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www.violetaskaterock.com.br
Produzir uma revista exclusivamente online exige uma grande preocupação com o universo virtual e seu público. Depois da edição numero zero, ficamos pensando em quem poderia ser a nossa personagem de capa da edição seguinte. Assim que surgiu o nome de Clarice Falcão, foi como se tivéssemos encontrado o GPS que estava perdido em algum lugar da redação. Sensação na internet, na TV e estreando em disco, Clarice nos conta como foi chegar até esse momento da sua breve, mas promissora, carreira artística.
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Nas próximas páginas, também desvendamos o que está por trás - e pela frente, lógico - das fantásticas imagens de Jorge Noujaim, um designer americano que cresceu no Brasil e que hoje faz o maior sucesso em Nova York. A fotógrafa Caroline Bittencourt nos brinda com um ensaio que os dinamarqueses já tiveram o privilégio de ver e o coletivo OESTUDIO nos mostra um pouco da moda que cria. Outro destaque é a matéria sobre as jogadas milionárias de Nicolau Villa-Lobos no mundo do pôquer. Então, aí vai um convite: coloque para tocar a música “We Float”, de PJ Harvey - outra musa que faz parte desta edição -, e comece a enveredar, flutuando, como na canção, pelos caminhos sinuosos da nossa revista.
Tenha uma boa viagem!
EDITORIAL
BOB COTRIM . EDITOR DE CONTEÚDO
COLABORADORES LETÍCIA NOVAES
Cantora e compositora da banda Letuce, Letícia nos fala da importância de um disco de P.J.Harvey na sua vida. Ela é tijucana, caçula, capricórnio com vênus em aquário e uma das vozes mais talentosas da nova geração de intérpretes femininas. Não gosta de queijo, mas devora bertalha. Quer mais ser avó do que mãe. É tricolor, mas não perde a voz nem a elegância.
MÁRCIO BULCK
Nesta edição, Márcio enaltece o valor que Paula Toller tem como letrista na história recente da música brasileira. Formado em Educação Artística pela UFRJ, esse entusiasta e profundo conhecedor de música criou, em 2011, o blog “Banda Desenhada”, uma referência atual para todos aqueles que buscam informações da nova cena musical.
ANA ROVATI
Fotógrafa gaúcha, se formou em publicidade pela PUC - RS. Nessa edição, dividiu com Edu Monteiro a responsabilidade de criar o ensaio de moda. Ana, colabora com algumas revistas nacionais e tem na bagagem uma fotografia exposta em Cannes como uma das vencedoras no festival CannesAlso / Cannes Lions.
RAPHAEL ROQUE
Sempre em busca de sabores diferentes, dessa vez, Raphael encontrou no steak tartare a inspiração para resgatar a tradição de um prato que está voltando à moda. Jornalista apaixonado por esportes e gastronomia, trabalhou no Jornal Lance, onde ocupou o cargo de editor, e no jornal O Dia. Seu lado gourmet também pode ser conferido no blog “Só pode ser Gula”.
GUILHERME SCARPA
Além de jornalista, Guilherme tem dois curtas no currículo. Um deles, “Express”, foi exibido no Short Film Corner de Cannes, em 2009. Nesta edição, faz uma reflexão sobre uma vertente do cinema atual. Repórter do caderno Rio Show, de O Globo, iniciou a carreira no jornal carioca O Dia, onde atuou como setorista e crítico de cinema.
ROGÉRIO DAFLON
Carioca formado em Jornalismo pela Facha, Rogério vive investigando a própria cidade. Tem se dedicado a reportagens sobre arquitetura e urbanismo, mas também se interessa por esporte e, principalmente, pelo Botafogo. Traz à tona a importância arquitetônica do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, em Benfica, no Rio de Janeiro. Trabalhou nas revistas Placar, Época, Veja-Rio e nos jornais O Globo, O Dia e Jornal do Brasil.
STÉFANO MARTINI
Neste número, Stéfano clicou com maestria o ensaio para a matéria com Nicolau Villa-Lobos. É Formado em Design pela PUC- Rio e investe desde os 15 anos na carreira de fotógrafo.
MAURICIO BARROS DE CASTRO
Nasceu em 1973, em Niterói (RJ), é escritor e pesquisador. Publicou diversos livros, entre eles “Zicartola: Política e Samba na Casa de Cartola e Dona Zica”. Ganhou, em 2011, o Prêmio Abril de Jornalismo, na categoria Cultura, com o artigo “O Verde que Virou História”, sobre o sociólogo Gilberto Freyre, publicado na Revista National Geographic-Brasil. Mauricio esteve em Barbados, seguindo a trilha do rum, e nos conta um pouco da história dessa bebida que inebriava os antigos piratas do Caribe.
CAROLINE BITTENCOURT
Requisitada fotógrafa paulista de 35 anos, Caroline nos brinda com o lindo ensaio “4 Espelhos”, que já esteve em exposição em Copenhagen, na Dinamarca. Entre os seus trabalhos estão capas de disco de Adriana Calcanhotto, Orquestra Imperial, Los Hermanos, Marcelo Jeneci e Pitty, entre outros.
Revista Roda #1 maio 2013
Editor de Conteúdo . Bob Cotrim bobcotrim@revistaroda.com.br Editor de Imagem . Daryan Dornelles daryandornelles@revistaroda.com.br Editor de Arte . Tello Gemmal tellogemmal@revistaroda.com.br
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Colaboraram nessa edição Alexandre Landau, Ana Rovati, Caroline Bittencourt, Edu Monteiro, Guilherme Scarpa, Letícia Novaes, Marcelo Carnaval, Márcio Bulck, Mauricio Barros de Castro, Raphael Roque, Rogério Daflon, Stéfano Martini e Theodora Duvivier RODA . CONTATO Para enviar comentários, sugestões e críticas contato@revistaroda.com.br RODA . ANÚNCIO comercial@revistaroda.com.br RODA . REDAÇÃO Para enviar sugestões e material para review redacao@revistaroda.com.br RODA . WEB www.revistaroda.com.br RODA . SOCIAL Coordenador de Redes Sociais . Alexandre Florez redesocial@revistaroda.com.br FACEBOOK.com/revistaroda Projeto Gráfico Ofício 21
EXPEDIENTE
Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.
