Revista Dasartes 146

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Capa: Panmela Castro, Luta no Museu, 2024. (Detalhe). Vista da exposição Ideias radicais sobre o amor no MAR. Foto: Gabriel Andrade. © Panmela Castro.

A Revista Dasartes (ISSN 1983-9235) é uma publicação da Indexa Editora Ltda ME.

102 COLUNA DO MEIO

,

O Instituto de Arte Contemporânea (IAC) apresenta a exposição e a relação com o acervo IAC. A mostra faz parte do projeto , que tem como proposta o encontro de processos artísticos que desafiam a percepçãoespaço-temporal.

Os escritos originais de Antunes se tornam o ponto de partida para diálogos visuais, processuais, materiais e temáticos com o acervo documentaldoinstituto.Umconjunto composto por cadernos, anotações, desenhos, colagens, esboços e maquetes de Antonio Dias,

Hermelindo Fiaminghi, Iole de Freitas,LuizSacilotto,ReginaSilveira, Sérgio Camargo e Willys de Castro. A seleção cruzou nomes das artes visuais, da poesia e do design refletindopartedariquezadoacervo do IAC e ainda a capilaridade da produçãodeArnaldo.

RASCUNHOS: ARNALDO

ANTUNES • INSTITUTO DE ARTE CONTEMPORÂNEA (IAC) • SÃO PAULO • 14/9 A 7/12/2024

de arte ,AZ

PELO MUNDO • Um homem destruiu uma obra de arte de porcelana azul e branca em uma movimentada inauguraçãoprivadadamostra Quemsou do artista chinês Ai Weiwei, no Palazzo Fava, em Bolonha. A polícia local prendeu um homem tcheco de 57 anos que foi identificado na mídia italiana como Vaclav Pisvejc, um provocador e artista autoproclamado conhecido por atacar importantes obras de arte.

GIRO NA CENA • O canal Curta! estará presente na ArtRio 2024, levando grandes talentos para realizar trabalhos ao vivo diante do público. As performances fazem parte do programa AteliêAberto,quevemsendopromovido pelo Curta! desde 2020. O elenco é compostopeloveteranoartistaManfredo de Souzanetto e pelos jovens Rafael Prado, Antonio Ton, Joana Uchôa e Bea Machado. Cada um deles se apresentará durante um dia da feira, aberta até 29/9.

NOVOS ESPAÇOS • O artista Refik Anadol anunciou o primeiro museu de artes de inteligência artificial (IA) do mundo. O museu, Dataland, deve ser aberto em 2025, no empreendimento projetado por Frank Gehry, o The Grand LA,nocentrodeLosAngeles.ODataland unirá pioneiros em diversos campos, incluindo artes, ciência, pesquisa de IA e tecnologia de ponta sob a liderança artística do Refik Anadol Studio.

MERCADO • A Christie's oferecerá La Femme Tatouée (1894) de Henri de Toulouse-Lautrec, em seu leilão dos séculos20e21,emLondres,nomêsque vem. A pintura apresenta uma cortesã tatuada sendo preparada para seu próximo cliente e se inspira em cenas de bordéis ukiyo-e japoneses. Mantida em umacoleçãofamiliarprivadadesde1922, a tela é estimada em cerca de US$ 3,3 a US$ 4,6 milhões.

EDITAIS Com o enfoque na formação de artistas mulheres no DF, o projeto Assemblagem como ressignificação do feminino abre suas inscrições. Idealizada pelo Vilarejo 21, a iniciativa promoverá um ciclo de oficinas para as artistas selecionadasedesenvolveráumcatálogo artístico e um livreto com propostas pedagógicas. A seleção das artistas será por meio de convocatória aberta e as inscrições podem ser feitas em www.vilarejo21.com.br, até 4/10.

• DISSERAM A PRESIDENTE E O CURADOR-CHEFE do MAM São Paulo, Elizabeth Machado e Cauê Alves, ao anunciarem o que acontecerá excepcionalmente este ano no MAC USP devido às reformas na marquise do parque Ibirapuera.

Livros,

O conceito de "Amefricanidade" cunhado por Lélia Gonzalez, permeia toda a obra, propondo um olhar que vai além das narrativas coloniais. O livro que tem organização de Eugênio Lima e Majoí Gongorra, apresenta reflexões sobre a resistência e a luta dos povos negros e indígenas no continente, articulando suas trajetórias históricas e os legados culturais que continuam a moldar a sociedade amefricana.

AMÉFRICA

• Coletivo Legítima Defesa • Org. Eugenio Lima e Majoí Gongora • 194 páginas • R$ 77,69

O projeto é composto de imagens em preto e branco produzidas durante viagens do artista Paulo Nazareth pelo continente africano, assim como no Brasil. Concebido em 2012 e ainda em aberto, é orientado por uma série de motivações e objetivos do artista: saber o que há de África em sua casa, conhecer África antes de chegar à Europa, saber o que há de sua casa em Europa, saber o que tem de África em Europa e saber o que tem de sua casa em África.

CORPOREIDADES

ENCRUZILHADAS: PAULO NAZARETH E CADERNOS DE ÁFRICA • Aut. Napê Rocha • 192 páginas • R$ 88,00

O depoimento de Manfredo de Souzanetto revela sua trajetória exemplar, desde as observações da infância no Norte de Minas até a construção das esculturas e instalações atuais. Mostra também a importância do ateliê enquanto “o lugar onde as coisas germinam, o lugar de gestação da obra”, o lugar da criação artística. Este lugar é ainda a sua própria casa, a residência do artista, o lugar onde a arte se encontra com a vida cotidiana.

