ARTES VISUAIS EM REVISTA ALEXANDER CALDER CARMELA GROSS LOS CARPINTEROS JOÃO VILLELA
A Dasartes está completando 8 anos e nós só temos a agradecer aos queridos parceiros e colaboradores da campanha AMIGOS DASARTES. (Categoria Ouro) Aldonso Palácio Neto (Galeria Contemporarte) Carla de Castro Loureiro Carlos Jiménez Vázquez
João Luiz Avelar Márcia Cerqueira Leite Mauricio Jung
Christina Queiroz
Tamara Perlman (Feira PARTE)
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Sumário: Rafael Alonso, Sem título.
ARTIGO E PARTE
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CARMELA GROSS
14
08 De arte a z ALEXANDER CALDER
22
do 60 Coluna ARTES VISUAIS meio EM REVISTA 64 Alto-falante
30
50 Livros 52 Resenhas do 58 Notas mercado
LOS CARPINTEROS
JOÃO VILLELA
56
42
DE ARTE A Z Notas do circuito de arte
NOVO ESCÂNDALO DE FALSIFICAÇÕES Este mês, um juiz do Reino Unido abriu investigação sobre uma série de pinturas dos velhos mestres, depois de um especialista identificá-las como potenciais falsificações. As obras de arte, de artistas como Frans Hals, Lucas Cranach, e Orazio Gentileschi (foto) e outras 22 telas suspeitas, agora em avaliação, juntas valem 255 milhões de dólares.
HERANÇA DE BOWIE
BRASIL VISUAL
GALERIA DE ARTE MÓVEL
Sua coleção segue viva A Sotheby’s acaba de divulgar o catálogo completo com mais de 350 trabalhos da coleção de David Bowie. O leilão será aberto em Londres com uma exposição e três dias de palestras e eventos. Um dos destaques é a tela de Jean-Michel Basquiat de 1984 (foto), estimada entre € 500mil a 700mil.
Nova Série canal Curta
Novas apostas da Baró Em São Paulo a Baró abre a Galer[it], espaço anexo à galeria, montado em uma estrutura móvel, que contará com performances e exposições temporárias. Além disso, a unidade do Jardins abriga atualmente a exposição de seu mais novo artista representado, Flávio Samelo. Até 26/10.
8
Comemorando 4 anos, o canal Curta! estreia a nova série “Brasil Visual”. Idealizada e dirigida por Rosa Melo, a série apresenta um panorama das artes em oito capítulos. A cada episódio, o artista Cabelo conversa com artistas, críticos e curadores sobre temas em arte contemporânea. Todas as terças as 20h30.
11º PRÊMIO ARTE LAGUNA Inscrições abertas até 16/11/2016 O Prêmio Arte Laguna é um concurso de arte internacional, de temática livre, cujo objetivo é promover a arte contemporânea. Um júri internacional irá selecionar 125 artistas finalistas para 6 prêmios em dinheiro de € 42mil, importante exposição coletiva no Arsenal de Veneza, 5 exposições em galerias internacionais de arte, além de residências artísticas, festivais internacionais e publicação de um catálogo. O concurso destaca-se no cenário global de arte pela crescente variedade de parcerias e oportunidades oferecidas aos artistas, e é reconhecido mundialmente como um trampolim real para suas carreiras. O júri é formado por críticos de arte, curadores e diretores de museus. Entre eles estão Igor Zanti, curador e presidente do júri, o crítico de arte Flavio Arensi e Manuel Borja-Villel, diretor do Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia de Madri. Veja como participar no site da Dasartes.
Para pensar “Isto está extremamente forte e quase irreal. A libra está entrando em colapso, por isso, para aqueles que possuem outras moedas, sejam rápidos." Philip Hoffman, diretor-gerente do Fundo de Belas Artes, sobre os últimos leilões de arte em Londres.
Novos Espaços A SEM TÍTULO GALERIA abre em Fortaleza sob a direção da pesquisadora e artista visual Elizabeth Guabiraba. O espaço se abre à cidade fortalecendo um cenário de formação e incentivo à produção de arte tão necessário aos tempos atuais. RUA JOÃO CARVALHO, 66 ALDEOTA, FORTALEZA-CE
Z42 ARTE inaugura em uma linda casa dos anos 1930, no Cosme Velho. O espaço, de 1500 metros quadrados, terá cinco salas expositivas, além de abrigar ateliês de sete artistas visuais, a importante coleção de Fábio Szwarcwald e a redação da revista Santart. RUA FILINTO DE ALMEIDA, 42 COSME VELHO, RIO DE JANEIRO
GIRO NA CENA
Refugiados no MoMA "Inseguranças: Traçando o deslocamento e abrigo" é a nova exposição do Museu de Arte Moderna de Nova York. A mostra apresenta uma das emergências globais mais prementes: a crise dos refugiados, apresentada nos pontos de vista e perspectivas de arquitetos, designers e artistas. Até Janeiro/2017.
URUGUAI RECEBE A TERCEIRA EDIÇÃO DA ESTE ARTE ESTE ARTE celebra sua terceira edição do dia 11 ao 14 de janeiro de 2017, em Punta del Este (Uruguai), com cerca de 30 galerias de arte contemporânea e emergente. Depois de duas edições anteriores bem sucedidas, a feira reúne as melhores galerias uruguaias e uma seleção das mais reconhecidas no mundo, enquanto continua com a ambiciosa meta de posicionar Uruguai no mapa das feiras de arte internacionais.
Galeria Damien Hirst Premiada A Galeria Newport Street de Damien Hirst em Londres, projetada pela Caruso St John Architects, ganhou o Prêmio RIBA Stirling 2016 como o melhor novo edifício. Este é um dos mais prestigiados prêmios de arquitetura no Reino Unido. O escritório vêm se tornando referência na concepção de espaços dedicados à arte na Inglaterra. 10 DE ARTE A Z
VISTO POR AÍ
Obra de James Turrell na Kayne Griffin Corcoran durante a Frieze Art Fair. Este ano, a feira registrou vendas de mais de USD 1milhão somente no dia de abertura para convidados.
Outras NOTAS
Feiras de arte acessível ARTIGO E PARTE FORTALECEM O MERCADO DE ARTE CONTEMPORÂNEA ACESSÍVEL EM MEIO A CRISE ECONÔMICA POR ANDRÉ FABRO De olho em um maior interesse pela arte contemporânea com preço acessível, a feira ARTIGO Rio, que acontece de 27 a 31 de outubro no Rio de Janeiro, e a PARTE, Feira de arte contemporânea, de 2 a 5 de novembro , apostam novamente em galerias emergentes e novos e jovens artistas. Ambos os eventos estreiam em novos locais. A ARTIGO Rio, em sua quarta edição, deixa o Pier Mauá para ocupar um espaço no mais novo shopping de luxo da Barra da Tijuca, o Vogue Square. Esta edição traz de volta expositores estrangeiros e nacionais, somando um total de 25 galerias. Alexandre Murucci, criador e organizador da feira, comenta que este ano o foco está em um mercado mais amplo, referindo-se a esta área onde se encontra o maior poder aquisitivo da 12
cidade. Além de performances, intervenções e mostras especiais, há outra novidade, a ARTIGO Pop-Up, com a permanência das galerias durante todo o mês de novembro. Com isso, a previsão é que cerca de 20 mil pessoas visitem a feira durante todo o período. Em São Paulo, a PARTE, em sua sexta edição, aterriza no Clube A Hebraica. A edição deste ano repete a formula de sucesso com oficinas infantis, grupos de artistas independentes, diálogos e palestras, além de novidades como conversas organizadas pelas publicações de mídia, parceiras da feira. A Dasartes oferecerá uma conversa com a curadora da Associação Cultural Videobrasil, Solange Farkas, com o tema "Os caminhos da videoarte e outras linguagens e suportes da arte contemporânea" logo no dia 3, data de abertura oficial para o público. Imperdível.
