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DO LADO DO PODER
from Revista Cásper #33
DAS JORNADAS DE JUNHO de 2013 à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas últimas eleições, o Brasil passou por inúmeras convulsões. A esquerda foi da Presidência da República ao impeachment de Dilma Rousseff (PT), seguido da prisão de Lula. Já a direita foi da apatia do sofá às ruas e às redes sociais. O ex-deputado Jair Bolsonaro se tornou presidente em um País que rachou entre a operação Lava e Vaza Jato. Parece muito? Pois esse período é apenas um terço de tudo o que Vera Rosa já viveu cobrindo política. Da cobertura de movimentos sindicais no hoje extinto Diário Popular, a jornalista segue a trajetória de Lula desde os anos 1990 e cobriu todas as eleições de 1989 até 2022. Há 30 anos, trabalha no Estadão, onde hoje é coordenadora e assina uma coluna política. Nesta entrevista, realizada no fim de novembro, ela deu dicas de como ser um bom jornalista político.
Como chegou à cobertura política?
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Comecei num jornal que não existe mais: o Diário Popular, em 1983. Fazia cobertura geral. Passei a cobrir sindicalismo em 1986. Ia muito a São Bernardo do Campo (SP) e me aproximei da cobertura do Partido dos Trabalhadores (PT). Fui para a Gazeta Mercantil, em 1990. Passei pelo Jornal do Brasil, numa newsletter chamada Informe Sindical, até que cheguei ao Jornal da Tarde (JT) para cobrir política, em 1991. Era um jornal prestigiado em São Paulo. Pertencia ao Grupo Estado. Do JT, fui para o Estadão, em 1993, e segui na política. A passagem da editoria sindical para a de política foi natural, até porque os líderes sindicais se tornaram políticos. Tinha o Lula, óbvio. Mas tinha o Luiz Antônio de Medeiros, o Joaquinzão [Joaquim dos Santos Andrade].
Como foi sua ida a Brasília?
Fui “carrapato” do Lula nas campanhas presidenciais de 1994, 1998 e 2002. Cobria o PT havia anos. Quando Lula ganhou, o jornal me fez proposta e fui transferida da sede do Estadão para Brasília, em março de 2003. Lá, fazia o dia a dia do Planalto, mas também tentava fazer bastidores do Congresso. Depois de um tempo, você passa a conhecer os mecanismos e dá para fazer ambos. As coisas aqui são muito perto, é só atravessar a rua. Achei que ficaria em Brasília não mais que quatro anos. Mas a cidade vai te cativando. Para quem cobre política é muito interessante.
Qual a diferença entre “carrapato” e outros repórteres?
O “carrapato” cobre o dia a dia de um candidato. Tem que cobrir desde de ma- nhã até de noite. Ficar grudado mesmo. Os outros ficam soltos para cobrir bastidores e fazer coisas diferentes. A atividade do “carrapato” é mais intensa, mais hard news. É fundamental passar por essa etapa, porque você conhece não só um candidato, mas o entorno dele. Mas a época em que fiz não tinha cobertura online. Tinha mais tempo para escrever. Não era como hoje que o repórter passa a matéria enquanto a fonte fala. Não é fácil.
Como se constrói a relação com políticos, assessores e ministros?
Muita gente quer plantar notícias sob o anonimato. Quem fala nem sempre quer se expor. A gente se apresenta, tenta marcar um café, vai aos gabinetes. É importante, mas é preciso ter cuidado. Não dá para acreditar na primeira pessoa com quem falamos. Tem que cruzar informações, mesmo aquelas em off. Se tiver que publicar em off, precisa trazer vários detalhes. Tudo que puder enriquecer a descrição é aconselhável, para não parecer invenção. O contato com as fontes é construído com o tempo. Pode não render matéria, mas conversar te direciona na apuração.
Quem ajuda mais o jornalista numa apuração: assessores, advogados, aliados ou opositores?
Vera Rosa, na imagem durante visita presidencial em Cuba, tem 30 anos de jornalismo político
Não dá para afirmar quem ajuda mais, é relativo. Assessores de imprensa podem te ajudar, mas têm um limite do que podem dizer. O ideal é construir um arco de relações para poder consultar várias pessoas. Às vezes, de onde menos se espera sai. Já aconteceu no café da Câmara Federal, com um deputado que eu mal conhecia. Ele havia viajado no avião presidencial. Perguntei sobre uma questão específica relativa ao presidente, e ele negou. Mas emendou dizendo que Bolsonaro estava chateado com Hamilton Mourão. O vice-presidente estava falando coisas que atrapalhavam o governo, de acordo com o deputado. E ele foi me contando. Fui atrás de outras fontes que estavam no voo, outro confirmou.
