Arco nº 9

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JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL • Nº 9 • JUN/2018 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

ALIMENTAÇÃO Plantas Alimentícias Não Convencionais: baratas e de fácil cultivo

DIÁRIO DE CAMPO Como é vivida a sexualidade na terceira idade? 1


ufsm.br/arco Mais bonito. Mais moderno. Na palma da sua mĂŁo.

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Carta da

editora

Ilustração: Deirdre Holanda

Os últimos meses foram de mudanças importantes para a Arco. Uma delas foi física: depois de três anos, deixamos o Laboratório de Experimentação em Jornalismo (LEx), no prédio 67, e nos instalamos na sala 345 do prédio da Reitoria. A manutenção e o crescimento da Arco, principalmente nas plataformas digitais, deveram-se muito à colaboração do LEx e à professora Laura Storch, do Departamento de Ciências da Comunicação. Mesmo em lugares separados, pretendemos manter o vínculo e seguir inovando nos formatos jornalísticos das matérias da revista. Como resultado do nosso trabalho pela busca de reconhecimento institucional, outras parcerias se firmaram neste primeiro semestre de 2018. Junto à Pró-Reitoria de Extensão (PRE), decidimos mudar o nome da editoria Sociedade para Extenda e investir ainda mais na produção de matérias sobre projetos de extensão. Além disso, outro apoio que recebemos neste ano veio da disciplina de Assessoria de Comunicação, do curso de Relações Públicas. Duas alunas se uniram a nossa equipe de RP e vêm nos ajudando a construir o planejamento estratégico da revista e a reorganizar a comunicação com os diversos públicos com que a Arco se relaciona. Outra novidade em relação ao grupo é que, devido à intensa demanda de ilustrações e material gráfico, decidimos compor uma equipe de designers. Esta edição que você tem em mãos, portanto, foi diagramada e ilustrada por talentosíssimas alunas do curso de Desenho Industrial, bolsistas da Arco. Contamos também com a colaboração de uma egressa da UFSM, a Giana Bonilla, que mesmo já formada quis continuar colaborando conosco e ilustrou algumas matérias deste número. Nesta 9ª edição, o tema do dossiê foi sugerido pelos próprios repórteres da Arco. “O que você faz da meia-noite às seis” foi o título de uma palestra ocorrida no ano passado que despertou nos alunos o interesse em trazer as discussões sobre saúde mental para as páginas da revista. As pautas escolhidas para compor esse cenário dos transtornos mentais no meio acadêmico discutem a saúde dos estudantes, dos servidores e a necessidade do uso de medicamentos para tratar as doenças da mente. A Arco completa cinco anos em julho de 2018. Planejamos alguns eventos e atividades que irão destacar a nossa trajetória até aqui e vamos, também, trazer à luz algo que enfatizamos sempre: a importância de os cientistas assumirem a responsabilidade de divulgarem seus trabalhos. Principalmente em épocas de crise e cortes de recursos para ciência e educação, é fundamental que a sociedade entenda e reconheça a importância dos investimentos nesses setores. A Arco pretende seguir se esforçando com esse propósito por muitos mais anos e conta com a colaboração dos pesquisadores e da sociedade para cumprir a sua missão. Boa leitura! Luciane Treulieb Editora-chefe da revista Arco

carta da editora

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sumário 07 curiosidades O ex-estagiário de Niemeyer que projetou a UFSM, o microscópio eletrônico e as multas da quebra da dedicação exclusiva

08 nossas invenções

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extenda Projeto de natação promove saúde de crianças com problemas respiratórios

AT 120 Agritec, o drone criado para facilitar a vida de produtores rurais

10 como surgiu? O cultivo de arroz, desde técnicas rudimentares até a aplicação de alta tecnologia na produção

16 energia Em projeto premiado, caixas de leite são usadas na construção de tribogeradores de baixo custo

19 DOSSIÊ

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Saúde mental é debatida por pesquisadores e profissionais

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a sobrecarga invisível

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a dualidade dos medicamentos

Os fatores que podem afetar a saúde mental dos universitários e como lidar com a problemática

Na subjetividade do trabalho UFSM reflete cenário mundial ao apresentar transtornos mentais como principal causa do afastamento de servidores nos últimos anos

Os conflitos em torno da necessidade (ou não) do uso de medicamentos para tratar depressão, ansiedade e demais transtornos mentais

diário de campo A sexualidade vivida na terceira idade


ARCO a

Revista de Jornalismo Científico e Cultural da Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria Reitor Paulo Afonso Burmann | Vice-Reitor Luciano Schuch

Conselho Editorial Amanda Eloina Scherer | Professora do Departamento de Letras Clássicas e Linguística Beatriz Teixeira Weber | Professora do Departamento de História Bernardo Baldisserotto | Professor do Departamento de Fisiologia e Farmacologia Carine Felkl Prevedello | Coordenadora da Coordenadoria de Comunicação Social Daniel Arruda Coronel | Diretor da Editora UFSM Flavi Ferreira Lisboa Filho | Pró-Reitor de Extensão

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Hélio Leães Hey | Diretor do Núcleo de Inovação e Transferência em Tecnologia

GEOGRAFIA Pesquisa realizada na UFSM redesenha a distribuição das Unidades Básicas de Saúde em Santa Maria

Ivan Luiz Brondani | Professor do Departamento de Zootecnia José Neri Gottfried Paniz | Professor do Departamento de Química Lana D’ávila Campanella | Professora do Departamento de Ciências da Comunicação – Campus Frederico Westphalen Laura Strelow Storch | Professora do Departamento de Ciências da Comunicação

30 ALIMENTAÇÃO

34 eNSAIO

Grupo de Estudos em Plantas Alimentícias Não Convencionais traz alternativas para uma alimentação mais saudável

A arte em meio aos jazigos e mausoléus

Marco Aurélio de Figueiredo Acosta | Professor do Departamento de Métodos e Técnicas Desportivas

37 RECORDAÇÕES

Martha Bohrer Adaime | Pró-Reitora de Graduação

32 VOLVER Pesquisa contribui para a aplicação do Planejamento de Licitação Sustentável, que baliza os critérios de compras da UFSM

33 EDITORA UFSM A filosofia compreensiva de Wilhelm Dilthey como fundamento da moral

A trajetória de Hélio João Belinasso, que já foi motorista e tornou-se professor da UFSM

38 ESCRITOS O poema A história da Arte traz um resgate histórico e relembra a importância da arte

Marcelo Freitas da Silva | Coordenador da Educação Básica, Técnica e Tecnológica

Marilda Oliveira de Oliveira | Professora do Departamento de Metodologia de Ensino

Paulo Cesar Piquini | Coordenador de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Rafael Aldrighi Tavares | Professor do Departamento de Zootecnia e Ciências Biológicas – Campus Palmeira das Missões Raul Ceretta Nunes | Professor do Departamento de Computação Aplicada Sérgio Luiz Jahn | Professor do Departamento de Engenharia Química Vanessa Teresinha Alves | Professora da Coordenadoria Acadêmica – Campus Cachoeira do Sul

Expediente Editora-chefe Luciane Treulieb Direção de Arte Juliana Krupahtz Relações Públicas e Redes Sociais Carla Isa Costa Fotografias Juliana Krupahtz e Rafael Happke Repórteres Andressa Canova Motter, Claudine Freiberger Friedrich, Gabriela Pagel, Germano Rama Molardi, Maria Helena da Silva, Mariana da Silva Machado, Sabrina Rodrigues Cáceres, Tainara Luísa Liesenfeld, Vitor Rodrigues de Almeida (acadêmicos de Jornalismo), Laura Strelow Storch e João Ricardo Gazzaneo Criação e Diagramação Deirdre Holanda, Giana Bonilla, Juliana Krupahtz e Pollyana Santoro Acadêmicas de Relações Públicas Andressa Cocco, Marlucy Goulart, Sandrine Müller Colaboradores Darci Roberto Trevisan Fidler, Helio João Bellinaso e Henrique Ribeiro Revisão Alcione Manzoni Bidinoto Apoio Laboratório de Experimentação em Jornalismo Revista Arco Telefone e WhatsApp: (55) 99106-7935 E-mail: arco@ufsm.br Site: ufsm.br/arco Facebook: www.facebook.com/RevistaArco/ Instagram: www.instagram.com/revistaarco/ Twitter: twitter.com/revistaarco UFSM | Av. Roraima, 1000 Cidade Universitária | Bairro Camobi Prédio da Reitoria, sala 345 | CEP 97105-900 Santa Maria – RS | Brasil Distribuição: Gratuita | Impressão: Alpha Print Tiragem: Dois mil exemplares

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Carta do Fotografia: Rafael Happke

Leitor Este é o espaço reservado para os nossos leitores. Ficou com alguma dúvida? Percebeu algum erro? Quer fazer um comentário ou um elogio? Escreva para a gente e colabore para que a Arco fique cada vez mais útil e interessante!

redes sociais Confira alguns comentários dos leitores sobre a matéria Na Busca por Inclusão (Diário de Campo – 8ª edição): Cristian Evandro Sehnem Muito bom, parabéns... a primeira entrevista dá um certo susto, mas depois a temática encaixa... por isso mais uma vez a importância de serem ouvidos os usuários principais e diretos da acessibilidade, que são razão de sua existência...

errata 1 Na reportagem Alternativas à experimentação animal, da 8ª edição, Zebrafish foi escrito com ortografia inadequada. Outros nomes científicos citados na matéria também foram grafados de forma indevida, uma vez que, na nomenclatura científica, a espécie deve sempre iniciar com letra minúscula.

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errata 2 Jéssica Bortololazzo Adorei! Muito bom poder compartilhar sobre a acessibilidade e a psicopedagogia no âmbito da Educação Superior. Curtir · Responder

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carta do leitor

Na reportagem Catalisador do desenvolvimento local, do dossiê da 8ª edição, houve uma inversão dos elementos na linha do tempo, conforme mostrado abaixo.


Você sabia que o arquiteto que projetou o campus foi estagiário de Oscar Niemeyer?

curiosidades

Oscar Valdetaro de Torres e Mello foi o arquiteto que assinou o projeto do campus sede da UFSM, recebendo um prêmio na Bienal de São Paulo por isso. Após vencer um concurso para projetar a cidade universitária, nos anos 1960, Valdetaro desenhou os prédios do campus com inspiração nas belas paisagens do Rio de Janeiro, onde o arquiteto tinha seu escritório, em parceria com outros profissionais da área. Enquanto o desenho do campus criava forma pelas mãos de Valdetaro, o arquiteto

recebia visitas frequentes do reitor fundador, José Mariano da Rocha Filho, que conferia de perto o andamento do projeto. Após seu término, Valdetaro viajava uma vez por mês para Santa Maria para acompanhar seu trabalho ganhar vida. Entre suas criações, o arquiteto considerava a Biblioteca Central como a obra mais bela do campus. Nascido em 1924, em Minas Gerais, Valdetaro foi desenhista e estagiário do renomado arquiteto Oscar Niemeyer. Uma grande obra brasileira que Valdetaro contribuiu para que fosse projetada foi o Estádio do Maracanã, inaugurado em 1950. O arquiteto faleceu em 1976, aos 51 anos.

VOCÊ SABIA? É VERDADE QUE...?

A cada edição, a seção Curiosidades responde àquelas questões que você sempre quis saber se eram mitos ou verdades e conta histórias singulares sobre a UFSM

Você sabia que a UFSM adquiriu em 1956 o segundo microscópio eletrônico do país? O primeiro microscópio eletrônico da Universidade Federal de Santa Maria foi instalado e inaugurado em março de 1956, no Instituto de Pesquisas Bioquímicas das Faculdades de Medicina e de Farmácia de Santa Maria. Adquirido através dos esforços do reitor fundador, José Mariano da Rocha Filho, o microscópio eletrônico, que foi o segundo exemplar do Brasil, proporcionou desenvolver estudos em microbiologia,

pois contava com uma ampliação de 150 mil vezes (quase 50 vezes maior que a dos microscópios convencionais), possibilitando assim pesquisas sobre vírus e bactérias e sendo de grande importância para os estudos sobre saúde humana. Por ser uma tecnologia avançada para a época, sua aquisição foi impulsionada por uma campanha para captação de fundos para a compra do equipamento, realizada pela Associação Santa-Mariense Pró Ensino Superior (ASPES), em 1955. A campanha tomou grandes proporções, recebendo colaborações até de pessoas de fora do país. Hoje, o microscópio está exposto no Museu Gama D’Eça, localizado no centro de Santa Maria.