Acima: Neno Ramos, Cartoon na Galerie Brésil. (Feira PARTE)
OBRAS RECENTES INSEREM UM ELEMENTO BUCÓLICO NA PRODUÇÃO DO ARTISTA
CARMELA GROSS
POR DOUGLAS DE FREITAS
"Fáceis de carregar e armar, escadas são máquinas simples. (De)compõem o esforço do corpo para atingir alturas desejadas pelo olhar. No ritmo dos degraus, cada passo vira alavanca para mover o corpo inteiro, coordenando no plano inclinado a força combinada de braços e pernas." Uma das mais importantes artistas brasileiras, Carmela Gross iniciou seu trabalho no fim da década de 1960, e atua hoje com o mesmo fôlego, força e radicalidade. Corpo/máquina e olho se misturam a grafismo/desenho e cidade em sua produção. A relação entre as 14 ALTO RELEVO
escalas alcançadas pelo corpo e as escalas que só se alcançam pelo olhar permeiam sua obra, onde o desenho da mão e o desenho da máquina, presentes nos elementos e estruturas da cidade, têm o mesmo peso, e por vezes se misturam, em luta de coexistência entre um eu indivíduo e um eu público, que se perde em meio à multidão. A Chácara Lane, unidade do Museu da Cidade de São Paulo, está tomada por um conjunto significativo de obras que compreendem um recorte de cinco décadas de produção, em uma espécie de retrospectiva, em que períodos
distintos da produção de Carmela são pontuados. Ao mesmo tempo, a exposição "Arte à mão armada" propõe uma leitura que ressalte o caráter desafiador do trabalho, o burlar fronteiras entre desenho, máquina e mão/multidão, cidade e indivíduo, que possa destacar suas ferramentas de questionar a ordem estabelecida e seus assaltos imagéticos. E, ainda, apresentar suas armas de enfrentar o mundo e a arte. A remontagem de instalações e intervenções de grande escala, como "Eu sou Dolores", realizada para a 4ª edição do Arte-Cidade, e a instalação realizada em 1992 para a Capela do Morumbi, agora remontada na mesma Capela, revelam a ambição de estar na cidade que a obra da artista tem e que aparece rebatida na exposição. Seus trabalhos partem de signos da cidade; voltar-se para ela parece destino certo.
A relação entre as escalas alcançadas pelo corpo e as escalas que só se alcançam pelo olhar permeiam sua obra, onde o desenho da mão e o desenho da máquina, têm o mesmo peso.
À esquerda: Comedor de Luz. 1999-2000. Acima: Sem título. 1992. Instalação na Capela do Morumbi.
Us cara fugiu correndo. Instalação na Chácara Lane. Foto: André Fabro
Um paredão de terra parecia bom para pintar. Um deles, com a terra frisada horizontalmente, funcionava exatamente como uma escada. Um possível percurso cronológico da mostra se inicia em "Escada', de 1968, uma intervenção na paisagem registrada em fotografia. Nela, a artista aparece sobre uma escada desenhada com tinta spray sobre um barranco. É a primeira aparição desse signo que, ao longo dos anos, se repete em seu trabalho. "Durante um período de greve, saí com um grupo de amigos que estudava como eu em uma escola de arte para fotografar pinturas de bares e borracharias, na periferia da cidade. Nesse dia, levávamos também conosco alguns tubos de tinta spray. Decidimos parar em uma zona quase deserta, lá pelos lados de Santo Amaro, onde uma avenida recém-aberta cortava uma área acidentada entre curvas, buracos e grandes barrancos. Um paredão de terra parecia bom para pintar. Um deles, com a terra frisada
horizontalmente, funcionava exatamente como uma escada, pela qual podia se subir e descer livremente. Aproveitei para desenhar nele linhas em zigue-zague, como os degraus de uma escada. A coisa observada (barranco/degraus de terra) e a coisa desenhada (risco/esquema), quase na mesma escala, ressoaram uma na outra", conta Carmela. A obra "Escada-Escola" foi desenvolvida especialmente para a exposição, e encerra, também com uma escada, a cronologia de trabalhos. Estrutura metálica de linhas e curvas industriais, a obra rompe a barreira que impede o trânsito das crianças da escola vizinha a casa, propondo uma relação mais proveitosa entre escola e museu, com um desvio na lógica de uso engessado dos espaços. É mais uma vez a artista saindo do espaço expositivo,
À esquerda: Escada. 1968. Foto Marcello Nitschegde. Acima: Desenhos preparatórios para A Negra, 1997.
Carimbadas e Carimbos. 1977-1978.
esbarrando nos limites físicos do museu e se voltando para o lugar que mais lhe provoca, o fora, a cidade. Para Carmela, "a ferramenta do artista para enfrentar o mundo é a mão armada", sua obra existe no constante exercício de desafiar a lógica estabelecida das coisas. Seu fazer é se desafiar, desafiar o outro, desafiar a arte, desafiar a cidade. PROCESSO ABERTO A exposição procura explorar o processo da artista, revelar seu modo de operar, seu pensamento. Por isso, os textos que acompanham as obras são escritos da artista, reflexões sobre os trabalhos realizadas ao longo dos anos. 20 CARMELA GROSS
Também estão reunidas pela primeira vez as pastas-projetos da artista. Apresentados em fac-símiles, esse arquivos contêm o conjunto de estudos preparatórios para as obras com suas dúvidas, recortes e acertos.
Arte à Mão Armada • Chácara Lane São Paulo • Até 8 de janeiro. Instalação na Capela do Morumbi São Paulo • Até 5 de março. Douglas de Freitas é curador de artes visuais do Museu da Cidade de São Paulo e responsável pela curadoria do programa de instalações da Capela do Morumbi.
AMIGOS
CALDER E
INSPIRADA PELA MOSTRA QUE UNE CALDER A ARTISTAS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS NO ITAÚ CULTURAL, A DASARTES INVESTIGA A INSERÇÃO DE CALDER NO CIRCUITO DE ARTE DE SUA ÉPOCA. POR LIEGE GONZALEZ JUNG Até 23 de outubro, os brasileiros têm a chance rara de ver uma reunião de 32 obras do norte-americano Alexander Calder na mostra "Calder e a Arte Brasileira", no Itaú Cultural. Com curadoria de Luiz Camillo Osorio, a exposição busca apresentar a criação de Calder e obras de artistas brasileiros que teriam sido influenciados por ela, 24 DESTAQUE
em especial os concretos e atuantes na arte cinética. Apesar de sua presença forte no Brasil desde os anos 1940, a influência de Calder sobre nossa arte é pouco afirmada. "A obra dele se inscreveu na formação construtiva brasileira, misturando o lúdico e o geométrico e isso merece melhor avaliação histórica", observa o curador. "É essa relação que pretendemos trabalhar nesta exposição".
TUDO PASSA POR PARIS Alexander Calder nasceu nos Estados Unidos, em 1898, em uma família de artistas. Depois de estudos em engenharia e uma série de empregos aleatórios, decidiu seguir a vocação da família e começou a estudar arte aos 25 anos. Um dos empregos que sustentava seus estudos era como ilustrador para um jornal local, do qual recebeu a missão de desenhar um circo que visitava a cidade. Mal sabia ele que essa missão mudaria sua vida. "Fiquei duas semanas no picadeiro, praticamente dia e noite, estudando o melhor ponto de vista para cada ato", conta Calder em entrevista a "ArtNews", em 1973. Três anos mais tarde, Calder se mudaria para Paris em busca do agito do circuito artístico e lá desenvolveu suas primeiras figuras com arame, madeira e outros materiais: animais e artistas de circo que se apresentavam movidos por manivelas, fios e molas em um pequeno picadeiro, o "Circo de Calder", obra que fez sua fama e o aproximou das principais figuras da efervescente vanguarda da época: Marcel Duchamp, Jean Arp, Joan Miró, Piet Mondrian, entre muitos outros. Mondrian, em especial, foi uma grande influência. Em 1930, Calder visitou seu apartamento em Paris e ficou maravilhado. "... grande, lindo e irregular em forma, com as paredes pintadas de
Um ano mais tarde, Calder criava seu primeiro "móbile", nome dado por Duchamp a suas esculturas cinéticas, que se moviam pela ação de manivelas.
