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A FÓRMULA DO VIRAL NO TIKTOK

Com o aumento de pessoas

se informando pelas redes sociais, veículos de notícia mudam a forma de contar histórias em vídeos curtos

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POR MARINA FORNAZIERI

O QUE FAZ UMA ESTAGIÁRIA de mídias sociais em um dos maiores portais noticiosos da internet no Brasil? Mayara Prado tem a resposta: seis vídeos virais por dia. Essa é a sua meta para a página do UOL no TikTok. É com essa fórmula - nada secreta, mas muito ambiciosa - que a estudante de Jornalismo da Universidade de São Paulo viu o perfil do UOL saltar de 40 mil para 1,2 milhão de seguidores nessa rede social desde 2021, quando ela começou o estágio. “É uma pressão para produzir muita coisa e até o próprio TikTok incentiva essa postagem”, revela.

Quem já produziu algum vídeo viral no TikTok sabe que essa não é uma meta trivial, e muito menos previsível. Tampouco replicável. Com transparência quase zero, a ByteDance, empresa chinesa que criou a rede social preferida dos jovens, conseguiu produzir um algoritmo viciante que até mesmo produtores veteranos penam para descobrir como ele opera. Dave Jorgenson, repórter de vídeo sênior do Washington Post, fez um experimento curioso: ele e sua equipe de três pessoas tentaram ser banidos pelo aplicativo. Produziram dois vídeos parecidos, um para ser “cancelado” e outro como controle. No primeiro conteúdo, usaram palavras e expressões (como “suppressing”, ou suprimindo, em português) que empresas de marketing digital não recomendam. Mas o vídeo chegou a 1 milhão de visualizações.

Tal como Mayara Prado, Dave, também conhecido como “o cara do TikTok” do tradicional jornal Washington Post, se especializou em fazer vídeos virais. Ele abriu a conta do jornal em maio de 2019 e hoje já possui 1,5 milhão de seguidores.

Com uma linguagem despojada e muito bom humor, o jornalista norte-americano se aproveitou da pandemia para oferecer entretenimento e notícias para as pessoas trancadas em suas casas. Num vídeo recente, ele ironiza o permanente estado de vigilância sobre os funcionários da Amazon, empresa do bilionário Jeff Bezos, dono do Post. O conteúdo ultrapassou as 3,2 milhões de visualizações.

No UOL, a equipe de vídeos que trabalha com Mayara é composta por nove pessoas. É um trabalho incessante. Em um debate presidencial, no ano passado, quando a jornalista Vera Magalhães foi insultada pelo então presidente Jair Bolsonaro, o vídeo foi montado em 10 minutos. “Tudo tem que ser postado o mais rápido possível, a plataforma dá prioridade para isso”, ensina. Naquele dia, a estagiária postou 15 vídeos.

Claro que essa é uma exceção. A produção de vídeos pode demorar até duas horas no portal UOL, período em que um roteiro de até 18 mil caracteres será transformado em um vídeo de 90 segundos. Mayara lembra que qualquer vídeo para o TikTok precisa chamar atenção nos primeiros três segundos e seguir a premissa básica de atingir a maior quantidade de pessoas possível. O conteúdo vem dos assuntos do momento, mas diferente do texto que sobe no portal, os vídeos curtos têm de fugir do declaratório e priorizar a contextualização e a informação: “A gente se porta quase como um filtro da redação”.

Para Mayara, os maiores desafios de um profissional de social media é acompanhar tudo o que está acontecendo, inclusive as fake news e desmentí-las. Ela comenta ainda que a questão criativa dos vídeos exige muito: “Muitas vezes que- remos ser o mais original possível, mas tudo bem se inspirar no concorrente, replicar um formato que está dando certo. O importante é agir da maneira mais ética e rápida possível”.

No Brasil, o UOL é um dos veículos noticiosos com mais seguidores no TikTok. O Estadão tem 916 mil, CNN Brasil com 650 mil e Folha de S.Paulo com 425 mil, vêm em seguida. Mas nunca é tarde para começar um perfil. A BBC News Brasil só foi se aventurar na plataforma em julho de 2022. Silvia Salek, diretora de redação da BBC News Brasil em Londres, conta que o veículo estava relutante em relação ao TikTok, mas que decidiu entrar pelo sucesso dos conteúdos no Youtube: “Muitos vídeos longos que publicamos no Youtube, de 5 até 30 minutos, tem uma retenção de 50%, o que é muito bom. Então decidimos arriscar no TikTok também”.

A BBC Brasil também buscava ampliar o seu público-alvo, já que 70% da audiência no Youtube era masculina, especialmente para os vídeos de política. “A gente quer levar conteúdo de qualidade para todos, informando também mulheres e não só homens, então esse objetivo foi nosso impulso inicial”, afirma Silvia.

