OTHONIEL
ENQUANTO ASSUME UMA BUSCA PELA BELEZA
QUEANDADEMÃOSDADASCOMACONQUISTA DA FELICIDADE, AS COMPOSIÇÕES DE JEANMICHEL OTHONIEL, IDENTIFICÁVEIS POR SEUS
VIDROS MULTICOLORIDOS, INCORPORAM
TANTO QUESTÕES ESTÉTICAS QUANTO DIMENSÕES SOCIOPOLÍTICAS INTRANSIGENTES
POR MARC POTTIER
Para Jean-Michel Othoniel, o maravilhoso é o desafio desteséculo.Aoportunidadedeencontrarsuasobras de reencantamento, mais complexas do que parecem ser, está na exposição . No emblemático , seus 12 móbiles cósmicos – que representam os signos do zodíaco, com suas contas de vidro suspensas – retomam os entrelaçamentos de outras de suas composições. Eles lembram o movimento das estrelas ao se refletirem nas paredes de vidro do museu, e um mar, formado por seis mil tijolos de vidro cor água-marinha, colocado no chão. Mas, antes, o visitante já poderá ter descoberto, no espelho d’água externo, cinco grandes esculturas inspiradas na natureza, tão presente no Paraná. São flores gigantescas cobertas de folhas de ouro, que, como astrolábios, misturam seus reflexos, cúmplices com o olhar do grande arquiteto brasileiro.
Oriflamme, 2022.
Photo © Othoniel Studio.
© Jean-Michel Othoniel / Adagp, Paris, 2022.
Exposição O Olho da Noite.
Foto: © Claire Dorn.
© Jean-Michel Othoniel / Adagp, Paris, 2022.
L’ŒIL DE LA NUIT (O OLHO DA NOITE)
Para Jean-Michel Othoniel, o título da sua exposição, , evoca um universo impregnado de surrealismo e literatura. “Tenho a sensação de que o Brasil é um país de histórias, de encontros, onde o maravilhoso convive com a realidade, onde a cor convive com o preto. E nesta exposição, gostaria de evocar todos esses sentimentos antagônicos, todas essas emoções que são tão ricas, prontas para serem exploradas nessa cultura que estou descobrindo”, confidencia-nos o artista.
MATEMÁTICA CELESTIAL E HOMENAGEM A NIEMEYER
Mas o título da exposição evoca também o edifício excepcional que abriga o MON e esse Olho elevado, construído por Niemeyer; um lugar muito mais complexo do que parece, apesar da simplicidade do seu design: o teto é curvo e as paredes de ambos os lados são de vidro colorido, como se estivessem suspensas acima do solo. A própria arquitetura já parece uma escultura. A proposta do artista foi então transformar esse local em um enorme planetário, onde as esculturas representassem os diferentes signos do zodíaco. Cada signo tem uma cor e uma forma que se desdobram em torno de um nó infinito. É uma evolução do seu trabalho em matemática, mas, dessa vez, uma matemática celestial que realmente se refere ao universo e ao infinito. “Demorei muito para encontrar uma forma de intervir neste local, que respeitasse as lembranças que tinha do arquiteto Niemeyer, que tive a oportunidade de conhecer. Pensei naquela noite no Rio quando, de frente para o mar, ele me falou de Brasília. Essa noite estrelada sobre praia de Copacabana ficou para sempre gravada em minha memória”, acrescenta Othoniel em sua explosão de admiração.
L’ÉMERVEILLEMENT
(DESLUMBRAMENTO) COMO TEMA
Jean-Michel Othoniel pensou nesta instalação de móbiles como uma dança nos céus, que nos obrigaria a levantar os olhos, a olhar para o ar, a levantar a cabeça e, assim, ter uma sensação de elevação. A dança, a alegria, essa nova viagem original, com suas obras penduradas acima das nossas cabeças, é muito importante para ele, em um momento no qual constata o mundo como mais sombrio e mais triste. JeanMichel sempre defendeu essa noção de encantamento; de deslumbramento; de infinito,do cosmos,que são algumas das chavesparanosdistanciarmosumpouco da realidade, guardando, porém, a consciência da nossa fragilidade no universo. Com uma obra já “de exceção”, esse “Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry”, nascido em 1964, em Saint-Étienne, nunca deu as costas à decoração, aos ornamentos e, acima de tudo, nunca hesitou em abraçar seu “apetite” pela beleza. “Para ter acesso a esse encantamento, basta, creio, confiar nas obras”, falou.
Exposição O Olho da Noite. Foto: © Claire Dorn. © Jean-Michel Othoniel / Adagp, Paris, 2022.
Belles Danses, 2015. © Chancel. © Jean-Michel Othoniel / Adagp, Paris, 2022.
Installation view of JeThe Flowers of Hypnosis at Brooklyn Botanic Garden, 2023. Photographer: Guillaume Ziccarelli. © Jean Michel Othoniel / ADAGP, Paris & ARS, New York 2023. Courtesy of the artist and Perrotin.
