JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL • Nº 11 • MAR/JUL 2020 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
Comunicação Atividade jornalística precisa ser
Ódio nas redes Período eleitoral acirra polarização ideológica e posicionamentos extremistas
equiparada à ciência para que conteúdo tenha qualidade
Fake News Compreenda o fenômeno e conheça soluções para o combate às notícias falsas 1
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CARTA DO EDITOR Acreditamos que a ciência contempla diferentes áreas e não pode ser associada apenas àquelas que trabalham com seres vivos, substâncias ou objetos. As humanidades e as ciências sociais aplicadas produzem conhecimento científico qualificado e ajudam a transformar a sociedade. Partimos da noção de que a universidade representa a universalidade. Por esta razão, buscamos a diversidade de temas e o equilíbrio de pautas. Após busca nas dez edições anteriores, constatamos que as temáticas ligadas à comunicação praticamente não foram abordadas. Nos deparamos com a obrigação de olharmos para o nosso próprio campo com maturidade para levantarmos assuntos relevantes para a comunidade como um todo. A partir daí, o dossiê da 11ª edição começou a surgir. Levamos em conta que as mídias sociais fazem parte do cotidiano de boa parte dos brasileiros. Então, nos voltamos para os problemas causados pelos usos das plataformas sociais. Destacamos três questões para o debate. A primeira é a desintermediação, ou seja, o que ocorre quando não temos mediadores tradicionais para selecionar e verificar as informações. A segunda, decorrência da primeira, a propagação das fake news. A terceira temática, associada às demais, a disseminação do discurso de ódio. Os assuntos do dossiê precisam ser refletidos por todo cidadão, pois indicam com que lidamos com a informação na era das redes e com o comentário do outro. Em ano eleitoral, tudo isto interfere no processo democrático. Para além do dossiê, você vai encontrar cinco matérias especiais. No Extenda, apresentamos que mulheres em privação de liberdade conseguem receber visitas de seus filhos graças ao projeto Inspira. No Diário de Campo, compartilhamos as anotações do doutorado da professora Alexa Coelho, da Enfermagem, sobre autocuidado de recicladores. No Ensaio, selecionamos alguns registros do designer Kenior Rocha com transgêneros. Nos quadrinhos, a repórter Bibiana Pinheiro e a ilustradora Marcele Reis contam como é o projeto que leva a Língua Brasileira de Sinais (Libras) para uma escolha municipal. Temos também uma reportagem sobre golbol e futebol 5, modalidades para pessoas cegas e com baixa visão. Outro destaque é o livro que reúne o escritor Prado Veppo e o artista Eduardo Trevisan. Contamos ainda com contribuições da pedagoga Marizete Pereira, do Ipê Amarelo, nas Recordações, para marcarmos os 30 anos da entidade. Na seção Nossas Invenções, conheça o multicafé, suplemento desenvolvido pelo Laboratório de Biogenômica que pode combater doenças associadas ao envelhecimento. No Como Surgiu, confira a história da cerveja . Em 2019, a Arco passou por mudanças significativas. Investimos na produção de conteúdo para o site e para as mídias sociais. Entre as novidades, está a primeira edição internacional, que traz um compilado de reportagens das dez primeiras publicações e algumas matérias novas. A proposta visa divulgar a universidade no exterior. A todos uma boa leitura. Maurício Dias Editor-chefe da revista Arco
carta do editor
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sumário 07 curiosidades
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Por que o corpo dá choque? É verdade que o cavalo dorme em pé? Poda deve ser feita em meses sem “R”?
COMO SURGIU? Conheça os principais fatos da história da cerveja desde o surgimento na Suméria
08 nossas invenções Estudo testa suplemento à base de café para combater fadiga em pacientes com esclerose
09 EXTENDA Projeto Inspira aproxima mães em privação de liberdade de seus filhos
16 BIODIVERSIDADE Árvores frutíferas podem ser utilizadas para a produção de bonsais
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19 DOSSIÊ Você precisa repensar o uso que faz das mídias sociais?
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filtros Falta de mediadores entre a informação e o público traz prejuízos à credibilidade
FAKE NEWS Aprenda a identificar notícias falsas que causam danos à cidadania
discurso de ódio Internet facilita o acirramento de opiniões e a polarização da sociedade
DIÁRIO DE CAMPO Pesquisadora acompanha catadores de recicláveis para observar cuidados pessoais
ARCO a
Revista de Jornalismo Científico e Cultural da Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria Reitor Paulo Afonso Burmann | Vice-Reitor Luciano Schuch
Conselho Editorial Amanda Eloina Scherer | Professora do Departamento de Letras Clássicas e Linguística Andressa da Silveira | Professora do Departamento de Ciências da Saúde - Campus Palmeira das Missões Beatriz Teixeira Weber | Professora do Departamento de História Daniel Arruda Coronel | Diretor da Editora, Livraria e Grife UFSM Debora Ortiz de Leão | Professora do Departamento de Administração Escolar Eugenia Maria Mariano da Rocha Barrichello | Professora do Departamento de Comunicação Social Flavi Ferreira Lisboa Filho | Pró-Reitor de Extensão
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Isabelle Rodrigues | Representante do Diretório Central dos Estudantes - DCE/UFSM
QUADRINHOS Projeto Mãos Livres ensina Libras para crianças ouvintes do ensino fundamental
18 SOCIEDADE
32 VOLVER
Pessoas cegas ou com baixa visão jogam futebol 5 e golbol na Universidade
Conheça a trajetória profissional e acadêmica da odontóloga Anelise Montagner
33 EDITORA UFSM
34 ENSAIO
Pesquisador destaca a importância da parceria público-privada para o avanço da saúde
Trabalho de Conclusão em Desenho Industrial dá visibilidade aos transgêneros
37 recordações
38 escritos
Pedagoga Marizete Vargas divide lembranças de dois momentos no Ipê Amarelo
Lucas Gutierres mostra, em poema, como as palavras ajudam a lidar com a solidão
Jaqueline Quincozes da Silva Kegler | Coordenadora de Comunicação da UFSM José Neri Gottfried Paniz | Professor do Departamento de Química Lana D’ávila Campanella | Professora do Departamento de Ciências da Comunicação – Campus Frederico Westphalen Larissa Montagner Cervo | Coordenadora da Coordenadoria de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino - Prograd Lucio Strazzabosco Dorneles | Coordenador de Propriedade Intelectual - Aggitec Marcelo Freitas da Silva | Coordenador da Educação Básica, Técnica e Tecnológica Marcia Gonzales Feijó | Professora do Departamento de Desportos Individuais Marilise Escobar Bürger | Professora do Departamento de Fisiologia e Farmacologia Paulo Cesar Piquini | Coordenador da Coordenadoria de Iniciação Científica - PRPGP Raul Ceretta Nunes | Professor do Departamento de Computação Aplicada Rodrigo Josemar Seminoti Jacques | Professor do Departamento de Solos Vanessa Teresinha Alves | Professora da Coordenadoria Acadêmica – Campus Cachoeira do Sul
Expediente Editor-chefe Maurício Dias (MTb/RS 9681) Editora de Produção Melissa Konzen (acadêmica de Jornalismo) Direção de Arte Lidiane Castagna (acadêmica de Desenho Industrial) Fotografias Nathalia Pitol e Kennior Dias (especial) Mídias Sociais Nathalia Pitol (acadêmica de Relações Públicas) Repórteres Andressa Canova Motter, Antônio Inácio de Paula, Bibiana Pinheiro, Érica Baggio de Oliveira, Leandra Cruber, Martina Benedetti Irigoyen, Melissa Konzen, Mirella Joels e Paulo César Ferraz (acadêmicos de Jornalismo) Criação e Diagramação Giovana Marion, Lidiane Castagna, Pollyana Santoro e Yasmin Faccin (acadêmicas de Desenho Industrial), Marcele Reis (acadêmica de Publicidade e Propaganda) Colaboradores Augusto Zambonato (CAL), Kennior Dias (Ensaio), Lucas Gutierres (Escritos), Marcelo De Franceschi (UNIFM), Mãos Livres (tradução para LIBRAS), Marizete Pereira (Recordações), Volnei Matté (CAL) Revisão Alcione Manzoni Bidinoto Revista Arco Telefone e WhatsApp: (55) 99106-7935 E-mail: arco@ufsm.br Site: ufsm.br/arco Facebook: www.facebook.com/RevistaArco/ Instagram: www.instagram.com/revistaarco/ Twitter: twitter.com/revistaarco UFSM | Av. Roraima, 1000 | Cidade Universitária Bairro Camobi | Prédio da Reitoria, sala 345 | CEP 97105-900 Santa Maria – RS | Brasil Distribuição: Gratuita | Tiragem: Cinco mil exemplares Impressão: Gráfica e Editora Relâmpago LTDA
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CHEGOU INBOX!
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Confira mensagens de leitores sobre a décima edição. Fique à vontade para mandar um comentário com as suas dúvidas e sugestões. A sua opinião é muito importante .
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Giliane Bernardi
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A revista ficou linda. Parabéns pelo excelente trabalho de vocês. Abraços.
@RevistaArco @Revistaarco @RevistaArco
Ficou muito legal este volume, o que já é marca registrada desta revista (on line ou impressa). Parabéns a toda equipe pelo trabalho que vocês desenvolvem.
Professora do Departamento de Computação Aplicada CT - Via e-mail
Elgion Loreto
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Leitura prazerosa ... trabalho cuidadoso e de qualidade ... assim nos proporciona a equipe da Revista Arco.
Amanda Scherer Professora do Departamento de Letras Clássicas e Linguística do CAL - Facebook
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chegou inbox!
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Estudante - Direct do Instagram
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Professor do Departamento de Bioquímica e Biologia do CCNE - Via e-mail
Essa edição está sensacional! O projeto gráfico está lindo! Parabéns!
Dherik França
(55) 99106 7935 arco@ufsm.br www.ufsm.br/arco
A publicação é primorosa. Em primeiro, o zelo editorial a coloca no rol das principais revistas de comunicação científica do país. Em segundo, adota uma perspectiva que instiga o leitor e, por isso, estimula a crítica e a inovação. Em terceiro, trata-se de uma revista investigativa, com investimento em jornalismo de qualidade. Não é comum em publicações desse tipo. Parabenizo a equipe da Revista Arco e a Universidade Federal de Santa Maria pelo trabalho de altíssima qualidade.
João Alexandre Peschanski
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Professor de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero Supervisor de Comunicação do CEPID NeuroMat/FAPESP - Via inbox do Facebook
O cavalo só dorme em pé? Dizem que o cavalo dorme em pé e que só deita quando está mal de saúde. De fato, o cavalo dorme em pé, mas ele também pode se deitar e isso não significa que está doente. Anatomicamente, o equino consegue dormir assim devido aos ligamentos chamados suspensores do boleto. Os ligamentos são capazes de fixar as articulações das pernas, impedindo-as de se dobrarem enquanto está dormindo. Porém, isso não impede que o cavalo durma deitado. Segundo a especialista em Equoterapia e psicóloga Fabrine Flôres, dormir em pé é uma forma de defesa do animal, que estaria pronto para escapar diante da ameaça. A especialista ressalta que o equino só se deita para dormir quando sente que está seguro.
curiosidades
vOCÊ SABIA?
é verdade que...? poda de árvores somente em meses sem a letra r?
