RODA #2

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www.violetaskaterock.com.br


RODA #2

Depois de duas edições protagonizadas por mulheres muito talentosas, chegou a vez dos meninos darem o ar de sua graça. Na capa e na entrevista, nosso escolhido é um legítimo representante da nova geração da música brasileira, lançando seu segundo e esperado disco, “Sábado”. Cícero conta pra gente como foi sua trajetória desde o subúrbio de Santa Cruz até os holofotes do cenário musical brasileiro. Maitê Albuquerque e Alice Sant’Anna dão o toque feminino dessa edição. Uma faz sucesso nos Estados Unidos com seu traço marcante e a outra já se consolida na poesia como uma das principais autoras de sua geração. A Nova Zelândia e o interior do Acre são cenários de ensaios que tiram o fôlego. Tem inglês novo na área contando como enxerga a beleza e as futuras mazelas do nosso futebol. Tem também o mangue beat do Mundo Livre S.A. Tudo isso já está no ar, pelo menos até Dimitri Carioshenko achar o maldito controle remoto.

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EDITORIAL

BOB COTRIM . EDITOR DE CONTEÚDO


COLABORADORES DIMITRI CARIOSHENKO

Formado em Antropologia & Psicologia, Dimitri Carioshenko estudou o comportamento humano pelos quatro cantos do planeta, mas continuam sendo os trópicos a maior fonte de seus dilemas existenciais. Filho de um ventre exilado, um escafandrista renomado atolado em uma poça. Um homem de alma russa.

MÁRCIO BULCK

Para algumas pessoas é muito sofrido ter que arrumar espaço físico para coisas que tomam um grande espaço afetivo dentro da gente. Marcio Bulk divide conosco a sua angústia. Formado em Educação Artística pela UFRJ, esse entusiasta e profundo conhecedor de música criou, em 2011, o blog “Banda Desenhada”, uma referência atual para todos aqueles que buscam informações da nova cena musical.

EDU MONTEIRO

Cada vez mais à vontade nas nossas páginas, Edu Monteiro reverbera esse momento na Roda através de suas lentes, com um ensaio de moda mais do que caliente. Quando chegou do Sul, transferido pela Revista Placar, esse gaúcho formado em Jornalismo pela Unisinos não esperava que sua carreira na fotografia tomasse o rumo que tomou. Atualmente, é um dos sócios do badalado estúdio carioca Fotonauta.

RAPHAEL ROQUE

Raphael foi para as ruas atrás dos sabores mais sofisticados, seja nos festivais de comida de rua ou na iminente chegada dos Food Trucks ao Brasil. O ponto em comum são os preços nem um pouco salgados. Jornalista apaixonado por esportes e gastronomia, trabalhou no Jornal Lance, onde ocupou o cargo de editor, e no jornal O Dia. Seu lado gourmet também pode ser conferido no blog “Só pode ser Gula”.

GUILHERME SCARPA

Poltronas confortáveis e combos gigantescos nem sempre são garantia de programa de cinema perfeito. Guilherme nos conta como o mau uso da tecnologia pode vir a atrapalhar a diversão. Repórter do caderno Rio Show, de O Globo, iniciou a carreira no jornal carioca O Dia, onde atuou como setorista e crítico de cinema.

SAMUEL GREEN

Jornalista inglês apaixonado por futebol e cerveja alemã, ele passeava pela América do Sul em 2010 quando se encantou pelo Rio, por nosso futebol, nossa música, nosso cinema, nossa literatura e por uma brasileira, que passou a ser dele.

JULIANO RABUJAH

Capixaba de Cachoeira de Itapemirim, esse jovem que até aos 18 anos não conhecia o cavaco, nunca teve pai batuqueiro ou mãe que cantarolasse em rodas de samba, resolveu se aproximar da música sem a menor pretensão. Rabujah, que vem cantando para todo mundo “O que é que Meu Samba tem”, agora conta para a RODA o que é que o disco “Guentando a Ôia”, do Mundo Livre S/A, tem de tão significativo para a música brasileira.

KATIA BONFADINI

Katia Bonfadini, ou “Bonfa”, para os íntimos, é uma designer de mente inquieta, para quem a vida não tem espaço para monotonia. Tem paixão por viagens e por isso já quis ser comissária de bordo, mesmo tendo medo de turbulência. Seu pouso nesta edição foi em Rotorua, no coração da Nova Zelândia.

GUILLERMO GIANSANTI

Guillermo Giansanti é uruguaio. Atualmente, mora e trabalha no Rio de Janeiro, Brasil. Depois de passar pela Escola Universitária de Música e pela Faculdade de Ciências Sociais da Universidade da República (Uruguai), decidiu se dedicar à fotografia. Colaborador de várias publicações daqui e reconhecido através de prêmios no exterior, Guillermo mergulhou fundo no universo indígena para nos trazer um ensaio fotográfico muito especial.


Revista Roda #2 agosto 2013

Editor de Conteúdo . Bob Cotrim bobcotrim@revistaroda.com.br Editor de Imagem . Daryan Dornelles daryandornelles@revistaroda.com.br Editor de Arte . Tello Gemmal tellogemmal@revistaroda.com.br

RODA #2

Colaboraram nessa edição Edu Monteiro, Guilherme Scarpa, Guillermo Giansanti, Juliano Rabujah, Katia Bonfadini, Lua Monteiro, Márcio Bulck, Margot Mello, Mari Rosalba, Raphael Roque, Samuel Grenn e Stéfano Martini RODA . CONTATO Para enviar comentários, sugestões e críticas contato@revistaroda.com.br RODA . PUBLICIDADE comercial@revistaroda.com.br RODA . REDAÇÃO Para enviar sugestões e material para review redacao@revistaroda.com.br RODA . WEB www.revistaroda.com.br RODA . SOCIAL Coordenador de Redes Sociais . Alexandre Florez redesocial@revistaroda.com.br FACEBOOK.com/revistaroda Projeto Gráfico Ofício21

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EXPEDIENTE

Todos os artigos assinados e fotografias são de responsabilidade única de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da revista.



R#2

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EDITORIAL

ENTREVISTA . CÍCERO

MODA . LIBERDADE AZUL

VIAGEM . BRUMAS DE ROTORUA 3x4 . MAITÊ ALBUQUERQUE

DISPLAY . GUENTANDO A ÔIA

FOTOGRAFIA . GUILLERMO GIANSANTI GASTRONOMIA . PARA AS RUAS... PERFIL . ALICE SANT’ANNA

PODIUM . PRA INGLÊS VER

ACORDES . EFEMÉRIDES E OUTRAS MUMUNHAS MAIS MOVIOLA . A BANALIZAÇÃO DO 3D ALMA RUSSA


ilustração . Maitê Albuquerque


Cícero RODA #2

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POR BOB COTRIM FOTOS . DARYAN DORNELLES


Aos 27 anos de idade e com cara de menino, esse ilustre cidadão da Zona Oeste do Rio de Janeiro fala como foi o caminho desde o início, em Santa Cruz, até ser considerado uma das maiores revelações da música brasileira dos últimos anos. O advogado e ex-futuro defensor público trocou uma sólida carreira no Direito pela música. Partiu para os Estados Unidos, não atrás do sonho americano, mas de um balcão do McDonald’s, para juntar dólares, ideias e alguns equipamentos. De volta ao Brasil, estava disposto a reescrever seu futuro. Deixou para trás a vida pacata na casa dos pais e se instalou num pequeno apê alugado na Zona Sul carioca, que, além de servir de moradia para a recente e atribulada vida de produtor de festas, funcionava como estúdio e inspiração para o primeiro e muito bemsucedido disco de estreia. “Canções de Apartamento” estourou na internet, arrancou elogios e reconhecimento de crítica que culminaram com o Prêmio MultiShow 2012, em que arrebatou dois troféus. Ainda um pouco surpreendido pelo repentino sucesso e prestes a lançar o segundo e esperado disco, Cícero lembra que, quando pequeno, por conta de sua ansiedade, não conseguia largar o violão nem na hora das refeições, nos conta como está empolgado em ver a juventude indo para as ruas reivindicar e, claramente, se emociona ao falar da sua infância no subúrbio, com o céu colorido de pipas.