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03 09 19 33 37 39 45 57 59 75 79 81 84
EDITORIAL
ENTREVISTA . CLARICE FALCÃO MODA . HELLAN NORDICA
ARQUITETURA . UM PURO AMOR CONCRETO GASTRONOMIA . O RESGATE DO TARTARE VIAGEM . ROTA DO RUM 3x4 . JORGE NOUJAIM
DISPLAY . STORIES FROM THE CITY, STORIES FROM THE SEA FOTOGRAFIA . 4ESPELHOS
PERFIL . NICOLAU VILLA-LOBOS
ACORDES . BACURINHA’S SONG
MOVIOLA . CINEMA DE SENSAÇÕES ALMA RUSSA
ilustração . Jorge Noujaim
RODA #1
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Clarice Falc達o
POR BOB COTRIM
FOTOS . DARYAN DORNELLES
Aos 23 anos, a menina que nasceu em Recife e passou por São Paulo antes de aportar definitivamente no Rio de Janeiro abandonou o curso de cinema para conquistar os jovens da sua geração. Sucesso absoluto na internet, cantando e ajudando a consolidar um novo tipo de humor brasileiro com outros novos talentos do gênero no bombado canal Porta dos Fundos, do YouTube, Clarice Falcão já tem mais de 180 mil seguidores no Facebook e parece que nasceu predestinada para a vida artística. Filha do premiado diretor, roteirista e compositor pernambucano João Falcão e da roteirista e escritora carioca Adriana Falcão, ela está lançando o elogiado disco “Monomania”, mas diz que sua verdadeira vocação é com as palavras. Conta que levaria para uma ilha deserta, além, é claro, de seu namorado, o ator Gregório Duvivier, o livro “O Noivo da Princesa” de Willian Goldman, e o disco triplo “Sixty Nine Love Songs” da banda Magnetic Fields. E avisa que, quando voltasse de lá, iria direto comer uma bela lasanha e torcer para ser chamada para interpretar a personagem Annie Hall no cinema.
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“5ª e 6ª série é sempre um sofrimento, os poucos que não sofrem é porque estão causando o sofrimento nos outros. Para completar, eu era bem gordinha, então...” Quais são suas lembranças de Recife? A família inteira mora lá, eu sempre que posso volto, meus pais ainda têm muito sotaque, eu, por exemplo, ainda falo “uam” em vez de uma, isso ficou e algumas palavras tipo pirangueiro, arrudeia. Minha mãe é carioca, foi pra lá com 11 anos, pegou o sotaque e expressões típicas. O que mais me marcou foram os Natais na casa da minha tia, muito tradicionais, com Papai Noel e tudo (aí que eu descobri que Papai Noel não existia). Mesmo morando no Rio, a gente sempre passava essa data lá. Você é filha única? Não, tenho uma irmã mais velha do primeiro casamento da minha mãe e uma irmã mais nova por parte de pai. Como foi chegar no Rio, você se adaptou fácil? Eu era bem esquisita. Em São Paulo eu era a rainha do colégio, mandava em todo mundo. Aqui foi o contrário, meio que apanhava, então quanto mais eu crescia mas eu ficava na minha, no cantinho, 5ª e 6ª série é sempre um sofrimento, os poucos que não sofrem é porque estão causando o sofrimento nos outros. Para completar, eu era bem gordinha, então... Isso era um problema? Para mim e para as outras pessoas. Eu fui uma criança que gostava muito de comer, eu era muito fofa até que deixei de ser fofa e passei a
ser obesa, eu era uma figura muito esquisita, tipo muito branca e com olheiras. Então, com 12 anos, minha mãe me levou no Vigilantes do Peso. Mas isso era uma preocupação sua ou da sua mãe? Era uma preocupação minha, minha mãe começou a perceber o meu sofrimento com aquela situação, ela falava que seria mais fácil emagrecer naquela época do que depois, mais velha, além do que eu passava mal às vezes de tanto comer, eu tinha obsessão com comida. Nessa época você já usava o humor para se defender? Sim, era uma espécie de defesa. Apesar de nunca ter sido humilhada, não era bem aceita. Então eu percebi que rir de mim mesma tirava um pouco do prazer dessas pessoas. Depois de sair de Recife e passar por São Paulo, hoje você é uma autentica carioca? O Rio tem coisas que não vêm para mim naturalmente, um clima que não é meu, a coisa da praia, de ser solar, de falar com todo mundo. Isso me deixa uma pessoa melhor no sentido de que eu não tenho isso de forma natural. Sendo cínica, pessimista e dramática, o Rio me traz a leveza. Se eu morasse num lugar que combinasse mais comigo, isso iria acabar me sufocando.
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Você tem muito amigos? O seu Facebook está bombando no momento, não? Tenho poucos amigos desde o colégio, o bom é ter bons amigos e, para isso, é preciso ter tempo, as vezes eu tenho “inveja” (faz uma cara cínica) de quem consegue “ter” 500 amigos e “cuidar” de todos eles, eu não consigo nem organizar o meu dia, quem dirá dar conta de 500 amigos. Eu uso mais a rede para ver o que está acontecendo, sou meio voyeur, isso alimenta a minha veia artística, a minha preocupação com o Facebook é no lado profissional, em atender os meus fãs administrando o que é postado, para que fique com a minha cara. Já bateu aquela consciência profissional de ter que levar tudo muito a sério na sua carreira? Tudo acontece de uma forma muito natural, eu simplesmente vou fazendo, nunca me planejei, a música foi muito por acaso. Inclusive, no momento eu estou muito agoniada com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo e tendo que fazer escolhas conscientes o tempo todo, acaba que é muito mais fácil quando a vida faz essas escolhas por você. Até porque, se der errado, você já tem em quem colocar a culpa. O que seria a Clarice fora da vida artística? Eu não sei, essa é uma boa pergunta, pois eu não tenho a menor ideia. É muito difícil pensar em algo que não envolva arte, talvez trabalhar com livros numa editora ou com design, pois
eu gosto muito de desenhar. Trabalhar com palavras é o que eu mais gosto na vida. O trabalho em novela foi importante? Foi muito desconfortável a minha estreia em novelas, eu tinha o tempo todo a certeza de que outra pessoa faria muito melhor do que eu estava fazendo. O triste era que a novela (“A Favorita”, de João Emanuel Carneiro) em si era incrível, mas o problema era eu fazendo um personagem denso e pesado como aquele. Essa experiência cristalizou a sua opção pelo humor? Durante a novela, me chamaram para um teste no teatro, era uma montagem de ‘Confissões de Adolescente’ e o papel era o mesmo que a Ingrid Guimarães tinha feito, ou seja, era a parte cômica da peça. Fiz o teste e saí de lá me sentindo muito bem com o resultado, inúmeras meninas também fizeram o teste, mas eu acabei sendo escolhida. Fiz a peça e percebi que a minha segurança como atriz estava diretamente ligada ao perfil do personagem. Seu trabalho com a música também vai caminhar sempre nessa direção? A verdade é que o humor vem mais do lado trágico do que das coisas leves da vida, a letra que fala “da empregada da empregada da empregada” é um pouco isso, vem com humor por ser a maneira que eu me expresso melhor.
“O problema é que ele já teve todas as ideias possíveis e imagináveis, sobrou muito pouco para a gente criar, ele fodeu com a vida de todos nós, maldito Chico (Buarque).”
