Arco nº 8

Page 1

JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL • Nº 8 • NOV/2017 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

tecnologias para as forças Armadas Projetos desenvolvidos na UFSM promovem

ISSN: 2318-0757

o desenvolvimento de Santa Maria e região

alimentação Carne adquirida pelo RU da UFSM passa por criteriosa avaliação

Biologia Organismos alternativos são opção para reduzir uso de roedores em experimentos 1


ufsm.br/arco Mais bonito. Mais moderno. Na palma da sua mĂŁo.

2


Carta da

editora

Fotografia: Juliana Krupahtz

Há quatro anos, a revista Arco nasceu para ser o veículo de comunicação impresso institucional da UFSM. Algum tempo depois, no início de 2016, acompanhando as mudanças tecnológicas e visando atingir um público maior, passamos a investir também na produção da Arco digital, com matérias feitas especificamente para o ambiente virtual. Já em agosto deste ano, avançamos um pouco mais: lançamos uma nova versão do nosso site, responsivo e com suporte a novos formatos jornalísticos, como quizzes, listas, vídeos e o ‘mitômetro’, este último acompanhando a tendência mundial do fact checking, no qual pretendemos checar dados e verificar se determinados discursos científicos são comprovados ou se são mitos. Esses novos formatos nos dão a chance de experimentar modos diferentes e criativos de produzir jornalismo sobre ciência e cultura, além de serem uma oportunidade para os estudantes que trabalham conosco ampliarem os horizontes e terem uma formação atualizada, e de acordo com o que o mercado de trabalho exige. No processo de reposicionamento institucional pelo qual a revista está passando, conseguimos apoios importantes nos últimos meses. Um deles foi do Laboratório de Interface do curso de Desenho Industrial, coordenado pela professora Débora Gasparetto, que orientou nossa bolsista Juliana Krupahtz no projeto de webdesign do novo site da Arco; e o outro

da Disciplina de Pesquisa de Opinião Pública, em que a professora Rejane Pozzobon, do Departamento de Ciências da Comunicação, coordenou uma equipe de alunos em uma pesquisa sobre o público-leitor da Arco cujos resultados apontaram potencialidades e problemas na nossa produção jornalística. Além disso, nesta revista impressa que você tem em mãos, estreamos uma nova editoria, Volver, fruto de uma parceria com o programa institucional que visa preservar o relacionamento entre a UFSM e seus egressos. Evidenciaremos, na editoria, ex-alunos de programas de pós-graduação da Universidade que têm se destacado em suas áreas de atuação, sendo que o médico veterinário e docente da UFSM Flavio Dalla Corte é o protagonista da seção nesta edição. As redes sociais têm sido fundamentais para alcançarmos os leitores, tanto para que eles conheçam a Arco e se interessem pelos projetos desenvolvidos na Universidade, quanto pela possibilidade de interação que oferecem. Nosso reposicionamento visa que sejamos reconhecidos pelo público interno da UFSM, mas, inesperadamente, as redes sociais têm possibilitado que nosso conteúdo alcance um outro público: crianças do ensino fundamental. Dois professores, um de escola pública e outra de escola privada de Santa Maria, pediram, através da nossa página no Facebook, exemplares da Arco para trabalharem conteúdos da revista em sala de aula. O resultado? Crianças aprendendo e as pesquisas da UFSM indo além do arco e colaborando na formação infantil. O dossiê desta 8ª edição destaca a relação entre as Forças Armadas e a UFSM e como isso impacta Santa Maria e região. A cidade é reconhecidamente um dos principais polos militares do Brasil, e a parceria com a Universidade, principalmente em projetos que envolvem novas tecnologias, tem trazido ganhos às instituições envolvidas. Além do dossiê, entre outros destaques desta edição está a matéria sobre os procedimentos criados pela pesquisadora e nutricionista do Restaurante Universitário Marizete de Mesquita para avaliar a carne bovina que chega ao estabelecimento, e, na editoria ensaio, você confere as fotografias do Rafael Happke, que acompanhou o projeto Extremus — dança sobre rodas e produziu belas imagens: as fotos do ensaio você vê a partir da página 34, e as imagens da apresentação estão disponíveis no nosso site. A partir de agora, nossa ideia é cada vez mais conjugar o conteúdo da Arco impressa e da Arco digital para produzir um material interessante, mais bonito, mais moderno e que pode ser acessado também na palma da sua mão. Boa leitura! Luciane Treulieb Editora-chefe da revista Arco

carta da editora

3


sumário 07 curiosidades O pioneirismo da UFSM no uso da televisão no ensino da Medicina e outros temas curiosos

12

Diário de Campo Pesquisa relaciona a acessibilidade e as estratégias psicopedagógicas na Universidade

08 nossas invenções Inovação e praticidade nas plataformas digitais da UFSM

09 SOCIEDADE Projeto realiza ações que evitam morte de bugios em Santa Maria

10 como surgiu? Conheça a história das esculturas do campus da Universidade

16

19 DOSSIÊ Projetos de cooperação aproximam UFSM e Forças Armadas

20 24 26 4

capital dos blindados Universidade contribui com o denvolvimento do setor de Defesa e Segurança

geomob Laboratório desenvolve softwares para o Exército Brasileiro

astros Em parceria com o Exército, UFSM colabora em projeto de defesa nacional

biologia Cientistas desenvolvem pesquisas com diferentes organismos em alternativa a roedores


ARCO a

Revista de Jornalismo Científico e Cultural da Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria Reitor Paulo Afonso Burmann Vice-Reitor Paulo Bayard Dias Gonçalves

Conselho Editorial Amanda Eloina Scherer Professora do Departamento de Letras Clássicas e Linguística Ascísio dos Reis Pereira Coordenador de Eventos e Difusão Cultural da Pró-Reitoria de Extensão Beatriz Teixeira Weber Professora do Departamento de História Bernardo Baldisserotto Professor do Departamento de Fisiologia e Farmacologia

34

ensaio Pessoas com deficiência participam do Projeto Extremus, de dança em cadeira de rodas

Daniel Arruda Coronel Diretor da Editora UFSM Carine Felkl Prevedello Coordenadora da Coordenadoria de Comunicação Social Hélio Leães Hey Diretor do Núcleo de Inovação e Transferência em Tecnologia Ivan Luiz Brondani Professor do Departamento de Zootecnia

18 mEMÓRIA

30 Alimentação

Pesquisadora conta como os primeiros filmes locais foram produzidos

Procedimentos para avaliar carnes adquiridas pelo RU da UFSM são desenvolvidos

32 volver

33 EDITORA UFSM

Flavio De La Côrte conta sua trajetória de aluno a professor da UFSM

Obra traz reflexões jurídicas diante de problemas sociais

José Neri Gottfried Paniz Professor do Departamento de Química Lana D’Ávila Campanella Professora do Departamento de Ciências da Comunicação — Campus Frederico Westphalen Laura Strelow Storch Professora do Departamento de Ciências da Comunicação Luiz Fernando Sangói Coordenador da Educação Básica, Técnica e Tecnológica Marco Aurélio de Figueiredo Acosta Professor do Departamento de Métodos e Técnicas Desportivas Marcus Vinicius Tres Coordenação de Pesquisa e Extensão – Campus Cachoeira do Sul Marilda Oliveira de Oliveira Professora do Departamento de Metodologia de Ensino Martha Bohrer Adaime Pró-Reitora de Graduação

37 recordações

38 escritos

Carmen Maria Andrade relembra a UFSM que ela viu crescer

Estudante recorda momentos vividos em Lisboa

Paulo Cesar Piquini Coordenador de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Rafael Aldrighi Tavares Professor do Departamento de Zootecnia e Ciências Biológicas — Campus Palmeira das Missões Raul Ceretta Nunes Professor do Departamento de Computação Aplicada Sérgio Luiz Jahn Professor do Departamento de Engenharia Química

Expediente Editora-chefe Luciane Treulieb Repórteres Andressa Doré Foggiato, Gabriele Wagner de Souza, Jocéli Bisonhim Lima, Júlia Saldanha Goulart, Luan Moraes Romero, Luciane Volpatto Rodrigues, Matheus Ribeiro Santi, Mayara Souto Collar Fotografias Júlia Saldanha Goulart, Juliana Krupahtz e Rafael Happke Criação e Diagramação Carolina Weber, Juliana Krupahtz e Projetar Empresa Júnior de Desenho Industrial: Camilla Bartholomei, Douglas Mastella, Gustavo Lago, Luiza Oliveira, Pollyana Santoro, Vinicius Beltramin e Yasmin da Costa Faccin Relações Públicas e Redes Sociais Carla Isa Costa Colaboradores Antonio Junior, Carmen Maria Andrade, Marilice Amábile Pedrolo Daronco, Nathani Lencina Revisão Alcione Manzoni Bidinoto Apoio Laboratório de Experimentação em Jornalismo Revista Arco Telefone: (55) 3220-6151 E-mail: arco@ufsm.br Site: ufsm.br/arco UFSM - Av. Roraima, 1000 Cidade Universitária - Bairro Camobi Prédio 67, sala 1110 - CEP 97105-900 Santa Maria - RS - Brasil Distribuição: Gratuita Impressão: Alpha Print Tiragem: Um mil exemplares

5


Fotografia: Rafael Happke Exemplares foram distribuídos em frente ao Restaurante Universitário para marcar o lançamento da 7ª edição da Arco

Visibilidade da população negra

Este é o espaço reservado para os nossos leitores. Ficou com alguma dúvida? Percebeu algum erro? Quer fazer um comentário ou um elogio? Escreva para a gente e colabore para que a Arco fique cada vez mais interessante!

Gostaria de agradecer a Revista Arco por ter pautado o Moreno Rei na última edição. Este tipo de ação colabora com a visibilidade de espaços como o Clube União Familiar, que defendiam, justamente, a positivação da população negra, ressaltando a importância de sua História e memórias, muitas vezes esquecidas na história dita oficial.

Fale com a gente

Franciele Oliveira, historiadora e autora do livro Moreno Rei

Telefone: (55) 3220 6151 E-mail: arco@ufsm.br www.ufsm.br/arco www.facebook.com/RevistaArco UFSM – Av. Roraima nº 1000 Cidade Universitária – Bairro Camobi Prédio 67, sala 1110 CEP: 97105-900 – Santa Maria RS – Brasil

Submissão de artigos Como faço para acessar as normas para submissão de artigos da revista? Leticia Corrêa Machado, estudante de Serviço Social da UFSM

Não temos normas para submissão, pois a revista não publica o material tal qual é enviado pelo pesquisador. O envio dos artigos é uma das formas de conhecermos o trabalho desenvolvido. A partir disso, usamos a pesquisa como gancho para uma reportagem jornalística, que é escrita por nossos repórteres.

ASSINATURA Prezada equipe, gostaria de saber se é possível assinar a revista Arco.

Fotografia: Rafael Happke

Tiago Mendes de Oliveira, Técnico-administrativo da Universidade Federal de Viçosa

6

carta do leitor

Infelizmente, não temos um serviço de assinatura e entrega da Arco. Divulgamos sempre, via redes sociais, os lançamentos e os locais onde os exemplares são disponibilizados, e as edições impressas também podem ser acessadas em nosso site ufsm.br/arco.