O corpo dá choque? O corpo humano é capaz de dar choques, sim! Conforme o professor e tutor do Programa de Educação Tutorial do curso de Física, Leandro Barros da Silva, todas as partículas que compõem a matéria têm uma carga elétrica - nula, positiva ou negativa. Quando os corpos são neutros, significa que existe quantidade igual de carga positiva e negativa. Entretanto, o equilíbrio pode ser desfeito. Quando caminhamos sobre o tapete, por exemplo, parte dessa carga pode ser movida para o objeto e podemos ficar com quantidade maior de carga positiva ou negativa. “Eventualmente, se a pessoa que está carregada eletricamente tocar em outra pessoa ou objeto que está conectado à terra, esse excesso de cargas vai escoar e ir para a terra. Daí, surge a sensação de escoamento, que é o choque”, explica.
Entre os saberes populares, é dito que as árvores só devem ser podadas em meses sem a letra “R”, ou seja, em maio, junho, julho e agosto. Será que faz sentido? As árvores têm um ciclo e precisam ser podadas para que se desenvolvam e produzam frutos e flores. Diz a lenda que, nos meses sem a letra "R", as plantas dormem e podem ser manejadas sem que sintam dor. Assim, brotariam mais saudáveis, com força e vigor. Na verdade, trata-se da “poda programada”. De acordo com a bióloga Daiane Gaiger, é o período ideal para a cicatrização da planta, além de apresentar melhor rebrote. a Reportagem: Leandra Cruber e Martina Irigoyen Diagramação e ilustração: Marcele Reis
A cada edição, a seção Curiosidades responde àquelas questões que você sempre quis saber se eram mitos ou vedades e conta histórias singulares sobre a UFSM Mande a sua dúvida ou conte a sua história curiosa relativa à UFSM para nós: arco@ufsm.br.
curiosidades
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Nossas invenções
café da
longevidade Suplemento inspirado na dieta amazônica, desenvolvido na UFSM, pode combater doenças associadas ao envelhecimento Há dez anos, a bióloga e professora Ivana Beatrice Mânica de Cruz começava a pesquisar os frutos amazônicos. No Laboratório de Biogenômica da UFSM, ela testou hipóteses sobre a relação existente entre os genes e o ambiente. Mais especificamente, a professora procurou compreender como os alimentos da Dieta Amazônica agem sobre o envelhecimento humano e doenças associadas. A partir daí surgiu o Multicafé, suplemento natural com função antioxidante, anti-inflamatória e antifatigante. O composto auxilia no tratamento de doenças como a esclerose múltipla e foi desenvolvido a partir de estudos multidisciplinares de pesquisadores que integram a equipe do Laboratório, como Verônica Azzolin, doutora em Farmacologia, e Douglas Sato, neurologista do Instituto do Cérebro, em Porto Alegre. O Multicafé tem como base um dos frutos mais famosos do Brasil, consumido em larga escala pelas populações ribeirinhas: o guaraná. A combinação é misturada ao pó de cappuccino para que os pacientes bebam diariamente no café da manhã.
Segredo dos ribeirinhos Após observar a longevidade das populações ribeirinhas do Amazonas, a professora estabeleceu hipóteses para compreender a relação entre o consumo do guaraná e a longevidade. Os ribeirinhos têm dificuldade de acesso à saúde, tanto na prevenção quanto no tratamento. Além disso, o desmatamento e a mineração, que se intensificaram na região, são nocivos devido à contaminação por mercúrio. No entanto, Ivana percebeu algumas questões curiosas. “O que chamou a nossa atenção é que, entre os idosos de Maués, a capacidade neurológica era muito preservada. Assim como a baixíssima prevalência de depressão, altíssima capacidade funcional associada ao equilíbrio, a preservação dos olhos e a memória bastante aguda”, conta. A cidade de Maués é reconhecida por ter uma das maiores expectativas de vida do Brasil e por ser o local em que os indígenas Sateré-Mawé domesticaram o guaraná. A partir das constatações, a alimentação começou a ser pautada como grande influenciadora na saúde dos idosos ribeirinhos. A dieta dos amazonenses tem origem pré-colombiana e é rica em frutas, peixe, mandioca e derivados. Enquanto isso, em boa parte do Brasil, a alimentação herdada dos portugueses está baseada no trigo e no açúcar. Essas observações despertaram a curiosidade de outros pesquisadores, que sugeriram ao Laboratório de Biogenômica a produção de um suplemento. Nesse sentido, a criação do Multicafé tem forte relação com a longevidade. “Sabemos que o envelhecimento faz parte do nosso desenvolvimento biológico; assim, não podemos pará-lo. No entanto, é possível acelerar ou desacelerar o envelhecimento. Por consequência, também desacelera o ritmo das disfunções e até doenças crônicas”, diz. Assim, o suplemento tornou-se também alternativa para melhorar a qualidade de vida de quem sofre de doenças degenerativas. Como o Laboratório de Biogenômica não realiza testes em humanos, foram estabelecidas parcerias com o Instituto do Cérebro da PUCRS e com o Tokyo Metropolitan University. Nesses dois locais são feitas avaliações com idosos que consomem o suplemento diariamente. Por ainda estar em processo de patenteamento, apenas mais um de seus ingredientes foi revelado: o selênio da castanha-do-Pará. a Reportagem: Leandra Cruber Diagramação e ilustração: Yasmin Faccin
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Nossas invenções
Extenda
uma pausa na distância Projeto Inspira reúne mães em privação de liberdade e seus filhos para tarde de atividades “Logo, juntos novamente”. Essa frase aparece acompanhada de corações com as iniciais de mãe e filho que participaram do encontro do mês das mães do Projeto Inspira. A esperança de estarem lado a lado em breve é um sentimento recorrente entre mulheres em privação de liberdade e seus filhos. O projeto é uma parceira entre a Polícia Federal (PF), a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O cantinho da beleza oferece cortes de cabelo para os filhos das detentas. Os participantes do projeto brincam com as crianças, jogam bola, pulam corda e fornecem outros brinquedos. Os colchonetes dispostos no chão servem não apenas para sentar confortavelmente, mas também para serem abrigo do abraço de quem não se vê há muito tempo. Os encontros ocorrem três vezes por ano, próximo ao Dia das Mães, Dia das Crianças e Natal. Os dois primeiros acontecem na sede de treinamento da Polícia Federal, já o último é no Presídio Municipal de Santa Maria. Cerca de 15 mulheres são retiradas da penitenciária e acompanhadas pelos agentes do local. A PF realiza o transporte das crianças até a sede. O número de participantes é limitado, pois exige pagamento de hora extra para os agentes, e as mulheres que participam são escolhidas de acordo com parâmetros internos. No evento de fim de ano não há auxílio de transporte; as crianças são levadas ao presídio pelos seus responsáveis. Os cursos da UFSM também contribuem para o projeto. Uma equipe de Odontologia ensina técnicas de escovação e profilaxia dentária. Os acadêmicos de Dança e Educação Física também já realizaram atividades nos encontros. O HUSM participa com a realização de vacinação e, mais recentemente, com atendimento oftalmológico. O primeiro Inspira de 2019 também contou com alunos do curso de Serviço Social e com cobertura jornalística do HUSM. As atividades entre mães e filhos não são programadas para que eles possam protagonizar o encontro. As professoras Graziela Escandiel e Márcia Paixão, do curso de Pedagogia, participam do
projeto Inspira desde o início e pesquisam sobre sistema prisional, vulnerabilidade, mulheres e filhos. Graziela enfatiza: “Esses envolvimentos não podem passar assim. A gente brinca com as crianças, ajuda com que eles fiquem bem naquele dia. Pensamos que podemos fazer mais do que isso, participar de outra forma disso que não seja só pontualmente no evento”. O projeto pretende se aprofundar nas temáticas e promover oficinas na Universidade e nas escolas. “As pessoas não conversam sobre prisão”, afirma Márcia. A ex-detenta Katiuscia Machado, que participou do Inspira desde a primeira edição, mãe de uma criança de 12 anos, comenta que se sentia muito feliz quando estava próximo da data, porque veria seu filho. “Minha mãe só deixava eu vê-lo em dias de Inspira porque ele não gostava de passar pelos procedimentos que a casa exigia”. Ela define o reencontro como “o dia meu e dele mais feliz”. O Inspira é um convênio com o auxílio da Pró-Reitoria de Extensão da UFSM (PRE) e do Observatório de Direitos Humanos (ODH) e possui esse nome por ser um momento de “inspiração”, para respirar fundo e manter-se firme. A integrante do ODH Jaciele Sell comenta sobre uma criança de três anos que foi beneficiada pelo projeto do container oftalmológico e agora usa um óculos colorido. “Ele ganhou do projeto do container de trás do HUSM. Provavelmente iria demorar mais para perceber que ele tinha problema oftalmológico, mas, no Inspira, foi o momento de diagnosticar”. Quando alguma disfunção odontológica ou oftalmológica é detectada, as crianças passam a ter acompanhamento dos profissionais de saúde da UFSM. A assistente social da Susepe, Rosaura Freitas, comenta que o projeto é bastante divulgado pelo site da Polícia Federal e que isso gerou uma rede de continuidade. Por conta disso, a PF de Santa Cruz do Sul resolveu fazer sua versão do Inspira. a Reportagem: Mirella Joels Fotografia: Nathalia Pitol Diagramação e ilustração: Yasmin Faccin
extenda
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a favorita Seja em casa ou no bar com os amigos, a cerveja está presente em diversas ocasiões. Mas você sabia que a bebida alcoólica mais consumida no mundo surgiu na mesma época da invenção da roda? a Reportagem: Paulo César Ferraz Diagramação: Pollyana Santoro e Yasmin Faccin Ilustração: Yasmin Faccin
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descoberta
pagamento
alucinação
LÍQUIDO SAGRADO
primeira pilsen
A cerveja surgiu, por acaso, há 6 mil anos. Na época, as mulheres sumérias - que habitavam a região do Iraque - cuidavam da colheita do trigo. Um dia esqueceram sementes na chuva. O insumo molhado germinou e deu início à malteação, processo em que são produzidas enzimas para a fabricação da cerveja.
No Antigo Egito, o consumo da cerveja estava na base alimentar da população. Além da receita tradicional, os egípcios adicionavam especiarias à bebida, como ervas, mel, raízes e frutas, usadas como aromatizantes. Durante a construção das pirâmides de Gizé, os trabalhadores eram pagos com comida e bebida.
Os babilônios adicionavam ervas alucinógenas e afrodisíacas à cerveja, considerada sagrada por conta da fermentação espontânea e dos efeitos alcoólicos. A bebida era usada em cultos religiosos como forma de aproximação entre os humanos e as divindades. Além disso, o consumo estava ligado ao ato sexual.
Na Idade Média, monges faziam cerveja. O consumo ocorria nos jejuns - quando líquidos sem excesso de álcool eram tolerados. Naquela época, o lúpulo foi adicionado pela primeira vez à bebida. A responsável foi a monja Hildegarda de Bingen, autora de livro que apresentou a planta como conservante.
Até a Idade Contemporânea, a cerveja não tinha padrão de qualidade. Em 1842, a cervejaria Bürger Brauerei, de Plzen, na República Tcheca, contratou Josef Groll como mestre-cervejeiro. Ao usar água com poucos minerais do subsolo da cidade e lúpulo da variedade saaz, Groll criou a Pilsner Urquell.
Como surgiu?
ale e lager
Ao redor do mundo
Existem duas grandes famílias de cerveja: Ale e Lager. Antes da refrigeração, a maior parte era Ale - fermentada em temperaturas acima de 15°C. Após, as do tipo Lager - fermentadas em temperaturas que variam de 6°C a 13°C - passaram a ser produzidas em massa ao redor do mundo.
Cada região faz a bebida conforme ingredientes locais. Na Amazônia, tribos produzem o caxiri, cerveja de mandioca. No Peru e na Bolívia, é feita a chicha, que leva milho mastigado. Na China, adicionam-se trigo e sorgo; na Rússia, centeio; e no Japão, o arroz.