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Por causa dessas coisas você se sente aprisionada ao humor? Volta e meia eu penso nisso, principalmente quando eu vejo os comentários sobre as músicas, tudo é a forma como as pessoas veem as coisas. Tem o humor triste, a série ‘The Office’ é um pouco assim, é hilário mas ao mesmo tempo muito triste, os personagens são desajustados e sem amigos, tem episódios que eu rio e choro na mesma intensidade. O Pedro Cardoso faz isso muito bem no teatro, é isso que me encanta no humor, a tristeza pode ser muito engraçada. Quais são suas maiores referências artísticas? Na música, com certeza o Chico, ele é genial no sentido das ideias, o problema é que ele já teve todas as ideias possíveis e imagináveis, sobrou muito pouco para a gente criar, ele fodeu com a vida de todos nós, maldito Chico. E, é lógico, o meu pai, essa coisa de fazer várias coisas vem dele. Ele dirige, escreve, e compõe muito bem. Mas tenho referências estrangeiras também, li muito Cortázar e Calvino. Ah, também fui apaixonada pelas Spice Girls e isso não é uma piada. Como é o seu processo de composição? É um processo muito caótico, não tem ordem, não tem método, às vezes a melodia vem primeiro, às vezes vem uma letra ou só uma ideia, mas importante é saber esperar a hora certa para finalizar as ideias. Às vezes o que parece bom agora fica muito melhor depois, quando amadurece, ou até mesmo se transforma em outra coisa mais legal. Eu componho razoavelmente rápido, mas componho muito de vez em quando. Eu sempre tento, mas nem sempre vem, tem muitas vezes que eu fico com o violão assim, com cara de maluca, e não sai nada. Tem dia que a gente está burra, tenho muitos dias assim na minha vida. Como surgiu a ideia do disco? Quando eu fiz as primeiras músicas eu achava que ia fazer um musical. Durante o processo, fui percebendo que aquilo funcionava melhor como disco. Na época, a Olivia (Olivia Byington, sua empresária e sogra também) estava fazendo a trilha do seriado ‘As Brasileiras’ na TV Globo, junto com o Pedro Luis. Eles resolveram incluir a música ‘Monomania’ na trilha, foi a primeira vez que eu via uma música minha sendo produzida com arranjo e tudo que tinha direito. Eu fiquei muito feliz e animada com o resultado. Algumas gravadoras se interessaram em produzir o disco, mas acabamos optando por fazermos sem gravadora, nós mesmos que produzimos.
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“Mulher é muito julgada nesses méritos. Em vez de falarem que “fulana canta muito mal”, falam “fulana é muito feia”. Ninguém fala isso de um homem, falam “fulano é muito ruim” e ponto.”
E o processo de gravação, como foi? Foi muito legal, é importante ter outras pessoas participando e contribuindo com ideias no seu trabalho, quando é o tempo todo só você, acaba enchendo o saco, eu gosto muito do que ouço e estou muito orgulhosa dele, o disco tem os cellos do Jaques Morelenbaum que são lindos, tem o violino do Silva, o pai do Gregório (Edgar Duvivier) tocou clarinete. Eu gosto muito de trabalhar em família, assim ficou com a minha cara só que bem mais rico. Os vídeos da internet já cumprem o papel em relação ao formato voz e violão, no disco decidimos enriquecer com vários outros instrumentos. Você é insegura? Eu sou bastante insegura, sempre acho que uma hora dessas vão descobrir que eu sou uma fraude, por isso, no início, as críticas eram muito difíceis para mim, eu acreditava piamente na opinião alheia como se fosse verdade absoluta. Sou um pouco negativa, a gente vê uma página de comentários com nove comentários legais e um ruim, é naquele que você vai se apegar, uma coisa bem masoquista. Na época da novela eu ficava obcecada com isso, as pessoas falavam que eu era feia e horrorosa, com 18 anos isso te afeta muito. Você é vaidosa? Sou vaidosa nas horas certas. Quando eu vou fazer um vídeo pro Porta dos Fundos, não quero
saber se estou descabelada, se está marcando, prefiro não saber, na hora de ser ridícula você não tem que procurar o seu melhor ângulo. Na vida normal, fora do trabalho, não é muito diferente. Eu tenho muita dificuldade em pentear o cabelo, não lembro de passar creme, mas eu gosto de me maquiar, de me vestir bem, só que sem levar isso muito a sério. E sobre beleza? Eu acho que, a princípio, não sou muito bonita, eu tenho um narigão, não sou magérrima, não sou padrão “Rio De Janeiro” de beleza, mas eu fico muito feliz de ser considerada uma mulher bonita mesmo sendo diferente. A Clarice é cidadã? Se interessa por política? Eu me interesso por política, mas não sou a pessoa mais politizada, eu gosto de assuntos sociológicos, tipo feminismo, preconceito, homofobia, entre outros. A parte da política governamental me interessa pouco, eu acho tudo muito feio. Mas nem para inspirar o seu trabalho no humor? Sendo bem sincera, o meu humor é mais de gente e de sentimento do que de denúncia, eu gosto muito do humor inspirado na política, mas não consigo produzir como autora, apenas discuto o assunto em casa e com os meus amigos.
Você falou em feminismo, é feminista? Sim, sou feminista, pensando que feminismo é querer direitos iguais. Eu acho que ainda faltam alguns passos para isso, ainda ganhamos menos que os homens, existe uma sexualização, uma diminuição da mulher quando ela coloca uma saia curta, quando vejo uns comentários a meu respeito do tipo: “Viu ela não precisa se vestir como puta para ser bonita”. Por mais que isso seja elogioso, eu fico muito triste, eu poderia me vestir assim, só não me visto por escolha minha, talvez se eu fosse muito gostosa eu me vestisse desse jeito e não acho que por isso seria uma puta. Não acho nada pejorativo na palavra puta, não acho nada pejorativo numa saia curta, mulher é muito julgada nesses méritos em vez de falarem que “fulana canta muito mal”, falam “fulana é muito feia”. Ninguém fala isso de um homem, falam “fulano é muito ruim” e ponto. Isso me incomoda como mulher. E namoro, casamento, filhos, você pensa nisso? Eu gosto de pensar por etapas, é bom curtir os momentos, a gente ainda não mora junto, então primeiro vamos fazer isso, vamos viajar e aproveitar bastante, eu não quero perder nada. Tudo ao seu tempo.
“Monomania”, primeiro disco solo da cantora
Clarice no show de lançamento do disco no Rio foto . Theodora Duvivier
Hellan Nordica
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MODELO . GABRIELA UITERWAL [40º Models] FOTOS . ANA ROVATI e EDU MONTEIRO
A atmosfera tem um quê de Björk. O cenário poderia ser a gélida Islândia, mas é o tórrido Rio de Janeiro.
