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É bom dizer “muito obrigado” 28 vezes. Grupo RBS, 28 prêmios no Ranking Jornalistas & Cia em 2017: o segundo grupo de comunicação mais premiado do Brasil. O Ranking Jornalistas & Cia existe há mais de 80 anos e é sinônimo de credibilidade em todo o país. Nos orgulhamos dos profissionais que exercem nosso propósito no dia a dia, fazendo jornalismo e entretenimento, conectando os gaúchos e contribuindo para a evolução do nosso Estado. Por isso, queremos agradecer a nossos jornalistas e comunicadores e, também, dizer um obrigado especial ao nosso público, pela confiança. Queremos estar cada vez mais junto de vocês. Essa é a nossa essência. Nossa razão de existir.


ANGELO AGOSTINI E A REVISTA ILLUSTRADA

Em 8 de abril completam-se 175 anos do nascimento de Angelo Agostini, o mais importante artista gráfico do Brasil no século XIX e um dos pioneiros da imprensa nacional. Nascido em Vercelli, na Itália, Agostini emigrou para o Brasil em 1859, junto com a mãe, que era cantora lírica. Aqui, trabalhou em diversos jornais satíricos ilustrados, como O Diabo Coxo, O Cabrião, O Mosquito e A Vida Fluminense. Em 1869, publicou As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte, considerada a primeira história em quadrinhos brasileira e a primeira do mundo. Agostini é lembrado, principalmente, por ter fundado a Revista Illustrada, um marco editorial do país na época. A publicação satírica, que circulou de 1876 a 1898, foi uma das maiores defensoras da Abolição da Escravatura, além de ter sido altamente crítica da monarquia e do imperador Dom Pedro II, a ponto de o caricaturista ser considerado um dos responsáveis pela deterioração da imagem pública do soberano. Faleceu em 23 de janeiro de 1910, no Rio de Janeiro. Seu nome serviu de inspiração ao Prêmio Angelo Agostini, concedido anualmente pela Associação de Quadrinistas e Caricaturistas de São Paulo aos melhores do ramo e para a criação do Dia do Quadrinho Nacional, comemorado em 30 de janeiro (dia da publicação de As Aventuras de Nhô Quim).

Ou escreva algo que merece ser lido, ou faça algo que mereça ser escrito. Benjamin Franklin (1706 - 1790)

Ninguém ama o mensageiro que traz más notícias. Sófocles (provavelmente 495 A.C a 406 A.C.)

Um jornalista brilhante que desenvolveu um método para localizar criminosos que chama de "Sistema das pistas irrelevantes", mas que vive uma rotina sufocante de editar uma revista sobre crimes. Esse é o ponto de partida de The Big Clock ( na versão brasileira, O Relógio Verde), filme policial em estilo noir de 1948, dirigido por John Farrow e estrelado por Ray Milland. A obra é considerada um clássico do cinema pelo seu elaborado roteiro, que destaca um herói chefe-de-família honesto, uma loira misteriosa, um vilão psicótico e manipulador, e vários personagens coadjuvantes marcantes, esquisitos e engraçados.

Quando ouvimos uma notícia, devemos sempre aguardar o acramento da confirmação. Voltaire - François- Marie Arouet (1694 - 1778)

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SUMÁRIO

Sumário

Diretora-Executiva NELCI GUADAGNIN

RUA SALDANHA MARINHO, 82 PORTO ALEGRE - RS CEP 90160-240 FONE/FAX (51) 3231 8181

Textos: MARCELO BELEDELI

www.revistapress.com.br comercial@revistapress.com.br

Diretor-Geral JULIO RIBEIRO

Diagramação/ Arte Final ESPARTA PROPAGANDA Imagens: Fotografias da entrevista: Jefferson Bernardes/Agência Preview Assinaturas atendimentoad@terra.com.br Impressão COMUNICAÇÃO IMPRESSA

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Comercialização PORTO ALEGRE: (51) 3231 8181 e (51) 99971 5805 com NELCI GUADAGNIN PRESS e ADVERTISING SÃO PUBLICAÇÕES MENSAIS DA ATHOS EDITORA, COM CIRCULAÇÃO NACIONAL, SOBRE OS MERCADOS DE COMUNICAÇÃO E IMPRENSA BRASILEIROS. OS ARTIGOS ASSINADOS E OPINIÕES EMITIDAS POR FONTES NÃO REPRESENTAM, NECESSARIAMENTE, O PENSAMENTO DA REVISTA.

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Almanaque

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Aquário

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Entrevista: Marcos Dvoskin

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Opinião: Mário Rocha

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Matéria de Capa: Jornalismo entre o like e dislike

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Coluna do Tibério

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Grandes Nomes: Assis Chateaubriand

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Especial 21 anos Press

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Artigo: Paulo Argollo

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Galeria: O Boimate da Veja



MIX

Notícias falsas se espalham melhor que verdadeiras Cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) analisaram a propagação de 126 mil posts do Twitter durante os últimos dez anos - e constataram que a mentira vai longe. O estudo, que foi publicado no jornal científico Science, constatou que as notícias falsas (fake news) se propagam mais rápido do que as verdadeiras: elas têm 70% mais chance de serem compartilhadas e levam seis vezes menos tempo, em média, para alcançar os primeiros 1.500 leitores no Twitter.

National Geographic reconhece passado preconceituoso Em artigo de sua edição de abril, a revista National Geographic avaliou seu próprio passado e concluiu ter feito uma cobertura racista por décadas. Entre os erros que o texto identificou, assinado pela editora-executiva, Susan Goldberg, estão ter deixado de fora de suas páginas negros que moravam nos EUA até os anos 1970 e ignorado o apartheid na África do Sul em reportagem de 1962 sobre o país. Ela também apontou que foram usados clichês para descrever nativos de partes variadas do mundo. A distinção estereotipada entre povos civilizados e exóticos não civilizados apareceu, por vezes, em imagens em que nativos se deslumbravam com artefatos tecnológicos.

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CANAL DE JORNALISMO NO YOUTUBE A jornalista Mara Luquet e o publicitário e humorista Antonio Tabet estão a frente do primeiro canal brasileiro exclusivo de jornalismo no YouTube, o MyNews. O patrocínio é da Genial Investimentos. O projeto, que entrou no ar em março, também conta com jornalistas como Cristina Serra, especializada em política, Mariliz Pereira Jorge, roteirista e colunista do jornal Folha de S. Paulo e Thais Heredia, que atua com foco em economia. Além de financiar o projeto, a patrocinadora dará nome ao programa “Economia é Genial”, focado em educação financeira.


AQUÁRIO

A proximidade que nos afasta

Quanto mais nos relacionamos com uma pessoa, mais a conhecemos e quanto mais a conhecemos mais temos a possibilidade de nos identificarmos com ela, ou dela nos afastarmos. Isso serve para qualquer outro tipo de relação, seja com uma marca, uma empresa, uma entidade ou uma instituição. Com a ampliação, nos últimos anos, das possibilidades de contato com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, através de sites de transparências, redes sociais e canais próprios de televisão, entre outros, o brasileiro pode conhecer mais os seus representantes e as ditas instituições que formam a base de nossa democracia. E, infelizmente, quanto mais conhecemos quem deveria nos representar e defender, mais percebemos um fosso entre essas instituições e a sociedade brasileira, mais nos sentimos abandonados à nossa própria sorte. O que são, por exemplo, as sessões do Supremo Tribunal Federal, transmitidas ao vivo pela TV Justiça? Em março, vimos uma delas, que iria decidir sobre um pedido de Habeas Corpus do ex-presidente Lula, ser encerrada antes de ser concluída, porque um dos senhores ministros tinha viagem marca-

da. Depois, ficamos sabendo que o compromisso inadiável que Marco Aurélio Mello tinha e que o retirara, intempestivamente, da sessão que o Brasil todo acompanhava, era uma homenagem que a Academia Brasileira do Trabalho lhe faria no dia seguinte, no Rio de Janeiro. Afinal, qual deveria ser o compromisso do ministro? Com o país ou com o seu ego gigante? No dia 4 de abril, data que então foi julgado o tal Habeas Corpus, o que se viu, mais uma vez, foi uma maratona de juridiquês, de vênias, verborragia hermenêutica e sentido hermético, que têm como principal propósito mostrar o quão são “doutos” nossos ministros e o quanto somos ignorantes, nós pobres mortais que pagamos a conta. E que conta, com auxilio moradia e tudo mais. Como podemos esperar um novo país, se temos um Estado tão distante do povo? Como podemos confiar na Justiça se, a cada dois anos e conforme a composição do STF, temos uma interpretação diferente e oposta sobre a Constituição? Como podemos nos nortear pela nossa Carta Magna se os seus dispositivos são usados ora pra uma coisa, ora pra outra, atendendo a casuísmos políticos e aos humores dos membros da Suprema Corte? O caso (ou descaso) do ministro Gilmar Mendes é exemplar disso. Em 2016 ele firmou convicção pela prisão em segunda instância, menos de dois anos depois, muda completamente de entendimento e vota em favor do tal “trânsito em julgado”, estimulando os recursos infindáveis, uma das principais

JULIO RIBEIRO

julioribeiro@terra.com.br

causas da impunidade no Brasil. Sem pejo algum, destila toda a sua incoerência e toma um voo de volta pra Lisboa. A propósito, nos últimos anos mais de 85.000 brasileiros trocaram o Brasil por Portugal e a cada mês, levas e mais levas de desesperançados e abandonados compatriotas desembarcam em terras lusitanas para tentar uma nova vida. Não sem razão, estão desistindo do Brasil. É neste vácuo deixado pelas instituições, que germina o desencanto da população com a própria democracia e surgem candidaturas de salvadores da pátria, movimentos de desobediência civil e o desejo crescente de muitos por uma intervenção militar. É triste, é lamentável por todos os aspectos, mas são reações ao fosso profundo que se formou entre o Estado e a sociedade brasileira.