FLORES COMO INSPIRAÇÃO
Othoniel também quis colocar grandes esculturas abstratas, inspiradas em flores, nos espelhos d’água aos pés do Olho. Assim como a construção de Niemeyer, que seria inspirada na araucária, árvore símbolo da região paranaense, ele fez questão que seus lótus subissem acima da água, exibindo seus reflexos através das folhas de ouro e dos espelhos. Essas esculturas, que são monumentais, mas parecem relativamente pequenas em comparação com o gigantismo do edifício, serão uma homenagem à paixão de Niemeyer pela botânica.
CONTAS DE VIDRO COM VÁRIOS
SIGNIFICADOS
O vidro, onipresente em seu trabalho hoje, substitui o enxofre usado em seus primeiros dias. Essa “invenção”, que já faz parte da sua marca, decorre da passagem que Othoniel fez a Murano, quando residia na Villa Medicis. O público já pôde ver seus gigantescos colares de pérolas em Veneza, no Grande Canal, na Fundação Guggenheim, assim como seu colar Peggy, uma imagem do tempo suspensa, por ocasião da abertura da Fundação Pinault. Seus “frutos proibidos”, pérolas com pontas de mamilo, escondem-se em galhos no Havaí, em um bambuzal tropical. Ou então na estação de metrô parisiense Palais-Royal. Seus colares de vidro também são encontrados em uma obra em um formato mínimo, múltipla e comprometida, criada logo após a morte de seu amigo, o grandeartistaamericano-cubanoFélixGonzalezTorres (1957-1996). São “colares de cicatrizes”, com pequenas pérolas vermelhas, que JeanMichel sempre usa, e as distribui à sua volta.
Agora, 2019. Courtesy Galerie Perrotin.
Photo: Claire Dorn.
© Jean-Michel Othoniel / Adagp, Paris, 2022.
Em 2021, a abrangente exposição , no Petit Palais de Paris, foi visitada pela Presidente do MON de Curitiba, e permitiu, mais uma vez, expor a complexidade do universo de Jean-Michel Othoniel ao apresentar inúmeras obras que nunca tinham sido exibidas, nem mesmo na França. Desde esse momento, nasceu a ideia de convidá-lo para expor no museu. No Petit Palais, ele levou os visitantes para um passeio onírico, mergulhando-os na linguagem secreta das flores e no seu simbolismo. Já no MON, as obras apresentadas no Petit Palais estão em diálogo com a arquitetura e o jardim. Com sutileza, suas pérolas douradas se adaptaram, assim, à escala e à fragilidade das árvores.
MENSAGENS CRUZADAS
Tudo começou nas escadas exteriores do Petit Palais, com seu incrível tapete de tijolos de vidro azul (que apresentaremos no MON, mas numa outra versão, interna). Esse rio azul, que dialogava com as portas douradas da entrada do Petit Palais, era como um caminho para uma promessa de felicidade, para um grande Jardim do Éden. Othoniel também comemorava a ideia de reabrir uma exposição após a pandemia, e fez questão, desde as ruas, de se encontrar com o público. Esses tijolos azuis, que podiam ser vistos também na sala de exposição inferior, em tapetes ou em forma de altares, foram para o artista como um passaporte para sair da crise. O tijolo é o material dos pobres da Índia, que encontramos ao longo das estradas. Othoniel vê isso como uma esperança de sonho, algo muito humano: querer construir sua casa. Seus tijolos são frágeis e refletivos. Eles são um sonho em forma de tijolo.
Installation view of
Jean-Michel: le Théorème de Narcisse, Petit
Palais © Othoniel / ADAGP, Paris 2021. ©
Photo: Claire Dorn / Courtesy the artist and Perrotin.
REPRESENTAÇÕES DO INFINITO
se referia aos lagos encontrados no jardim do Petit Palais, celebrava seu encontro com o matemático mexicano Aubin Arroyo. Foi ao ver as imagens dos nós de pérolas na exposição , do Centre Pompidou (2011), inspirada no psicanalista francês Jacques Lacan, que Arroyo se surpreendeu com a incrível semelhança das esculturas de Othoniel com as visualizações das teorias matemáticas nas quais trabalhava. Desde então, uma cumplicidade incrível nasceu a partir desses anéis “borromeanos”, para refletir sobre a intersecção entre o imaginário, o simbólico e o real. Com as obras da , o público brasileiro encontrará esse outro ângulo do trabalho do artista.
Installation view of Jean-Michel: le Théorème de Narcisse, Petit Palais © Othoniel / ADAGP, Paris 2021. © Photo: Claire Dorn / Courtesy the artist and Perrotin.
LONGO,
Untitled (Phantom Vessel), 2008 © Bildrecht, Vienna 2024
Photo: © Robert Longo.
ROBERTLONGOÉCONHECIDOPORSUASOBRAS HIPER-REALISTASMONUMENTAIS:PODEROSOSE
DINÂMICOS DESENHOS A CARVÃO, CUJA
TÉCNICA
VIRTUOSA E A FORÇA VISUAL DOS MOTIVOS
HIPNOTIZAM O OBSERVADOR. COMO
SEUSMODELOS,LONGOUSAFOTOGRAFIASQUE REGISTRAM SITUAÇÕES DRAMÁTICAS NO MOMENTO DE SUA MAIOR TENSÃO
POR ELSY LAHNER
Robert Longo se preocupa,com a representação do poder – na natureza, na política, na história. Ele utiliza material visual que foi reproduzido milhares de vezes, e há muito faz parte da cultura pop, da nossa memória visual coletiva. Longo isola e reduz os temas para aumentar seu impacto visual em um nível superior. Ao ampliar o sujeito e intensificar a iluminação com um claro-escuro dramático, deparamo-nos com imagens teatrais gigantescas, anteriormente não vistas. Longo se inspira em imagens existentes, referência à realidade de maneira indireta, e cria “cópias” impressionantes das fotografias originais em preto e branco, que empalidecem diante de sua transformação em gigantescos desenhos a carvão.