MANFREDO DE SOUZANETTO • Editora C/ Arte • 70 páginas • R$ 35,00

EMBORA POUCO CONHECIDA FORA DE SEU PRÓPRIO PAÍS, HARRIET BACKER FOI A PINTORA MAISFAMOSADANORUEGANOFINALDOSÉCULO 19. ELA ALCANÇOU UMA SÍNTESE ALTAMENTE PESSOAL DE CENAS DE INTERIORES E PINTURA AO ARLIVRE,INSPIRANDO-SETANTONOMOVIMENTO REALISTA QUANTO NAS INOVAÇÕES DO IMPRESSIONISMO COM UMA PINCELADA LIVRE, UMA PALETA QUE SE TORNOU PROGRESSIVAMENTE MAIS LEVE E UM GRANDE INTERESSE EM VARIAÇÕES DE LUZ

POR REDAÇÃO

Enquanto a pintura de Harriet Backer evoluiu estilisticamente ao longo de sua longa carreira, ela permaneceu fiel a um número limitado de temas e ao estudo direto de seu assunto escolhido. Como irmã de umrenomadocompositor,dequemeramuitopróxima, colocouamúsicanocentrodeseutrabalho,tantocomo temaquantomodelo,buscandosugerirumaatmosfera, umaemoção,ummomento,pormeiodousodotoque, ritmo e cores sutis.

Retornando à Noruega no início da década de 1890, após treinamento nas grandes capitais europeias da arte, Munique e Paris, ela abriu uma escola mista de pintura, que se tornou uma das mais importantes do país antes da criação da Academia de Belas-Artes.

Participando de vários júris de exposições, Backer também foi membro do conselho de diretores e do comitê de aquisições da Galeria Nacional da Noruega por vinte anos.

Intérieur bleu [Blått interiør], 1883. Oslo, National museum. © National Museum / Børre Høstland.

Lavande [Lavendler], 1914.

Bergen, Kode Bergen Art Museum.

© Kode / Dag Fosse

UMA FORMAÇÃO EUROPEIA: MUNIQUE E PARIS

Harriet Backer demonstrou um gosto aguçado por desenho e pintura desde a infância. Como muitos artistas noruegueses, ela buscou seu treinamento nas principais capitais da artedaEuropaOcidentaleCentral.Com sua irmã, Agathe, que estudava piano, viajou para Berlim e depois para Florença. Em 1874, elas se estabeleceram por um tempo em Munique, lar de uma vibrante comunidade de artistas escandinavos. Foi lá que Backer conheceu alguns de seus amigos mais próximos, incluindo Eilif Peterssen e Kitty Kielland. Desde suas primeiras viagens ao exterior, Backer se educou copiando antigos mestres em museus, com um interesse particular na pintura holandesa do século 17. Seu período mais longo no exterior foi em Paris. Backer permaneceu lá por dez anos, a partir de 1878, e se matriculou na academia de Madame Trélat de Lavigne, uma escola para mulheres que era muito apreciada por artistas nórdicos e cujos tutores incluíam Léon Bonnat, Jean-Léon GérômeeJulesBastien-Lepage.Backer, uma estudiosa da história da arte, demonstrou interesse pelo naturalismo e tomou nota dos impressionistas.

UMCÍRCULODEMULHERESARTISTAS ESCANDINAVAS

Em Munique e Paris, Harriet Backer conheceu artistas da Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia, que compartilhavam sua ambição de se tornarem pintoras profissionais. Muitas mulheres escandinavas foram para a Alemanha e França para treinar em estúdios particulares, já que as escolas e academias de Belas-Artes permaneciam fechadas para elas.

Em Munique, em 1875, Harriet Backer fez amizade com Kitty Kielland, uma pintora de paisagens e ativista pelos direitosdasmulheres,comquemdividiu um apartamento-estúdio pelo resto da vida. A companhia delas desafiou as normas de gênero da época. No entanto, uma união tão próxima entre duaspintorasnãoeraincomumnavirada do século 20, com a maioria permanecendo solteira para manter sua independência pessoal e profissional.

Em Paris, na década de 1880, Backer se viu entre vários artistas nórdicos completando seu treinamento nessa capital artística. Foi lá que eles se tornaram artistas profissionais, construindo suas próprias redes, expondo em salões e ganhando reconhecimento público e crítico. Essas mulheres artistas viviam como uma comunidade e retratavam umas às outras em retratos cruzados nos quais o estúdio desempenhava o papel simbólico de uma sala própria, cuja independência era conquistada por meio da criatividade.

Acima: Chez moi, 1887. Oslo, National museum. © National Museum / Børre Høstland. Abaixo: Blanchiment du linge [Blekevollen], 1886-1887. Bergen, Kode Bergen Art Museum. © Kode / Dag Fosse.

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Intérieur
stavkirke [Interiør fra Uvdal stavkirke], 1909. Bergen, Kode Bergen Art Museum. © Kode / Dag Fosse.

EM CASA, UM ESTÚDIO MUSICAL

Harriet Backer cresceu em um lar musical. Sua irmã Agathe Backer Grøndahl foi uma das compositoras norueguesas mais importantes de sua época. Seu sobrinho Johan Backer Lunde, filho de sua outra irmã Inga, tambémera compositor.Como muitas mulheres de classe média, Backer era uma pianista treinada. O piano tinha um lugar de destaque em seus apartamentos, em Paris e Kristiania (Oslo), onde seus amigos, amantes da música, se reuniam para concertos íntimos. A pintura (1887) mostra a autora Asta Lie ao piano no apartamento-estúdio que Backer dividia em Paris com sua amiga Kitty Kielland. O tema da mulher ao piano é recorrentenaobradeBackeraolongo de sua carreira. Na exposição, ele é associado a retratos de seus amigos próximos e familiares, muitas vezes unidos em torno da música.

Maisdoqueumtema,amúsicaeraum modelo para Backer: ela queria que esta pintura fosse “música para os olhos”. Como muitos artistas de sua época,elaviaamúsicacomoaspiração e modelo para toda arte. Usando pinceladas, composição e cor, criou ritmos e harmonias coloridas que transmitiam as impressões produzidas pela música.