Julio Ribeiro é jornalista e publisher da Athos Editora

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GOOGLE FAZ PACOTE PARA EMPRESAS DE JORNALISMO lança projeto Ideias para o Futuro Com o propósito de discutir soluções inovadoras e apontar caminhos para resolver problemas do Estado, o Grupo RBS lançou em março o projeto Ideias para o Futuro. A iniciativa une veículos da empresa em reportagens especiais, entrevistas e análises. Até setembro, cinco séries falarão sobre trabalho, governo, saúde, educação e segurança. O primeiro tema foi o futuro do emprego diante da revolução tecnológica. Especialistas, articulistas, acadêmicos e profissionais que estão vivendo na pele esse novo contexto falarão sobre o tema até 1º de maio, Dia do Trabalhador.

O Google lançou um serviço de assinaturas para empresas de jornalismo. A empresa entrará com tecnologia para aumentar o número de pessoas que pagam por conteúdo jornalístico digital. Isso será feito em duas frentes principais. Na primeira delas, um novo serviço vai permitir que o usuário assine uma publicação usando sua conta do Google, que o manterá logado em todas as plataformas desse veículo. A segunda frente diz respeito ao uso de tecnologia para indicar quem poderia ser um novo consumidor de determinado veículo. O Google entregará ao publisher dados que permitirão individualizar a tentativa de venda de seu conteúdo para cada pessoa.

EMPRESA BUSCA REFORÇAR BOA IMAGEM JUNTO AOS VEÍCULOS Mais e mais atacada pelo domínio crescente da publicidade — forma, com o Facebook, o chamado duopólio digital -, o Google tenta reforçar a mensagem de que está disposto a repartir os ganhos ao longo da cadeia de produção de conteúdo.Diz ter direcionado 10 bilhões de cliques por mês ao publishers em 2017. Além disso, afirma ter distribuído às empresas de mídia US$ 12,6 bilhões — seu faturamento no ano passado foi de US$ 110 bilhões.

Leitores dificilmente checam procedência de mensagens Pesquisa feita pelo site de checagem de informações Aos Fatos com 805 pessoas mostra que serviços como WhatsApp e Telegram são vistos com receio por consumidores de notícias: 43% dos entrevistados disseram não confiar na maioria das vezes em notícias vindas de aplicativos de mensagem. No entanto, 40% delas disseram que nunca ou raramente vão atrás de saber se informações recebidas por esses meios são verdadeiras. Outras 37% dizem que pesquisam a procedência da notícia frequentemente, e os outros 23%, apenas de vez em quando.

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ENTREVISTA

MARCOS DVOSKIN

“A rentabilidade da mídia digital é completamente diferente da mídia tradicional, baseada em publicidade, e os processos são muito mais caros” Aos 67 anos, Marcos Dvoskin já deixou sua marca no jornalismo gaúcho e brasileiro. Formado em Administração de Empresas, pela UFRGS, e em Jornalismo, pela PUCRS, Dvoskin iniciou sua trajetória profissional na área da mídia em 1971, quando trabalhou como serviços gerais na antecessora da RBSTV. Ficou 28 anos no Grupo RBS, onde se destacou como diretor de mídia do grupo, e contribuiu para a construção do Diário Gaúcho, na implantação do Diário Catarinense, em Florianópolis, e na absorção do jornal O Pioneiro, que pertencia a um grupo de Caxias do Sul. Após deixar a empresa, foi ser diretor-Geral da Editora Globo, em São Paulo. Durante os quatro anos na empresa, foi presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas - ANER. Depois, comprou as revistas do espólio da editora Bloch, como Manchete, EleEla, Fatos&Fotos e Pais&Filhos, tendo focado nesta última os seus investimentos e esforços nos últimos anos. Nesta entrevista, Dvoskin fala sobre sua carreira, o modelo atual de negócios em mídia, os problemas das famílias modernas e a situação do País, entre outros temas.

Está há quanto tempo em São Paulo? Fez 19 anos em 29 de março. Lembro porque era o dia do aniversário do meu pai, então, foi o dia em que eu comecei a trabalhar na Editora Globo: 29 de março de 1999. Que intervalo que tiveste entre a Zero Hora e a Globo? Eu sai dia 31 de janeiro de 1999. E no mês de fevereiro eu fui contratado e combinei de começar a trabalhar em março. Foste diretor-Geral da Editora Globo por quanto tempo? Três anos, exatamente o tamanho do contrato que foi feito comigo. Eu fui contratado para um objetivo claro. Eles iam completar um ano de revista Época, que

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foi lançada em maio de 1998, com investimentos significativos. Estavam preocupados porque as coisas não aconteciam do ponto de vista de avanço, melhorias, resultado. Principalmente, o crescimento esperado. Era um projeto ousado, inspirado na Focus, com toda a parceria da editora alemã. Por muitas razões, a Época não tinha decolado. A primeira de todas é que a posição da Veja sempre foi muito grande, consolidada, competente, e se preparou muito para o lançamento da concorrente. A Globo, então, resolveu revisar sua estrutura e começou a olhar pessoas no mercado e eu fui chamado. Um cara basicamente de jornal, não é? Exatamente. Eu lembro, perfeitamente, que fui chamado no Rio

de Janeiro para uma conversa, para avaliar uma oportunidade, por um dos vice-presidentes da Globo. Eu tinha certeza que ele ia me convidar para trabalhar no jornal O Globo. Certeza absoluta. Jornais não são competidores nacionais, porque são regionais. Sempre houve, por parte da Associação Nacional de Jornais, muita conversa, informações, capacitações e tal. Essa relação entre Zero Hora, onde eu trabalhava, e O Globo, Estadão, Folha e outros jornais, sempre foi muito grande. As pessoas se conheciam, e até faziam projetos conjuntos, como foi a própria automação das redações, feito em Zero Hora e em O Globo. Voltando para conversa do Rio, eu tinha certeza de que era algum convite, uma função no Rio de Janeiro e ele me disse "não, a gente quer saber se tu poderias


Entrevista: Julio Ribeiro Fotos: Divulgação

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ENTREVISTA examinar o assunto da Editora Globo, estamos reexaminando a revista Época, não aconteceu bem o que planejamos, e o resumo da ópera é o seguinte: queremos saber se a gente avança com o projeto ou encerra. É esse o desafio". Eu disse: "não sei responder essa pergunta, eu nunca trabalhei em revista, não conheço a Editora Globo, vocês me dão um tempinho que eu vou levantar um pouco mais de informações, não tenho medo nenhum do desafio, acho que é uma bela oportunidade, estou achando isso extremamente positivo, sou completamente favorável, deixa eu entender um pouco melhor". E me dei uma semana e vim para São Paulo. Conversei em duas frentes, com jornalistas e com anunciantes e agências para poder ter um termômetro, entender a coisa. Voltei e disse "aceito, vamos enfrentar esse desafio". O que tu fizeste? Conversando com os jornalistas e com a agência de conteúdo, percebi que o projeto precisava de um ajuste. Era um projeto literalmente igual à revista alemã, a Focus. Um projeto lindíssimo, maravilhoso, do ponto de vista gráfico, do conjunto, do conteúdo, da visão, do caminho. Mas a diferença entre os projetos Veja/Época era muito grande. Então, o que se fez foi um ajustamento do projeto, para aproximar mais para cá. Fizemos até duas reuniões em Munique, com a Focus, para fazer o processo de entendimento um pouco melhor do que era, de acordo com nossa redação, nosso comercial. Era uma franquia? Era um royalty. Pagava-se um royalty para aquela marca. Hoje, eu não sei qual é a realidade da Época com Focus. Mas na época era assim. Os alemães foram mui-

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Mais de 50% da publicidade mundial já está entre Google e Facebook. A publicidade não cresceu, ela saiu daonde? Das mídias tradicionais. E, dificlmente, voltarão.

to atenciosos, competentes e muito claros com relação ao que era o projeto deles. E aí a gente fez os ajustamentos e, obviamente, alavancamos um novo projeto editorial num processo de marketing violento de comunicação para dizer dessa nova ideia, desse novo conceito, e fizemos várias ações de marketing pesadas. Saímos de uma situação de 100 mil exemplares para 750 mil semanais. A Veja, tinha de 800 mil a 1 milhão de exemplares. Também havia a IstoÉ, que tinha mais de 300 mil exemplares. Essa realidade hoje é bem diferente, não é? Sim, é. Mas, estávamos buscando um patamar na casa dos 400 mil exemplares semanais. A Época foi a 700 mil, anabolizada, e depois voltou ao patamar desses 400 mil, ficou muito tempo nisso. Depois, entrou a crise de audiência que segue, da imprensa em geral.

