ALPHONSE MUCHA ROSANA PAULINO ANNI ALBERS VINICIUS SA MARCEL DIOGO
Vinicius SA, Lágrimas de São Francisco, 2005-2018.
DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin REDAÇÃO André Fabro PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com DESIGNER Moiré Art
Capa: Alphonse Mucha, Rêverie, 1897. © Mucha Trust 2018
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Contracapa: Rosana Paulino, Geometria brasileira chega ao paraíso tropical, 2018.
ROSANA PAULINO
12 ANNI ALBERS
6 De Arte a Z 74 Livros 75
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VINICIUS SA
40
Coluna do meio
ALPHONSE MUCHA
MARCEL DIOGO
RESENHAS
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66
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DE ARTE A Z Notas do circuito de arte ESCULTURA NO MARCO ZERO CAUSA CONTROVERSIA Uma escultura da bandeira da Arábia Saudita, uma peça gigante em formato de bala instalada no World Trade Center em Nova York, foi recebida com ceticismo. O trabalho é parte de uma exposição de 20 candelabros de bandeira de nove metros de altura do artista francês Laurence Jenkell em torno do centro comercial Oculus; cada um representa um país do G20.
OBRAS-PRIMAS DA NATIONAL GALLERY
BANKSY ATACA DE NOVO?
QUEERMUSEU DA ÁSIA
No Japão
Sobre vendas de arte
Mais de 50 artistas
A National Gallery de Londres enviará um empréstimo sem precedentes de 60 obras, incluindo os girassóis de Van Gogh, ao Japão, por nove meses. A exposição itinerante em Tóquio e Osaka coincidirá com os Jogos Olímpicos de Verão de Tóquio, em 2020, e representará o maior empréstimo que o museu do Reino Unido enviou ao exterior.
Um artista anônimo conhecido como Frizk afirma que Banksy enviou-lhe uma mensagem pedindo que ele pendurasse uma pintura dentro da exposição da artista finlandesa Mamma Andersson, no Centro de Artes Cincinnati Contemporary Arts. Frizk pendurou o quadro de uma banana descascada mas a pintura foi removida em minutos. A imprensa em geral ainda não está comprando esta história de Frizk.
O Centro de Arte e Cultura de Bangkok está colaborando com a Fundação Sunpride para trazer a maior exposição de arte LGBTQ na Ásia para Bangcoc em novembro. Uma continuação da série Sunpride lançada no Museu de Arte Contemporânea de Taipei em 2017,
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será realizada de 23 de novembro a 1º de março de 2020.
NOVOS ESPAÇOS OCUPAÇÃO RED BULL STATION Últimos dias O Red Bull Station promove a quarta edição do programa OCUPAÇÃO, que incentiva artistas e coletivos para ocupar espaços do prédio a fim de inspirar, conectar e transformar a energia criativa da capital paulista. O espaço de compartilhamento, vivência e intercâmbio de experiências oferece cinco vagas para artistas, coletivos, grupos de estudos, criadores, gestores e/ou produtores culturais utilizarem o edifício no período de 20/2 20/3. Inscrições abertas até dia 20/1 em www.redbullstation.com.br.
Gilda Queiroz Galeria de Arte A galeria de arte Gilda Queiroz tem como objetivo realizar exposições, promover encontros entre artistas, produzir cultura, venda e difundir obras de arte para um público seleto, criando uma esfera que favorece à fruição e a reflexão sobre a arte, viabilizando a aquisição da obra de arte como bem cultural. Rua Viçosa, 229 Belo Horizonte, MG
GIRO NA CENA
Para defender “Ela mudou minha vida para melhor” “Ela dedicou sua vida a ajudar os outros” “Maria sempre ficou do lado de seus artistas” Ai Weiwei e outras figuras da arte escreveram cartas para defender Mary Boone, a galerista de arte que declarou-se culpada de fraude fiscal no ano passado.
Mulheres no MASP Ao longo do ano, o eixo temático ‘Histórias das mulheres, histórias feministas’ vai embasar exposições monográficas de Djanira da Motta e Silva, Tarsila do Amaral, Lina Bo Bardi, Anna Bella Geiger, Leonor Antunes, Gego e uma mostra coletiva internacional com o mesmo titulo do programa de exposições.