[Laje N贸rdica]
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Maquiagem . Rita Vasquez Locação . The Maze Rio - Jazz Club Roupas . OESTUDIO
Um puro Amor Concret
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POR ROGÉRIO DAFLON
FOTOS . MARCELO CARNAVAL
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O arquiteto franco-brasileiro Affonso Eduardo Reidy tem um conjunto de joias arquitetônicas no Rio. Em sua prancheta, ele desenhou, entre outros projetos, o Aterro do Flamengo e o Museu de Arte Moderna. Mas, em termos de prestígio internacional, a obra que lhe mais rende elogios lá fora é o Conjunto Habitacional Pedregulho, que recebe por ano centenas de arquitetos ávidos por conhecê-lo. Vencedor do prêmio Pritzker, o maior da arquitetura, o britânico Richard Rogers se emocionou quando visitou a edificação e vibrou ao conhecer ”uma das mais notáveis realizações arquitetônicas do século XX; pelas soluções espaciais tão criativas, detalhes depurados, beleza e significado social. Antes de se tentar explicar a afirmação de Rogers, uma informação se impõe. A obra do governo
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do estado, que estava recuperando o conjunto construído entre 1946 e 1952, está paralisada. É de se supor que a construção de equipamentos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016 esteja na lista de prioridade. Se for isso, pode-se dizer que, em nome do futuro, se joga o passado na lata de lixo. Mas vamos destrinchar a afirmação de Rogers. Professor da PUC no Rio, o arquiteto Alfredo Britto mostra, por exemplo, que não é exagero dizer que o Pedregulho é “uma das mais notáveis realizações do século XX. Britto já detectou “filhotes do Pedregulgo” na Polônia, Hungria e Portugal. Mais três fãs do conjunto reforçam a tese: Lucio Costa, admirador da obra de Reidy como um todo, o designer Max Bill, um dos
principias nomes da Bauhaus, e Le Corbusier, o grande mentor do movimento moderno. Rogers também cita as soluções espaciais criativas do Pedregulho. Reidy projetou o prédio principal do conjunto – uma lâmina ondulada com 272 apartamentos – a fim de que ele acompanhasse a curva de nível da encosta, valorizando a paisagem natural existente. Para melhorar o acesso, Reidy criou um pátio no andar intermediário do prédio. Como o pátio acompanha o desenho do edifício, criou-se ali uma imensa área de lazer e de convivência sobre pilotis. Ainda no campo do espaço, os apartamentos ali, construídos para funcionários públicos do então distrito federal têm uma grande variedade, já que o arquiteto se preocupou com
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Karina em ação no Nublu de Nova York.
os tamanhos diferentes das famílias. Assim, há apartamentos de quitinete e quarto e sala e duplex com dois, três e até quatro quartos. Hoje em dia, os conjuntos habitacionais do programa habitacional do governo federal, o Minha Casa, Minha Vida, preveem um apartamento de no máximo 42 metros quadrados, tamanho de um quarto e sala. Rogers também se impressionou com os detalhes depurados do pedregulho. Nos apartamentos, a preocupação com a ventilação e com a proteção solar nas fachadas dá uma caráter único no Brasil à moradia popular bancada com dinheiro público. Os cobogós na varanda a filtrar o sol e as janelas dispostas de forma a facilitar uma ventilação cruzada se aliam à beleza do conjunto, também ressaltada pelo arquiteto britânico. Quanto ao significado social, Reidy fez um projeto no qual seus traços foram a serviço de um modo de vida simples e funcional. No projeto, além de outro prédio mais abaixo da edificação em onda, há escola, posto de saúde, lavanderia, quadra de esporte com uma piscina semiolímpica, vestiários e mercados. E o lugar, o bairro de Benfica, foi escolhido por ser perto do Centro da cidade, a fim de minimizar os custos de transporte. Alguns desses equipamentos criados por Reidy estão em péssimo estado, à espera de que os governos do Rio se deem conta da riqueza que a cidade tem nas mãos. Riqueza que se vê em detalhes magníficos: no paisagismo de Burle Marx, que fez o painel da escola; num painel genial de azulejo de Portinari na parte externa do ginásio, no qual crianças pulam carniça; e de outros de Anísio Teixeira, que precisam urgentemente de restauração.
Mas Reidy não esteve só na empreitada do Pedregulho. A engenheira Carmem Portinho, então chefe do Departamento de Habitação Popular, foi à Inglaterra com o intuito de pesquisar como o país, que se recuperava a duras penas do pós-guerra, estava reconstruindo suas morarias populares. Em cidades bombardeadas como Londres e Liverpool, ela percebeu que os novos conjuntos habitacionais dessas cidades não se limitam a residências em série. Eles eram compostos por escola, postos de saúde, mercados centros esportivos, espaços de convivência. Carmem Portinho não era apenas a musa inspiradora de Reidy, era também sua mulher, embora os dois nunca tenham assumido o romance publicamente. Assim, pode-dizer que o Pedregulho é puro amor concreto.
O Resga do Tarta
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Carne de boi crua. Ovo cru. Ingredientes que sempre beliscam no limite do gosto comum, assim como alcaparras, pepinos em conserva, mostarda picante. E um dos maiores vilões da culinária mais elaborada: ketchup. Steak Tartare. Uma combinação fadada a ser esquecida nos porões das cozinhas, até algum tempo limitada aos imutáveis cardápios de casas tradicionais, que se sustentam justamente pelo delicioso sabor da nostalgia, reaparece com ar garboso. Sim garboso. Se vamos recuperar velhos hábitos, porque não também no vocabulário? O tartare é de um tempo em que as preocupações com a dieta alimentar eram bem diferentes. E sequer vou desperdiçar linhas traçando o perfil do consumidor médio hoje e todas as suas paranoias quanto à qualidade do que está sendo servido (muitas delas justificáveis, diga-se de passagem) e com as suas implicações para a saúde. Por isso, não é difícil entender a rejeição diante de um prato de carne bovina crua.
Aliás, uma correção. O steak tartare é bem mais antigo que isso. Uma das versões de sua história diz que a origem é relacionada aos tártaros, povos bárbaros que habitaram a Europa Oriental. O prato teria chegado à Europa Central no século V pelas mãos de Átila, o Huno, em uma viagem desde a Muralha da China até a região onde hoje estão França e Alemanha. As carnes de caça cruas
eram postas sob a sela do cavalo para amaciar. Os hunos europeus seriam braços ocidentais de tribos nômades mongóis. Não à toa o steak tartare é um dos pratos tradicionais da culinária da Mongólia. Mas foi na França que o prato ganhou notoriedade. Acompanhado de outra paixão do país: as batatas fritas. Mas voltemos à vaca fria. Fato é que o nosso antiquado companheiro está de volta. Como aquele cantor que não grava nada há anos, mas retorna aos holofotes quando um de seus sucessos é recuperado pelo imponderável.
O ponto alto dessa tendência? O Tartar & Co., restaurante aberto em São Paulo em fevereiro por Erick Jacquin, um dos mais importantes chefs franceses em atividade no Brasil. São 16 versões do prato, e aí não entra apenas a carne bovina. Há opções com salmão, atum... Antes, já tinha ficado intrigado com o prato no cardápio do estrelado chef Daniel Boulud, no DBGB, gastrobar superbadalado em Nova York e especializado em charcutaria, onde ele orgulhosamente produz todos os embutidos. Na receita tradicional, a carne é sempre picada na ponta da faca, nunca moída, de preferência em cubos minúsculos. E muitas vezes misturada com os temperos na frente do cliente, na mesa. O de Boulud chegou montado, mas com os
cubinhos em tamanha simetria que pareciam feitos por uma máquina. Por cima, a gema de ovo de codorna crua.