Os efeitos dramáticos de luz e sombra destes desenhos a carvão enfatizam a plasticidade dos objetos e a profundidade espacial. Eles fazem o tema aparecer tão real quanto irreal. O preto profundo do carvão esfregado no papel engole toda a luz. Paradoxalmente, Longo é, no final, capaz, como ninguém, de evocar brilho e luz radiante, transparência e materialidade diferenciada com a escuridão deste material.
Untitled (Nagasaki, B), 2003. © Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024.
Photo: Robert Longo Studio.
Untitled (Raft at Sea), 2016–2017. © Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024.
Photo: Robert Longo Studio. (Detalhe)
2016–2017.
Untitled (Raft at Sea),
© Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024.
Photo: Robert Longo Studio.
Longo já era considerado, no final dos anos 1970, um representante da chamada , um grupo livre de artistas nova-iorquinos que, em suas obras, se debruçava criticamente sobre asmídiasde massae aculturapop. Com a icônica série de desenhos de grande formato (19791983), em suas poses extremas e dinâmicas, ele expressou de maneira precisa o estado tenso e frágil daquela época. O crescimento financeiro, o imobiliário e a cultura dominavam Nova York, assim como o aumento da criminalidade, os problemas com drogas e a desigualdade social, que polarizavam a cidade. O neoconservadorismo da era Reagan e a ameaça da Guerra Fria contribuíam para um clima de insegurança. Os desenhos formais e rigorosos de Longo refletem esse sentimento. As figuras são representadas com “uniformes urbanos e roupas de filme ”, diante de um fundobranco,noespaçovazio,cadauma isolada, congelada em um momento de intensa movimentação e distorção corporal. São símbolos abstratos, para os quais o artista encontra uma correspondência em representações fortemente estilizadas, com contrastes em preto e branco, que têm sua origem em meios de comunicação e filmes nestes tons. Longo, assim, revela também a divisão interna vivida individualmente dentro de um tecido coletivo, marcado pela tensão e pela pressão social.
Após , a produção artística de Longo se direcionou para várias vertentes: ele desenvolveu suas (1981-1989), montagens nas quais combinava várias imagens e diferentes mídias em uma única obra. Criou esculturas e trabalhou em projetos cinematográficos. O alicerce para sua prática artística atual foi estabelecido cerca de uma década depois, no meio dos anos 1990. Ele descreve, que, após a conclusão de seu elaborado thriller cyberpunk (1995), quando passou mais tempo em casa, observava seus filhos pequenos assistindo à televisão. Nesse momento, ele percebeu o quanto ele mesmo se tornara entorpecido em relação aos meios de comunicação: “Todas essas imagens que aparecem todo dia entram silenciosamente e sem interrupção em você. E você não tem ideia do que está lhe acontecendo.”
Untitled (The Haunting), 2005.
© Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024. Photo: Robert Longo Studio.
Ele decidiu, por um ano, fazer um desenho todos os dias. A cada dia, ele encontrava uma imagem que deveria documentar o presente, algo que, em sua opinião, precisava ser registrado e não poderia simplesmente desaparecer. Podia ser algo que chamasse sua atenção ou algo que ele procurasse intencionalmente: a imagem de uma criança ou de um atleta; uma foto de jornal; cenas na rua como uma operação policial ou um corpo morto na calçada; publicidade ou um trecho de filme. (1996), o ciclo que surgiu dessa maneira, compreende 366 desenhos menores. Ele já contém muitos dos temas do repertório visual posterior de Longo e pode, assim, ser considerado o vocabulário de tudo o que veio a seguir. Com esse ciclo, Longo desenvolveu sua abordagem de aprender a entender e ler imagens, literalmente registrá-las e, de certa forma, testemunhar.
Untitled (Ukrainian and Russian Tank Battle), 2023. © Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024
Photo: Robert Longo Studio.
Untitled (Ping), 2007.
© Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024.
Photo: Robert Longo Studio.
Enquanto os desenhos de foram feitos em papel com marcadores de pincel, grafite e carvão, Longo logo depois encontrou a técnica que utiliza até hoje. A foto de uma onda imensa em uma revista de surfe o inspirou a criar uma obra de grande formato com esse tema. Como em seu estúdio só havia lápis de carvão na época, que ele detestava e os considerava incrivelmente imprecisos, começou a trabalhar com eles por necessidade, acelerando o processo de desenho.