Para onde vai a multa paga pela quebra de dedicação exclusiva? Dedicação exclusiva é um dos termos contratuais entre a Universidade e professores. Aqueles que têm esse modelo de contrato devem manter como única atividade profissional a de lecionar na instituição. Quando não cumpre essa exigência (no caso de exercer outra atividade remunerada), o professor é multado. O valor dessa multa é recolhido ao Caixa Único da União, gerenciado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), e passa a ser integrado à receita da União, a qual é dividida nos termos da legislação orçamentária que mantém toda a Administração Pública Federal, o que inclui a UFSM. Ou seja, não há uma ligação direta entre o valor da multa e um destino, mas no fim ele volta aos cofres da União para ser revertido em bens públicos. Mande a sua dúvida ou conte a sua história curiosa relativa à UFSM para nós: arco@ufsm.br.

curiosidades

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nossas invenções

Um novo olhar sobre

a agricultura Drone criado na UFSM possibilita lucros a produtores rurais

Fotografia: Rafael Happke

Premeditar resultados e lucros é uma das principais buscas do aprimoramento tecnológico em profissões que trabalham com fatores variáveis de produção. A partir dos anos 2000, o campo científico já oferecia algumas opções aos agricultores – que têm seus cultivos diretamente ligados a condições externas muito instáveis, como temperatura, ventos e chuva. Isso porque, apesar de os estudos serem recentes, a agricultura de precisão já revela técnicas avançadas, que atualmente são capazes até de prever modificações e detectar falhas que não podem ser vistas a olho nu. Tendo como um dos focos o setor agrícola, a Auster Tecnologia – empresa que surgiu na Incubadora Pulsar da UFSM em 2015 – atua no desenvolvimento, fabricação e operação de aeronaves remotamente pilotadas (os drones) que podem oferecer soluções precisas a determinados serviços. Com o desejo de construir uma aeronave mais versátil, que estivesse facilmente destinada à produção em série e à aplicação comercial, a equipe – composta por alunos dos cursos de Engenharia de Controle e Automação e Engenharia Mecânica – criou, em 2017, a série AT120. Os drones, compactos e robustos, já estão disponíveis em duas versões: Standard e Agritec. Esta última, como indica o nome, cobre demandas do meio rural. Impulsionada por uma catapulta, a aeronave é capaz de sobrevoar uma distância de 120 metros de altura por até uma hora e meia. A partir de uma rota preestabelecida por GPS, o drone consegue perceber padrões e se adaptar a condições climáticas, diferentemente dos satélites. Junto da aeronave, uma câmera multiespectral capta mais de mil imagens por minuto em diversas bandas (comprimentos de onda), o que permite o sensoriamento remoto em alta definição da área cultivada.

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nossas invenções

As câmeras multiespectrais são necessárias porque, diferentemente das câmeras comuns, são capazes de capturar mais cores, inclusive aquelas que o olho humano não percebe. No caso das plantações, isso é relevante porque as plantas absorvem e refletem a luz de formas diferentes. A física explica que as cores são definidas basicamente pelo comprimento de onda de luz, e o espectro visível do olho humano é limitado. Numa plantação, o sensoriamento com câmeras multiespectrais permite individualizar cada umas das cores (azul, verde, vermelho, etc.) e captar todas as cores não visíveis como, por exemplo, o infravermelho. Um dos idealizadores do AT120, Saulo da Silva, explica que entre os benefícios da tecnologia está a capacidade de antecipar informações: “Ver o que é invisível já é possível. Não importa o tempo de experiência do agricultor, os seus olhos não serão capazes de enxergar antes das câmeras multiespectrais. Isso gera lucros diretos, pois aumenta a produtividade e poupa recursos”, reforça o estudante de Engenharia de Controle e Automação. Para a interpretação desses dados, a equipe da Auster oferece um serviço de assistência técnica customizada ao agricultor. As informações precisas sobre possíveis focos de pragas, estresse hídrico, déficit de nutrientes e danos ambientais, por exemplo, poderão ser gerenciadas pela capacitação do próprio usuário do serviço. A ideia – que ainda está sendo delimitada – contempla, portanto, o mapeamento de áreas agrícolas e a venda dos sistemas para interessados em operá-los diretamente. a Repórter: Tainara Liesenfeld · Diagramação: Deirdre Holanda


Extenda

Aulas de

f ô l e g o Projeto de extensão melhora a qualidade de vida de crianças com problemas respiratórios É como se o pulmão ficasse do tamanho de um punho. Os pequenos goles de ar que entram não são o suficiente. O aperto no peito segue enquanto o coração se acelera, sem saber o porquê da situação. Isso é o que um asmático enfrenta ao longo da vida. É difícil de apontar qual é o gatilho que desencadeia uma crise, mas os sintomas são semelhantes: é quase impossível respirar. E o tratamento varia entre medicamentos contínuos e broncodilatadores, as famosas bombinhas, usadas para aliviar a crise. No Centro de Educação Física e Desportos da UFSM, é realizado um projeto, junto à comunidade, que auxilia de um modo ímpar na recuperação e no controle de asma e de problemas respiratórios crônicos desde a infância. O projeto de extensão Natação e Ginástica para Asmáticos é coordenado pela professora Sara Teresinha Corazza e existe desde 1998. Ao longo do tempo, houve algumas mudanças metodológicas, a partir de resultados de pesquisas, mas a estrutura básica continua a mesma: a turma de crianças de 7 a 17 anos, com problemas como asma leve e moderada e rinite crônica, aprende a respirar. Um asmático possui brônquios mais sensíveis e inflamados. Durante uma crise, o organismo da pessoa identifica um agente externo que provoca a contração da musculatura do órgão. Isso impede a saída de ar. Ou seja, a pessoa não consegue realizar completamente o processo de respiração: inspirar e expirar. “Um asmático não expira”, conta Corazza. As aulas de respiração ocorrem duas vezes na semana e funcionam da seguinte maneira: os pequenos chegam e iniciam os exercícios de

respiração diafragmática ou ,como dizem, “respirar com a barriga”, depois todos passam para as piscinas térmicas e exercitam o equilíbrio e a lateralidade paralelamente à respiração. Segundo a professora, é evidente a importância do uso do diafragma para amenizar quadros de enfermidades respiratórias. “A musculatura que sustenta o pulmão é a diafragmática, então se trabalharmos bem essa musculatura, ela vai tratar da expansão do ar”, diz. As aulas fazem com que a criança tenha uma maior consciência corporal. Com o repertório motor aumentado, as crises respiratórias tendem a diminuir em quantidade e intensidade. Paula Pacheco traz a filha asmática Emanuelle, de sete anos, há dois anos ao projeto. Ela relata que, apesar do pouco tempo de exercício, a melhora do quadro de Emanuelle é evidente: “Ela começou a ‘se atacar’ menos depois do projeto. A última crise foi há uns seis meses e bem mais fraca, bem mais controlada”, comemora Paula, o que confirma que o projeto tem cumprido o seu papel: ajuda a aliviar sintomas e melhorar de forma significativa a qualidade de vida de muitas crianças que sofrem com problemas respiratórios. a Repórter: Vitor Rodrigues · Diagramação e Fotografia: Juliana Krupahtz

Na foto, Emanuelle, uma das participantes do projeto que melhorou a sua qualidade de vida através da natação

extenda

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COMO SURGIU?

Arroz nosso

de cada dia

Desde técnicas rudimentares até o desenvolvimento de softwares: como evoluiu o cultivo de um dos cereais mais populares do mundo?

Na mesa de milhões de brasileiros todos os dias ao lado do feijão, o arroz é um dos alimentos mais consumidos no país e está também no topo da lista dos cereais mais produzidos e consumidos no mundo. O desenvolvimento genético permitiu o aprimoramento do cultivo, do plantio à colheita, e o aumento da qualidade do produto. Conheça, a seguir, a história de como surgiram as primeiras plantações de arroz e de como chegamos a técnicas de cultivo e softwares tão avançados que podem até mesmo prever a produtividade de uma safra.

Pioneirismo asiático Apesar de a data e o local da origem do cultivo do arroz não serem precisos, as mais antigas referências ao cereal são encontradas na literatura chinesa há cerca de 5 mil anos. O cultivo, na sua forma mais primitiva, exigia muito da força de trabalho humano. Estima-se também que, devido às condições do terreno extremamente irregular, foi tornando-se comum a técnica de terraceamento – plantação em linhas, que seguem as diferenças de altitude do solo.

América do norte

Em solo europeu Ao continente europeu, o arroz foi levado pelos árabes, no século 8, e, a partir daí, difundiu-se nos demais países. Há fortes indícios de que os portugueses introduziram esse cereal na África Ocidental, e os espanhóis foram os responsáveis pela sua disseminação nas Américas. As lavouras eram ainda totalmente manuais, contando com a presença da mão de obra humana e ajuda de alguns animais, o que tornava lento tanto o processo de plantio quanto de colheita.

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como surgiu?

Acredita-se que os escravos africanos foram responsáveis pela disseminação do cultivo em solo estadunidense. Dos conhecimentos obtidos através de africanos escravizados, os proprietários de plantações aprenderam a desviar os pântanos e inundar periodicamente os campos. O arroz era moído manualmente com pás de madeira e, em seguida, peneirado em cestas de amendoim. Mais tarde, a invenção da fábrica de arroz aumentou a rentabilidade da cultura, e a adição de energia hidráulica para os moinhos, em 1787, também foi um importante passo na modernização dos cultivos.


Ascendência gaúcha Os cultivos foram implantados para subsistência em regiões de sequeiros - aquelas naturalmente alagadas pelas chuvas e com solos que retêm a umidade. Em 1904, em Pelotas, surge a primeira lavoura empresarial de arroz do país, já então irrigada. Já em 1912, graças aos locomóveis (veículos movidos a vapor), que acionavam bombas de irrigação, o processo de inundação das lavouras de arroz no estado foi facilitado. Atualmente, o Rio Grande do Sul ocupa a posição de maior produtor de arroz no Brasil e a tecnologia está cada vez mais presente neste processo

"Terra à vista!” Alguns estudiosos apontam o Brasil como o primeiro país a cultivar esse cereal no continente americano. Acredita-se que muito antes de conhecerem os portugueses, os tupis já colhiam o arroz – que era o “milho d´água” (abati-uaupé) – nos alagados próximos ao litoral. Com a colonização, a disseminação das lavouras – que tinham caráter primordial de subsistência – ocorreu principalmente em território nordestino. Mas foi a partir do século 18 que o país começou a produzir arroz de forma mais organizada e, daquela época até meados do século 19, se tornou um grande exportador.

No coração do Rio grande do sul, surge o SimulArroz O projeto que deu origem ao SimulArroz teve início em 2003 no Grupo de Agrometeorologia da UFSM. Funcionando como forma de aplicativo, o software é resultado de dois modelos anteriores que foram desenvolvidos e testados em ecossistemas da Ásia. Parte do código fonte desses programas foi utilizada no modelo SimulArroz, com as devidas alterações para as cultivares de arroz do Rio Grande do Sul. Em 2013, durante o Congresso Brasileiro de Arroz Irrigado em Santa Maria, foi lançada a versão 1.0 do software. Seguiram-se dois anos de testes em lavouras comerciais de arroz irrigado em seis regiões do estado, sendo posteriormente introduzidos novos cultivos da planta no software. Este simula diversos processos ecofisiológicos da cultura do arroz durante um dia completo – utilizando como dados a temperatura mínima e máxima diária e a radiação solar global diária, bem como a densidade das plantas e a concentração de gases atmosféricos-, o que permite um maior controle sobre a produtividade da lavoura e uma estimativa das safras. a Repórter: Tainara Liesenfeld · Diagramação e Ilustração: Deirdre Holanda

como surgiu?