CURIOSIDADES

VOCÊ SABIA? É VERDADE QUE...? A cada edição, a seção Curiosidades responde àquelas questões que você sempre quis saber se eram mitos ou verdades e conta histórias singulares sobre a UFSM

Você sabia que a UFSM foi pioneira no uso da televisão para o ensino de cirurgia na América do Sul? O uso do circuito de televisão fechado foi implementado pela primeira vez no ensino de cirurgia, na América do Sul, em 1958, na Faculdade de Medicina de Santa Maria. O então diretor e chefe do Departamento de Cirurgia, professor José Mariano da Rocha Filho, havia pedido que o sistema de televisão fosse encomendado utilizando recursos do Estado. Contudo, o pedido não foi efetivado pelo órgão responsável. O professor então recorreu em carta pessoal ao presidente da República e seu amigo, Juscelino Kubitschek, para que ele interviesse na aquisição do equipamento. Os argumentos do professor eram de que, com a transmissão das cirurgias por televisão, o número de estudantes que poderiam observar as técnicas seria aumentado exponencialmente, além de oferecer riscos menores para o paciente, já que só precisaria estar presente na sala a equipe cirúrgica. O presidente, que era médico por formação, interveio, e a ideia inovadora de Mariano pôde ser realizada.

Você sabia que é possível cidadãos comuns proporem projetos de lei? A Constituição Federal diz que “A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. Dessa forma, qualquer cidadão pode apresentar projetos de lei ao Poder Legislativo. Atualmente, o total do eleitorado nacional é de 146.734.726, assim é necessário que 1.467.347 eleitores assinem a proposta, sendo que é preciso que haja participação de cinco estados diferentes e que cada um desses estados tenha, no mínimo, 0,3% de participação dos seus eleitores. Um exemplo de proposta de iniciativa popular que virou lei é a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar n° 135/2010). O projeto contou com 1,3 milhão de assinaturas, sendo sancionado pelo presidente em junho de 2010.

É verdade que a Base Aérea (Basm) Está próxima ao campus da ufsm devido a questões estratégicas ? Muitas pessoas acreditam que a Base Aérea de Santa Maria teria sido construída perto do Hospital Universitário com o objetivo de dificultar ataques (em uma possível guerra), explorando a Convenção de Genebra, que protege hospitais de atos hostis. No entanto, trata-se de uma história falsa. O terreno em que se localiza a Base foi desapropriado em caráter de urgência, em 1944, pelo presidente Getúlio Vargas. Na época, foi criado um campo de aviação no local (a Base só foi ativada 27 anos mais tarde nesse terreno, como forma de ampliar a proteção do espaço aéreo brasileiro). O campus da UFSM só começou a ser construído 17 anos depois, em 1961, e o prédio do HUSM, só em 1964.

a Repórter: Matheus Santi • Diagramação e ilustração: Gustavo Quatrin Mande a sua dúvida ou conte a sua história relativa à UFSM para nós: arco@ufsm.br

curiosidades

7


UFSM aprimora experiência digital

Fotografia: Rafael Happke

NOSSAS INVENÇÕES

Projeto do CPD da UFSM busca renovar funcionalidades e a identidade do ambiente digital universitário

Convergir. Conectar. Colaborar. Esses são os três ‘cês’ que acom- você pode se conectar a essa rede com a autenticação da UFSM. panham o novo conceito de atuação do Centro de Processamento Além disso, a parceria com a CAFe possibilita que o usuário de Dados (CPD) da UFSM. Em 2014, durante o processo de adquira materiais acadêmicos, atlas e conteúdos da Microsoft sem reestruturação do CPD, seus gestores perceberam que o órgão precisar estar conectado à internet da Universidade e sem custo. A última etapa, que é a colaboração, visa possibilitar que as precisava estar à disposição das demandas da comunidade acadêmica, além de oferecer seu trabalho à administração da unidades de ensino trabalhem juntas. Aqui, o CPD trabalha para UFSM. Eles estabeleceram que seria preciso criar um conteúdo fornecer ferramentas que sejam demandas de alunos, professores que fosse útil aos usuários, ao mesmo tempo que propiciasse a e servidores. Através de pesquisa com a comunidade acadêmica, experiência de não mudar de ambiente, ao navegar pelos dife- o CPD percebeu, por exemplo, a necessidade de um canal de rentes conteúdos e meios eletrônicos da Universidade, através armazenamento de arquivos online vinculado à Universidade. de sites com identidade visual semelhante. Com a união das Nessa etapa, os projetos ainda estão em fase de planejamento. ideias, foi criado o UFSM Digital. A união dos três eixos que norteiam o CPD também resultou As metas do UFSM Digital estão divididas em três etapas. A na criação de um aplicativo, o UFSM Digital, que foi lançado em primeira é a convergência. O objetivo é deixar os portais, páginas setembro de 2016 e já possui mais de dez mil downloads. Diante de periódicos e Pró-Reitorias com a mesma cara, e permitir que do grande número de alunos na Universidade, cerca de 27 mil, e professores, alunos e servidores se envolvam mais nas produções as preferências de navegação no site da instituição, o aplicativo de conteúdo. Para isso, o primeiro passo foi a criação do Farol visa facilitar o manuseio das ferramentas preferidas do alunos: (www.farol.ufsm.br), plataforma destinada ao compartilhamento restaurante universitário, biblioteca e transporte público. No app, e transmissão ao vivo de vídeos com conteúdo acadêmico. que está disponível no Play Store para instalação, o saldo do RU, A segunda etapa chama-se conectividade. A ideia é que, inde- a situação na biblioteca, os horários de ônibus, as notas e faltas pendentemente do lugar em que se esteja na UFSM, tenha-se acadêmicas e o ponto eletrônico dos servidores estão disponíveis acesso à rede de internet institucional. No entanto, a equipe do para consulta. O Diretor do CPD, Gustavo Chiapinotto, sintetiza o CPD foi além. Uma parceria firmada com a Comunidade Acadê- objetivo de todo o projeto: “Trazer para o usuário uma experiência mica Federada (CAFe) e a Eduroam permite que, com o CPF e a melhor sem que ele precise dominar as tecnologias para usar”. senha do portal da UFSM, seja possível se conectar a essa rede E, assim, os próximos desafios estão em descobrir e atualizar as de internet em qualquer lugar do mundo. Se você está no Japão, demandas de alunos, servidores e professores da Universidade. e lá eles também usam o serviço da Eduroam, isso significa que a Repórter: Andressa Foggiato • Diagramação: Camilla Bartholomei e Douglas Mastella

8

nossas invenções


sociedade

Mais informação, menos bugios mortos Os bugios são considerados sentinelas dos seres humanos quando se trata da febre amarela. Eles são chamados assim por serem mais sensíveis à doença e os primeiros infectados. O local de sua morte deixa indícios sobre a circulação do vírus na região e alerta os órgãos de saúde para que tomem as medidas necessárias no combate à febre amarela. Apesar disso, muitos desses animais acabam mortos por pessoas que acham que eles são os transmissores da doença. Em 2009, no último surto de febre amarela silvestre ocorrido no Rio Grande do Sul, vários bugios morreram em razão da doença, mas também devido à falta de informação das pessoas. A professora do curso de Ciências Biológicas da UFSM de Palmeira das Missões Vanessa Barbisan Fortes afirma que em 2004, quando realizou a pesquisa de campo para o doutorado, a população de bugios no Campo de Instrução de Santa Maria (CISM), uma área pertencente ao Exército Brasileiro, era de mais de mil macacos nesse local. Ela também participou de outro estudo, coordenado pelo professor de Ciências Biológicas da PUCRS Júlio César Bicca Marques, que apontou que entre os anos de 2012 e 2014 havia cerca de 300 bugios nessa mesma região, uma drástica redução da população. Vanessa estuda ecologia e comportamento de bugios em Santa Maria há 20 anos. Ao considerar essas questões, ela criou o projeto de extensão Bugios, mosquitos e febre amarela: prevenção e contribuições ao monitoramento epidemiológico da doença em áreas de risco no município de Santa Maria, RS, que teve início em maio de 2016. O objetivo é divulgar informações sobre o ciclo biológico da doença e sensibilizar os participantes sobre a necessidade de proteger os macacos.

1

As atividades do projeto incluem palestras em escolas de ensino fundamental e médio no entorno do CISM. No ano passado, três escolas participaram das ações — cerca de 400 estudantes da zona urbana e rural. Os conteúdos abordados são relacionados à transmissão da febre amarela, caracterização dos bugios (ecologia e comportamento), combate ao Aedes aegypti e características dos mosquitos vetores nos ambientes silvestre e urbano. Além do trabalho nas escolas, os integrantes do projeto realizam captura de bugios para coleta de sangue e encaminhamento laboratorial para verificação da presença de anticorpos contra o vírus. São coletados ainda larvas e mosquitos adultos para verificar se há possíveis vetores da doença. O projeto também prevê a realização de palestras para os militares que estão em instrução no CISM e para as comunidades do entorno dessa área. A ações de campo são realizadas em parceria com o Exército. Participam das atividades estudantes de Ciências Biológicas de Santa Maria e de Palmeira das Missões, Engenharia Sanitária e Ambiental, Zootecnia e Técnico em Meio Ambiente. A vice-coordenação é realizada pela professora do curso de Engenharia Sanitária e Ambiental, Marilise Krügel. a Repórter: Gabriele Wagner de Souza • Diagramação e ilustração: Yasmin Faccin

A febre amarela urbana não é registrada no Brasil desde 1942. As ações do Projeto Sentinela se concentram no entorno do CISM, pois na periferia da zona urbana já foram encontrados focos do Aedes aegypti e isso representa um grande risco de reurbanização da doença. Por isso, há a necessidade de se combater o Aedes aegypti para evitar sua disseminação e prevenir a existência da doença.

CICLO SILVESTRE 4

Uma pessoa não vacinada contra a febre amarela se dirige a uma área silvestre e é picada pelo mosquito (do gênero Haemagogus ou Sabethes) 3 2

Professora cria projeto para explicar que macacos não transmitem febre amarela

A pessoa contaminada na floresta leva o vírus para a região urbana

Ao picar a pessoa contaminada, o mosquito se contamina e pode transmitir o vírus para outras pessoas

CICLO URBANO Na cidade, o mosquito que transmite a doença é o Aedes aegypti e pode picar uma pessoa que se contaminou com o vírus na área silvestre.

5

O vírus causador da febre amarela silvestre e urbana é o mesmo, assim como os sintomas. O que difere as duas é o mosquito que transmite a doença.

SOCIEDADE

9


Como Surgiu?

Amassava, amassava,

aos poucos ia extraindo formas * As esculturas não estão somente em museus. Na UFSM, fazem parte do cotidiano de todos que passeiam pelo campus

*Trecho extraído do livro O Lustre, de Clarice Lispector

Caminhar pelo extenso terreno do campus da UFSM em Camobi é estar, a todo momento, em contato com diversas formas artísticas. Entre elas, estão aproximadamente 40 obras esculturais, de vários autores. Algumas foram planejadas especialmente para ocupar o lugar em que estão, já outras são fruto do trabalho de jovens estudantes do curso de Artes Visuais. As intempéries do tempo e o escasso recurso destinado à manutenção são a causa dos desgastes na pintura, rachaduras nas obras e até a necessidade de retirada para evitar a total destruição. Além disso, pela falta

de registros oficiais, informações sobre as esculturas se perderam ao longo dos anos. No entanto, as obras que permanecem carregam consigo histórias e inspirações de cada artista e de cada local. Seguindo o mapa, você pode fazer um passeio pelo campus e saber como e quando surgiram algumas das esculturas que embelezam o dia a dia da Universidade. a Repórteres: Andressa Foggiato e Luan Romero • Ilustração: Pollyana Santoro e Gustavo Lago Quatrin • Diagramação: Pollyana Santoro

Entrada da UFSM: A bússola - Juan Amoretti, 2012 As cinco cores diferentes da obra, feita de concreto, e os mosaicos de diversos rostos buscam representar cada continente, assim como a diversidade, sendo a bússola que orienta a Universidade.

10

como surgiu?

perto do ct: O Galo - Antenor Spetch Livre interpretação da figura do galo, feita com fibra de vidro, massa plástica e resina.


CEFD - Carina Plain, 2008 A escultura, feita de cimento, foi encomendada para fazer parte de um jardim de onde os alunos podem tirar fotos em que o prédio do CEFD aparece ao fundo.