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“A primeira música que me deu visibilidade foi “Tempo de Pipa”. Através dela eu atingi o ouvido do cidadão médio.”

Já deu para parar e pensar no rumo que a sua vida tomou? Você largou a advocacia, vive de música. Imaginava estar assim aos 27 anos? Imaginar eu imaginava, sim, mas o que era realidade há um tempo atrás era a faculdade de direito, o estágio na Defensoria Pública, era uma outra rota. Meu pai é advogado, mas sempre foi apaixonado por música, minha mãe é engenheira e no meu circulo familiar não tinha ninguém nesse caminho. Eu fui o primeiro a acreditar que isso poderia ser um trabalho, tinha uma banda no 2º grau, mas em Santa Cruz é difícil alguém projetar uma carreira musical. Como era a vida em Santa Cruz nessa época? Eu nasci e cresci lá, minha primeira namorada era de Bangu, eu peguei muito ônibus, muito trem, por isso me sensibilizei muito com as reivindicações da população em relação aos transportes públicos, quem depende disso como eu dependia sabe como essa questão é pulsante e interfere muito na qualidade de vida. A minha vida em Santa Cruz foi uma tônica muito grande no meu primeiro disco. A primeira música que me deu visibilidade foi “Tempo de Pipa”. Através dela eu atingi o ouvido do cidadão médio. O tema é totalmente inerente à Zona Oeste, tempo de pipa são as férias escolares, é o sinal que elas chegaram para a alegria da molecada. Minha memória afetiva tá toda focada nisso.

Já tinha música na sua vida nessa época? Isso sempre foi constante na minha vida, eu toco violão todo santo dia desde os meus 12 anos, eu ia para o banheiro com ele, fazia as refeições com o violão no colo, assistia TV acompanhando as músicas que tocavam, tirava de ouvido as canções dos comerciais. O problema é que em Santa Cruz não tinha vida cultural nenhuma, os shows, teatros, tudo acontecia na Zona Sul, para você ter uma ideia até hoje não tem um cinema sequer. Isso tudo era paixão pelo violão? Também, mas é que eu sou muito ansioso, se eu não estiver com o violão, eu fico inquieto mexendo nas coisas. Quebrava muita coisa, minha mãe dizia que eu tinha mil patas, por isso o violão, ele me acalma, quando estou com ele está tudo certo, tudo tranquilo. E a faculdade de direito, era para valer? Estava tudo caminhando bem, um estágio na Defensoria Pública, um Escortzinho 86, minha namoradinha, acabando a faculdade ia fazer concurso para a Defensoria... Aconteceu alguma coisa? Eu comecei a me sentir mal, paralelo a isso a minha banda tinha sido desfeita. Quando acabou de vez a faculdade, percebi que o momento para mim era de ruptura, precisei repensar a minha vida e aí a música se impôs.




Como foi isso, a sua família reagiu de que forma? Foi bem traumático, virei pro meu pai e falei que ia ser músico, por conta disso ficamos quase um ano sem nos falar. No fundo ele tinha muito medo, tinha sido muito pobre quando pequeno e teve que ralar pra cacete para estar bem hoje em dia. Já minha mãe era mais passiva e queria era me ver feliz. Qual foi o primeiro passo para essa independência pessoal e profissional? Eu resolvi ir morar fora do Brasil, fui trabalhar nos EUA, no McDonald’s, num emprego que eu arrumei pela internet. Cheguei no Alabama e fui fritar hambúrguer. Fiquei um tempo, juntei uma grana e fui transferido para o McDonald’s de Manhattan, em Nova York. Com o tempo, comecei a fazer uns bicos diários, entregas, mudanças, etc. Mas isso durou quanto? Tipo um ano. Deu para juntar uma grana e comprar os equipamentos que eu queria: dois monitores de estúdio, seis microfones, uma placa de som, um Pro Tools, uma guitarra e um piano digital. Eu voltei dos EUA com 5 mil dólares em equipamentos, isso era fundamental para mim, afinal o objetivo da viagem sempre foi esse.

Imagino que o próximo passo foi montar esse home studio? Foi. Eu aluguei uma casa, montei o estúdio e comecei a gravar sem parar e colocar na internet. Antes do meu primeiro disco, coloquei dois discos na internet com a banda Alice (minha antiga banda do colégio). A banda ainda estava na ativa? Sim, nós voltamos, mas tinha um problema: os outros dois integrantes não queriam assumir essa vida de músico, sair da casa dos pais. Acabaram desistindo e eu segui sozinho. Mas já dava para viver disso? Não cara, imagina! Foi aí que eu comecei a produzir umas festas na Casa Rosa, Casa da Matriz, Cine Glória. Eram festinhas de música brasileira, eu produzia, distribuía filipetas e era o DJ. Com a grana dessas festas, pagava o aluguel e ia vivendo. Quando surgiu o repertório do “Canções de Apartamento”? Foi nessa época? Eu não faço músicas do começo até o fim, eu vou fazendo cacos, fragmentos, eu faço uma colagem, tipo um “The Best of”. A capa do meu disco é isso, uma colagem. Nessa época, estava numa onda de arte pós-contemporânea, eu tinha visto alguns filmes como “I’m Still Here”, com o Joaquin Phoenix, que mistura realidade com ficção e não dá para saber diferenciar direito o que foi criado, copiado ou roubado.

“Eu não faço músicas do começo até o fim, eu vou fazendo cacos, fragmentos, eu faço uma colagem, tipo um “The Best of”...”



Eu estava nessa pilha. O “Canções” foi a minha forma caipira lá de Santa Cruz de fazer isso. As músicas são quase todas referenciais a alguma música, algum livro. A canção “João e o Pé de Feijão” eu fiz com a base de “You Don’t Know Me”, que o Caetano fez durante o exílio. Tinha alguma intenção por trás disso? Sim, no fundo eu estava querendo me posicionar. Numa época onde tem música em quantidade que aparece e some, para mim é muito mais importante ressignificar o que é relevante, não virar um jingle. As pessoas não colocam mais a música no coração. Essas referências são importantes no trabalho de composição? Elas não podem se transformar numa bandeira, eu não posso virar um escravo disso, eu tenho que fazer música na direção que o meu afeto está apontando. Nesse primeiro disco, eu estava muito interessado nas interações artísticas com a minha arte, agora, por exemplo eu estou interessado nas interações urbanas. O Caetano influencia a minha forma de fazer música, mas o ônibus também, o Tom Jobim me faz pensar muito em harmonia, mas o meu bairro também faz. Deu certo, não? Bom, é que, paralelo a isso tudo, eu tive um clipe bombado na internet (o clipe de “Tempo de Pipa” já ultrapassou 750 mil views) e veio o prêmio MultiShow. O mais impressionante nisso tudo é que um mês antes de eu lançar o disco eu não tinha perfil no Facebook, celular, eu era meio bicho-grilo, quase hippie. Quando eu vi, tinha duas matérias em dois blogs conceituados. Em uma semana eu tinha 10 mil downloads, em um mês, 100 mil. A experiência nos EUA te ajudou de alguma forma nesse processo inicial? O que eu fiz aqui com a minha carreira eu aprendi lá. Em Nova York, fiquei no apartamento de um amigo brasileiro que já estava lá há 10 anos. Ele é meio outsider, da contracultura, vivia pelo baixo Brooklin, Union Square, Low East Side. Lá, acabei conhecendo uma galera que tocava nesses lugares e era chamada de “local fame”, bandas que são muito famosas naqueles locais. Essas bandas já tinham a estratégia de dar os discos para todo mundo que frequentava os shows como uma forma de estreitar a relação com os fãs. No meu primeiro show, também fiz cópias para distribuir. Outra coisa que observei foi que eles colocavam o disco para