As áreas podiam ser cobertas mais rapidamente e de maneira mais agressiva, sem as secagens necessárias na pintura, ao mesmo tempo em que o carvão era mais fácil de manipular e trabalhar. Longo, que tem formação em escultura, aprendeu a apreciar a abordagem escultural ao desenhar, com o uso da borracha para modelar como um cinzel, alisando com os dedos e esfregando o carvão na folha. Ele ficou fascinado por conseguir criar imagens agressivas com um material tão leve, o pó de carvão. As obras também são marcadas por uma forte simbologia da morte, pois o carvão é feito de madeira queimada.
Os desenhos de Longo, que ele vê como imagens na tradição da pintura, são criados camada por camada, com diferentes nuances de cores, entre o preto 50%, preto médio, preto normal ou preto total, preto quente ou frio; às vezes, usando lápis de carvão, outras vezes aplicando o pó de carvão com pincel para depois revelar o branco por baixo. Ao contrário da pintura tradicional, na qual a imagem é construída do escuro para a luz e os últimos toques são feitos com pontos de luz brancos, Longo trabalha do claro para o escuro. Ele começa com o branco do papel, que permanece sem retoques, depois trabalha nas diferentes tonalidades de cinza, e só no final adiciona o preto mais profundo e saturado.
Untitled (Face), 2001. © Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024. Photo: Robert Longo Studio.
No entanto, Longo nunca prioriza a preocupação técnica com seus desenhos: “Nunca me interessei pela virtuosidade da técnica”.Oqueéimportanteparaele,como artista conceitual, é a expressão, o significado e o impacto emocional de suas obras. O que importa é reproduzir imagens de forma rápida, mas ainda feitas à mão, e, assim, poder preservá-las. Longo desenvolve a ideia e o conceito de suas obras, escolhe as imagens de referência nas quais elas são baseadas, faz o teste com estudos detalhados em formato pequeno e decide sobre os ajustes finos. Seus assistentes assumem tarefas como transferir o esboço para uma escala maior ou o trabalho demorado de renderização, que às vezes leva até um ano.
A dramaturgia e a composição de uma imagem desempenham um papel central no trabalho de Longo. Em sua série (2008-2011, S. 107-115), suas representações de locais religiosos geraram uma atmosfera de reverência e grandeza por meio de seu tamanho imenso, luz e sombra, além da perspectiva escolhida, o que também expressa o poder dessas instituições. Um detalhado trabalho de de um buraco de bala, onde podemos ver cada rachadura e fragmento no vidro, transporta-nos diretamente para a violência do momento. Pela reprodução precisa da nuvem em forma de cogumelo em perspectiva central, o artista não apenas transmite a imensa força, brutalidade e poder destrutivo do evento catastrófico da explosão de uma bomba atômica, mas também o sentimento de fascinação diante da impressionante beleza desse fenômeno.
Crescido na era das epopeias cinematográficas americanas, como (1956), (1959) ou (1960), Longo busca criar obras que cativem o público por meio da encenação dramática e da intensidade emocional: “Eu queria fazer arte épica”. Em seus desenhos a carvão, ele adota o , a estética e a narrativa do cinema, a linguagem visual dos filmes. Também devido à sua experiência como diretor de filmes e ao seu trabalho em videoclipes para bandas como ou , o artista frequentemente traz um olhar cinematográfico para a composição de suas obras. Seus temas lembram quadros de filmes que capturam um momento de tensão, um ponto culminante emocional. Esse elemento dramático é experimentado toda vez que olhamos a obra, como se estivesse acontecendo agora, conferindo-lhe uma qualidade atemporal. Longo escolhe temas que, em sua essência, são símbolos de liberdade, poder e paixão: a enorme onda quebrando, um tubarão com a boca aberta ou uma rosa exuberante. Ao usar certos símbolos, figuras ou temas, ele evoca arquétipos que representam experiências e emoções fundamentais encontradas na história.
Bodyhammer: Uzi, 1993. ©
Robert Longo / Bildrecht, Vienna
Photo: Robert Longo Studio.
Untitled (Exterior Street Door, Berggasse 19, Vienna 1938), 2000.
© Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024.
Photo: Robert Longo Studio.
O universo imagético de Longo é alimentado por impressões pessoais, influências e temas relacionados à sociedade, política e à cultura pop dos Estados Unidos, assim como por eventos globais significativos. Abusos policiais, racismo, guerra e terrorismo, o exercício do poder, opressão e violência encontram expressão em suas obras. Mas, mesmo quando os motivos parecem pessoais, o artista não está apenas buscando expressar um sentimento individual.
(2010) é um exemplo disso. O título faz referência ao carro do pai de Longo, que ele nunca comprava novo, mas sempre usado de seu chefe. Além desse vínculo biográfico, o Cadillac, cujo desaparece na escuridão, representa o social da América pós-guerra. Ele incorpora o sonho americano de sucesso e ascensão social e é um símbolo de inovação e tecnologia, com “barbatana como uma nave espacial de ficção científica, é como se estivesse mergulhando na escuridão, como a jornada do herói ao inferno em uma epopeia grega.” Por outro lado, o artista sempre tenta encontrar uma conexão pessoal com uma imagem. Por isso, cada um de seus desenhos está associado a uma pesquisa, para que ele se informe o melhor possível sobre o tema. Seu objetivo é alcançar um equilíbrio entre o relevante socialmente e o profundamente pessoal.
