Revista Dasartes 145

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Capa: , Torso, 2007. Foto: © 2007 Jenny Holzer, member Artists Rights Society (ARS), NY. Foto: Paulo Lima (Dasartes).

A Revista Dasartes (ISSN 1983-9235) é uma publicação da Indexa Editora Ltda ME.

Amostra inclui 79 pinturas criadas pelo artista nos últimos cinco anos, das séries , .

O curador Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho afirma que a exposição eolivrorefletem“asinquietaçõesdo artista nos últimos cinco anos, vindo de uma sequência de vivências intensas, descobertas e afetos”. Manifesta um profundo desejo de partilhar uma longeva trajetória de arte, marcada por percepções

GONÇALO IVO: ZEITGEIST • PINAKOTHEKE CULTURAL • RIO DE JANEIRO • 19/8 A 28/9/2024 Agenda,

corajosas e fragmentadas de nossa contemporaneidade.Lidarcomanão linearidade que a vida nos impõe e os espantos decorrentes dela, como bem disse o poeta Gullar, revela que a persistência é uma característica diferenciadadaconstruçãohumana.”

de arte

CURIOSIDADES • Salvator Mundi, a pintura atribuída a Leonardo da Vinci e vendida em leilão por US$ 450 milhões, não é vista desde 2017. De acordo com a BBC, ela pode estar armazenada em Genebra e seu dono, o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, planeja exibi-la em um futuro museu em Riad, onde a tela servirá como uma âncora cultural, semelhante à Mona Lisa no Louvre.

PELO MUNDO • Anish Kapoor acaba de abrir uma nova e ampla exposição comemorando o 100º aniversário da Catedral de Liverpool. Monadic Singularity abrange uma série de esculturas do artista dos últimos 25 anos em toda a igreja, um dos poucos locais grandes o suficiente para abrigar a monumental e imersiva escultura

Sectional Body Preparing for Monadic Singularity, (2015). Até 15 de setembro.

Uma instalação de James Turrell será aberta em um novo museudeartepúblicaaoarlivreno resort de esqui Powder Mountain, em Utah, propriedade do ex-CEO da Netflix, Reed Hastings. Durante a temporada de esqui de 2024–25, serão exibidas obras de arte antesdainauguraçãooficialdeummuseu esquiável com obras permanentes em grande escala de Turrell, Jenny Holzer, Paul McCarthy e vários artistas.

OBRA PÚBLICA • Umanovaesculturade

YayoiKusamafoireveladanaentradada estação de metrô mais movimentada de Londres. A peça é a primeira obra de arte pública permanente da artista japonesa no Reino Unido e, atualmente, a maior escultura pública de Kusama no mundo. Infinite Accumulation (2024) é um site specific de esferas prateadas espelhadas e interligadas com mais de nove metros de altura.

NOVOS ESPAÇOS • OCearáganhou um novo espaço de arte na capital. A Cave Galeria é interessada na produção artística do Nordeste brasileiro, a partir da ótica do território, da cultura, da decolonialidade e das poéticas contemporâneas. A exposição Delírio ardente apresenta um recorte de 35 artistas, naturais de diversas cidades do Ceará, e que constroem em seus trabalhos outros modossensíveisdehabitaresseterritório. Rua Pereira Valente, 757, Fortaleza-CE

• DISSE O CEO DA META

Mark Zuckerberg, após inaugurar uma escultura de 2,13 metros de altura que lembra sua esposa, Priscilla Chan. A estátua, encomendada por Zuckerberg, foi criada pelo artista nova iorquino Daniel Arsham.

A publicação apresenta um livro-obra de arte de Carmela Gross, artista cujos desenhos, objetos e instalações dialogam com questões ligadas ao espaço urbano. A primeira parte oferece um conjunto de 24 desenhos da artista produzidos em 1993 e coloridos digitalmente em 2023. A outra parte contém uma entrevista ilustrada de Carmela com o curador Paulo Miyada, abordando a relação primordial de sua produção com a cidade, seus habitantes, objetos e equipamentos urbanos.

CARMELA GROSS • Aut. Paulo Miyada • 96 páginas • Edições Sesc São Paulo • R$ 95

O livro vem preencher uma lacuna na historiografia da arte brasileira, uma vez que todas as publicações sobre o artista estão inteiramente esgotadas. São apresentados trabalhos desde o início de sua carreira, no Recife, e de suas diversas temporadas no Rio de Janeiro. Reynaldo teve importante participação na cena artística recifense desde a década de 1940 e grande relevância no movimento de arte carioca.