À esquerda: Hélio Oiticica, Metaesquema, 1957. Foto: Sérgio Guerini. Acima: Carlos Bevilacqua, EK colours, 2010. Foto: Carlos Bevilacqua.
Os trabalhos de Alexander Calder são indivíduos com força própria, mas, versáteis e amigáveis, revelam qualidades ainda maiores quando em boa companhia. branco e divididas por linhas negras e retângulos de cores vivas, como suas pinturas. Pensei naquele momento que bom seria se tudo lá se movesse, apesar de Mondrian não ter aprovado essa ideia de forma alguma" , conta em seu livro "The Painter's Object". Um ano mais tarde, Calder criava seu primeiro "móbile", nome dado por Duchamp a suas esculturas cinéticas, que se moviam pela ação de manivelas. Os móbiles movidos pelo vento surgiriam um ano mais tarde. Como contraponto ao apelido dado a eles, Jean Arp batizou suas esculturas estáticas de "estábiles". Joan Miró foi outra influência notável e um grande amigo por toda a vida. Conheceram-se no final dos anos 1920 e suas afinidades, pessoais e na criação, foram tema de muitas exposições. Em especial, recorrem no trabalho de Calder temas também caros a Miró, notadamente as constelações e as formas orgânicas, vistas em algumas das obras presentes na exposição do Itaú. CALDER E O BRASIL Foi por outro relacionamento que a presença de Calder no Brasil foi tão 26 CALDER E AMIGOS
À esquerda: Calder em seu estúdio em Roxbury, 1941. Foto: Calder Foundation New York e Art Resource. Acima: Alexander Calder, Vermelho, Branco, Preto e Bronze, 1934. Foto: ® 2016 Calder Foundation, New YorkAUTVIS, Brasil, 2016.
intensa: o com o crítico de arte Mario Pedrosa. Em 1945, Pedrosa retornou do exílio em Nova York, onde Calder teve uma grande individual no MoMA dois anos antes, e passou a ser um defensor do artista no país. O respeito que Pedrosa gozava no circuito de arte potencializou a influência de Calder sobre nossa produção e abriu caminho para várias exposições do artista no país nos anos seguintes e suas vindas ao Brasil resultaram em obras como "Brasília" e "Santos", parte da exposição no Itaú Cultural. Mario Pedrosa também é o elo com o Grupo Frente, de Lygia Clark, Helio Oiticica, Abraham Palatnik e outros, com o qual tinha uma forte ligação. Como notado por Letícia Ramos em texto para o catálogo, o uso de formas puras e geométricas e a negação da representação em nome da criação de um universo artístico autônomo em Calder ecoaram no neoconcretismo, do qual o grupo foi percursor. A partir daí, estes reverberaram também na arte contemporânea, em obras de artistas como Ernesto Neto e Carlos Bevilacqua. Assim como o artista em si, os trabalhos de Alexander Calder são indivíduos com força própria, mas, versáteis e amigáveis, revelam qualidades ainda maiores quando em boa companhia.
Acima: Quatro pétalas negras no ar, 1960 e Pináculos em ascensão, 1956. À direita: Santos, 1956. Fotos: ® 2016 Calder Foundation New York, AUTVIS Brasil 2016.
28 DESTAQUE
UMA PERGUNTA PARA SOFIA FUN Coordenadora de Artes Visuais do Itaú Cultural Como surgiu a ideia para esta exposição? Era um projeto do Camillo, curador, e encaixou muito bem na linha de trabalho do Itaú Cultural, que é valorizar os processos criativos e incitar a reflexão em grandes exposições panorâmicas, com foco na arte brasileira. Gostamos de trabalhar com artistas importantes cujas obras tenham algo a ser revelado ou conhecido e sentimos que a ligação de Calder com a arte brasileira podia ser melhor refletida. Havia uma relação quase afetiva entre Calder e nossa arte, nossos artistas. O uso das formas e do movimento ressonava com aquilo que concretos e neoconcretos buscavam naquele momento, cada artista à sua maneira.
Calder e a Arte Brasileira • Itaú Cultural • 1/9 a 23/10 Liege Gonzalez Jung é fundadora e diretora da Revista Dasartes desde 2008.
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ARTES VISUAIS EM REVISTA DASARTES COMEMORA SEUS OITO ANOS REUNINDO 15 JOVENS ARTISTAS EM EXPOSIÇÃO NO ESPAÇO CULTURAL BNDES. NAS PRÓXIMAS PÁGINAS, CONVIDAMOS OS ARTISTAS A FALAR SOBRE SUAS OBRAS. POR GUILHERME BUENO Criada em 2008, a revista Dasartes surgiu em um momento especialmente profícuo nas artes visuais no país. Testemunhavase uma revigoração no circuito brasileiro, que consolidava então novos espaços e plataformas para uma produção que, até aquele momento, basicamente, só dispunha de salões, alguns poucos
programas de apoio (importantes, vale ressaltar) e eventos intermitentes. No campo editorial, a Dasartes preencheu uma lacuna sentida há muito tempo, propondo-se como uma revista especializada voltada para o grande público. Amantes da arte que queriam se manter informados de forma prazerosa,
sem a necessidade de conhecer de antemão o vocabulário técnico dos periódicos acadêmicos e um passo além do restrito conteúdo dos cadernos culturais, passaram a ter sua própria revista. O sucesso foi imediato e sua circulação rapidamente disparou, alcançando todo o país. Em 2016, a Dasartes completa oito anos, que permitiram aos seus leitores acompanhar a conformação da linguagem de artistas então em início ou meio de carreira, assim como a emergência de novos talentos de nossa arte contemporânea, hoje internacionalmente reconhecida. Além disso, sempre apoiou iniciativas dedicadas à ampliação e à inovação no meio de arte, sejam institucionais ou individuais. Hoje, tal
postura se amplia, com sua presença em diferentes meios digitais. Esta exposição procura ser, portanto, um perfil, a um só tempo, de sua história, mas, naturalmente, de aspectos da recente produção brasileira nesses anos de existência da revista. Em virtude disso, era mais do que imperativo privilegiar a variedade de linguagens e pesquisas individuais, reafirmando nossa pluralidade. Os artistas convidados representam uma seleção daqueles inúmeros apresentados na revista. Desejamos com esse recorte – afortunadamente destinado a adesões, complementos, questionamentos, alternativas – que ele sirva de impulso para iniciativas semelhantes, vindo a enriquecer ainda mais nossa cultura.
Minha percepção do espaço com base na temporalidade da experiência vem da arquitetura. Procuro uma espacialidade física, um impacto no corpo das pessoas. Me interessa também a repetição e como quebrá-la. Por outro lado procuro desconstruir essa relação com a arquitetura, possibilitando uma nova leitura do espaço e dos objetos de que é feito. A maior parte dos materiais que uso são materiais que tem uso na cidade: peças de concreto pré-moldado, aço corten, vinil adesivo, policarbonato alveolar, tijolos. São materiais cuja funcionalidade é subvertida nos meus trabalhos.
ANA HOLCK
Um são quinhentos. Uma resma é uma unidade de medida, uma folha repetida quinhentas vezes. A leveza de cada papel colocado sobre o outro e quinhentos planos empilham um volume. Quinhentas folhas de papel originam uma unidade sólida de concreto.