é ciência
refrigeração
lATINHA de flandres
bebida saudável
redução de custo
A fermentação da cerveja só foi compreendida na década de 1860 por Louis Pasteur. O professor universitário descobriu, com o uso do microscópio, as leveduras, microorganismos responsáveis pelo fenômeno químico. Ele também desenvolveu a pasteurização, técnica de esterilização a partir do aquecimento a 48°C.
No final do século XIX, a indústria cervejeira se consolidou, impulsionada pela criação da refrigeração artificial pelo alemão Carl Von Linde. A inovação permitiu que a bebida fosse produzida em qualquer época do ano e em qualquer região do mundo. Von Linde também revolucionou a produção da bebida tipo Lager.
Em 1935, a cervejaria Gottfried Krueger Brewing apresentou as primeiras 2 mil latas da bebida à população de Richmond, Virgínia. Os recipientes eram de flandres, liga de ferro, aço e estanho. Os consumidores reclamavam do gosto. A latinha de alumínio surgiu em 1959, com pesquisas da Adolph Coors Company.
Já pensou se a cerveja fosse benéfica para a saúde? A pesquisadora Clarissa Obem testou o poder antioxidante da erva-mate na fabricação da gelada. A bebida, com cor e aroma diferenciados, ajuda a neutralizar o envelhecimento das células. A pesquisa foi feita no mestrado em Ciência e Tecnologia dos Alimentos.
No doutorado, Clarissa estuda como usar madeira brasileira na maturação da cerveja - fermentação em baixa temperatura. Em conjunto com o Laboratório de Química da Madeira, a pesquisadora selecionou árvores, como angico e pitangueira - mais acessíveis que o carvalho, proveniente do exterior.
Como surgiu?
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Pesquisadora realiza imersão na rotina de catadores em galpões de reciclagem para pesquisar sobre condições de trabalho e vulnerabilidade
Os catadores são profissionais que recolhem, transportam e encaminham materiais para reciclagem. Esta profissão é reconhecida pelo Ministério do Trabalho desde 2002, mas as condições precárias e cheias de risco são temas de discussão para a área da saúde. Em 2018, a professora Alexa Pupiara Flores Coelho, do Departamento de Ciências da Saúde, do campus de Palmeira das Missões, defendeu a tese Autocuidado de catadores de material reciclável: estudo convergente-assistencial. Em um diário de campo, a pesquisadora registrou relatos de 19 catadores de materiais recicláveis das
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diário de campo
associações Esmeralda e Diamante*, entre agosto e setembro de 2017. O estudo foi desenvolvido em parceria com o grupo de pesquisa Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem, da UFSM. A pesquisadora se inseriu na rotina dos catadores a partir da observação sistemática participante, que consiste em vivenciar a experiência como parte do grupo. Além disso, os relatos do estudo foram obtidos a partir de entrevistas semiestruturadas realizadas entre setembro de outubro de 2017 e em oficinas sobre autocuidado. *nomes fictícios
O caminho até a reciclagem “Eu estudei até a segunda série. Naquela época, não tinha muito recurso. Meus pais moravam pra fora e nem se importavam. O colégio era longe, a gente só ia quando podia. Daí, não tinha como acompanhar a turma.” Luana
“Eu era noiva. Trabalhava de babá. Depois, me disseram que não podiam me pagar mais. Como eu conhecia a [coordenadora da Esmeralda], eu disse “vê se arruma uma vaga para mim”. Porque eu tinha que fazer alguma coisa. O pai da criança me deixou, me faltava fralda e leite.” Fia
“Eu criei os meus filhos puxando carrocinha. Até eles ficarem grandes. Meu ex-marido não tinha trabalho, aí ele trabalhava na reciclagem. A guria tinha dois anos.” Marlene
“Eu só ficava em casa, levava as crianças para o colégio, limpava as coisas e fazia comida. E precisava de um dinheirinho. E daí, eu vim pra cá trabalhar com as gurias.” Eva
Dupla jornada Verifico nos diálogos dos trabalhadores aspectos relacionados ao trabalho feminino. Muitas referem sobrecarga com o trabalho doméstico e como isso afeta seu bem-estar. Muitas catadoras são responsáveis pela criação e sustento dos netos, de filhas gestantes, sendo notória a ausência da figura masculina na realidade da maior parte destas mulheres.
Vulnerabilidade Grande parte destas pessoas possui questões familiares complexas: filhos dependentes de drogas ou envolvidos com o tráfico; filhos em privação de liberdade; gravidez indesejada; violência doméstica. Observo que a vulnerabilidade é um campo extenso, que não se restringe ao trabalho.
Trabalho exaustivo Além de demandar posição em pé durante o dia inteiro, manuseio e mobilização de peso, realização de esforço físico e movimentos repetitivos, o trabalho, muitas vezes, é monótono.
Risco constante O ambiente é repleto de riscos e os ‘quase-acidentes’ são frequentes. No entanto, não os pude associar a algum déficit de autocuidado. Observo que existem tantos riscos intrínsecos ao ambiente e à natureza do trabalho que é possível que os trabalhadores tenham pouca governabilidade para evitá-los.
Dificuldades em estar no galpão O clima estava abafado e a temperatura muito elevada. Todos sofriam muito com a temperatura dentro do galpão, inclusive eu. A sensação era de esgotamento e sufocamento. O corpo doía e, seguidamente, eu precisava ir ao refeitório para me sentar e beber água. Em determinado momento, uma trabalhadora disse que não estava se sentindo bem. Levei-a ao refeitório, fiz com que ela se sentasse confortavelmente e dei-lhe água fresca.
Conquista de bens materiais “Eu tinha doze anos. Era só eu e a mãe. Daí, eu comecei a trabalhar e estudar. Ganhava pouquinho, às vezes tirava R$ 12 numa semana. E conquistei bastante coisa dentro da reciclagem. Minhas coisas, meu carro, minha moto. Viagem. Foi bom, não posso me queixar.” (Johnny Cash)
“Às vezes eu queria comer alguma coisa, comprar alguma coisa. Tudo que eu quero agora, eu consigo trabalhando. Eu tenho as coisas, não dependo do pai, da mãe.” (Fernanda)
Empoderamento e autonomia “Quando eu cheguei aqui, eu estava bem doente dos nervos, e eu mudei bastante, depois que eu comecei a trabalhar. Eu comecei a me sentir melhor, comecei a me sentir útil.” (Marlene) “Não sabia que eu tinha condição de trabalhar numa associação. Eu era dona de casa, mãe. Depois que veio a crise, eu tive que trabalhar fora. Daí eu fui ver, “pô, eu posso estudar”. Fui fazer EJA, primeiro grau, segundo grau. Então é uma divisão bem clara. Antes, uma água parada. Depois, uma água turbulenta, agitada.” (Simoniti)
Perigo, lixo contaminado! Tenho observado, dentre os materiais recicláveis, objetos como fitas utilizadas na verificação de glicemia capilar contaminadas com sangue; seringas de administração de insulina; perfurocortantes em geral; papel higiênico contaminado; lixo orgânico de todo o tipo; animais em decomposição. Além disso, o material reciclável contém, frequentemente, urina e fezes de cães, gatos e ratos, os quais circulam livremente no galpão. “Todo mundo fala material seletivo, mas vem do lixo. A gente trabalha com lixo. O lixo dos outros.” (Madalena) “Eles não têm noção de que quem trabalha aqui é humano. Nós cansamos de pegar agulha com seringa, papel higiênico, gato morto. Fiz exame e o doutor acha que eu estou com hepatite. E onde que eu peguei?” (Marlene)
Remédio pra que te quero?! Ao longo da observação, tenho recebido, diariamente, um conjunto de queixas de desvio de saúde dos trabalhadores. No entanto, na maior parte das vezes, a dor é a queixa recorrente. Sobretudo, dores nos membros inferiores e na coluna, para as quais eles se automedicam, geralmente, com medicamentos orais à base de paracetamol.
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“Têm dias que eu me levanto, assim... Sabe aquela música que as crianças cantavam, fazendo rodinha, do boneco de lata, desamassa aqui, desamassa ali… Eu fico pensando naquela música. Eu levanto assim, com dor.” (Joana, NG)
Além de pesquisadora, enfermeira Percebo que os trabalhadores me reconhecem muito mais como enfermeira do que como pesquisadora e, seguidamente, recorrem a mim com dúvidas e questionamentos sobre saúde, doenças e ações de autocuidado. Seguidamente, debatem sobre determinado assunto e me chamam para fornecer informações profissionais. Porém, o mais comum é me procurarem para mostrar hemogramas, resultados de exames ou relatar alterações clínicas, pedindo minha opinião. Alterações no ciclo menstrual, doenças de familiares e cuidados com diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e doenças cardiovasculares são os principais motivos pela procura por mim.
Cuidado de si Uma trabalhadora que atuava na prensa referiu que sente ressecamento e ardência na mucosa das vias aéreas superiores e perguntou para mim qual poderia ser a razão. Perguntei se já houve sangramento nasal e ela referiu que sim e em grande quantidade. Orientei que poderia ser em decorrência da aspiração de partículas de papelão e do pó de cimento do chão. Ela referiu que costuma inalar vapores de folhas de eucalipto, e que isso costuma aliviar o desconforto.
Bem alimentados Chamou-me a atenção que os trabalhadores primam por uma boa refeição ao meio-dia. No almoço, há quase sempre arroz, macarrão, feijão, carne e algum tipo de legume cozido ou salada. Eu sempre almoço com os trabalhadores e a comida é muito saborosa.
Necessidade de lazer Durante uma reunião entre as associações, foi debatida a possibilidade de trabalhar aos sábados, visando ao aumento da produtividade. O grupo foi unânime em manter os sábados de folga, visando ao descanso e ao tempo livre com a família. Uma das trabalhadoras argumentou que, para ela, saúde e bem-estar é ter tempo para cuidar de si, da casa e de poder conviver com amigos e família. “Quando está muito puxado, eu faço questão de pescar. Eu gosto, o meu guri sabe disso. Ele sempre diz: mãe, tu já está pirando, vamos pescar, daí eu digo vamos.” (Simoniti)
Espiritualidade No intervalo do meio-dia, eu estava conversando com um grupo de trabalhadoras em relação à espiritualidade. Uma delas referiu como a espiritualidade havia cumprido o papel de amenizar sentimentos e sensações negativas, como o estresse, a ansiedade e o sofrimento. Referiu que seu investimento pessoal nisso havia começado pela leitura de um livro encontrado por acaso no material reciclável, intitulado “Violetas na Janela”. “Eu tenho um hábito de chegar em casa, e eu tenho cinco minutos que duram meia hora. Que eu sento e eu entro na 'caixinha do nada'. Eu não penso em nada. [...] é o tempo que eu levo para desligar, para relaxar.” (Simoniti)
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diário de campo
Então, a gent amor própri alguma coisa dicando, a ge mudar . . . E me sentir m mecei a me . . . Eu criei lhos puxand
te tem que ter io. Se vê que a está prejuente tem que Eu comecei a melhor, coe sentir útil os meus fido carrocinha.