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“As músicas do Tom Jobim são arejadas, espaçadas, já as do Itamar Assumpção ou dos Mutantes são as maluquices de São Paulo acontecendo em stereo.” download da maneira mais simples possível, nada de Myspace, Rapid Share ou Megaupload, o grande lance era clicar na capinha e o disco se materializar no seu computador ou no seu celular. Seu primeiro show seguiu essas coordenadas? Em outubro de 2011, marquei um show no Cine Glória para umas 100 pessoas. Os ingressos esgotaram. No seguinte, projetei 300 e também encheu. Foi assim em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Brasília. Aí eu pensei: bom, agora eu acho que tenho uma carreira. Você estava preparado para isso tudo? Eu sempre sonhei, mas preparado eu não estava, não, tanto que até hoje eu não tenho empresário, produtor ou assessor. Isso é uma opção? Não, a verdade é que eu ainda não concebi uma forma adequada para fazer isso. Alguns empresários me procuraram querendo conduzir minha carreira para um outro patamar, não sei se quero ir para outro patamar. E se eu não quiser ficar tão popular a troco de concessões? Quero ir mais devagar, quero entender isso tudo melhor. Qual a melhor maneira de vender a sua música? Esse papo de mercado independente de música já está velho. Na real, existem dois tipos de música, a que você compra e a que você ganha,

tem quem quer comprar e tem quem não quer. Quando não querem, não adianta você facilitar que não vão comprar. Mas você tem relação com uma gravadora, não? Eu tenho uma parceria, ela não é a minha gravadora, eu não sou artista dela. Nosso trabalho é por disco, a gente conversa, vê o potencial que ele tem e vamos juntos nessa empreitada. Se no final ficarmos felizes com o resultado, a gente pensa no próximo. Você ficou feliz com o resultado? Eu fiquei satisfeito, no sentido de que era a transição de um produtor de festas para um músico, mas agora as minhas necessidades enquanto músico são outras. No processo do novo disco, o que mudou? Ficou muito diferente do “Canções”? Eu não tive essa preocupação, mas ele acabou ficando. Antes eu era um cara que vinha lá de Santa Cruz e que produzia festinhas. Nesses últimos dois anos, viajei o Brasil inteiro, conheci um monte de gente legal e gente escrota, é normal que a nossa visão mude um pouco. O disco novo eu gravei em três lugares diferentes, isso faz com que as ideias mudem, gravar num local isolado e gravar no meio do caos urbano mexe com o resultado final. As músicas do Tom Jobim são arejadas, espaçadas, já as do Itamar Assumpção ou dos Mutantes são as maluquices de São Paulo acontecendo em stereo.


A música é essencialmente produto do meio onde ela é concebida? Outro dia eu estava conversando com o Camelo (Marcelo Camelo) e falei que, no fundo, a identificação das pessoas com os Los Hermanos - e que tiveram numa escala infinitamente menor comigo - tem a ver com a origem. Comigo foi Santa Cruz, e no caso deles, Jacarepaguá. A gente intelectualiza, racionaliza, demora pra cacete para fazer uma música, mas o que toca realmente as pessoas é o nosso chão, a nossa essência. O artista está um pouco acima do que ele usa para conceituar. Você citou o Marcelo Camelo. No seu trabalho há espaço para parcerias, você curte contribuir no trabalho dos outros e vice-versa? Acho que a coisa se divide em grupos, eu tenho a teoria de que o grupo que mais está em ebulição na sociedade atual é o grupo dos ansiosos. São pessoas que precisam colocar para fora o que têm dentro. Minha ansiedade é aquela que precisa ser controlada com remédios. Eu tenho uma vontade constante de estar produzindo, já escrevi duas peças de teatro, dois livros de poesia, nesse movimento ansioso eu vou encontrando outros ansiosos pelo caminho e o mais estranho nisso tudo é que eu sou ariano. Ariano é aquele que faz trabalho de grupo sozinho no colégio. A música brasileira sempre se caracterizou por formar grupos, movimentos, turmas. Como você vê isso? É de alguma turma? Eu não gosto disso, não, o sinal dos tempos é de que as pessoas não estão querendo mais bandeiras, neguinho já sacou como funciona, primeiro começa legal, depois a bandeira começa a ficar desconfortável, aí ela vira uma prisão e você faz de tudo para sair da bandeira. É assim com partido político, foi com o comunismo, tanto que recentemente ficaram tentando localizar as lideranças nas manifestações e perceberam que elas são todas frouxas. A galera que foi para as ruas foi por seus próprios motivos, suas insatisfações. A mesma coisa eu vejo na música, cada um tem seus próprios motivos. Os meus começaram lá em Santa Cruz e passam pela faculdade de Direito até eu chegar aqui, por mais que eu use violão, acordeon e outros também usem. Hoje em dia se consome música de tudo que é jeito e de tudo que é tipo. Tem espaço para tudo e para todos? Tem uma coisa que eu trago de Santa Cruz: música boa é música que todo mundo gosta,


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“Eu não sou muito seguro, mas me esforço pra cacete, para compor uma música eu ralo muito, eu deixo de dormir. Se eu não fizer uma música boa, pelo menos vou fazer uma música com critério...” o médico, o advogado, a dona de casa, a empregada, o taxista... Por isso o samba é tão foda, música popular boa é o topo da cadeia alimentar, é o teto. Eu não tenho piração com música experimental, música inteligente ou conceitual, eu busco nisso elementos para fazer a minha música. Agora eu gosto mesmo é da “Banda” (Chico Buarque), “Alegria Alegria” (Caetano Veloso). Toda vez que o Caetano diz que não vê muita graça nela eu morro, ela é linda, foi a primeira música que eu ouvi na vida. Adoro “Hey Jude” (Beatles) e “Minha Vida”, do Lulu Santos. Você ouve de tudo? “Eu gosto muito de pouca coisa de tudo”. Sempre curti um representante de cada estilo, tipo: heavy metal/Iron Maiden, rap/Black Alien, e é assim com música pop, pagode, funk , tudo que é tipo de música. Há pouco tempo eu estava ouvindo samba, no momento eu tenho escutado muito Dub Step. E tem sempre aquelas coisas, tipo: Pixies, Sonic Youth, Pavement, tudo da minha discografia afetiva. Te agrada o que você tem ouvido ultimamente? Te agrada o discurso artístico? Depende, eu simpatizo muito com a música do Recife, gosto pra cacete de Mombojó, Nação Zumbi, Wado, com quem eu tive a honra de fazer três músicas. Mas no geral o discurso artístico está muito careta, caiu nos jargões, as respostas são quase todas as mesmas. No

fundo a culpa não é dos artistas e sim das novas mídias, está todo mundo aprendendo a lidar com isso. Em algumas entrevistas, por exemplo, acontece de recortarem o seu discurso de uma forma que, quando você lê, acaba percebendo que aquela é a opinião do jornalista e não a sua, validam a própria opinião com as palavras do artista. E é aí que a caretice aparece e o discurso artístico fica comedido. Fala um pouco das suas expectativas artísticas com o disco novo. Bicho, eu não sei se sou tão merecedor disso tudo que aconteceu comigo, eu ainda tenho que mostrar muito serviço, fazer músicas boas, esse é um caminho a percorrer com o novo disco. Eu não sou muito seguro, mas me esforço pra cacete, para compor uma música eu ralo muito, eu deixo de dormir. Se eu não fizer uma música boa, pelo menos vou fazer uma música com critério, vou fazer o meu melhor com certeza. E as expectativas com a vida, são boas? A minha geração não tá de bobeira, não. Com essas manifestações nas ruas a galera está mostrando que vai haver um patrulhamento, não é apenas uma coisa pontual, andou fora do cercadinho vai todo mundo pra rua e tudo para. O intuito é esse, ser constante e progressivo. E você está junto com a galera? Eu sou mais um.