Longo se vê como um artista abstrato, mas que trabalha de forma figurativa (literalmente: representacional) – assim como ele já havia feito em , imagens que ele entendia como signos. Devido a dessa abordagem, ele dedicou um ciclo inteiro ao estudo das obras do Expressionismo Abstrato. Nessa série, Longo explorou tanto o impacto dessas obras na arte norte-americana quanto sua influência sobre sua própria produção.
Elementos abstratos podem ser encontrados, apesar da execução hiper-realista, em outros desenhos, como quando o preto do carvão, ao ser observado de perto, transforma-se em uma área difusa, indefinida. Mas seus temas também às vezes oscilam na fronteira entre abstração e representação: nas listras do tigre, nas árvores
Untitled (Western Wall), 2011. © Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024. Photo: Robert Longo Studio.
cobertas de neve, nos tijolos do Muro das Lamentações ou nos buracos de bala em uma janela de vidro. A rede sombreada que cobre um grupo de refugiados sírios e iraquianos faz com que as pessoas, com suas roupas individuais, tornem-se uma massa uniforme devido ao padrão de camuflagem. Longo se move em uma zona intermediária, de modo que, ao olhar para as marcas de tanques na neve, pode-se, inicialmente, pensar que se trata de uma obra abstrata. Assim como esta obra, que se baseia em uma fotografia tirada por um drone, a imagem dos prisioneiros em Kandahar foi capturada por uma câmera infravermelha a uma grande distância. Seu desenho reproduz tanto a granulagem da câmera quanto o padrão de pontos do jornal onde a imagem foi publicada.
(2015/16) também apresenta características abstratas, destacadas principalmente pela escolha do recorte da imagem. Este mostra pouco do mar em que o flutua ou do restante da paisagem ao redor. O mais notável é que, assim como em outros trabalhos, esta também é uma obra em carvão, mas o preto aparece apenas de forma esparsa. Assim como Caspar David Friedrich, a quem Longo faz referência, ele utiliza a paisagem como um cenário para refletir sobre estados emocionais e a existência humana em relação
Untitled (Iceberg for C.D.F.), 2015–2016. © Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024. Photo: Robert Longo Studio.
à natureza. As linhas paralelas e gradações na parte inferior surgem do processo de derretimento gradual do , fazendo com que ele se eleve da água. Longo dá ao majestoso monte a forma de uma coroa, levantando a questão de saber se, de fato, o ser humano pode ser considerado a coroa da criação ou se, ao contrário, é a própria natureza. Pois, apesar da grande quantidade de problemas políticos com os quais nos confrontamos globalmente, as mudanças climáticas permanecem o maior desafio existencial que devemos enfrentar.
Elsy Lahner é a curadora de arte contemporânea no Albertina Museum em Viena desde 2011.
Untitled (Copenhagen, February 14, 2015), 2017. © Robert Longo / Bildrecht, Vienna 2024. Photo: Robert Longo Studio.
Still from Varda par Agnès. 2018 © ciné-tamaris.
A MOSTRA AGNÈS VARDA: FOTOGRAFANDO, FILMANDO, RECICLANDO,MONTADANOCENTRODE CULTURACONTEMPORÂNEADEBARCELONA(CCCB) REÚNE FOTOGRAFIAS, INSTALAÇÕES, FILMES E OBJETOSPESSOAISDEAGNÈSVARDA,DANDOUMA PROVAIRREFUTÁVELDAFORÇA,DAPLURALIDADEE DA PERSONALIDADE QUE MARCAM O ESPÍRITO CRIATIVO DAQUELA QUE FOI UM DOS MAIORES NOMES DA HISTÓRIA DA ARTE CINEMATOGRÁFICA
POR NICHOLAS ANDUEZA E DRIKA DE OLIVEIRA
VARDA, CONTINENTE INCANSÁVEL
Já não é desconhecido o pioneirismo de Varda ao antecipar a francesa com seu primeiro longa-metragem, , seja pela estética moderna e autoconsciente, seja pelo baixo orçamento, pelas filmagens em ambientes externos, com equipamentos leves e atores não profissionais. Lançado em 1955, o longa veio por volta de cinco anos antes de , e , respectivamente de Alain Resnais, Jean-Luc Godard e François Truffaut, tidos como o trio inaugural do cinema novo francês, ali na virada para 1960. No momento de lançamento de , André Bazin, um dos críticos e teóricos mais importantes daquele contexto, já observava o brilhantismo de Varda: “milagroso”, escreveu sobre o filme. Bazin cita o elemento da intimidade e do afetocomoa“pontadelança”dolonga,sugerindodesde então aquela que seria uma das características mais marcantes de toda a obra de Varda. Como aponta Judith Carrera, diretora do CCCB, “Varda é sobretudo, umolhar, um interesse genuíno pela vida cotidiana da gente anônima (...) Sua fórmula é aparentemente simples: amar a quem se filma e deixar-se surpreender pelo acaso”.
Agnès Varda and JR. 2018 © ciné-tamaris.