HUSM: Regina Giacomini,1994 Escultura feita em homenagem aos 40 anos do curso de Medicina da UFSM. Foi produzida com fibra, resina, massa plástica e pintura automotiva.

CCNE: Regina Giacomini, 1982 A obra é uma interpretação da figura feminina. No centro de um jardim, a escultura, feita de cimento, é rodeada por flores agaves, que realçam a força da mulher.

Fundos reitoria (Do lado esquerdo): Luiz Gonzaga Gomes, 1977 A escultura, chamada Sabedoria, feita de massa plástica, além de aparecer nas fotos de divulgação da Universidade, integra também o projeto paisagístico da Reitoria.

Frente da reitoria (Do lado direito): Silvestre Peciar, ano desconhecido Chamada de Escultura Feminina, a obra é feita de cimento e possui inspiração nas formas da mulher.

Próximo à ponte: Bancos Esculturas, Carina Plain, 2007 A escultura tem formas baseadas no estudo sobre a flor e a semente da árvore que fica atrás da obra, a corticeira. União de arte e design, a obra é feita de cimento e serve como banco.

como surgiu?

11


Diário de campo

Na busca por

inclusão O debate sobre a adoção das cotas como forma de diminuir as desigualdades sociais no ingresso das universidades federais teve grande repercussão no Brasil há alguns anos. Através do sistema de ações afirmativas existente desde 2007, a UFSM esteve entre as pioneiras e já reservava vagas específicas para alunos afro-brasileiros, indígenas, pessoas com deficiências e egressos do sistema público de ensino. Essas medidas se ampliaram, e a Universidade ainda se adapta para atender esses alunos.

Pesquisadora investiga a relação entre a acessibilidade e as estratégias psicopedagógicas no ensino superior

Na dissertação da pesquisadora Jéssica Bortolazzo, defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação em 2015, colocou-se em discussão o modo como o ensino superior acolhe os alunos com deficiência, já que eles necessitam tanto de acessibilidade aos diferentes espaços físicos, como também precisam de acompanhamento psicopedagógico. “A aproximação com os estudantes foi inicialmente através de e-mail, por informações fornecidas pela Coordenadoria de Ações Educacionais (CAED) da UFSM. Depois, busquei ir ao ambiente que fosse melhor a cada um dos que retornaram o contato inicial para fazer a entrevista”, conta Jéssica. Os trechos do diário de campo e das entrevistas realizadas pela pesquisadora dão voz a esses alunos.

Estudante 1 Faz Direito, tem 31 anos, ficou com problemas na perna devido a um acidente de carro. A estudante foi bem receptiva, e iniciou contando como a sua vida era corrida. [...] Foi bem insistente ao falar que se sentia humilhada por ter que ficar todo momento falando de sua perna para ter acesso aos seus direitos. Ela pareceu sentir-se incomodada com as situações que passou, e por algumas que ainda passa, com uma certa ‘raiva’ por valorizarem mais uns tipos de problemas em detrimento de outros, sendo que sua deficiência não precisa estar aparente para que ela tenha o devido acesso que merece. Pesquisadora “O coordenador do curso sabe o aluno que é deficiente. Tem que procurar saber e perguntar se [o aluno] precisa de alguma coisa. Eu tinha que ser cega, estar numa cadeira de rodas, ou

12

diário de campo

de muleta, para ele saber? Não. [...] Parece que tem que chegar numa cadeira de rodas ou tem que estar pedindo. Eu acho assim: eles sabem que têm [alunos com deficiência] e ficam omissos.” Estudante 1 “Falta essa comunicação no Restaurante Universitário (RU), porque nem todo deficiente é físico aparente. No RU, deveriam dar uma credencial [para os deficientes]. 'O fulano passa na frente porque é prioritário.'. Seria bem mais fácil para os deficientes, porque não precisam ficar dando explicação.” Estudante 1 “Os professores são ótimos! São bons! Tem professor que eu acho que sabe que tu tem [deficiência]. Tem uma professora que eu disse: 'Ah! Vou chegar atrasada'. E ela: 'Tudo bem, pode chegar atrasada, só não deixa de vir na aula'. Ela notou que eu tenho o problema na perna. E uma outra também [notou]: 'Ah! Tu tem uma coisa na tua perna.'" Estudante 1


Estudante 2 Faz Medicina, tem 23 anos, ficou paraplégico por ter sofrido um acidente de carro. O estudante frisou várias vezes o quanto ele estranhava essa nova vida, que ele não ‘aceitava’ essa nova condição, que essa não era a sua vida, mas que agora ele vive, não está depressivo, mas que não é 100% feliz e que se 1% não está bem, não é felicidade completa. [...] Demonstrou gostar de conversar e colaborar com pesquisas, principalmente no assunto que tange à acessibilidade, mostrando o quanto quer melhorar as condições na sociedade não só para si, mas para os outros componentes da sociedade. [...] Também se percebeu o quanto ele demonstra estar feliz por estudar nessa Universidade, onde se sente acolhido e atendido em seus pedidos, embora pense que há muito o que se fazer ainda. Pesquisadora “O professor fala: ‘Se precisar de 50 minutos a mais [para fazer a prova], tu tem direito pela legislação’. A maioria não fala, porque eu não uso. Não é porque não me sinto bem, mas eu não preciso. Eu faço normal o meu estudo, regular, de igual para igual. A única diferença é esta: eu preciso de uma acessibilidade. Nenhuma prova eu precisei extrapolar o tempo, mesmo o professor falando: ‘Tu pode! É teu direito’. Então eu acho que os profissionais que lidam comigo foram conscientizados de algum jeito.” Estudante 2

Estudante 3 Faz Administração Pública, tem 28 anos, possui sequelas da paralisia cerebral. Pessoas humildes e batalhadoras: é assim que caracterizo a Estudante 3 e sua família. Ela tem uma irmã gêmea, são bivitelinas, e ambas tiveram sequelas da paralisia cerebral, passando por várias cirurgias em Santa Maria e Passo Fundo. A irmã da Estudante 3 ficou com problemas de aprendizagem. No entanto, a Estudante 3 não apresentou dificuldades na aprendizagem. [...] Percebe-se que é uma família que necessitava ser escutada, e que alguém compreendesse seus desafios [...] A Estudante 3 é bem dedicada, pelo que se pode perceber, e sua frase marcou muito: ‘Se for pra eu entrar numa coisa pra não me esforçar, não terminar, eu não entro’. Pesquisadora “Eu tenho professores muito bons. Um professor de Contabilidade chegava a fazer videozinhos explicando questão por questão, muito dedicado. E tem professores que, eu acredito que por ser curso a distância, não têm só aquilo pra fazer. Só que tem professores que tu manda uma pergunta hoje e vai, vai, vai, e passou a prova, às vezes, e ele não responde. Em geral tem professores bons.” Estudante 3

diário de campo

13


Estudante 4 Faz Medicina Veterinária, tem 20 anos, possui Acondroplasia, uma condição genética relacionada com baixa estatura e alteração dos ossos. A estudante é bem humorada, e acolheu super bem a entrevista, respondendo sempre com um sorriso no rosto, e demonstrando disposição de estar envolvida na pesquisa. Ela é uma menina que parece bem realizada, que demonstra muito carinho e gratidão tanto pela sua família como pelos colegas, professores e pela Universidade em geral, que a acolheu bem. A Estudante 4 respondeu às questões de uma forma mais direta, às vezes contando alguns episódios. Antes da entrevista, relatou o seu caso, mas não era de detalhar muito suas respostas. Procurava ser objetiva. Pesquisadora “Na real, aqui no Núcleo [de Acessibilidade], eles estão desenvolvendo um banco pra eu assistir às aulas de anatomia. A bancada é alta, e daí tão desenvolvendo um banco. Agora a professora de Histologia já achou um banco pra mim, porque lá me faz falta, sabe, e preciso de um banco que fosse alto na altura dos microscópios, mas que tivesse barras embaixo pra eu subir.” Estudante 4

Estudante 5 Faz Jornalismo e pós-graduação em História, tem 51 anos, lida com as sequelas de um acidente, em que houve falta de oxigenação no cérebro. Na entrevista, ele foi bem receptivo demonstrando interesse em responder o que era solicitado. Devido ao seu acidente, ele tem dificuldades em falar claramente. [...] No decorrer da entrevista, tinha dificuldade em responder às questões no sentido de interpretar o que era solicitado, mas voltava e repetia o que era o objetivo das questões. O Estudante 5 parece ser bem carente, tanto que ficou horas contando sua vida, parecendo precisar de atenção e de ser escutado, que tivesse alguém para ouvi-lo. Ele sentiu-se bem à vontade, e relatou vários casos pelos quais passou, demonstrando ter superado. Claro que sempre se voltando à sua mãe e às pessoas que o ajudaram. Pesquisadora “Passei uns perrengues no Jornalismo, na aceitação de colegas. Professores com doutorados e mestrados e não sabem lidar com as pessoas. Uma professora que é terrível. [...] Cada curso tem um método, no Jornalismo me perdia, na História é meu campo. No Jornalismo os professores me ajudavam, tirando aquela uma [professora]. Mas eu procurava os professores e falava o que precisava.” Estudante 5

14

diário de campo


A acessibilidade Entre as perguntas feitas pela pesquisadora aos estudantes, ela quis saber o que cada um considerava como acessibilidade. Confira as respostas a seguir:

“Eu poder ir e voltar sozinha, sabe? Sem precisar de ninguém me carregando. Não importa se eu estiver agora de muleta, ou com o Ilisarov*, ou estiver com uma cadeira. Eu poder ir sozinha. Aqui na Universidade é complicado.” Estudante 1

“Eu acho que acessibilidade é a possibilidade de todas as pessoas, independente de suas limitações, conseguirem ter oportunidade.” Estudante 3

*Aparelho fixador externo de fraturas usado para estabilizar a região lesionada

“Acessibilidade eu acredito que seja... Não só tipo físico assim, sabe, de fazer materiais acessíveis, mas [também] como tu te dispor para aquela pessoa. Ser acessível para aquela pessoa falar dos problemas dela. Então, tem dois lados.” Estudante 4

“Acessibilidade é tu ter acesso universal a um lugar. É isso a acessibilidade. É ter acesso universal para todos os tipos de pessoa naquele lugar. Pra mim é isso acessibilidade. Eu tenho um lugar, eu quero que todo mundo tenha [como] entrar ali.” Estudante 2

“Conheci acessibilidade aqui na UFSM. Muito importante, achava que era só para deficiente físico, mas vi uma gama maior disso, ampla história, envolve mais coisas. No Jornalismo ano passado tava a fim de estourar. Troquei o curso e melhorou.” Estudante 5

a Repórter: Luan Romero • Ilustração e diagramação: Pollyana Santoro

diário de campo

15


biologia

alternativas à experimentação animal

Pesquisas na UFSM utilizam diferentes organismos para reduzir uso de roedores em experimentos

Durante séculos, médicos e pesquisadores utilizaram animais para conhecer melhor o funcionamento dos órgãos e sistemas do corpo humano e ainda aprimorar suas habilidades cirúrgicas. Para os cientistas, experiências em animais eram fundamentais para a expansão do conhecimento e importantes para novas descobertas na ciência. Os animais mais tradicionais utilizados em pesquisas são roedores, como ratos e camundongos. A similaridade com o genoma humano, o tamanho pequeno e a fácil reprodução estão entre as características que tornaram esses mamíferos cobaias dos experimentos. Eles precisam ser mantidos nas melhores condições de saúde e higiene possível; caso contrário, não poderão ser usados com propósito científico, pois existe legislação de bem-estar animal a ser respeitada. No entanto, as críticas que surgem de vários segmentos da sociedade sobre o sofrimento dos animais que são utilizados nos experimentos são cada vez mais frequentes. Em 2014, o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, reconheceu outros métodos alternativos com o objetivo de reduzir o número de animais usados em pesquisas. Há estudos que buscam a substituição para a experimentação animal propondo modelos celulares in vitro, computadorizados, entre outros. A utilização de métodos alternativos também vem acontecendo na UFSM. Se ainda não é possível substituir totalmente os animais nos experimentos, os organismos modelos representam um passo a mais nessa direção. A ciência considera organismo modelo qualquer organismo vivo utilizado para estudos de diferentes situações que mimetizam aspectos que ocorrem com seres humanos. Já os organismos alternativos são seres que podem complementar o estudo com roedores tradicionais. Na Universidade existe a Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA), que iniciou as atividades em 2005 e foi regulamentada em 2008. Ela realiza aprovação, controle e vigilância das atividades de criação, ensino e pesquisa científica com animais para garantir o cumprimento das normas de controle da experimentação animal definidas pelo CONCEA. Segundo a coordenadora da CEUA/UFSM, Daniela Bitencourt Rosa Leal, a Comissão tem como uma de suas atribuições incentivar a adoção dos princípios de refinamento, redução e substituição no uso de animais em ensino e pesquisa científica. Professores do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica Toxicológica da UFSM têm estudado organismos diversos para trabalhar em experimentos. O pesquisador Félix Antunes Soares realiza estudos com vermes (Caenorhabditis Elegans) desde 2010. O professor Denis Rosemberg desenvolve pesquisas com peixes (Zebrafich) desde 2005, quando estava na graduação.