BRUNO CANÇADO
32 CAPA
A partir da observação de dispositivos instalados nos bancos de praças públicas da cidade, desenvolvi esta série de desenhos e objetos. Selecionei 7 cadeiras de renomados designers e para cada uma delas desenhei um tipo específico de ofendículo.
DANIEL MURGEL
Banco de praça recoberto com cédulas. O homônimo que nos fala de imediato traz num primeiro plano o humor. Mas este dá lugar, num segundo momento, a todas as relações que podemos estabelecer a partir da posse do dinheiro, ao ponto de objetos serem recobertos por cédulas, trazendo à memória o toque de Midas com toda sua ambiguidade.
FELIPE BARBOSA
33
Minha pesquisa é em torno da construção e da representação da paisagem na contemporaneidade. Nos últimos anos a paisagem vem dando lugar à natureza morta e suas interfaces na vida cotidiana contemporânea. Uma maquiagem vulgar e exuberante que superficialmente disfarça sua condição de eterna busca pela beleza. Não da pintura, mas do pintar.
BRUNO MIGUEL
DANIEL JABLONSKI 34 ARTES VISUAIS EM REVISTA
Astrologicamente incompatível’ é uma resolução formal anunciada na PUCRio, por ocasião de um seminário sobre a obra póstuma da professora e amiga Claudia Castro. Manifesta no instrumento jurídico que trouxe a público em minha fala está a decisão ‘irrevogável e irretratável’ de renunciar a meus títulos acadêmicos. Mas também a meu destino de filósofo, tal como expresso na carta astral que me fora dada um dia, sem qualquer anúncio ou explicação, pela própria Claudia. Ao ver cair por terra, após sua morte prematura cercada de decepções universitárias, o ideal de um pensamento filosófico radical, alheio às vicissitudes e pequenezas da vida acadêmica, declaro, para todos os fins legais: ‘Por meio desta, não pertenço mais à Filosofia’.
GISELE CAMARGO
Trata-se de uma pintura cinemascope e também de uma pintura de fotogramas. Sua escala e sua dinâmica guardam consigo algo moderno: ela é afim com o cinema, tanto pela força hipnótica da imagem quanto pela estrutura segundo a qual se organiza - sequências nascidas por montagens, idas e vindas em traveling, cortes e intercâmbios, às vezes serpenteando motivos misteriosos e suspensos; mas há também uma outra aproximação do cinema via história da pintura moderna, uma reverberação cubista, que desmantela o ajuste pacífico do trabalho no espaço e prefere ângulos truncados, impedindo a linearidade narrativa. Doze quadros por segundo, doze quadros por metro.
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Cada classe dominante cria a sua cultura e, por conseguinte, sua arte. A História conheceu as culturas escravistas da Antiguidade clássica e do Oriente, a cultura feudal da Europa medieval e a cultura burguesa que hoje domina o mundo. (...) A cultura burguesa, (...) existe há cinco séculos, mas só atingiu seu completo florescimento na segunda metade do século XX. A história mostra que a formação de uma nova cultura em torno de uma classe dominante exige considerável tempo e só alcança sua plena realização no período que precede a decadência política dessa classe." TROTSKY, Leon. Literatura e revolução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. P.149-150.
GUSTAVO SPERIDIÃO
Após folhear um livro ainda em branco, seguindo o sentido da leitura, me deparo com o outro lado. Durante um período de tempo, mensurado apenas pela contagem do número de páginas, atravessei uma série de espaços turvos. Refiro-me a espaços, pois me acostumei a imaginar que um livro de páginas em branco nada mais é do que um acúmulo de paredes brancas, dispostas lado a lado quando o livro encontra-se em repouso.
JIMSON VILELA
36 CAPA
PITI TOMÉ
Em minhas obras proponho negociações entre meu cotidiano e minha prática artística - investigo as possibilidades de articulação entre a experiência do dia-a-dia e a pintura. Experimento campos de atuação para a cor, para a forma e para o gesto ao mesmo tempo em que não retiro a pintura do meu modelo crítico de refletir sobre o seu tempo e lugar.
Empilhamentos de fotografias, rostos recortados de retratos antigos colados um ao outro, formando pequenas colunas de dimensões variadas. O trabalho flerta com a ideia da coluna infinita de Brancusi. Porém, ainda que a forma se repita, seu interesse está nos significados e narrativas que podem ser elaborados a partir da forma e do título. Trata de questões acerca do trauma e remetem a questões relativas ao próprio meio fotográfico, como sua reprodutibilidade, sua função inexequível de eternizar a memória e sua estreita relação com o tempo.
RAFAEL ALONSO
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RODRIGO BRAGA
Solidão é um ponto no espaço. Um local físico de nome poético. É sinônimo do isolamento que interessava à minha vivência imersiva de criação. Tal ‘Desejo Eremita’ foi para mim uma necessidade de constituição de um espaço-tempo diferente daquele rotineiro da metrópole. Imaginava vivenciar uma nova experiência - ligada aos aspectos mais crus e ritualísticos do ambiente natural -, que pudesse me levar a um estado criativo mais próximo aos sentidos. Adentrei em busca de sossego, mas acabei me deparando com o que já habitava meu trabalho: o inevitável ciclo vital ao qual todos os seres estão fadados.
38 ARTES VISUAIS EM REVISTA
A Última Aventura revela a jornada de aproximadamente um mês que eu fiz pela Rodovia Transamazônica em outubro de 2011. Atravessando de carro partes dos quase quatro mil quilômetros da estrada, procurei por vestígios materiais e simbólicos que remanesceram de um projeto faraônico, utópico e ufanista, rapidamente fadado ao abandono e ao esquecimento. O resultado são imagens estáticas de cenários vazios e despovoados, nos quais seus habitantes ausentes guardam os resquícios de suas aventuras.
ROMY POCTZARUK
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Todos os mapas são construídos com o livro. Ao olhar qualquer cidade que seja, penso em quantas cidades diferentes estão ali contidas; quantas camadas de tempo... quantos caminhos e pensamentos ao percorrê-los. Os planos das cidades revelam muito das mesmas e são para mim fonte inesgotável onde encontro belos desenhos.
ROSANA RICALDE
SOFIA BORGES
Estava olhando para as coisas, buscava suas evidências, tentava entendê-las, fisicamente, existindo, mas estavam todas cobertas com essa mesma escura substância, essa espécie de forma insolucionável: as imagens. Eu passei os últimos sete anos intuitivamente vagando dentro de museus, centros de pesquisa, zoológicos. Tentava entender mimesis, símbolo, representação. Eu sabia que esses estados estavam cobrindo todos os objetos que olhava e eu, intencionalmente, queria aprender a distingui-los e a fotografá-los. Como diferentes camadas cobrindo uma mesma infinita coisa, eu queria aprender a separar significado, imagem e matéria. Paradoxalmente, eu tentava fazer isso com o uso da fotografia. 40 CAPA
LOS CARPINTEROS POR ELES MESMOS
Marco Antonio Castillo Valdes e Dagoberto Rodríguez Sánchez “D: Dentro da arte contemporânea, muitos artistas trabalharam a impressão humana partindo da forma de um pé, das mãos, ou de qualquer parte do corpo; mas para nós era muito mais interessante a pegada calçada, como segunda pele. Esse pequeno ensaio foi o pontapé para uma grande série de obras de piscinas que fizemos entre 2003 e 2004, em uma extensa colaboração com o Brasil. Fabricavamos quase tudo aí. M: E pensando no que as piscinas significam para nós: o governo cubano não aceita que as pessoas tenham piscinas. Você pode ser perseguido e perder sua casa se constrói uma. Algumas pessoas dizem que é para economizar água, outras, que que não é visto com bons olhos que as pessoas tenham piscinas em um país socialista; fala-se de tudo, mas realmente não se entende por que o Governo se revolta contra um direito tão elementar, ainda mais em um país tão quente e tropical. Cuba pede piscina!