No Rio, o clássico de casas como Bar Lagoa e Casa da Suíça ganhou ares e apresentações variadas em mesas mais “moderninhas”. Em busca de valorizar justamente essa linha boêmia e sem inventar, o Bar Astor tem no steak tartare, potente e untuoso, um ótimo aliado para a carta de coquetéis da casa. No Chez L’ami Martin, bistrô do chef francês Pascal Jolly, a apresentação não poderia ser mais clássica. Com fritas sequinhas e crocantes e salada verde. Como em Paris. Na contramão do tradicional, os cubinhos de carne invadem até o cardápio italiano da Prima Bruschetteria, em uma versão caprichada de bruschetta com molho de raiz forte e ovo de cordorna por cima. Tá bem, não vou te convencer a comer carne de boi crua. Pois bem. Vá nas versões de salmão com maçã verde e vinagrete de ovas de massago; ou atum com guacamole picante do gastrobar Q, do chef Ronaldo Canha. Ali vem com torradas, mas a criatividade também parte para os acompanhamentos. No Barzinho, na Lapa, ele é de atum e chega com chips de aipim. Apressado geralmente come cru, mas não se preocupe. Aproveite cada garfada. A onda do tartare parece ter voltado para ficar.
visite http://sopodesergula.wordpress.com/
ate are
POR RAPHAEL ROQUE FOTO . ALEXANDRE LANDAU
Rota do Rum
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POR MAURICIO BARROS DE CASTRO FOTOS . EDU MONTEIRO
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Bebida preferida dos piratas, devido ao seu alto teor alcoólico, o rum hoje é vendido como um sofisticado spirit que rivaliza com o uísque no mercado internacional consumidor de destilados. Longe da Escócia que inventou o “melhor amigo do homem”, na definição de Vinicius de Morais, o rum surge no Caribe. Mas para traçar a sua rota é preciso partir do país onde nasceu. Barbados – uma pequena ilha paradisíaca, que tem uma extensão de 430 quilômetros quadrados – foi o lugar onde se iniciou o cultivo do açúcar no Caribe e país que inventou o rum, bebida nacional das ilhas caribenhas, prima da nossa cachaça. A diferença é que para se fazer o rum é utilizado o melaço, enquanto que a cachaça é feita com o suco da cana. Foi em 1625 que o inglês John Powell tomou a ilha como posse da Inglaterra, mas ela já era conhecida de outros viajantes, inclusive dos portugueses. Eles batizaram o lugar inspirados nas árvores típicas de Barbados, que parecem deitar longas barbas sobre seus galhos. Mas foram os ingleses que ocuparam a ilha e iniciaram a plantação de culturas diversas, até se decidirem pela monocultura da cana. Em Barbados fica a destilaria mais antiga do mundo, a Mount Gay, fundada em 1703, que ainda funciona a pleno vapor, produzindo edições envelhecidas do rum, como o Extra Gold e o mais sofisticado da empresa, o Eclipse. Outra marca famosa na ilha é a Cokspur, criada mais tarde, em 1884. Da mesma forma que inventou o rum, Barbados também inventou o Rum Shop, simpáticas casinhas coloridas de madeira, similares aos nossos botecos, onde os bajan, como se autodenominam os barbadienses, se reúnem para botar a prosa em dia e beber uma “branquinha”. Assim como a cachaça, o rum que não é envelhecido tem a cor branca. Nos ambientes mais sofisticados, como nos hotéis que ficam de frente para o incomparável mar do Caribe, é comum beber o rum envelhecido com pedras de gelo. Ou então a pedida é o rum punch. É o drinque mais famoso de Barbados. O rum misturado com suco de frutas embala os visitantes, agora, finalmente preparados para traçar a rota do rum pelo Caribe.
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RODA #1
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3x4 JORGE NOUJAIM
Data de nascimento: 29/11/1974 Cidade onde nasceu: Houston, Texas Cidade onde cresceu: Rio de Janeiro Cidade onde vive: Nova Iorque Um trabalho de alguém da sua área que te marcou: O livro ‘O Menino Maluquinho’, do Ziraldo Uma cor: azul turquesa Quem voce convidaria para ser seu modelo vivo: Claudia Cardinale, na época do filme ‘8 1/2’, do Fellini Quem voce gostaria que fizesse um retrato seu: Salvador Dalí. Um retrato completo, de corpo inteiro, com cenário surreal no fundo e tudo Se voce pudesse levar somente uma imagem para Marte: Eu levaria uma imagem/ilustração de São Jorge no cavalo, daquelas bem clássicas de “santinho”
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Quando decidiu seguir esse caminho profissional? Desde criança sempre fui fascinado por desenho e imagens em geral, de ilustrações de enciclopedia a história em quadrinho, desenho animado, selos de carta e capa de disco. Entrei na faculdade de Desenho Industrial meio que no escuro, sem muito saber no que ia dar e, por uma série de circunstâncias e oportunidades, acabei caindo no mercado de vídeo e animação, onde é possível utilizar diversas linguagens e técnicas. Trabalho com animação até hoje. Já fiz trabalhos para ABC TV/Disney, Smirnoff, TV Globo, Google e Coca Cola, entre outros. Houve alguma mudança radical no seu trabalho durante essa trajetória? Há uns cinco anos, quando mudei para Nova York, comecei a tirar fotos compulsivamente das minhas experiências diárias e minhas andanças, explorando a cidade. Muitas dessas fotos possuíam composições interessantes e grande força gráfica. Por não ser necessariamente um fotógrafo, eu não achava que as fotos eram refinadas o suficiente para “stand alone” só como fotos, mas reconhecia que elas tinham grande potencial gráfico. Então comecei a trabalhar/converter essas fotos em ilustrações e adicionar novos elementos de outras fotos (sempre utilizando fotos próprias) ou desenhos feitos a mão, texturas de livros, cartões postais antigos que encontrava em sebos e pequenos textos. E é essa a linguagem que eu trabalho até hoje. Demorou alguns anos para se desenvolver e eu acho que ainda continua evoluindo. Seus trabalhos são desenvolvidos dentro de uma técnica específica ou você se utiliza de todos os recursos disponíveis em prol da sua arte? Eu tenho um processo de trabalho específico no qual inicio quase todas as imagens mas, a partir daí, estou aberto a todos os recursos possíveis para expressar a ideia/conceito da melhor forma que encontrar. Utilizando desde desenhos/arte feitos a mão em diferentes técnicas, fotos, imagens e até objetos scaneados, elementos criados no computador ou qualquer outra forma para chegar ao melhor resultado final. Até que ponto a tecnologia pode influenciar no resultado do seu trabalho? A tecnologia deve ser utilizada como ferramenta para facilitar o trabalho. O computador é o “superlápis”. A maioria dos meus trabalhos é criada digitalmente, mas a intenção é a de que
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o resultado final seja o mesmo de uma gravura criada de modo tradicional, manualmente. Eu acredito que a tecnologia me permite experimentar mais. Quais são seus temas preferidos, aqueles que você mais gosta de trabalhar? O meu tema preferido é o que eu chamo de “detalhe urbano”, cenas ou objetos banais de uma cidade. Como uma bicicleta encostada em um muro, letreiros de lojas, um jornal largado na calçada, pôsteres rasgados e colados um sobre o outro em muros. Trabalhar com essas formas até atingir um resultado quase abstrato em seu impacto final. Costuma trabalhar várias peças ao mesmo tempo ou prefere começar e terminar um projeto isoladamente? Um pouco dos dois. Em geral, eu costumo criar uma ilustração em uma ou duas longas “sentadas”/sessões, ficando até quatro ou cinco da manhã, até terminar a ilustração, sem quase nenhuma interrupção, aproveitando o “momento de inspiração”. Ou eu chego até 60, 70% em várias ilustrações ao mesmo tempo, só retornando para finalizá-las semanas ou meses depois. Que outros artistas você acompanha com interesse? O trabalho do animador Bill Plympton, do ilustrador/artista argentino radicado em Londres Oscar Grillo e o trabalho de motion design do studio Buck. Arte e comércio podem conviver sem que uma interfira na outra? Não. Eu acredito que uma sempre interfere de alguma forma na outra. Um caso interessante é do Andy Warhol que, como todos sabem, se inspirou na arte comercial para criar sua arte. Há pouco tempo, a marca de moda japonesa Uniqlo lançou uma coleção completa de camisetas de estampas com a arte do Warhol. O design da embalagem da lata de sopa campbells virou arte e essa arte se transformou em um novo produto com a camiseta. Qual o verdadeiro preço da sua arte? É muito difícil colocar um valor em arte. O valor dos materiais e do tempo para executar a arte é fácil de quantificar, o difícil é o valor da originalidade, singularidade, habilidade técnica e o valor emocional que a arte pode ter para o artista e o espectador.