REYNALDO FONSECA • Aut. Denise Mattar e Maurício Redig de Campos • 272 páginas • R$ 72,00

Apaixonada por arte e inteligência artificial, a artista visual Vanessa Rosa lança seu livro de ficção científica e infantil voltado para leitores a partir dos 9 anos. O livro, que será lançado pela editora Arte do Tempo, novo selo da Viajante do Tempo, apresenta os Pequenos Marcianos, personagens encantadores que sofreram mutações para se adaptar a um ambiente em mudança.

VANESSA ROSA: A CARTA DE VERDELIS • Editora Arte do Tempo • 36 páginas • R$ 68,00

EM SUA PRIMEIRA EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL NO BRASIL, A FOTÓGRAFA ESTADUNIDENSE CATHERINE

OPIE MISTURA QUESTÕES DE GÊNERO

COM O ACERVO DO MASP,

EM

UMA MONTAGEM COMPLETAMENTE INÉDITA E ENCANTADORA: PELOS CAVALETES DE LINA BO BARDI

POR MATTEO BERGAMINI

Catherine Opie é uma das maiores fotógrafas dos últimos 40 anos, pertencente à cena de Los Angeles desdeosmeadosdadécadade1980,quandosemudou de Sandusky (Ohio), onde nasceu, em 1961, para estudar no Instituto de Arte da California. Pouco mais novaqueacolegadaCostaOesteNanGoldin–nascida em 1953, em Washington, DC, Catherine Opie compartilhou com ela as referências da investigação da realidadepormeiodoretrato.Porém,enquantoGoldin ganhou a própria fama no final dos anos 1970, pondo em luz a realidade das relações complexas que acompanhavam a rotina dela de uma forma nua e crua – até documental, abarcando temas outrora bem escondidos, tais como as dependências sexuais, as de drogaseasafetivas–,Opiedirecionouasuapráticaem um eixo aparentemente mais clássico.

Enquanto os relatos da sociedade iam alcançando o própriolugarnasartesvisuais,mesmodevidoàchegada dadoença-símbolodaquelesanos,oHIV,documentada de forma poética e inclemente também por outros artistas e diretores, como Robert Mapplethorpe e Mark Morrisroe (este último fotógrafo morreu com 30 anos de idade, em 1989), cujo trabalho influenciou também as modalidades de observação de Opie aos próprios sujeitos,afotógrafaseposicionounadireçãodacriação de imagens deliciosamente construídas que, simultaneamente – desde o começo da sua carreira –, acabaram com as regras formalistas do retrato.

Pág. anteriores: Miggi & Ilene, Los Angeles, California, da série Doméstico, 1995. À direita: Elliot Page, 2022. Foto: Cortesia da artista e Regen Projects, Los Angeles; Lehmann Maupin, Nova York, Hong Kong, Londres e Seul; Thomas Dane Gallery, Londres e Nápoles.

Mike e Sky, 1993. Foto: Cortesia da artista e Regen Projects, Los Angeles; Lehmann Maupin, Nova York, Hong Kong, Londres e Seul; Thomas Dane Gallery, Londres e Nápoles.

Primeiramente, foi pela escolha dos sujeitos: os grupos de pertencimento da artista sempre foram os retratados; a cena de Los Angeles e seus atuantes, a exemplo dos movimentos transgênero e feminista. Em segundo lugar, a modalidade: Opie sempre trabalhou bem afastada do uso de expedientes eróticos ou violentos, aliás, os que já pertenciam à da época, querendo quebrar as barreiras da moral e do silêncio que envolvia o novo morbo para criar um choque. Icônica, a respeito disso, foi a imagem criada pelo artista Donald Moffett, (1987) hoje no acervo do em Nova York, mostrando em chave o silêncio, cúmplice, observado pelo expresidente Ronald Reagan naqueles anos durante a pandemia do HIV-AIDS e dos relativos estigmas que se abatiam sobre a população homossexual. Enfim, as imagens de Opie sempre tiveram em suas composições um profundo lado clássico, uma curiosa fineza, um garbo que até parece inusual quando conectado àquela tempérie.