Mas, como sugere a professora e pesquisadora Patrícia Machado, é preciso ter cautela para não fixar Varda no passado da e no campo do íntimo afetivo, sob o risco de se obscurecer a imensa envergadura da artista. É preciso também abarcar seu trabalho com o vídeo e com o digital no contexto contemporâneo; é preciso estar atento ao seu lado social e político, inseparável de seu olhar, dedicado às pequenas e às grandes coisas do mundo. Fala-se aqui de uma mulher que fez mais de 50 produções audiovisuais, somando-se 24 longas, 22 curtas e mais 4 produções televisivas, ao longo de impressionantes 65 anos de carreira cinematográfica, indo de 1954 a 2019, o ano de seu falecimento. Em meio ao contexto historicamente patriarcal do cinema, Varda foi a primeira mulher a receber a Palma de Ouro Honorária do Festival de Cannes (2015) e o Oscar Honorário (2017), para não citar tantos outros prêmios. E isso tudo, também, se não mencionarmos as incontáveis fotografias, as variadas instalações da artista, as pinturas, o fotojornalismo, os textos, etc.
A mostra , com curadoria de Florence Tissot, direção artística de Rosalie Varda e consultoria artística de Imma Merino, vem justamente traçar um percurso plural com ênfase tanto na carreira e na vida da cineasta, quanto nesses outros universos criativos para além do cinema. Mais do que meramente seccionar as áreas de produção da autora, a montagem da exposição cruza e articula suas variadas obras, enriquecendo-as com objetos pessoais, expandindo os horizontes de sentido. Por entre salas variadas, o espectador caminhante atravessa uma espécie de odisseia biográficoartística. Uma cena de filme responde a uma foto, que responde a outra obra, eventualmente
Agnès Varda al rodatge de Le Bonheur, 1964. © ciné-tamaris.
Photo: Marilou Parolini.
citada por Varda em um filme; nas paredes, objetos pessoais, autorretratos, fotogramas de produções cinematográficas, documentos, recortes da imprensa; aqui e ali, salas onde se pode assistir a curtas. A mostra do CCCB se constitui como uma versão expandida de outra mostra, feita pela Cinemateca Francesa, entre outubro de 2023 e janeiro de 2024, intitulada . Imma Merino, talvez a maior especialista espanhola em Varda, ocupou-se da expansão da exposição para o contexto catalão, inserindo fotografias inéditas, em especial a foto de Salvador Dalí, feita pela artista em sua viagem à Catalunha, em 1955.
Still from the film Oncle Yanco, Agnès Varda, 1967. © ciné-tamaris.
Em , a estruturação do percurso dentro dessas verdadeiras constelações de interesse, fundamentalmente constelações de si, isto é, pequeninas partes da própria Varda que ficaram para a história, revelam uma conceituação estética por parte da equipe curatorial que muito tem a ver com as próprias práticas artísticas de Varda: do pessoal ao social, do íntimo ao político, da memória à história. E, seguindo tal movimento expansivo, de abertura de horizontes sobre esse continente milagroso que é Agnès Varda, a mostra veio acompanhada de um ciclo de palestras sobre a artista, do espaço criativo “Laboratório Varda”, onde o visitante pode jogar e inventar dentro do universo da artista, e de uma mostra de filmes na Filmoteca da Catalunha, , uma programação de 20 filmes.
Still from the film Oncle Yanco, Agnès Varda, 1967. © ciné-tamaris.
No CCCB, começamos pela seção , que se concentra em fotografias. Antes mesmo da extensíssima carreiracinematográficacomeçar,Vardainiciou como fotógrafa aos 22 anos. Ela se interessou por pessoas anônimas, pelos amigos e pelo autorretrato – este último, aliás, uma abordagem que retornaria com força, em especial, nos últimos filmes de Varda. Para a artista, o autorretrato é também uma forma de autoconhecimento e autoamor, um exercício para uma relação mais íntima com o próprio eu, visto de fora e pela lente da máquina, antiespelho que exibe alteridades insuspeitas. Além de fotos raras, muitas inspiradas no surrealismo fotográfico, vemos aqui o já citado retrato que Varda fez de Salvador Dalí, em 1955, durante uma viagem à Catalunha, o que enriquece a mostra com material ligado à localidade da exibição. Nessa seção também está a instalação (2012). Trata-se de uma projeção digital da imagem em movimento de uma praia, que não se limita à parede, expandindo-se sobre o chão e terminando em uma área com areia real. As ondas que vão e vêm escorrem pelo chão, desembocando e cruzando o digital e o material arenoso. O título do trabalho supõe a helênica jornada da epopeia. Uma jornada que é originalmente externa, mas que, no contexto moderno, se volta para o interior, quando da transição da epopeia para o romance – esse é o célebre argumento de Georg Lukács. O herói, neste caso, a heroína, torna-se seu próprio mar. Eis a densidade do trabalho de autorrepresentação de Varda, seja em foto ou filme, ao longo dos anos: olhar-se como Odisseu mira o mar, fazer-se a Ilíada de si.
Photo: © Agnès Varda.