RODA #1
Display
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PJ Harvey Stories from the City, Stories from the Sea
LETÍCIA NOVAES
Descobri PJ Harvey quando ainda era moçoila tijucana cheia de ternura e fúria, e meu irmão mais velho era meio nerd, então de repente havia uma coisa chamada internet dentro de casa. Aos poucos fui me familiarizando com o Napster, programa de baixar músicas da época, e eu soltava o dedo por ali. Tinha vontades específicas, claro. Aquela trilha daquele filme, aquele cantor que eu só ouvi uma vez na rádio, mas muitas vezes simpatizava com a lista de alguém e catava tudo. Tudo. Acho que foi assim que PJ Harvey veio para mim. De repente, olhei aquela sigla de primeiro nome e pensei: “O que é isso mesmo?” E lá fui eu ouvir. Eu, que nem sabia se PJ era homem ou mulher, fiquei arregalada. Era mulher, era boa, aquilo me fez bem como poucas coisas podem fazer. Não lembro exatamente qual foi a primeira música que escutei, mas logo fui organizando as pastas e era o início da década dos anos 2000, e “Stories from the city, stories from the sea”, tinha acabado de ser lançado. Eu já tinha virado bicho uivando pra lua com “Dry”, “Rid of me”, “To bring you my love” e “Is this desire?”, mas quando “Stories from the city, stories from the sea” tocou no meu carro de madrugada, eu voltando da praia da Reserva, o mundo fez tanto sentido! As várias referências à cidade de Nova York não quebravam o clima, cada um tem a Nova York que tem. E eu que até então ainda morava com meus pais, abria a janela pra gritar
“A place called home” e desejar profundamente uma futura casa só pra mim. E para um lover, um big lover que me dissesse alguma coisa bonita no alto de um prédio, como “You said something” conta. Há quem ache esse disco o mais pop da cantora inglesa. Eu, como fã e não como pessoa que só idolatra (há uma grande diferença), acho a especulação musical, vocal, literária dela, absurdamente gloriosa. Ok se essa é mais pesada, riffs e distorções, mas ok também se essa outra é mais imersa em suavidades vocais. Ela consegue, ela é poderosa. “This is love”, faixa do álbum, ganhou um clássico videoclipe de fundo branco e ela com sua guitarra. De terninho branco de decote profundo, com aquela bocarra de batom vermelho, ela nos canta que “You’re my dirty little secret, wanna’ keep you so “. E você apenas derrete. O álbum ainda conta com participação luxuosa de Thom Yorke na faixa “This mess we’re in”, onde PJ, além de cantar, fala. Nos dá a honra do leve sotaque britânico e da voz grave e saborosa. O disco inteiro é para mergulhar, se apaixonar, sonhar com cavalos, pra ter boa sorte, pra flutuar, kamikase amoroso, grande saída. Histórias da cidade, histórias do mar. Pra quem tá encalacrado numa casa ou voando livre numa praia.
Cantora e compositora da banda Letuce - visite www.letuce.com.br
Satisfaction
Discos
Desde 1985 Rua Francisco Sรก, 95 - Loja K - Copacabana Telefone: (21) 2521-2893
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FOTOS . CAROLINE BITTENCOURT
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A
AKJQ O cenário é a fria e gelada Escócia e o ano, 2013. Na cabeça, a célebre frase “there can be only one”, dita pelo personagem Connor MacLeod vivido pelo ator Christopher Lambert no filme “Highlander – O Guerreiro Imortal” de 1986. Foi com esse espírito que Nicolau Villa-Lobos derrotou cerca de 612 jogadores de todo o mundo que se enfrentaram no UK & IRELAND POKER TOUR (UKIPT Edinburgh), um dos mais tradicionais torneios internacionais de pôquer, e se tornou o primeiro brasileiro a levantar uma taça desse esporte no velho continente e abocanhar um premio de £101 mil pounds.
O caso de amor entre Nicolau - filho de Dado Villa-Lobos, guitarrista da lendária banda de rock Legião Urbana - e o pôquer carrega uma particularidade. Em 2007, com 18 anos, esse típico jovem carioca acostumado a pegar onda, andar de skate e jogar futebol descobriu que tinha um grave problema no coração e foi submetido a uma cirurgia que o fez ficar de repouso por quase um ano. Durante esse período, os amigos do colégio começaram a promover uma animada e informal roda de pôquer na casa de Nico (como é chamado pelos amigos), que adorou a atividade. Ainda mais porque percebeu que estava começando a ganhar uma graninha no jogo. Um de seus amigos, por sinal, já andava se aventurando nas mesas do underground de alguns clubes do Rio, entre eles o Olímpico, em Copacabana. E lá foi Nico conhecer esse submundo.
“Quando cheguei, percebi que o ambiente não era amistoso nem saudável, mas na primeira vez já ganhei R$ 500. Minha mãe não me dava isso no mês inteiro! Na segunda, ganhei R$ 700. Então, comecei a ir com frequência, ficava quietinho, estudava o jogo e me dava bem”, lembra ele.