Algumas pessoas dizem que é para economizar água, outras, que que não é visto com bons olhos que as pessoas tenham piscinas em um país socialista.
Por outro lado, todos nós somos filhos de operários, camponeses. Somos, digamos, o tipo de gente que ficou em Cuba. O outro tipo de gente foi embora. Eles representavam uma classe social que tinha piscinas e a suposta classe operária e camponesa que herdou Cuba começou a morar em suas casas. Assim, de repente, não sabiam o que fazer com aquelas piscinas. Na da minha casa, os donos anteriores criavam patos. Quando as casas eram divididas, tinham que dividir a piscina também e, claro, uma família podia encher a piscina com água e a outra não. As piscinas começaram a gerar uma série de conexões muito interesantes. Também jogam com a questão da posse legal. A pessoas de outros países, elas respondem a questões diferentes das nossas e pareceu-nos muito interessante utilizá-las como motivo de discurso.”
42 REFLEXO
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“D: “El pueblo se equivoca” (O povo se equivoca) é uma frase famosa de Fidel Castro. Dizia que era necessário educar o povo e nos pareceu tremendamente explícita essa frase sendo dita por ele. Tem muita verdade: "o povo se equivoca" e nós vivemos equivocados com ele. Quisemos fazer a frase em um edifício de maneira que não fosse um grafite, mas que funcionasse como parte da estrutura. Ou seja, a luz, a entrada e a saída desse edifício têm que ser através da frase. Parte da estrutura porque é parte da filosofia com a qual temos sido governados. M: E não há melhor forma de perpetuar esse tipo de ideia do que na arquitetura. O que é feito na arquitetura de alguma forma se perpetua. D: Essa peça continua sendo um projeto para realizar no futuro. Pensamos na possibilidade de construí-la em um galpão completo.”
O que ĂŠ feito na arquitetura de alguma forma se perpetua.
El pueblo se equivoca
…a escultura não se encontra no papel preponderante e egocêntrico onde normalmente está a obra de arte.
“D: As "Salas de Lectura" (Salas de Leitura) são bibliotecas. Uma combinação de edifícios panópticos com livreiros. Nas primeiras, tratamos de nos ajustar ao modelo, que era o "Presídio Modelo de Cuba": uma prisão panóptica, construída pelo governo de Machado, em 1920. Com o tempo, fomos variando a forma do panóptico, seguindo a mesma ideia de Jeremy Bentham, onde uma pessoa, do centro, podia controlar o espaço circundante; é oferecida uma disposição científica do espaço onde se cria uma espécie de "reality show". Isso foi mudando muito ao longo dos anos e temos uma série extensa de "Salas de Lectura" com diversas formas, algumas mais simbólicas, outras levando em conta edifícios existentes, umas utilitárias. M: Conseguimos realizar nas "Salas de Lectura" um velho objetivo nosso: a escultura não se encontra no papel preponderante e egocêntrico onde normalmente está a obra de arte. Dessa vez, ela pretende oferecer um serviço. Em "Yelmo" (2014) que está em Essen, ela continha toda uma coleção de arte 46 REFLEXO
arqueológica e antropológica pertencente ao museu. "The Globe" (2014), do Victoria & Albert Museum, ajuda a dar palestras e concertos. D: Há algo fascinante na estrela de oito pontas e foi extensamente usada pela arte islâmica para suas decorações nos tetos, que sempre tem relação com a reprodução da cúpula celeste. Pode-se observar esse mesmo efeito olhando para essa peça, tanto de baixo como de cima. M: A religiosidade também é uma espécie de panóptico porque o indivíduo se sente sempre observado por um Deus. O panoptismo é algo que se reflete de muitas maneiras. Nesse caso religioso, é de uma maneira mais subjetiva; porém, no caso da internet, por exemplo, o panoptismo é mais concreto: não é apenas que alguém se sinta vigiado, mas que verdadeiramente está sendo vigiado e controlado.” Sala de Lectura
As pinturas descrevem o processo de produção das peças em madeira: a árvore era cortada, a madeira era derrubada, transportada…
Los Carpinteros: Objeto Vital CCBB Brasília: 2/11 a 15/1 2017 - CCBB Belo Horizonte: 1/2 a 10/4/2017 - CCBB Rio de Janeiro: 26/4 a 3/7 de 2017 48 LOS CARPINTEROS
“M: "Dos Pesos" (Dois Pesos) resume um pouco a filosofia do início da nossa união, que se baseava em duas fontes fundamentais: por um lado, o trabalho da carpintaria e da marcenaria e, por outro, a pintura como forma de documentação. Também um resgate de certas tradições artesanais ou trabalhos manuais e de insistir na construção e na produção do objeto. As pinturas descrevem o processo de produção das peças em madeira: a árvore era cortada, a madeira era derrubada, transportada… uma nota que fala de certos valores que eram importantes para nós e para nossa geração. D: É a segunda versão de uma peça original que tinha em seu centro a imagem do Herói Nacional. Nós o colocávamos como se fosse uma espécie de peso, um estigma e, de alguma forma, como se a interpretação do assunto Martiano (referência a José Martí) fosse uma tragédia. Sobre a variante em exibição na mostra, interessava-nos, naquela época, documentar como produzíamos arte, e a documentação desse processo era realizada pelo Marco; foi nesse processo de colaboração que começamos a trabalhar juntos. Ah, outra história: a madeira usada era de uma mesa que "pegamos emprestada" até o dia de hoje quase nos expulsam da escola em virtude da brincadeira.” Dos Pesos
LIVROS lançamentos Posição Amorosa - Hudinilson Jr. Ricardo Resende WMF Martins Fontes - 464 p. - R$ 75,00 De autoria do curador Ricardo Resende, o livro tem como ponto de partida uma série de depoimentos obtidos em entrevistas com o artista, em 2011, e revela as articulações artísticas provocativas do criador da série de fotografias “Exercícios de Me Ver,” na qual retratou a si mesmo simulando um ato sexual com uma fotocopiadora, entre outras coisas. Contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2013-2014, o título conta ainda com as contribuições da organizadora Roberta Martinho, das pesquisadoras Adelaide Pontes e Maria Olímpia Vassão e do fotógrafo Vitor Butkus.
Somos instantes Claudia Sehbe Editora Olhares - 108 p. - R$ 35,00 A poeta e artista visual Claudia Sehbe lança seu primeiro livro, "Somos Instantes", pela Editora Olhares. Sua poesia contemporânea trata de temas intimistas, delicados e arrebatadores, como aborto, estupro, feminismo. E também poemas cotidianos e de amor. O título, "Somos Instantes", veio de inspirações cotidianas sobre o período de mudança que passou em sua vida. Claudia sempre escreveu, mas decidiu reunir seus trabalhos antigos e recentes em um livro depois de passar um ano em Nova York. "Foi um tempo de imersão. De olhar para o humano, de encontrar a minha arte sem procurar técnica ou algo do tipo. “
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Julio Villani - 1+1+1 Textos de Fernando Cocchiarale, Philippe Piguet, Agnaldo Farias, Paula Alzugaray, Judicael Lavrador, Allegra Sallé. WMF Martins Fontes - 456 p. - R$ 140, 00 Julio Villani se formou entre o Brasil, onde nasceu (Marília, 1956) e a Europa, onde forjou sua identidade de artista. É difícil tentar etiquetar sua obra – quando muito, pode-se lhe atribuir alguns alegres parentescos: Duchamp e o movimento literário Oulipo, Calder e Torres-García; a linha indígena enlaçada com a de Volpi, o Bispo do Rosário de braços dados com o bispo Sardinha... Se ela se alimenta de referências, sua poesia emana sobretudo da confiança que deposita no encontro fortuito. De Cornell a Farnese, de Schwitters a Baldessari, de Rauschenberg a Spoeri, muitas foram as maneiras de achar arte em objetos achados.