16

biologia

A professora Nilda Barbosa trabalha com pesquisas envolvendo moscas (Drosophila Melanogaster) desde 2011 e já realizou pesquisas com leveduras (Saccharomyces cerevisiae) entre o período de 2014 a 2016. O pesquisador João Batista da Rocha executa estudos com baratas (Nauthoeta Cinerea) há cerca de 5 anos. Esses são apenas alguns exemplos de pesquisas que são desenvolvidas na instituição com os organismos modelo, sendo que alguns professores chegam a trabalhar paralelamente com mais de um tipo de organismo. “O objetivo é reduzir o número de animais de grande porte e de custo elevado em pesquisa e, ainda, ter alternativas que respondam a questões complexas”, afirma o pesquisador e vice-coordenador da CEUA, Denis Rosemberg. Desde o início dos estudos com organismos alternativos na UFSM, a quantidade de mamíferos como camundongos e ratos usados em pesquisas na Universidade diminuiu consideravelmente, pois alguns professores deixam de usar ou passam a utilizar menos esses animais depois de adotarem outros organismos vivos na pesquisa. O professor do Departamento de Ciências Biológicas Félix Soares enfatiza que, apesar de substituir mamíferos em experimentos, ainda são utilizados alguns animais. “Futuramente talvez possamos trabalhar com linhagens celulares, porém o custo é bastante elevado. Além disso, é necessário um laboratório adequado e profissionais especializados. Hoje, esses organismos alternativos ainda são nossa opção”, afirma. O armazenamento desses organismos modelo é mais prático, já que os mamíferos precisam ser acondicionados em ambiente com temperatura, luminosidade e espaço adequado. Além disso, Félix acredita que para os estudantes pode ser mais fácil trabalhar com esses organismos já que, em relação aos mamíferos, eles podem ser mais fáceis de se manusear.

Lei Arouca Em 2008 foi regulamentada a Lei Arouca (Lei 11.794) que normatiza os procedimentos de experimentação animal no país. Basicamente, os pesquisadores precisam seguir três critérios: primeiro, não é permitido utilizar mais animais do que o necessário; segundo, todo animal utilizado em pesquisa deve ser submetido a determinados cuidados em relação ao bem-estar animal; o terceiro diz respeito à substituição da experimentação em animais por métodos alternativos com respostas confiáveis, com aplicação na saúde humana e animal. a Repóteres: Gabriele Wagner de Souza e Luciane Volpatto Rodrigues • Diagramação: Douglas Mastella e Pollyana Santoro • Ilustração: Pollyana Santoro • Fotografias: Rafael Happke


Nauthoeta cinerea (baratas)

Caenorhabditis elegans (verme)

As baratas têm 64% do genoma similar ao humano, e são facilmente manipuláveis. A criação acontece em caixas com temperatura controlada — no inverno em torno de 18 e 25 graus e no verão entre 25 e 35 graus. Possuem ciclo de vida longo, vivem em torno de 2 anos. Podem ser utilizadas em análises químicas, moleculares e comportamentais.

As vantagens de se trabalhar com esses vermes é eles terem 80% do genoma semelhante ao humano, serem pequenos (menos de 1mm) e transparentes, o que facilita a análise microscópica e a manutenção. Além disso, sua manipulação genética é relativamente simples. Com esses organismos se estudam formas de diminuir a expressão ou mesmo evitar os efeitos da proteína beta-amiloide, uma das proteínas relacionadas à doença de Alzheimer.

Zebrafich (peixes) Esse peixe tem 70% do genoma similar ao humano, e pode se reproduzir em larga escala, já que, em condições ideais, um casal pode originar mais de 200 larvas. Diferentemente dos mamíferos, o Zebrafish possui uma capacidade de regeneração de neurônios significativa, o que favorece o estudo dos mecanismos associados à regeneração celular após dano neuronal. Com ele podem-se analisar modelos de intoxicação alcoólica, estresse, ansiedade e transtorno depressivo, pois os aspectos comportamentais do peixe são similares às patologias humanas. Experimentos na área de toxicologia, bioquímica, neurociência e comportamento animal são realizados.

Drosophila melanogaster (moscas) Tem de 60% a 80% do genoma similar ao humano, possuem parâmetros de reprodução bem desenvolvidos e são de fácil manipulação. Podem ser realizadas análises de todo o ciclo de vida, desde o estágio larval até vida adulta. São criadas em vidros, conservadas numa sala de refrigeração com temperatura entre 20 a 24 graus. Se alimentam de comida à base de farinha de milho e vivem cerca de 60 dias. Com esses organismos, podem ser realizados experimentos sobre doenças neurológicas e metabólicas, estudos sobre doenças de Parkinson, Alzheimer e diabetes.

Saccharomyces cerevisiae (leveduras) As leveduras, popularmente conhecidas como fermento, são acondicionadas em placas pequenas de 150 ml com refrigeração de 30 graus. Por ser uma célula eucariótica — presente em vegetais, fungos e em seres humanos — possui vários genes homólogos aos presentes no corpo humano. Uma das vantagens é que as análises realizadas ficam prontas em 48 horas. Podem ser usados em experimentos na área da toxicologia e estudos relacionados ao envelhecimento.

biologia

17


memória

Em cena, o cinema santa-mariense dos anos de 1960 por Marilice Daronco*

Nos anos de 1960, dois filmes foram realizados em Santa Maria: a ficção A ilha misteriosa (1962), de José Feijó Caneda, e o documentário de animação A Vida do solo, de Ana Primavesi, Orion Mello, Joel Saldanha e Glycia Doeler. Não se tratam de dois filmes quaisquer, mas sim das duas primeiras realizações cinematográficas de equipes locais. Eles têm em comum o fato de que foram feitos com equipamentos amadores: câmeras 16mm, que foram usadas para um fim diferente daquele para o qual foram projetadas (as filmagens domésticas), graças à vontade de fazer cinema de seus realizadores, muito maior do que qualquer obstáculo tecnológico. Durante dois anos, buscamos informações sobre os dois filmes, almejando construir suas memórias e analisar de que forma eles se relacionam com as identidades do cinema santa-mariense. Trabalhar com as lembranças sobre esses filmes exigiu, num primeiro momento, constituir o próprio campo de pesquisa. Afinal, não havia fontes oficiais sobre as obras. Mesmo sobre o 16mm no país, as pesquisas são escassas. Usando a metodologia da história oral, que não se prende a um questionário estanque, dando mais espaço para que se desenvolva a narrativa de quem está oferecendo seu relato, realizamos dez entrevistas com realizadores, filhos de realizadores, um colecionador de 16mm e pessoas que viveram os anos de 1960 na cidade. Esses relatos deixaram clara a relação de afetos dos realizadores com seus filmes. As entrevistas foram momentos de duelos entre o lembrar e o esquecer, de superação diante da dor de remexer determinados arquivos, pois as memórias ainda que não sejam traumáticas podem ser dolorosas, e também de reencontro com as lembranças sobre essas realizações. Aliadas à pesquisa em jornais, acervos públicos e particulares, as entrevistas ajudaram a compreender que o 16mm oportunizou o primeiro momento de democratização da realização cinematográfica no país. Momento este que foi seguido pelo Super-8, pelo vídeo e pela tecnologia digital nas décadas seguintes.

18

memória

A película em 16mm começou a ganhar destaque com os registros documentais da Segunda Guerra e se popularizou nos anos de 1950, quando os equipamentos passaram a ser usados também pela televisão. Até o surgimento desse tipo de filme, em 1924, só podia fazer cinema quem tinha avantajadas condições financeiras, pois era preciso comprar equipamentos profissionais, em 35mm, que, além de caros, exigiam equipes maiores e eram extremamente pesados, dificultando seu acesso a determinados locais. Em Santa Maria, encontramos exemplos de diversos usos da película em 16mm, desde o Cinejornal Aurora, de Sioma Breitman, nos anos de 1930, até as reportagens da TV Imembuí, emissora local que deu origem à RBS TV, além da realização de A ilha misteriosa e A vida do solo. Enquanto a ficção nos traz uma curiosa história sobre uma ilha habitada por fantasmas onde há um tesouro escondido, o documentário é resultado dos estudos da pesquisadora austríaca Ana Primavesi, que foi professora da UFSM e é considerada mundialmente como a "Mãe da Agroecologia". Eles são fragmentos de uma grande colcha de retalhos, que ainda são as identidades do cinema local. Melhor dizendo, são a costura por onde começa essa colcha. Somente no momento em que abrirmos os olhos para a importância de cada pontinho que foi dado para essa costura como um todo é que poderemos ter a expectativa de um dia a historiografia do cinema santa-mariense não ser mais apenas uma colcha de retalhos, mas a coberta que abriga e conserva a nossa memória audiovisual. *Marilice Daronco defendeu a dissertação Milímetros da história: memórias e identidades da produção cinematográfica em 16mm em Santa Maria nos anos de 1960 em janeiro de 2017. O trabalho foi desenvolvido no programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM sob orientação do professor Cássio Tomaim a Diagramação: Luiza Oliveira e Vinicus Beltramin


dossiĂŞ

Forças armadas e universidade Parceria capacita recursos humanos e impulsiona a economia local

19


dossiê

Catalisador

UFSM contribui para a consolidação do Arranjo Produtivo Local de Defesa e Segurança

do desenvolvimento local "Cidade Cultura" para alguns, "Cidade Universitária" para outros. Os adjetivos para caracterizar Santa Maria são diversos e muitos têm origem em sua história. No meio militar, o município é conhecido como a "Capital dos Blindados", por abrigar regimentos importantes em nível nacional, como a 6ª Brigada de Infantaria Blindada e o Centro de Instrução de Blindados, ambos subordinados à 3ª Divisão de Exército. Além disso, o município possui o segundo maior contingente militar brasileiro, com instituições vinculadas tanto ao Exército quanto à Aeronáutica. O ambiente formado na cidade é propício para que a relação entre as Forças Armadas e UFSM se desenvolva — tanto para o avanço tecnológico, como também para a colaboração em estratégias que impulsionam a economia local. Foi a partir dessa constatação que agentes da cidade se movimentaram, desde 2013, para se articular em torno do setor. A Agência de Desenvolvimento de Santa Maria (Adesm) buscou as demandas militares para instituir na região o Polo de Defesa e Segurança. A partir dessa iniciativa, foram necessários dois anos até o reconhecimento, pelo governo do estado do Rio Grande do Sul, do polo como um Arranjo Produtivo Local (APL) (veja box na página a seguir).