GIRO NA CENA
Para ver antes de morrer O novo guia Destination Art da editora Phaidon reúne centenas de instalações de arte ao ar livre em todo o mundo. A turnê mundial do livro inclui a colaboração de Yayoi Kusama com a Coca-Cola em Nagano, Japão, a aranha de Louise Bourgeois em um lago na França e a escultura de Cildo Meirelles em Inhotim.
PHILLIPS EDIÇÕES A noite de vendas “Edições” da Phillips Londres unirá artistas contemporâneos, incluindo Banksy, Gerhard Richter e Thomas Schütte, ao lado de ícones modernos da gravura do século 20, de Andy Warhol e JeanMichel Basquiat a Pablo Picasso e David Hockney. Exibindo uma variedade de mídias, artistas e estágios fundamentais da história da arte moderna e contemporânea, este leilão explora as edições em suas diversas formas. Marcada para 24 de janeiro, as vendas contarão com 290 lotes e espera-se que atinja mais de £ 2 milhões.
Artistas franceses em Niterói é o título da próxima mostra na recente inaugurada Galeria Reserva Cultural, em Niterói. A coletiva reunirá artistas que tem em comum a nacionalidade ou o uso da língua francesa. São eles: Abigail Nunes, Catherine Reisser, Eric Collette, Hubert Viudes, Maria Dundakova, Michel Haulard, Pierre Crapez, Soda AW e Sophie Dresser. De 24/01/2019 a 17/2/2019
8 DE ARTE A Z
VISTO POR AÍ
Após 30 meses de estudo, o Ministério da Cultura da França recusou a oportunidade de comprar a obra recém descoberta cuja autoria, atribuída a Caravaggio, vem gerando discussão. A pintura, que foi encontrada em um sótão em 2014 fora de Toulouse, na França, pode ser colocada à venda.
ALEX FLEMMING A Emmathomas Galeria abre a exposição "ALEX FLEMMING", com a nova série de trabalhos do artista criada conceitualmente em Berlim em 2018. As 27 peças apresentadas foram trabalhadas pelo artista em programa de residência em um ateliê na sede da Fundação Marcos Amaro em Itu. O artista, que chama sua nova série de , utilizou pias de banheiro das décadas de 70 e 80 nas quais esculpiu, com ponta de diamante, desenhos de mãos. As pias são mostradas de maneira não convencional: são postas em pedestais como um objeto que remete à forma dos altares domésticos do barroco brasileiro. Ao todo são 27 pias de formatos e cores diferentes, que farão uma metáfora sobre como as pessoas se comportam no atual cenário 10 AGENDA
político, lavando as mãos para as grandes responsabilidades que o país enfrenta. Alex Flemming utilizou a passagem bíblica sobre a crucificação de Jesus Cristo como base de sua crítica. são as palavras que Pôncio Pilatos teria dito ao apresentar Jesus perante a multidão e ordenar que eles escolhessem o destino do filho de Deus. Após o povo optar pela crucificação de Jesus Cristo, Pôncio Pilatos lavou as mãos diante de todos, e disse: "estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso". Disso nasceu o ditado 'lavo as minhas mãos'.
Alex Flemming • Ecce Homo • Galeria Emmathomas • São Paulo • 14/2 a 23/3/2019
Musa paradisíaca, 2018.
ROSANA PAULINO A COSTURA DA MEMÓRIA
RECONHECIDA PELO ENFRENTAMENTO DE QUESTÕES SOCIAIS QUE DESPONTAM DA POSIÇÃO DA MULHER NEGRA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA, A ARTISTA APRESENTA NA PINACOTECA MAIS DE 140 OBRAS PRODUZIDAS AO LONGO DE 25 ANOS
POR VÁLERIA PICCOLI PEDRO NERY
Voz singular em sua geração, Rosana Paulino surgiu no cenário artístico paulista em meados dos anos 1990, propondo, de modo bastante ousado, um debate aberto sobre questões de raça e de gênero. As imagens incômodas de mulheres com os olhos e bocas suturados por uma costura (1997) ou grosseira da série 14 DESTAQUE
a profusão de figuras dos familiares da artista encarando insistentemente o observador em (1994/2015) expunham a violência exercida sobre os corpos afrodescendentes, o silenciamento e a invisibilidade a que foram submetidos, a persistência, enfim, do legado funesto da escravidão no Brasil.