Arte Brasileira para crianças Isabel Diegues, Márcia Fortes, Mini Kerti e Priscila Lopes. Editora Cobocó - 100 p. - R$ 85,00 Arte brasileira para crianças conta com uma seleção de 100 importantes nomes das artes, apresenta um trabalho e uma pequena biografia de cada um deles, além de propor uma atividade inspirada na obra do artista para as crianças conhecerem diferentes ideias, materiais e maneiras de fazer arte. O livro traz, ainda, um glossário para as crianças aprenderem os mais diversos termos relativos às artes visuais. A brincadeira acontece com os trabalhos de Adriana Varejão, Alfredo Volpi, Beatriz Milhazes, Candido Portinari, Hélio Oiticica, Leonilson, Lygia Clark, Miguel Rio Branco, Nuno Ramos, Tarsila do Amaral, Tunga, entre outros.
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RESENHAS exposições
Laura Gorski: Repouso Centro Cultural São Paulo • 6/8 a 30/10 POR RICARDO RESENDE Laura Gorski apresenta a instalação "Repouso", no Centro Cultural São Paulo, espaço de arte e cultura da capital paulista, lugar certo para a arte contemporânea ao se permitir a experimentação e os riscos da criação artística, com enorme público espontâneo. A instalação lá está como quando nos colocamos de frente para o mar. Parece nos chamar, como as sereias que, quando cantam, levam os marinheiros seduzidos por suas vozes para o fundo do mar. Da mesma maneira, quando nos deparamos à entrada da instalação, ela nos seduz de imediato e nos conduz a fazer o percurso proposto pela artista. Parece nos puxar para o fundo da sala, que, por sua vez, nos leva para a segunda e depois para a terceira, e é assim que nos dá a sensação de afundarmos naquele abismo, a representação do fundo do mar. O mar que mostra pertence ao mundo do invisível e do oculto, provocando sensações, emoções e questionamentos já na sua contemplação. O público é resgatado com as "chaves" dadas pela artista para adentrar na sua instalação que, em um primeiro olhar, é apenas uma sala com o chão coberto por forração escura e paredes pintadas de preto em três alturas, onde aparecem alguns elementos bastante reconhecíveis. São três: as pedras, os troncos secos de árvores e um barco pousado no chão preto. Estão distribuídos 52
em três salas, em situações distintas, mas que conformam uma só paisagem (inventada). Predomina o fundo preto para as linhas que contornam a paisagem. A artista cria um ambiente para nos falar do que é visível e do que não é, abrigando o público no seu interior. O invisível e o oculto estão ali juntos. O invisível é o visível que está ali encoberto, pintado de preto. O oculto, sabemos, não está no invisível, mas está ali porque é subjacente a tudo e a todas as coisas do mundo, e nos ronda. O gesto, ao construir a instalação, vem de um desejo de apagamento das coisas para aguçar as outras que se tem dificuldade de enxergar. A artista constrói um desenho tridimensional em que se pode entrar e caminhar de um lugar a outro, esta é a instalação.
Ricardo Resende é mestre em História da Arte pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Atualmente é curador do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea.
Feira de Arte Internacional do Rio de Janeiro (ArtRio) Pier Mauá • 28/9 a 2/10 POR LIEGE G. JUNG Mais uma vez, a ArtRio abriu as portas para colecionadores e amantes da arte no Pier Mauá. Este ano, o caminho para a feira ganhou um enorme "upgrade": a região está recebendo fortes investimentos da Prefeitura e deve se tornar um novo ponto turístico da cidade. No pavilhão da arte moderna, como sempre, o estande da Pinakotheke chamou atenção, com sua costumeira oferta de obras raras em uma montagem de impecável bom gosto. "Temos algumas boas promessas", comentou otimista Max Perlingeiro, sobre algumas reservas de obras em seu estande. A galeria O Colecionador - que tinha como "hostess" oficial uma linda tela de Jean Michel Basquiat - não ficou atrás e montou outro pequeno museu; já na Simões de Assis Galeria, Palatnik e Gonçalo Ivo foram os artistas que mais despertaram interesse dos visitantes. A Galeria Estação, a mais importante entre as de arte popular, finalmente participou da feira. Giselle Gumiero comentou a venda de duas xilogravuras do artista Santídio Pereira, artista de apenas 19 anos que teve sua primeira individual na galeria em 2016. Também foram vendidas duas obras do artista popular Lorenzato com temas de praias, raros de se encontrar nas pinturas do artista. Ao contrário do que costuma acontecer, este ano as vendas foram mais lentas nos estandes de arte moderna, onde as obras têm maior valor.
Entre os contemporâneos, o movimento nos estandes era intenso. A Gentil Carioca causou surpresa e alguma molhaceira com um chuveiro para banho de descarrego de Opavivará e, na Galeria Nara Roesler, uma gigante e brilhante forma em aço inox - a "cabeça", de Not Vital - chamou atenção. Entre os destaques estavam as obras do minimalista Roland Gebhardt, companheiro de Donald Judd e Frank Stella, que passa por um "revival" no mercado, no Gabinete de Arte K2O. Karla Osório, que dirige o Gabinete, comentou: "O saldo da feira foi maravilhoso e muito positivo pra gente", já fechando o espaço expositivo com sorriso estampado no rosto no domingo, último dia do evento. Na Zipper Galeria, colecionadores se aglomeravam ao redor de um retrato infantil de Adriana Duque e da árvore de corda de Janaína Mello Landim, artistas que já causaram frisson na SP-Arte este ano. Na SIM Galeria, obras de Juan Parada (que está em residência na China) e Rodrigo Andrade foram vendidas para coleções importantes. Quem riu à toa mesmo foram as galerias jovens do último pavilhão. Orlando Lemos, da Galeria Orlando Lemos, já no segundo dia corria para repor o estande vazio. O galerista apostou nos trabalhos do artista Evandro Soares, que trabalha uma técnica
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mista de desenho em nanquim com arame galvanizado. Na Galeria Movimento, só no primeiro dia foram vendidas cinco telas do grafiteiro TOZ e reservada um total de dez obras. Esta é a primeira vez que a galeria participa da feira. A GRANDE POLÊMICA: FALSIFICAÇÕES Como todas as grande polêmicas, a deste ano começou com murmúrios. Já nas primeiras horas da feira, um conhecido e circulado galerista carioca comentou que havia uma galeria cheia de obras falsas, sem querer nomear qual. Perguntando a outras figurinhas carimbadas do mercado, a história foi tomando corpo: a Graphos, conhecida galeria carioca que já representou Vik Muniz e outras estrelas, teria obras falsas no estande. No final do primeiro dia, expositores se uniram e apresentaram uma reclamação formal à feira. O alarme foi dado por uma tela de Raymundo Colares, artista da Nova Figuração, que foi capa da Dasartes. As cores vibrantes da pintura, que deveria ter cinco décadas de desbotamento, chamou atenção. Um galerista chegou a comentar que estava com cheiro de tinta. O boato abriu a porta para que outras obras do estande fossem minuciosamente escrutinadas pelos "marchands" e mais vereditos desfavoráveis começaram a correr a feira. No segundo dia, algumas obras já tinham sido retiradas. Como não haviam sido vendidas, o caso ficou por isso mesmo, mas já se antecipa uma corrida dos clientes da galeria a avaliadores para testar a autenticidade de obras lá compradas nos últimos tempos. BALANÇO E MAIS UM DESAFIO Em geral, expositores se mostraram satisfeitos com as vendas, acima das 54 RESENHAS
expectativas para o momento. Essa foi uma edição de "vai ou racha" para a ArtRio: apesar de ter conquistado seu lugar cativo entre o grande público, expositores vinham exigindo maior presença de colecionadores e museus, e, em meio a uma crise financeira sem precedentes, a direção da feira teve que correr atrás. Se por mérito da feira ou melhora das circunstâncias, não se sabe, as vendas e promessas deixaram a maior parte dos galeristas satisfeitos e mais dispostos a voltar no ano que vem. Os negócios penderam mais para o lado de obras de melhor valor, com muitas vendas entre galerias jovens e menos movimento em arte moderna. Em geral, há melhorias a serem feitas, mas a ArtRio completou a prova do desafio 2016 e conseguiu trazer boas vendas e mais uma bela e animada feira, deixando público e expositores satisfeitos. Torcemos pela ArtRio 2017.