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diário de campo

A Terceira

(Sexual)Idade Expressões do cotidiano e da sexualidade de pessoas idosas institucionalizadas são relatadas em diários de campo

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diário de campo


A sexualidade floresce com a adolescência e anda lado a lado com a vida adulta, mas há quem diga que encontra seu limite quando alcança o envelhecimento. Intimidade, carícias, beijos, afeto, contato pele a pele... Essas são expressões da sexualidade que não estão, necessariamente, ligadas à reprodução, e nesse contexto surgem algumas perguntas: até que ponto a sexualidade é aceita socialmente sem o objetivo procriativo? A felicidade pelo prazer sexual pode ser almejada pelas pessoas idosas? Com um olhar subjetivo acerca do aumento da expectativa de vida da população brasileira e das mudanças nas configurações familiares modernas, a pesquisadora Tatiane Rocha Razeira se insere no contexto de uma casa para idosos a fim de entender como idosos e idosas institucionalizadas vivenciam o cotidiano e suas sexualidades. Um olhar intimista é direcionado às individualidades existentes no âmbito de uma das instituições (asilo, abrigo, centro de convivência para idosos) existentes em Santa Maria, as quais, segundo ela, são estigmatizadas socialmente e vistas como forma de exclusão e isolamento de idosos à espera da morte. Duas vezes por semana, de março de 2015 a abril de 2016, a pós-graduanda em Gerontologia pela UFSM realizava atividades que envolviam os idosos por cerca de 45 minutos e aproveitava o tempo no local para conversar com os moradores da casa, com a equipe de enfermagem e com as cuidadoras. O resultado são 164 páginas de diários de campo, que dão vida e são inseridos, em parte, na dissertação Cenas do cotidiano e da sexualidade de pessoas idosas institucionalizadas, apresentada em 2016. Na dissertação, as fantasias que envolvem o universo da sexualidade são realçadas através do Kama Sutra, obra literária escrita na Índia há aproximadamente 2 mil anos por Mallanaga Vatsyayana. Tatiane nomeou as pessoas descritas no trabalho a partir da proximidade com as interações afetivas e amorosas expressas nos personagens da literatura. Como resultado, a pesquisa mostrou que o grande desafio da temática é fazer com que as pessoas idosas consigam manifestar suas sexualidades sem se sentirem culpadas; e que a institucionalização, atualmente, mostra-se como uma alternativa possível, e até mesmo necessária, às configurações familiares contemporâneas. Essas transformações no corpo e na vida de pessoas em processo de envelhecimento estão disponíveis nos relatos selecionados a seguir.

diário de campo

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AUTOIMAGEM DESCRIÇÃO DO ESPAÇO Na sala de televisão ficam muitas pessoas, principalmente as que possuem pouca mobilidade, as quais repousam sonolentamente em cadeiras retráteis, os olhos ficam semiabertos, assim como os lábios, por onde timidamente escorre a saliva que repousa na boca espaçosa e ociosa. Algumas delas gemem, outras balbuciam algumas palavras incompreensíveis; umas assistem à televisão, enquanto outras observam seu entorno, como se estivessem procurando alguém ou alguma coisa. Talvez em busca de si mesmas, de quem foram, ou em quem se transformaram, enfim, de sua ipseidade.

CASAL NA CASA Quando cheguei à casa, o casal Satakarni e Malayevati estava na sala, começaram a namorar ali na casa; convidei-os para a roda de conversa, mas agradeceram e foram subindo as escadas para o quarto. Ela segurou meu braço e, em tom moderado de voz, disse que não era nada comigo, mas é que o marido dela é muito ciumento e não gosta que ela fique se mostrando; disse que obedecia para não dar briga. Antes do namoro, realizavam as atividades físicas; ela gostava e participava ativamente, ele também participava. Satakarni é casado, presenciei a visita da esposa dele na casa no dia que ele apresentou a namorada para a esposa. A esposa apoiou a relação, disse que ficava feliz por ele ter uma companhia, já que entre eles agora só existia amizade.

a FAMÍLIA E o ASILO Conversei com Vita e sua esposa, que tinha ido visitá-lo. Ela é uma senhora muito elegante, cabelos castanhos curtos escovados, maquiagem leve e perfume suave; é professora do estado aposentada. Ela estava sentada junto de Vita no sofá de dois lugares, seu braço direito repousava nos ombros dele, de vez em quando ela fazia um cafuné no cabelo. Ela disse que tinha vindo namorar, que sente muita saudade dele, que sofreu e sofre muito com a decisão de deixar ele ali na casa; com os olhos marejados, confessou que não foi fácil decidir; conversou com familiares e filhos, e no início sentia vergonha de dizer que ele estava no asilo. O sofrimento é imenso, mesmo sabendo que não tinha mais condições de cuidar e suprir todas as necessidades dele. [...] ‘mas a força a gente tira de Deus, sem ele não ia conseguir enfrentar tudo isso’.

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diário de campo

[...] estava lá, sentada na cama, olhando em direção à janela, Maharashtra deslizava a escova de plástico desgastada pelos curtos e poucos cabelos castanhos iluminados por ralos fios brancos. Em tom de desabafo, diz que não se olha mais no espelho, só no do banheiro que é pequeno e dá pra ver só o rosto, e faz tempo que não vê seu corpo inteiro refletido no espelho. ‘Pra que olhar? Eu me sinto como um pêssego murcho, por fora! Mas por dentro eu me sinto viva e penso até naquilo, eu tô viva! É isso que importa, não é?’

IMPOTÊNCIA ‘[...] mas ele não funciona mais! Eu pego, puxo, puxo, mas dá em nada, daí a gente fica na vontade’. O relato dela foi reafirmado por uma das funcionárias, que confirmou que ela manipula o pênis dele no banho que chega a cortar, ele reclama e ela vai pedir pomada pra passar. Segundo ela: ‘minha filha diz que ele tá pior que eu, o que eu quero com ele?’ A família não é favorável à relação, pois ele é casado e já tem 84 anos, mas ela não se importa com a opinião da família, disse que continuaria com o namoro.


MASTURBAÇÃO SEXUALIDADE A pesquisadora pergunta aos idosos Dandakya, Maharashtra, Bali, Dravida e Aparatika o que eles(as) entendiam por sexualidade: [...] após pensarem por alguns segundos, Dandakya respondeu para mim: ‘é tá junto com alguém, em relação né, dormindo junto, com intimidade’. Para Aparatika, ‘é sexo e amor, entre um homem e uma mulher, daí vêm os filhos, depois os netos, é ter uma família’. E Dravida completou: ‘quando a gente fica velha, nem pensa mais nisso, é como se a gente deixasse de ser mulher’.

FUNCIONÁRIOS E SEXUALIDADE DOS IDOSOS O técnico em enfermagem que trabalha na casa relatou que algumas idosas querem que ele dê o banho nelas, e que, durante o banho, fazem insinuações verbais e gestuais, pedem para ele passar o sabonete várias vezes pelo corpo e em partes específicas (aproximou a mão da região genital e do peito). Ele disse que leva tudo com bom humor, que hoje acha isso normal, mas no início ficava um pouco constrangido. Perguntei se na formação dele em algum momento tinham sido desenvolvidas as temáticas, ele respondeu que foi trabalhado algo relacionado com doenças.

LIMITAÇÕES DO CORPO [...] Vidushaka estava no quarto, estendendo a cama vagarosamente e com certa dificuldade. Relatou que sentia muita dor na coluna, nos joelhos e nas pernas, cada dia uma dor. Mas, segundo ele, ‘antes tinha um corpo, jogava bocha, caminhava pra lá e pra cá, saia lá de casa e ia na Acampamento a pé, agora tô virado em dor, uma carcaça’.

Em conversa com uma das técnicas em enfermagem, perguntei se ela já tinha presenciado algum tipo de expressão da sexualidade por parte de algum(a) idoso(a). Ela ressaltou que existe um cuidado relativo ao que poderia ser algum tipo de abuso, quando percebem que a pessoa é mais saidinha com as outras, ficam de olho. 'À noite, na hora de dormir, os quartos ficam com as portas abertas, é que muitos tomam medicamentos para dormir, então fica tudo tranquilo, mas tem muita coisa que a gente finge que não viu e não ouviu e outras a gente acostuma. Na casa, tinha um senhor que se masturbava a qualquer hora ou lugar, então a gente o levava para o quarto e deixava terminar. Algumas idosas tinham medo dele, outras pediam para tirar ele da sala, mas a gente entende a situação dele, tá com vontade. Mas, à noite, eu pedia para as gurias do turno ficarem de olho nele'.

BOM PARTIDO 'Ele não é como os velhos daqui, ele nem é velho, caminha, vai aonde quer, volta pra casa dele e não depende de ninguém para comer, ir no banheiro… ele seria um bom companheiro, porque eu não quero um velho de fralda, que não faz mais nada [fez um gesto com as mãos em forma de concha para baixo e para cima], nem que seja para esquentar meus pés, beijar, fazer carinho e conversar. Tu não acha ele um homem bonito? Bem arrumado e não tem cheiro de urina, eu tô certa ou não de querer uma pessoa assim?'

FILHOS, DE QUE ADIANTA? ‘Sempre fui chineiro, não tinha uma mulher, mas várias, fui noivo, mas ela não aguentou, por isso não casei, mas agora queria ter uma companheira, pra esquentar os pezinhos de noite [risos]. Eu acho linda uma morena que vem aqui, é filha de uma das idosas acamadas, pra ela eu dava casa, comida e roupa lavada [risos], até me aquietava, podia ter filhos e eles me cuidarem’. Rapidamente Maharashtra exclamou: Eles não cuidam da gente, olha, eu tô aqui e tenho três filhos, o que adianta?’

DOR DA MORTE Estávamos sentados na varanda, quando ela, a irmã dele, desceu do quarto, abraçou e agradeceu a enfermeira, despediu-se das pessoas idosas que estavam na sala. Maharashtra perguntou como ele estava, ela respondeu sem graça que ele estava bem e tratou de sair da sala. Foi caminhando pela rampa, carregando no braço esquerdo uma sacola de papel com alguns pertences, segundo a enfermeira era o radinho de pilha, o relógio, o óculos e a Bíblia; as roupas e os calçados deixou para doação. Na outra mão, segurava o ventilador e, no coração, acredito que o que carregava era tristeza e a certeza de que uma vida toda coube em uma sacola. a Repórter: Claudine Friedrich · Diagramação e Ilustração: Giana Bonilla e Juliana Krupahtz

diário de campo

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Energia

passos que geram

energia

Você sabia que é possível gerar energia elétrica a partir da caminhada? E mais: que isso pode ser feito utilizando embalagens de leite que são descartadas?

Em 2017, uma iniciativa da UFSM foi finalista do sétimo prêmio Naturais e Exatas (CCNE). A acadêmica do curso de BachareInstituto 3M, concurso nacional que busca incentivar o desen- lado em Química Kelly Moreira esteve ao lado do professor no volvimento de tecnologias e projetos inovadores nas áreas de desenvolvimento do projeto finalista. Para a construção dos tribogeradores, a maioria dos pesquisasaúde, educação e meio ambiente. Esse projeto da Universidade prevê a utilização de embalagens longa vida, como as caixas dores da área usa um processo chamado litográfico, que envolve metais caros, como ouro ou platina, e de leite, para a construção de triboque custa em torno de quatro mil reais geradores de baixo custo para armapor metro quadrado, sem considerar a O QUE SÃO TRIBOGERADORES? zenamento de energia. A partir disso, São dispositivos que, a partir do contaé possível aproveitar a energia que mão de obra. Thiago estima que o custo to entre diferentes materiais, usam a seria desperdiçada se não fosse utilido tribogerador produzido na UFSM eletricidade estática para produzir ou zada dessa forma, além de atacar um com as caixas de leite seja de menos de estocar energia. Na prática, em uma problema de saneamento público: o do 20 reais por metro quadrado. “Percebemos, durante a pesquisa, que embalacaminhada, dois materiais são pressiodescarte de embalagens longa vida. nados um contra o outro e produzem Até o momento, esta é a única gens longa vida têm todos os elementos pesquisa conduzida no mundo que energia elétrica capaz de carregar, por necessários para a construção de um utiliza esse tipo de embalagens para exemplo, uma bateria, ou acender luzes tribogerador”, explica o professor. Na de emergência. a confecção de geradores triboelétricos. face interna, são compostas de isolanAs vantagens do uso são diversas: hoje, tes (plástico polietileno) seguido de um apenas 35% das caixas longa vida são metal (alumínio). Além disso, o papel, que também está na estrutura da caixirecicladas no Brasil; existem somente 20 empresas no país que reciclam esse tipo de material e essas nha, confere a este tipo de embalagem ótima estabilidade e empresas não conseguem separar corretamente todos os compo- resistência mecânica. “A gente ainda não chega ao nível dos nentes, visto a complexidade da estrutura das caixinhas. desenvolvidos pelo processo litográfico em relação à corrente As pesquisas com os tribogeradores são recentes e, na UFSM, elétrica, mas se você comparar os custos, com um pouquinho de são coordenadas pelo professor Thiago Burgo, do Departamento esforço, a gente consegue chegar aos mesmos valores em termo de Física e da Pós-Graduação em Química do Centro de Ciências de eficiência positiva”, relata Thiago, otimista.

como funciona o tribogerador da ufsm?