Não aceite garrafa de estranhos “Eles [colegas] comem muita porcaria que vem no reciclável. Eles estão ali na esteira, daí rasgam um saquinho, veem que tem bolacha e saem comendo. Não sabem nem há quantos anos estava aquele saquinho ali, nem se algum bicho passou por ali.” (Fia) “Não lavam as mãos nem para comer. E daí tu pega a toalha e tu vê as marcas ali, porque não foi lavado direito. Se tivesse bem limpinha [mão], secava e não ficava a marca. Pode pegar uma bactéria. Quanta mulher aqui tem infecção urinária?” (Fia)
CUIDADOS e AMOR PRÓPRIO “[...] a gente tem que amar a gente mesmo. Eu bebia, eu fazia mal pra mim [...] Então, eu percebi que eu tinha que gostar mais de mim, e parei. [...] Então, a gente tem que ter amor próprio. Se vê que alguma coisa está prejudicando, a gente tem que mudar. [...]” (Joana)
PERGUNTA Então, vocês concordam que o autocuidado é ir ao posto de saúde? Que é apenas assim que vocês podem cuidar de si mesmos? Haveria mais alguma coisa possível, além de ir ao posto de saúde? “É se cuidar. Fazer coisas que não te agridam, ou que vão te ferir, te magoar, te machucar.” Simoniti, NG “Prevenção.” Paloma, NG “Se avaliar. Ter um cuidado de como que está a tua saúde.” Sônia, NG “Eu acho que é se cuidar e cuidar dos outros. O trânsito é um bom exemplo. Tem que se cuidar e cuidar dos outros. Para não se machucar, e para a outra pessoa também não se machucar.” Johnny Cash, NG “Quando a gente está empurrando um fardo e vê que o colega não está dando conta de empurrar sozinho, ir lá e auxiliar. [...] Eu acho que isso é autocuidado. Tu está te cuidando e cuidando dele também. [...]” Simoniti, NG [...] enquanto a trabalhadora preparava o almoço, questionei o que ela pensava sobre o trabalho que eu havia feito com o grupo e, em especial, se havia surtido alguma mudança. Ela respondeu-me que algumas coisas haviam mudado. Disse que os trabalhadores estavam higienizando as mãos, conforme haviam praticado na oficina. A trabalhadora destacou que a maior mudança havia se dado no relacionamento entre os membros. Após os grupos de convergência, havia um clima de paz entre as associações. Em visita ao galpão, hoje, encontrei-o bastante organizado. Percebi que havia poucos recicláveis no chão, o que facilitava muito o trânsito. Descobri que há um trabalhador responsável pela organização, limpeza, carregamento dos recicláveis e auxílio aos demais colegas, conforme foi falado em ocasião do grupo de convergência. No entanto, percebi que alguns trabalhadores seguem atuando sem luvas. a Reportagem: Mirella Joels Diagramação, ilustração e lettering: Lidiane Castagna
diário de campo
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Árvore na bandeja Agrônomo acelera produção de frutíferas como a jabuticabeira com técnica milenar
b Bonsai significa árvore na bandeja. A técnica foi usada pela primeira vez na China, há cerca de 2 mil anos, para embelezar casas e mosteiros. Mais tarde, no Japão, o bonsai evoluiu ao estado de arte e foi difundido mundialmente. Essas pequenas árvores são estudadas na UFSM por Marcelo Hernandes, que faz Engenharia Florestal. Bonsaísta há 20 anos e formado em Agronomia, o acadêmico avalia a produção de jabuticabeiras na forma de bonsai utilizando a alporquia - método assexuado para desenvolver raízes nos galhos de uma árvore-matriz para, posteriormente, gerar uma nova planta. Segundo Marcelo, na natureza a jabuticabeira pode levar de 8 a 12 anos para atingir a maturidade fisiológica e gerar flores e frutos. Com a alporquia, os resultados podem ser obtidos em torno de dois anos, visto que o galho com raízes é retirado da matriz já madura. O agrônomo espera que, no futuro, produtores também consigam acelerar a produção de mudas e obter frutos em curto prazo a partir dessa técnica.
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miniatura idêntica Se um bonsai for plantado no chão, crescerá até o tamanho natural da espécie. Isso acontece porque as características fisiológicas permanecem as mesmas. O vaso, porém, limita o crescimento da planta. Além disso, as folhas do bonsai são menores que as da árvore grande. A flor e a fruta continuam da mesma proporção.
Vida milenar O tempo de vida de um bonsai varia conforme as características fisiológicas de cada planta. Segundo a Classificação Sucessional das Espécies, as árvores definidas como primárias têm, entre outras particularidades, expectativa de vida de uma a duas décadas. Já as secundárias iniciais podem chegar a 30 anos de vida. Quanto às árvores secundárias tardias, o tempo de vida pode durar até um século. Já as árvores clímax são as que mais vivem, podem alcançar séculos ou até milênios. Quando um bonsai é feito a partir de uma árvore matriz, já desenvolvida, sua idade é igual a da planta que o gerou.
planta de dinheiro a
O preço de um bonsai varia de acordo com diversos fatores, como a idade da planta: quanto maior o tempo de vida, maior o preço. Outras características que garantem a valorização do trabalho são: a raridade da espécie; a estilização feita pelo bonsaísta; e a qualidade do vaso em que a planta está, que pode ser feito com materiais mais simples como plástico ou mais elaborados como a cerâmica. Os bonsai artísticos, trabalhados por bonsaístas durante um tempo maior, podem ser vendidos por milhões de reais, dependendo de cada trabalho. Já os bonsai comerciais são produzidos em larga escala, vendidos por algumas centenas de reais e com menor tempo de trabalho.
O VASO Os vasos são escolhidos a partir da estatura de cada árvore. Geralmente, o tamanho do recipiente é de dois terços da altura ou da largura da planta. As árvores frutíferas se desenvolvem melhor em vasos mais fundos, com mais terra e mais nutrientes.
b O SUPORTE Entre as técnicas usadas em bonsai para alterar a aparência das árvores, está a aramação. O método é feito durante a dormência da planta, e os arames servem para moldar os galhos de acordo com o desejo do bonsaísta
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Período de dormência Durante as épocas mais frias, as árvores entram em um estado de dormência, quando ficam paralisadas. Com a chegada do inverno, essas plantas diminuem o metabolismo, param de crescer e perdem folhas. Após esse período, à medida que as temperaturas aumentam, a árvore volta a crescer e gerar folhas e frutos.
A TERRA Cada planta necessita de um tipo de solo diferente. Nas frutíferas, a terra é mais fértil e mais ácida. Já no cultivo de pinheiros e arbustos do tipo juniperus, por exemplo, o solo precisa ser mais alcalino e arenoso. Além disso, é comum o uso de musgo, que serve como gramado para ajudar na retenção de líquido.
Cuidado com as raízes Ao contrário da árvore na natureza, o bonsai não tem área vasta para crescer, visto que o vaso limita a planta. Por isso, no início de cada primavera - ou em um intervalo de dois anos - é feita a poda das raízes. O bonsaísta retira a árvore do vaso, troca o substrato e elimina as raízes envelhecidas. Assim, a planta permanece com raízes mais novas e mais eficazes para a alimentação.
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a Reportagem: Paulo Cézar Ferraz Diagramação e Fotografia: Pollyana Santoro Ilustração: Pollyana Santoro e Lidiane Castagna
Faça o seu próprio bonsai
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Escolha a muda da planta.
Pode as raízes de acordo com o vaso escolhido.
Faça a aramação dos galhos.
Acrescente substrato ao vaso e coloque a planta.
Espere a muda se desenvolver, realize outra poda de raiz e troque o substrato.
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Inclusão nas quadras Futebol 5 e golbol oportunizam que pessoas cegas e com baixa visão sejam mais ativas Quem disse que cego não pode jogar futebol? Na UFSM, existem duas modalidades que lembram o esporte mais popular do país: futebol 5 e golbol. Ambas permitem que cegos e pessoas com baixa visão possam bater uma bolinha, deixar de lado o sedentarismo e socializar com outros jogadores. As modalidades são praticadas com uso de recursos que estimulam a audição, como bola com guizo, ou o tato, a partir das marcações em relevo na quadra. Enquanto o Futebol 5 é a versão adaptada da convencional, com cinco jogadores de cada lado, o golbol ou goalball é um esporte diferente, com bola semelhante à de basquete e dois times de três jogadores. No golbol, vale se agachar e até deitar para defender as investidas adversárias. Em Santa Maria, as duas modalidades são oferecidas, desde 2010, pelo Núcleo de Apoio e Estudos da Educação Física Adaptada, com apoio da Associação de Cegos e Deficientes Visuais de Santa Maria (ACDVSM). “O desafio é a individualidade”, explica a professora Luciana Palma, idealizadora e coordenadora do projeto, sobre como atender a singularidade de cada jogador. Independentemente dos obstáculos, a proposta possibilita a inclusão a partir da prática desportiva. “Eu conheço muita gente que é deficiente visual e passa muito tempo em casa. Esse tipo de projeto faz com que saiam da zona de conforto”, observa o professor de ensino fundamental Daverlan Dalla Lana, 26 anos, atleta das modalidades.
socialização O futebol 5 e o golbol estimulam a socialização, o desenvolvimento pessoal e a prática desportiva. A professora Luciana salienta que a comunicação clara e objetiva entre os praticantes é fundamental para que se tenha compreensão dos lances e se jogue com segurança.
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Além de acabar com o comodismo, a participação nos projetos ainda é sinônimo de vencer desafios diários. “Nesse momento, e garanto que vai ser para o resto da minha vida enquanto eu puder treinar, é muito importante poder participar de um esporte, estar incluído em uma atividade em que eu possa me sentir bem”, conta Ester Giuliani, 22 anos.
Modalidades O golbol tem dois times com três jogadores. A quadra tem marcações em alto relevo para auxiliar na localização e a goleira, com 9m X 1,30m, mais larga que a do futebol. Vendados, de joelhos, os participantes devem impedir que a bola chegue até a goleira. O esporte foi criado pelo austríaco Hanz Lorezen e pelo alemão Sepp Reindle, para os veteranos que perderam a visão durante a Segunda Guerra. A modalidade é paraolímpica desde 1984. Nela, a equipe masculina do Brasil conquistou a prata, em 2012, em Londres. Já o Futebol 5 tem dois times de cinco pessoas, quatro vendadas e o goleiro, com visão total. São colocadas barreiras nas laterais para evitar que a bola saia da quadra. O esporte também conta com um “chamador”, posicionado atrás do gol adversário, para orientar o ataque, as cobranças de falta e de pênalti. Ambas as modalidades são praticadas em locais sem eco e em total silêncio. A torcida pode se manifestar somente quando a bola está fora do jogo. Em função do alto custo dos materiais oficiais, as atividades são realizadas, na UFSM, com equipamentos improvisados, como barbantes sob fita no lugar das faixas de alto relevo do golbol, e goleiras feitas com cones e cordas. a Reportagem: Érica Baggio de Oliveira Diagramação: Lidiane Castagna Fotografia: Nathalia Pitol
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Mídias Sociais O brasileiro gasta, em média, 9h17 do seu tempo diário com diferentes atividades online. Do total, 3h31 são dedicadas às mídias sociais. O país só perde para Filipinas e Colômbia neste quesito. Os dados são da pesquisa We Are Social 2020, da Hootsuite. O levantamento mostra que mais de 66% dos brasileiros têm perfis ativos em plataformas sociais. O grande intervalo de tempo está associado com excesso de informação. Por não saber lidar com tanto conteúdo em diferentes formatos, as pessoas mesmo sem querer acabam adotando a economia da atenção. Isto é, não se detêm o suficiente para compreender as mensagens existentes no textão de Facebook, na reportagem compartilhada e no vídeo do Youtube. Daí surgem dois dos grandes problemas relacionados às mídias sociais: o compartilhamento de fake news e o discurso de ódio. Neste dossiê, discutimos estes assuntos com o intuito de despertar a reflexão e, quem sabe, a adoção de diferentes hábitos no ambiente digital.