Posteriormente, no trecho “Cine-escritura: a invenção do e um estilo”, voltamo-nos para o começo da carreira cinematográfica de Varda, que filmou seu primeiro filme, , mencionado anteriormente, aos 26 anos. Até os 25 anos, Varda tinha pouca cultura cinematográfica, não vivia o cinema como os cinéfilos “jovens turcos” de sua época. Tudo isso sugere um elemento que está na base de toda a sua obra: a coragem de criar. Nesse primeiro filme, Varda começou escrevendo um roteiro, só depois veio a vontade de filmar. Foi então que aplicou sua experiência e sensibilidade de fotógrafa conhecedora da história da arte e criou, com isso, uma forma específica de enquadrar, distanciando-se dos rígidos padrões cinematográficos da época que seriam justamente criticados pelos filmes da só cinco anos mais tarde. Nessa parte da mostra também podemos assistir aos curtas (1958) e (1984),e entraremcontato com filmes importantes da filmografia de Varda, como (1961) e (1985).
Temáticas como a gravidez, o espaço doméstico, o envelhecimento, a beleza evidenciam a potência feminista, a um só passo íntima e política, do trabalho de Varda. Destacamos em especial , um filme ensaio que se constitui como o diário de uma mulher grávida habitante da rua Mouffetard, em Paris, trazendo composições quase fotográficas, de inspiração surrealista, com cenários montados, objetos variados, corpos nus, gestos encenados, e cruzando isso com imagens documentais das ruas do onde habita a protagonista.
Pensamentos sobre a vida como um todo, mas (ou talvez justamente porque) sob a perspectiva de uma gravidez. E como são belas as cenas de confidências corpóreas entre os amantes! Mistura de ficção e documentário, fotografia e cinema, ensaio moderno feminista e história da arte. Em seguida, a seção “As famílias de Varda”, reflete-se sobre formas familiares pouco convencionais que Agnès Varda construiu ao longo da vida. Aqui, entende-se família como a formação de uma comunidade especial e singular entre pessoas de seu interesse. São construções de famílias específicas, guiadas pelo afeto e por crenças em comum. É o caso da concretização de sua própria produtora, Ciné-Tamaris, que constituiu uma família de pleno direito e lhe deu concretamente a liberdade que precisava para explorar a sua própria inventividade estética e temática. É o caso também da , da , ou, ainda, de seu companheiro Jacques Demy, de seus filhos, de seus amigos, de atores, atrizes e cineastas que conheceu ao longo da carreira. Vemos essas figuras em fotografias variadas, mas também temos acesso a mais uma instalação de Varda, (2006).
Nessa vídeo-instalação, em um plano único, assistimos ao local onde foi enterrada a gata de Varda, Zgougou, enquanto sobre a tumba são projetadas imagensdelaenquantoeraviva.Porsobre um evento da vida privada, a morte de um animal de estimação, traça-se toda uma reflexão sobre a morte e a vida, dando a ver o contraste material entre imagem (projeção) e o mundo (tumba), entre
Foto del set de Une chante autre pas, 1976. Photo: Robert Picard. © ciné-tamaris.
Manifestacion Black Panthers,1968. Photo: Agnès Varda. © ciné-tamaris.
memória e concretude. A brilhante organização curatorial relaciona então essa pequena-grande pérola a todas as relações familiares, imbuídas de encontros e desencontros, de afetos e perdas que movem os seres humanos onde quer que estejam e para onde quer que vão. Eis a experiência dos laços afetivos e da morte ao mesmo tempo como a grande questão humana, partilhada por todos, e como a questão mais íntima de todas – modulando nossas relações com os outros.
Na seção seguinte, “As viagens de Varda: um compromisso itinerante”, depois das diversas famílias da artista, aprendemos um pouco de suas várias geografias. Elas mostram múltiplas transformações, passando por protestos e revoluções, em prol da liberdade em sentido amplo, traçando uma aguda consciência das desigualdades. É assim que essa parte da exposição, além de registros das viagens, assimila filmes como (1964), (1968) e (1969), (1976), (1981) e (2000). Vamos desde a revolução cubana, passando pelo movimento antirracista americano, pelas revoluções , por uma cruza entre arquitetura e desejo no Irã, pelos murais de Los Angeles e pelo gesto de catar as coisas (das batatas, aos lixos da rua, às imagens das coisas – uma cineasta é também um catadora, propõe no filme).
Se em a narração da própria Varda nos apresenta uma realizadora se familiarizando com a câmera de vídeo estilo ,
interessada em suas características específicas, em suas outras possibilidades formais, em , as reflexões sobre o meio audiovisual não são ditas, mas realizadas sob a forma da fotomontagem, que tensiona fixidez e movimento. é um fotofilme otimista, que celebra a revolução cubana e, acima de tudo, os cubanos em sua vitalidade e complexidade. Nesse sentido, é um curta que se distancia enormemente da melancolia trágica e introspectiva de , (1962), de Chris Marker, por exemplo – um outro fotofilme canônico, feito dois anos antes. Se, de um lado, em Marker a fixidez fotográfica é signo da morte, a falta de movimento sugerindo a falta de vida, de outro, a festividade do curta cubano de Varda inverte o paradigma: a imobilidade anuncia o devir do movimento, a potencialidade da vida. Essa invenção formal fica particularmente evidente nas cenas de dança, cujas fotos são montadas no ritmo da música e vemos pessoas impregnadas de uma vida que transborda da tela, florescendo na relação entre uma foto e outra.