“Sábado”, segundo disco do cantor

Cícero em cena foto . divulgação Cícero


Liberdad RODA #2

MODELOS . BRENDA ANTONELLE e FERNANDA ALBUQUERQUE [40º Models] FOTOS . EDU MONTEIRO

A atmosfera tem um quê de Björk. O cenário poderia ser a gélida Islândia, mas é o tórrido Rio de Janeiro.


de Azul

[Laje Nórdica]

bata Ateliê Cortiço + colar Zinco


saia e regata acervo + colar Ateliê Cortiço


vestido Lez a Lez + trent coach Karamello + brinco Alis + sandålia Arezzo + regata acervo + colar Ateliê Cortiço


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regata acervo


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calรงa Checklist + colete Ateen + pulseira acervo


venda Ateliê Cortiço + saia acervo + vestido Lez a Lez




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short Espaço Fashion + body Ateliê Cortiço + sandália Arezzo + vestido longo acervo + sandália Ateen + brincos Alis


calça Checklist + sandália Arezzo + corset Ateliê Cortiço + sandália Ateen + bracelete Ateliê Cortiço


Maquiagem . Rita Vasquez regata acervo + colete Lucidez + colar Ateliê Cortiço Locação . The Maze Rio - Jazz Club + sandália Arezzo + bata Ateliê Cortiço + cinto Zinco Roupas . OESTUDIO Produção: Mari Rosalba e Margot Mello Assistente: Lua Monteiro Make: Margot Mello



Bru RODA #2

POR KATIA BONFADINI FOTOS . KATIA BONFADINI


umas de Rotorua


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Na segunda metade do século XVIII, quando os primeiros exploradores europeus se aventuraram neste inóspito pedaço do nosso planeta, não imaginavam que, passado tanto tempo, ainda hoje fosse possível sentir a mesma sensação que esses desbravadores sentiram ao se deparar com tamanha beleza. Formada por duas ilhas principais, a Nova Zelândia abriga um cenário ainda mais especial: a Rotorua, que fica no centro da ilha do norte. Erupções vulcânicas – a última aconteceu por volta 1886 – ajudaram a transformar o lugar num dos pontos turísticos mais procurados do arquipélago. A forte presença da cultura Maori, parques, lagos e crateras com suas fumarolas são certeza de imagens deslumbrantes e inesquecíveis. KIA ORA!! * *Saudação Maori





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RODA #2

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3x4 MAITÊ ALBUQUERQUE

Nome: Maitê Albuquerque Data de nascimento: 11/07/1986 Cidade onde nasceu: Niterói - RJ Cidade onde cresceu: Niterói - RJ Cidade onde vive: Brooklyn - NY Uma cor: Verde Um trabalho de alguém da sua área que te marcou: ‘Profile Series’, da ilustradora Linn Olofsdotter Principais ferramentas de trabalho: Paciência e meu guerreiro computador, um MacBook Pro de 15” que faz misérias! O bichinho quase nunca fica desligado! Qual o lugar em que gostaria de ver o seu trabalho exposto: Num muro do Rio de Janeiro! Quem voce convidaria para ser seu modelo vivo: Jimmy, meu gato gordo Quem voce gostaria que fizesse um retrato seu: Marcelo Zissu, um artista e amigo muito especial Se voce pudesse levar somente uma imagem para Marte: ‘Metamorphosis’, do Escher


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Em que momento da sua vida você se decidiu por este caminho profissional? Na verdade, foi a vida que decidiu por mim. Eu sempre soube que gostava de arte, mas nem sonhava em viver dos meus desenhos. Só sei que um dia eu acordei e já era uma diretora de arte. As coisas aconteceram naturalmente, para minha sorte. A concepção do seu trabalho mudou muito desse momento inicial para os dias de hoje? Com certeza. O meu trabalho reflete muito o que eu estou pensando no momento e a fase da vida pela qual estou passando. As ocasiões influenciaram tanto no conceito das ilustrações quanto na escolha de cores e técnicas. Quais foram as principais mudanças? No início, milhas ilustrações eram mais simples e, quiçá, românticas. Conforme o tempo foi passando eu fui sentindo a necessidade de explorar outros caminhos, adicionando mais detalhes e um pouco mais de conflito nas minhas peças. Quais são suas maiores influências? A rua. Hoje em dia a arte está em todos os lugares, principalmente nos muros. Grafite e outras formas de arte de rua têm me inspirado muito ultimamente. Até que ponto o desenvolvimento de uma técnica específica pode limitar o trabalho de um artista? O desenvolvimento de uma técnica não necessariamente limita um artista. Principalmente se ele continuar seu desenvolvimento e nunca parar de se explorar. Eu tento sempre questionar meus modos de chegar a um determinado resultado e procuro explorar outros métodos que possam facilitar ou melhorar o processo. Explorar diferentes técnicas pode ser um jogo divertido para todos nós, designers e ilustradores. Às vezes eu me imponho o desafio de não usar determinada ferramenta. Só para me forçar a descobrir outro meio de chegar ao destino final, dessa vez usando uma nova rota. Qual a relação da tecnologia com o resultado do seu trabalho? A tecnologia me salva mais tempo! Hoje em dia eu já desenho direto no computador sem a necessidade de usar scanner. Claro que não abandonei totalmente o meu moleskine, ele vai aonde eu vou!




Existem temas que você se sente mais a vontade para desenvolver? Eu adoro desenhar mulheres. Eu acho o corpo feminino intrigante e difícil de capturar. Meus últimos trabalhos provam essa quase obsessão! Por que ainda existem poucas mulheres nesse mercado? Existem? Eu conheço tantas! Acho que o mercado está mudando. Hoje em dia existem muito mais moças vivendo da sua arte. Já sofreu algum tipo de preconceito por ser mulher? Eu queria dizer que não, mas eu estaria mentindo.

Quais artistas atuais você acompanha com interesse? Eu amo os trabalhos do Vik Muniz e as ilustrações e histórias de Shaun Tan.

de transpiração. Eu mudaria esse dizer pra 30 por cento de inspiração. Sem prática e suor as ideias não são táteis, mas sem uma boa ideia o trabalho simplesmente não tem voz.

É possível quantificar o quanto existe de inspiração e o quanto existe de transpiração nesse mercado hoje em dia? Como já dizia Thomas Edison, “Genius: one percent inspiration and 99 percent perspiration.” Sucesso e genialidade é resultado de um por cento de inspiração e 99 por cento

Qual o preço da sua inspiração? Quanto custa um disco do Chico?



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A música que os jornalistas não ouvem quando mentem. Acontecimentos que mudam nossas vidas: um encontro, um nascimento, uma morte e a descoberta de discos como o Guentando a Ôia, dos pernambucanos do Mundo Livre S/A.

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Display

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Mundo Livre S/A Guentando a Ôia

O nome da banda é inspirado em um discurso de Ronald Reagan e o nome do disco supõe-se tratar de um pseudônimo da revista semanal que em iniciais páginas amarelas subestima a inteligência do brasileiro. Dezessete anos depois, Guentando a Ôia, um ícone do movimento manguebeat, é um disco atualíssimo e todo seu discurso pode ser altamente empregado em dias como os atuais, de reflexões político/ participativas. Nos 90’s andava de skate o dia todo; para ir à escola, à padaria ou até mesmo ao banheiro. Sex Pistols, Bad Religion e NOFX eram regra e ensaiava com a banda Calibre 22. Reformularia a ideia de punk quando conhecesse o Mundo Livre S/A - me mostrou que não só guitarras faziam boas bases para letras inteligentes, sarcásticas e de protesto. Um verdadeiro tapa. Não te iludas se começares a bater os pezinhos quando o cavaco tocar, pois há muito mais por trás das levadas a la Jorge Ben ou dos refrões convidativos. “Salve Marcos!” O guerrilheiro do Exército Zapatista de Libertação Nacional, resistência indígena do estado de Chiapas no México, é cantado por Fred Zero Quatro (vocal, guitarra e cavaco) em Desafiando Roma. Na mesma faixa diz, “os cadáveres de Corumbiara nunca serão esquecidos”. Corumbiara (RO) foi palco do massacre no conflito entre camponeses sem-terra e a polícia, em 09 de agosto de 1995. Esse lugar comum das lutas dos brasileiros e mexicanos, populações indígenas em especial, são apontados com muita sabedoria em algumas letras de Zero.

