão do "Correio da Manhã", em 1965, por críticas ao regime militar. Em um texto no site "Observatório da Imprensa", Cony rebateu dizendo que apresentou um dossiê de mais de 100 páginas para comprovar a perseguição sofrida e que, se estivesse a cargo do postulante decidir o valor, "teria pedido quantia maior".
ESPECIAL
JEFFERSON BERNARDES
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cobertura do julgamento no TRF4, no dia 24 de janeiro, seria assunto no mundo inteiro e o que aconteceria em Porto Alegre naqueles dias mexeu conosco desde que o chefe da AFP - Agence France Presse ligou perguntando se poderíamos ajudá-los, cerca de um mês antes do evento. Foi aí que começou todo o planejamento. Na minha cabeça, imaginava como seriam as imagens, onde poderíamos estar e os principais horários, enfim, tudo aquilo que estaria envolvido. Neste evento além da reportagem fotográfica, também fomos responsáveis pela produção e edição das imagens para a AFPTV. Um processo novo e desafiador. Nosso planejamento e preparo, além de uma coordenação eficiente, foram fundamentais para o sucesso desta cobertura. Nossas imagens correram o mundo, foram capas de diversos jornais nacionais e estrangeiros e as reportagens de TV abaixo foram transmitidas em canais como CNN e BBC. Hoje todos nós somos jornalistas “multimídia”. Como fotógrafo, utilizei várias ferramentas que não eram possíveis há pouco tempo atrás. Drones e transmissão de imagens diretamente da câmera são realidade. No comício do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que contou com a presença de 70mil pessoas, segundo a organização do evento, nós transmitidos todas as fotografias diretamente para o escritório da AFP, em Montevidéu, sem o uso de laptops ou tablets. O Anderson Moura, nosso cinegrafista, trabalhou com uma câmera estabilizada com alta sensibilidade de luz, o que nos deu um ganho muito grande na qualidade de imagem noturna. Em tempo real, podemos produzir, enviar ou publicar uma informação, seja ela foto ou vídeo. A cobertura do julgamento no TRF4 para a AFP - Agence France Presse nos posiciona definitivamente como uma solução completa em imagem. E estamos muito felizes com tudo isso, pois no mesmo evento, produzimos com qualidade a cobertura fotográfica completa e o conteúdo de imagens para AFPTV. 2018 promete! JEFFERSON BERNARDES Diretor da Agência Preview
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GALERIA
O Carnaval da Manchete O Carnaval é a maior festa popular do mundo. Nos sambódromos, nos blocos de rua, nos bailes, nos concursos de fantasia, nas quadras e barracões, milhões de pessoas transformam esta data numa oportunidade de festejar e celebrar a alegria com músicas e roupas (ou ausência delas). A popularidade do Carnaval sempre fez com que fosse assunto de destaque na imprensa brasileira. Um veículo sempre se destacou pela ampla cobertura da folia de Momo: a revista "Manchete". Com repórteres e fotógrafos espalhados por todo o Brasil, as edições especiais de Carnaval batiam recordes e mais recordes de tiragem e esgotavam-se em pouquíssimas horas, sempre trazendo belíssimas imagens dos desfiles, blocos e concursos, além de flagrantes ousados dos bailes mais concorridos do Rio de Janeiro.
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dolpho Bloch, dono da "Manchete", sempre foi apaixonado por Carnaval. Desde quando chegou à Cidade Maravilhosa, em 1922 (aos 13 anos de idade), como refugiado judeu escapando da União Soviética, ele havia se encantado com a data e via nela a paz e a alegria que tanto faltava em sua terra natal, Jitomir: uma cidade ucraniana castigada pela guerra e pela perseguição religiosa. O seu amor pelo Carnaval era tanto que ele acabou tornando-se compositor de marchinhas. "Rainha de Sabá" foi escrita por ele em parceria com Carlos Heitor Cony para o Carnaval de 1986. Bloch viu no Carnaval a possibilidade de aumentar de 250 mil para 500 mil exemplares a tiragem da revista, desde que conseguisse ser o primeiro a chegar às bancas. Ou seja, na Quarta-Feira de Cinzas. Armava-se uma operação de guerrilha envolvendo redação e gráfica. Durante dois dias e meio, sábado, domingo e segunda, a equipe da redação ficava trancada na sede da empresa escolhendo as fotos que seriam usadas. As edições especiais de Carnaval da revista eram disputadas nas bancas, geralmente esgotando-se no final do dia com os preços de capa aumentados pelos próprios jornaleiros, que, para atrair fregueses, abriam as páginas duplas cheias de modelos seminuas na vertical. Quando foi inaugurada a TV em cores, temeu-se que os números do Carnaval perdessem o impacto visual e as edições diminuíssem a tiragem. No entanto, elas aumen-
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taram. Durante o resto da semana a gráfica da editora Bloch imprimia mais exemplares. Era arriscado dar a capa para uma escola de samba, mesmo a que houvesse se destacado e contasse com o favoritismo do público, porque o resultado do desfile só seria conhecido com a revista nas bancas. No mais das vezes, a capa trazia uma foto de estúdio. Em entrevista, Carlos Heitor Cony, que escrevia nas edições momescas, comentou que, não raro, exemplares da revista entravam em processos de separação nas varas de família. "Estávamos fechando o número e aparecia um sujeito tresnoitado na Redação, pedindo, pelo amor de Deus, para que não publicássemos a foto dele com aquela mulher enganchada no pescoço", lembra Cony. Depois da falência da Bloch Editores, em 2000, um grupo de jornalistas conseguiu, com autorização judicial, continuar editando as revistas do grupo, sendo que a primeira a sair foi a "Manchete Carnaval 2001". No ano seguinte, o empresário Marcos Dvoskin arrematou em leilão alguns títulos da casa e, com a ajuda de ex-funcionários, lançou mais uma edição em março. Dali em diante, com exceção de 2003, tudo se passou como nos velhos tempos, com os jornalistas botando de novo o bloco na avenida. Até 2008, quando, trazendo na capa a miss Brasil Natália Guimarães, a história da "Manchete" no Carnaval - ou do Carnaval da "Manchete" - se interrompeu.