Harriet Backer dans son atelier, Paris [Harriet Backer i atelieret, Paris], 1883. Lillehammer, Lillehammer Kunstmuseum © Lillehammer kunstmuseum / Jan Haug.

L’adieu [Avskjeden], 1878. Oslo, National museum © National Museum / Børre Høstland.

INTERIORES RÚSTICOS

Foi assim que Harriet Backer descreveu seufascínioporinterioresruraisemuma conversa com o pintor Christian Krohg. Elaabordouoassuntopelaprimeiravez em 1881, em uma viagem de estudo à Bretanha com os pintores Kitty Kielland e Germain Pelouse. Harriet Backer pintou duas fazendas, de manhã e à noite, respectivamente, explorando como a luz transforma cores e atmosferas de acordo com as horas do dia – uma abordagem que lembra os impressionistas. Backer continuou a exploraressestemasdurantesuasvárias viagens pela Noruega, oferecendo indiretamente uma visão simples e autêntica da vida cotidiana, de fazendeiros e camponeses de sua época, embora este nunca tenha se tornado seu tema principal.

Intérieur de ferme, Skotta, Bærum [Bondeinteriør, Skotta i Bærum], 1887. Oslo, National museum. © National Museum / Børre Høstland

RITUAIS DA IGREJA E REFLEXÕES INTERIORES

Interiores de igrejas e rituais religiosos se tornaram temas importantes para Harriet Backer após seu retorno à Noruega, em 1888. Eles contribuíram muito para sua reputação em seu país natal. Em uma época de demandas políticas por uma identidade norueguesa distinta, sua preferência era por edifícios antigos e medievais construídos antes da colonização dinamarquesa e sueca. A maioria das igrejas que ela pintou são de denominação luterana. O luteranismo é a forma mais antiga do cristianismo protestante e ainda é a religião majoritárianaNoruega.HarrietBacker os pintou incansavelmente, às vezes em condições físicas desafiadoras devidoàsmáscondiçõesdoedifícioou grande isolamento, concentrando-se nos elementos arquitetônicos que dão a esses edifícios uma atmosfera singular. A pintora deu atenção especial ao jogo de luz e cor na madeira envernizada, na pedra e nos bancos que mancharam com o tempo, e descreveu cerimônias religiosas cotidianas, refletindo tanto seu altruísmo por seus contemporâneos quanto sua visão humilde, pessoal e introspectiva da fé.

Solitude, 1878-1880. Collection particulière. Photo: Thomas Widerberg.

EXTERIORES

O interesse de Harriet Backer por paisagens surgiu tarde. Suas primeiras tentativas conhecidas datam do verão de 1884. Elas foram influenciadas pelo naturalismo de Jules Bastien-Lepage, com quem estudou em Paris, e coincidemcomogostopelapinturaao ar livre, que estava muito em voga entre os artistas nórdicos. Suas paisagens combinam um foco intenso na cor com uma liberdade de toque que lembram o impressionismo. De junho a outubro de 1886, Backer viveu emumafazendaemFleskum,pertode Oslo, com alguns de seus amigos próximos de Munique. Essa colônia artística improvisada marcou o início deummovimentoprofundonapintura por todo o Norte da Europa. Juntas, as obras de Kitty Kielland e Eilif Peterssen levaram ao surgimento de um neorromantismo nacional que exaltaopoderintrínsecodaspaisagens e identidades nórdicas. Acompanhou a crescente demanda por autonomia política entre os países escandinavos. Backer só embarcou nesse caminho na década seguinte, com paisagens centradasemformasmaisdensasenos tons escuros e misteriosos que se destacam na natureza norueguesa.

Acima: Le Mont Einund [Einunfjell], 1897. Abaixo: La Ferme de Jonasberget [Jonasberget], 1892. Bergen, Kode Bergen Art Museum © Kode / Dag Fosse.

A VIDA SILENCIOSA

Em1903,HarrietBackersemudouparaumestúdio em Kristiania (Oslo), onde viveu e trabalhou pelo resto de sua vida, ao lado de suas amigas pintoras Kitty e Asta. Por volta de 1910, ela retornou às naturezas-mortas desde seus anos em Munique. Pintouavidasecretaesilenciosadosobjetos,assim como havia pintado figuras em seus interiores. Explorou a relação entre cor e forma por meio de vários objetos e plantas que se repetem de uma pinturaparaoutra.Algumasdesuasrepresentações de vasos e maçãs lembram pinturas de Cézanne, e ela foi apontada por seu aluno Henrik Sørensen como sua “irmã”. Outro tema que desenvolveu no início do século 20 foi a janela. Ela simplificou os detalhese se concentrou nesse focode luz,espaço liminar entre o interior e o exterior, um tema recorrente em seu trabalho.

Backer tinha um segundo estúdio, ao lado do seu, onde dava aulas para homens e mulheres, o que eraincomumnaépoca.Esseensinocomplementava sua renda, já que pintava em um ritmo tão lento quenãoconseguiaviversomentedavendadesuas pinturas. Como professora, encorajava seus alunos a desenvolverem seu próprio estilo. Backer teve, assim,umainfluênciaconsiderávelnanovageração de artistas noruegueses.

HARRIET BACKER (1845-1932)

MUSIC OF COLOR • MUSÉE D’ORSAY • 24/9/2024 A 12/1/2025

Nature morte avec plante en pot [Oppstilling med alkemugge], 1912. Bergen, Kode Bergen Art Museum. © Kode / Dag Fosse

ALEX FLEMMING

FLEMMING

Auto-Retrato em Auschwitz, 1991. © Alex Flemming.