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MEDIAÇÃO NO SÉCULO XXI Jornalismo precisa ser equiparado à produção científica para resgatar a credibilidade perdida nos últimos anos
O jornalismo é responsável por parte daquilo que se pensa da cultura em sociedade e sua prática se aproxima do que faz o cientista. Tanto os jornalistas quanto os cientistas se baseiam em fatos. Apesar da similaridade, a professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/FW) Luciana Carvalho explica que esses profissionais têm critérios e padrões de condutas próprios e distintos, o que faz com que seus trabalhos tenham efeitos diferentes na sociedade. Ela afirma que, diferentemente dos cientistas, o jornalista se relaciona, antes de tudo, com o público e a necessidade primordial de comunicar. Outra e, talvez, uma das maiores diferenças entre cientistas e jornalistas é o uso da linguagem. “Não se trata de ser melhor ou pior, mas diferente”, pondera Luciana. Segundo a professora, assim como a ciência, o jornalismo funciona como processo de construção de conhecimento. “O jornalismo, ao construir narrativas sobre o mundo, também faz parte da cultura, principalmente se adotarmos a perspectiva da construção social da realidade, pela qual compreendemos que as notícias são resultado de agenciamentos entre a cultura profissional, os fatos, as questões empresariais, políticas e econômicas”, esclarece.
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Mesmo com bases práticas de investigação e de checagem de dados e informações, tornou-se cada vez mais comum encontrar posicionamentos contrários aos trabalhos dos jornalistas e dos cientistas, principalmente nas redes sociais. O cuidado nos resultados disponibilizados à sociedade não isenta o jornalismo e a ciência de carregarem consigo uma verdade provisória. “Sabemos que não há uma única verdade e que, por mais que dela cheguemos perto, nunca a alcançaremos por inteiro”, acentua Luciana. Diante de tantos contrapontos, da negação do aquecimento global e da propagação de que as vacinas são estratégias de redução populacional ou que causam doenças, a ciência e o jornalismo enfrentam o mesmo problema, a falta de credibilidade. “Recentemente, temos visto emergir um cenário de pós-verdade, em que o conhecimento científico e a produção jornalística são atacados e desmerecidos, o que torna cada vez mais importante a busca pelo fortalecimento desses campos, por meio da valorização de seus métodos de trabalho”, salienta a professora.
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Para além do lead Diariamente, o jornalista lida com várias pautas, assuntos de áreas distintas e, por isso, o profissional precisa estar bem informado e ser curioso. A partir desse estereótipo que a professora Luciana Carvalho coloca que algumas pessoas consideram o jornalista um especialista em generalidade. Para ela, diferente do cientista, o jornalista não tem obrigação de ter conhecimento aprofundado sobre tudo, mas precisa saber onde e como buscar o que necessita apurar para informar à sociedade. “Quando surge uma pauta, temos que saber com quem falar, onde encontrar informações básicas, buscar o histórico daquele assunto”. Assim Luciana exemplifica o processo de apuração e investigação da notícia. Na maioria das vezes, as qualidades básicas do jornalistas são despertadas na universidade, local em que acontece a instruçãoe a experimentação daqueles que passam a atuar na sociedade. É o processo em que está o estudante José Bruno Fiorini, acadêmico de Jornalismo e participante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Tecnologia e Sociabilidades da UFSM, campus de Frederico Westphalen. Ele se mostra preocupado com a ascensão das redes sociais como meios de difusão da informação e, por isso, volta sua formação para conhecer mais sobre o funcionamento dessas ferramentas de mediação jornalística. Bruno alerta que nem tudo o que está vinculado às redes sociais é jornalismo, ainda que publicado em plataformas de veículos de comunicação. Segundo o acadêmico, a falta desse feeling parece descaracterizar a representação de um dos principais critérios para definir o que é notícia: o interesse público. “Acumular conteúdo nas páginas do Facebook não é fazer jornalismo nas mídias sociais. Compartilhar o horóscopo nos Stories não é produzir conteúdo [jornalístico] audiovisual”, explica. Para ele, os produtos audiovisuais para Facebook e Instagram, por exemplo, trazem ao jornalismo novas formas de linguagens e de interação com o público. Neste sentido, a aproximação entre veículo e público é uma das principais características dessas mídias. Ao encontro disso, Luciana frisa que as redes sociais são “ambientes digitais que, por suas características, acabam se tornando mídias, as denominadas mídias sociais digitais, que é o termo que considero mais adequado, atualmente, por envolver também os aplicativos móveis”. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio do relatório Características Gerais dos Domicílios e dos Moradores 2017, no Brasil, o acesso à internet em casa atinge 70,5% da população. Pelos celulares e smartphones, chega a mais de 80%. Há muita gente que só se informa por grupo de Whatsapp. “Esses usuários são as vítimas mais fáceis das fake news. Além disso, há empresas e partidos políticos trabalhando para desinformar a população, criando pânico, desacreditando os jornalistas e a ciência”, alerta Luciana. Ela reforça ainda que, nos anos 1990, quando a internet se expandiu para toda a sociedade, autores como Pierre Lévy já falavam que o ciberespaço promoveria uma desintermediação ao tornar dispensáveis os mediadores tradicionais do conhecimento, como os jornalistas e os cientistas.
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Jornalismo e(m) redes sociais É preciso definir o que se entende por mídia alternativa ou independente. Se for para considerar todas as iniciativas que buscam se desvincular das pressões organizacionais da grande mídia, que não se associam a financiamento do governo ou de empresas, a professora diz que poucas conseguem se manter neste modelo. Para Luciana, é o que acontece no caso da Agência Pública e da Ponte, que, aparentemente, mantêm-se com recursos de editais e contribuições de leitores. “Alguns blogs e coletivos se dizem independentes, mas essa independência é relativa, pois estão muitas vezes vinculados a partidos políticos ou grupos com interesses que vão além da prática do jornalismo”, critica. Segundo a professora, o posicionamento do veículo de comunicação não é um problema, pelo contrário, desde que seja exposto para o leitor de que lado se está. Ainda mais se o lado escolhido for aquele de combate às injustiças sociais.
em disseminar informações falsas ou maliciosas de modo deliberado, como ocorre em conflitos ou eleições. Luciana leva em conta que o digital não criou a desinformação, mas a potencializou, pois muitos recebem e repassam conteúdos para suas redes sociais sem checar a credibilidade da fonte. No Brasil, ainda há o agravante da decisão do Supremo Tribunal Federal, que em 2009 suspendeu a obrigatoriedade do diploma superior em jornalismo para a obtenção do registro profissional de jornalista. A professora menciona ainda que o mercado de trabalho está cheio de pessoas sem formação que atuam no lugar de profissionais, o que acaba por precarizar a área.
Curadoria algorítmica
As redes sociais são metáforas para as ligações que se estabelecem entre as pessoas. Como essas mídias são alimentadas por meio da troca de informações e da conversação online, mostram um grande potencial para a prática jornalística. “Eu diria que o jornalismo continua sendo jornalismo nas redes ou mídias sociais digitais. E, ao mesmo tempo, surgem novas práticas, novas rotinas, novas linguagens, que parecem criar um tipo diferente de jornalismo, mais próximo da informalidade e do entretenimento, como já foi visto surgir, em outros moldes, na televisão ou no rádio”, explica Luciana. A professora demonstra preocupação com o teor de notícias falsas, porque abusam de uma possível ingenuidade do público. “Muitas pessoas não sabem ou não fazem questão de saber diferenciar o boato do fato, a notícia da falsa notícia, a informação da desinformação, o jornalismo do pseudojornalismo”, analisa. Para ela, falta letramento digital, mas também há quem lucre e tenha vantagens
A curadoria é ressignificada no digital. O termo se relaciona ao ato de cura, vigilância e zelo. Na comunicação social, historicamente, o mediador tem realizado a função curadora. Ele age como uma espécie de filtro. Por meio de base teórica e prática, seleciona, checa a veracidade e direciona informações à sociedade. Antes realizada quase como uma exclusividade do jornalista, no século XXI outros profissionais passam a realizar a função de curadoria. Em uma sociedade cada vez mais digitalizada, os Relações Públicas, por exemplo, passam a ser inseridos nessa tarefa, já que eles estreitam ou mantêm o relacionamento entre empresa e público de forma estratégica. No entanto, quem têm chamado atenção no protagonismo desse funcionamento são os algoritmos. Aparentemente, a curadoria por meio de algoritmos se sobressai à feita por humanos. A relações públicas Maríndia Dalla Valle, formada pela UFSM/FW, trabalha como analista de mídias digitais. Ela explica que esta é uma área de instabilidade, porque a cada semana surge uma nova atualização de uma mídia social digital ou um recurso novo para ser usado. Luís Krötz, formado em Tecnologia em Sistemas para Internet na UFSM, conta que as empresas de jornalismo podem usar o recurso das plataformas para identificar e atingir determinados públicos e que há um processo de curadoria algorítmica nessa relação. “De acordo com o público, podem ser selecionadas múltiplas plataformas de propaganda social, em geral utiliza-se mais de uma, algumas para atingir um público mais genérico e outras para atingir determinados nichos de usuários”, diz o gerente de tecnologia. Assim, o conhecimento que antes parecia restrito aos profissionais das ciências da computação passa a ser de interesse de todos, dos comunicadores e da sociedade em geral, afinal todos estão submersos na linguagem do zero e um. “Dentro da lógica das mídias sociais digitais, o algoritmo é fundamental, pois sem ele ficaria impossível receber e procurar conteúdo online. No processo de comunicação social, ele auxilia para aproximar o usuário das pessoas com as quais esse mais tem contato digital e dos conteúdos com os quais ele mais interage”, explica Dalla Valle. a Reporagem: Inácio de Paula Diagramação e ilustração: Yasmin Faccin
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Isso é fake news!
Em pesquisa realizada pelo Centro para a Inovação em Governança Internacional, 86% das pessoas consultadas admitiram ter acreditado em notícias falsas Elas estão por toda a parte: na publicação no Facebook, na mensagem encaminhada pelo grupo do Whatsapp, no boca-a-boca. Não há quem não tenha recebido ou compartilhado mesmo sem intenção - alguma fake news. Uma pesquisa publicada pelo Centro para a Inovação em Governança Internacional, em junho de 2019, mostrou que as notícias falsas já foram ditas como verdadeiras por 86% dos usuários de internet entrevistados. Além disso, têm 70% mais chance de serem compartilhadas do que as verdadeiras. A comprovação veio nas eleições presidenciais brasileiras de 2018: boatos foram compartilhados pelo menos 3,84 milhões de vezes nos quatro meses que antecederam a votação, conforme a agência de checagem Aos Fatos. Apesar de ser corriqueiramente entendida como notícia falsa, a definição de fake news é incompleta e ambígua. “Se analisarmos a noção de fake news que a mídia e a sociedade em geral costumam utilizar, encontramos ali um caldeirão de diversos fenômenos sociais e comunicativos diferentes”, pontua o professor de Jornalismo na Universidade Franciscana (UFN), Iuri Lammel, mestre em Comunicação Midiática pela UFSM. Para ele, a explicação mais adequada é a do dicionário inglês Cambridge, que entende as fake news como "histórias falsas que parecem ser notícias e são difundidas na internet ou em outros meios, criadas para influenciar opiniões políticas ou como piada". As informações falsas existem desde que os humanos passaram a usar a linguagem formal para se comunicar. Já as notícias deliberadamente falsas, difundidas para fins de influência política e manipulação, são mais recentes - ainda que datem de séculos atrás. Entretanto, foi com a expansão da internet e, em especial, com redes sociais, que as fake news passaram a se disseminar com velocidade e tomaram proporções mundiais. Segundo o professor Iuri, aliado à ascensão das redes sociais, existe um fator que motiva a disseminação de fake news: o fenômeno global da polarização política, que “serve como combustível para fazer essa infraestrutura toda funcionar a todo o vapor, principalmente em período eleitoral, em que eleitores tentam vencer as disputas ideológicas travadas nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem”.