Liege Gonzalez Jung é fundadora e diretora da Revista Dasartes desde 2008.
JOÃO VILLELA POR ELISA MAIA Revistas antigas, roteiros de filmes e cadernos de anotações de aulas são alguns dos suportes usados por João Villela para compor seus trabalhos. Partindo das páginas já povoadas, João escreve sobre os desenhos e desenha sobre os escritos, não em um sentido ilustrativo, em que o texto fornece o tema para imagem, mas literalmente "sobre" as palavras impressas, usando-as como suporte. Em seus desenhos, a letra das palavras e o traço das figuras se contaminam e se deixam contaminar, borrando os contornos entre o que é visto e o que é lido. Há momentos em que o texto usado como suporte fica aparente por 56 GARIMPO
entre os espaços vazados dos desenhos, e outros em que é coberto, de forma que apenas determinadas palavras, expressões ou ideias são enfatizadas. Embora não se debruce sobre um tema específico, é possível notar um repertório de assuntos que se repetem de maneira recorrente: a política, as vertigens sociais, o amor, o desejo, certa angústia existencial presente nas figuras que carregam uma marca expressionista e o sexo. Este último lhe rendeu um convite para publicar seus desenhos na "NIN", uma recém-lançada revista de arte erótica. Em uma construção "mise en abyme", João usou a edição impressa como suporte para novas intervenções. Há,
nos seus trabalhos, uma afirmação do corpo em sua dimensão física, que parece querer se impor por diferentes vias. João não apenas desenha corpos, masculinos e femininos, mas também enfatiza o corpo da letra, os acidentes da matéria e os vestígios do gesto. Essas concretudes físicas reconduzem o olhar em direção à materialidade da imagem e ao corpo físico dos objetos que servem de suporte. A relação com a literatura também é um dispositivo importante na sua produção. João, que já estudou Letras, aponta, entre suas influências, muitas referências literárias - de Shakespeare (ele tem uma série de desenhos feitos a partir de suas peças) a livros de poesia contemporânea. Seus cadernos e revistas ocupam um lugar privilegiado de passagens entre o desenho e a escrita, um lugar onde os revezamentos plástico-discursi-vos possibilitam o surgimento de imagens indisciplinadas, que parecem marcadas pelo afeto e dotadas de desejo. Elisa Maia é formada em direito e letras e mestre em literatura, cultura e contemporaneidade. Interessa-se especialmente pelas relações entre literatura e artes visuais.
João escreve sobre os desenhos e desenha sobre os escritos, não em um sentido ilustrativo, em que o texto fornece o tema para imagem, mas literalmente "sobre" as palavras impressas.
NOTAS DO MERCADO Fatos, valores, curiosidades e tendências ARTRIO E O VIRAR DA BALANÇA A Feira de Arte do Rio de Janeiro 2016 fechou com balanço positivo, demonstrando uma tendência inversa ao observado nos anos de glória do mercado: a arte moderna, que sempre foi a que tinha os melhores resultados nas feiras, teve vendas mais tímidas e o humor positivos de muitos marchands foi sustentado mais por boas promessas que por cheques recebidos. Do outro lado da balança estavam as galerias jovens, com obras de valor menor, que fizeram boas vendas, algumas delas chegando a renovar totalmente o estande ao longo da feira. O clima, como já era sentido na SP-Arte, foi positivo, com percepção de certa retomada do mercado após o funéreo 2015, mas ainda é difícil falar em total recuperação. Alguns destaques da feira: BASQUIAT foi o artista mais comentado, com uma tela no estande da galeria Colecionador que causou comoção. Já no terceiro dia, foi retirada para negociação sigilosa - e também pra evitar danos pelas massas populares que se acotovelavam para apreciá-la. A pedido do galerista, o valor não foi divulgado, mas era a segunda obra mais cara da feira, atrás apenas de uma de Cristopher Wool, oferecida por US$ 9 milhões no estande da vizinha Rudolf Budja. RAYMUNDO COLARES aparecia em vários estandes (incluindo algumas supostas falsificações - veja na seção "Resenhas"). Uma tela especialmente rara era oferecida a quase R$5 milhões na Galeria Ipanema. Depois do "revival" com a individual do artista no estande de Ronie Mesquita na SP-Arte, a demanda pela Nova Figuração vem decolando e o preço também.
VANDERLEI LOPES e suas poças e fluxos dourados também pipocaram entre os contemporâneos. A Athena Contemporânea aproveita o bom momento do artista para levar um projeto solo à Art Basel Hong Kong este ano. 58
VÉIO também chamou atenção com uma escultura exposta na Bienal de Veneza em 2015 e que rapidamente foi vendida no estande da Estação.
CADÊ O DÓLAR? Outra constatação inegável na ArtRio é o fim das tabelas em dólar. Mesmo as galerias mais internacionais do Brasil, aquelas que em 2015 ainda insistiam no dólar, passaram a adotar o real nos valores de seus artistas nacionais, com poucas exceções. Sábia decisão, afinal, como os brasileiros podem avaliar valor pensando em uma moeda que nos últimos 12 meses acumulou flutuações em um espectro de 40% frente à nossa? Ainda que galerias ajustem suas tabelas para esconder perdas com câmbio, precificar em dólar torna anda mais palpável a sensação de subjetividade e fragilidade do valor de uma obra de arte e deveria ser prática abolida em um país de câmbio instável, que visa um mercado interno forte, quesito indispensável para qualquer pretendida relevância internacional.
FIAC X FRIEZE Três das cinco galerias brasileiras que expõem na Frieze Londres este ano participam também da feira internacional de Paris, FIAC, duas semanas mais tarde. Na cidade-luz, a feira terá ainda a presença de Luciana Brito. A Fiac, que há alguns anos era tida pelo circuito internacional como uma feira com pouco potencial, vem chamando atenção de galerias e colecionadores.
À esquerda: Obra de Raymundo Colares e Vanderlei Lopes. Acima escultura de Véio na Galeria Estação e tela de François Morellet na Dan Galeria.