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Energia


APLICAÇÕES Na UFSM, a aplicação de curto prazo dos sistema da UFSM para captar energia tribogeradores é na construção de um piso junto a essas estruturas. O carro passaria que será colocado na soleira da porta de nesse primeiro sensor e geraria enerentrada do CCNE, uma área de grande gia suficientemente alta para carregar circulação no campus. O movimento da uma bateria, que seria responsável por caminhada dos pedestres deve gerar atrito fazer o processamento de informação nas partes dos tribogeradores e, conse- do sensor seguinte (e tirar a foto quentemente, produzir energia. Esta, por – ou não). “A minha ideia é que sua vez, depois de captada e armazenada, isso esteja pronto em até cinco anos. deve manter aceso um painel com luzes Ainda estamos avaliando algumas de LED. O protótipo já está sendo desen- etapas do processo e testando materiais volvido e contará com mais de cem tribo- que possam aumentar a eficiência dos geradores, todos ligados uns ao outros e a nossos tribogeradores”, explica o docenuma bateria, dispostos sob uma placa de te. Atualmente, vários desses radamadeira. A estimativa é de que, em média, res localizados fora das áreas urbanas o atrito gerado pelos passos de 20 pessoas não funcionam via energia elétrica da deixe o painel aceso por 20 minutos. rede, mas sim com painéis solares. Por “É uma tensão alta com uma corrente serem mais baratos do que os painéis razoavelmente baixa, então não seria útil fotovoltaicos, os geradores triboelétripara eletrodomésticos comuns (geladei- cos poderiam trazer um ganho na relaras, televisores, etc...), mas poderia ser ção custo-benefício e ajudar a barateimportante para dispositivos que deman- ar o investimento público necessário. dem baixa densidade de energia, como a Repórter: João Ricardo Gazzaneo · Diagramação: Juliana luzes de emergência e LEDs, para arma- Krupahtz · Ilustração: Pollyana Santoro zenar energia em capacitores e baterias, ou mesmo para conectar remotamente aparelhos entre si (Internet das Coisas)”, explica Thiago. A longo prazo, a ideia é usar os tribogeradores desenvolvidos na Universidade em estradas, posicionados logo abaixo do asfalto. Assim, quando o automóvel passar, vai gerar energia para acionar o radar de controle de velocidade no trânsito. O professor explica que esses radares fixos têm umas faixas pretas, antes ou depois da câmera, que são sensores de pressão. A ideia do pesquisador é usar o

POR QUE ISSO ACONTECE? Materiais isolantes não permitem que a eletricidade passe através deles, ou seja, qualquer carga elétrica fica estática (sem se mover) na sua superfície. Assim, quando postos em contato e então separados, geram uma eletricidade por atrito chamada de triboeletrização – aquela mesma eletricidade que em dias secos é responsável por dar pequenos choques em pessoas ao tocar objetos metálicos e que faz com que balões de festa atraiam pequenos pedaços de papel. Como essa carga elétrica está presa na superfície dos materiais, ela não pode se mover para

carregar uma bateria ou ser usada para dispositivos elétrico-eletrônicos. Por outro lado, essa carga estática pode induzir carga em outros objetos. Assim, materiais que se eletrizam predominantemente com uma carga negativa induzem uma carga de sinal oposto – neste caso, positiva – em um metal que está na sua vizinhança; e materiais que se eletrizam com carga positiva induzem uma carga negativa em um metal. Nos metais, esta carga elétrica consegue facilmente “correr” para uma bateria ou para um dispositivo, sendo este o princípio básico do funcionamento de um tribogerador.

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geografia

GEOGRAFIA DA SAÚDE Projeto da UFSM busca redesenhar o sistema de saúde de Santa Maria O Sistema Único de Saúde (SUS), previsto na Constituição Federal de 1988, define a saúde como direito de todos e dever do Estado. No entanto, ter o direito é diferente de ter o acesso. Pensando nisso, o professor do Departamento de Geociências da UFSM Rivaldo de Faria desenvolveu um projeto para redesenhar a distribuição das unidades do SUS em Santa Maria e garantir a universalidade do serviço. Rivaldo é fundador do Núcleo de Pesquisa em Geografia da Saúde (NePeGS), primeiro grupo que aborda a temática no Rio Grande do Sul. O desafio é entender como as enfermidades se relacionam com o território, uma vez que “a saúde não é discutida geograficamente ou sociologicamente, mesmo que existam fatores físicos e sociais que expliquem as razões das doenças e da morte”, como pontua o pesquisador. Denominado Implementação de tecnologia geográfica nas ações de planejamento e vigilância à saúde na área urbana de Santa Maria, o projeto teve início em 2016, a partir de uma parceria do NePeGS e da Secretaria Municipal de Saúde. Ana Paula Seerig, Assessora de Gestão, Projetos e Planejamento da Secretaria, conta que, através do projeto, “estabeleceu-se uma relação de parceria de trabalho, a qual agregou conhecimento, segurança e legitimidade ao processo”. Através do estudo desenvolvido, propõe-se que seja realizada a territorialização da Atenção Básica à Saúde (ABS) em Santa Maria, ou seja, que se definam o território e a população de atendimento das unidades. Segundo Rivaldo, atualmente há muitos territórios desassistidos: “Quando a rede de Santa Maria foi mapeada, percebeu-se que falta serviço. A cidade não atende hoje nem 60% da população, há um vazio enorme”, explica o professor. O estudo se baseia na estrutura atual do SUS, que é dividido em três níveis – primário, secundário e terciário, sendo o nível primário a porta de entrada do Sistema. Nesse nível, estão as Unidades Básicas de Saúde, cujo papel é promover as políticas de prevenção e prestar atendimentos simples. O seu bom funcionamento evita que os grandes centros especializados tenham que atender um alto número de ocorrências de simples resolução. Em 2018 será implementado o Projeto Piloto, como previsto no Plano Municipal de Saúde. A escolha das unidades beneficiadas ficará a cargo da Secretaria da Saúde. Segundo Ana Paula, espera-se que até dezembro de 2020, data que marca o fim da atual gestão, toda a Rede de Atenção de Santa Maria esteja organizada. Diante da grande mudança que seus estudos podem trazer para a cidade, Rivaldo explica por que escolheu estudar a Geografia da Saúde: “Eu poderia exercer meu trabalho na área de geografia agrária, área econômica ou geopolítica, mas para mim não há nada mais econômico, agrário e urbano do que a vida das pessoas”, conclui. a Repórter: Mariana Machado · Diagramação e Ilustração: Pollyana Santoro

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geografia

Atenção Básica à Saúde em Santa Maria hoje A figura abaixo mostra como está organizada territorialmente a ABS em Santa Maria. Há três desafios fundamentais que precisam ser pensados: unificação dos modelos e serviços, infraestrutura e gestão, e cobertura assistencial.

Unidade Básica de Saúde (UBS)

Áreas de abrangência das equipes

Equipe Saúde da Família (ESF)

Regiões administrativas UBS E ESF UBS E Equipe de Agentes Comunitários de Saúde (EACS)

Atenção Básica à Saúde proposta pelo estudo Os resultados preliminares da territorialização são apresentados na figura a seguir. A primeira preocupação no trabalho foi definir territorialmente população e serviço de atenção básica na respectiva região administrativa, de tal forma que toda a população estivesse territorializada.

UBS ESF Centro UBS E EACS

Vila Urlândia

Regiões administrativas

Oneyde de Carvalho Vila Santos

Ruben Noal

Vila Lídia

Proposta

Floriano Rocha

Bela União

Mozzaquatro

Alto da Boa Vista

Kennedy ESF 1

Passo da Tropas

Roberto Binato

Kennedy ESF 2

São Francisco e Maringá

Vitor Hoffman

Kennedy UBS

São José

P. Pinheiro Machado

Joy Betts

Walter Aita

São João

Itararé

Wilson P. Noal

Centro Social Urbano

Campestre

km 3


dossiê

Frente ao aumento do número de pessoas com transtornos mentais, profissionais e pesquisadores discutem como tratá-las

Segundo a Organização Mundial da Saúde, saúde mental é um estado de bem-estar, um equilíbrio emocional interno. Ou seja: quando o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades para lidar com as situações cotidianas e administrar suas emoções, vivendo em plenitude consigo mesmo e para com os demais. No entanto, no atual cenário de transformações políticas, econômicas e sociais, caracterizado por exigências, falta de tempo e incertezas, a saúde mental se vê em xeque. Doenças como ansiedade e depressão são apontadas como o mal do século 21. Mundialmente, cresce de maneira alarmante o número de casos de suicídios, principalmente entre jovens e adultos. Essa é, atualmente, a segunda causa de morte, ficando atrás apenas de acidentes no trânsito. O adoecimento mental também está presente no ambiente universitário. Alunos e servidores são desafiados diariamente por dificuldades e cobranças que, muitas vezes, vão além das salas de aula e dos ambientes de trabalho. Nos últimos anos, diversas universidades em todo o país lançaram campanhas de conscientização sobre o assunto a fim de trazer à tona temas considerados tabus e problematizar as lógicas de trabalho e produção. Em caso de adoecimento, a busca por tratamento psicológico ou medicamentoso é apontada como principal saída. Antes de tudo, os profissionais da área indicam um exercício de escuta para consigo mesmo, estimulando o autoconhecimento e evitando a tomada de decisões equivocadas. E então, vamos falar sobre saúde mental? Como está a sua?

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dossiê

Rotina e pressão no ambiente universitário são apontadas como causas de problemas de saúde mental dos estudantes

“No dia em que entreguei a versão final da minha dissertação, voltei sozinha da Universidade pro centro. Quando cheguei perto do Theatro Treze de Maio, eu parei. Não sabia aonde estava indo. Entrei em pânico porque sabia que era uma crise e eu estava sozinha. Era pra ser um dia feliz, um dia de me sentir competente, mas eu fui engolida por essa coisa horrível”. Esse relato é de Luísa Greff, que cursa o doutorado em Letras na UFSM, mas também pode ser tomado como realidade próxima de outros tantos estudantes. Comumente, histórias parecidas expõem a pressão acadêmica e os altos níveis de estresse como parte da experiência universitária. Para algumas pessoas, entrar na universidade é um dos primeiros passos rumo à independência da família. Desde cedo, o jovem se depara com uma série de desafios, a começar pela preparação e ingresso em vestibulares e processos seletivos. Depois, sua capacidade de adaptação é posta à prova: grande parte das vezes envolve sair de casa, ambientar-se em uma cidade distinta, conhecer pessoas novas, inserir-se e ampliar o círculo de amigos. Junto a isso, há um processo maior, que compreende adaptar-se à vida acadêmica e conciliar os estudos com a vida pessoal. O conjunto de ações que antecedem e acompanham a nova rotina pode acarretar problemas físicos e/ou psicológicos até então inexistentes ou, ainda, piorar a situação daquelas pessoas que já possuem algum transtorno. O problema é visível, mas de onde ele vem? Por que os alunos estão adoecendo no ensino superior? O que faz com que a universidade seja, por vezes, apontada como culpada? Seriam os professores os “vilões” da história?