Na fase inicial de testes, a redação chegou a testar vídeos de 15 e 30 segundos. Mas, Silvia e sua equipe logo descobriram que não era possível produzir um conteúdo com um insight único, detalhe e em profundidade: “O nosso diferencial no Youtube é justamente a profundidade interessante, e não queríamos perder isso no vídeo curto”. Por “profundidade interessante”, pode-se entender como uma história bem contada e que traz ensinamentos para o leitor.

Com isso em mente, os vídeos passaram a ter de 1 minuto a 1 minuto e meio. O processo era pensado no ciclo de publicar a reportagem escrita, produzir um roteiro longo para o Youtube e um roteiro curto para o TikTok. Com o tempo, Silvia conta que isso gerou uma espécie de retroalimentação: “Escrever roteiros curtos está ajudando também a melhorar nossos textos. O vídeo obriga a gente a se comunicar de uma maneira mais acessível, detalhada e isso está tornando nossos textos mais orgânicos e redondos”.

NA BASE DE TESTES, o perfil da BBC News Brasil apostou na aparição do repórter, que logo provou ser uma decisão acertada: “A imagem que queremos passar com o repórter ali, com a sua personalidade e seu jeito de falar, é de que também somos pessoas normais, se esforçando para entregar aquele conteúdo”. Silvia Salek afirma que, dessa forma, está contribuindo para aumentar a compreensão do que é o jornalismo e de como trabalha uma imprensa tradicional.

Outra característica da BBC News Brasil são os temas variados. Silvia destaca quatro vídeos: “Quanto ganha o presidente?”, “Os efeitos da maconha”, “4 lugares fascinantes, mas proibidos” e “O que acontece com o seu voto quando você aperta confirma?”. Esse último, para Silvia, é um exemplo de como a redação aborda a desinformação. “Não criamos um grupo para combater a fake news, até porque já tem excelentes veículos fazendo isso. Então, pensamos nos grandes temas da desinformação e trazemos isso para um campo mais amplo.”

Com uma redação de 38 pessoas e recursos limitados, Silvia comenta que apostar no TikTok foi arriscado, mas que a adesão à plataforma foi um sucesso absoluto. Em mais de 30 vídeos, tanto no TikTok como no Reels do Instagram, as visualizações atingiram 1 milhão ou mais de visualizações e o público-alvo se ampliou: “Em vários desses vídeos com 1 milhão de visualizações, mais de 50% eram de mulheres. Então alcançamos nosso objetivo de democratizar a informação. Não queremos falar com bolha, com nicho, mas com o grande público”. O veículo chegou a mais de 225 mil seguidores no TikTok, em apenas quatro meses.

Em um território de muita experimentação, o TikTok se consolidou como uma mídia social informativa. De acordo com o estudo Digital News Report, da Reuters, 64% dos brasileiros são abastecidos de conteúdos pelas redes sociais. O es- tudo mostra ainda que os jovens da geração Z visitam menos os portais de notícias tradicionais, como o UOL, a BBC ou o Washington Post, e são mais propensos a usar as mídias para se informar. Entre a publicação dos relatórios da Reuters, que são anuais, o TikTok cresceu 12% como fonte preferida de notícias.

Na Cásper Líbero, o projeto Factual900 produz jornalismo na e com as redes sociais. O portal, voltado para o público jovem, estreou seu perfil no TikTok por iniciativa dos próprios calouros da Faculdade. Nos dois primeiros anos, a produção era tímida, mas sempre crescente. Em 2022, um vídeo descontraído chegou à marca de 1 milhão de visualizações. A ideia dele era simples: pedir que eleitores de Lula e Bolsonaro convencessem os repórteres a votarem em seus candidatos. A combinação de personagens interessantes, tema quente e atual (já que foi postado uma semana antes do segundo turno) e o tempo curto foram a receita do sucesso.

“As visualizações do vídeo cresciam exponencialmente, e ficando cada vez mais surreal. Em poucas horas bateu 10 mil, 50 mil… O TikTok facilita que contas pequenas viralizem, por ser baseado em recomendações. Quando um vídeo começa a ir bem, eles entregam para cada vez mais gente e muito rápido”, explica Isabella Moretti.

Por trás do “acidente” viral, houve também um debate pedagógico em torno da produção de conteúdos. Em sala de aula, os alunos sugeriram que vídeos longos do Youtube pudessem sofrer os chamados “cortes”, que é a extração de trechos mais impactantes para as redes sociais. O vídeo do grupo de Isabella tinha menos de 500 visualizações no Youtube quando começou a viralizar no TikTok, indo parar na aba “para você”. Uma pessoa pegou o vídeo e compartilhou em seu perfil no Twitter, o que fez o conteúdo viralizar nessa outra rede social também e retroalimentando, daí em diante, audiência de volta para o Youtube - que bateu a marca de 20 mil visualizações. @

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