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Direita ou esquerda? Para o professor Iuri Lammel, o fenômeA discussão sobre fake news também é política. Um estudo realizado pela Univer- no das informações falsas tem um lado político. “Na história, percebo que ambos sidade de Oxford mostrou um aumento exponencial no número de nações cuja os lados do espectro político utilizaram estratégia para governar passa pela divulga- da estratégia de produção e divulgação ção de informações falsas. Foram 70 países de informações distorcidas e falsas com o intuito de atacar desafetos políticos e que fizeram uso das informações falsas para obter vantagem frente à oposição. No Viet- de manipular a opinião pública”, conta. nã, por exemplo, cidadãos foram alistados No Brasil, ele lembra da época dos para fazer postagens pró-governo em suas governos Lula e Dilma, onde observou o páginas pessoais de Facebook. Já o gover- surgimento de diversos sites e blogs especializados em reeditar matérias publicadas no da Guatemala usou contas roubadas e hackeadas para silenciar opiniões dissi- na imprensa, com o objetivo de reforçar um dentes. E o partido no comando da Etiópia dos lados. Geralmente, não era realizado o trabalho de apuração jornalística esperado. contratou pessoas para influenciar, a seu favor, conversas em redes sociais. Assim, “Atualmente, eu não tenho nenhuma dúvida é comum que as fake news sejam asso- de que a enorme maioria dos produtores e ciadas como uma característica de algum propagadores de notícias falsas são ligados dos espectros políticos: direita ou esquerda. a movimentos de direita, tanto no Brasil
quanto no resto dos países. É um fenômeno global”, explica o professor. Assim, Iuri apresenta uma das hipóteses que desenvolveu. Para ele, a recente eclosão das forças e movimentos de direita no mundo coincidiu com o aumento da estrutura de produção e propagação automatizada de informações, tais como os robôs e serviços de inteligência artificial que, ao se associarem a financiamentos privados de organizações da direita, que possuem interesses também privados e não compromissados com o público, tornaram a máquina de fake news mais eficiente e "profissional". Ou seja, cada vez mais parecidas com notícias verdadeiras. Porém, o professor reforça que a estratégia das informações falsas não é monopólio de nenhum dos dois lados.
Tipos de notícias falsas Junk news: termo usado para designar informações de baixa qualidade, sem interesse público e com teor sensacionalista. Desinformação: produção e difusão proposital de informações falsas, com uma intenção por trás da ação deliberada. Misinformation: difusão de informações falsas por engano ou ingenuidade, sem a intenção de causar desinformação. Sátira ou paródia: trabalho crítico sobre algo ou alguém por meio da ironia, da ridicularização. A sátira se faz desde a antiguidade e, geralmente, tem elementos que deixam clara a sua intenção de exagerar ou inventar fatos, embora muita gente não consiga identificar esses elementos. Hoax: informação falsa, fabricada, que tenta usar técnicas para encobrir a falsidade e se passar por verdade, como, por exemplo, as montagens fotográficas. Ao contrário da desinformação, o hoax geralmente não tem intenção de influência ou manipulação política. Um exemplo de aplicação de hoax são as brincadeiras de 1º de abril. Deepfake: é uma técnica de síntese de imagens ou sons humanos baseada em inteligência artificial. É usada para combinar uma fala a um vídeo existente. As deepfake são usadas para fazer montagem com famosos e políticos, substituindo rostos e vozes em vídeos realistas.
culpa do jornalismo? Em 2016, a Eleição presidencial nos Estados Unidos foi pauta constante no jornalismo. Durante a campanha, o então candidato - e hoje presidente - Donald Trump acusou o New York Times de produzir notícias falsas para prejudicá-lo. “You´re fake news”, foi a expressão utilizada. De lá para cá, segundo a jornalista e mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFSM Kauane Müller, o termo foi extremamente popularizado e trouxe implicações para o jornalismo. “Essa declaração deu a entender que a imprensa é quem produz notícias falsas e, mais, não só produz mas ela em si é a mentira”, declara. Para ela, assim, se intensifica o problema da credibilidade já enfrentado pelo jornalismo, pois, desde 2008, a imprensa é afetada pela crise mundial do capitalismo financeiro. “Em um contexto mais amplo, as
pessoas já vinham diminuindo a confiança no jornalismo ao longo do tempo, como apontam pesquisas do LatinoBarómetro, medidor de opinião da América Latina, e isso tem outras implicações”, postula. Para Kauane, apesar do cenário da desinformação não ser responsabilidade somente do jornalismo, existem questões problemáticas, como a qualidade da informação que, devido à crise financeira vivida por diversos veículos, pode ser questionada. Um exemplo, são as famosas “barrigadas”, termo jornalístico de quando o veículo oferece uma informação com erros graves. O professor Iuri Lammel diz não ser possível afirmar de maneira categórica que a alta disseminação de fake news acontece devido a falhas no jornalismo. Mas, acredita que, nas últimas duas décadas, com o surgimento desse ecossistema da informação
digital, os profissionais que trabalham com a mediação das informações na sociedade perderam muita força, poder e influência. “Entre as consequências está o enfraquecimento do próprio jornalismo. Quando os cidadãos diminuem drasticamente a rotina de consumo de informações elaboradas por profissionais guiados por uma deontologia, esses cidadãos ficam mais suscetíveis à desinformação”, postula Iuri. Logo, é arriscado atribuir a culpa apenas ao jornalismo, visto que o crescimento drástico de fake news é um fenômeno complexo, com várias causas, principalmente devido ao cenário de polarização política. Também é a partir das fake news que uma série de ataques à imprensa tem acontecido. O intuito é de desacreditar no trabalho profissional da imprensa, assim, Iuri afirma a importância dos
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comunicadores deixarem explícito o processo de apuração. “Podemos indicar, por exemplo, as fontes entrevistadas, a origem dos documentos consultados, as condições do trabalho realizado, a fim de trazer mais clareza e minimizar ataques de descrédito”. Além disso, o jornalista defende que os comunicadores trabalhem ativamente na luta contra a desinformação ao apurarem fake news ostensivamente propagadas.
Checagem de fatos O cenário de popularização das fake news e da crescente desinformação fez com que, dentro do jornalismo, alternativas fossem pensadas para transformar a situação. Assim, começaram a surgir agências e plataformas de checagem. No contexto brasileiro, são três as organizações signatárias do Internacional Fact-checking Network (IFCN), rede internacional de checadores: Aos Fatos, Lupa e Estadão Verifica. Devido às notícias falsas estarem diretamente relacionada à política, algumas plataformas de checagem, como a Aos Fatos, destinam seus esforços à checagem de discursos de políticos. Com bases no Rio de Janeiro e em São Paulo, a agência existe desde 2015 e tem como missão a “busca da verdade, checamos o que há de mais controverso no mundo da política”. O repórter da Aos Fatos, Luiz Fernando Menezes, começou a atuar na organização a partir da checagem de falas de políticos, como Michel Temer, e, em 2018, intensificou a checagem devido à eleição presidencial. Para Luiz Fernando, o trabalho que desenvolve como checador é bastante importante: “com essa ferramenta conseguimos levar a checagem para as pessoas que compartilharam a notícia falsa, por exemplo, e oferecemos a possibilidade dela rever o que naquela informação não é verdadeiro”, conta. Além disso, reforça a importância de trabalhar no sentido de combater as fake news. “A checagem se torna importante até para o debate público, que acaba muito prejudicado com as notícias falsas. Em um debate democrático não se pode e não se deve usar dados lidos em uma fake news, por exemplo”. A mestranda Kauane Müller pesquisa sobre as três plataformas brasileiras de checagem certificadas pela IFCN. Na dissertação, a jornalista trabalha a partir de dois eixos: primeiro, busca
entender a prática dos jornalistas nessas plataformas de checagem, as relações de trabalho, as especificidades, o contrato de trabalho e a rotina produtiva; segundo, eixo central da pesquisa, estuda as estratégias que as organizações de checagem usam para manter o jornalismo como uma instituição relevante para a sociedade, a partir da ideia de crise do jornalismo, sem deixar de lado o contexto maior de crise do capitalismo. Assim, ela procura responder como, a partir das plataformas de checagem, o jornalismo busca resolver e se legitimar frente à desinformação. No Laboratório de Experimentação em Jornalismo (LEx), o combate às fake news também passou a ser discutido. O trabalho começou a ser testado em 2016, a partir de um método de checagem de informações. Para o jornalista e técnico-administrativo em educação do Laboratório, Lucas Durr Missau, o modelo proposto tem um objetivo pedagógico ao possibilitar a experiência da checagem aos alunos do curso de Jornalismo da UFSM e, ao mesmo tempo, suscitar reflexões teóricas sobre os métodos praticados pelas agências de checagem no Brasil e no mundo. Antes de pôr em prática a metodologia de checagem, foi necessário discutir o que, afinal, seria o fact-checking. Para Lucas, a checagem de informações é um desdobramento da apuração, que é a base da prática jornalística. Depois, elaboraram um modelo que consistia em um passo a passo da prática de fact-checking. Em seguida, analisaram os métodos utilizados pelas plataformas e agências brasileiras de checagem, como Lupa, Aos Fatos, Pública e a argentina Chequeado, e identificaram padrões entre elas. Assim, os padrões foram usados como parâmetros para a elaboração de um modelo adotado como ferramenta de ensino nas atividades do laboratório.
Mitômetro O trabalho metodológico realizado do LEx foi posto em prática em uma parceria junto à Revista Arco, assim surgiu o Mitômetro: método de checagem voltado à divulgação científica. “Nesse caso, acreditamos que é um tipo de conteúdo com um apelo distinto, que sensibiliza o leitor pelo caráter inusitado dado à informação, muitas vezes brincando com o senso comum”, afirma Lucas. No caso da Arco, o tratamento gráfico dado ao material também contribui para isso.