JULIANO RABUJAH

Algumas canções viraram verdadeiros hinos da juventude de 90 e cantar os refrões de Pastilhas Coloridas e Computadores fazem Arte

(gravada por Chico Science e Nação Zumbi dois anos antes) era uma prática assídua nas rodas de violão. Éramos jovens que nos sentíamos representados pela teimosia, petulância e eloquência da banda. Vale lembrar que a distância entre Pernambuco e Espírito Santo, naquela época, era muito mais que geográfica. Lembram da conversa do então Ministro Rubem Ricupero com o jornalista Carlos Monforte que por descuido da TV foi ao ar nas parabólicas pelo Brasil afora e virou escândalo? Virou canção: “O que é bom a gente fatura, o que é ruim esconde”. Isso com música é sátira, é jornalístico, é piada, é documental, é genial! Cantei muito na antiga banda a música Tentando Entender as Mulheres. Hoje reconheço melhor o potencial machista desta, mas não acredito que a generalização do termo “mulheres” tenha sido a intenção da banda. Como esse papo de minoria tem me dado tremenda preguiça e como o politicamente correto full time é o mais insosso dos modus vivendis, vou continuar acreditando na inocência jocosa da letra: “todo homem deveria ter um carro, senão nem precisava ter testículos”. Tem um drama de amor, Amor por Leonor, somente à voz e cavaco, cantado como um Nelson Cavaquinho punk choroso. “Essa é pra todos que já foram ou são viciados em snif (uma cafungada) Leonor... Vem cheirar dessa flor que eu roubei pra te dar...”. Falaria por horas das sagacidades textuais de Zero, elogiando os grooves que a banda usa para potencializar seu discurso. Hoje em meu segundo trabalho solo, feito nos moldes punks da independência, autonomia e liberdade, ouvindo novamente os discos como Samba Esquema Noise (1994) e Guentando a Ôia (1996), chego cada vez mais à conclusão sobre o poder da música e que ela pode se prestar a modificar algo dentro das cabecinhas alheias. Se delicie, cante e pegue pra si algumas falas. Eu peguei essa: “essa não é a música que os jornalistas ouvem quando estão mentindo”.

cantor, guitarrista, compositor e produtor - soundcloud.com/rabujah


Satisfaction

Discos

Desde 1985 Rua Francisco Sรก, 95 - Loja K - Copacabana Telefone: (21) 2521-2893


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FOTOS . GUILLERMO GIANSANTI

O ar que


e me falta


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Para as RODA #2

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POR RAPHAEL ROQUE

Em tempos de preços proibitivos praticados em restaurantes, quem gosta de comer bem tem encontrado diversão fora dos estabelecimentos “de carne e osso”. Não é por 20 centavos que o povo tem ido para a rua, onde as cifras podem ser mais baixas, devido ao menor investimento, sobretudo pela ausência do ponto ­- um dos maiores vilões de quem sonha abrir seu restaurante. Mas não estamos falando do tradicional “dogão” ou do “x-tudo”. Atentos a demanda que não para de crescer, alguns chefs estão dispostos a oferecer comida de primeira em uma combinação de dar água na boca: recheada de informalidade, com toques de técnica e padrão de qualidade. Sem frescura. Com isso, multiplicam-se as feiras que reúnem experts em espaços públicos. Evento idealizado para o Viradão Cultural de São Paulo, o Chefs na Rua inspirou seus organizadores, a chef Daniela Narciso e o

produtor cultural Maurício Schuartz, a criarem um evento semanal, a Feirinha Gastronômica, todos os domingos na Vila Madalena. O espaço é aberto e recebe inscrições de barracas não só de renomados cozinheiros, mas de qualquer pessoa que queira mostrar sua paixão através das panelas. O Mercado Festival Gastronômico é outra boa iniciativa no estilo. Com os chefs Checho Gonzales e Henrique Fogaça à frente, era realizado dentro de eventos e mercados municipais de São Paulo, mas diante do sucesso cresceu para o Parque do Ibirapuera, em junho, e a ideia é fazer um a cada começo de estação. Sempre com comida boa a preço acessível, nada passa de R$ 15.

Deu tão certo que veio parar no Rio. Uma versão do Mercado aconteceu no Circo Voador, na Lapa, em maio, liderada por Checho. Mais de três mil pessoas passaram por lá em uma tarde. Tudo para provar pratos como a paella valenciana do chef Jan Santos (Entretapas) ou o sanduíche de barriga de porco braseada com abacaxi e salpicão de chuchu em brioche caseiro de milho de Pedro de Artagão (Irajá). As filas se estenderam até a noite, eu mesmo não consegui entrar. Resultado? Outra edição vem por aí, em novembro. O Festival Gastronômico de Búzios realizou no mês passado sua sexta edição. São dezenas de restaurantes da cidade que vão para as ruas, com barracas, para mostrar o que suas cozinhas têm. Em comum, pratos ali pelos R$ 15 e taças de vinho a preços camaradas. Estive lá nos últimos dois anos e a festa na rua é impressionante.

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Ruas... Demanda, há. E de olho em criar uma independência nessa relação entre quem quer vender comida e os consumidores, há um grupo tentando regulamentar o uso dos Food Trucks, os caminhões de comida que viraram febre nos EUA e em alguns países da Europa. O objetivo é criar regras e licenças para que se possa parar seu veículo e servir comida. Mas a ideia é que os Food Trucks, que se assemelham a trailers, sejam mais do que carrinhos de cachorro-quente e x-tudo. Por isso, segundo o empresário Alex Tassinore, um dos que comandam petição online no Facebook, a tendência é que o projeto comece pelas mãos dos chefs. Assim, é possível criar a cultura de comida de rua com personalidade, para mostrar a cultura do país, e não simplesmente encher a barriga.

A bandeira de comida de rua já foi levantada algumas vezes por nomes de peso como Alex Atala e, especificamente no Rio, está registrada em duas belas edições do Guia Carioca de Gastronomia de Rua (Abbas Edições), realizadas por Sérgio Bloch, Inês Garçoni e Marcos Pinto. Ali estão representantes da cultura gastronômica de rua da cidade, com receitas brasileiras e outras de influências externas, como os Caldos da Nêga, no Rio Comprido; o tacacá da Rose, na Ilha do Governador; e o sanduba do Uruguaio, em Ipanema, que lembra o chivito, com carne de boi, frango, linguiça e molho chimichurri. O mais interessante é que há espaço para todos. Alguns dos melhores Food Trucks dos EUA, segundo a mídia especializada, vendem comida étnica, como o Comme Ci Comme Ça, do chef Samir - mediterrânea com inclinação árabe, como couscous marroquino com

merguez (linguiça de cordeiro) e sanduíche de kafta marroquina. Mas também está na lista um caminhão que vende o clássico prato americano Frites ‘N’ Meats, dono de hambúrgueres feitos com ingredientes top de linha e fritas sequinhas. Milk shakes, comida vegetariana, orgânica, massas... Um dos líderes da lista, o Milk Truck tem em seu carro-chefe o queijo quente. O foco é, sempre, na qualidade dos ingredientes. Por isso, a regras são muitas. Não é fácil conseguir licenças para um Food Truck em países com a burocracia muito menor do que a do Brasil quando o assunto é estimular o empreendedorismo. São quesitos comerciais, de ordem pública e de saúde a preencher. O caminho não é simples e a discussão, longa. Mas o apetite não vai diminuir e o povo vai às ruas para satisfazer seus desejos.