Achas que tem algum ponto de retorno aí na frente ou essa é a realidade com que nós vamos ter que trabalhar? Eu não sei. Minha leitura não é de hoje. Aqui na Pais & Filhos, a gente mexeu no projeto há uns sete anos. A gente focou nosso negócio em Pais & Filhos. Segundo, fizemos o processo de digitalização, investimento em redes sociais e fortemente no site. O primeiro projeto para iPad no Brasil foi nosso. A gente enxergou isso com antecedência. E mais, buscamos amplificar o leque, com eventos, encontros, parcerias, etc. Temos um canal premium no Youtube, há tempos. Fizemos parcerias com Discovery, amplificando a marca Pais & Filhos. Acho que o papel da imprensa vai continuar, mas de outra forma. Os números de hoje que estão no editorial da Folha e do Estado dessa semana falam que, da publicidade mundial, mais de 50% a 60% já estão entre Google e Facebook. A publicidade não cresceu,


MARCOS DVOSKIN ela saiu da onde? Das mídias tradicionais e, dificilmente, voltarão. Agora, se nós pegarmos a mesma torta de 1999, de distribuição das verbas publicitárias, revistas chegavam a ter 11% do total. Hoje, tem 4,5% a 5%, ou seja, menos da metade. Então, tem um quadro ruim, mas eu não acho que termina, não, pelo contrário. Eu sou otimista e realista. Não tem a menor chance de a gente voltar para a mesma situação que tinha, mas também não termina aí. As empresas vão se ajustar. Algumas vão conseguir, outras não. Muitas não estão conseguindo. A base dessa sobrevivência é o conteúdo ou o projeto comercial? Primeiro, o conteúdo. Conteúdo, conteúdo, conteúdo. Aquele conteúdo que não interessar, que não for referência, vai acabar. Essa semana a Folha de S. Paulo estava em um seminário internacional, discutindo a saída dela do Facebook, que é uma mudança de paradigma em relação às redes sociais. O conteúdo é o que as pessoas vão continuar buscando. Alguns vão conseguir, outros não, porque a qualidade é diretamente proporcional ao investimento que se faz em gente. Os jornais sofreram mais, porque a revista, de certa forma, tem uma permanência maior. Não trabalha o factual. As veiculadas pelos jornais de amanhã pela manhã já estarão velhas. Eu acho que é isso mesmo, mas tem um outro aspecto. De novo, vamos olhar o bolo da audiência: ele se dividiu entre redes sociais, revistas, jornais, televisão… Isso é uma coisa. A outra coisa que mudou drasticamente é o bolo de receitas: os grandes jornais mundiais tinham cerca de 30% de sua fonte de receitas nos classificados. Hoje, é praticamente zero. Dos 40%, 50% oriundos da publicidade, o volu-

A gente focou nosso negócio em Pais&Filhos. Segundo, fizemos o processo de digitalização, investimento em redes sociais e fortemente no site. O primeiro produto para Ipad no Brasil foi nosso. me caiu pela metade, quando não mais. Então, aqueles 100 pontos que se tinha de receita, viraram 40 a 50. Estou sendo otimista. Não tem como derrubar custos nessa ordem, então as rentabilidades ficaram totalmente comprometidas. E nessa modelagem de receita originária do digital, a mais atraente, que consegue sobreviver, é do New York Times e do Washington Post. Mas, foi um processo de investimento pesado, achar a modelagem correta, fazer investimentos pesados porque tinha uma estrutura de capital e condições de fazer. Agora já conseguem fazer uma receita, mas a rentabilidade é completamente diferente da publicidade tradicional, custa muito mais esse processo do que custava o outro. Os jornais sofreram demais, mas as revistas também sofreram bastante, principalmente na parte da publicidade. Mas tem gente se beneficiando do inimigo, ganhando dinheiro com AdSense, Google... Sem dúvida. Mas mais eles, porque hoje de 100% de uma receita do Google o que ele distribui é nada, praticamente nada. Hoje você pode investir no Google de R$ 1,00 a R$ 1 bilhão, dependendo do que se quer. É uma outra estrutura. Vá no prédio, aqui na Faria Lima, em São Paulo, onde está o Google. Três andares, um dos edifí-

cios mais bacanas da cidade, uma estrutura linda, alinhada. Eles têm 500 funcionários na área comercial. A área de tecnologia deles está em Belo Horizonte, atendendo os vários clientes, construindo soluções, são competentes. Mas o negócio mudou completamente. E isso é meio avassalador. É como uma guerra de titãs, não? Eu acho que essa guerra que agora o Facebook declarou oficialmente, que mudou seus algoritmos em função da mídia tradicional, está pesada. Os que apostaram muito em ficar dependentes do Facebook pelo menos por um período estão atrapalhados. Mas o Facebook também está com desafios. Teve queda de audiência recentemente entre a juventude. O modelo está se esgotando? Está voltando a crescer o Twitter, está aparecendo Snapchat, Instagram de uma maneira importante. Mas o jovem, realmente, do ponto de vista da leitura do papel, eu acho complicado. Os projetos digitais de conteúdos qualificados de New York Times, de Globo, de Folha, de Estadão, da gente como revista, vão ter que passar pela qualidade em digital. E mais: no digital, 80% em mobile e 20% para desktop. Na Internet, os texto têm que ser curtos. Vocês produzem textos mais cozinhados, percebem diferença? A gente não faz texto longo já faz algum tempo. Hoje quem faz e faz muito bem texto longo no Brasil é a revista Piauí. Fora isso, toda a imprensa, de um modo em geral, tem uma pauta, uma boa história, e você trabalha. Não vejo mais conteúdo de profundidade. Nos domingos, em São Paulo e no Rio de Janeiro, os jornais tradicionais

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ENTREVISTA têm as revistas ilustradas, até tem material especial, mas conteúdos maiores já não têm. Quando o cara quer aprofundar ou vai para um livro ou para algumas coisas mais especializadas. Agora, a história tem que ter início, meio e fim. Isso não se faz em meia página, 10 linhas, dependendo do que for, não faz. Por isso, eu acho que as diversas ferramentas são importantes. Quando a Pais & Filhos foi concebida, a família tinha pai, tinha mãe, tinha filho. Hoje é completamente diferente. Completamente diferente. A gente teve a felicidade de trazer para cá uma editora que gostava do assunto, que é a Mônica Figueiredo. O projeto que tinha aqui de concorrência era um projeto de serviços para a família, como dar leite, como dar banho, como trocar fralda, serviços, basicamente. Nós entramos numa área de comportamento. E a gente viu que não era uma revista relacionada com filho. Nosso assunto é família. Esse foi o nosso diferencial. A gente tem cliente pai, mãe, avô, tio, etc. Esse é o nosso leitor. Se pegar nossas audiências você vai ver que, a gente tem 4 milhões de audiência em Facebook, ainda, já tivemos 15, 20 milhões, antes dessa mudança de algoritmo. Basicamente, as pessoas se apaixonam pela gente por essa questão de conteúdo de comportamento. A gente tem dois grupos na área de conteúdo digital: um são os nossos embaixadores, aproximadamente 60 pessoas que só falam sobre isso, e outro são as nossas blogueiras, que são umas 40. A gente as divulga e elas divulgam a gente. Fazemos encontros, troca de informações, mas sempre, muito, focado em comportamento. Ser pai e mãe está mais difícil? É muito mais complicado.

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Que idade tem os seus filhos? Têm 40, 38 e 36. Se tivesse um filho único te atrapalharia bem mais? Totalmente, bem mais difícil. É outra relação. O que continua sendo igual? Amor, atenção, carinho, participar, ouvir, não só falar, e ainda essas coisas de limites são relevantes. Autoridade, no bom sentido da palavra, para que você tenha condições de pelo menos dar balizamento. Os pais perderam a autoridade, a boa autoridade. Se os pais não estabelecem um certo limite, uma autoridade, eles vão buscar isso em algum lugar... Eu não sei te responder. Essas movimentações da sociedade estão

muito fortes ainda, principalmente na nossa área tem algumas reações fortes na questão da família, de posicionamentos. Por exemplo, temas como amamentação são temas que dependendo do jeito que se aborda tem uma guerra do lado A contra o lado B que são relevantes. E nós nos posicionamos. Somos francamente favoráveis a que a amamentação se dê até o primeiro e segundo ano. A mãe que não amamenta não é diferente de outra mãe, não é menos mãe. Essa guerra, às vezes, é muito pesada em vários itens. E a gente defende as nossas posições fortemente. A família vai sempre existir? Vai, mas vai mudando. A capa da edição do mês de março é a história de uma família com um filho e

Os grandes jornais mundiais tinham 30% de sua fonte de receitas nos classificados. Hoje é, patricamente, zero. Dos 40% a 50% oriundos da publicidade, o volume caiu pela metade, quando não mais.


MARCOS DVOSKIN que de certa forma ele está sendo criado dentro de uma comunidade, entre amigos e tal. Como é que ele se relaciona. A marca Pais & Filho faz 50 anos em setembro. No nosso projeto 50 anos, a cada mês a gente faz uma abordagem em relação a um tema que vemos para o futuro. É um projeto bem interessante falamos sobre como estamos enxergando a tecnologia, a educação, a escola pros próximos anos. Que escola é essa que vamos deixar para os filhos? Ou que filhos vamos deixar para a escola? Essa é a conversa de sempre. Lá atrás, os pais também não conversavam muito com os filhos, não é? O pai ligava a televisão ou o rádio. O pai era provedor, a mãe era dona de casa e não havia uma grande comunicação. A grande questão nas famílias é a comunicação? Eu não sei. Eu acho que a grande questão continua sendo amor, carinho, respeito, autoridade, liderança. Pai e mãe é exemplo. Como é que você se posiciona em cada um dos assuntos? Veja a alimentação: um filho escolhe uma comida, outro escolhe outra, um quer comer às 17h, outro às 20h, e a casa tem uma cultura em que isso é permitido. Não sei se isso é certo ou errado. Nós achamos que é errado. Achamos que tem que ter uma linha, pode todo mundo participar, mas define uma linha e a família se organiza. Agora, essa coisa de ficar solta, não tem como. O que a gente percebe é uma preocupação cada vez maior das mães. Cada vez que nasce um filho, nasce também uma mãe, uma blogueira, uma jornalista. Porque cada mãe, no seu início, quer desenvolver, informar, contar. O exemplo que nós temos dos nossos líderes também não acaba contaminando a alma coletiva?