O GÊNERO DO RETRATO

Abraçando esses pontos, o MASP de São Paulo hospeda, até o dia 28 de outubro, a primeira individual de Opie no Brasil, cujo título quer mexer tanto com a palavra “gênero” quanto com as convenções do “retrato”. Trata-se de uma exposição especial, unindo 66 fotografias feitas ao longo de 35 anos de carreira (de 1987 a 2022), juntamente a 21 “rostos” do acervo europeu do museu, cobrindo, assim, um arco temporal de 400 anos. Mais do que isso, pela primeira vez na história do MASP os cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi são utilizados para uma apresentação fotográfica e chegam ao andar inferior do museu, rompendo a própria exclusividade à coleção permanente. Uma pequena revolução que abre a uma leitura completamente inédita tanto das obrasdoarquivo,quantodaprodução deOpie,construindoumpercursoque interliga inúmeras camadas perceptivas, estéticas e imaginativas. Catherine Opie observou de perto o processo macropolítico que estava acontecendo nos corpos entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 1990, acompanhando o término da Guerra Fria e o surgimento das lutas identitárias, que ganharam protagonismo na disputa intelectual e social, até chegar ao hoje em dia vem habitualmente sendo chamada de teoria de gênero, criando grandes conflitos: Catherine Opie fotografava uma geração que estava

Vista da exposição MASP. Foto: Eduardo Ortega.
Vista da exposição MASP. Foto: Eduardo Ortega.

experimentando – mesmo não sendo a primeira a fazer isso, já que os anos 1970 viram o nascimento de movimentos organizados – a construção de novas ideias de corpo e de sexualidades. “Ademais – lembranos a curadoria – Catherine Opie é contemporânea de Judith Butler, e muitasimagenscriadasporOpieforam utilizadas para ilustrar os artigos da filósofa que, inclusive, foi impedida de entrar no teatro do SESC Pompeia, ondeaconteceriaumaconferência,em 2017, devido a vários protestos apontando a ela o nascimento da ideologia de gênero. Hoje, momento no qual o país está muito diferente em termos de discussão a respeito de argumentos, tais como o corpo, a expressão, a noção de não binário, da ideia de sexo biológico ou não, acho que Opie possa estar aqui também como figura-ícone das últimas três décadas, que, de maneira muito pioneira, colocou no debate público, na arte contemporânea, o que atualmente é o nosso tema no museu, por meio de uma prática artística que sempre utilizou a classicidade do retrato para tratar de questões mais profundas da identidade”.

Gina & April, Minneapolis, Minnesota, da série Doméstico, 1998. Foto: Cortesia da artista e Regen Projects, Los Angeles; Lehmann Maupin, Nova York, Hong Kong, Londres e Seul; Thomas Dane Gallery, Londres e Nápoles.

Desde sempre, o retrato representa a ideiadenobreza,decasalbinário,mas também do guerreiro, do herói, da personagem reputada, inclusive, a roupa indicando um estado social. Catherine Opie conseguiu entrar sutilmente nos padrões da história da arte para lhe dar novas possibilidades interpretativas. Por exemplo: grande parte dos retratos dela mostram pessoas expondo as próprias tatuagens, focando naquela que pode ser considerada mais uma arquitetura do corpo, transformando em uma grande exposição sobreafigurahumana,sobreseuolhar e seu mistério.

Mas o que torna especial essa exposição no MASP é a infinita possibilidade de entrar nela por meio deumaporosidadequevem,querpelo tema do “gênero”, quer por uma montagem inesquecível e completamente inédita para uma mostra de fotografia: “O cavalete tem umaideiadefigurahumana,tantoque, em muitas fotos tiradas pelos visitantes, as pessoas vão atrás dos retratos,fotografando-secomocorpos saindo da pintura mesmo. Então, o cavalete remete a essa ideia; tem uma escala humana, pode ser rodeado como se fosse uma escultura, uma figura ali parada, tal como uma presença”, relata o curador assistente Guilherme Giufrida.

Mais do que isso, o motivo que desencadeia a potência dessa

Pág. Ateriores: Flipper, Tanya, Chloe & Harriet, San Francisco, California, da série Doméstico, 1995. À direita: J., da série Ser e ter, 1991. Foto: Cortesia da artista e Regen Projects, Los Angeles; Lehmann Maupin, Nova York, Hong Kong, Londres e Seul; Thomas Dane Gallery, Londres e Nápoles.