RODA #2


Poesia, Sim... O primeiro poema foi feito aos 15 anos, mas desde muito antes essa menina nascida em 1988, no Rio de Janeiro, já se sentia à vontade para brincar com arte. Incentivada pelo pai fotógrafo e pela mãe produtora de moda, Alice Sant’Anna, mesmo ainda muito nova, já prestava bastante atenção quando o pai colocava os discos de Tom Jobim para tocar. Motivada por isso, adorava fazer aulas de música. Passou pelo violão, pelo piano e até pelo violino, mas o que realmente chamava sua atenção eram as letras. “Meu pai sempre ouviu muita música em casa. Ele ouvia muito rock tipo Led Zeppelin e The Doors, mas também ouvia bastante Tom Jobim. Essa talvez seja a primeira e mais forte referência que eu tenho com palavras” , lembra ela. O colégio também teve um papel primordial para que Alice desenvolvesse esse gosto, já que promovia uma Oficina da Palavra com os alunos. Essa convivência com livros acabou aproximando-a da poesia de Ana Cristina Cesar e aí, abriu-se um novo mundo para ela. “A poesia da Ana me desestabilizou, ela foi e continua sendo a minha maior referência até hoje”, garante.

A partir daí, a poesia entrou de vez no universo de Alice. Marília Garcia, Adília Lopes e Sylvia Plath, entre outras poetas, viraram íntimas da jovem e despertaram seu desejo de seguir essa mesma trilha. Aí apareceu uma questão que aflige os jovens do mundo todo: como começar? Mas uma coincidência ajudou esse início de caminho. “Comecei a escrever na época em que os blogs estouraram. Então eu usei muito o blog para amadurecer o meu texto e para trocar informações e ideias com outras pessoas”, explica. A porta estava aberta e, em 2008, ela lançou seu primeiro livro de poesias, ‘Dobradura’. A obra foi muito bem recebida pela crítica e jogou holofotes sobre o seu trabalho. Apesar da poesia não ser um assunto primordial na vida das pessoas, Alice tem uma visão peculiar sobre o assunto: “Nem na literatura ela está em primeiro plano, talvez ela seja a menor das bonequinhas daquelas tradicionais bonecas russas, mas ao mesmo tempo isso não é uma coisa ruim. É um ponto a favor da poesia, pois a torna muito mais independente”.

Alice Sant’Anna

POR BOB COTRIM FOTOS . STÉFANO MARTINI


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O mercado tem algumas exceções, como Carlos Drummond de Andrade e Paulo Leminski, campeões de vendas, mas, efetivamente, o que tem ajudado bastante esse nicho é a implantação das tiragens por demanda. Alice revela uma certa preocupação quando diz que o Brasil precisa olhar com mais carinho para os e-books de poesia. Segundo ela, esses produtos oferecem uma experiência inovadora para os livros de poetas. “Tem uma versão digital para o livro ‘The Waste Land’, de T.S. Eliot, muito interessante. Se você clicar em alguns versos, aparecem atores declamando os poemas. Também tem palavras para você clicar e conhecer a etimologia, o livro é todo interativo. Isso, sem dúvida, é fundamental para se conquistar novos leitores”. Com certeza, 2013 será o ano da afirmação profissional de Alice Sant’Anna. Formada em Jornalismo, fazendo mestrado em Letras, ela acaba de lançar o seu segundo livro, ‘Rabo de Baleia’, que, diferentemente do primeiro, nos traz uma poeta mais consciente e menos infantil. A timidez, um traço marcante desde a infância, continua igual e só é deixada um pouco de lado quando o assunto é o ‘CEP 20000’, tradicional evento de poesia carioca. “Sou sempre convidada para participar de vários saraus de poesia, mas só me sinto à vontade no evento do Chacal, ali eu me sinto um pouco em casa, sou tímida demais para fazer performances”, avisa. A poesia de Alice não se caracteriza por retratar o sublime ou o grandioso. ‘Rabo de Baleia’, por exemplo, se utilizou do tédio como válvula inspiradora: “Normalmente, os meus poemas não aparecem no olho do furacão. Nem sempre retratam um momento decisivo ou gigante da sua vida, eles podem ser sobre uma coisa totalmente corriqueira”. Mas é bom não confundir corriqueira com banal, já que a expressão “poesia do cotidiano” a incomoda bastante. Bem diferente quando o assunto é a poesia marginal, gênero que a seduziu em primeiro lugar. Na sua cabeceira “mora” um exemplar do livro ‘26 Poetas Hoje’, de Heloisa Buarque de Hollanda, a melhor porta de entrada para esse mundo, em sua opinião. Mas, sendo marginal ou não, o mais importante, como bem diz Alice, é a poesia estar na boca do povo.



Foi o momento mais impressionante da torcida, mais inspirador, durante a reabertura do Maracanã no jogo contra a Inglaterra. As canções – mais como berros profundos e apaixonados, de coração – lotaram o estádio: “Mengão, Mengão!”. Os rubo-negros estavam tentando marcar seu território. Mas os tricolores, os vascaínos e os botafoguenses não permitiram isso sem lutar. Eles pularam das cadeiras, gritando com as mãos e agarrando aos escudos nos próprios peitos. Esse momento resumiu o futebol brasileiro, no meu ponto de vista gringuês: a seleção pode ser importante, mas os clubes sempre serão os primeiros.

RODA #2

Podium

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Pra inglês ver

SAMUEL GREEN

Lembrei-me da minha única experiência anterior com relação à torcida da seleção brasileira. Na Copa do Mundo 2006, na Alemanha, fui com três amigos para Munich, no jogo entre Brasil e Austrália. Não conseguimos comprar ingressos, mas fomos para o ‘Fan Zone’, no enorme Parque Olímpico, que tinha um telão gigante montado no lago, com aproximadamente 100 mil torcedores em arquibancadas naturais formadas pelo gramado das grandes encostas. Foi um dia bonito, quente, com muita cerveja, camisas amarelas do Brasil e douradas da Austrália. Mas nós reparamos uma coisa: muitos torcedores ‘brasileiros’, provavelmente a maioria, não eram realmente brasileiros. Eram de diversas nacionalidades, pessoas encantadas com a marca da seleção brasileira, com o jogo bonito e gingado. Para nós isso não pareceu muito natural, talvez um pouco

falso. Dissemos que a torcida brasileira era como a torcida de Manchester United – quase nenhum deles conhecia o próprio território do time. E para mim, que sempre tive uma imagem romântica do futebol brasileiro – cuja primeira memória da Copa foi a de 1982 e a magia do Brasil de Zico e Sócrates –, isso foi uma tristeza. Mas, desde a primeira vez que visitei o Brasil, fiquei impressionado com a paixão e o conhecimento do povo brasileiro sobre o futebol, com a atmosfera elétrica nos botecos e pé-sujos quando jogos importantes estão acontecendo. Para alguém que ama futebol, é impossível não ficar empolgado. Entendi rapidamente que os clubes importam mais que tudo. Lembrei-me da força da resposta de um taxista, flamenguista doente, quando eu perguntei se o Flamengo valia mais do que a seleção. Ele quase bateu o carro. Adorava ler sobre a história desses grandes clubes, mas fico triste também ao ver como alguns deles são mal dirigidos. Como pode um clube do tamanho do Flamengo passar uma temporada inteira sem um patrocinador principal na camisa? E os jogadores do Vasco e do Botafogo (minha escolha para torcer no Rio) terem salários atrasados? E os astros do Brasileirão importando seus talentos para China, Catar e Ucrânia? Mas o que mais me entristece sobre o futebol carioca são presenças pequenas nos estádios. Claro, às vezes tem estádios lotados e apaixonados (não conheci o Maracanã com jogos de clubes),