Eu acho que sim. No Brasil tem uma desesperança. O brasileiro, que é otimista por natureza, vem cansando, porque é um processo que vem de muito tempo e uma expectativa que vai sendo frustrada. Esse processo de Mensalão, de Lava Jato, cansa o povo. Eles trouxeram a luz, mas mostram a dimensão dos problemas do Brasil, e nenhum de nós poderia imaginar a dimensão que isso ganhou. Que se roubava no Brasil a gente sempre soube, que tem um lobby em benefício de empresas, de negócios, de atividades, a gente sabe. Mas a dimensão eu duvido que alguém pudesse enxergar, há três anos, como a construção de empresas com um único objetivo de buscar recursos frios, de dimensões extraordinárias. Tu és um otimista, um pessimista ou um desanimado? Eu sou totalmente otimista, mas realista. Acho que o Brasil vai demorar a se ajustar. A nova geração de políticos, de eleitores, vai ver isso? Eu acho que o eleitor vai muito mais devagar do que deveria. Eu acho que o eleitor ouve, ouve e ouve, mas não sei se ele entende. Se nós passarmos o dia inteiro ouvindo o noticiário só falando de roubalheira, não sei se isso está ajudando como poderia. Com essa carga muito grande ele vai se afastando, se afastando. E aí na hora de votação, decide ali no dia. Depois de 19 anos em São Paulo as pessoas já acham que és paulista? Não, aonde eu vou as pessoas me perguntam se eu sou gaúcho. Eu amo São Paulo, adoro, não moraria, hoje, em outro lugar do ponto de vista de trabalho e relacionamento. Adoro morar aqui, adoro a parte de

trabalho, adoro restaurante, adoro correr no parque, mas amo o Rio Grande. Eu sou gaúcho. Agora, passei o Carnaval na praia de Rainha do Mar. O que faço é acompanhar um pouco à distância o que acontece no Estado. Afinal, já fui até conselheiro do Inter. Não vê os jogos? Muito pouco. Embora eu tenha meu pay-per-view, quando eu posso vejo jogos importantes, relevantes. Eu tenho meu clube aqui em São Paulo, que é o Corinthians, mas eu sou Inter. Ainda tens vontade de fazer muitas coisas, projetos? Sim, muita coisa, mas eu ouvi uma frase de um executivo bem importante, que é o seguinte: quando tu chegas num determinado momento da tua idade, tu tens o maior tesão do mundo, mas tens a dificuldade de ir no detalhe da gestão de uma empresa. Esse é o papel que eu exerço aqui, a gestão. Eu sou o gestor. O detalhe é muito importante para mim. Quando você vai cansando, vai menos ao detalhe. Então, eu estou encaminhando para a sucessão da gestão geral, fazer a troca de figuras. Quem é mais jovem, que está iniciando, mas que já tem uma certa experiência, faz melhor do que quem é mais velho. Não é o "eu acho", é uma informação. O cara vai no detalhe, e no detalhe sempre tem coisa para melhorar, consertar, revisar processo, revisar gestão, mudar a organização, revisar pessoas, entende? O meu encaminhamento pessoal é fazer o processo sucessório da empresa aqui, que está em andamento. Sai Marcos e entra alguém. E o que tu vais fazer depois? Aposentadoria, para me divertir. Nada que tenha urgência, mas que tem importância.

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OPINIÃO

O Brasil que a Plim-Plim quer ver

É só abrir a oportunidade de aparecer na telinha da Vênus Platinada (cáspita, quem ainda chama a Rede Globo assim?) que o povão se coça. Assisto numa boa aos diversos quinze segundos de fama individual, em dupla, trio e até grupal pipocando pelos 5.570 municípios dos 8 milhões, 515 mil e 770 metros quadrados do território nacional. Viajo por um Brasil mais real e gosto disso. Mas imagino que a proposta original visasse a, dois pontos: caracterizar a presença da poderosa em todos os cantos e recantos, pontilhando progressivamente o mapa; fazer isto por meio da interatividade com a audiência e, de quebra, revelar paisagens bem legais de cada comunidade, os tais marcos visuais caracterizadores. Porto Alegre, por exemplo, tem a ponte do Guaíba, o tchê Laçador, a Arena da OAS e o Gigante da beira do rio que não é rio, dizem, mas lago. Ah! Quase me esqueço do ocaso do Sol mais lindo do mundo... Se era isso, furou! O pessoal começou a fazer “vídeo selfie” para mostrar lixão, rio assoreado, buraco na via pública e por aí vai. Está diferente do esperado, certo, mas continua um bom negócio para a Vênus. Seguem excelentes as expectativas, tanto as de promoção institucional quanto as de retorno financeiro. Ninguém acessa o Termo de Uso e

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Outras Avenças da Plataforma Colaborativa TV para descobrir que o material enviado poderá ser utilizado pela Globo a seu (dela) exclusivo critério e sem limitação de prazo. Incontáveis ninguéns, então, não ficam sabendo que ao cederem a própria imagem vinculada ao entorno estarão concedendo à Globo “automática e gratuitamente, em caráter irrestrito, irrevogável e irretratável”, licença para “utilizar/ fixar o Material, na íntegra ou em partes, nas obras audiovisuais por esta produzidas...”. Nem que ela poderá “dispor livremente do material” e dar-lhe “qualquer utilização econômica, sem que ao INTERNAUTA caiba qualquer remuneração ou compensação...”. Poderá a Globo “comercializá-lo em qualquer suporte material” e “ceder os direitos sobre o Material a terceiros, ou, dar-lhe qualquer outra utilização, podendo, ainda, reduzi-lo, alterá-lo, compactá-lo ou editá-lo”. Que coisa, não é? Quanto maior a quantidade de vídeos enviados, maior o potencial de comercialização após tratamento por análises quantitativas e qualitativas. Me ajudem, por favor, a encontrar alguma declaração tranquilizadora, pois até na Política de Privacidade Globo.com só aparecem os direitos da organização de utilizar as nossas informações cadastrais e de navegação com valor de mercado. Sinto, pelo teor das falas, que já há futuros candidatos postando vídeos. Não é um arrepio à legislação eleitoral? Qual a política de veiculação adotada pela Globo? Como se dá a seleção do que vai ao ar? Todos os vídeos enviados terão divulga-

MÁRIO ROCHA

mario.rocha@ufrgs.br

ção em canal aberto nas emissoras próprias e afiliadas das respectivas regiões e preservados na internet, com acesso liberado a todos os partidos políticos? Há muitas perguntas mais que são necessárias para fazer evaporar, via respostas bem aceitáveis, minha desagradável sensação de que estamos frente a mais uma usurpação midiática. Acredito que muita gente – talvez até você, leitor ou leitora – ainda não se deu conta da profundidade e impacto do clima geral de insatisfação que, felizmente, nos assola. Felizmente? É, felizmente! Cansada de tantas tretas e mutretas, a cidadania está botando a boca no trombone, o nariz onde não é chamada, as mãos nos cartazes e faixas de protesto ou apoio e os pés nas difíceis trilhas que levam à Democracia plena, não a este arremedo de democracia que a Imprensa com catarata, a Política zarolha e a Justiça cega estão nos oferecendo.

Mario Rocha é jornalista e professor da Fabico



MATÉRIA DE CAPA

O jornalismo entre o


Se praticar o jornalismo na Internet é, ainda hoje, um desafio para os veículos de comunicação, a presença nas redes sociais não é menos desafiadora. Pelo contrário, canais que aproximam empresas jornalísticas da sociedade quebraram um paradigma histórico nessa relação. Até pouco tempo, o jornal impresso ia para as bancas com uma variedade de notícias divididas em editorias tradicionais. O leitor comprava o jornal e era de sua escolha o conteúdo que seria lido na íntegra. Se algum texto desagradasse, bastava passar para o próximo ou, no máximo, enviar uma carta criticando a abordagem do jornal. Verificar instantaneamente a reação do público era impensável. De repente, esses dois lados estão juntos, um diante do outro, nas redes sociais. A notícia é divulgada e, imediatamente, surgem as reações e os comentários. Agradar é uma necessidade, pois só assim o jornal atrai público para o site, gerando receita com anúncios ou conquistando novos assinantes. É aí que surgem as estratégias para fisgar o internauta. Uma delas é o clickbait (caça-clique). Títulos que instigam, em vez de revelar, se tornaram comuns, contrariando tudo o que foi e é ensinado ao jornalista durante a graduação. Ao estudante em formação e nos manuais de redação, a orientação é clara: o título precisa ser tão conciso e informativo quanto o lead. Deve, portanto, apresentar a essência da notícia em uma frase curta. Nem sempre é o que acontece. O que aparece, com frequência, são títulos com interrogações, como “A polícia já tem suspeitos do homicídio contra Marielle? Saiba como está a investigação”, publicado pelo UOL em sua página no Facebook, em 19 de março. A resposta à pergunta


MATÉRIA DE CAPA trazida no título é não, mas o leitor só saberá disso quando chegar ao décimo parágrafo do texto. Um recurso comum é usar enumerações para chamar a atenção do usuário, como fez o perfil do G1 no Twitter, em 19 de março: “4 razões pelas quais a Rússia reelegeu Vladimir Putin presidente”. As postagens caça-cliques recorrem, ainda, a títulos no modo imperativo, para gerar senso de urgência na leitura. Foi o caso, por exemplo, da Zero Hora, no Twitter, no título “Entenda o que ficou definido na reunião entre Temer e Sartori” (15 de março). Outro método é o uso de pronomes, omitindo algum elemento importante do lead: “Esta é a estratégia da Netflix para atrair mais audiência” (perfil da revista Exame no Facebook, em 17 de março). Todas essas abordagens fazem parte de estratégias de marketing de conteúdo. Compare o formato desses títulos com os que são utilizados em redes sociais e blogs de marcas. Os recursos para gerar o tráfego orgânico são os mesmos. A necessidade de gerar receita a partir do acesso digital tem colocado o jornalismo em um caminho perigoso: vale tudo para sobreviver nesse ambiente? Se a preocupação é o clique, há espaço para uma análise sobre ética e critérios de notícias? O que prevalecerá: o interesse público ou o interesse do público?