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Transtornos mentais em números Ao lado, estão alguns dos resultados da quarta Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Instituições Federais de Ensino Superior Brasileiras, realizada em 2014. O questionário foi disponibilizado na internet, e os estudantes tinham a possibilidade de assinalar mais de uma opção na questão específica sobre os sentimentos evidenciados nos doze meses anteriores à pesquisa. Do total de respondentes*, 79,8% relataram ter passado por dificuldades emocionais como as assinaladas no gráfico ao lado:

130.959 estudantes (100%) 58,36 % 44,72 % 32,57 % 22,55 % 21,29% 6,38 % 4,13 %

ansiedade

desânimo e falta de vontade de fazer as coisas

insônia ou alterações significativas de sono

sensação de desamparo sentimento de solidão

ideia de morte

pensamento suicida

*130.959 do total de 939.604 dos estudantes das Ifes responderam à pesquisa

O debate nas redes

O entusiasmo desgastado

Nos últimos anos, o compartilhamento de relatos e experiências Para além dos muros e das salas de aula das universidades, a pessoais nas redes sociais foi um importante mecanismo para o rotina acadêmica é, muitas vezes, romantizada e idealizada. O assunto ganhar mais visibilidade. Frente a isso, estudantes de estudante de Medicina da UFSM Geferson Pelegrini conta que, diversas universidades no país protagonizaram movimentos com no período que antecede a faculdade, já é “natural” que acono intuito de debater temas pertinentes à saúde mental do estu- teça a privação de elementos importantes da vida social para dante e questionar as lógicas produtivistas do universo acadêmico. alcançar o objetivo tão sonhado. “Acredito que idealizamos os Em 2017, uma série de tentativas de suicídio entre alunos cursos que almejamos – foi assim comigo a respeito da Medido quarto ano de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) cina – e quando estamos na universidade nos deparamos com chamou a atenção da mídia, e a expressão #EstamosJuntos mobi- um ambiente, na maioria do tempo, hostil, que nos padroniza e nos cobra sem pensar em nossa individualidade e em nossas lizou estudantes e professores de uma das melhores faculdades do país. Ainda, na mesma instituição, outro exemplo foi a campanha necessidades”, relata o estudante. Na graduação, Geferson cursou #NãoÉNormal, criada por alunos da Faculdade de Arquitetura e a disciplina de Saúde do Estudante de Medicina e do Médico, Urbanismo e que possui mais de 30 mil curtidas na página do que, contraditoriamente, fora ofertada ao meio-dia, no horário Facebook. A hashtag é seguida de frases como: "esperar entrar que tecnicamente deveria ser destinado ao almoço. de férias para poder cuidar da saúde” e “ficar fazendo trabalho Nesse sentido, o artigo Precisamos falar de vaidade na vida durante os feriados sem poder voltar para casa e rever a família". acadêmica, também escrito pela professora Rosana PinheiroParalelo a isso, o texto Eu não sou um mau aluno, de autoria -Machado e publicado em 2016 pela revista CartaCapital, virou desconhecida, viralizou nas redes sociais. A escrita faz menção a uma espécie de manifesto. A escrita problematiza o adoecimenepisódios da vida acadêmica: noites mal dormidas, notas baixas, to das pessoas que passam pelo sistema acadêmico, devido às afastamento dos amigos e da família. Muitos estudantes se iden- lógicas de produtividade e competitividade. “A formação de um tificaram com a narrativa e, apesar de questionarem a rotina acadêmico passa por uma verdadeira batalha interna em que ele exaustante, culpabilizavam-se: teriam se tornado maus alunos precisa ser um gênio. As consequências dessa postura podem ser diante de uma série de fatores estruturais. trágicas, desdobrando-se em dois possíveis cenários igualmente A cientista social e antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, predadores: a destruição do colega e a destruição de si próprio”, atualmente professora titular visitante da UFSM no Programa de descreve a pesquisadora. Pós-Graduação de Ciências Sociais, tem pesquisas relacionadas ao tema. No texto Depressão e sofrimento na pós-graduação: frescura catártica ou saúde pública?, publicado em abril de 2018, ela defende que “ainda há uma carência do tema no debate público”, pois é custoso para as pessoas admitirem falhas individuais. Apesar de a vida acadêmica ser permeada por momentos de escrita e produção – ações que, naturalmente, podem gerar ansiedade e agitação mental –, o fenômeno hoje atinge proporções inéditas. Portanto, deve ser encarado por uma rede ampla de profissionais que atuam no ensino superior.

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“O que você faz da meia-noite às seis?” A maior parte das reclamações vem do tempo, ou da falta dele. A acadêmica de Arquitetura da UFSM Isabela Moreira Braga relata que, já no primeiro semestre do curso, chegou a passar mais de cinquenta horas acordada para dar conta de um trabalho da faculdade. Isabela também teve a autoestima fortemente agredida, pois diante de todas as demandas tinha impressão de que nunca poderia ser uma boa aluna e futura profissional do ramo. Os agravamentos também tiveram impactos físicos: como evitava “gastar” o tempo com outras coisas que não fossem trabalhos da faculdade, acabou emagrecendo, e as longas horas que dedicava sobre as maquetes resultaram em problemas na coluna e nos músculos. “Houve dias, não muito raros, em que a dor se agravava e dificultava o desenvolvimento de um projeto e até mesmo o meu descanso”, conta a estudante, que teve de se submeter a tratamento psicológico e sessões de fisioterapia. Os prazos são curtos e quando não consegue finalizar uma tarefa, é provável que o aluno seja questionado pelo professor em tom de brincadeira: “O que você faz da meia-noite às seis?”. O acadêmico do curso de Arquitetura Jeison de Paula afirma já ter ouvido a frase diversas vezes, e a sua resposta é sempre a mesma: “Trabalho”. Para se manter na universidade, desde os primeiros semestres, buscou aliar o estudo ao trabalho e, por conta das demandas, acabou reprovando em uma disciplina. Na UFSM, essa discussão foi pauta de uma palestra em 2017. A iniciativa foi idealizada por estudantes de diferentes áreas que compunham a Liga Comum Unidade, que tem por objetivo abrir espaços de estudo e reflexão da atuação dos sistemas de saúde. No evento em questão, a psiquiatra e professora da UFSM Martha Noal avaliou o problema como consequência do modo como o ser humano opera em sociedade: “Nós é que normalizamos as coisas que não deveriam ser normais. Não é normal as pessoas não dormirem à noite para conseguirem dar conta das suas demandas do dia”.

A ordem vem de cima Ao passo que os alunos encontram dificuldades para gerenciar o tempo para a resolução das tarefas, os professores têm a responsabilidade de fazer as ofertas. Para a professora do Departamento de Saúde Coletiva da UFSM Liane Righi, o problema reside no fato de as ofertas não estarem articuladas: “Não é ilegítimo que o professor exija da turma conteúdos que acrescentem para a qualidade da universidade. No entanto, se a pessoa faz 12 disciplinas, ela terá 12 fardos. São 12 professores achando que o conteúdo é exclusivo, tentando se legitimar”. Na visão de Liane, a estrutura departamental da universidade contribui para isolar as pessoas nas suas especialidades, fragmenta o trabalho docente, o aprendizado e as ofertas. Com isso, os acadêmicos também não aproveitam as demais oportunidades que a universidade oferece: oficinas, espaços de lazer, biblioteca e acesso à cultura. Segundo Martha Noal, um dos fatores causais é também a falta de preparação dos profissionais na área educativa. “No Centro de Educação, os profissionais das licenciaturas têm formações pedagógicas. Nas outras áreas isso é mais complicado: os professores aprendem a ser jornalistas e médicos, mas não aprendem, de fato, a serem professores”, problematiza a pesquisadora.

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Para lidar de maneira mais saudável com as tensões do ambiente universitário, a professora Liane Righi orienta que os alunos passem a destacar prioridades, dentro de suas próprias limitações: “Destacar também é dizer: nesta disciplina, nesta área, eu não serei o melhor, isso me interessa menos”. Mas a deterioração da qualidade de vida pode se manifestar de maneiras distintas em cada indivíduo. No senso comum, existe também a ideia de colocar o suicídio como o único “extremo”. No entanto, casos graves de surtos e transtornos também podem ser considerados como “extremos”. Um aumento significativo no sentimento de tristeza, apatia e reflexos em sintomas físicos – falta de vontade de se alimentar ou vontade de comer demais; dormir demais ou ter insônia – podem indicar problemas. Mesmo que não saiba explicar bem o motivo, basta que o estudante não se sinta bem para que busque ajuda. Esse é também o conselho de Luísa Greff, a doutoranda que abre esta reportagem. Ela, que ao longo de boa parte do tempo acadêmico, teve acompanhamento psicológico, alerta: “A gente quer fugir de dentro da nossa cabeça. E não dá. Não adianta viajar, o problema vai na bagagem. Não adianta beber o fim de semana inteiro, pois na segunda-feira o problema está lá. Como na música de Chico Buarque, ‘inútil dormir que a dor não passa’”. a Repórter:

Outros agravantes No entanto, as situações que podem gerar problemas psicológicos nem sempre surgem da relações entre alunos e professores. É comum encontrar casos em que estudantes são afastados de determinados grupos ou se sentem acuados por não se enquadrarem em certos “padrões” da turma. Além disso, a busca incessante por ter as melhores notas pode dificultar o relacionamento e acirrar a competitividade entre os colegas. Martha Noal afirma que é preciso acabar com a ideia de seleção natural. “Acreditamos que o bom aluno será um bom profissional, e não necessariamente vai ser assim”, reforça a psiquiatra. Ademais, as tensões no ambiente acadêmico podem ser motivadas por algum tipo de discriminação ou preconceito. A cientista social Rosana Pinheiro-Machado traz um dado interessante: enquanto a segmentação por gênero atinge homens cis em 31% e mulheres cis em 41%, na população transgênero o percentual sobe para 57% na academia. A pesquisadora salienta que, além do gênero, as vítimas da opressão têm sotaque e classe social. Neste universo, entram também questões raciais. Em 2017, Elisandro Ferreira, acadêmico do Direito da UFSM, passou por uma situação que nunca havia imaginado que passaria no universo acadêmico: foi julgado pela cor da sua pele. Ao chegar na sala do Diretório Acadêmico do Direito, viu o seu nome e o de uma colega escritos na parede, ao lado de manifestações de cunho racista. Naquele momento, sentiu-se extremamente impotente e, nos dias que seguiram, passou a desconfiar de todos aqueles que o cercavam. A saúde mental de Elisandro foi fortemente abalada e ele chegou a pensar em desistir do curso. Com o apoio emocional de amigos e familiares, permaneceu, e hoje milita ativamente pelo movimento Racismo, Basta!

Tainara Liesenfeld · Diagramação e Lettering: Juliana Krupahtz · Ilustração: Deirdre Holanda

Para aliviar a Tensão A UFSM possui espaços institucionais que oferecem atendimentos gratuitos, que devem ser marcados com antecedência.

Setor de Atendimento Integral ao Estudante (Satie) O que oferece? Projeto Nenhum A Menos, Plantão Psicossocial, Oficinas e Eixo de Atenção em Saúde Bucal Local: 2° andar da União Universitária, no campus sede

Ãnima Faz parte do Núcleo de Aprendizagem da Coordenadoria de Ações Educacionais O que oferece? Atendimento psicológico, psicopedagógico, de orientação profissional e educação especial Local: sala 1109, prédio 67

Clínica de Estudos e Intervenções em Psicologia (ceip) Atua junto ao curso de Psicologia O que oferece? Atendimento psicológico a toda comunidade santa-mariense Local: térreo do prédio 74 B

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Transtornos mentais e comportamentais são a principal causa de afastamento de servidores da UFSM

O trabalho abrange diversos aspectos da vida humana, sendo condição preponderante para a realização do sujeito, segundo a psicologia. Dessa forma, as condições às quais os trabalhadores têm de se submeter diariamente para a realização de determinado fim são cruciais para a qualidade do serviço e da própria saúde física e mental. Em um ambiente tão complexo quanto o universitário – que compreende muito além das atividades em sala de aula -, as situações que podem desencadear um adoecimento profissional são diversas. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 2017, 20% das licenças concedidas a servidores técnico-administrativos em educação (TAEs) e docentes para tratamento de saúde foram para casos de transtornos mentais e comportamentais. A psicóloga e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSM Luciana Schneid Ferreira afirma que o trabalho jamais é neutro: “O sofrimento, ao contrário do que muitos pensam, não é sinônimo de adoecimento. Ele é inerente ao ser humano. Se o sujeito tiver autonomia e reconhecimento em seu trabalho, vai transformar este sentimento em algo bom, que promoverá saúde, desenvolvimento e realização. Se, por outro lado, não tiver as condições mínimas para conduzi-lo, vai desencadear uma doença”. Segundo dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2017, três das dez doenças mais incapacitantes para o trabalho no mundo são de origem mental. A depressão é a primeira da lista, afetando mais de 300 milhões de pessoas – um aumento de 18% entre 2005 e 2015. Transtornos causados por álcool e ansiedade aparecem em quinto e sexto lugares no ranking, respectivamente. No mesmo ano, um boletim organizado pelos ministérios da Fazenda e do Trabalho no Brasil mostrou que os transtornos mentais e comportamentais foram a terceira causa de incapacidade para o trabalho, no período de 2012 a 2016, considerando a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.