Nicolau Villa-Lobos
O que em outros esportes significaria ascensão, nesse caso era o contrário, como ele mesmo explica: “Conforme ganhava, em vez de subir eu ia descendo de andar até chegar no subsolo do clube, numa sala fechada, enfumaçada e cheia de caras bem esquisitos, era sinistro como nos filmes.” Os pais, preocupados com a rotina do filho, chegaram a cortar sua mesada, mas a essa altura o pôquer já tinha conquistado o revitalizado coração do garoto. A entrada da internet é o que podemos chamar de um divisor de águas nesse esporte. Se antes eram homens mais velhos e esquisitos que se interessavam pela atividade, com o advento do pôquer online, jovens de todo mundo que já passavam horas na frente do computador tomaram conta do pedaço. Há cerca de 30 milhões de praticantes em todo o mundo e se destacar nesse esporte hoje em dia é coisa para profissional. Mas Nicolau não titubeou e entrou nessa jogada de cabeça, passando a dividir seu tempo entre o pôquer e a faculdade de Cinema na PUC-Rio. Se
POR BOB COTRIM FOTOS . STÉFANO MARTINI
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autodefinindo como “um cara muito competitivo por natureza”, ele entendeu logo que, para ter êxito nessa área, era fundamental trazer de volta ao seu dia a dia um pouco da disciplina que fazia parte da sua rotina quando praticava outros esportes. Isso porque não é incomum passar 12 horas ininterruptas em cima de uma mesa de jogo durante um torneio. Nico foi se aprimorando, ganhando experiência e dinheiro. Ainda bem, pois, como ele mesmo diz, nesse esporte as vitórias e o dinheiro significam o passaporte para participar dos torneios com os melhores jogadores e os prêmios mais altos. Entrar nesse seletíssimo circuito significa ter que pagar uma inscrição com valores que começam em R$ 2 mil, caso do Campeonato Brasileiro (BSOP). “Agora já existe até programa de computador que mapeia as características dos adversários, possibilitando que eu crie estratégias de jogo de acordo com meus oponentes. Mas tudo isso são apenas ferramentas que podem te ajudar, nada pode ser comparado ao raciocínio lógico, nem mesmo a sorte. Porque sorte sozinha pode garantir algumas vitórias, jamais uma carreira sólida”, garante. Hoje, é comum ver o nome de celebridades ligadas ao mundo do pôquer. Por aqui, o do ex-jogador de futebol Ronaldo é um deles. Lá fora, os torneios entre as celebridades são transmitidos pelas TVs e têm ótima audiência. Para quem assiste, fica claro que, apesar do espírito de entretenimento, ninguém ali gosta de perder, é jogo pra valer. Um dos exemplos mais curiosos é o de Guy Liberté, criador do Cirque Du Soleil, um conhecido e abastado apaixonado pela modalidade esportiva, que promoveu um torneio para alguns afortunados como ele em que a inscrição era de “apenas” US$ 1 milhão. O ano de 2012 foi de afirmação profissional no esporte. No World Series of Poker (WSOP), em Las Vegas, EUA, Nico ficou em 77º lugar e foi o brazuca mais bem colocado no torneio. Brasileiro que, por sinal, usa a camisa verde e amarela em várias ocasiões, como tática para intimidar os adversários. “Acho que funciona. Levo sempre a camisa do Fluminense na mala, para dar sorte, e a do Brasil, para fazer uma pressão principalmente nos gringos. Não vejo a hora de voltar nessa competição e conseguir chegar na mesa final. Quem sabe, frente a frente com Phil Ivey, o melhor jogador de pôquer da atualidade”. Se cuida, Phil.
Acordes RODA #1
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Bacurinha’s Song
MÁRCIO BULK
Então, que tal levarmos um papo sobre o pop-rock dos anos 80? Ou melhor, os letristas do pop-rock dos anos 80. Ou, sendo ainda mais específico: as letristas do pop-rock dos anos 80. Algum espírito de porco poderá muito bem falar: “E teve alguma?!”. Poupe-me, ok? A primeira opção que vem à cabeça, claro, é Marina Lima. Mas é bom lembrar que, na época, era seu irmão e parceiro Antonio Cícero o grande responsável por suas letras. Bem, alguém, puxando pela memória poderá lembrar de Dulce Quental, Virginie... mas tem certeza que não está faltando uma outra menina nessa lista tão minguada? Pois bem, é sobre ela que eu quero falar: Paula Toller. E por favor, nada de torcer o nariz porque você é cool, hype, hipster, etc e tal e acha o som do Kid Abelha pop demais para seus ouvidinhos tão alternativos. A señorita acima citada, quer queira, quer não, foi a voz e o cérebro responsável por desenvolver o discurso femino na música brasileira da época. E isso não é pouca coisa! Não mesmo! Ou você acha que era fácil uma garota dizer ao que veio em um cenário onde somente meninos ditavam as regras? Lembre-se que Marisa Monte, Adriana Calcanhotto, Cássia Eller & cia. só foram aparecer um boooooom tempo depois. Após a saída de Leoni, coube à Paula a responsabilidade pelas letras da banda. E que letras! Afinal, precisa ter, no mínimo, um pouco de culhão (ooops!) para escrever e cantar versos como: “Eu já nem me lembro bem/ Da primeira vez que eu dei” (“Agora Sei”). Estamos falando de sexo, meu bem, sexo! E isso, antes de Tati Quebra Barraco, Deise Tigrona e Valesca Popozuda virem com seu pussy power! Ou seja, Paula Toller já sinalizava em suas letras várias questões comportamentais de sua geração, em uma década pra lá de complicada em se tratando de relacionamentos e sexualidade - não se esqueçam do fantasma da AIDS e que o brasileiro sempre foi chegado em uma misoginia básica.
Paula, ao lado de Leoni, compôs uma das canções mais emblemáticas da época: Em “Como Eu Quero”, narra o embate de um casal, onde, de forma explícita e quase tirânica, a personagem impõe suas regras. Sem meio-termo, no cara a cara e pronto. Ainda ao lado de Leoni, escreveu e cantou a respeito de certas inseguranças do universo feminino: “A vida que me ensinaram/ Como uma vida normal/ Tinha trabalho, dinheiro,/ Família, filhos e tal/ Era tudo tão perfeito/ Se tudo fosse só isso/ Mas isso é menos do que tudo/ É menos do que preciso” (“Educação Sentimental II”) ou então em “Garotos”, quando sentencia “São sempre os mesmos sonhos/ De quantidade e tamanho”. Ao lado de Herbert Vianna, escreveu “Nada Por Mim”, onde a figura masculina fala para sua interlocutora: “Você me tem fácil demais/ Mas não parece capaz/ De cuidar do que possui/ (...)/ Me diz até o que vestir/ Com quem andar e aonde ir/ E não me pede pra voltar”. Ou seja, adivinhe quem está no controle dessa relação? Pois é, não é exatamente o XY... Continuando! Sozinha, Paula escreveu “Não é preciso ficar inseguro/ Não é possível concordar em tudo/ Somos amigos e isso é um bom motivo / Prá gente ficar junto” (“Dizer Não é Dizer Sim”), “Não quero nada por gratidão/ Também nada pelo que me aconteceu/ Mesmo assim peço perdão/ Mesmo com razão” (“Eu Preciso”) e “Tudo o que eu desejo ver você já viveu/ Tudo o que eu quero ter um dia foi seu/ Não te surpreende o que tira o meu sono/ Não entendo o que te faz gostar do que eu sou” (“Mais Louco”). Manja DR*? é tipo isso, na lata. E o que dizer de seu girl power “niuêive”? “Me deixa falar, me empresta um ouvido/ Me deixa falar, me presta atenção/ Se não me escutar, cuidado comigo/ Eu perco a razão/ Atiro tudo o que eu tenho na mão” (“Me Deixa Falar”)! Violenta, a menina. Também havia espaço para o lado punk da vida, como em “Paris, Paris” (“E o roxo no meu braço/ Já desapareceu/ Meu último vestígio seu”) visite www.bandadesenhada.com.br
e “Promessas de Ganhar” (“Vai pro céu, quem levou um tapa e deu a outra face?/ Vai pro céu, quem abriu os olhos e não viu a luz?”). E isso se pegarmos apenas a sua produção da década de 80, pois a moçoila até hoje continua escrevendo sobre esses temas, exacerbando ainda mais, a partir dos anos 90, a temática sexual, em canções como “Lolita” (“Tudo é Permitido”), “O Beijo” (“Iê Iê Iê”), a trilogia “Mil e uma Noites”, “Um Segundo a Mais” e “Por Uma Noite Inteira” (todas do álbum “Iê Iê Iê”), “Mãos Estranhas” (“Autolove”), “Derretendo Satélites” (“Paula Toller”, seu primeiro álbum solo), “Eutransoelatransa” (Pega Vida”) e “Poligamia” (“Pega Vida”). Bem, depois de ter chegado até aqui e lido mais de uma lauda, só com muita má vontade você não perceberá a importância e influência, mesmo que indireta, do discurso de Paula Toller na canção popular e, sobretudo, nas gerações seguintes, onde surgiram diversas cantautoras, como Érika Martins, Pitty, Vanessa da Mata, Tiê, Nina Becker, Tulipa Ruiz, Bárbara Eugênia e Letícia Novaes (Letuce). Por essas e outras, por favor, pare de torcer esse nariz e se estrebuchar. Que coisa mais baixo astral! Pare de frescura, deixe de lado esse mimimi e blábláblá e saca só: Paula Toller é foda. Simples assim.