O que os internautas buscam? Para oferecer conteúdos que sejam atrativos para o público nas redes sociais, os veículos de comunicação precisam identificar, primeiro, o que esse público quer. Só que esse ambiente é caracterizado pelas bolhas de interação, em que os membros tendem a compartilhar dos mesmos gostos e posições ideológicas.

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É possível verificar, na prática, que muitas ideias propagadas nas redes sociais podem, facilmente, destoar da realidade. Você acha, por exemplo, que o interesse pelo Big Brother Brasil está aumentando ou diminuindo? Provavelmente, a resposta dependerá da sua própria bolha, mas é comum que a cada nova edição sejam feitas críticas à continuidade do programa nas redes sociais,

dando a impressão de que o BBB já não tem um público tão expressivo quanto já teve no passado. Mas isso não é verdade. Em 2017, o interesse registrado, de acordo com pesquisas feitas por internautas no Google, foi o dobro do verificado em 2014. A ferramenta Google Trends traz esses resultados, apresentando-os em uma escala de interesse que vai de 0 a 100. As buscas pelo termo BBB17 atingiram o pico em abril


TÍTULOS CHAMA-CLICKS O jornalismo está usando diversos recursos para gerar tráfego orgânico. Entre eles, o uso de manchetes para despertar a curiosidade dos leitores

do ano passado. Na comparação, a pontuação máxima das pesquisas por BBB14 foi 51. Esses dados estão mais próximos da audiência registrada. De acordo com levantamento Kantar Ibope, a atual edição do reality show (2018) já atingiu a maior audiência desde 2012 na grande São Paulo. Quando a pesquisa foi feita, o programa ainda estava na metade da temporada.

Voltando ao Google Trends, desde 2004, a pesquisa pelo termo Big Brother Brasil no buscador atingiu o ponto máximo de interesse em março de 2010, com 100 pontos. O segundo pico de interesse ocorreu em março deste ano, com 76 pontos. As edições 2017 e 2012 atingiram a marca de 71 pontos. Mesmo diante de contextos que parecem gerar uma grande mobilização, a noção sobre o que move o interesse do público pode não condizer com a realidade. Na semana em que a vereadora Marielle Franco foi assassinada, o tema tomou conta do debate em todos os canais de comunicação, gerando polêmicas e até críticas quanto ao excesso de cobertura do caso. No Google, esse não foi o acontecimento que mais gerou buscas, no Brasil. Um dia antes da execução de Marielle, foi anunciada a morte do físico teórico Stephen Hawking, que gerou muito mais pesquisas no buscador. Na comparação entre os termos “Marielle Franco” e “Stephen Hawking”, a vereadora atingiu 39 pontos na escala de interesse do Google Trends contra 100 para o físico. O estado que mais realizou buscas pelo termo “Marielle Franco” foi o Rio de Janeiro. Já “Stephen

Hawking” foi mais pesquisado no Amapá. Se esses exemplos, tão pontuais, já surpreendem em relação ao interesse do público, o que dizer do amplo espectro de fatos noticiados todos os dias pelos veículos de comunicação? Para o jornalismo, esse cenário é desafiador. Nunca se teve tanto acesso ao que gera o interesse do público e, menos ainda, a como esse público reage ao conteúdo. Soma-se a isso a dificuldade financeira enfrentada pelas empresas jornalísticas, que ainda estão em busca de um modelo de negócios que seja rentável na Internet.

Quem não se propaga, se trumbica “O jornalista está cada vez mais pressionado”, define o professor Paulo Pinheiro, da ESPM-Sul. E em meio à pressão, precisa conciliar fatores que interferem diretamente na qualidade do conteúdo entregue, sobretudo, a rapidez na publicação da notícia e o formato, que precisa ser atrativo para repercutir nas redes. A propagação, lembra Pinheiro, não pode ser ignorada. É o que defende o pesquisador Henry Jenkins, em seu novo livro, Mídia Propagável, no qual sacramenta: “aquilo que

Ferramenta Google Trends demosntra que o BBB 2017 registrou o dobro do interesse do público registrado na edição de 2014 do programa

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MATÉRIA DE CAPA não se propaga está morto”. “Ele está certo”, opina o professor. A realidade, agora, é a cultura do “curtir e compartilhar”. E o jornalismo terá que se adaptar a ela. “Se não se propagar, o jornalista escreveu para nada, para o vazio”, pontua Pinheiro. O grande dilema está nos mecanismos que serão usados para gerar essa propagação. É fácil perceber que é mais provável que uma controvérsia do BBB seja mais compartilhada do que uma notícia de economia ou política. O professor da ESPM-Sul reforça, ainda, que outro modelo de grande repercussão são as notícias falsas. “Uma pesquisa recente mostra que uma fake news tem 70% de chance de se propagar mais do que as notícias verdadeiras.” A matéria falsa tem um título sensacionalista, apela para polêmicas e acaba se espalhando mesmo quando a intenção é alertar para a mentira. A saída, então, é se render ao sensacionalismo e ao interesse do público? Pinheiro reforça que não. As matérias de impacto tem um potencial enorme de propagação. “O que eu acho mais importante é que os grandes valores continuam, independentemente da rede social.” O professor salienta que as barreiras que dificultam a repercussão do conteúdo jornalístico, como os algoritmos do Facebook, não são suficientes para conter uma boa reportagem investigativa, por exemplo. Quanto à pressão do tempo, o consultor e pesquisador de marketing digital e influencer marketing, Gabriel Ishida, aponta que nem sempre a agilidade é determinante. “O Nexo (jornal digital) não tem essa preocupação de ser real time. O artigo sai no dia seguinte, mais profundo sobre tudo o que ocorreu.” Para Ishida, veículos como o Nexo e Huffington Post, que já nasceram no ambiente digital enfrentam desafios que são menores dos que estão

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colocados à mídia tradicional. É o caso dos jornais impressos, que tentam replicar o modelo com o qual estão habituados ao online. “A Editora Abril sofreu bastante com isso. Só sobreviveram as revistas que já tinham uma proximidade maior com o digital, como a Capricho.”

Facebook, uma rede hostil A decisão da Folha de S.Paulo, que optou por parar de alimentar sua página no Facebook, é um dos fatos recentes que levanta questionamentos sobre a forma como a principal rede social está agindo em relação ao conteúdo informativo. Os algoritmos, agora, vão priorizar o conteúdo entre amigos e parentes. Os usuários já notam a diferença: as publicações dos mais próximos é a que aparece

com destaque. Essa mudança, explica Gabriel Ishida, já havia sido adotada em relação às páginas corporativas. As marcas, que antes utilizavam a rede social para atrair e gerar tráfego orgânico para seus sites ou mesmo para vender, diretamente, seus produtos, perderam visibilidade. “O Facebook não quer que as empresas usem o alcance orgânico. Antigamente, eles desvalorizavam as marcas, mas continuavam valorizando o informativo. Agora, a situação chegou também ao conteúdo noticioso.” No caso das marcas, houve a reclamação na época, e a saída foi começar a investir para conseguir destaque ou utilizar o marketing de conteúdo como forma de aparecer na rede como material informativo. Agora, visibilidade só com anúncios. O professor Paulo Pinheiro passou


PAULO PINHEIRO

GABRIEL ISHIDA

Professor da ESPM-Sul

Pesquisador digital

quatro anos e meio estudando os algoritmos da rede, a principal usada pelos brasileiros. “O Facebook é um território hostil para o jornalismo”, revela. Essa característica não vem de hoje, mas com a mudança recente, as barreiras aumentaram. Sobre a decisão da Folha, Pinheiro diz que é difícil avaliar o impacto, “O que a Folha está fazendo é proteger seu conteúdo. Está entregando menos do que está produzindo.” Ishida aponta que o modelo priorizado pelo Facebook “é, na verdade, um modelo para tirar dinheiro de todo mundo”. O anunciado pelo fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, é que a revisão terá o efeito de coibir a propagação de fake news. Esse ponto é controverso e, até agora, não se pode dizer que o propósito será bem sucedido. Para Pinheiro, na medida em que as pessoas ficam restritas ao conteúdo que circula em suas próprias bolhas e deixam de ter acesso às

apurações jornalísticas, as notícias falsas podem ter maior alcance. Ishida aponta para outra possibilidade: como o formato das fake news replica o modelo do conteúdo noticioso, também tendem a ser barrados. Mas e quando esse conteúdo passa como memes ou postagens dos usuários?