JD, da série Amigas, 2008. Foto: Cortesia da artista e Regen Projects, Los Angeles; Lehmann Maupin, Nova York, Hong Kong, Londres e Seul; Thomas Dane Gallery, Londres e Nápoles.

exposição está exatamente no título, , lidando com a duplicidade do significado da palavra gênero em português: “Na língua inglesa, isso não funciona, porque o inglês utiliza aspalavras e ,enquantooportuguês inclui essa diferenciação no mesmo vocábulo: ele pode identificar propriamente todos os gêneros identitários: masculino e feminino, ou fluido, e tambémabreaoutrospossíveis”,explicaocurador. Contudo,oquemaiscativaaatençãonaexposição éodiálogoqueuneaproduçãotrintenáriadeOpie com a arte figurativa europeia que Piero Bo Bardi trouxe ao MASP. É exatamente nessa conversa bem diferenciada que a fotógrafa e os curadores desenvolveram, nos últimos dois anos, o conceito por trás da individual: os fundos planos de Hans Holbein,oJovem,deAmedeoModigliani;asposes e os sujeitos de Anthony van Dyck, Velázquez, Manet, Cranach, o Velho, Rubens, Ticiano e Van Gogh, entre outros, conversam a respeito dessa tradição do retrato por meio de uma detalhada dedicação no encontro de inúmeras histórias da arteedacultura,mantendoalgunselementosfixos na infinita diversidade dos exemplos retratados, como a questão da pose estática, do mobiliário ausente e das expressões inalteradas: uma grande interação entre corpos, uma valsa de vidas. Falando em referências, acrescenta o curador: “Levamos como exemplo Holbein, um dos favoritos de Opie: ele trabalhou na corte do Rei Henrique VIII, na Inglaterra, retratando cada membro da família utilizando o mesmo formato e o mesmo fundo, tendo exatamente em si a ideia de representar um coletivo. Catherine Opie transformou esse processo criativo e de representação, sempre reservado aos mais proeminentes, em uma homenagem à política de afirmaçãodoseupróprio“coletivo”,observando-o de uma forma íntima, de quem pertence à mesma comunidade”.

QUEBRANDO OS FORMALISMOS

Também curioso é observar como, dentro de uma das mais representativas arquiteturas racionalistas,utilizandoosuportemaisperfeito e moderno da expografia de todos os tempos, o cavalete, essa exposição de fotografia assuma um tom completamente diferente das demais mostras que se reservam às imagens dos retratos: mesmo tendo desde sempre um diálogo direto com a tradição dos grandes mestres da pintura, Catherine Opie consegue harmonizar e amenizar as épocas: “Acho que, depois dessa exposição, os visitantes nunca mais verão as pinturas do MASP da mesma maneira: percebe-se, com esse diálogo, que a arteécontemporâneaemqualquerépoca,pois tudoestánacapacidadedenosolharmosnela”. Será que Catherine Opie resgatou um dos gênerospercebidoscomoosmaisentediantes da história das artes visuais? Afinal de contas, estádemonstradocomoháinúmerositenspara pensarmos, lermos, imaginarmos, a partir de um “simples” retrato.

Matteo Bergamini é jornalista, crítico e escritor especializado em Arte Contemporânea. Colabora com a revista italiana ArtsLife e com a portuguesa Umbigo Magazine.

CATHERINE OPIE: O GÊNERO DO RETRATO • MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO (MASP) • 5/7 A 27/10/2024

Pág. anteriores: Idexa e Chloe, 1993. À direita: Justin Bond, 1993. Foto: Cortesia da artista e Regen Projects, Los Angeles; Lehmann Maupin, Nova York, Hong Kong, Londres e Seul; Thomas Dane Gallery, Londres e Nápoles.

Edith Derdyk

AMONTOADO, 2022. Foto: Denis Rodriguez e Leo Ramor © Edith Derdyk.