mas em várias ocasiões fiquei surpreso com os números baixos, particularmente com o meu Fogão. Como, por exemplo, quando o Flu ganhou o Brasileirão no ano passado, em Presidente Prudente. Em contraste, o meu time na Inglaterra, Brighton, teve média de 27 mil torcedores para cada jogo em casa na temporada, que acabou em maio. Detalhe: estamos na Série B. Claro, o Engenhão nunca foi muito divertido, difícil para chegar, cercado pela pista de atletismo que mata a atmosfera. As partidas às 22h não ajudam também, mas pelo menos fica na cidade do Rio. Ver os clubes grandes do Rio jogando em Volta Redonda foi outra decepção. Volta na minha cabeça aquele ditado que diz que Deus deu ao Brasil os melhores jogadores do mundo, mas, para equilibrar as coisas, ele deu os piores diretores de futebol. O Engenhão pode ser um estádio meio frio, mas pelo menos a atmosfera nos arredores é boa. Sempre gostei de chegar cedo, tomar algumas geladas na rua com um churrasquinho. Mas, com a chegada das copas da Fifa, esses charmes simples e humildes morrerão. Os ambulantes somem e, no lugar deles, aparecem ‘stands’ da Budweiser (R$ 12 por latão). Antes da Copa das Confederações, o jornal O Globo publicou um manual das regras dentro dos estádios. Basicamente foi uma lista de proibições, incluindo instrumentos musicais. Isso é difícil para os gringos imaginarem: futebol brasileiro sem o

ritmo do samba. Qual será a próxima proibição? Será que a Fifa vai banir as famosas gatinhas da torcida do Brasil também? Este tipo de saneamento e gentrificação do futebol já acontecia na Inglaterra. Sim, depois dos dias terríveis de hooliganismo (me lembrei de várias ocasiões de medo por causa disso quando era criança), estádios inseguros e instalações pobres (quem pode esquecer o horror do desastre do Hillsborough em 1989?), as coisas estão muito melhores. Mas o que tem sido o preço para a cultura do futebol inglês? Com os valores altíssimos de ingressos, os estádios hoje estão cheio de apenas um tipo de torcedor: classe média, meia-idade, do sexo masculino. Não tem diversidade. Recentemente, um jornalista inglês escreveu no Twitter que ele foi levado para o seu primeiro jogo do Liverpool pelo pai, que estava desempregado na época. Poderia acontecer agora, ele perguntou? Lógico que não. Torcedores ingleses protestaram recentemente em frente à sede da Premier League contra os preços dos ingressos e a ganância dos clubes. Em janeiro passado, o Manchester City devolveu um terço dos ingressos disponíveis para o jogo no Arsenal, depois que a torcida do City ficou revoltada com o preço de 62 libras (aprox. R$215). A Inglaterra olha com ciúmes o futebol alemão, onde há estádios cheios, ingressos a preços

razoáveis, regras impedindo donos estrangeiros dos clubes, torcedores ficando seguramente em pé. Lá, os clubes ainda estão ligados às suas comunidades, às suas torcidas. Por enquanto, torcedores ingleses se sentem apenas como clientes. Voltando à identidade da torcida da seleção brasileira na Alemanha, pensei que talvez os ‘torcedores reais’ estivessem de saco cheio da caravana internacional da CBF, que levou o time pra jogar em Londres e na Suíça mais do que no Rio ou em Salvador. Mas meus amigos brasileiros explicaram que o racha com a seleção aconteceu porque os jogadores acabam indo para clubes no exterior. A ligação com a seleção era através dos clubes, e isso foi perdido. Com mais bons jogadores ficando ou voltando para os clubes brasileiros e com a febre da Copa do Mundo, talvez esta ligação possa voltar a ser forte. Depois da Copa das Confederações – onde vimos estádios cheios, torcida autêntica e apaixonada –, parece que isso pode acontecer. Se, no ano que vem, o novo Maracanã – símbolo da gentrificação do futebol brasileiro – puder ver o Brasil ser hexacampeão do mundo, a verdadeira torcida brasileira vai reencontrar sua paixão, comparável com a que tem pelos clubes. Eu, que já sou apaixonado pelo Brasil, adoraria ver isso. A menos que a Inglaterra chegue à final, é claro.


Acordes

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Efemérides e outras mumunhas mais

MÁRCIO BULK

Bem, vamos lá, hoje é dia de faxina ou, na pior das hipóteses, a semana da faxina. Afinal, não quero carregar comigo a alcunha de acumulador do que quer que seja. Sim, eu assisto àquele aterrador reality show da Discovery Home & Health. Tenho arrepios. Só em ouvir essa palavra, “acumulador”, entro em pânico. Consigo me imaginar enorme de gordo, sujo e fedido, devorando alguma gororoba estragada em meio a jornais velhos, embalagens de pizza e baratas! Cruzes! Dispo-so-fo-bia! Medo desse bicho! Dá vontade de sair correndo para os braços de D. Suely, minha querida psicanalista salve salve. E olha que nem coleciono muita coisa. Na verdade, ultimamente, não venho colecionando nada. Pelo menos não daquela forma que fazia até bem pouco tempo, quando ia garimpar LPs e CDs mágicos nos lugares mais improváveis da cidade. Há alguns anos, eu, um senhor de seus 40 anos, venho me policiando enormemente em relação a isso. Praticar o desapego virou meu mantra. Não quero virar um velhinho cheio de bugigangas, ou melhor, um velhinho cheio de LPs e CDs que não ouve há mais de sei lá quantos anos. No início foi bem difícil, afinal um armário com não sei quantos mil CDs não é a coisa mais fácil de se desvencilhar. Fora que, sei lá, ainda havia a questão afetiva, né? Cada disquinho ali tinha uma história, poxa. Mas, bravamente, ao longo dos últimos anos fui me desfazendo até restar algumas poucas centenas. Afinal, pelo amor de Deus, eu escrevo sobre música!


Não pega bem ficar sem nada! Bem, fui então limando, limando, até restar apenas o material que utilizo para a pesquisa do blog (o Banda Desenhada, criatura! Acessa lá!). Caetanos, Gals, Gils, Macalés, Calcanhottos, mais algumas outras referências e, claro, toda a nova geração. Senti um enorme contentamento. Tornei-me contemporâneo! Um homem do novo século. Supimpa! Mas eis que me lembro que tenho o meu singelo HD externo! E que, antes de embarcar nessa parada de neoMPB, havia deixado algumas musiquinhas gringas por lá. Bem, deixei passar um tempo, afinal, o que é um HD externo perto de um armário gigantesco repleto de discos?! Um aparelhinho tão discreto, tão pequeno, ah, deixa que depois eu resolvo esse negócio. Bem, as férias chegaram e, logo no primeiro dia, decido faxinar o bichinho... Bem... Hã... como assim?! Mais de 300 GB de música?! Não é possível! Quanta banda é essa, meu Pai?! A Camp, A Sunny Day in Glasgow, A-ha (oops, foi mal, eu curto synthpop), Acid House Kings, Air, Al Green, Alpha, Alphabeat, Amy Winehouse, An Pierlé, Andrew Bird , Ane Brun, Angie Stone, Animal Collective, Anita O’Day, Annie, Antony & the Johnsons, Apostle of Hustle, The Apples in Stereo, The Appletree Theatre, The Arbors, Architecture in Helsinki, Aretha Franklin, As In Rebekkamaria, As Tall As Lions, The Asteroids Galaxy Tour, Au Revoir Simone, Autour de Lucie, The Avalanches, Aztec Camera ... e isso é só a letra A! Valei-me! Tem coisa aí que nem me lembro direito do que se trata! E nem cabe

no meu Ipod! AAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHH! Sou um acumulador digital! FO-DEU! Mas, espera! E aquelas matérias que eu li sobre um bando de pirralhos superdesapegados e superminimalistas que se orgulham de colocar tudo o que possuem em uma mísera caixa de papelão?! Gente, com três HDs externos de 2TB eu teria toda a discografia do Universo! O pobre do meu armário sempre foi bem mais modesto que isso! A verdade é que, nos últimos anos, assoberbado com tantas inovações tecnológicas, me vi na necessidade de me adaptar aos novos padrões de consumo musical, tornando descartável um produto que há bem pouco tempo era extremamente fascinante para mim. Mesmo nos dias de hoje, ao ouvir pela primeira vez um álbum, me recuso a pular as faixas. Ouço uma a uma em sua ordem original. Algo que, para alguns amigos mais jovens, é impensável, afinal, outras centenas de discos esperando para serem consumidos e rapidamente esquecidos em nossas frágeis memórias ou, se preferir, em nossos poderosos HDs. Bem, eis que chegamos ao ponto nevrálgico do meu chilique de faxina: se as trilhas sonoras de nossas vidinhas mais ou menos se tornaram tão descartáveis assim, o que é que sobra? Sem dramas , ok? Você sabe tão bem quanto eu que o nosso futuro é pra lá de duvidoso. E, por favor, não estou querendo bancar o hipster, nem muito menos o velhinho saudosista da praça.