-Passo a passo da fact checking
(1) a escolha do discurso a ser analisado;
(2) a busca das fontes com informações referentes ao tema tratado;
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No entanto, é preciso ressaltar que é inviável checar todo e qual- por agências, plataformas e jornais especializados, além de saber quer tipo de informação. Isso porque o fact-checking se restringe sobre educação para a mídia, cultura digital, educomunicação e a verificar partes de discursos públicos. Ou seja, que circulam em informática. “Eu queria fazer um programa que contribuísse para a jornais, revistas, redes sociais e outros meios de comunicação, conscientização dos ouvintes sobre as desinformações que recebem nos mais distintos formatos, como áudio, texto, foto, imagem e e compartilham via redes sociais”, relata Marcelo, que afirma já vídeo. E, para o jornalista, checar discurso é uma tarefa bastante ter recebido conteúdo falso de parentes através dessas plataformas. complexa. “Por isso, é necessário a utilização de critérios para O jornalista reconhece que muitas pessoas têm dificuldade de que uma informação possa ser checada”, lembra. identificar uma notícia falsa. Por isso, faz questão de reforçar que Por esse motivo, entre os principais materiais checados estão: nem tudo o que aparece na internet é verdade, e que compartilhar frases de políticos, programas de partidos políticos e de governo, uma mentira, mesmo sem querer, pode aumentar os efeitos dela. vídeos publicitários, vídeos e declarações com amplo alcance de “Falar sobre esse tema na UniFM valida a checagem de informação público em redes sociais, além de entrevistas de personalidades e a torna mais acessível. Acho que a rádio pública pode cumprir nos meios de comunicação hegemônicos ou alternativos, frases um papel crucial de mediadora ao alertar seu público acerca dos de senso comum enunciadas em situações do cotidiano, entre perigos desse cenário caótico”, destaca. tantas outras possibilidades. “O enfoque está na relevância e na viabilidade de checagem da declaração ou da informação citada EDUCAÇÃO PARA A MÍDIA pela fonte original”, explica Lucas. A partir do cenário de efervescência das fake news, no campus de Frederico Westphalen, um projeto de extensão vinculado ao JANELA ABERTA Departamento de Ciências da Comunicação. O “Compreender os Informar jovens sobre notícias falsas foi a proposta do Laboratório letramentos locais para (in)formar novos leitores (Letramentos)” de Hipermídia do Programa de Pós-Graduação em Comunicação surge com uma proposta de colocar em diálogo as ciências da (Poscom) da UFSM durante o Janela Aberta - iniciativa que aproxi- linguagem e da comunicação, com o objetivo de refletir sobre ma a Universidade das escolas de ensino médio. Em duas semanas o papel e a importância da leitura como meio de formação, de julho de 2018, mais de 600 alunos e professores assistiram às interação e ação social. Para a coordenadora do projeto, profesoficinas sobre a produção e a circulação de fake news no Brasil e no sora Marluza da Rosa, a preocupação está direcionada para mundo. Segundo a professora Ada Cristina Machado da Silveira, a compreensão de como se tem lido as notícias e para a líder do grupo de pesquisa Comunicação, Identidades e Fronteiras, formação crítica do leitor.“Quando se fala de formação crítica a resposta dos alunos foi praticamente unânime quando ques- e/ou de competência leitora, é inevitável tratar da relação dos tionados se já tiveram contato com as fake news: grande parte leitores com as mídias, visto que são nossas principais formas afirmou que sim. “Porém, notou-se um grau de surpresa quando de acesso às informações e ao conhecimento na atualidade”, comentamos as características, as pretensões e, principalmente, a explica. Nesse sentido, o projeto trabalha com a noção da grande circulação e as consequências da viralização das notícias importância de perguntar a si mesmo como nos relacionamos falsas”, relata Ada. com as informações que recebemos: se as questionamos ou não, se as assimilamos de forma passiva ou se adotamos um posicionamento ativo frente ao que lemos. pega na mentira Desde março de 2019, o jornalista Marcelo De Franceschi apresenta a Reportagem: Andressa Motter e Leandra Cruber o programa Pega na Mentira, na UniFM 107.9. De segunda a sextaDiagramação: Lidiane Castagna Ilustração: Marcele Reis -feira, das 14h às 15h, o ouvinte fica a par de notícias checadas
(3) a reconstrução do contexto do discurso contrastado ou corroborado pelas informações obtidas junto às fontes; (5) a representação gráfica da checagem.
(4) a classificação do discurso de acordo com as categorias elaboradas – por exemplo, verdadeiro, falso, impreciso, exagerado, entre outras
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Liberdade de expressão ou de
agressão?
Com o crescimento do uso da internet, aumentam também os discursos de ódio às minorias, muitos deles feitos sob o argumento do direito ao livre dizer “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. O 19º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos é fundamental para o exercício da cidadania, uma vez que garante, além da comunicação, o acesso à informação. A realidade, entretanto, mostra como essa liberdade de expressão tem sido usada para amparar discursos de ódio. De acordo com a coordenadora do Núcleo de Direito Informacional da UFSM, professora Rosane Leal, a propagação de discursos de ódio deve-se à ideia de que há uma superioridade do emissor da mensagem e uma inferioridade do grupo destinatário. “Ela é uma mensagem claramente preconceituosa e que, além de discriminar e, muitas vezes, desumanizar o destinatário, também incita a violência”, afirma. A professora explica que alguns destes discursos podem ser explícitos, enquanto outros são melhor articulados e possuem como finalidade posicionar a opinião pública de maneira contrária ao grupo cujo qual as agressões são dirigidas. Rosane afirma que em qualquer um dos casos “há tanto uma tentativa de desqualificar o grupo, quanto de incitar alguma forma de violência. Essa violência então precisa ser partilhada. O emitente do discurso de ódio convida outros.”
Ódio biopolítico Por não existir uma lei própria para punir discursos de ódio, eles acabam enquadrados em outros crimes, de acordo com as suas especificidades e consequências geradas. Cabe à justiça classificar como dano moral, assédio, discriminação, racismo ou outros delitos. Entretanto, alguns casos criam margem para interpretações diversas, sobretudo quando resguardadas pelo princípio da liberdade de expressão. Diante desse tensionamento tênue e de delicada classificação, o projeto de pesquisa da UFSM “Moralidades contemporâneas, fundamentalismos pós-modernos: a circulação dos discursos de ódio na mídia contemporânea”, coordenado pela professora Aline Dalmolin, trabalha com a conceituação de ódio biopolítico, que desejaria a eliminação de uma raça inteira. “São agressões, já na nossa leitura, que visariam não
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a pessoa na sua individualidade, mas sim o caráter biológico do envolvido, pela sua cor de pele, gênero, orientação política...que são tratados como se fossem raças”, explica. Segundo Aline, com o direito ao livre dizer e a ascensão da internet, tornou-se maior o espaço que temos para expressarmos nossas opiniões. Porém, o que deveria ser um aspecto positivo traz consequências preocupantes. “Cada pessoa se sente no direito de falar de forma livre e toma por princípio que a liberdade de expressão seja um valor absoluto, quando na verdade ela não é”, destaca. A professora Rosane complementa que, ao mesmo tempo em que tratados internacionais reconhecem a liberdade de expressão, eles também colocam condicionantes, já que ela pode sofrer limitações quando abalar o direito de outras pessoas.
redes sociais como propagadoras Com a popularização da internet, a tecnologia possibilitou aos usuários uma maior difusão de ideias e pensamentos. Consequentemente, os discursos de ódio tiveram sua abrangência amplificada. Nas redes sociais, além dos internautas disporem de uma ferramenta para externalizar e divulgar suas opiniões, eles também encontram apoio de outros que pensam de forma semelhante. A tecnologia foi a ferramenta que, além de dar voz a esses grupos, também lhes deu seguidores. A professora Aline explica que, ao encontrarem um público que aceita, compactua e também produz conteúdos que incitam à violência, os emissores sentem-se cada vez mais livres para manifestarem discursos de ódio. Sobre os receptores atingidos, a professora Rosane contextualiza que geralmente são minorias sociais, comunidades que possuem uma vulnerabilidade histórica. Essas minorias não são grupos quantitativamente inferiores, mas sim pessoas que sofrem violências estruturais, tanto da sociedade, quanto dos órgãos públicos, que legitimam e reproduzem essa violência. “Ainda que a internet dê fala para esses grupos atingidos, não são as mesmas condições de fala. O grupo é tão desumanizado que todos os dias é perseguido. As vozes são silenciadas ou até mesmo ceifadas”, complementa.
Polarização A partir das redes sociais é possível replicar informações em grande escala e, com isso, disseminar fake news. Conteúdos falsos são fundamentais para a propagação de discursos de ódio e contribuem para a polarização da sociedade. Grupos com visões opostas afastam-se, posicionam-se em extremos e, cada vez mais, isolam-se de quaisquer ideias que contraponham-se as suas. As mídias sociais têm algoritmos, recursos que selecionam públicos e assuntos. Eles coletam nossos dados e nos inserem em uma“bolha”, na qual estão, geralmente, pessoas com posicionamentos semelhantes aos nossos. Para a professora Rosane, nós temos uma falsa ideia de liberdade, mas somos vigiados o tempo inteiro. “Eles vêem tua tendência, quem são as pessoas com quem tu convive...tu vai receber somente notícias que vão acentuar a tua visão política de mundo”, afirma. A Organização Não Governamental SaferNet é a primeira entidade brasileira a criar um canal para receber denúncias anônimas de crimes de ódio na internet. No período eleitoral de 2018, entre 16 de agosto e 28 de outubro, foram registradas 39.316 denúncias. Mais do que o dobro em relação ao pleito de 2014, quando foram feitas 14.653. O aumento reflete a polarização no país e as consequências das fake news.
memes e política Populares no ambiente digital, os memes são capazes de transformar qualquer assunto, pessoa ou ação em riso. Mas como separar piada e ofensa? O professor da Universidade Federal Fluminense, Viktor Chagas, é coordenador do Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração, que fundou o #MUSEUdeMEMES. O projeto nasceu do interesse em discutir o fenômeno de maneira aprofundada. Para Viktor, a distinção entre humor e ofensa é um dos problemas mais complexos que o grupo busca responder. Do ponto de vista de quem faz a piada, não há uma resposta. O limite é dado por quem recebe a brincadeira. Cada audiência compreende de determinada maneira. E, se a brincadeira ofende alguém, ela não é e talvez nunca tenha sido uma brincadeira, explica. “Não se trata de cercear a liberdade de expressão, mas de garantir uma condição de equanimidade entre os sujeitos políticos, pois, a natureza do humor é trabalhar com estereótipos, e os estereótipos não incidem sobre as classes hegemônicas, eles incidem sempre sobre as minorias”, complementa. Além disso, os memes são resultado do que o professor caracteriza como um novo processo de socialização da informação. Públicos que antes não tinham acesso à informação, com a popularização da internet passaram a ter. Mesmo que seja de uma forma rasa. O pesquisador mostra que, se por um lado é ruim que o conhecimento circule de modo superficial e possa favorecer radicalismos, por outro é bom que esses novos públicos tenham um primeiro contato de letramento político. Viktor afirma que os memes são usados para propagar discursos de ódio, mas que tal característica não está sempre presente. “Ela é resultado de uma série de circunstâncias com as quais estamos sendo confrontados em nossa experiência”, comenta. Segundo ele, as figuras de humor são apropriadas pela cultura do ódio, pois tornam mais simples e superficial a informação política, o que garante que todos tenham acesso. a Reportagem : Melissa Konzen e Paulo Cezar Ferraz Diagramação e ilustração: Lidiane Castagna
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Libras na infância Projeto de extensão leva a Língua Brasileira de Sinais a crianças da rede pública de Santa Maria
A equipe da revista Arco acompanhou um dia do projeto Mãos Bilíngues na Escola Francisca Weinmann, na Vila Goiânia.
A Sônia vai ficar de olho em nós para ver se estamos fazendo certo e nos ajudar.
A iniciativa ensina, por meio da música, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) a estudantes ouvintes das séries iniciais de escolas públicas.
Lembram da música de São João que a gente ouviu semana passada? "Rala coco, mexe a canjica..." Lembram?
Vamos relembrar!
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Desde 2018, os ensaios das músicas ocorrem na UFSM. Sonia interpreta as letras para a Língua de Sinais, o que se chama glosa,
É uma chance de os alunos praticarem Libras e alcançarem outras pessoas.
É uma atividade diferente, que os desperta para algo novo. Vai ajudar muito no desenvolvimento da destreza das mãos. tinham dificuldade em segurar o lápis, e a Libras ajuda nisso também.
Esse aprendizado vale muito. quadrinhos
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a Reportagem: Bibiana Pinheiro . Diagramação e Ilustração: Marcele Reis
Vamos ensaiar uma última vez?