COLUNA DO MEIO Quem e onde no meio da arte
Ana Holck, Felipe Barbosa, Jimson Vilela, Rosana Ricalde, Daniel Jablonski, Sofia Borges, Bruno Miguel, Piti Tomé e Bruno Cançado
Guilherme Bueno,Cesar Liege Fraga Gonzalez Eduardo Oliveira, Roberto Padilla eJung Ginae Elimelek
Bia Medeiros, Sylvia Braga, Karla Osorio, M. Helena Paranaguá e Naura Timm
Erica Chianca e Irany Vidigal
Alexandra Tostes, Artur Fidalgo, Alberto Saraiva e Júlia Debasse
Bruno Miguel e Éder Oliveira
Artes Visuais em Simone Mesquita, Aline Henriques Revista e Ana Carolina Beltrão Espaço Cultural BNDES Rio de Janeiro
Carlos Augusto, Fernando Cocchiarale, Liege Gonzalez Jung e Roberto Padilla
Exposição Naura Timm Gabinete de Arte K2O Brasília
Karla Osorio e Corpos Informáticos
Naura Timm, Angelica Madeira, Fernando Madeira e Adalto Candido Soares
Éder Oliveira e Lucas Lins, Daniel Feingold, Rodrigo Andrade e Geraldo Garcia Júlia Debasse Oi Futuro Flamengo Rio de Janeiro
Rodrigo Andrade, Lucas Lins, Alberto Saraiva e Éder Oliveira
Franklin Pedroso, Maria Carmen Perlingeiro e Ronaldo Simões
Ivan Grilo Luciana Caravello Arte Contemporânea Rio de Janeiro
Eduardo Oliveira, Cesar Fraga Márcio Fainziliber e Ivan Grilo e Gina Elimelek
Cândida Sodré, Sérgio Fadel e Max Perlingeiro Filho
Alexandre Mazza, Cláudia Meireles e Bruno Miguel
Luciana Caravello e Paulo Herkenhoff
Missão Artística Francesa no Brasil Pinakotheke Cultural Rio de Janeiro
Max Perlingeiro, Maria Eduarda Marques e Leslie Bethell
Renato Bezerra de Mello e Fernando Cochiarale
Wilton Montenegro e Cláudia Hersz
Vandinha Klabin e Leslie Bethell
Márcio Lobão e Marta Fadel
Renato Bezerra de Mello Paço Imperial Rio de Janeiro
Júlio Villani e Bel Pedrosa
Mônica Barki e Manoel Novello
ALTO FALANTE
Por Alexandre Sá
Orixás Casa França-Brasil "...para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem, tendo mãos, não me peguem, tendo olhos, não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal..." Oração de são Jorge É óbvio que estamos passando por um momento extremamente delicado em alguns setores. Para além da política, tão explícita em seu caos e afronta, as instituições de arte não conseguiram se salvaguardar de uma onda consideravelmente estranha que desconsidera com presteza a relevância da cultura para a sociedade, desaguando em uma falta atroz de financiamento e em um atraso considerável no pagamento de alguns editais. Talvez fosse possível pensar que a falta de responsabilidade no pagamento de pró-labores ou mesmo na cessão de verbas para a manutenção mínima de condições básicas de sobrevivência é algo que vem de muito longe, já que parece muito lógico que artistas (nas suas mais variadas camadas), de fato, além de importarem pouquíssimo para países como o nosso, não precisam de dinheiro para a continuação de seus trabalhos. Talvez a prática exaustiva do pires na mão seja eventualmente cômica, seja no envio infinito de e-mails que lembram algum valor determinado e atrasado ou na aceitação sem medidas que, mesmo que o valor tal exista, haverá ainda outro obstáculo a ser transposto: o prazo de pagamento. Anedótica situação do dinheiro que não se pode contar. Arte. No cenário carioca, é possível adicionar a tal receita uma prática de certa "brodagem marítma" que escancara o pedido sem timidez do trabalho de graça. Existir, o dinheiro existe. Só que, como se sabe, ele é e sempre foi mal aplicado, direcionado, investido. Talvez ele esteja em áreas remotas do saber, em lugares defenestrados, vizinhos de uma lânguida mesa de jantar para investidores/compradores, e assim por diante. O processo pelo qual o Estado do Rio de Janeiro passa hoje alia dois desejos muito claros: a má gestão anterior/atual e um projeto preciso de desmantelamento da educação e da cultura, atingindo em cheio as instituições. Restam então os projetos, os editais, a prática infinita e esquizofrênica de busca incessante de dinheiro em outras fontes. E, assim, a engrenagem continua a funcionar Sísifo : artistas, historiadores, professores e pesquisadores aumentando consideravelmente sua carga de trabalho, sua ausência potencial na vida poética do cotidiano, um conjunto imenso de frustrações a serem postas por baixo do tapete, os psicotrópicos e a prática militante no Facebook. Jorge Amado, no livro “Bahia de Todos os Santos”, já afirmava a dureza e a dor da vida em Salvador, deixando explícita uma cidade que era vagarosamente sucateada e um povo que, apesar de toda a libertação histórica, talvez ainda seria capaz de escutar as estaladas das tais 150 chicotadas que llhe serviam de castigo. Embora talvez possamos nos perguntar em que medida hoje tais chicotadas ainda estalam por uma ausência clara de coragem aliada a um processo de cansaço geracional, além de uma potente decepção diante da real e total impossibilidade de escolha, combinada a um fracasso da política enquanto prática colaborativa e certo corpo cordial que parece ser a sina da nossa cultura já pálida, há ainda alguns bons exemplos que conseguiram sobreviver a esse processo de sucateamento subjetivo. Nesse caso, algumas instituições culturais 64
A exposição "Orixás", na Casa França-Brasil, é um ótimo exemplo disso. Não especificamente de grandes reinvenções estéticas estabelecedoras de conceitos inusitados e impalpáveis. Mas de arte como entretimento. no Rio de Janeiro são um lindo exemplo de sobrevivência e coragem: Centro Municipal de Artes Hélio Oiticica, Paço Imperial e Casa França-Brasil. Por certo, seus gestores são peças fundamentais nesse árduo jogo de resistência, qualidade e fé. E sem a adesão maciça do público, e logicamente, dos artistas, nada disso seria possível. A despeito de todas as remoções, esquecimentos e gritos duramente silenciados ao longo de todo o processo de revitalização da cidade do Rio de Janeiro, o centro da cidade tem conseguido se redescobrir; e os próprios moradores, talvez por um despertar ainda sem nome, descobriram uma enorme e infinita possibilidade de experimentar, produzir e estudar arte para além do túnel e de alguma área de conforto. Se o mesmo Jorge Amado dizia que há um tipo de óleo misterioso que recobre a cidade de Salvador, talvez por aqui também haja um bálsamo invisível de coragem, sobrevivência e reinvenção responsável por proporcionar alguma (vã)n-guarda para que essa cidade consiga eventualmente esquecer o seu histórico tão senzala que se deseja (ainda) casa grande. A exposição "Orixás", na Casa França-Brasil, é um ótimo exemplo disso. Não especificamente de grandes reinvenções estéticas estabelecedoras de conceitos inusitados e impalpáveis. Mas de arte como entretenimento. Arte dessas sem muitas pretensões que, por meio de uma pesquisa densíssima e altamente especializada, consegue provar com elegância e maestria que a pluralidade de opiniões, abordagens, desejos, histórias e religiões são vitais ao bom funcionamento do humano e da arte. Ali não existem grandes novos nomes desconhecidos (que logo serão engolidos por seu devir-mártir artista por um dia), trabalhos imbricados em suas bulas infinitas, processos de escritas com milhões de citações e uma empáfia já cansada que, vez por outra, só justificaria o velho lugar do mestre. Nesse caso, do saber do curador, historiador e artista. Em épocas tão estupidamente beligerantes como a que vivemos hoje, na qual toda e qualquer militância se torna cega e pouco reflexiva, prática lógica para dissipar a certeza de que o inimigo está (sempre) dentro de nós mesmos, a exposição surge como uma ótima resposta. Viva e nada presunçosa. Arte para além da chatice e da soberba. Reunindo as mais diversas camadas de abordagem e produção em arte e artistas das mais variadas vertentes, a exposição revisa historicamente e atualiza com potência inquestionável uma outra exposição, de 1990, "Retratos da Bahia", quando a Casa França-Brasil foi inaugurada como centro cultural. Agora o destaque é obviamente a curadoria de Marcelo Campos, um dos poucos curadores nada histéricos/pops que consegue respeitar o silêncio e o espaço de reverberação de cada trabalho, o projeto expográfico de Hélio Eichbauer, criando um ambiente fluido e engenhoso, capaz de descortinar diversas camadas e preciosidades da exposição, além do já sabido trabalho impecável de Tania Queiroz no setor educativo, bem como a programação de eventos paralelos à mostra. Imperdível. Alexandre Sá é crítico e curador, professor do Instituto de Artes da UERJ, da EAV Parque Lage e coordenador do curso de Artes Visuais da Unigranrio.
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Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente em seu aplicativo para tablets e celulares e no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.
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