AMOSTRA ALEX FLEMMING 70 ANOS,CONCEBIDA

PARA O MUSEU OSCAR NIEMEYER (MON), EM CURITIBA, REÚNE A RECORRÊNCIA DO RETRATO EM SUA VASTA PRODUÇÃO, NESTA EXPOSIÇÃO

COMEMORATIVADASSETEDÉCADASDOARTISTA

POR TEREZA DE ARRUDA

SETENTA ANOS

Historicamente, ao longo dos séculos, o gênero do retrato evoluiu de uma representação fiel da aparência física para uma exploração profunda da identidade e da subjetividade do retratado. O retrato contemporâneo, como pode ser visto nesta mostra, explora frequentemente a identidade de maneiras complexas, abordando questões de gênero, raça, sexualidade, classe social e cultura. Deixou de ser uma simples representação da aparência externa para se tornar uma investigação das complexidades humanas – um espelho da sociedade – refletindo suas tensões, transformações e diversidades. Por meio de técnicas inovadoras e abordagens conceituais, como as presentes no universo de Alex Flemming, tem-se a expansão dos limites do retrato e do retratado, desafiando o espectador a reconsiderar suas percepções sobre o artista, sobre si mesmo e sobre os outros.Essadiversidadeeessacomplexidaderefiguram o retrato como uma forma poderosa e relevante no cenáriocontemporâneo,redimensionandoaexpressão artística e a reflexão social ao refletir sobre a realidade vivenciada, e não a realidade idealizada. Atento ao seu entorno e munido de sua câmera fotográfica, Alex Flemming fez de seu cotidiano sua obra final e nos premia com contextos introspectivos.

Nato Seeblockade, 2001. Série Bodybuilder. Foto: Divulgação MON. Foto: © Alex Flemming.

Apresentamos, nesta exposição, trabalhosrealizadosde1982a2023,que enfatizam quão consequente o artista era em sua concepção, criação e propagação de seu legado cultural. Os retratos em si, com técnicas e suportes distintos, revelam não somente a representação formal, mas, principalmente, a criação de uma obra diversificada e experimental, a qual abrange pintura, instalação, fotografia e gravura. O tema “Retrato” foi intencionalmente selecionado para essa mostra comemorativa porque a representação humana é o eixo fundamental e seminal da pesquisa plástica de Alex Flemming. Para ele, a existência humana está intrínseca e lapidarmente conectada aos conceitos de Eros e Tânatos, originários da psicanálise freudiana, que representam, respectivamente, as forças da vida e da morte. Essas forças, quando aplicadas à interpretação de retratos na arte contemporânea, podem fornecer um compêndioàrepresentaçãodastensões entre destruição e criação, morte e vida, dor e prazer. O retrato, nesse contexto, torna-se um meio para investigar essas dualidades fundamentais de nossa condição humana, visível aqui em obras produzidas já nas décadas de 1980 e 1990dasséries e .

Traqueotomia, 1991. Foto: Divulgação MON. Foto: © Alex Flemming.

Sem título, 1989. Série Atletas. © Alex Flemming.

As 3 Marias, 1982. Abaixo: Série MAM. Fotos: Divulgação MON. © Alex Flemming.

Na mostra , visualizam-se obras criadas em épocas e circunstâncias distintas, as quais dialogamentresicontinuadamente.Elas nos provam que as fronteiras da arte contemporânea estão cada vez mais maleáveis, permitindo que um mesmo tema seja abordado por várias perspectivasetécnicas.Todoselesestão demarcados pelo traço artístico inconfundíveldeAlexFlemming,sejapor meiodousodecoresvibrantes,inserção de textos reproduzidos com o uso de máscaras, superfícies metálicas e não convencionais. Em sua obra , de 1983, época em que o artista morava em Nova York em virtude da Bolsa Fulbright, nota-se a utilização de técnicas da , como o uso da serigrafia sobre tela. Flemming, porém, em vez de se debruçar sobre os temas daquela corrente artística que privilegiava as imagens triviais da produção em massa, reflete sobre o corpo feminino, mostrando desde o início de seu linguajar artístico a definição de seu tema principal: a condição humana. O emprego de técnicas que permitam a reprodução de imagens é utilizado pelo artista de maneira contínua até hoje, como, por exemplo, nas edições produzidas recentemente para o Museu de Arte ModernadeSãoPaulo(MAM),realizadas em vidro, chamadas de .

Uma das séries iniciais do retrato em seu histórico é a produzida a partir de 1988 até a atualidade. Trata-se de uma releitura da História do Retrato, vista de uma maneira conceitual e abstrata, porém substancialmentetradicionalepictórica.Flemmingconvidaparaseuateliê diferentes personagens do mundo cultural brasileiro e mundial que, para serem retratados, aceitam tirar os sapatos para, então, postarem-se de costas na frente de uma tela, quando o artista “mede” a altura do retratado, fazendo um risco da cabeça aos pés. Fica assim registrada para todo o sempre a altura de uma pessoa, metáfora que fala sobre a relatividade, tanto da nossa existência quanto a do próximo. Flemming retrataemumaúnicatelaváriospersonagens,elevando,assim,aomáximo, a questão do conhecimento e do reconhecimento pela atuação cultural dosrepresentados,aomesmotempoemqueproduzumretratopictórico,

Auto-Altura, 1990.
© Alex Flemming.

físico e concreto da pessoa. Ao trazer para cada tela vários produtores culturaisdediferentescampos,escolas,paíseselínguas,oartistaespelha, como em uma leitura de barras, o legado cultural de nossa época.

Já em sua série fotográfica , iniciada em 1997, o artista representa o corpo e condena o recrutamento humano como força de poder em campos de batalha. Flemming é pacifista, e uma das funções de sua obra é criar diálogos visuais por meio do impacto da imagem, efetivando pontes para o entendimento sociocultural entre pessoas de diversosidiomas,crençasoureligiões.Somentepormeiodacomunicação podehaverumapolíticacultural,aqualdevetercomometaaintegração, e não a segregação. A denúncia apresentada por Flemming nessa série é ponto de partida para a esperança de pacificação diante da fragilidade humana perante decisões em disputas de poder.