Volver
Um sorriso que emplaca teoria e prática odontológica No Exército, a odontóloga Anelise Montagner aplica conhecimentos em dentística obtidos na pós-graduação da UFSM Quem diz que dentista não é doutor está correto. No entanto, adequadas, assim como longevidade satisfatória. sempre há exceções. Graduada em Odontologia, mestre em CiênEm 2015, Anelise retornou à UFSM para pós-doutoramento. cias Odontológicas e pós-doutora pela UFSM, Anelise Fernandes Durante dois anos, desenvolveu o trabalho clínico que avaliou Montagner, além de atuar em um consultório particular, é 2ª a taxa anual de falha das restaurações dentárias feitas pelos Tenente Oficial Temporária do Exército. Atualmente, trabalha no estudantes da graduação em Odontologia da UFSM. Recém Hospital de Guarnição de Santa Maria (HGu), e se diz apaixonada publicada pela National Center for Biotechnology Informatanto pela profissão de dentista quanto pela docência. tion (CNBI), um dos canais da United States National Library Doutora pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), of Medicine, ramo dos National Institutes of Health, a sua Anelise conta que no HGu realiza atendimento clínico para pesquisa avaliou a taxa de falha anual, razões para falha de os usuários do Plano de Saúde do Exército – Fundo de Saúde restaurações e fatores que influenciam a sobrevida de restaudo Exército (Fusex). “Lá, cada profissional trabalha na sua rações de resina composta. especialidade. Eu coloco em prática exatamente a área que estudei, que é a dentística conservadora e restauradora”, explica Odonto na sala de aula a tenente. A dentística é a especialidade que abrange limpeza, Para Anelise, a vida acadêmica vai além da formação profisclareamento dental, procedimentos e restaurações estéticas. sional, pois também a constitui como ser humano e cidadã. Durante o mestrado, concluído em 2010, a egressa desen- “É um ciclo que não se distingue”, declara. Diante do percurso volveu um estudo laboratorial que avaliou o efeito e a longevi- acadêmico, ela fala da sua intenção de, futuramente, voltar dade de diferentes tratamentos da estrutura dental na resistên- a se dedicar à docência. Já atuou como professora substituta cia da união de sistemas adesivos, ou seja, materiais que ligam do curso de Odontologia da Faculdade Cenecista de Santo o dente e a restauração feita com resina composta. A dentista Ângelo e na UFSM, na condição de professora convidada do lembra que, à época, o mestrado era um programa recente, e a Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas. “A sua turma foi a segunda formada nele. Inicialmente sem bolsa, docência foi muito importante na minha carreira. Eu amo a ela explica que não se abalava, porque se identificava com a docência. É o que ainda sonho fazer. Fiz toda minha formação linha de pesquisa, inclusive área em que atua hoje em dia. em instituições públicas e quero um dia poder devolver para As restaurações adesivas são feitas de resina composta, isto o poder público, na forma de educação, todo investimento é, um tipo de produto da cor do dente. Esse procedimento é feito na minha vida”, finaliza a dentista. um dos mais realizados atualmente na prática clínica diária do cirurgião-dentista. Além de permitir maior preservação de a Reportagem: Antônio Inácio dos Santos de Paula Diagramação e ilustração: Lidiane Castagna estrutura dental, apresenta estética e propriedades mecânicas
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volver
“Quem lembrará de mim passados vinte anos?”. A preocupação do médico e poeta porto-alegrense Luiz Guilherme do Prado Veppo, expressa no poema “Alguém”, era vã. Falecido em 1999, aos 67 anos, o autor segue vivo em resgates como Prado Veppo - Obra Completa - 2ª edição, publicada pela Editora UFSM, em maio de 2019. A coletânea contempla os oito livros de Veppo, escritos entre 1962 e 1998. Foi organizada pelos professores Pedro Brum Santos, do Departamento de Letras Vernáculas, do Centro de Artes e Letras, e Vitor Biasoli, aposentado do curso de História, do Centro de Ciências Sociais e Humanas da UFSM. Ambos conviveram com Veppo e colaboraram para a obra do autor. “Ele era um sujeito muito apaixonado pelas coisas que fez e pela
vida. Intenso, loquaz. Lia muito, tinha um conhecimento apreciável de poesia”, conta Pedro. A produção da Obra Completa demorou cerca de um ano. “No trabalho desse livro, buscamos os textos originais e isso nos possibilitou fazer correções, confrontos e orientar melhor o leitor”, explica Pedro, que conseguiu recuperar três poemas desaparecidos ou apresentados de maneiras diferentes em outras obras. Com versos curtos, Veppo escrevia sobre as circunstâncias da vida, a morte e os dramas humanos. Os temas eram herança de infância e pré-adolescência difíceis, marcadas pela perda da mãe, aos dois anos de idade, e do pai, aos 14. Além disso, refletiam experiências vividas no exercício da Psiquiatria, em Santa Maria - para onde
Vida, morte e
se mudou em 1954, a fim de estudar na primeira turma de Medicina da UFSM, a qual ajudou a fundar. Em Santa Maria, Veppo conheceu e se aproximou do artista Eduardo Trevisan, autor de telas espalhadas por vários estados brasileiros e pelo mundo. Além de ilustrar todas as obras de Veppo, Eduardo, que faleceu em 1982, deixou o legado ao filho, Flamarion. “Estive em todos os livros do Veppo, seja com desenhos ou como modelo para o pai, quando criança. Eu ‘me criei grudado’ neles e eles em mim”, relata. Para Flamarion, formado em Desenho e Plástica pela UFSM, em 1983, Veppo era um "Pairmão" - “única palavra capaz de traduzir a nossa proximidade”, define. O artista expressou em desenhos os versos do poeta, em um processo criativo conjunto, com lápis litográfico e
a Reportagem: Andressa Motter . *Ilustração: Giovana Marion Diagramação: Lidiane Castagna e Pollyana Santoro Lettering: Pollyana Santoro
1995 Os breves
1964 0 Andarilho 1962 Alba Tempo e Rosa
bico de pena com nanquim sobre o papel. “Eu tinha e tenho uma percepção bastante ampla da poesia dele, porque conversávamos intensamente sobre ela. Da mesma forma que ‘convivíamos’ a poesia, as ilustrações também eram criadas dentro de uma construção íntima e compartilhada”, explica o artista. Flamarion entende que resgatar o trabalho de Trevisan e Veppo é “manter viva a alma de Santa Maria pela arte de dois gigantes. Santa Maria é o que eles fizeram ser”. Pedro complementa: “Nós temos uma certa obrigação de fazer isso, como instituição: preservar na comunidade esses nomes que do passado nos falam. Veppo nos ensina”.
1975 Espada de Flor
1993 Passos do Vislumbre
1996 Quarteto in Prosa e Verso 1996 Girassol azul
1998 Cavaleiros da vida e da morte
*Ilustrações das capas dos livros por Giovana Marion. Demais ilustrações por Eduardo Trevisan, retiradas da Obra Completa.
editora
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eNSAIO
CORPOS LIVRES Registros de Kennior Rocha Dias dão visibilidade e poder a transgêneros
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A fotografia tem o poder de isolar um momento e, por meio dele, carregar discursos, criar sentidos e contar histórias. Com esse propósito, o designer e fotógrafo Kennior Rocha Dias produziu "Fotografia como agente de empoderamento: emancipação social e expressão de pessoas transgêneros e travestis". O ensaio foi o Trabalho de Conclusão de Curso em Desenho Industrial, na UFSM, em 2018. O objetivo do designer, com a fotografia, foi aproximar trans e travestis dos meios em que não estão presentes. “Eu quis dar visibilidade e empoderar, como forma de diminuir a intolerância e o preconceito transfóbico destinado a essas pessoas pela sociedade”, explica. Para Kennior, o termo emancipação social se trata de “cada um, conhecer as próprias potencialidades e utilizá-las como ascendente individual e político, no pensamento de liberdade, de expressão de gênero, de poder sobre o próprio corpo e imagem”. Íris Beatriz (foto na página ao lado), Bernardo Beltrame (foto à esquerda), Yasmin Fentiny (foto abaixo) e Rafael Feltrin Berleze foram os convidados do ensaio de Kennior. Moradores de Santa Maria, os quatro são identificados com seus nomes sociais, e foram fotografados em lugares associados com suas histórias. O contato do fotógrafo com os participantes foi importante para que se sentissem confortáveis na hora do ensaio. Kennior pesquisou gostos, interesses, posicionamento político e formas de entender o mundo de cada convidado, para explorar a maior quantidade de sentimentos e discursos. O resultado está em um fotolivro com 20 fotografias.
a Reportagem: Bibiana Pinheiro Diagramação: Yasmin Faccin
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Íris Beatriz (foto horizontal superior), Rafael Berleze (foto à esquerda) e Bernardo Beltrame (foto acima) escolheram locações relacionadas com suas histórias
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Recordações
Ouvir e respeitar para conhecer No final do meu curso de Pedagogia, em 2004, escolhi o Ipê Amarelo e uma turma de crianças, de dois a três anos, para realizar meu estágio curricular. O primeiro semestre foi de observação, para conhecer os alunos e identificar suas necessidades. A partir daí, elaborei um projeto de ação pedagógica para executar no segundo semestre, no qual pontuei estratégias e referenciais teóricos para tentar superar as dificuldades das crianças. Os principais problemas, que realmente me impactaram, foram a dificuldade de comunicação entre crianças e adultos, e o total desinteresse delas pelas atividades propostas. Foi sofrido percebê-las como que subjugadas ao adulto, totalmente incompreendidas e sendo subestimadas em sua capacidade de conhecer e compreender as coisas e o mundo. A cada proposta minha, a professora falava “isso não vai dar certo, profe”. Em um dos planejamentos para introduzir o projeto, que tinha como objetivo conhecer o meio ambiente, levei o globo terrestre para a sala. A regente, muito contrariada, me disse “as
por Marizete Vargas Pereira*
crianças não vão entender nada; para elas, vai ser só uma bola”. E assim seguimos nossa batalha até que concluí o estágio. Ao escrever o artigo final, a partir dessas reflexões e ao ler como alguns autores discutiam os pontos que considerei críticos, dei-me conta de que a comunicação era ruim por um problema maior: para conhecer de fato as crianças é preciso ouvi-las e respeitá-las em sua forma de ser e estar no mundo. Só assim seria possível propor coisas que fossem de fato interessantes a elas. Em março de 2015, voltei para a Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo como servidora e, desde então, atuo no apoio pedagógico. Durante esse tempo, devido à natureza das atividades deste setor, participo de todo o processo, circulo em todos os ambientes e atuo em praticamente todas as atividades que acontecem na escola, onde interajo com adultos e crianças. Hoje, ao viver o momento em que a escola comemora seus 30 anos de existência, sinto-me muito feliz. Não só por estar de volta, agora como servidora, mas também por perceber que as metas que defini ao preparar meu projeto de estágio, agora são uma realidade. Apesar das limitações e dificuldades de toda ordem, podemos dizer que aqui as crianças têm voz. São ouvidas, respeitadas nas suas singularidades e protagonistas no processo de construção do conhecimento. Enfim, vejo-as felizes! Isso me alegra e me realiza, pois a tarefa de educar crianças pequenas é uma dádiva. Para além da grandeza, complexidade e delicadeza que se requer, essa atividade é, para o adulto, a possibilidade de também reencontrar a própria infância. É o que os professores tanto falam: ao educar, mais se aprende do que se ensina. a Diagramação e ilustração: Yasmin Faccin
*Marizete Vargas Pereira é técnica em educação da Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo
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escritos
palavras
Por Lucas Gutierres*
a solidão já me presenteou com diversas coisas. amor, desejo, decepção, melancolia. e, principalmente, palavras. palavras bonitas para descrever o que parecia impossível de se entender. as palavras. ah, as palavras… elas fluem tarde da noite, quando os cômodos estão vazios e a cidade está silenciosa. palavras são tudo que eu tenho e tudo que eu preciso. então, se o vazio é o meu presente desta noite, com palavras vou me preencher de volta. com todas as palavras que eu encontrar, as belas e as feias. palavras que eu tenho escrito minha vida inteira e algumas que vou escrever pela primeira vez. *acadêmico de Jornalismo na UFSM. a Diagramação e Ilustração: Marcele Reis
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ESCRITOS
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