O Polo de Defesa e Segurança Todo esse desenvolvimento só foi possível a partir de iniciativas como o movimento A Santa Maria que queremos, que promoveu, em 2009, um encontro entre representantes da população santa-mariense, como professores, trabalhadores, empresários, militares, políticos, religiosos e representantes do poder público, para a construção de uma visão a longo prazo para o município. O resultado dessa mobilização foi a criação, em 2011, da Agência de Desenvolvimento de Santa Maria (Adesm), projetada para dar continuidade ao processo de planejamento estratégico, como também para viabilizar projetos de interesse do município. Entre os membros da Agência, estão os comandantes de organizações militares com sede em Santa Maria, representações empresariais, do governo municipal e das instituições de ensino superior, como a UFSM. Em 2012, depois de promover reuniões em fóruns temáticos, a ADESM apresentou um documento, o Caderno de Propostas, em que reconhece, dentre outras potencialidades, o Polo de Defesa como um vetor de competitividade local. De acordo com o superintendente executivo da ADESM, Diogo de Gregori: “A partir da Estratégia Nacional de Defesa, Santa Maria vem aproveitando esta vocação militar em favor do desenvolvimento da região e do Estado.”

20

dossiê

Em 2015, cerca de 15% do faturamento anual das 19 empresas vinculadas ao Polo estavam relacionados ao setor de Defesa e Segurança, o que demonstra o potencial de investimento nessa área. A ambição dos envolvidos é o reconhecimento internacional, até 2030, de Santa Maria como um Polo de Defesa. Os primeiros passos foram dados. Tal projeto começa a ser delineado com a organização do Seminário Internacional de Defesa (SEMINDE), que aproxima todas as partes interessadas no setor. O evento, que já teve duas edições, em 2014 e 2015, reuniu lideranças nacionais e internacionais da área de Defesa e Segurança. A terceira edição do Seminário vai acontecer em novembro de 2017 e deve contar com a exposição de produtos do setor em uma Mostra Tecnológica. Neste ano, também ocorre, pela primeira vez, o SEMINDE Acadêmico, em que trabalhos científicos voltados ao setor serão apresentados em Grupos de Trabalho e em uma mostra de Iniciação Científica.

Relações da UFSM e as Forças Armadas O amadurecimento do Polo se deve tanto à interação entre as empresas especializadas quanto à cooperação com os centros de ensino. Para Gregori, que também é o gestor do APL, a UFSM é bastante presente nas ações desenvolvidas pela governança do arranjo produtivo, e também possui papel fundamental no incentivo de trabalhos de conclusão de curso na área. “As pesquisas em Defesa e Segurança, realizadas pelo Grupo de Estudos em Capacidade Estatal, Segurança e Defesa/GECAP, do Centro de Ciências Sociais e Humanas (CCSH), também auxiliam na inteligência comercial”, observa o superintendente. O GECAP é coordenado pelo professor Igor Castellano da Silva, do Departamento de Economia e Relações Internacionais, e é um dos principais elos de comunicação da Universidade com o APL, já que estabelece contato direto com os militares que participam das atividades. Esse foi o caso do Coronel Piraju Borowski Mendes, chefe do Estado-Maior da 3ª Divisão de Exército (3ª DE) entre 2014 e 2016, que conheceu o professor Castellano em um encontro do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV), na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desde o primeiro contato, a intenção de aproximação ficou clara. “Identificamos nosso interesse em aproximarmos nossas instituições e juntos construirmos conhecimento na área de defesa, contribuindo para desenvolver uma mentalidade de defesa no Brasil. Passei a integrar o GECAP e alguns outros militares igualmente interessados também o fizeram”, conta o Coronel Borowski.


O GECAP possui projetos de extensão como o Café Defesa, em que profissionais do ramo discutem temas relacionados à defesa e segurança. Uma importante característica do Café Defesa é a presença de militares, tanto como ouvintes quanto como palestrantes, explicando como a própria instituição percebe sua importância. Desde 2015, acontecem debates relacionados ao papel do Exército no século 21, como também sobre a rede de estudos estratégicos do Exército e seus pilares no Sul e em Santa Maria. Para Castellano, a Universidade deve ser o lugar para que o diálogo com a sociedade civil seja estabelecido. Além das atividades de extensão, o grupo também produz pesquisas relacionadas ao tema. A parceria se fortaleceu a ponto de militares serem convidados para bancas de defesa de trabalhos de conclusão do curso. Além disso, de acordo com o Coronel Borowski, o Exército pode contribuir com relação à logística de pesquisas científicas. “O General Theóphilo, antigo Comandante Militar da Amazônia e atual Comandante Logístico do Exército, apresentou a possibilidade de apoiar com hospedagem e transporte os pesquisadores interessados em estudar questões da Amazônia”, ressalta. Os estudantes também se beneficiam com o desenvolvimento de pesquisas relacionadas aos assuntos de defesa, especialmente pela proximidade com empresas e instituições militares. Para o

300 mil 1

habitantes

bacharel em Relações Internacionais (RI) pela UFSM, Augusto César Dall'Agnol, ter participado dos projetos de pesquisa e extensão fez com que ele sentisse vontade de trabalhar em empresas de iniciativa privada relacionadas à segurança e defesa. Na opinião de Dall’Agnol, “hoje, nos eventos regionais e nacionais de Relações Internacionais, o curso de RI da UFSM está indissociavelmente ligado à pesquisa de segurança e defesa.”.

O que é um Arranjo Produtivo Local? É a aglomeração de empresas localizadas em um mesmo território que sejam do mesmo segmento e que busquem manter vínculos de interação, cooperação, comércio, tecnologia e aprendizagem entre si e com outras instituições locais, como as universidades. Em Santa Maria, há três APLs: APL CentroSoftware, de empresas ligadas à Tecnologia da Informação; APL MetalCentro, caracterizado por envolver empresas com áreas de atuação heterogêneas vinculadas à indústria agrícola, metalúrgica, serralheria, alimentos, aviação civil, energia solar e telecomunicação; e o APL de Defesa.

9 mil

militares Na ativa, inativos e pensionistas

centro de pesquisas espaciais (crs/inpe)

1 1

universidade federal e 6 universidades privadas

1 3

Base Aérea

Incubadoras tecnológicas

parque tecnológico

3

apls:

Defesa e Segurança, Metal Mecânico e Tecnologia da Informação e Comunicação

3ª 20

divisão do exército Maior frota de blindados do país

organizações militares do exército brasileiro

dossiê

21


Santa Maria e sua importância estratégica ao longo do tempo A posição geográfica de Santa Maria fez com que o município se tornasse importante ponto estratégico na geopolítica portuguesa. Com o passar do tempo, outros fatores foram demarcando a presença militar no município, como investigou a geógrafa Márcia Kaipers Machado, em 2008, em sua dissertação de mestrado A presença do exército e da aeronáutica na organização espacial de Santa Maria-RS.

O surgimento de Santa Maria A cidade surgiu nos campos que ficavam no caminho das tropas espanholas e portuguesas em direção às Missões e também permitiam o acesso para os fortes de Santa Tecla, Montevidéu e Sacramento. Um acampamento militar se estabeleceu no lugar onde hoje se localiza Santa Maria, uma tática comum usada pelos colonizadores após o precedente aberto na assinatura do Tratado de Madrid, que definia que a terra pertencia a quem a ocupasse.

a Repórter: Luan Moraes Romero • Diagramação: Yasmin Faccin e Pollyana Santoro

Início do século 20 Surgiu a 3ª Brigada Estratégica, hoje 3ª Divisão de Exército, e o 7º Regimento de Infantaria, hoje 6ª Brigada de Infantaria Blindada, que contribuíram para a expansão da malha urbana, já que por estarem localizados em áreas mais afastadas do centro da cidade, era preciso investimento em infraestrutura — como energia, serviços de saneamento básico e transporte — para atender os quartéis.

De 1915 a 1939 Nesse período de acelerada expansão urbana no sentido leste-oeste, quatro unidades militares foram construídas na cidade: o Hospital Militar de Santa Maria, atual Hospital de Guarnição, o Armazém Marechal Floriano, que depois se transformou no Depósito de Subsistência de Santa Maria, o 5º Regimento de Artilharia Montada, uma das unidades mais antigas nacionalmente, e o Parque de Aviação Militar, extinto posteriormente, mas que contribuiu para a construção da Base Aérea.

De 1960 a 1979 A Base Aérea de Santa Maria foi fundada em 1970 e, com a instalação da UFSM uma década antes, a região se desenvolveu e a mancha urbana se expandiu. Além disso, a construção do Círculo Militar como um espaço para o lazer dos militares e suas famílias contribuiu para que a cidade se tornasse mais atrativa para quem vinha para cá.

22

dossiê


28º Batalhão de Estrangeiros em Santa Maria Durante a Guerra da Cisplatina, o 28º Batalhão de Estrangeiros se deslocou até a região. Com o fim do conflito, muitos ex-combatentes, a maioria de origem alemã, se estabeleceram por aqui. Os novos moradores trouxeram habilidades e conhecimentos que dinamizaram a economia local. Além disso, em 1833, por lei imperial foi estabelecida na cidade uma unidade da Guarda Nacional, que tinha como objetivo manter a ordem nas províncias.

Ferrovia O tronco ferroviário estabelecido no Rio Grande do Sul obedeceu a interesses estratégicos de defesa do território nacional, ligando a capital, Porto Alegre, a Uruguaiana, fronteira oeste do estado. A cidade de Santa Maria acabou sendo um ponto de ligação do eixo leste-oeste do estado, porque para ir de um extremo ao outro era preciso passar pelo município.

De 1940 a 1959 No contexto da 2ª Guerra Mundial, o papel estratégico de Santa Maria começou a emergir com a instalação de unidades militares com funções de apoio e organização das tropas que chegavam à cidade vindas do centro do país. Foram instalados o 3º Batalhão de Carros de Combate, atual 29ª Batalhão de Infantaria Blindada, e a 4ª Companhia Especial de Manutenção, hoje 4º Batalhão de Logística. Além disso, a construção do Parque Regional de Motomecanização contribuiu para a expansão da região oeste.

De 1980 a 2005 O município recebeu mais unidades militares, como o 6º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado, a 6ª Companhia de Engenharia de Combate e o 1º Regimento de Carros de Combate Centro de Instrução de Blindados, que reforçam o papel da cidade como polo militar. Na década de 1990, a construção do Colégio Militar de Santa Maria e do Hotel de Trânsito foram importantes pelo reconhecimento das necessidades do grande contingente que se desloca para cá em função do Exército.

dossiê

23


dossiê

GeoMob:

nascimento de uma parceria Laboratório da UFSM desenvolve softwares para o Exército Brasileiro A apresentação de resultados dos projetos de pesquisa da UFSM determina o fim de um ciclo de empenho e trabalho. No caso do professor Enio Giotto, coordenador do Laboratório de Geomática, a apresentação dos resultados de um projeto voltado para a gestão rural foi o momento que despertou interesse de um parceiro para novos desdobramentos de seus projetos. O professor conta que um General do Exército viu uma apresentação para empresas e produtores de um trabalho relacionado à Doença de Newcastle — uma patologia aviária que causa problemas econômicos: “Nós tínhamos feito todo um levantamento de onde estavam as empresas de aves, os criadores. Ele veio conversar e perguntar se poderíamos fazer um sistema assim para o Exército.” Nascia a parceria. O convênio entre a 3ª Região Militar do Exército (3ª RM), que abrange o Rio Grande do Sul e que possui sede em Porto Alegre, e o Laboratório de

24

dossiê

Geomática, do Departamento de Engenharia Rural, estabeleceuse no final de 2006. O Coronel Rogério Pereira Duarte, um dos militares da equipe de desenvolvimento do projeto, fala que pelo fato de a UFSM ser reconhecida como excelente polo de produção do conhecimento, principalmente na área de geoprocessamento, o Exército decidiu firmar o acordo de cooperação com a Universidade. Como fruto, o primeiro software da parceria foi criado. O GeoMob funciona de forma parecida com o CR Campeiro7, o mesmo usado no projeto de gestão rural, também desenvolvido por Giotto, que informatiza os dados para auxiliar na administração de uma propriedade rural. A manutenção do GeoMob é feita a cada dois ou três meses, quando representantes do Exército e os pesquisadores do Laboratório se reúnem. O software é um produto de desenvolvimento continuado, assim ele é testado e os militares pedem modificações conforme as necessidades do Exército.