Somalia, 2003. Série
Bodybuilder. © Alex Flemming.
India X Paquistão, 2001. Série Bodybuilder. © Alex Flemming.

Algumas obras dessa mostra – retratos sobre vidro – são provenientes de sua obra mais popular e com maior índice de visitação cotidiana. Trata-se da Estação Sumaré do Metrô, inaugurada em 1998, tida hoje como um dos maiores monumentos culturais da cidade de São Paulo como obra pública, fazendo parte integral do projeto arquitetônico dessa estaçãodesdesuaconcepção.Flemming homenageiaaquiapopulaçãodacidade, aofotografar,naexecuçãodesseprojeto, pessoas anônimas das mais variadas origens e etnias para compor um retrato da diversidade cultural brasileira. Quarenta e quatro dessas fotografias foram ampliadas industrialmente sobre vidros de 1,75 x 1,25 x 0,01 m. Sobre os rostos impressos no vidro, leem-se trechos de poesias que cobrem cinco séculosdaproduçãodepoetasnacionais, trechosessesescolhidosminuciosamente pelo artista. A transparência dessa instalação urbana realizada sobre vidro cria certo vazamento e respiro dentro do contexto urbano da megalópole paulistana, favorecendo o diálogo entre os retratados e o entorno urbano. Flemming destaca que, por trás de cada rosto anônimo, há uma história pessoal de identidade e pertencimento digna de reconhecimento. Essa instalação urbana popularizouaobradoartista,enamostra , ela é apresentada como elemento central por meio de um conjunto de trabalhos da , acompanhados de obras pertencentes também à sua mais nova obra pública da .

Na , outro projeto em vidro realizado pelo artista, em 2016, para a fachada da Biblioteca Mário de Andrade, no centro de São Paulo, o conceito de superposição de imagens é empregado à criação dos retratos, com uma técnica totalmente diferente do da utilizada na A vibração de cores primárias superpostas por meio da variação de direção e frequência de finas linhas que compõem a imagem fotográfica é o foco.

Diferentemente da , os retratos podem ser observados pelos dois lados, visto que não há um texto sobre a figura humana a ser decifrado. O destaque é a própria vibração cromática das imagens.

Já na série iniciada em 2005, no seu ateliê de Berlim, o ser humano compõe a parte central da obra sem ser plenamente figurativo. Vivendo entre Berlim e São Paulo desde o início da década de 1990, e com uma presença marcante nos cenários nacional e internacional,Flemmingcultuaoregistro de seu percurso e de seus protagonistas assiduamente por meio da lente de sua câmera fotográfica. Esses registros do cotidiano, os quais passam a ser uma reflexão do dia a dia e de seu entorno, sãotestemunhosdacontemporaneidade pormeiodeelementosestéticossingelos e marcantes ao mesmo tempo.

são alguns dos títulos das obras dessa série que, em sua trivialidade, nos guiam para uma experiência pictórica inusitada.Ogesto,amímica,asminúcias

Sem título, 2009. Série Caos. © Alex Flemming.

e as atuações dos seres aqui representados são marcantes o suficienteparaabstrairarepresentatividadedoprópriocorpo como um todo. Estamos diante de uma inovação na pintura, poistodososretratadossão“transparentes”,jáquenãotêm pele e se confundem com o fundo. Esse artifício pictórico pode ser visto como uma tentativa de diálogo com o interior de cada um dos retratados em um processo introspectivo de conhecimento interno, e não superficial limitado à aparência externa.Aepidermeéinexistente,fazendocomqueocorpo se dilua com o fundo escuro da tela. Justamente esse fundo repleto de pinceladas irregulares e intensas surgidas da mescla entre as cores preta e prata é que dá o título à série, devido a sua dinâmica e intensidade. Trata-se de uma antipintura. A imagem final é composta pela ideia da visualidade do todo.

Apresentamos também nesta exposição uma série de autorretratos do artista de forma icônica e irônica, como na tela , cuja sutileza nos leva a uma imersão de seu cotidiano; assim como na série , ou mesmo na série ,tendopeçasdesuaprópriavestimenta–como cuecas e gravatas; utensílios domésticos, como pratos, ou ainda os testemunhos de sua biografia nômade, como as malasqueoacompanharamemsuasinúmerasviagensdesde a infância – como suportes artísticos. Sua procedência genealógica também está presente na exposição com as pinturas e . Eis o ciclo de vida que Alex Flemming compartilha conosco por ocasião de seus 70 anos: arte e fascinação!

Tereza de Arruda é mestre em História da Arte pela Universidade Livre de Berlim. Acompanha desde 1991 a produção de Alex Flemming e expôs o trabalho do artista em inúmeras mostras no Brasil e exterior.

ALEX FLEMMING

Rebecca Horn,

AS OBRAS PERFORMÁTICAS,

ESCULTÓRICAS E CINEMATOGRÁFICAS DA ARTISTA ALEMÃ RECECCA HORNINVESTIGAMASCONEXÕESENTREHUMANOS, MÁQUINAS, ANIMAIS E A TERRA, COM O OBJETIVO DE PROPORCIONAR EXPERIÊNCIAS FÍSICAS VISÍVEIS, PALPÁVEIS E AUDÍVEIS

POR JANA BAUMANN

OtrabalhodeseisdécadasdeRebeccaHorn(1944-2024) explora as fronteiras entre natureza e cultura, tecnologia e o capital biológico. Seja como inventora, diretora, autora,compositoraoupoeta,Hornseviuprincipalmente como uma coreógrafa. Ela descreveu sua prática como a criação de relações cuidadosamente calculadas entre espaço, luz, corporeidade, som e ritmo.