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Reflexo mundial A UFSM reflete o que acontece no país e no mundo - como mostram os gráficos na página seguinte. Os levantamentos foram feitos pela Perícia Oficial em Saúde (PEOF) da Universidade, responsável por avaliar e conceder licenças a servidores para tratamento médico próprio ou de familiares. O setor é vinculado à Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep) e atua em conjunto com a Coordenadoria de Saúde e Qualidade de Vida do Servidor (CQVS), formada por uma equipe psicossocial que acompanha os servidores em adoecimento profissional. “O número de afastamentos por transtornos mentais é o maior, e ainda assim não traduz todos os casos de doença mental que existem na Instituição”, afirma a psicóloga da CQVS Quenia Rosa Gonçalves. Essa é uma das preocupações de Luciana, que também atua como psicóloga do CQVS, em sua pesquisa de mestrado, iniciada no ano passado. Ela procura traçar o perfil dos servidores que adoecem na UFSM, utilizando como base a Psicodinâmica do Trabalho, abordagem científica desenvolvida na França na década de 1980, por Christophe Dejours. A teoria possibilita uma compreensão contemporânea sobre a subjetividade no trabalho, relacionando-o com prazer, autonomia, liberdade, reconhecimento, mas também com sofrimento, quando ausentes os sentimentos anteriores.

Como o trabalho causa o adoecimento? A OMS apresenta como causas dos transtornos mentais as cargas de trabalho excessivas, as exigências contraditórias, a falta de clareza na definição das funções, a comunicação ineficaz por parte de chefias e colegas, e o abuso sexual ou psicológico. Somando-se a isso, Quenia aponta que dificuldades no convívio interpessoal, subordinação e subutilização são as demandas mais recebidas na CQVS. “Acompanhamos casos de servidores super qualificados que não conseguiam desenvolver todo seu conhecimento e suas habilidades no cargo que assumiram, porque eram


subutilizados em outros serviços. Com o tempo, isso gera angústia e outros sintomas, e a pessoa não suporta”, expõe a psicóloga. A Psicodinâmica, de acordo com Luciana, definiria o caso pelos conceitos de trabalho prescrito e trabalho real: o que está determinado em contrato como atribuições do cargo, em contraste com os problemas e imprevistos do dia a dia da profissão. A precarização do serviço público e as crises econômicas também fazem parte desse cenário. Atualmente, cargos desocupados por aposentadoria não têm reposição de novos servidores. Como solução, há sobrecarga de trabalho aos que ficam, além da entrada de funcionários terceirizados. Relacionada a isso, está a hipersolicitação, que ocorre quando o servidor é requerido no ambiente de trabalho, mas também por e-mail, celular e outras plataformas. Segundo Luciana, os pesquisadores da área afirmam que, no serviço público, os casos de assédio moral tendem a ser mais graves e duradouros, se comparados aos da iniciativa privada. Isso porque, em instituições como a UFSM, o servidor dificilmente pede demissão, devido ao ingresso por concurso e à estabilidade do cargo, e acaba se submetendo por muito mais tempo àquela violência. Outra peculiaridade das organizações públicas é a questão política, que comumente norteia a escolha de gestores. “Quem está à frente de um setor não está necessariamente capacitado no âmbito interpessoal para isso, mas tem inclinações políticas. Isso pode prejudicar o trabalho dos funcionários e, em consequência, possibilitar um quadro de adoecimento”, pontua a mestranda. Apesar de todas as situações apresentadas, os casos de adoecimento profissional não obrigatoriamente têm relação com o trabalho. Podem ter influência em predisposições genéticas e/ou problemas pessoais, sociais e familiares, sendo difícil delimitar com exatidão o chamado nexo causal das patologias.

Tratamento é um direito Todo servidor público federal tem direito à Licença para Tratamento de Saúde (LTS), conforme determina o art. 202 do Regime Jurídico Único. Legalmente, o servidor pode ficar afastado da instituição com a qual tem vínculo empregatício por até dois anos. Depois desse período, a providência tomada é a aposentadoria por invalidez. A assistente social da PEOF Fabiane Drews explica que o tempo de afastamento é relativo, pois depende do diagnóstico e da reação do paciente ao tratamento. “A maioria dos casos de doença mental que chegam ao setor ocasiona uma licença. Mas isso não é regra geral. Muitas vezes, tentamos conduzir de outras maneiras, como solicitando a troca do funcionário de setor ou intervindo nos conflitos”, comenta Fabiane. A médica do trabalho que coordena a PEOF, Liliani Brum, explica que geralmente as licenças por problemas mentais são mais longas devido à complexidade e à subjetividade da matéria. No entanto, as profissionais comentam que ainda há preconceito e falta de conhecimento em relação aos transtornos mentais. “A pessoa pensa que vai aguentar, porque não entende o adoecimento mental como doença, principalmente por não ser tão visível quanto os problemas físicos”, explica a psicóloga Quenia. Outro limitador é o estereótipo de que servidor público não trabalha. Como contraponto, a Psicodinâmica diz que o trabalhador que adoece é justamente aquele que tem vontade de trabalhar e não consegue desenvolver seu trabalho por conta da doença. Diante deste cenário, Luciana entende que a organização do

trabalho deve ser questionada: “Para mudar, é necessária uma ação conjunta na gestão da instituição como um todo, na intenção de diminuir o número de casos e acabar com preconceitos. Priorizar a saúde em detrimento da política e de outras questões é fundamental”. a Repórter: Andressa Motter · Diagramação e Lettering: Juliana Krupahtz · Ilustração: Giana Bonilla e Deirdre Holanda

licenças para tratamento na ufsm Em 2017, foram concedidas 2216 licenças a docentes e TAEs para tratamento de saúde. Das 17 patologias diagnosticadas, conforme a Classificação Internacional de Doenças da OMS, a que mais afastou servidores foi a que engloba os transtornos mentais e comportamentais. Os números abaixo correspondem ao total de licenças solicitadas e renovadas, e não de servidores que as solicitaram.

2012

17,5% 495 licenças

Total de licenças: 2822

Licenças por transtornos mentais e comportamentais Outras licenças

82,5% 2327 licenças

2013 Total de licenças: 2928

23,9% 700 licenças*

Licenças por transtornos mentais e comportamentais Outras licenças

76,1% 2228 licenças

2017 Total de licenças: 2216

6% 139 licenças

11%

Doenças infecciosas e parasitárias

242

13% 288

Doenças do aparelho digestivo

Doenças do sistema respiratório

Doenças do sistema osteomulecular e tecido conjuntivo

36% 794

14% 20% 444

309

Licenças por transtornos mentais e comportamentais Outras licenças

*Houve um aumento considerável no número de licenças em 2013, quando Santa Maria vivenciou o incêndio na Boate Kiss, que vitimou 242 pessoas, das quais muitas tinham ligação com a UFSM.

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Psicofármacos são fundamentais para tratar diversos transtornos mentais, mas o uso indevido preocupa pesquisadores, pelos efeitos colaterais no organismo e pela propensão à dependência

Quantas horas por dia você dorme? Quão saudável é a sua alimentação? Você pratica exercícios físicos? As respostas para essas perguntas variam muito de um indivíduo a outro, mas é notório que a maior parte da população já não consegue dedicar tempo suficiente ao cuidado do corpo e da mente. As obrigações e prioridades, muitas vezes, são outras; e as consequências, em decorrência disso, podem ser severas. O Brasil apresenta a maior porcentagem de população afetada por distúrbios relacionados à ansiedade no mundo e, além disso,

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é o quinto país com a maior taxa de pessoas depressivas, de acordo com dados divulgados em 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para ansiedade, depressão e outros transtornos mentais, os psicofármacos asseguram o alívio imediato e, muitas vezes, possibilitam o restabelecimento da “normalidade” cotidiana. No entanto, levando em conta a propensão à dependência de muitos fármacos e os seus efeitos colaterais no organismo, surge o questionamento: os medicamentos, a longo prazo, são a melhor solução para tratar todos os transtornos mentais?


então, como resultado da pesquisa, o uso do psicofármaco associado a outros tratamentos não medicamentosos, como a participação em grupos e oficinas terapêuticas. Conforme dados divulgados em 2017 pela Organização Os psicofármacos mais receitados são os benzodiazepínicos – Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem a maior taxa de calmantes e tranquilizantes como Rivotril/Clonazepam, Valium/ ansiedade no mundo. Em nível mundial, o país ocupa a quinta posição no número de casos de depressão, sendo Diazepam, Frontal/Alprazolam, Lexotan/Bromazepam. Para a o primeiro no ranking da doença na América Latina. Os professora do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia da dados abaixo se referem à porcentagem da população de UFSM Marilise Burger, o uso de calmantes é banalizado e faz cada país que vive com esses distúrbios. com que o cérebro se adapte à presença do fármaco. Se utilizado por longos períodos, pode causar a dependência e/ou tolerância (diminuição dos efeitos, o que exige doses cada vez maiores). ANSIEDADE De forma parecida, acontece a ação dos antidepressivos: o uso aumenta os níveis de serotonina – popularmente conhecida como “hormônio da felicidade” -, o que faz com que a pessoa se sinta bem emocionalmente. Ainda que apresente melhoras no quadro clínico, o paciente costuma voltar ao estado psíquico anterior quando o uso da medicação é interrompido. Nesta perspectiva, para a mestranda em Psicologia na UFSM Maria Luiza Diello, a patologização da vida e do sofrimento se Austrália Brasil Paraguai Noruega tornou um dos principais problemas na contemporaneidade. Isso Nova Zelândia significa dizer que, atualmente, qualquer estado mental e existencial pode ser delineado como doença, acarretando, com isso, depressão a intensificação do uso exacerbado de medicamentos. Para ela, o uso de fármacos deveria ser feito exclusivamente em situações de absoluta necessidade. “É muito comum nos depararmos com situações de uso indevido, abusivo, continuado, crônico, problemático ou desnecessário de medicamentos”, pontua Maria Luiza. Ucrânia Brasil Estônia Estados Austrália Marilise considera que o elevado número de psicofármaUnidos cos consumidos atualmente representa uma transferência da No Brasil, distúrbios relacionados à ansiedade afetam solução dos problemas – sejam eles corriqueiros ou de maiores mais de 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população), complexidades – em função de rotinas agitadas. “A melhora dos enquanto a depressão atinge 11,5 milhões de pessoas problemas emocionais envolve uma mudança de hábitos; antes, (5,8% dos brasileiros). algumas situações eram resolvidas no cotidiano; hoje, é mais fácil usar um medicamento do que olhar para dentro de si mesmo e mudar estes hábitos – alimentação, atividade física e a maneira de lidar com as pessoas, por exemplo”, comenta a professora. Todos os estados afetivos são momentâneos, sejam eles de trisEntre 2010 e 2016, o Brasil aumentou em 74% o consumo de medicamentos antidepressivos, segundo pesquisa divulgada em teza ou de felicidade, segundo o professor do Departamento de 2017 pela seguradora SulAmérica. Ainda assim, não existe um Neuropsiquiatria UFSM Mauricio Scopel Hoffmann. A distinção consenso entre os pesquisadores da área de saúde mental sobre a entre um estado afetivo e um transtorno mental se baseia em população estar, ou não, consumindo mais remédios do que deve- critérios de tempo e de prejuízo. “A pessoa está vivendo bem e, de ria. A preocupação não é somente com o aumento no consumo, repente, começa a baixar a vitalidade, a não querer sair de casa, já que os psicofármacos são necessários em determinados casos, mas sim com o uso indevido (sem necessidade e/ou indicação médica), visto que os medicamentos podem causar dependência e efeitos colaterais diversos. Um estudo realizado pela Universidade Federal do Paraná, coordenado pela professora de Enfermagem Mariluci Alves para não confundir Medicamentalização: refere-se ao controle médico da Maftum, entrevistou profissionais de Enfermagem em quatro mente, através da administração de medicamentos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) de Curitiba. A conclusão como principal forma de tratamento. foi de que os medicamentos representam um importante recurso Medicalização: é o processo pelo qual problemas que terapêutico, principalmente por minimizarem sintomas agudos não são considerados de ordem médica passam a ser causados pelos transtornos mentais. Na visão desses profissionais, vistos como doenças. o uso de psicofármacos é fundamental para que a pessoa com Fonte: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca transtorno possa ter uma melhora significativa no seu estado de saúde, no autocuidado, na (re)conquista da autonomia e das condições necessárias para realizar atividades rotineiras. Entretanto, o estudo também faz ressalvas às contraindicações dos medicamentos tarjados, utilizados para tais fins. Recomenda-se,