Depois do embate, o amadurecimento Mais um estigma que é derrubado pelos fatos é o de que os internautas brasileiros não estão interessados em notícias. O Brasil é o país que registra o maior crescimento no uso das redes sociais para obtenção de informações, de acordo com pesquisa do Instituto Reuters de Estudos sobre Jornalismo. O levantamento foi feito com 26 países e mostra que 72% dos brasileiros afirmam usar redes sociais para ler notícias. Engana-se quem pensa que esse interesse está concentrado no pú-

blico mais velho. Outro estudo – da Agência Pública em conjunto com alunos da ESPM-Rio e o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo – revela que o maior grupo de leitores das páginas de imprensa no Facebook são os jovens. A pesquisa considerou a principal faixa etária em três tipos de páginas de informação: as de orientação esquerda, as de posições de direita e as de imprensa. O maior grupo de seguidores das páginas de esquerda tem mais de 50 anos. No lado oposto, as páginas de direita congregam maioria entre 41 e 50 anos. Já os seguidores das páginas de imprensa têm idade entre 20 a 30 anos. Essa revelação confirma a perspectiva de Gabriel Ishida: a fase atual das redes sociais é marcada pelo amadurecimento. “Todos os meios passam por três fases: criação, testes e maturidade”, ensina. Estamos caminhando para a última, pontua. “O usuário médio já tem muito mais consciência de como funciona a rede social. Essa maturidade é boa para todo mundo, porque ele começa a se engajar mais e a ter um maior controle.” Algumas questões começam a despertar a atenção, como a privacidade e as fake news. Um período em que é possível notar as mudanças de comportamento dos usuários deve ser a eleição, aposta. Segundo Ishida, é possível que no pleito deste ano a principal mudança em relação às últimas eleições esteja na maior vigilância das pessoas quanto aos boatos e matérias mentirosas. “Vai ter uma busca por fake news e denúncias mais fortes. Vai ter mais controle.” É um processo natural, sinaliza. Com o tempo, as pessoas aprendem a usar melhor as redes sociais. Ishida prevê que essa maturidade vai levar os usuários a se informarem e se engajarem mais.

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COLUNA DO TIBÉRIO

TIBÉRIO VARGAS RAMOS contato@tiberiovargasramos.com.br

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espírito e os gestos do repórter sempre sofreram influência da notícia e dos entrevistados. Quem cobria o Parlamento se vestia e se comportava como um deputado, data venia. Os setoristas do Executivo pareciam altos funcionários das repartições públicas, engravatados, de difícil acesso. Os jornalistas de economia podiam ser confundidos com um empresário em dificuldades financeiras. A editoria de esportes lembrava uma concentração de time de futebol. A cultura parecia o camarim de um teatro. Os repórteres de polícia ostentavam revólver na cintura. Os editorialistas usavam suspensórios como o dono do jornal. A academia, com produção em série de focas, trouxe mais neutralidade às redações. O gaúcho tem tradição em ler polícia, não só nos tabloides, mas até no standard Correio do Povo, de Breno Caldas. As novas gerações saídas da “escolinha”, assim designada pelos antigos jornalistas, oxigenaram a editoria, na cobrança e fiscalização da polícia, contra a corrupção e na defesa dos direitos humanos. A morte do preso político sargento Raimundo Soares, em 1965, o Caso das Mãos Amarradas, cadáver encontrado no Guaíba, no segundo ano da ditadura, foi denunciado pela imprensa gaúcha. A edição policial teve peculiaridades na ditadura. A Folha da Tarde fazia, nos anos 1970, uma cobertura melodramática, teatro grego de tragédia e sátira, com humor, bem de acordo com a postura irreverente de seu editor Antônio González. A Folha da Manhã, em seu momento auge, ficou marcada por uma cobertura contra a polícia. Seguia a linha Robin Hood, a defesa do fora-da-lei que roubava da nobreza para dividir entre os pobres. Nos anos 1980, a Zero Hora deu uma guinada do policialesco, sua marca registrada desde a Última Hora, para o relato literário, sob o comando do elétrico e violonista José Antônio Ribeiro, o Gago. Destacou-se o texto brilhante de Clóvis Ott, correspondente internacional que cobriu a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 1974, pelo Correio, e no retorno ao Brasil só conseguiu emprego como repórter policial. Na concorrência com a Zero, Breno Caldas me tirou da Folha, aos 32 anos, e me colocou como editor do Correio para

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Delinquentes de Porto Alegre possuem tatuagem de palhaço no ombro, que os indentifica como matadores de policiais

ampliar o espaço e assinar uma coluna diária de historietas criminais, sem romper a fleuma do jornal. Inacreditável: o doutor Breno parou a Redação para me apresentar como novo reforço. Nos anos de chumbo, a cobertura centralizava-se nas delegacias especializadas. A Brigada Militar tinha estrutura militar de difícil acesso e a Polícia Federal pior ainda. Parava-se na portaria. Eu odiava. Ao contrário do livre trânsito aos diversos setores do Palácio da Polícia, menos o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), no segundo andar, e DCI (Divisão Central de Informações), no terceiro, órgãos voltados para a repressão política. Nas entrevistas coletivas, muitas perguntas ficavam sem resposta “nada a declarar”. Mas na formulação da pergunta, reproduzida em nosso texto, passávamos o recado ao leitor. Era um jogo de coragem. Tanto a Caldas quanto a Zero tinham rádios varredura, proibidos, capazes de ouvir os sinais da polícia e assim facilitar a cobertura factual 24 horas. Conhecíamos os códigos e acompanhávamos o deslocamento das viaturas para atender as ocorrências mais graves. À tarde, nas especializadas, ampliávamos o noticiário com as investigações. Os desdobramentos dos assassinatos de repercussão e dos


Entrevistas coletivas: “nada a declarar” tes que possuem tatuagem de um palhaço no ombro. Ela identifica os matadores de policiais em Porto Alegre. Uma lágrima preta embaixo do olho aponta o assassino profissional.

A intuição do velho repórter

roubos espetaculares eram divulgados diariamente como se fossem novelas em capítulos.

Bandidos e mocinhos

Surgiam anti-heróis, como se fossem bandidos do faroeste. Notabilizaram-se Ringo, Orelha de Burro, Rejanir Ferreira, Morem Pinto e tantos outros. Levantávamos infância, família e trajetórias de crimes. Policiais também se tornavam estrelas como os xerifes. O comissário Pielewski era uma espécie de Sherlock Holmes da Delegacia de Homicídios. Nomes de delegados figuravam nos títulos como justiceiros. Todos conheciam Apolo, Barbedo, Sobbé, os irmãos Müller. A luta do mocinho contra o bandido. A lei contra o crime, denunciando excessos, como o Esquadrão da Morte. A imprensa deve ser isenta, mas não neutra. Estar ao lado da vítima e ajudar a sociedade se defender da criminalidade hedionda. Cobrar ações e valorizar quem faz o enfrentamento.

O palhaço e a lágrima

Os excessos policiais devem ser denunciados. Mas a imprensa não pode ignorar e deveria exibir os delinquen

Cobertura nas delegacias especializadas

Início de mês, 6 de março, dia de pagar as contas. Passavam das 16h e a agência do Banrisul da Avenida Getúlio Vargas, no Menino Deus, já estava fechada. Nos caixas eletrônicos havia duas senhoras idosas, um homem maduro e outro jovem. Eu havia esquecido os óculos. Pedi ao rapaz de lentes escuras, parado no pequeno balcão dos impressos e grampeador, para que me confirmasse o total da fatura do cartão, precisava digitar. Atendeu-me prontamente e comecei a realizar os pagamentos. O sistema caiu. Ouviu-se um barulho em cada terminal, em sequência, rápido, como se estivessem abrindo uma gaveta de metal. Brinquei com o senhor ao meu lado. “Estão arrombando os terminais por dentro”, disse sorrindo. Nem eu levei a sério a intuição do velho repórter. Cinco ou seis homens saem do banco carregando mochilas. São fortes, músculos de academia, roupas esportivas, passos largos, cadenciados. Nenhuma “vítima da sociedade”. Pareciam guardas de valores, mas sem uniformes. Fiquei olhando para eles, intrigado. O último a sair, me disse como se fosse funcionário: “Dentro de dois minutos o serviço estará normalizado.” Na calçada, pegaram para a esquerda. O cliente maduro empurrou a porta giratória e percebeu que ela estava liberada. O tesoureiro apareceu, suado, barba por fazer. Pediu para que nos retirássemos. O banco tinha sido assaltado. O gerente se aproximou para ajudar a fechar o banco. Os funcionários e os guardas continuavam amarrados em alguma dependência interna. O cara que leu o valor do meu cartão de crédito sumiu antes dos assaltantes saírem. Talvez fosse cúmplice controlando a entrada durante o roubo. Eles não eram favelados, nem assaltantes comuns. Devem ter sido recrutados no comércio exterior de armas e carros roubados. Os ladrões levaram as fitas de gravação das câmeras. No dia seguinte, a agência continuava fechada. A notícia não saiu na imprensa.

Repórter desde 1969. Professor de Jornalismo na PUCRS durante 40 anos – 1977/2017. Autor dos romances Sombras Douradas e Acrobacias no Crepúsculo, novela A Santa sem Véu e Contos do tempo da máquina de escrever.

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GRANDES NOMES

ASSIS CHATEAUBRIAND

o Cidadão Kane do Brasil

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oucos empresários da imprensa nacional merecem o título de Cidadão Kane brasileiro como Assis Chateaubriand. Embora suas origens não sejam tão humildes como as do personagem de Orson Welles, Chatô - como era conhecido - conseguiu, ao longo de sua vida, juntar um poder econômico e político de fazer inveja ao magnata fictício. Raras vezes, Chateaubriand não conseguiu o que queria. Sua vida foi um moto-contínuo de sonhos realizados: comprar um jornal, bater o recorde na circulação da revista "O Cruzeiro" (que passou dos 200 mil exemplares regulamente e teve edições, como a que noticiou o suicídio de Getulio Vargas, que passaram de 700 mil exemplares), ter um conglomerado de jornais, contratar a nata da imprensa nacional (de Rubem Braga a Sérgio Buarque de Holanda), conquistar vedetes, eleger Getúlio Vargas, derrubar Getúlio Vargas, comprar rádios, fundar a primeira TV do país (a Tupi), criar o "Louvre brasileiro" (o Masp), ser senador, ganhar a embaixada em Londres, entrar na Academia Brasileira de Letras. Entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1960, foi dono dos Diários Associados, o maior conglomerado de mídia da América Latina, que em seu auge contou com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica. Os meios para atingir esses fins raramente foram idôneos. Atirar no industrial alemão que tentou lhe tomar "O Jornal", superfaturar em aquisições de telas para o Masp, abusar do jogo de influências para arrancar empréstimos e doações, difamar quem se pusesse em seu caminho, prometer casamento à namorada grávida e não cumprir, impedir escolha de ministros. Sua biografia é também um catálogo de maracutaias.