A exposição destaca, pela primeira vez, os aspectos coreográficos no trabalho da artista, com foco no performático.Hornrecorreufrequentementeàlinguagem da dança como meio e catalisador de seu pensamento artístico.Desde cedo,ela criou imagensvisionáriassobre a interconexão entre corpos e tecnologia, um tema que desenvolveu desde seus primeiros trabalhos em papel nos anos 1960, passando pelas e filmes da década de 1970, até as esculturas mecânicas dos anos 1980 e as instalações de grande escala dos anos 1990, continuando em seus últimos anos.

Aartistarevelouasconexõesentreatoreshumanosenão humanos,questionando,assim,aposiçãodoserhumano como uma entre muitas espécies. Suas obras são permeadas por referências habilmente entrelaçadas da história da literatura, arte e cinema. Seu trabalho representa uma exploração contínua e urgente da descentralização do ser humano dentro de um contexto cósmico mais amplo.

einhorn_1970.
© Rebecca Horn.

HUMANOS, MÁQUINAS E ANIMAIS – REDES CÓSMICAS

O interesse de Rebecca Horn pelas conexões entreocorpohumano,atecnologia,osanimais e o meio ambiente já podia ser percebido em seus primeiros desenhos. Um traço característico de suas ilustrações é a fragmentação, ou seja, a decomposição dos corpos em suas partes individuais. O título do desenho ( , 1964) evoca a imagem da mecanização de uma parte do corpo feminino. Aqui, Horn reflete sobrecorpo,gêneroesexualidadenocontexto das normas sociais. Em outro desenho, ( , 1967), vemos um torso humano aberto, de cujos pulmões parece emergir uma borboleta, como em uma metamorfose zoomórfica.Horndesenhouessaobraenquanto se recuperava de uma grave doença pulmonar que contraiu ao manusear materiais tóxicos. As limitações físicas temporárias que ela sofreu nesse período foram o ponto de partida para suas primeiras .

Na obra ( , 1989), dois bastões semicirculares de metal, acionados por um motor, unem-se para formar um círculo fechado. Quando as extremidades, que lembram o chifre de um rinoceronte, se tocam brevemente, ocorre uma descarga elétrica, criando a sensação de um beijo eletrificado. De maneira quase assustadoramente tecnológica, Horn explorou aenergiasexual,utilizandomáquinasanimadas esemelhantesaanimaispararetratarencontros humanos.Assim,aartistasugeriu asemelhança entre os comportamentos e afetos de atores humanos e não humanos.

Kuss des Rhinozeros, 1989. Foto: Gunter Lepkowski. © Rebecca Horn.

CORPOS EM MOVIMENTO

Com e , bem como em ( ), no início dos anos 1970, são exploradas a controlabilidade e a ampliação do corpo em nove sequências. Nos vídeos, vemos corpos adornados com pinturas, pelos, além da ativação de objetos como penas, algodão ou dispositivos de equilíbrio, gerando diversas sensações. Essas experiências envolvem a imobilidade,aampliaçãodoespaçodemovimento,aestimulaçãosensorial ou a troca de papéis. Por meio desses experimentos, Horn criou híbridos entre humanos e animais, ao mesmo tempo em que desafiou normas sociais e categorias de gênero.

A nudez é apresentada no limiar entre intimidade e exposição pública, sendo um momento de extrema sensibilidade, usado para transformar os códigos de visão, audição e tato em novos campos de experiência. Nas performances, a própria Horn ou outros aparecem, muitas vezes pessoas próximas a ela. A encenação deliberadamente deixa em aberto se as ativações em si ou as gravações delas constituem a obra. Essasprimeiras sãoopontodepartidaparaaretrospectiva, situando-se entre sua primeira escultura motorizada, ( , 1982), e uma de suas primeiras instalações de grandeescala, (1993),compostaporcamasdehospitalempilhadas. O espaço como um todo explora a tensão entre a presença e a ausência de corpos, abrindo um campo de ressonância que envolve corpos e memória, corpos e vulnerabilidade, corpos e tecnologia, bem como a expansão e o distanciamento do corpo.

À esquerda: Inferno, 1993. Acima: Die Pfauenmaschine, 1982. © Rebecca Horn. Exhibition view, Haus der Kunst 2024. Photo: Markus Tretter. © VG Bild-Kunst, Bonn 2024.

PRIMEIRAS PERFORMANCES

Em suas performances mais antigas, 1970) e ( ,1970),RebeccaHornexplorouasfronteiras dissolventes entre o humano e a máquina. Ela abordou, de maneira radical, a proteção e a vulnerabilidade do corpo humano, concentrando-se na relação entre corpos e os espaços internos e externos.

Em , o sistema circulatório humano foi exposto para fora do corpo. Um emaranhado de tubos plásticos, pelos quais uma bomba faz circular um líquido vermelho semelhante a sangue, foi colocado sobre o corpo nu do . Dessa forma, um ciclo biológico foi visualizado como um sistema técnico. Já utilizou hastes de metal para traçar o contorno de um corpo, medi-lo, aprisioná-lo e deixar sua forma visível mesmo na ausência do corpo. Horn continuou a desenvolver essas ideias em desenhos criados após a realização das .

Com as “extensões corporais”, Horn criou objetos que ampliam o corpo e exploram a tensão entre expansão e confinamento. Em ( ,1968),estabilizamocorpocom faixas de tecido, mas, ao mesmo tempo, o restringem, forçando-o à imobilidade. A artista investigou, por um lado, a isolação e a limitação dos corpos, mas, por outro, buscou escapar dessas restrições com o uso de próteses, como os ( , 1972).