Balões de ensaio são mesmo comuns? Sim, muito. Por exemplo, a cobertura sobre quem vai ser ministro é muito difícil. Às vezes, plantam um nome para ver se ele pode vir a ser escolhido. Em outras situações, podem plantar com o intuito contrário. O nome fica lá para ser queimado. No governo Dilma acontecia muito. A oposição vivia fazendo isso: ‘Dilma vai chamar fulano’. Aquele nome saía, ela ficava irritada. A ex-presidente Dilma detes- tava que vazassem informações. Mas o próprio governo testa nomes. Não é só a oposição que faz isso.
O que mudou na cobertura com Jair Bolsonaro na Presidência?
A comunicação não existe. Ele tem a própria: as lives semanais nas quais ele fala o que bem quer. Construiu-se aquele cercadinho no Palácio da Alvorada, onde a imprensa ia. Depois, passou a ser frequentado só pelos militantes. A imprensa virou refém disso. O jornalista sempre precisa ouvir o outro lado, mas eles não respondem. Quando mandamos perguntas aos
Ministérios, é raro responderem. Teve gabinete do ódio, fake news. A comunicação foi pautada pelo acirramento. É um governo fechado.
E como era o comportamento de Jair Bolsonaro (PL)?
Ele não admitia ser questionado. Quando se perguntava o que ele não gostava, acabava a entrevista. Mandava calar a boca, ofendia repórteres. A cobertura foi um divisor de águas. Cobrir o poder é sempre difícil. Tem coisas que ninguém quer divulgar. Não foi às mil maravilhas com a Dilma Rousseff (PT). Ela se irritava e tinha mais dificuldades que Lula em lidar com jornalistas. Mas, aos poucos, foi entendendo o nosso papel. Com Bolsonaro não havia cobertura. Onde circulávamos livremente, no segundo andar do Planalto, encheram de portas de vidro. Até a Secretaria de Imprensa, que era no segundo andar, foi para o subsolo, onde fica a garagem, no governo Bolsonaro.
Em 8 de janeiro, o Brasil presenciou uma tentativa de golpe de Estado. Como foi cobrir esse episódio?
Em todos esses anos de carreira, nunca tinha visto nada parecido. No domin- go 8 de janeiro, era para eu estar de folga e até havia sido convidada para um jantar naquele dia, com outros jornalistas. Claro que foi tudo cancelado. Embora não fosse meu plantão, já estava de sobreaviso porque, dias antes, vimos aquelas convocações nas redes sociais para um ato na Esplanada dos Ministérios. Imaginei que poderia ser algo na linha do vandalismo de 12 de dezembro, dia da diplomação do presidente Lula, quando vândalos queimaram carros, ônibus e tentaram invadir a sede da Polícia Federal. Mas foi infinitamente pior. Foi uma tentativa de golpe. Naquele e nos outros dias, tentei apurar o que estava por trás daquela barbárie e por que o esquema de segurança não havia funcionado. Como o Batalhão da Guarda Presidencial não entrou ali com contingente suficiente para proteger o Palácio do Planalto?
Por que a PM do Distrito Federal abriu a Esplanada, que era para estar fechada naquele dia? Era tudo inacreditável. No 8 de janeiro, além de ir atrás dos bastidores e das reações dos Poderes, eu ajudei na edição. Mas até hoje há perguntas sem resposta. Ainda não sabemos, por exemplo, quem preparou aquela “minuta de golpe” encontrada na casa do ex-ministro da Justiça e ex-secretário da Segurança Anderson Torres e até que ponto as Forças Armadas foram contaminadas.
Qual é a lição que fica?
Não há dúvida de que houve conivência e omissão de militares, da PM e do governo do Distrito Federal naqueles atos de vandalismo. O Exército não podia ter permitido aqueles acampamentos em frente aos quartéis-generais. Nem aqui em Brasília nem em outro lugar do País. Precisamos preservar a nossa democracia.
Que dicas daria para quem deseja seguir carreira na cobertura política?
Começar com muita humildade. Ouvir todos os lados. Não acreditar na primeira fonte. Tem muita gente querendo jogar informação distorcida. Ser muito cauteloso com entrevistas em off. Ouvir pelo menos três pessoas para ter respaldo. E outra coisa que sempre falo para os repórteres daqui: releia os textos. Mesmo que tenha que mandar logo para o editor, porque hoje tudo é muito rápido, envie e leia de novo. Às vezes, pode ter um erro, e é importante avisar o editor para não deixar passar. Não é perfeccionismo. É responsabilidade com a informação. @