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GANGSTER OU HERÓI? Chateaubriand foi as duas coisas Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo nasceu em 4 de outubro de 1892 em Umbuzeiro, na Paraíba, quase divisa com Pernambuco. Filho de Francisco José Bandeira de Melo e Maria Carmem Guedes Gondim, ganhou o nome Chateaubriand devido à admiração do pai pelo poeta e pensador francês François-René de Chateaubriand. Formado em Direito no Recife, estreou no jornalismo aos 15 anos, na Gazeta do Norte, depois escrevendo para o Jornal Pequeno e para o Diário de Pernambuco. Sedento por uma polêmica que fizesse seu nome paraibano circular "no Sul", aos 17 anos saiu em ataque ao "exibicionismo" do então papa da intelectualidade brasileira, Sílvio Romero. O intelectual não lhe deu bola, mas Chateaubriand colheu frutos de sua impetuosidade. O livro com seus

textos contra Romero saiu publicado no Rio de Janeiro, para onde logo se mudou para trabalhar no Correio da Manhã. Na então capital federal, também trabalhou no Jornal do Commércio e no Jornal do Brasil, onde foi chefe de redação. Como comentarista internacional, Chateaubriand visitou vários países da Europa, o que lhe possibilitou a publicação, em 1921, do livro "Alemanha". Em 1924 adquiriu sua primeira publicação, "O Jornal", comprado por 5.800 contos de réis. Os recursos lhe foram fornecidos pelo “barão do café” Carlos Leôncio de Magalhães (Nhonhô Magalhães), e pelo industrial Percival Farquhar, alegadamente como honorários advocatícios. Substituiu artigos monótonos por reportagens instigantes e deu certo. A partir de então, começou a constituir um império jornalístico, ao qual foi agregando im-

portantes jornais, como o Diário de Pernambuco, o jornal diário mais antigo da América Latina, e o Jornal do Commercio, o mais antigo do Rio de Janeiro. No ano seguinte, Chatô arrebatou o Diário da Noite, de São Paulo. À altura, já possuía os jornais líderes de mercado das principais capitais brasileiras, formando o embrião dos Diários Associados. Já em 1928 fundou a revista O Cruzeiro, que por décadas foi a mais importante do Brasil. A ética quase nunca constava da sua estratégia empresarial: chantageava as empresas que não anunciassem em seus veículos, publicava poesias sobre os maiores anunciantes nos diários e mentia descaradamente para agredir os inimigos. Farto de ver o nome na lista de insultos, o industrial Francisco Matarazzo ameaçou "resolver a questão à moda napolitana: pé no peito e navalha na garganta". Chateaubriand devolveu: "Responderei com métodos paraibanos, usando a peixeira para cortar mais embaixo". Tendo apoiado a Revolução de 1930 e a instauração do Governo Provisório de Getúlio Vargas, Chateaubriand teria recebido inúmeros favores, entre eles a concessão de vultosos empréstimos à cadeia dos Diários Associados, através da Caixa Econômica Federal. Ao final de 1931 começaram a surgir suas primeiras divergências com Vargas, com quem teria sempre uma relação pendular de apoio e oposição. Defendeu a Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932, sofrendo, em função disso, o confisco da sede e da maquinaria de O Jornal, órgão líder da cadeia dos Diários Associados, e recebendo uma ordem de deportação. Conseguiu, entretanto, escapar do barco que o conduziria para o exterior, o navio japonês Havai Maru, escondendo-se no interior do país durante vários meses. Reapareceu com a instala-

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GRANDES NOMES ção da Assembléia Nacional Constituinte em novembro de 1933, conseguindo reaver seu principal jornal. Reconciliado com o governo, Chateaubriand adquiriu em 1934 sua primeira estação de rádio, a Tupi do Rio de Janeiro. Pouco tempo depois adquiriu a Rádio Tupi de São Paulo e a Educadora do Rio, que passou a se denominar Rádio Tamoio, dando início à constituição de uma cadeia de rádio-emissoras. Em 1941, promoveu a Campanha Nacional da Aviação, com o lema "Deem asas ao Brasil", na qual foi criada a maioria dos atuais aeroclubes pelo interior do Brasil. Funda o Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 1947, com uma coleção particular de pinturas de grandes mestres europeus que ele adquiriu a preços de ocasião na Europa empobrecida do pós-Segunda Guerra Mundial (em aquisições por vezes financiadas à base de chantagem de empresários brasileiros), coleção esta que o presidente Juscelino Kubitschek, durante seu governo, colocou sob a gestão de uma fundação, em troca de auxílio governamental ao pagamento de parte da astronômica dívida do Condomínio Associado. Chateaubriand casou-se uma vez apenas, no final da década de 1920, com Maria Henriqueta Barroso do Amaral, filha do juiz Zózimo Barroso do Amaral. Teve três filhos: Fernando, Gilberto e Teresa. Em 1934 desquitou-se e uniu-se a uma jovem de nome Corita Acuña, com quem teve uma filha, Teresa. Corita, decidida a deixar Chatô, levou a filha com ela. Chateaubriand consegue sequestrar a própria filha, assumindo a paternidade e, com o apoio de um decreto de Getúlio Vargas, obteve a guarda da filha. Nesse episódio, proferiu uma frase célebre: "Se a lei é contra mim, vamos ter que mudar a lei". As relações de Chatô com os filhos foram conturbadas e repletas de grandes conflitos e separações radicais. Chateaubriand sempre buscou adquirir novas tecnologias para os Diários Associados. Foi assim com a máquina Multicolor, a mais moderna máquina rotativa da época, sendo o grupo de Chateaubriand o primeiro e único a possuir uma por longo tempo, na América Latina; foi assim também com os serviços fotográficos da Wide World Photo, que possibilitava a transmissão de fotos do exterior com uma rapidez muito maior do que possuía qualquer outro veículo nacional. No entanto, a inovação pela qual é mais lembrado aconteceu em 1950, quando inaugurou em São Paulo a TV Tupi, que foi a primeira estação de televisão da América Latina. Para que as casas selecionadas em São Paulo tivessem televisores a tempo de ver a primeira transmissão, ele contrabandeou os aparelhos.

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Posteriormente, chegou a ter 18 estações de televisão. Elegeu-se senador na legenda do PSD da Paraíba em outubro de 1952. Para que pudesse ser eleito, conseguiu, naquele ano, a renúncia de Vergniaud Wanderley, senador da UDN por aquele estado, eleito em 1945, e de seu suplente Antônio Pereira Diniz. Aberta dessa forma uma vaga no Senado, foram realizadas eleições suplementares nas quais Chateaubriand foi candidato único. Repetiu o mesmo processo em 1955: obteve a renúncia do senador maranhense Alexandre Bayma e de seu suplente Newton de Barros Belo e, aberta essa vaga no Senado, elegeu-se pelo Maranhão na legenda do PSD. No entanto, deixaria o cargo em 1957 para assumir a embaixada do Brasil em Londres. Além disso, foi eleito para a cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras, a mesma de Getúlio Vargas, logo após o suicídio do presidente. Trabalhou até o final da vida, mesmo depois de uma trombose ocorrida em 1960, que o deixou paralisado e capaz de comunicar-se apenas por balbucios e por uma máquina de escrever adaptada. Morreu em 4 de abril de 1968, e foi velado ao lado de duas pinturas de grandes mestres: um cardeal de Ticiano e uma mulher nua de Renoir, simbolizando, segundo o protegido Pietro Maria Bardi, organizador do acervo do MASP, as três coisas que mais amou na vida: “O poder, a arte e a mulher pelada”.