Finalmente, em “Livre, feminista e alegre”, última seção da exposição, reflete-se mais diretamente sobre o feminismo de Varda. Entramos em contato com (1977), o longa-metragem que aborda questões feministas de modo mais explícito, tratando da vida em geral (como tudo em Varda), mas também da gravidez, do aborto e da expressão corporal e afetiva das mulheres. Cabe mencionarmos, naturalmente, o curta-manifesto (1975), igualmente fundamental. Nessa
Photo: Agnès Varda. © ciné-tamaris.
partedamostra,vemosregistrosdeVarda feminista: sua liberdade de pensamento, a construção de sua independência econômica (criação da produtora CinéTamaris desde 1954) e geográfica (morou um tempo nos EUA), alguns de seus gestos e posicionamentos. No texto de apresentação da curadoria, somos lembrados de uma fala irônica, expressa em 2017, vinda da própria artista, que construiu toda uma obra atenta às questões das mulheres: “às vezes, há quemmeperguntasesoufeminista,como se se tratasse de uma doença”. Essa seção exibe a instalação (2004). Em uma imagem projetada na parede, vemos uma tela central grande cercada por várias pequenas telas; no meio, um plano aberto de uma praia na ilha de Noirmoutier, com uma mesa vazia ao centro e mulheres de preto girando silenciosamente em círculos ao redor da mesa; nas pequenas telas, que cercam a tela maior, assistimos a de viúvas que contam suas histórias. É da decisão do visitante tomar os para ouvir os testemunhos. A mesa circundada e ritualizada remete à união familiar das refeições, mas também ao local para posicionar os caixões a serem velados –mas tudo sob o signo da falta: não há nem refeição, nem família, nem mortos ali. Dar atenção à intimidade e às dores dessas mulheres é tecer uma nova pequena constelação, já não tanto de Varda, mas também dela, porque das mulheres em sentido amplo e aberto. Versos sobre as dores dos ventres do mundo.
Photo: Agnès Varda, 2019. © ciné-tamaris.
ciné-tamaris.
A incontornável historiadora Michelle Perrot, nascida no mesmo ano que Varda, aponta em seu célebre livro que, de toda a estruturação patriarcal histórica de invisibilidade das mulheres, a mais profunda é a da ausência do relato sobre si mesma. Como mostra a exposição do CCCB, desde seus primeiros autorretratos fotográficos, Agnès Varda fez da sua vida e obra um monumental contraste a essa regra histórica. Testemunho de uma pulsão criativa incansável, que vai contra as opressões formais, ideológicas, de gênero, raciais e socioculturais, o encontro com Varda é necessário. Diríamos ainda: obrigatório. Fundamental para os amantes das artes, mas para todas as pessoas de uma forma mais geral. De certo modo, não ter visto Varda é um pouco como não ter conhecido o cinema.
Nicholas Andueza é professor de Cinema na PUC-Rio; Coordenador da Central Técnica da Cinemateca MAM Rio; editor assistente da revista Eco-Pós; pesquisador em cinema; montador audiovisual e câmera. Doutor em Comunicação pela UFRJ e Doutor em História pela Paris 1 - Panthéon Sorbonne.
Drika de Oliveira é coordenadora de Acervos Fílmicos da Cinemateca MAM Rio; mestranda no Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual da UFF; membra do Comitê Executivo da Federação Internacional dos Arquivos de Filme (FIAF).
AGNÈS VARDA: PHOTOGRAPH, FILM, RECYCLE •
CENTRE DE CULTURA CONTEMPORÀNIA DE BARCELONA (CCCB) • ESPANHA • 18/7 A 8/12/2024
Photo: Agnès Varda, 1954. ©
O valor da arte, 2013. © Nelson Leirner.
NELSON LEIRNER FOI UM ARTISTA PROVOCADOR, CUJA OBRA BUSCAVA DESAFIAR CONVENÇÕES E QUESTIONAR O SISTEMA DA ARTE E DA CULTURA DE MASSA. SUA PRIMEIRA EXPOSIÇÃO RETROSPECTIVA PÓSTUMA REÚNE 74 OBRAS - ALGUMAS DELAS, REALIZADAS EM SEUS ÚLTIMOS ANOS DE VIDA - E OFERECE UM PANORAMA ABRANGENTE DE SUA PRODUÇÃO MULTIFACETADA. RELEMBRE O QUE O ARTISTA DISSE À DASARTES SOBRE ALGUMAS DE SUAS CRIAÇÕES
POR NELSON LEIRNER
PM Pucca, 2012. © Nelson Leirner.
Sem título, 2003-2011. Da série Assim é se lhe parece. © Nelson Leirner.
Time is money, 1999. © Nelson Leirner.
Xeque-mate - Mondrian x Duchamp, 2012. © Nelson Leirner.
Quadro a quadro, cem Monas, 2012. © Nelson Leirner.
Fragmentos IV, 2011. © Nelson Leirner.
Fragmentos IV, 2011. © Nelson Leirner.
Missa móvel, 2008. © Nelson Leirner.
NELSON LEIRNER: PARQUE DE DIVERSÕES • CAIXA CULTURAL • SÃO PAULO • 23/11/2024 A 23/2/2025
Eu e Velázquez, 2014. © Nelson
Leirner.