O GeoMob funciona como uma agenda organizada em categorias, chamadas de ‘classes’ na logística militar, que atendem às necessidades do Exército, como saúde, transporte e combustível. O software georreferencia as empresas, ou seja, além de servir como um banco de dados, também localiza hospitais, Corpo de Bombeiros, Polícias Militares, aeroportos, entre outros, geograficamente. O software utiliza tanto mapas do próprio sistema quanto do Google Earth para localizar as empresas próximas, e também nas cidades selecionadas dentro da 3ª RM. Após isso, o Google Maps prevê qual será o percurso, distância e tempo médio de deslocamento. O sistema foi pensado para funcionar internamente nos regimentos militares e servir estrategicamente na elaboração das missões. Além disso, o sistema gera relatórios da base cadastral das empresas que podem ser salvos, impressos ou copiados. Os dados dos locais podem ser consultados online ou offline. Quando a rede está ativa, é possível fazer atualizações, já quando

está offline eles são transmitidos pela Base de Dados do Exército, para as tropas e para os carros que necessitam. Por exemplo, a missão é se deslocar de Santa Maria até o porto de Rio Grande, no sul do Rio Grande do Sul. O planejamento é feito com base nos dados do GeoMob, que, com o uso do Google Maps indica o caminho a ser seguido. Se no meio da viagem é preciso parar para abastecer, então o soldado aciona a Base de Dados e, via rádio, pede a localização de todos os postos de combustíveis nas imediações. A central localiza o posto mais adequado e retorna com as coordenadas geográficas do posto para o soldado em deslocamento. Com o tempo, outras necessidades das Forças Armadas chegaram ao Laboratório. “Pela demanda de roubo de explosivos e contrabandos, viu-se a necessidade de fiscalização, para isso, foi criado o GEOFPC.”, comenta Giotto. O convênio foi renovado em 2013, e deve se estender até 2018. a Repórteres: Mayara Souto e Luan Moraes Romero • Diagramação: Yasmin Faccin e Pollyana Santoro

GeoFPC É um Sistema Georreferenciado de Fiscalização de Produtos Controlados, como explosivos e armamentos. Lá são cadastrados Pessoas Físicas (PF) e Pessoas Jurídicas (PJ) que possuam fábricas de explosivos, fogos de artifício, armas e munições. O aplicativo foi pensado para uniformizar os procedimentos de registro e facilitar a fiscalização dos armamentos. Para o levantamento de dados, há um check-list com todos os itens necessários, como: segurança, fabricação e controle dos explosivos. Assim, um soldado que vá fiscalizar alguma empresa pode registrar os dados a partir de um celular ou tablet, com sistema Android e GPS, e já transmitir as informações e sua localização.

O sistema para Android do GEOFPC está em fase de testes, e estão em desenvolvimento interfaces para web e desktop, com o banco de dados para rotinas de relatórios, gestão e outras funcionalidades.

dossiê

25


dossiê

Parceria para

tecnologia nacional A diversidade de cursos de graduação e pós-graduação e os diferentes assuntos pesquisados são sinônimos de oportunidades na UFSM. Seja na excelência das pesquisas desenvolvidas, no grande número de pessoas debruçadas sobre um projeto, ou nos possíveis avanços inovadores, a verdade é que muitos setores sociais têm visto na Universidade uma parceria com potencial. De um lado, o desenvolvimento profissional e pessoal de alunos e professores e a modernização de laboratórios; do outro, o interesse por um desenvolvimento de tecnologia 100% nacional e a possibilidade de ver o projeto ser desenvolvido de perto. Foi assim que o Exército Brasileiro chegou até a UFSM, procurando uma boa parceria e muita tecnologia.

astros 2020 A partir de contatos realizados no primeiro semestre de 2013, o Centro de Tecnologia da UFSM foi procurado para integrar o Projeto Estratégico do Exército Brasileiro ASTROS 2020, que faz parte da Estratégia Nacional de Defesa. O ASTROS 2020 é um projeto de desenvolvimento e de aquisição de um míssil tático de cruzeiro, com alcance de até 300 quilômetros, de um foguete guiado com alcance de até 40 quilômetros, além da criação de um novo Grupo de Mísseis e Foguetes e a construção do Forte Santa Bárbara, em Formosa, Goiás, que englobará todas as unidades relacionadas ao emprego de mísseis e foguetes do exército brasileiro. Desde seu início, em 2012, cerca de 600 milhões de reais já foram investidos nele. Parte desse valor foi destinada à UFSM. No projeto, o papel da UFSM é colaborar no desenvolvimento do Sistema Integrado de Simulação para o Sistema ASTROS, por meio do desenvolvimento do Simulador Virtual de

Exército e Universidade se unem para o desenvolvimento

Reconhecimento, Escolha e Ocupação de Posição (REOP), dos softwares para Treinamento Baseado em Computador (TBC) e da especificação dos Simuladores Virtuais Técnicos. O objetivo do sistema integrado de simulação é reproduzir uma situação real de combate em um computador, para que o militar tenha um primeiro contato e treinamento antes de ir para a prática real. Com um projeto deste tamanho, a equipe foi formada para que conseguisse acompanhar a demanda. Atualmente, fazem parte da equipe do Projeto SIS-ASTROS 11 professores, dois mestres e 27 alunos, entre graduandos e mestrandos. Para facilitar o processo de desenvolvimento, a equipe foi dividida em duas, uma responsável pelo TBC, e a outra pelo Simulador Tático do REOP. As equipes são constituídas pela parceria entre os cursos de Ciência da Computação, Engenharia da Computação, Sistemas de Informação e Desenho Industrial. À frente das duas está a professora e coordenadora do projeto, Lisandra Manzoni Fontoura. O simulador de REOP é o principal foco do projeto. Segundo a professora, o simulador visa instruir o comandante de uma Bateria de Mísseis e Foguetes, assim como seus integrantes, de como agir em uma situação de combate. “O Sistema ASTROS é bastante visado, porque ele tem um alto poder de fogo. Por isso, o Comandante de Bateria precisa estar treinado para seguir as doutrinas táticas de emprego corretamente,” afirma Lisandra. A execução do projeto teve início em fevereiro de 2015. O Exército está investindo nove milhões de reais na Universidade. O valor é destinado para o pagamento das bolsas dos alunos, compras de equipamentos, licenciamentos de programas de computadores e viagens. Conforme a evolução no desenvolvimento, a equipe apresenta os protótipos ao Exército. Lisandra chama o processo de abordagem evolutiva, já que, a partir das considerações do Exército, novos requisitos são estabelecidos para uma apresentação seguinte. Os encontros ocorrem normalmente na UFSM, mas em algumas situações a equipe vai até Formosa, Goiás, a casa do Sistema ASTROS. Além desses encontros de apresentação, a equipe ainda se reúne de dois em dois meses para apresentar os resultados de cada subequipe, definir os passos seguintes e planejar o investimento do valor. ASTROS é a sigla para Artillery Saturation Rocket System, que em português significa Sistema de Foguetes de Artilharia para Saturação de Área.

26

dossiê


No REOP, todo o sistema tático será treinado, simulando um possível combate. O objetivo é habilitar os militares em doutrinas táticas referentes ao uso de uma bateria de mísseis e foguete.

No software TBC, o militar irá treinar como utilizar uma viatura. Com uma sequência de informações animadas, esse será o primeiro contato do militar antes da simulação virtual completa e das aulas práticas. O objetivo principal é reduzir os riscos de acidentes ou danos às viaturas.

No Simulador Virtual Técnico, cada viatura tem um simulador específico para treinamento. O papel da UFSM é fornecer as especificações técnicas, já que o desenvolvimento ficará sob responsabilidade de outra instituição.

dossiê

27


Fotografia: Divulgação/Exército Brasileiro

Avanços no desenvolvimento dos simuladores do projeto ASTROS 2020 são apresentados à comitiva do Exército pelos pesquisadores da UFSM

Temática de defesa Diferentemente do que o público geral possa pensar, Lisandra destaca que o trabalho não é feito sobre a temática de guerra. A professora considera de grande relevância trabalhar com a defesa nacional das fronteiras, diante dos recursos naturais de que o país dispõe. “Nós temos uma série de riquezas, e com o tempo esses recursos serão muito disputados. O Brasil precisa estar preparado para defender seu território e suas riquezas” afirma ela. Além disso, o investimento do Exército na Universidade traz diversos benefícios, principalmente quanto à estrutura e equipamentos para os cursos, e o crescimento profissional dos envolvidos. Mas o principal ganho é a possibilidade de fazer pesquisa aplicada, ou seja, ir além das pesquisas teóricas e vê-las funcionando na prática. “Em projetos como esse, você consegue, principalmente, preparar os alunos para o mercado de trabalho, para áreas nas quais existe uma demanda de profissionais”, ressalta Lisandra. Os mestrandos de Informática Alex Frasson e Tiago Engel estão envolvidos desde o início no desenvolvimento dos simuladores. Ambos destacam a experiência que a participação está lhes proporcionando, tanto pessoal quanto profissionalmente. Quanto ao crescimento pessoal, Frasson diz que seu maior desafio tem sido aprender a trabalhar em equipe e dividir as tarefas, já que durante a graduação grande parte dos trabalhos eram feitos individualmente. Já em relação aos avanços em termos profissionais, a oportunidade de trabalhar em uma proposta dessa dimensão é nova para eles, que lembram o fato de este tipo de projeto não ser comum na Universidade. Para Engel, é importante ver o trabalho sendo aplicado no futuro. “Ao invés de desenvolvermos trabalhos a partir de problemas que inventamos, estamos trabalhando em um projeto real, desenvolvendo tecnologia nacional”.

28

dossiê

Começar um projeto do zero, no entanto, é se dispor a ir atrás de toda informação, o que, às vezes, pode ser difícil de conseguir. Frasson explica que as empresas de simulação são ambientes fechados, que não investem na publicação de seus resultados. Por isso, é preciso muita pesquisa. “Estamos aprendendo muito nesse caminho, pesquisando e indo atrás. São coisas que não iríamos aprender no curso e na sala de aula” ele afirma. Frasson e Engel são responsáveis pela parte de visualização gráfica do projeto, apesar de que, por estarem desde o início e conhecerem bem todos os passos dados até aqui, eles se dedicam a ajudar os outros membros da equipe. O trabalho deles é transformar a informação passada pelo Exército em um cenário virtual, com base em coordenadas geográficas e imagens de satélite. “Embora alguns de nós já possuíssem experiência com desenvolvimento de jogos, a simulação é diferente. Tem características específicas que não estávamos habituados” conta Frasson.

exército O Coronel André Luis Maciel de Oliveira, supervisor do programa ASTROS 2020 e da parceria com a UFSM, explica que a aproximação com a UFSM aconteceu devido à excelência em pesquisa da instituição. A parceria é baseada no modelo Tríplice Hélice: envolve o governo (representado pelo Exército Brasileiro), que participa como incentivador à inovação; a Universidade assume o papel de geradora desta inovação; e, por fim, o processo altera a missão tradicional da Universidade (ensino e pesquisa básica) para focar no fomento às empresas e ao desenvolvimento tecnológico. Entre as competências necessárias para o desenvolvimento do projeto, o Coronel Oliveira destaca a Computação Gráfica,


Programação de Jogos 3D e Inteligência Artificial, por exemplo. Segundo ele, a parceria entre Exército Brasileiro e Universidades “é de fundamental importância para a soberania nacional, na medida em que insere o meio acadêmico em assuntos de defesa, incrementa a pesquisa de novos produtos e coopera na produção técnico-científica”. Na UFSM, o prazo para finalização dos simuladores é fevereiro de 2019, mas o Projeto Estratégico ASTROS tem prazo final para 2023.