NASCE UM IMPÉRIO Chatô fundou, em 1928, a revista O Cruzeiro, que por décadas foi a mais importante do Brasil e embrião do império dos Diários Associados


Rua Riachuelo, 1482. Porto Alegre, Centro. Fone: 3225-1125 | www.atelierdemassas.com,br


ESPECIAL

A

A OUSADIA que deu certo!

revista PRESS foi lançada em 1º de junho (Dia da Imprensa) de 2000, seguindo no arrasto do sucesso da ADVERTISING, lançada em abril de 1997. Em 2003, em virtude de uma forte crise no mercado editorial, fizemos de um problema uma solução, juntamos as duas revistas, metade pra cada tema, imprensa e propaganda, duas capas. Isso robusteceu o conteúdo editorial e facilitou a distribuição de exemplares e a comercialização de espaços publicitários. A primeira edição da PRESS nasceu fininha, com apenas 40 páginas, mas cheia de pretensões e bom conteúdo e oito de páginas de anúncios. O tempo passou tão rápido e tanta coisa aconteceu desde aquele inverno, que vale a pena relembrar algumas matérias e curiosidades dessa primeira edição. - José Luiz Prévidi foi o primeiro editor da Press, assumindo, logo em seguida, também a edição da Advertising. O “Cabeça” ficou com a gente até 2004, quando saiu para montar aquele que viria a se tornar um dos mais lidos blogs do Rio Grande do Sul. - A primeira matéria de capa tratou da “guerra” que os diários do RS empreendiam pelo leitor. Disputa aumentada pelo lançamento de dois novos jornais na capital, Diário Gaúcho e O Sul, que elevava para seis o número de diários na capital — circulavam, além deles, Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Comércio e Gazeta Mercantil. - Nosso primeiro entrevistado — as entrevistas de capa da Press viriam a se tornar marca registrada e trariam repercussão nacional e internacional para a revista — foi Alexandre Garcia, que falando sobre sua relação com os políticos de Brasília, revelou: “já devolvi relógio de ouro e maço grosso de cem dólares”. Ele disse, ainda, manter “uma distância sanitária do poder” ao ser questionado sobre como lidava com o assédio de políticos e autoridades federais. Anos depois, com a Lava-Jato vimos com é profilática esse tipo de providência. - O saudoso e brilhante Flávio Alcaraz Gomes estreou a coluna Vida de Repórter, que, pelos próximos anos, destacaria a vida e obra de inúmeros profissionais da reportagem. Flávio falou de seu pesadelo no Vietnã, quando fez a cobertura da guerra, em 1967, a partir de Saigon. “Sexta-

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-feira, 23 de junho – Acordo no meio da madrugada com meu grito agudo e dilacerante. Uma mina arrancou-me as pernas. Banhado em suor, sento-me ao pé da cama, respirando fundo e tentando esquecer o pesadelo”, escreve ele. Naquele lugar, pouco tempo depois, o repórter José Hamilton Ribeiro, da revista Realidade, teria uma perna destroçada por uma mina de fabricação caseira. - No meu primeiro “Aquário” escrevi sobre o meu prazer em colocar ideias em palavras e juntá-las em um novo projeto editorial e lembrei-me da máxima de Machado de Assis, segundo o qual “palavra puxa palavra, uma ideia traz outra e assim se faz um livro, um governo ou uma revolução”. Eu acrescento “uma revista”. E essa tem sido a nossa faina nesses 21 anos de Advertising e 18 de Press, vencer o “duelo com as palavras, do qual sempre sairão dois vencedores ou dois vencidos. O jornalista e o leitor. Quando o primeiro escorrega, o segundo cai. Este só recebe informação correta quando aquele vence a peleja.” (Julio Ribeiro)

Capa da primeira edição da Press, de junho de 2000


OPINIÃO

Na Luta pela Vida

Somos movidos por causas. E por mudanças. O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul consolidou seu nome e sua militância, nas últimas duas décadas, com a defesa aguerrida da saúde e o alerta para temas que comprometem esta condição – que abrangem desde a estrutura e os serviços disponíveis para a população até o trabalho dos médicos. Esse legado esteve expresso em nosso slogan – A Verdade Faz Bem à Saúde. Agimos chamando a atenção e intervindo em áreas como saúde mental, o poder avassalador das drogas, o dano gerado pelo álcool e o sufocamento de hospitais diante de recursos escassos, o que afeta a vida de todos, pacientes a médicos. Em 2017, iniciamos uma jornada que nos levou a mudar. A Verdade Faz Bem à Saúde exprimiu nossas lutas com a força que somente a verdade tem. Mas sentíamos que era preciso ampliar a mensagem, construir novas pontes, instaurar um novo potencial para melhorar a vida das pessoas. A transformação em curso nos aproxima ainda mais dos médicos, das suas lutas e causas diárias e

nos dá ainda mais instrumentos para sermos força-motriz de mudanças necessárias na saúde, impactando mais a sociedade, trazendo-a conosco. Em meio a essas iniciativas, estamos liderando um movimento na luta pela saúde, colocando luz nas necessidades da população e na fragilidade absoluta dos sistemas saúde. Desde outubro do ano passado, lançamos com toda a nossa força e convicção uma campanha para salvar o Hospital Beneficência Portuguesa, instituição cuja marca sempre esteve vinculada à história de, literalmente, milhares de vidas porto-alegrenses. Agora, essa história está ameaçada. Além de buscarmos a reabertura de leitos – quase 200 –, buscamos também salvar um legado. Por isso, o Simers abraçou essa causa numa luta que não é fácil, mas que fará toda a diferença caso seja vitoriosa – e acreditamos que será. Durante décadas, bebês vinham ao mundo no Beneficência, uma das principais maternidades do Rio Grande do Sul até os anos de 1960. Temos levado aos meios de comunicação depoimentos emocionantes de personalidades que nasceram no hospital. As pessoas estão ouvindo os escritores Luis Fernando Verissimo e Martha Medeiros lembrarem do local onde vieram ao mundo. O comunicador Lauro Quadros narrou que sua mãe foi trazida pela Lagoa dos Quadros, no Litoral Norte, para fazer o parto no Beneficência. O diretor de cinema Jorge Furtado também começou a história de sua vida na instituição. Mas, enquanto lutamos para man-

PAULO ARGOLLO argollo@simers.org.br

ter duas centenas de leitos, não podemos deixar de registrar as contradições de um País tão carente em saúde. O governo federal editou, no final de 2017, a Medida Provisória 795, já popularmente apelidada de MP do Trilhão – por garantir a multinacionais do petróleo isenções fiscais estimadas em R$ 1 trilhão até 2040, além do perdão de R$ 54 bilhões em dívidas de impostos. Considerando-se que o orçamento do Ministério da Saúde para 2018 é de R$ 130 bilhões, as benesses da MP equivalem a sete anos e sete meses de tudo que o País terá para cuidar de 200 milhões de brasileiros. Mas não vamos esmorecer. Afinal, estamos mais do que nunca “Na Luta pela Vida”.

Paulo de Argollo Mendes, presidente do Simers.

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GALERIA

O Boimate da Veja Em vários países é comum jornais, estações de rádio, canais de TV e sites participarem da tradição do 1º de abril como Dia da Mentira. Os veículos noticiam fatos ficcionais e escandalosos, enganando sua audiência. Entre os casos mais famosos, em 1957, a BBC informou que fazendeiros suíços estavam tendo uma safra recorde de espaguete e mostrou imagens de agricultores colhendo macarrões de árvores – vários espectadores foram iludidos. Em 1985, a revista Sports Illustrated pregou uma peça em vários de seus leitores quando publicou um artigo sobre um arremessador de baseball novato chamado Sidd Finch, que podia lançar uma bola a 270 km por hora. Mais recentemente, em 2013, o Google anunciou o Google Nose, uma ferramenta que poderia transferir arquivos de cheiros entre usuários. Bastava aproximar o nariz da tela e aguardar alguns segundos até aparecer um botão com o nome do cheiro. Botões com os nomes “Cachorro molhado” ou “Fralda” fizeram muitas pessoas deixarem seu nariz estampado na tela.

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o entanto, nem sempre o público é único enganado. Veículos também cometem “barrigas”, publicando brincadeiras como se fossem verdades. No Brasil, um dos casos mais lembrados relacionados com o 1º de abril foi o do Boimate da revista Veja. O " fruto da carne", derivado da fusão da carne do boi e do tomate, batizado com o sugestivo nome de boimate, constituiu-se, sem dúvida, no mais sensacional " fato científico" de 1983, pelo menos para a revista Veja, em sua edição de 27 de abril. Tudo começou com uma brincadeira da revista inglesa New Science que, a propósito do dia 1º de abril, dia da mentira, inventou e fez circular esta matéria. A fusão de células vegetais e animais entusiasmou o responsável pela editoria de ciência da Veja que não titubeou em destacar o fato. E fez mais: ilustrou-o com um diagrama e entrevistou um biólogo para dar a devida repercussão da descoberta. Para a revista, " a experiência dos pesquisadores alemães, porém, permite sonhar com um tomate do qual já se colha algo parecido com um filé ao molho de tomate. E abre uma nova fronteira científica". No entanto, a revista inglesa deu inúmeras pistas da brincadeira: os biólogos Barry McDonald e William Wimpey tinham esses nomes para lembrar as cadeias internacionais de alimentação McDonald´s e Wimpy´s. A Universidade de Hamburgo, palco do "grande fato", foi citada para que pudesse ser relacionada com " hambúrguer". A descoberta do engano foi feita pelo jornal O Estado de S. Paulo que,

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após esperar inutilmente pelo desmentido, resolveu " botar a boca no mundo" no dia 26 de junho. No entanto, o espírito brincalhão dos brasileiro não deixou por menos. Durante o intervalo entre a matéria da Veja e o desmentido do Estadão, cartas e mais cartas chegaram às redações. Uma delas que, maliciosamente assinada " X-Burguer, Phd, Capital", lembrava que no Brasil já haviam estudos para criação do Porcojão ou Feijoporco, cruzamento de porcos com feijões, que seria uma contribuição à tradicional feijoada paulista. Domingos Archangelo escreveu ao Jornal da Tarde uma carta colérica contra a " a violação das leis naturais". Segundo ele, " do alto dos meus 76 anos, não posso ficar calado ante tal afronta às leis divinas. Boi nasceu para pastar, para puxar os saudosos carros do interior e para nos oferecer sua saborosa carne. E tomate, além das notórias qualidades que se lhe imputam na cozinha, serve também para ser arremessado à cabeça de quem perpetra tal monstruosidade e, também, dos dão guarida e incentivam tais descobertas". Finalmente, com o objetivo de pôr fim ao caso que já divertia as redações, a revista publicou, na edição de 6 de julho, ou seja, depois de dois meses, o desmentido: " tratou-se de lastimável equívoco". E justificou-se, explicando que é costume da imprensa inglesa fazer isso no dia 1º de abril e que, desta vez, havia cabido à revista entrar no jogo, exatamente no " seu lado mais desconfortável".


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