NAS OBRAS DE ARTE DA ARTISTA PAULISTA

EDITH DERDYK, O DESENHO PRECISA SER VISTO COMO ACONTECIMENTO DENTRO DE UMA

REFLEXÃO, PRÁTICA E EXPERIÊNCIA

A LINHA COMO CAMPO POÉTICO

O processo criativo de Edith Derdyk (São Paulo, 1955) é motivado pelo desenho desde os idos de 1980 – quando iniciou sua pesquisa artística voltada às formas dessa linguagem estruturante. Diga-se aqui, que o desenho está para além do seu aspecto bidimensional; ele invade o espaço, toma o pensamento e atinge a experiência. Em suas obras, o desenho precisa ser visto como acontecimento dentro de uma reflexão, prática e experiência. No seu fazer arte, a representação, a acumulação e a sobreposição de métodos e materiais compõem complexidades.Sãoosdiversostrânsitosdodesenho que lhe interessam obsessivamente e, deste, a linha é eleita como campo poético. Ela conta sobre interstícios, espaços, corpos e movimentos. A pesquisa sobre os suportes se centra naquele que sustenta o acúmulo de linhas. De primeiro, o papel; na sequência, o tecido – a linha sobre o pano, a costura e, depois, a linha do algodão junto à linha no espaço. A artista encontra prazer no ato de ir e vir, preenchendo superfícies (da folha, do tecido, do espaço, etc.). Nos livros de artista, a ação de folhear o livro e ver as frestas (o espaço entre as páginas quando são viradas). Nas instalações, Derdyk estica as linhas no ar e inaugura, na quarta dimensão, a contar sobre o tempo.

Arremate, Fazenda Serrinha. Foto: © Edith Derdyk.
Fragmento, 2013. Foto: © Fernanda Frazão.

Nessepercursodaartista,opensamento visual transborda as mídias. Às vezes, apresenta-se como gravura, escrita; outras vezes, são instalações, fotografias, vídeos experimentais, livros de artistas, esculturas, ou, ainda, aparece como deslocamento do corpo do outro e da própria artista. Nesses trabalhos, a linha sempre surge como geradora de historicidades e vozes conceituais conjugadas.

O projeto expositivo de Edith Derdyk, presente no Centro Maria Antônia até 15 de setembro de 2024, evidencia a linha, a partir de técnicas, suportes, materiais e correlações entre elementos formais e poéticos. Coerente com as demais proposições da artista, confirma seus dizeres “(...) a linha, que éesselugarentreumacoisaeoutraque conecta, que cria tramas, redes, tessituras. A própria linha é esse ponto em movimento, que pode se manifestar em várias áreas do conhecimento”.

Arranque. Fundação Marcos Amaro. Foto: © Edith Derdyk.

Alfabeto da Reta. Centro Maria Antonia. Foto: Ding Musa. © Edith Derdyk.

Alfabeto da Reta.

Centro Maria Antonia. Foto: Ding Musa.

© Edith Derdyk.

Sucinta, exata e densa, a mostra reúne os trabalhos: (que dá nome à exposição) é uma instalação a série são costuras feitas por máquinas industriais com intervenções manuais; é um tridimensional que discute o uso do carvãocomocombustívelfóssil; é livro de mesa acompanhado de três impressões e, é o que chamamos de livro de artista, impresso em serigrafia com tiragem de 100 exemplares. A campanha expositiva prevê ainda ativações (roda de conversa e visita guiada) e o lançamento do livro (editora Relicário).

O ensaio crítico, assinado por Sylvia Werneck,torna-seachaveparaoacesso à trajetória da artista e, especialmente, às questões que envolvem o projeto Na visita às salas do Centro Maria Antônia, o visitante se vê diante da linha; diante daquilo que ela pode propor. E quantas proposições podemhaverquandooelementocentral é a linha? Diversas! Aqui, vamos tentar dar conta de tão somente três visadas –aquelasmaisaparenteseinterseccionais.

A primeira delas é a conexão entre arte e ciência. evoca os estudos sobre geometria descritiva, de autoria de Gaspard Monge (1746-1818). Em poucas palavras, trata-se do ramo da geometria cujo objetivo é representar objetos tridimensionais em plano bidimensional e, a partir das projeções, determinar distâncias, ângulos, áreas e volumes em suas verdadeiras grandezas. O termo “alfabeto da reta” se refere ao conjunto das posições genéricas que uma reta pode ter em relação aos planos de projeção. Na mostra, a força da linha está na ciência. Nela, a linhaganhatensãoefisicalidade–osargumentosmatemáticossustentam o enfrentamento entre a linha e o espaço.

Épura. Centro Maria Antonia. Foto: Ding Musa. © Edith Derdyk.

A segunda reflexão, ainda empregando os esquemas da geometria descritiva, envolve o trabalho industrial e a artesania. Nas artes contemporâneas, qual o lugar desses “modos de fazer”? Em um mundo mediadopelamáquina,acrençanasuaobjetividadetendeaomenosprezo pelo que é feito pela mão humana. Derdyk, em põe em dúvida essapremissa.Aobjetividadedamáquinaécolocadaemxeque–asutura e o fabril se unem. As costuras industriais com as intervenções manuais provocam novos adensamentos se transformando em proposta que desafia os entendimentos convencionais sobre o que seria “arte”.