O Modelo Tríplice Hélice foi desenvolvido por Henry Etzkowitz e Loet Leydesdorff. No modelo, a universidade incorpora a terceira missão de inovação, somada ao ensino e à pesquisa

Modernização dos DSETs fase final, o projeto deve ser apresentado ao Exército em breve. O professor Andrei Legg comenta que, desde o início, tudo foi um desafio, principalmente por trabalhar com uma tecnologia antiga, fechada e desconhecida pela equipe da UFSM, pensando na modernização do equipamento e na utilidade dele para o Exército. O professor Renato Machado afirma que, apesar da formação básica e teórica que a Universidade oferece, quando você vai para a prática e para implementação real de um projeto, muita coisa se altera. “O que desenvolvemos nesse projeto não temos dentro da sala de aula. O laboratório já é um experimento pré-concebido, onde o professor tem o domínio. A experiência que os alunos tiveram foi fantástica”, afirma ele. Além disso, mesmo após a conclusão do DSET, os contatos permanecem para que outros projetos sejam pensados em parceria. a Repórter: Andressa Foggiato • Diagramação: Yasmin Faccin e Pollyana Santoro

Lenon de Paula, revista TXT, n.19.

No Centro de Tecnologia, desde 2013, outro simulador também está sendo desenvolvido em parceria com o Exército. O Dispositivo de Simulação e Engajamento Tático (DSET) simula a trajetória do lançamento de uma munição real através de um laser. O equipamento, doado pela Alemanha nos anos 1980, está sendo modernizado pela equipe da UFSM. No início, os dados da simulação eram impressos em língua alemã, os comprovantes eram reunidos e, manualmente, analisados. A proposta da equipe do DSET na UFSM foi, além de traduzir as informações para português, digitalizá-las e obtê-las em tempo real, quando os blindados fossem atingidos. Assim, o comandante da cavalaria pode, também em tempo real, analisar os resultados e passar uma nova sequência de comandos aos blindados. A equipe envolvida no projeto conta com seis professores e, durante as fases de desenvolvimento, alguns alunos de graduação. O investimento do Exército foi de dois milhões de reais. Já em

DSET simula a trajetória de uma munição real, além de processar e registrar dados do tiro simulado, como velocidade e angulação do canhão

dossiê

29


alimentação

Segurança

alimentar

Pesquisadora cria procedimentos para avaliar carne adquirida pelo Restaurante Universitário da UFSM

A carne ocupa um lugar de destaque entre os alimentos oferecidos pela maioria dos estabelecimentos de alimentação. Ao mesmo tempo em que pode ser o principal atrativo em lanchonetes e restaurantes, ela também figura entre as principais causas de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA). Segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), de 2007 a 2016, a carne bovina in natura ocupava a sétima posição no ranking de alimentos causadores de doenças. Assim como em serviços de alimentação comerciais, as carnes também predominam em restaurantes de Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) de todo o país. No Restaurante Universitário (RU) da UFSM, são adquiridos aproximadamente 23.615 quilos de carne mensalmente —bovina, suína e de aves. Somente de carne bovina são 12.425 quilos por mês. Ela também é o item de maior custo, o mais perecível e o mais difícil de se realizar o controle de qualidade. Uma pesquisa realizada em 35 RU’s das cinco regiões brasileiras mostrou que a carne bovina era mais frequente nos cardápios das regiões centro-oeste e sul. O estudo integra a tese Procedimentos para avaliação da qualidade da carne bovina in natura na recepção em serviços de alimentação, defendida por Marizete Oliveira de Mesquita, no ano de 2014, na UFSM. A pesquisadora também realizou análises sensoriais, físico-químicas e microbiológicas de amostras de carne bovina in natura, resfriadas e embaladas a vácuo que eram adquiridas pelo RU da UFSM. As análises foram feitas uma vez por semana, nos meses de maio e junho de 2012. Na análise sensorial, o uso dos sentidos é a principal ferramenta para examinar o alimento. Uma equipe de funcionários do restaurante recebeu treinamento para avaliar as amostras de carne e definiu que os atributos sensoriais a serem avaliados seriam a aparência e o odor da carne. Os avaliadores deveriam olhar e aspirar amostras de carne e marcar em uma escala a intensidade com que esses atributos eram percebidos.

Também foram realizadas análises microbiológicas e físico-químicas das amostras de carne no laboratório do Departamento de Tecnologia e Ciência de Alimentos (DTCA). O resultado dos testes — que avaliavam presença de microrganismos deterioradores e patogênicos e identificavam o estado de conservação do material — foi associado com os resultados apontados pela equipe que realizou a análise sensorial. Assim, quando os testes sensoriais apontavam para uma amostra de carne com odor e aparência diferentes da ideal, isso também era comprovado por meio da análise laboratorial. A análise sensorial, assim como alguns testes simples e rápidos realizados durante a pesquisa — medição de pH, teste de filtração, temperatura e tempo de vida útil do produto — são avaliações que podem ser inseridas na rotina de aquisição de carnes para garantir a qualidade sanitária do alimento recebido pelo restaurante. Esses e outros índices resultaram na formalização de uma lista de procedimentos para aquisição de carnes bovinas in natura na recepção de serviços de alimentação. São pelo menos 485 itens a serem preenchidos ou avaliados, que vão desde o cadastro do fornecedor até a devolução do produto, caso haja necessidade. A pesquisadora — que também é nutricionista do RU da UFSM há 23 anos — afirma que o estudo, que foi realizado com informações da instituição, pode ser utilizado também em outros serviços de alimentação, principalmente os de grande porte, pois ele serve de suporte na definição da qualidade do produto. “Toda matéria-prima que chega para nós já teve algum controle de qualidade no campo, na indústria, no transporte. Mas isso é fora da nossa alçada. No momento que ela entra no restaurante é de nossa responsabilidade. Então a gente tem que garantir essa qualidade”, ressalta Marizete.

Fotografia: Júlia Goulart

a Repórteres: Gabriele Wagner de Souza e Luciane Volpatto Rodrigues • Diagramação: Camilla Bartholomei, Yasmin Faccin e Pollyana Santoro

30

alimentação


Fotografia: Juliana Krupahtz

Instrumentos para avaliação da qualidade da carne bovina

Fornecedor

Transporte

Serviço de Alimentação

Cadastro e avaliação do fornecedor por meio de visita técnica ao ambiente de manipulação de alimentos.

Condições sanitárias do veículo e procedimentos de descarga da matéria-prima.

Autoavaliação da área de recepção (área externa, interna, instalações físicas, lavatório para higienização das mãos).

RECURSOS HUMANOS DO SERVIÇO DE ALIMENTAÇÃO Qualificação do profissional responsável, atributos dos manipuladores de alimentos quanto à higiene pessoal e das mãos.

INSPEÇÃO DA MATÉRIA-PRIMA:

DEVOLUÇÃO DA MATÉRIA-PRIMA:

Análise visual e física do produto (embalagem, rotulagem, vida útil e monitoramento da temperatura), análise sensorial (aparência, como cor e brilho, e o odor), análises físico-químicas.

Critérios para devolução imediata (durante a recepção) ou devolução posterior (na etapa de pré-preparo), modelos de laudos para devolução do produto.

alimentação

Fotografias: Rafael Happke

A pesquisa resultou em um conjunto de procedimentos que podem ser seguidos por serviços de alimentação que utilizam carne bovina in natura resfriada. Tais procedimentos contemplam desde a análise de quem fornece o produto até um plano de inspeção da matéria-prima.

31


volver

Das salas tradicionais

para os laboratórios

Experiências profissionais levam o professor Flavio De La Côrte a ensinar o valor humano da Medicina Veterinária

Através dos vidros transparentes que revelam a sala de cirurgia projetos era difícil de conseguir e, além disso, demorado. de equinos, os alunos do curso de Medicina Veterinária acomFoi, então, que o professor voltou a trabalhar com a parceria panham uma cirurgia estética em um potro no Hospital Vete- privada. Através de projetos de prestação de serviços oferecidos a rinário da UFSM. As aulas deste curso, no entanto, não foram donos de cavalos que não pertencem à UFSM, o professor conseguiu sempre assim. Em meados da década de 1980, quando Flávio verbas para financiar bolsas de alunos e comprar material para a de La Côrte fez sua graduação, as aulas ainda eram limitadas clínica. Durante a entrevista, Flávio apresentava os alunos que pelos espaços das salas tradicionais, com professor sendo visto passavam por nós e, com orgulho, nomeava os diversos países nos como a única fonte de conhecimento. Anos depois, essa lógica quais os acadêmicos já fizeram intercâmbio. “A Universidade não já mudou um pouco. Quem pôde acompanhar a cirurgia, via o é concreto e aço, a Universidade são pessoas. Se você não der força agora professor Flávio sendo auxiliado por seus orientandos no para as pessoas, elas não vão crescer”, afirma ele. pequeno procedimento estético feito no equino. O que o tempo na Universidade ensinou a ele é que a MediciFlávio se formou em 1986 no curso de Veterinária da UFSM. na Veterinária não é só lidar com cavalos. É fundamental formar Um ano depois, voltou para a instituição para fazer mestrado. recurso humano que saiba tratar com sensibilidade o dono do A certeza que tinha era que queria animal. É por isso que as herantrabalhar com equinos, paixão que ças do tempo nas terras americacarregava desde o último ano da nas ainda fazem parte das aulas graduação. O trabalho defendido no do professor. Ele relembra que era início dos anos 1990, sobre o uso chamado de “homem câmera” pelos de ultrassonografia em ginecologia colegas de trabalho, já que, em cada equina, foi pioneiro no Brasil. Parte cirurgia, filmava todo o procedimendo mestrado foi financiado pela iniciativa privada, já que os to. Quando voltou para o Brasil, colocou tudo na mala. Agora, ele equipamentos eram caros e a Universidade não dispunha de usa o material nas aulas para que a aprendizagem do aluno vá recursos para adquiri-los. além da teoria. Sobre o reconhecimento do seu trabalho, ele afirma: Depois disso, De La Côrte entrou para o corpo docente do “Alguma coisa eu faço certo. Não sei te dizer o quê, mas algo eu curso de Veterinária da Universidade e foi fazer doutorado nos faço. E talvez seja isso de oferecer oportunidade para os alunos.” Estados Unidos, onde estudou uma doença que afeta os músculos Em 2016, Flávio foi convidado para compor a equipe de veteride equinos — a miopatia por armazenamento de polissacarídeos. nários dos Jogos Olímpicos, que ocorreu no Brasil, da modalidade Financiado por órgão de pesquisa brasileiro, a CAPES, o professor cross-country. Para ele, o convite foi resultado de sua trajetória carregou consigo a dívida de trazer algo como retorno para o e esforço na Medicina Veterinária. Quando pensa no futuro, no Brasil, principalmente para dentro da sala de aula. A volta foi entanto, paira a incerteza. “Eu não pretendo ficar o resto da difícil. Do trabalho em instituição privada nos EUA, “retornar minha vida na Universidade. Pretendo formar pessoas e seguir para o sistema público no Brasil foi como estar em uma via outros planos. Essa é a ordem natural. Senão, qual é o propósito expressa com quilometragem alta, e recair em uma via pública de formar gente?”, questiona Flávio. com velocidade baixa”, compara De La Côrte. O recurso para a Repórter: Andressa Foggiato • Diagramação: Yasmin Faccin

32

volver

Fotografia: Rafael Happke

“A Universidade não é concreto e aço, a Universidade são pessoas. Se você não der força para as pessoas, elas não vão crescer”


EDITORA UFSM

Direitos emergentes Na sociedade global Livro lançado pela Editora UFSM busca respostas jurídicas frente às demandas da era globalizada

Um momento histórico conturbado, com crises migratórias, mudanças climáticas e tecnologias emergentes. Esse é o cenário da obra Direitos Emergentes na Sociedade Global, publicado pela Editora UFSM, em 2016. A coletânea de artigos é fruto de pesquisas do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGDI) da UFSM, realizadas entre 2014 e 2015. Diante dessas diferentes realidades sociais, e de um mundo cada vez mais conectado, o PPGDI percebeu a necessidade de oferecer respostas no plano jurídico. A obra tem dez artigos e está dividida em duas partes: Direitos da Sociobiodiversidade e Sustentabilidade e Direito na Sociedade em Rede, cada uma delas correspondendo a uma linha de pesquisa da Pós-Graduação em Direito. A reunião dos trabalhos e organização do livro ficou a cargo das professoras Giuliana Redin, Jânia Saldanha e Maria Beatriz da Silva. Giuliana lembra que a divisão social da nossa sociedade é fruto de forças políticas, e que o Direito é reflexo dessas forças e mantenedor dessa realidade. “O Direito tem que ser protagonista para a emancipação, para a busca de melhor qualidade de vida para todos e todas” afirma a professora.