Mas, então? Tudo se tornou fugaz? Não dá nem pra, de quando em vez, congelar “o tempo pr’eu ficar devagarinho com as coisas que eu gosto e que nunca são efêmeras”? Não há mais espaço para lembranças? Mesmo uminha sequer guardada em uma cloud da vida? Tipo nuvem passageira? Ok, desculpe o trocadilho infame, mas, por favor, tente se lembrar qual foi a música de seu último namoro... Hã? Ele só durou duas semanas? Na primeira microcrise você cantou pra subir? Nem houve aquele momento fofo, mágico e tralálá em que, em algum lugar totalmente improvável, você se pegou olhando para o (a) menino (a) e, do nada, tocou aquela canção? Eita! Bem, e o seu último pé na bunda? Com certeza deve ter tido uma trilha sonora das trevas, não?... Ah, não deu tempo... Sei. Você emendou num estalar de dedos em um novíssimo relacionamento. Não houve nem um lutinho básico. Poxa, que chato. Quer dizer, que bom... Bem, deixa eu voltar então pra minha faxina, afinal, acumulador nem em sonho! Mas, antes, com essa friaca, acho que vou fazer um belo café e ouvir aquele meu LP velhinho, meio mofado, da Gal, de 1969. Sim, aquele mesmo, do “saudosismo”, do “eu, você, João girando na vitrola sem parar e eu fico comovido de lembrar o tempo e o som”. Mas chega de saudade, não é mesmo? Ou não.

visite www.bandadesenhada.com.br


Moviola

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A Banalização do 3D

Quando chegou às telas de cinema na longínqua década de 1950, a tecnologia tridimensional tinha como objetivo ressuscitar no público americano o fascínio pela sala escura, que vinha perdendo espaço com a popularização da televisão, grande novidade na época. Embora tenha sido levado pela primeira vez à grande tela ainda em 1922, com o lançamento do filme mudo “The Power of Love” - como já entrega o título em inglês, uma arrebatadora história de amor, dirigido por Nat G. Deverich e Harry K. Fairall -, o 3D só se popularizaria 30 anos depois, com “Bwana Devil” (1952), de Arch Oboler, agora em cores. Explorado ocasionalmente nas décadas seguintes, o formato só veio a se consolidar mesmo nos anos 2000, diante da batalha contra outra inimiga da sétima arte: a internet. Se no início os óculos com lentes de duas cores serviam para criar a ilusão de que objetos filmados em primeiro plano podiam simplesmente saltar da tela no colo do espectador, criando um novo tipo de experiência sensorial, hoje vemos uma verdadeira banalização da tecnologia em filmes, que, muitas vezes, não se tornam mais interessantes do que suas versões 2D. O caso mais recente é do longa “O grande Gatsby”, do alegórico Baz Luhrmann, o mesmo de “Moulin Rouge” (2000). Com uma fotografia bem mais impactante em sua versão “normal”, o filme adaptado do famoso romance de F. Scott Fitzgerald empalidece sob as lentes dos óculos, o que deixa aqueles loucos anos 1920, época em que é ambientado, bem menos interessantes.

GUILHERME SCARPA

Mas, nos dias de hoje, a preocupação estética ou até mesmo a proposta ligeiramente lisérgica que esses filmes oferecem - visa, sem dúvida,

muito mais o capital do que a experiência de se assistir, propriamente, a uma história com outras voltagens de emoção. A tecnologia, que é inegavelmente um colírio para os olhos de crianças e adolescentes, público que abastece os cinemas, é cara e isso se reflete, é claro, nas bilheterias com ingressos que extrapolam os R$ 50 e não correspondem exatamente à expectativa que se cria com relação aos efeitos “especiais” oferecidos. Um dos precursores do 3D, Alfred Hitchcock ampliou sua magistral experiência em provocar sustos e arrepios quando utilizou a técnica para filmar “Disque M para Matar” (1954). No thriller que traz a bela Grace Kelly como vítima de um atentado - ela quase é enforcada com um fio de telefone -, o cineasta inglês cria uma atmosfera eletrizante ao colocar diversos elementos em primeiro plano para, com os famosos óculos de duas cores, servir o espectador com sequências de suspense ainda mais requintadas. Recentemente, Tim Burton também elevou o psicodelismo de sua “Alice no país das maravilhas” (2010) ao usar e abusar desta tecnologia para dar vida aos clássicos personagens criados por Lewis Carroll e à louca jornada da protagonista. Antes, James Cameron e seu oscarizado “Avatar” (2007) deram um show visual para mostrar a história de amor entre esses seres azuis, o que, significantemente, impulsionou a indústria americana a recorrer mais e mais ao 3D nos últimos seis anos. O que ainda não parece claro a muitos cineastas e, principalmente, aos grandes estúdios, é que não adianta mascarar um filme com o efeito. Porque ainda é um bom roteiro que faz qualquer projeção ser uma experiência incrível.


O Grande Gatsby

Avatar fotos . divulgação


CCCP ALMA RUSSA

Na condição de estrangeiro dentro de meu próprio país, eu, que devo ter nascido Rodrigo, Tiago ou algo que o valha, sempre me vi mais como Dimitri. Tive o caráter forjado no Peneirovsky, o futebol de várzea russo, considerado por muitos o mais disputado do planeta. Me sinto oriundo de um ventre exilado, mas não me falta esforço para observar e compreender tudo que me cerca nesta terra que parece não ter sido projetada para pessoas como eu, de alma russa.

A culpa é do Pau Brasil. Nós estamos condenados a lidar com o Brasil. Essa é a nossa diferença para todas as outras nações do mundo. Essa é a causa do jeitinho brasileiro e da nossa inércia e falta de unidade como povo. Isso aqui não é um país, é uma gincana de 613 anos. A diferença entre viver em um país e ter que lidar com ele é muito grande, mas a razão por trás dessa diferença é bem simples: somos brasileiros e não brasilineses (o meu Word, inclusive, mostra a terrível condenação a não aceitar a palavra brasilineses).

DIMITRI CARIOSHENKO

Repare: quem nasce na Holanda é holandês, quem nasce no Chile é chileno e quem nasce na Rússia, como minha alma, é russo. Holandês, chileno, russo e por aí vai, denominam um povo. Filhos de uma terra, guardiões de toda uma história. Um holandês é responsável pela Holanda, aquele pedaço de terra faz parte dele. Mas o que se pode esperar de um brasileiro? Quem lida com vidros é vidraceiro, quem trabalha

no açougue é açougueiro, quem vende muamba é muambeiro. A denominação de quem nasce no Brasil não dá nenhum sentido patriótico e responsável. O país vira um instrumento de sobrevivência e não uma parte de você. Se ainda nos chamássemos brasiliistas, brasiologistas, mas nem isso. Fomos condenados a ser brasileiros e por isso temos que usar essa terra pra nos darmos bem mesmo que passando por cima dos outros. Temos que pensar só na gente, porque existem mais de 190 milhões de brasileiros e então a concorrência é grande. Todos querem vencer e o nosso governo funciona como um grêmio desses brasileiros. E grêmios são sempre complicados. Ser brasileiro nos torna um povo improvisado. Não criamos o jeitinho, somos cria dele. A razão de você ser brasileiro e não brasilines é porque, no período colonial, os carregadores de Pau Brasil, grande riqueza da época, eram chamados de brasileiros e, por isso, os homens que carregavam nossas raízes para o mundo acabaram denominando o povo que aqui nasce. Isso nunca vai mudar, por isso, desista: você é brasileiro e a culpa é do Pau Brasil. Roberto Cotrim é jornalista e editor-chefe básico


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