Alfabeto da Reta. Centro Maria Antonia. Foto: Ding Musa. © Edith Derdyk.

Protolivro, Casa de Cultura do Parque. Foto: © Denise Adams.

E, por fim, no terceiro eixo de observação, está a denúncia dos impactos ambientais por meio da arte. O uso da geometria descritiva, a referência às máquinas, ao fabril e ao carvão – combustível fóssilqueimpulsionouaRevoluçãoIndustriale,por conseguinte, o capitalismo – são aspectos presentes nas peças da mostra. Mas, em tese, o recado está lá: como lidamos com a produção industrial e a intensa exploração dos recursos naturais? Como encaramos as consequências do processo civilizatório colocado sob esses moldes? A verve de educadora e de designer gráfica de Edith Derdyk nos dispõem os campos semânticos do espaço expositivo da mostra – em instâncias profundas, ela nos faz pensar sobre os dilemas de nosso mundo.

Alecsandra Matias de Oliveira é doutora em Artes Visuais (ECA USP). Pós-doutorado em Artes Visuais (Unesp). Curadora independente. Professora do CELACC (ECA USP). Pesquisadora do Centro Mario Schenberg de Documentação e Pesquisa em Artes (ECA USP). Especialista em Cooperação e Extensão Universitária no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP). Membro da Associação Internacional de Crítica de Arte (AICA). Articulista do Jornal da USP, editora da Revista Arte & Crítica e colaboradora da Dasartes. Autora dos livros Schenberg: crítica e criação (Edusp, 2011) e Memória da resistência (MCSP, 2022).

EDITH DERDYK: ALFABETO DA RETA • CENTRO MARIA ANTÔNIA •

Osvaldo

Gaia

OSVALDO GAIA APRESENTA ALGO ALÉM DE SUAS

OBRAS DE ARTE, UMA MEMÓRIA CONTÍNUA QUE

REFLETE O FAZER DO COTIDIANO RIBEIRINHO

DIANTE DASOBSERVAÇÕESDE SUA INFÂNCIA EM QUE O REAL E O IMAGINÁRIO SE PENETRAM

MUTUAMENTE DE MANEIRA DESCONTÍNUA

POR VÂNIA LEAL

Nascido em uma comunidade ribeirinha amazônica, OsvaldoGaiafoiumacriançaobservadoradaquelesao seu redor, especialmente de seu avô, pescador, que produzia os próprios paneiros, suas canoas e remos e teciaredesparapescar.Ofíciogenuinamenteartesanal, porém, nesse cenário usado como ferramenta de subsistência.

Foi a partir dessas práticas de sobrevivência que, dentro da criança, nascia o artista plástico que hoje povoa as salas do Museu de Arte Moderna de Recife com obras em madeira, policarbonato, linhas, acetato, bronze e mantas. Seguindo os aprendizados de seus conterrâneos, Gaia constrói e reconstrói formas às quaiselefazreferência;armadilhasdecaças,estruturas de embarcações, estruturas de asas das aves, a mandíbula de carcaças de animais, maquinários ribeirinhos, a vara de pesca e o anzol.

Gaia é como um pescador: ele joga a rede de pesca em suas memórias. Esta, acolhe, seleciona e recolhe suasesculturasvivaseafetivasemconstanteconstrução.

Fotos: João Borges. Cortesia Galeria Lume. © Osvaldo Gaia.

TRANSCENDÊNCIAS

Osvaldo Gaia é escultor e pintor. Sua formação artística foi se constituindo por meio de pesquisa e experimentações dentro do universo amazônico com elementos que se identificam como estruturas escultóricas, porém em um escopo abrangente e perceptível da forma, em relevos, texturas e transparências.

Detém-se, conceitualmente, em questões sociais, arquitetônicas, econômicas e relacionadasafluxos,origens,identidades e ferramentas ligadas à vida ribeirinha, de onde tira sua inspiração. Sua produção tem forte recorte orgânico, porém, de extremo rigor construtivista e grande teor simbólico. Expõe desde 1975, participando de mostras coletivas e individuais no Brasil e exterior, sua produção artística abrange desde pequenos objetos a instalações e intervenções urbanas.