Com esses trabalhos, Horn respondeu à exclusão estrutural de corpos que não se enquadram nas normas sociais. Ela destacou, performaticamente, formas de opressão e confinamento, enquanto imaginava possibilidades de transformação. As extensões corporais possibilitam romper com os movimentos habituais e abrir novos espaços entre a imaginação e a realidade.

À esquerda: Überströmer, 1970. Abaixo: Fingerhandschuhe, 1968. © Rebecca Horn.

Measure Box, 1970. © Rebecca Horn and ProLitteris, Zürich.

Der Eintänzer, 1978. Photo: Markus Tretter. © VG Bild-Kunst, Bonn 2024.

A DANÇARINA: FILME COMO MEIO

Nos anos 1970, Rebecca Horn descobriu o cinema e passou a utilizá-lo cada vez mais como um meio experimental. Entre 1972 e 1981, ela viveu em Nova York e Berlim. Seu filme ( , 1978) utilizou seu estúdio nova-iorquino como cenário. Em um poema relacionado ao filme, Horn descreveuoestúdiocomoumaespéciede casulo e ponto de partida para tramas paralelas que se desenvolveram em cenas surreais,emdiferentescamadastemporais. No filme, o estúdio serviu como um estúdiodebalé,mastambémfoihabitado por um jovem casal de gêmeos que decidiupassaroverãonacidadeenquanto a artista estava viajando. Outras figuras apareceram, como Max, que tocava em um piano de brinquedo; o cozinheiro Nada, que preparava sushi, e um homem cego que desejava aprender a dançar. As tentativas frustradas dessas personagens de se conectarem desencadearam sequências fantásticas, enquanto a trama tomou um rumo fatalista. O balé esteve sempre presente no filme de Horn. Sob a supervisão de uma professoradedança,osjovensdançarinos eram conectados por cordas, submetidos a um controle de movimento. O corpo humano deixava de estar em harmonia consigo mesmo, um símbolo programático. O desejo de sincronização absoluta evocava a ideia de uma fusão entre o humano e a máquina.

COREOGRAFIA COMO MOTOR

Com o passar dos anos, as diferentes camadasdepercepção,sejamdeficção ou realidade, atravessaram cada vez mais a obra de Rebecca Horn. Por exemplo, a roda de penas intitulada ( ,1978)foiexecutada pela primeira vez por uma bailarina no filme ( , 1987) no mesmo ano, fazendo-a aparecer como um ser híbrido. Posteriormente, ela reapareceu como uma escultura mecanizada, de aparência grotesca e animal, em uma exposição.

Horn frequentemente decompunha suas composições, subvertendo suas formas, como exemplificado no piano de cabeça para baixo, suspenso no teto,em ( , 2006). Ela também explorava novas maneiras de organizar e encenar a música, inspirando-se em coreografias de dança.

Em (1995),ossapatosdebalé,que pareciam dançar sozinhos, personificaram a presença ausente de uma bailarina. Horn explorou as tensões entre a ação humana e as energias geradas mecanicamente, seja por meio de coreografias, objetos motorizados ou com traços que desenhavam movimentos no papel, como em ( , 1991).

Feathered Prison Fan, 1978.
Photo: Markus Tretter.
VG Bild-Kunst, Bonn 2024.

GUERRA E ABISMO

der Namenlosen, 1994.

Markus Tretter. © VG Bild-Kunst, Bonn 2024.

( , 1994) é uma instalação espacial típica do trabalho de Rebecca Horn na década de 1990, abordando a cultura da memória. Consiste em uma complexa estrutura de escadas de madeira entrelaçadas que parecem se estender até o infinito, com violinos montados nelas. Arcos motorizados geram, em intervalos, sons polifônicos. Horn transformou os instrumentos musicais em máquinaselhesatribuiuhabilidadeshumanas, comotocarumconcerto.Arepetiçãodosom multifacetadodosviolinospermitiuqueessas máquinas expressassem sentimentos humanos, como tristeza e impotência. Essa é uma das obras mais significativas de Horn que lida com a história e suas catástrofes, como guerra, deslocamento e morte. A instalação foi exibida pela primeira vez em 1994, em um corredor de escadas em Viena,umlocal relevante durante os conflitos dosBálcãs,onderefugiadostocavamviolinos para transformar a cacofonia em novas harmonias, como descreveu Horn. Esse trabalho também levou à criação de obras , como (Concerto para Buchenwald, Parte I, 1999), exibida em um antigo depósito de bondes em Weimar. A instalação, composta por violinos, mandolinas, guitarras e estojos de instrumentos empilhados, simboliza um concerto silencioso em homenagem aos que tocaramessesinstrumentos.Aartistadedicou esse espaço de memória às vítimas do Holocausto, contribuindo significativamente para a cultura da memória.

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Photo:

CONTRA-NARRATIVAS

Rebecca Horn mecanizou ferramentas de pintura, desafiando a percepção histórica de poder masculino no mundo da arte e criando um conceito de obra multimodal.

Em ( ,1991), Horn superou o mito do gênio criador ao transferir a autoria da pintura para uma máquina. A tinta preta foi pulverizadanaparededagaleriaporum bico conectado a um funil cheio, subvertendo a ideia de que o gesto artístico é uma expressão exclusivamente humana e masculina. ( , 1988) é uma escultura mural que dispõe seis pincéis em forma de asas de pássaro. A peça parece estar em movimento incessante, simbolizando a resistência de Horn em encaixar seu trabalho experimental dentro das categorias tradicionais da arte.

Em ( , 1988), um mecanismo fez com que tinta azul escorresse sobre sapatos de salto alto, criando uma representação da divisão tradicional entre feminino e masculino. Horn ofereceu uma narrativa alternativa a esse sistema auto-matizado de desejo masculino e utilizou o azul da Prússia, também usado na medicina para neutralizar venenos, e criar um espaço nãotóxicoquetranscendeascategorias binárias de gênero.