7,6 %

7,4 %

7,3 %

7,0 %

5,9 %

5,9 %

5,9 %

5,8 %

6,3 %

9,3 %

Os números alertam

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a pensar que a vida não mais vale a pena, a achar que a morte é uma solução. Se isso perdurar por semanas e causar prejuízo porque a pessoa já não consegue mais se relacionar com os outros, ou prejudicar sua produtividade no trabalho, por exemplo, se configura como um transtorno mental”, comenta o professor. Ele explica que um acontecimento traumático pode ser fator de risco inespecífico para desencadear a depressão, que possui prevalência em cerca de 15 a 25% da população. Há também um número expressivo de pessoas que diagnosticam a depressão de maneira apressada e passam anos repetindo o uso do mesmo remédio sem questionar. Para o professor de Psicologia do Departamento de Enfermagem da UFSM campus Palmeira das Missões Ricardo Martins o fato é que a sociedade já não privilegia os sujeitos e a vida, mas os objetos e o mercado, fazendo com que se perca o contato com o coletivo: “é como na economia: a oferta cria a demanda, ou seja, o remédio vai buscar (criar) a doença”, conclui o professor. No entanto, Mauricio avalia que o aumento da prescrição de psicofármacos pode ser uma falsa aparência, já que há grande porcentagem de doentes sem tratamento. “Menos de 10% dos pacientes com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) do Brasil recebem tratamento, ou seja, a prescrição precisaria aumentar muito para que todos os doentes pudessem ser ajudados. Não creio que exista esse fenômeno da medicamentalização, entendido como uma trama, consciente ou não, entre indústria e profissionais da saúde, para medicar mais as pessoas, sem necessidade; falta evidência empírica para isso”, analisa o professor.

Atenção aos "tarja preta" Quanto maior a dose de medicamento utilizada, maiores os efeitos colaterais aos quais o corpo estará suscetível. O professor Mauricio explica que os remédios de tarja preta são os que possuem maior potencial de abuso: “Em torno de 15 a 20% das pessoas que usam essa medicação tendem a aumentar sozinhas a dose, porque a própria medicação provoca isso e a personalidade dos usuários também”. Para pacientes em situações de abuso de álcool, por exemplo, não é indicado o uso de tarja preta porque a composição química do remédio e o perfil do paciente podem gerar dependência. A Ritalina – medicamento estimulante que controla o TDAH – é usada por muitos estudantes para fazer o chamado doping cognitivo. Por ser um medicamento controlado e exigir receita médica, a solução encontrada por muitas pessoas é conseguir o psicofármaco com terceiros. Marilise afirma que a automedicação pode ser “um tiro no pé”, porque se o estudante possui um transtorno de ansiedade, por exemplo, há chances de piorar ainda mais seu estado mental.

Qual a melhor receita médica? Para todo transtorno mental, o tratamento é sempre indicado. Ele pode ser tanto psicoterápico quanto farmacológico, que são as duas grandes abordagens em saúde mental, e o uso ou não de remédios depende de particularidades. Ricardo aponta que, para casos como os de luto pela perda, há mudança na química cerebral e, para resolver isso, o tratamento psicológico contribui para deslocar o foco do cérebro sobre a perda. O remédio, neste contexto, faz parte de uma fantasia dos pacientes, que o veem como um “fortificante”. Já para a depressão e a ansiedade, o professor Maurício assegura que há evidências científicas sobre a eficácia da psicoterapia.

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Em contrapartida, há casos em que a resposta aos tratamentos psicoterápicos é baixíssima e, por isso, há necessidade de medicação, como é o caso da esquizofrenia. O que acontece é que nem sempre o tratamento indicado condiz com as condições financeiras do paciente. Dessa forma, o tratamento medicamentoso pode ser mais barato que o psicoterápico e, portanto, mais acessível no sistema de saúde. Em alguns transtornos, como os de ansiedade, o tratamento psicoterápico somado ao tratamento com fármacos pode ser preferível, já que os efeitos da terapia dupla são potencializados. Em vista disso, alguns profissionais da área apostam na chamada “terapia social”, que oferece atendimentos a um preço mais acessível. Além disso, também é possível que o paciente busque um atendimento viável ou gratuito em centros acadêmicos de Psicologia e também nos serviços ofertados pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que compõem a rede pública de saúde.


O que a indústria farmacêutica tem a ver com tudo isso?

Lucratividade em nível mundial A indústria farmacêutica é a segunda em faturamento no mundo, perdendo apenas para a indústria bélica – segundo informações do Conselho Federal de Psicologia, divulgadas em cartilha na campanha Não à Medicalização da Vida, lançada em 2012.

A indústria farmacêutica constitui-se como uma das engrenagens principais no campo das pesquisas científicas e no desenvolvimento de tratamentos, como também na área da produção e comercialização de medicamentos. Por ser um dos maiores meios provedores de investimentos na ciência, esta indústria, estabelecida no início do século 20, é hoje uma das maiores responsáveis pela evolução e modernização de tratamentos médicos. De acordo com um estudo coordenado pelo médico Paulo Aligieri e publicado na Revista da Associação Médica Brasileira, “o resultado do trabalho das indústrias tem contribuído significativamente, ao longo dos anos, para o aumento da expectativa de vida e redução dos índices de mortalidade de diversas doenças”. Entretanto, mesmo indispensável na área da saúde mental atualmente, a indústria farmacêutica é criticada por muitos estudiosos da área. De acordo com a farmacologista Marilise Burger, “a indústria tem um perfil competitivo, que visa o lucro, e investe em propagandas fortes que induzem os médicos. Há um histórico de medicamentos lançados sem as pesquisas necessárias e até mesmo de pesquisas burladas”. A médica clínica geral Valéria da Silva Zorzi confirma esta realidade: “Recebemos constantemente boletins informativos das sociedades médicas incitando a usar medicamentos”; e complementa que “esta indústria opera financiando pesquisas tendenciosas, com conflitos de interesse; utiliza o marketing em congressos; investe nos médicos e profissionais ligados à saúde para impôr tendências e modismos”. Os médicos, neste cenário, podem aparecer como articuladores ou também como vítimas, já que as propagandas das indústrias induzem não apenas os pacientes, mas também a classe médica. “Um médico dificilmente vai te dizer que se deixa levar [pela indústria farmacêutica], mas ele, mesmo sem perceber, pode estar sendo submetido a este assédio”, opina a professora Marilise.

Alto faturamento no mercado No Brasil, durante o ano de 2016, o ramo de medicamentos movimentou R$ 63,5 bilhões no setor industrial, conforme aponta o Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico, divulgado em 2017 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os medicamentos com maior faturamento em 2016 atuam sobre o sistema nervoso central, com 14,6% de participação na receita do setor, afirma o relatório.

Apesar disso, entre os profissionais da área da saúde, é unânime o reconhecimento de que os psicofármacos são essenciais em diversos tratamentos. As ressalvas são de que os medicamentos não podem ser vistos como uma solução mágica para tratar os transtornos mentais. As sensações de angústia, insegurança, isolamento, desespero, podem ser resolvidas sem a necessidade de substâncias químicas, em grande parte dos casos. Da ordem do necessário está a procura pelo tratamento adequado, aliado a um estilo de vida saudável, e, acima de tudo, tempo disponível para os olhares íntimos sobre si mesmo. a Repórter: Claudine Friedrich · Diagramação e Lettering: Juliana Krupahtz · Ilustração: Pollyana Santoro e Deirdre Holanda

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alimentação

Variedade de plantas alimentícias vai além do que encontramos no mercado

O conceito de alimentação saudável se baseia na ingestão de alimentos naturais que não tenham produtos químicos que prejudiquem a saúde de nosso corpo. No entanto, nem sempre os alimentos oferecidos nos mercados convencionais colaboram no combate e prevenção de enfermidades. Segundo a professora da UFSM do campus de Cachoeira do Sul Viviane Dal-Souto Frescura, “nós temos uma diversidade de alimentos no quintal de nossas casas, mas infelizmente, nos dias atuais, muitas pessoas ainda passam por necessidades, seja de alimentos ou de nutrientes”. Nesse contexto, de acordo com a docente, “as plantas

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alimentação

alimentícias não convencionais (PANCs) são aliadas da alimentação saudável para que possamos ingerir os diferentes nutrientes necessários para manter a vitalidade do nosso corpo". Viviane coordena o Grupo de Estudos em Plantas Alimentícias Não Convencionais (Gepanc), integrado por técnico-administrativos, professores e alunos- de ensino médio, graduação e pós-graduação. O grupo investiga a viabilidade do consumo de plantas que têm, entre suas características, ocorrerem espontaneamente e não necessitarem de grandes cuidados para sua produção. “São plantas mais 'robustas', que toleram mais traumas”, reitera a pesquisadora.


As PANCs são plantas baratas e de fácil cultivo que ocorrem em diversos ambientes, desde o quintal de casa até as calçadas. Nesse sentido, por mais que as pessoas consumam diferentes produtos existentes no mercado, deixam de consumir novos nutrientes, novas cores, sabores, texturas. Segundo Viviane, “estamos acostumados a comer apenas o que o mercado oferece e, por não consumirmos as PANCs, os mercados acabam não as oferecendo”, reforça. Por isso, além das pesquisas, o GEPANC também visa construir um catálogo das plantas com fotos, informações e localização, a fim de divulgá-las para a população. Além disso, o grupo vem difundindo o resultado de suas pesquisas em eventos científicos e, também, buscando se aproximar da comunidade. Nesse sentido, foi desenvolvido um trabalho sobre as PANCs nas escolas, o que possibilitou que os alunos aprendessem sobre elas e participassem de

uma refeição cujo cardápio era formado por essas plantas não convencionais, das quais muitos estudantes nunca tinham nem ouvido falar. Para efetivar suas pesquisas, o grupo realiza expedições nas ruas de Cachoeira do Sul com o propósito de fazer a identificação de espécies de plantas alimentícias não convencionais que ocorrem naturalmente em calçadas ou terrenos baldios não cercados. Dessas expedições, o grupo tira exemplares que são fotografadas, coletadas e depois analisadas em laboratório. Depois disso, o grupo elabora mapas para divulgar a ocorrência dessas plantas. Atualmente, o grupo já mapeou as PANCs a um raio de 8,5 km do centro de Cachoeira do Sul. Até o momento, já foram identificadas 27 diferentes espécies de 17 diferentes famílias botânicas, que vão de árvores até ervas. a Repórter: Germano Molardi · Diagramação e Ilustração: Deirdre Holanda

A beldroega é rica em ômega 3, betacaroteno e vitamina C. Tem potencial antioxidante e é usada como anti-inflamatória, diurética e vermífuga.

As folhas da ora-pro-nóbis possuem cerca de 25% de proteínas (peso seco), das quais 85% acham-se numa forma digestível, facilmente aproveitável pelo organismo e muito indicada para dietas vegetarianas. Possui ainda vitaminas A, B e principalmente C, além de cálcio, fósforo e quantidade considerável de ferro, ajudando no combate a anemias.

O malvavisco é um tipo de hibisco cujas flores não se abrem. As folhas podem ser usadas para chás no tratamento de inflamações do sistema digestório. As flores são comestíveis e servem para decorar bolos e tortas. Quando trituradas, podem ser base para geleias.

O picão apresenta atividade antioxidante, é fonte de proteína, fibra, ferro, magnésio, tem alto teor de cobre e é analgésico. Também foram detectadas atividades antimalárica, bactericida, hepatoprotetora, anti-inflamatória, hipotensora, imunoestimulante, e anti-hipertensiva.