As obras de Osvaldo Gaia, artista paraense, partem de uma percepção atenta e sensível ao cotidiano ribeirinho amazônico que, ao primeiro olhar, pode ser caracterizado como “simples”. No entanto, carregam em si complexidades e nuances repletas de tecnologias fincadas em ancestralidades que, de maneira criativa, rica e potente, impulsionam a sobrevivência dos seres que coabitam a região amazônica.

O artista traz como gênese de suas criações as memórias dos momentos de observação aos trabalhos desenvolvidos pelo avô, ao fazer paneiros, tecer redes para pescar, construir canoas e remos. Com o tempo, percebeu que tudo isso já fazia parte de seu aprendizado enquanto artista.Alémdisso,rememoraseulugarde origem,obairroMaracacuera,emIcoaraci, no Distrito Industrial de Belém, lugar de arte e tradição ceramista com grande influênciaindígenadasculturastapajônica, marajoara, maracá e cunani.

Foto: João Borges. Cortesia Galeria Lume. © Osvaldo Gaia.

Por meio dessas observações e rememorações do cotidiano ribeirinho amazônico, o artista faz um movimento de transcendência para suas esculturas. E, dessa maneira, ele apresenta a sofisticação, complexidade e riqueza desses saberes presentes na cultura de uma população que, como ele mesmo diz, muitas vezes é “esquecida”, ou melhor, apagada pelas dinâmicas de hierarquização dos saberes e práticas artísticas e culturais em nossa sociedade.

Como bem aponta o poeta João de Jesus Paes Loureiro (2007), os seres humanos seguem em constante movimento de criação, renovação, interferência,transformação,sumarizaçãoealargamentodasexperiências cognitivas. E são nesses movimentos que as obras de Osvaldo Gaia reconstroemasrelaçõessimbólicasdocotidianoribeirinhoamazônicocom seu imaginário repleto de memórias, sonhos, ideias que coloca em prática em seus trabalhos.

Fotos: João Borges. Cortesia Galeria Lume. © Osvaldo Gaia.
Foto: João Borges. Cortesia Galeria Lume.
© Osvaldo Gaia.

Suas esculturas têm como marca referências às engenhosidades e tecnologias amazônidas, como o “Tipiti”, utilizado na manufatura e no processamento da mandioca para espremer e extrair a goma, farinha de tapioca e o tucupi, símbolos de nossa cultura alimentar. Dessa maneira, é com o corpo fincado nesses saberes queoartistanosapresentaobrascomo , trazendo as chumbadasquelevamoanzol,asredes e linhas para os fundos de rios e

Assim como outras obras presentes na exposição que representam as soluções de sobrevivências, estéticas e criativas que foram sendo encontradas tanto por essas populações ribeirinhas da Amazônia, mas também pelo próprio artista, ao trabalhar com materiais como a madeira, o policarbonato, as linhas, o acetato, o bronze e as mantas, ele constrói e reconstrói todas essas formas às quais faz referência: armadilhas de caças; estruturas de embarcações; estruturas de asas das aves; a mandíbula de carcaças de animais;maquináriosribeirinhos;avara depesca(caniço)eoanzol.Étodoesse universo de formas que levou o artista, desde muito cedo, a constantes reflexõeseaodesejoàcriaçãoartística.

Foto: João Borges. Cortesia Galeria Lume.
© Osvaldo Gaia.

Foto: João Borges. Cortesia Galeria Lume. © Osvaldo Gaia.

Portanto, o que vemos aqui não são apenasobrasdeartefísicas,masuma memória contínua que reflete o fazer do cotidiano caboclo ribeirinho diante das observações na infância do artista em que o real e o imagináriosepenetrammutualmente de maneira descontínua. As obras de Gaia são como o renascer de um tempo acontecendo no sítio do avô que está aqui e agora. Gaia é como um pescador: ele joga a rede de pesca em suas memórias. Esta,acolhe,selecionaerecolhesuas esculturas vivas e afetivas em constante construção.

Vânia Leal é diretora de projetos da Bienal das Amazônias, mestre em Comunicação, Linguagem e Cultura e atua na área de curadoria e pesquisa em artes.

OSVALDO GAIA: TRANSCENDÊNCIAS • MUSEU DE ARTE MODERNA ALOÍSIO MAGALHÃES (MAMAM) • RECIFE • 6/7/ A 15/9/2024

Xenon for Bregenz, 2004. © 2004 Jenny Holzer, member Artists Rights Society (ARS), NY.