*discutir relação
Moviola RODA #1
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Cinema de Sensações
Menos falado e com mais ação, movido por belas imagens e sons peculiares, não por uma descarga de diálogos, o cinema contemporâneo encontra um caminho de volta através de uma jornada de sensações. Algumas produções estão deixando as emoções aflorarem em primeiro plano. Elas têm muito a dizer, mas não com palavras — mais ou menos como funcionava há quase um século. Assistido pela primeira vez no Festival do Rio de 2011, na época do mesmo boom de onde saíram os premiados “A Árvore da Vida”, do diretor americano Terence Mallick, e “O Artista”, do francês Michel Hazanavicius, “O Abismo Prateado”, de Karim Aïnouz, só lançado recentemente em circuito, convida o espectador a um envolvimento mais íntimo com seus personagens, mostrando situações capazes de deixar marcas indeléveis. Se em “A Árvore da Vida”, que levou a Palma de Ouro em Cannes, havia um retorno ao centro da terra e aos primórdios da humanidade para fazer uma analogia com os sentimentos primitivos que rondam as relações de uma família americana com placas tectônicas, a natureza selvagem e uma diversidade de sons -, no novo longa do diretor cearense muitos destes recursos reaparecem para mostrar a saga desesperada de Violeta (Alessandra Negrini), que entra em parafuso ao ser dispensada pelo marido por uma mensagem no correio de voz.
GUILHERME SCARPA
Agora em Copacabana, mas ainda com ímpetos primitivos pulsando, a personagem de Alessandra Negrini rapidamente encontra no público um cúmplice, assim como acontece com o ator de filmes mudo vivido por Jean Dujardin em “O Artista”, que mergulha de cabeça no ostracismo ao querer remar contra a maré
causada pela chegada do cinema falado em Hollywood. Crítica à sétima arte, o longa, que venceu cinco Oscar, mostra a derrocada do artista do título sem colocar palavras na boca de ninguém, à moda antiga, apenas com algumas cartelas de texto. Violeta não chega a ficar em silêncio por completo no filme de Karim Aïnouz, livremente inspirado na música “Olhos nos olhos”, de Chico Buarque, mas os diálogos da personagem também são bastante pontuais. Como também acontece com os personagens de “A Árvore da Vida”. No vácuo deixado pela ausência da palavra, as ações que movem os personagens dessas produções, cada uma ao seu estilo, ganham muito com trilha sonora, ruídos de toda a espécie, planos bem cuidados e uma fotografia que impressiona. Extremamente realista, “O Abismo Prateado” faz um recorte do cotidiano de uma dentista casada, que tem um filho adolescente. Ela mora perto da Praia de Copacabana e costuma usar a bicicleta como meio de transporte para circular nas proximidades do bairro. Com cerca de 40 anos, tem apetite sexual, tesão no trabalho, é metódica e até um pouco obsessiva. Mas toda a sua neurose vai pelos ares quando se vê abandonada. Desnorteada, se acidenta com a bicicleta, passa por uma obra barulhenta, o consultório dentário, onde opera um motorzinho infernal, liga para o celular do marido, volta até o apartamento deles. A turbulência interna que a personagem enfrenta se traduz na tensão que todas essas sequências emanam visualmente ou sonoramente, e não em verborragia. São experiências sensoriais que estão falando mais alto.
A Árvore da Vida
O Artista
O Abismo Prateado fotos . divulgação
C
www.leonardonovaes.com.br
CCCP ALMA RUSSA
Na condição de estrangeiro dentro de meu próprio país, eu, que devo ter nascido Rodrigo, Tiago ou algo que o valha, sempre me vi mais como Dimitri. Tive o caráter forjado no Peneirovsky, o futebol de várzea russo, considerado por muitos o mais disputado do planeta. Me sinto oriundo de um ventre exilado, mas não me falta esforço para observar e compreender tudo que me cerca nesta terra que parece não ter sido projetada para pessoas como eu, de alma russa.
Voltava para casa depois de mais um dia de perplexidades, pronto para cicatrizar o papel com toda minha angústia, quando sou alvejado pelo mais estúpido dos atos mundanos: se jogar no sofá enquanto liga a televisão. Em um só movimento. Esse ato sempre me pareceu uma maneira do cérebro de entrar em screen saver depois de um dia denso, por isso nunca lutei contra ele. Porém, neste dia o controle que mudava os canais (que não é o mesmo que liga a TV) estava escondido. Ou foragido.
DIMITRI CARIOSHENKO
O filme que estava passando era um desses americanos de invasões a Terra, onde são gastos milhões de dólares e bastam dois ou três neurônios para assistir. Buscar vida fora da Terra me parecia mais tangível do que buscar o paradeiro do meu controle remoto e, como esses filmes têm um efeito de gelol no cérebro, comecei a assistir. Usava apenas 12% da minha capacidade de concentração quando, ao ter que fazer um movimento complexo para coçar um lugar específico e pouco acessível das minhas costas, elevei essa tal capacidade e, para minha
surpresa, descobri que essas películas têm uma grande lição para a humanidade. Em todos esses filmes, ou em apenas um deles, já que parecem ser sempre os mesmos, os alienígenas sempre atacam representando algum planeta. Ou seja: eles são um todo. Não parece haver países fora do sistema solar. E esses tais alienígenas sempre têm mais tecnologias e força que nós. Ou seja, a divisão por países ainda é um atraso tecnológico e físico. Essa lição deveria ser mais explorada nos filmes, e talvez vir escrito na abertura algo como: atenção, esse filme é uma droga e você não precisa prestar atenção, mas admire o poder unificador desses extraterrestres. Nunca houve um ET de filmes dizendo: olá, eu sou do país Crezeslovomol, do planeta Trocovian. Por isso, acho que esses filmes acabam sendo um manifesto contra toda barreira cultural, geográfica e ideológica que nos separa, gerando guerras e tensões. Passei a admirar esse tipo de roteiro, mas não tenho fé de que fará efeito. Um mundo que não consegue unificar controles remotos, jamais unificará países. Roberto Cotrim é jornalista e editor-chefe básico