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comprar barato basta? Planejamento de Licitação Sustentável muda critérios para compras na UFSM

Em 2011, Alessandra Daniela Bavaresco começava a cursar o mestrado profissional em Gestão de Organizações Públicas na UFSM. A proposta de seu projeto era conseguir implementar um programa de licitação sustentável na Universidade, onde trabalha desde 1994 e é hoje Diretora do Departamento de Material e Patrimônio (Demapa). Um ano depois, em 2012, o Governo Federal estabeleceu, através da Instrução Normativa nº 10, os Planos de Gestão de Licitação Sustentável (PLS) que objetivam estabelecer responsabilidades, metas, ações e prazos para que os órgãos federais, em que se incluem as Instituições de Ensino Superior, apliquem “práticas de sustentabilidade e racionalização de gastos e processos na Administração Pública”, como explicam os aspectos gerais do texto. A aplicação desse Plano na Universidade teve ampla participação de Alessandra, uma vez que o prosseguimento de seu mestrado ocorria concomitantemente. “O projeto serviu mais ao PLS do que o contrário, algo que eu não esperava. No Plano de Licitação Sustentável da UFSM muito do que tem de dados é proveniente da minha dissertação”, reforça. Em relação às compras da UFSM, que funcionam por pregão eletrônico, em que as empresas se inscrevem através do lançamento de editais, o PLS promoveu uma maior rigorosidade nos critérios para que a Universidade adquira itens, de modo que o menor custo não seja o primeiro item analisado, mas passe a ser considerado somente depois de as empresas cumprirem os pré-requisitos presentes no edital. “A durabilidade dos materiais, bem como a economia que os produtos proporcionam a longo prazo permitem que os preços mais caros sejam pagos pelo próprio tempo que a Universidade vai conseguir aproveitar essas compras”, explica Alessandra.

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O Plano é revisitado sazonalmente desde que foi criado, em 2012, alterando-se suas metas, seus objetivos e suas realizações, conforme são analisadas as compras realizadas nos períodos anteriores às análises. Além disso, o plano objetiva construir, formalmente – o que não acontece hoje –, equipes multidisciplinares que garantam não só o cumprimento das regras dos editais, mas também que indiquem quais aquisições são mais sustentáveis a partir de análises técnicas. “A gente tem feito alguns trabalhos, mas são comissões indiretas que atuam nos processos de compras, como as aquisições de lâmpadas LED, por exemplo”, reitera. No ano de 2013, Alessandra finalizou sua dissertação e, a partir dela, o PLS promove diagnósticos que servem à aplicação de práticas sustentáveis na Universidade em diversas áreas. “Meu objetivo era buscar conhecimento para retorná-lo ao local onde eu atuo, para enriquecer a Universidade, e é muito gratificante ver as práticas dando resultados alinhadas à teoria que produzi durante o mestrado”, conta a pesquisadora. a Repórter: Germano Molardi • Diagramação e Ilustração: Giana Tondolo Bonilla

O que são as compras públicas sustentáveis? A garantia de que a aquisição de novos itens para a Universidade, a contratação de novos serviços ou mesmo a execução de obras sejam feitas com base na promoção de um desenvolvimento sustentável, que leve em conta critérios econômicos, sociais e ambientais.


EDITORA UFSM

A Ética como compreensão do outro

Pesquisador da UFSM investiga as implicações da afetividade na moralidade humana a partir da obra de Wilhelm Dilthey

Segundo dados da Organização Internacional para as Migrações, da ONU, existem hoje no mundo cerca de 244 milhões de migrantes, cerca de 3,3% da população mundial. A questão das migrações é considerada uma crise sem precedentes, porque a presença desses contingentes humanos em lugares e culturas distintas implica em processos muito complicados de adaptação – econômica e social. Mas será que a filosofia pode ter algo a nos dizer sobre o tema? O professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFSM Ricardo Bins di Napoli se aproximou desse debate a partir de uma extensa pesquisa sobre a Ética na obra do filósofo alemão Wilhelm Dilthey. Publicado pela Editora UFSM, o livro Ética & Compreensão: a psicologia, a hermenêutica e a ética de Wilhelm Dilthey foi lançado em 2017. Dilthey viveu entre 1833 e 1911, contribuiu com a fundamentação das Ciências Humanas e inspirou o trabalho de diversos pesquisadores importantes, como Max Weber – considerado um dos clássicos da Sociologia. Napoli lembra que, “curiosamente, a Ética foi a parte menos estudada da obra de Dilthey”. Para o filósofo alemão, as ações humanas são envolvidas por aspectos afetivos, de forma que a moralidade humana é definida através da compreensão e da simpatia. “Se, por exemplo, analisarmos a realidade dos conflitos interétnicos europeus atuais, parece-me que princípios racionais universais têm relativa eficácia para orientar a ação humana, porque o ódio contra o estrangeiro presente em conflitos sociais atuais não pode ser afastado simplesmente por uma imposição interna do indivíduo. A lei moral, oriunda da razão, pode obrigar a vontade, o corpo, mas não o ‘coração’, ou seja, a afetividade”, explica Napoli. O filósofo Ernildo Stein, que assina a apresentação do livro, explica que a Ética de Dilthey, estruturada a partir da noção de “compreensão”, pode ser tomada como uma contraposição às concepções dominantes da época – das éticas racionalistas e positivistas: “Temos que ter presente que o século 19 foi envolvido com a Ética kantiana baseada na razão. E como continuação reinou o neokantismo na Alemanha, durante a primeira metade do século 20. A filosofia moral de Kant, no continente europeu, insiste no império da razão e serviu de modelo de grande parte do debate sobre a ética”. Stein ainda lembra que o conceito central de Dilthey é o conceito de vida, que “traz para a ética uma concepção alimentada pela psicologia, pela antropologia, o que implica em trazer para a ética a experiência, a consciência, toda a estrutura dos elementos históricos em que se fundam a cultura e a sociedade”. Nesse contexto,

o desenvolvimento moral de uma sociedade inclui mais do que a razão: são as escolhas dos indivíduos que definirão a sua realização “espiritual”. Além do pensar, entram em cena o sentir e o querer, a busca pela felicidade e a avaliação sobre o que é útil. Para Dilthey, portanto, não seria a razão que comandaria nosso mundo de relações. “A existência humana é passível de ser apreendida apenas quando se toma a vida humana a partir de sua totalidade vivida”, explica Napoli. Ao sugerir a “compreensão” como uma categoria filosófica para o estudo da Ética, Dilthey sugere que as relações sociais se formam a partir de uma historicidade, que antecipa e funda o entendimento entre indivíduos. Para ele, não há Ética sem compreensão. a Repórter: Laura Storch · Diagramação: Giana Bonilla · Ilustração: Pollyana Santoro

editora ufsm

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arte cemiterial Admirador de obras artísticas encontradas em cemitérios, o fotógrafo Beto Fidler produziu diversas imagens sobre a temática

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Para muitas pessoas, os cemitérios são lugares de tristeza, que remetem à solidão e à saudade. Não para o fotógrafo Darci Roberto Trevisan Fidler, que encontra no cemitério uma sensação de paz. Segundo ele, “as obras artísticas do local possuem um valor histórico e qualidades estéticas impossíveis de não serem notadas e apreciadas”. Beto, como é conhecido, formou-se nos anos 2000 em Design Gráfico pela UFSM. Atualmente, trabalha na Universidade como Técnico de Laboratório no curso de Pós-Graduação em Design de Superfície. Dedica-se, ainda, a dar aulas de fotografia no projeto Oficina de fotografia, vinculado ao Espaço Alternativo, da Coordenadoria de

Qualidade de Vida do Servidor (CQVS), da registros: “Dos vários temas e gêneros da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep). fotografia, a arte cemiterial ou tumular me Já são 15 anos de atividades ininterruptas, agrada pela sua estética”, pontua. O estilo voltadas aos servidores, técnicos e docentes, preto e branco das fotografias é, para ele, o ativos e aposentados da UFSM. tratamento ideal para o caráter dramático e a estética do tema. As aulas têm, em média, 20 alunos por turma e abordam temas variados. Beto As fotografias aqui apresentadas foram ensina como fazer uma boa foto, partindo feitas entre 2011 e 2012, no Cemitério da teoria e encaminhando para a prática: Municipal de Santa Maria e no Cementerio primeiro, busca alfabetizar visualmente, de la Recoleta, de Buenos Aires, na Argenpara que os alunos saibam o que é uma tina. A intenção era expô-las na UFSM foto de qualidade; depois, leva o grupo no primeiro semestre de 2013, mas em para fotografar em diferentes lugares. respeito à comoção da comunidade santaHabituado a fazer visitas ao cemitério -mariense devido à tragédia da Boate Kiss, ecumênico de Santa Maria, Beto encontrou, ocorrida em janeiro daquele ano, o projeem meio aos jazigos e mausoléus, obras to ficou reservado a futuras exposições. arquitetônicas e artísticas dignas de seus a Repórter: Sabrina Cáceres · Diagramação: Juliana Krupahtz

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recordações

De motorista a

professor da UFSM por Helio João Bellinaso* Fui motorista, estudante, engenheiro, professor e pesquisador da UFSM, nos trinta anos que lá permaneci. No dia 13 de janeiro de 1966, ingressei como motorista e fui alocado no Setor de Obras. Foi o trabalho naquele setor que me despertou para escolher uma nova profissão: engenheiro civil. Participei dos primórdios das construções da Cidade Universitária, numa época que havia poucos recursos e quase todo o serviço era braçal ou manual. Como motorista, e junto a outros trabalhadores, formávamos um grupo de mais de 1500 valorosos operários. Participei dos bastidores e estive ligado às obras até o final de 1981. Pude acompanhar o início da maioria das construções, sua metodologia, seus personagens e, em razão de meus cargos, pude conhecer a maioria dos dirigentes e operários que, como eu, colocaram a mão na massa, para construir a primeira etapa da Cidade Universitária, quase toda por métodos artesanais. Com minha formatura, em 1975, além de engenheiro, me tornei professor e consegui ter um bom desempenho nas funções que assumi, comprovadas pelas homenagens feitas por alunos ao longo dos 20 anos de docência na UFSM e, após, em outras instituições de ensino onde colaborei até 2006. Quando uma pessoa se afasta do trabalho por idade ou por saúde, abre espaço para outra mais jovem, que aguarda oportunidade. Deixei a instituição em 1996 com a consciência tranquila e a sensação de dever cumprido. Assim, renovam-se os atores e segue-se no caminho do progresso científico e tecnológico. No momento em que entendi o significado da criação da Universidade para a população do interior do estado e principalmente para Santa Maria, fiquei deslumbrado e sempre me senti honrado de poder participar daquela obra. Em 2013, tomei coragem e decidi escrever o livro UFSM, uma luz em nossas vidas, lançado em 2017. Além de esvaziar a cabeça, precisava realizar minha homenagem a um grande número de pessoas, entre eles os apoiadores, os administradores, os engenheiros, os arquitetos, os mestres de obras e todos os operários que foram decisivos para ajudar a solidificar o sonho do grande santa-mariense – para mim o maior – professor José Mariano da Rocha Filho, reitor, idealizador e fundador da UFSM. a Diagramação e Ilustração: Deirdre Holanda

*Helio João Bellinaso é engenheiro civil e professor aposentado da UFSM.

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escritos

Por Henrique Walter Ribeiro*

A Arte, provocativa e volúvel, pediu às Sociedades diversas – em tempos e lugares distintos – que a conceituassem; as Sociedades, presunçosas, baseadas em seus conhecimentos, aceitaram o desafio. Uma a uma as ideias eram quebradas, um a um os argumentos eram invalidados pela Arte. A Arte, incomodativa e desafiadora, ria das empreitadas das Sociedades, e, estas, em um ato desesperado, comum aos que desconhecem, por medo e ignorância, começaram a atacar a Arte. Insultos. Calúnias. Desrespeito. E, por fim, a censura. Contudo, A Arte, sagaz e maleável, sempre contornava a situação. Como a fênix, das cinzas, renascia. Diferente. Estranha. Incisiva. A Arte, hoje, resistência e plural, segue aguardando um conceito, segue questionando, segue propondo, e, sobretudo, aterrorizando àqueles que decidiram conservar dogmas. Esta Sociedade falhou – e, assim como as outras, atacou. Talvez o foco da Arte nunca tenha sido a resposta, E sim a inquietude do processo. Enfim... À Arte: Moça, você é afrontosa! a Diagramação e Ilustração: Giana Tondolo Bonilla

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escritos

*Henrique Walter Ribeiro é acadêmico do curso de graduação em Artes Visuais da UFSM. Busca utilizar a Arte – em todas as suas formas – como ferramenta para extravasar pensamentos.


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