Xenon on Berlin’s matthäikirche, 2001. © Tate, 2024 / Artworks © 2024 Jenny Holzer, member/Artists Rights Society (ARS), New York.

JENNY HOLZER NASCEU EM GALLIPOLIS, OHIO,EUA,EM1950.APÓSSEUSESTUDOSNA

UNIVERSIDADE DE OHIO E NA RHODE ISLAND

SCHOOL OF DESIGN, MUDOU-SE PARA MANHATTAN, EM 1977, ONDE FOI ACEITA NO PROGRAMA DE ESTUDOS INDEPENDENTES DO WHITNEY MUSEUM OF AMERICAN ART. FOI NESSA ÉPOCA QUE ELA COMEÇOU A

USAR PALAVRAS E LINGUAGEM COMO MEIO EM SEU TRABALHO, CULMINANDO NA SÉRIE TRUÍSMOS (1977-1979). HOLZER FOI A PRIMEIRA ARTISTA MULHER SELECIONADA PARA REPRESENTAR OS ESTADOS UNIDOS NA BIENAL DE VENEZA E SUA EXPOSIÇÃO DE 1990 NO PAVILHÃO AMERICANO GANHOU O PRÊMIO LEÃO DE OURO DE MELHOR APRESENTAÇÃO NACIONAL. CONVIDAMOS A ARTISTA PARA FALAR DE SEU PROCESSO DE INSPIRAÇÃO E CRIAÇÃO

POR JENNY HOLZER

Truísmos, 1984.
© Tate, 2024 / Artworks © 2024 Jenny Holzer, member/Artists Rights Society (ARS), New York.
Parede inflamatória, 1979-82. © Tate, 2024 / Artworks © 2024 Jenny Holzer, member/Artists Rights Society (ARS), New York.
Parede inflamatória (Detalhe), 1979-82. © Tate, 2024 / Artworks © 2024 Jenny Holzer, member/Artists Rights Society (ARS), New York.
TERRA FERIDA, 2021.
© Tate, 2024 / Artworks © 2024 Jenny Holzer, member/Artists Rights Society (ARS), New York.

PROTEGER PROTEGER, 2007. FASE II CORRENDO PARA INICIAR OPERAÇÕES DECISIVAS VIOLETAS, 2007. FORÇA NO FIM DA FASE III (SE SOLICITADO) VIOLETA, 2007. © Tate, 2024 / Artworks © 2024 Jenny Holzer, member/Artists Rights Society (ARS), New York.

INCLINAÇÃO AZUL-PÚRPURA, 2007 . © Tate, 2024 / Artworks © 2024 Jenny Holzer, member/Artists Rights Society (ARS), New York.

Vista da exposição Light Line no Guggenheim Nova York, 2024. © 2024 Jenny Holzer, member/Artists Rights Society (ARS), New York.

A BELEZA ADORADA, 2017. VOCÊ INIMIGO, 2017. EU COLOQUEI MEUS PÉS, 2017. ELES ESTÃO RESPIRANDO, 2017. © Tate, 2024 / Artworks © 2024 Jenny Holzer, member/Artists Rights Society (ARS), New York.

Estas inscrições em bancos são de quatro poemas da poetisa polonesa Anna Świrszczyńska (1909- 1984). As Traduções são de Piotr Florczyk, © 2016. Usado com permissão de Ludmila Adamska-Orlowska e o tradutor.

JENNY HOLZER: ARTIST ROOMS

• ATTENBOROUGH ARTS CENTRE

• REINO UNIDO • 14/6/2024 A 29/9/2024

JENNY HOLZER: LIGHT LINE

• THE GUGGENHEIM MUSEUMS AND FOUNDATION

• NOVA YORK • 17/5 A 29/9/2024

Coluna do meio

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Cristina Suzuki

Pinacoteca São

Berrnardo do Campo

Rocket Ribeiro

Galeria Alma da Rua

São Paulo

Mits Galeria

São Paulo

Paula Borghi
Cristina Suzuki
Douglas Negrisoli
Rhay e Laiane Gomes
Felipe Auriemo e João Cava
Delali
Kelly Savebra e Ricardo Antunes
Vivian Yurie
Tito Ferrara e Rocket Ribeiro
Myrna Rode e Dani Meirelles
Ricardo Sanches, Michel CENA7 e Vinicius Barajas
Roger Supino, Pegge e Guilherme Giaffone
Pegge
Fotos: Denise Andrade
Fotos:
Iara Morselli
Fotos: Iara Morselli

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