Direitos da Sociobiodiversidade e Sustentabilidade Entre os textos, pode-se destacar a percepção da professora Giuliana Redin quanto ao direito humano de migrar, em que o Estado brasileiro, embora avance na legislação, não reconhece como direitos o ingresso e a permanência de migrantes no Brasil e penaliza o migrante não documentado, mantendo a medida de deportação, por exemplo. Em outro capítulo desta primeira parte, referente à emissão de gases de efeito estufa por parte da comunidade internacional, o professor Luiz Bonesso de Araújo trabalha com a ideia de que

os avanços jurídicos em relação a esse tema são lentos, principalmente por parte dos países que necessitam de maior quantidade de energia e, portanto, poluem mais. O professor sugere que, devido à abundância de recursos naturais, a América Latina deve unir esforços para a construção de um futuro com autonomia.

Direito na Sociedade em Rede Na segunda parte do livro, o acesso à informação pública é um dos temas tratados e é abordado como direito humano fundamental pela professora Rosane Leal, que ressalta a importância de a sociedade fiscalizar o poder judiciário. Já a professora Valéria do Nascimento discute a constitucionalização do direito na era da sociedade tecnológica, quando se mostra necessário que as diferentes Constituições disponham de meios para enfrentar os perigos ocasionados pelas novas tecnologias. O livro é uma produção acadêmica e, por isso, é também voltado para o público da Universidade. No entanto, a organizadora Giuliana Redin percebe a necessidade de o conhecimento produzido chegar a todas as camadas sociais. Ela afirma que os membros da instituição têm o compromisso de transformar a sociedade e enfrentar a importância de fazer uma linguagem mais fluida e clara, e, assim, tocar os segmentos que não estão na academia, mas sim na sociedade civil, protagonizando transformações e reivindicando politicamente. “Que não seja um Direito para uma elite, mas sim para todas as pessoas”, diz Giuliana. Outros projetos já estão sendo encaminhados, e em breve um novo volume dessa obra seriada sobre os direitos emergentes será publicado. a Repórter: Andressa Foggiato • Ilustração e diagramação: Pollyana Santoro

editora ufsm

33


ENSAIO

Todos os corpos dançam Grupo Extremus leva acessibilidade e integração a pessoas com deficiência através de passos de dança 34

ensaio


O Grupo Extremus — Dança sobre rodas surgiu na UFSM com o objetivo de ensinar a arte de dançar para pessoas com deficiências que estão em cadeiras de rodas. Desde 2001, todos os sábados os integrantes do grupo vão até o Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da Universidade para ensaiar. Um micro-ônibus cedido pela Pró-Reitoria de Extensão busca alguns dos cadeirantes em suas casas e os conduz para a Universidade. Além de pessoas com deficiência física, no Extre-

mus também participam dançarinos com deficiência intelectual, paralisia cerebral e Transtorno do Espectro Autista (TEA). Há, portanto, integrantes que não percorrem o caminho sozinhossão acompanhados por familiares ou responsáveis, devido a sua deficiência mais agravada. Além disso, para reforçar o contato com as famílias, cada dançarino tem uma agenda personalizada, onde ficam anotadas informações relevantes sobre as atividades do grupo, avisos e atividades paralelas que são realizadas.

ensaio

35


Chegando ao campus, os bailarinos são recepcionados pela professora Mara Rubia Alves da Silva, coordenadora do projeto, e pelos monitores, que são acadêmicos de diversos cursos da UFSM como Dança, Educação Física, Educação Especial, Artes Cênicas, Pedagogia e Terapia Ocupacional. As atividades começam com uma roda de conversa, seguida do aquecimento. Logo depois, acontece a criação da coreografia e o ensaio. No fim, uma sessão de relaxamento e uma nova roda de conversa. Durante um ano letivo, os bailarinos e monitores ensaiam e se preparam para a apresentação de uma coreografia, que é realizada com movimentos sobre a cadeira e fora dela, e que pode ser de estilos variados, desde a dança de rua até o estilo tradicionalista. Em 2016, o espetáculo apresentado foi Rodas da Tradição, que contava com elementos da dança tradicional, além de costumes e lendas gaúchas. As fotografias dessa apresentação você pode conferir no site da Arco. a Repórteres: Jocéli Bisonhim Lima e Júlia Goulart • Diagramação: Vinicius Beltramin • Fotografias: Rafael Happke

36

ensaio


RECORDAÇÕES

Minha vida, minha história e a UFSM Minha história de vida se confunde com a história da Universidade Federal de Santa Maria, porque a fábrica de meu pai, na década de 1950, ganhou a primeira concorrência para fabricar as portas e janelas dos prédios que seriam construídos no que, inicialmente, todos chamavam de Faculdade de Camobi e, depois, de Cidade Universitária. Naqueles dias, eu era uma menina de cinco ou seis anos, que esperava ansiosamente a chegada dos domingos para acompanhar meu pai na visita às obras de Camobi, um lugar muito, muito distante de minha casa. Um bom percurso do trajeto era feito de caminhão, pelo meio do campo, porque o traçado das ruas ainda não existia, coisa que instigava minha imaginação. Lembro que o primeiro prédio grande que vi erguerem foi o da Engenharia, como todos o chamavam. Claro que já existia a casinha branca, um pouco distante dali, onde funcionava o escritório, lugar em que meu pai conversava com o Dr. Mariano antes de começar suas atividades. Para mim, aquele primeiro prédio era um lugar faraônico, com muitos espaços abertos em que meu pai cuidadosamente fazia a medição sob meu olhar curioso, apreensivo e esperançoso pelo momento que se sucederia, quando eu sentava em uns bancos improvisados para lanchar. Era nesse momento que eu ouvia as previsões que ele fazia sobre tudo o que iria acontecer naquele lugar em cinquenta, cem anos, de como a cidade cresceria naquela direção, de como eu seria feliz estudando ali, de como ele se realizaria no dia da minha formatura, e no dia em que eu trabalhasse na faculdade, colaborando para mudar o mundo.

por Carmen Maria Andrade*

Meu pai morreu no início dos anos sessenta — não viveu as emoções anunciadas —, mas eu vivi. Estudei nessa Universidade, me envolvi com a política universitária, viajei a Brasília com o pessoal do DCE para reivindicar em favor da Universidade, num tempo de atuação e contestação ingênua, mas que ajudou a me formar com responsabilidade, seriedade e espírito cidadão. Na UFSM, vivi os melhores anos da minha juventude, participei de projetos, atuei no Mobral, no Projeto Rondon, joguei vôlei, nadei, estudei muito, parti para a vida, e tempos depois (nos anos oitenta) voltei como professora. Fiz mestrado e doutorado. Mergulhei nas pesquisas da Gerontologia e viajei por muitos lugares, discutindo o envelhecimento. Atuei no ensino, na pesquisa, na extensão, e na administração, sempre acreditando que colaborava para a mudança do mundo, anunciada por meu pai. Hoje estou aposentada, mas não desligada da instituição que me viu crescer, motivou minha caminhada e me fez o que sou. Interajo com grupos de pesquisa, frequento a Oficina de Fotografia do Espaço Alternativo, integro bancas de avaliação.... Continuo acreditando que é possível mudar o mundo através da educação, sonho com uma Universidade cada vez maior, e continuo reivindicando melhorias, hoje com mais foco, sedimentada nos ensinamentos de meus queridos professores do Centro de Ciências Pedagógicas. Assim, não me resta outra palavra senão OBRIGADA, meus professores pelo que me ajudaram a ser e pensar, obrigada, UFSM, pelo que me ajudou a fazer e sentir! a Ilustração e diagramação: Pollyana Santoro

*Carmen Maria Andrade é Doutora em Educação, Vida Adulta e Envelhecimento e professora aposentada da UFSM

recordações

37


ESCRITOS

LISBOA

por Nathani Lencina* *Participou de um intercâmbio em Portugal durante sua graduação em Ciências Sociais pela UFSM

A minha Lisboa era tão linda. Na chuva ou no “bom tempo”. Era linda no tempo dela. Era ontem e agora. Linda até quando me deixou ir. Quando me deixou ir sem que eu nada pudesse fazer para parar. Ela me disse para ser leve e andar. Para ficar calma. Move-te. Porque o movimento é o que te faz. Me disse. Lisboa era esse lugar meu. Onde eu não precisava pedir licença para ser. Que eu não precisava pensar se era mesmo para estar lá. Eu simplesmente estava. Lisboa era esse lugar em que meus pés encontravam com prazer as ruas. Era a cintilância do meu sonho que virou mundo. E eu sentia. Mesmo que Lisboa doesse em mim. Eu queria sentir mais. E ela, em mim, criava. Lançava uma magia. Na água, no ar, nos caminhos todos. Meu corpo seguia seu ritmo, deixando enfeitiçar de propósito. Lisboa era esse retrato. Um grande composto de coisas vivas. Como se feita na arte. Bela e estranha. Eu só queria andar e olhar. Queria olhar o retrato. E reparar. Reparei no meu próprio pertencimento. Encarei tantas vezes meu próprio aprendizado.

38

escritos

Vi a mim mesma no grande retrato de Lisboa. E a verdade é que vida tem um só nome. Lisboa era feita para o corpo mover-se, para experimentar, para ensimesmar-se. Em si mesmo, mar. E naquilo tudo, amar. Por toda a extensão daquele retrato. Vi a mim mesma no retrato de Lisboa como a última vez. Ela estava como da primeira vez. A Praça do Comércio, o Chiado, o Bairro Alto, os miradouros, os largos, as feiras, as estações, os bondes, os parques, os azulejos, as delícias escondidas. Belém. As misturas dela. Não pensei sobre estar indo embora. Reinventei meu movimento. Aceitei minha criação e a dor. A vida tem um nome só. E é o nome que eu dei. Pensei no meu funcionamento de pessoa. Não queria resumir o tempo dos nomes. Não queria que Lisboa me esquecesse. O retrato de Lisboa é infinito. E seu coração é grande. Cabem tantos nomes nele. Um coração tenro que me recebeu. a Pintura usada ao fundo da página: Antonio Junior, acadêmico de Artes Visuais da UFSM • Diagramação: Pollyana Santoro e Yasmin Faccin


39


40


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.