Esses primeiros trabalhos já revelavam o modo experimental com que Paulino combina procedimentos. O uso da costura, aprendida na infância com a mãe, se mesclava à transferência de fotografias sobre tecido por meio de métodos criados pela própria artista. A associação entre um saber popular, transmitido no ambiente doméstico de mãe para filha, e a familiaridade com a alta cultura, expressa seja no domínio de diferentes técnicas artísticas, seja no diálogo com a história da arte, é um fator estruturante de sua poética. De tal forma que um procedimento semelhante pode ser encontrado em trabalhos mais recentes como (2017) e (2018), grandes tecidos compostos de partes costuradas, sendo que cada parte contem uma imagem transferida de fotografias ou gravuras existentes. Novamente, a costura evoca a situação de intimidade e se coloca em contraste com a possibilidade de reprodução mecânica da imagem fotográfica. Nesses trabalhos, entretanto, Paulino propõe uma espécie de metáfora histórica: as imagens do período colonial são reunidas de maneira forçada por uma costura frágil; como se puxar um dos fios pudesse ser o suficiente para desfazer toda a estrutura.
Página à esquerda: Soldado sentada, 2006. Ao lado: Soldado do morro, 2006.
Um debate aberto sobre questões de raça e de gênero.
Acima: Sem título, 2006. À direita: Tecelãs, 2003.
Rosana Paulino desenha compulsivamente e muitas de suas séries de desenhos, (2003) ou a série particularmente (1996) investigam de maneira particular o corpo feminino e seu lugar social. Assim como as linhas de costura calam e cegam as mulheres negras nos , nesses desenhos, as linhas representam fios que saem do sexo e dos olhos das mulheres, aprisionando seus corpos. O corpo preso, impedido de se expressar e não acomodado a padrões celebrados socialmente, ganha também sentido simbólico na obra de Paulino e pode ser evocado de forma ainda mais radical no uso de cabelos de mulheres negras encapsulados em vidros, como na obra , de 2006 Um aspecto a destacar na trajetória de Rosana Paulino é o interesse da artista pela biologia e pelas ciências, que se manifesta em um conjunto expressivo de desenhos dedicados a explorar a ideia de uma vida/organismo em transformação. Mutação e metamorfose são conceitos 16 ROSANA PAULINO
Geometria brasileira chega ao paraĂso tropical, 2018.
Paisagem n. 100 (Mangueira), 2017.
As filhas de Eva, 2014.
recorrentes em seu trabalho. Se o desenho de Paulino tem sempre uma forte carga íntima, esse mesmo teor subjetivo se manifesta em inúmeros desenhos de animais em que a artista investiga as estruturas e articulações de corpos de morcegos, peixes e insetos. A linha se torna
20 DESTAQUE
paulatinamente mais sintética, variando de espessura, oferecendo uma solução de poucos traços. Em outras séries, o corpo do inseto se associa ao da mulher. Essa mulherbicho tem a proteção da carapaça ou asas que possibilitam voar. Do desenho, elas passam ao espaço na
instalação (2003), em que centenas de mulheres-bichos-da-seda feitas de barro e fios de algodão, saem organicamente de seus casulos. Elas se proliferam livremente, expandindo sua ocupação pelas paredes. O lugar de exclusão do sujeito-inseto pode ser visto como metáfora do feminino, mas,
ao contrário do esperado, é transformação positiva, pois indica a abertura para uma existência possível fora das amarras sociais. Esse sentido transformador pode também servir a interpretar a instalação (2013), um dos trabalhos mais recentes da artista.
Assentamento, 2013.