Brush Wings, 1988. Exhibition view, Haus der Kunst 2024.
Photo: Markus Tretter. © VG Bild-Kunst, Bonn 2024.
Love and Hate, Knuggle Dome for James Joyce, 2004. © Rebecca Horn.

RELACIONAMENTOS INTERLIGADOS

Nos primeiros anos da década de 2000, Rebecca Horn se concentrou nas experiências corporais moldadasporconexõesfísicas,emocionaisesociais.

Em ( , 2009), um bastão curvado com um falo de bronze penetra repetidamente uma frágil concha. Horn transformouoatosexualemumprocessomecânico, sugerindo que a experiência corporal vai além da simplesfunçãogenital.Apeçaexploraocorpocomo uma interface sensível para conexões humanas, receptivatantoaoprazerquantoàdor,eentreamor e ódio.

( ,2004)apresentaquatrofacasdispostas com as letras das palavras L-O-V-E e H-A-T-E. As lâminas, acionadas eletricamente, movem-se em direção uma à outra, expressando a polaridade desses sentimentos extremos. A instalação é uma homenagem ao renomado escritor irlandês e à capacidade da literatura de expressar emoções intensas.

Horn também demonstrava fascínio por espelhos como meio de autoexploração e de perda no vazio. ( , 2004) brincou com a percepção de espaço e tempo ao posicionar um espelho redondo no chão e outro no teto. Quando o espectador olha para um dos espelhos, sua imagem é multiplicada e situada no ambiente. Na época em que essa obra foi criada, a internet e as redes sociais estavam apenas começando a transformar nossas interações. Horn não poderia prever o quanto o mundo digital conectaria e, ao mesmo tempo, separaria as pessoas. Seus trabalhos tornaramessasexperiênciascontraditóriasdeespaço e tempo tangíveis, oferecendo uma reflexão sobre a atualidade e a relevância dessas vivências corporais.

SISTEMAS DE ENERGIA

Ainstalação ( ,2017) marcou um ponto culminante na obra mais recente de Rebecca Horn. Ela representava um sistema energético: 12 hastes de latão que afunilam para cima, fixadas em uma base de aço escuroemovidasmecanicamente.Movem-secom graça: seus movimentos lentos e assíncronos atraem a atenção para o tempo e sua percepção variável,criandoumacoreografiaquasehipnótica.

A corporeidade aqui é altamente abstrata e desprovida de representação de gênero. O movimento,comoarespiração,éencenadocomo uma força vital para corpos humanos e não humanos, borrando as fronteiras entre homem e máquina.

Horn também criou composições de movimento expressivas com sua primeira série contínua de grandes trabalhos em papel, que começou em 2002 e continuou até 2004, intitulada . Utilizando energeticamente seu próprio corpo, ela criou paisagens abstratas que podem ser vistas tanto como reflexos da natureza quanto como imagens do mundo interior da alma. Em pé, Horn aplicou tinta, respingos de tinta e lápis com um gesto poderosoe,àsvezes,adicionoumensagenslíricas às obras. Poetizando sobre a natureza do movimento, ela pretendia capturar a natureza de maneira menos realista.

Seja a energia gerada por movimentos humanos ou mecânicos, Horn a utilizou como força para transformações. Essa constante conecta sua obra inicial com as mais recentes de maneira mística, poética, científica ou performática. Assim, a exploração das conexões com o meio ambiente sempreestevenocentrodasuatrajetóriaartística.

Hauchkörper, 2017. © VG Bild-Kunst, Bonn 2017, Foto: Gunter Lepkowski.

Jana Baumann é curadora da Haus der Kunst, historiadora da arte e doutorado com o tema Museu de vanguarda e Arte Moderna na Alemanha 1919-1933.

Pode o subalterno falar. Série Deriva Afetiva. © Panmela Castro.
Panmela Castro,

Luta no Museu, 2024. Vista da exposição Ideias radicais sobre o amor no MAR. Foto: Gabriel Andrade. © Panmela Castro.

A ARTISTA PANMELA CASTRO EXPÕE NO MAR, NO RIO DE JANEIRO, OBRAS PARTICIPATIVAS, QUE TÊM COMO FIO CONDUTOR A IDEIA DA PSICOLOGIA QUE FALA SOBRE A NECESSIDADE DE PERTENCIMENTO COMO IMPULSO VITAL DOS SERES HUMANOS. PERFORMANCES, FOTOGRAFIAS, PINTURAS, ESCULTURAS E VÍDEOS EXPLORAMQUESTÕESCOMOAFETIVIDADE,SOLIDÃO,VISIBILIDADE, EMPODERAMENTO, AUTOCUIDADO E MEMÓRIAS. PANMELA NOS CONTA AQUI SEU PROCESSO DE CRIAÇÃO DE SUAS PRINCIPAIS OBRAS EM 20 ANOS DE PRODUÇÃO

POR PANMELA CASTRO

Luta no Museu, 2024. Vista da exposição Ideias radicais sobre o amor no MAR. Foto: Gabriel Andrade. © Panmela Castro.
Consagrada. Foto: Ana Pigosso. © Panmela Castro.
Kehinde Wiley. Série Deriva Afetiva. © Panmela Castro.
Momo, the French Teacher. Série Deriva Afetiva. © Panmela Castro.
Série Vigília. Foto: Gabriel Andrade. © Panmela Castro.
Série Vigília.
Foto: Gabriel Andrade. © Panmela Castro.
Série Objetos Afetivos. Foto: Gabriel Andrade. © Panmela Castro.
Ruptura. Foto: Clarissa Pivetta © Panmela Castro.

PANMELA CASTRO: IDEIAS RADICAIS SOBRE O AMOR • MUSEU DE ARTE DO RIO (MAR) • RIO DE JANEIRO • 9/8 A 24/11/2024

© Panmela Castro.

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