A obra aborda explicitamente a escravidão, uma vez que tem como elemento principal a figura de uma negra escravizada, mas evoca também a sujeição deste corpo que é retirado de sua origem e transformado em objeto da ciência. A esse corpo que perde sua subjetividade, Paulino restitui raízes, coração e útero, recompõe as partes antes fragmentadas, e ressalta a capacidade dessa mulher de assentar uma cultura. Paulino fala do lado humano da mulher escravizada que teve que se “reinventar” para sobreviver em outro lugar que não o seu. Um sentido de ancestralidade se manifesta em diversas obras anteriores de Paulino, como os patuás que compõem , ou a referência às amasde-leite, ou ainda nos auto-retratos com máscara africana e comedores de terra. Mas é de fato a partir do uso da imagem da mulher escravizada que foi “cientificamente” fotografada que o sentido histórico e crítico da escravidão ganha primazia. A foto impressa sobre tecido e reconstituída pela costura alude ao modo como se processa a memória pessoal e social da mulher negra no país. Esse ato de “assentar” é mesmo um ato afirmativo e compreende sujeitos que perderam seus rostos, seus nomes, seus locais de nascimento. 22 DESTAQUE
Desenho da série Tecelãs, 2003.
No livro ¿ (2016) a artista chama atenção para as teorias científicas utilizadas para justificar a escravidão e a visão pejorativa dos africanos. Paulino se vale da forma mais clássica de divulgação e propagação do saber ocidental, os livros, para questionar as viagens científicas e o modo como a “ciência natural” fundamentou a dominação sobre povos, corpos e mentes de índios e negros. (2014), a série (2017) e a série mais recente (2018), questionam o olhar estrangeiro e científico dos viajantes que percorreram o Brasil durante o século XIX que excluem e/ou exotizam a sociedade brasileira e a escravidão. A artista aponta para um imaginário forjado de que vivemos numa democracia racial.
Valéria Piccoli é curadora chefe da Pinacoteca de São Paulo, doutora em História da Arte pela Universidade de São Paulo.
Pedro Nery é mestre em Museologia com graduação em História pela Universidade de São Paulo e atua com curadoria na Pinacoteca desde 2011.
Rosana Paulino: A costura da memória • Pinacoteca • São Paulo • 8/12/2018 a 4/3/2019
ANNI ALBERS ANNI ALBERS COMBINOU O ANTIGO OFÍCIO DA TECELAGEM MANUAL COM A LINGUAGEM DA ARTE MODERNA. O RECONHECIMENTO TARDIO DE SUA CONTRIBUIÇÃO FUNDAMENTAL PARA A ARTE E DESIGN É O IMPULSO PARA UMA GRANDE MOSTRA NO REINO UNIDO
POR ANN COXON Anni Albers começou seus estudos na Escola Bauhaus em Weimar em 1922. Apesar de seu desejo inicial de ser pintora, foi persuadida a entrar na oficina de têxteis com outras estudantes mulheres, que, mesmo nesta escola fundada sob princípios igualitários, eram desencorajadas a participar de ateliês como os de serralheria e gravura. Por meio deste treinamento, familiarizou-se com as complexidades de tecelagem manual e os desafios do tear e foi capaz de aplicar seus conhecimentos à produção de têxteis ambiciosos, tornando-se uma das artistas têxteis mais importantes e influentes do seu século. Tanto quanto tecelã, Albers via a si mesma como artista e designer. Também foi uma professora inspiradora e autora, que passou seu conhecimento sobre antigas técnicas culturais têxteis juntamente com tudo o que sabia sobre ser uma artista modernista em um mundo de emocionantes invenções, novos materiais e desafios. Albers produziu tecelagens pictóricas, bem como desenvolveu têxteis para arquitetura e interiores e conseguiu conectar uma das técnicas culturais mais antigas com a linguagem artística moderna de seu tempo. 26 DO MUNDO
Anni Albers descreveu a tecelagem como "um exemplo de um ofício que é multifacetado". Em um ensaio de 1937, examinando o "trabalho com material", ela explicou: Além das qualidades superficiais, como áspero e liso, opaco e brilhante, duro e macio, ele também 28 ANNI ALBERS
inclui cor e, como elemento dominante, textura, que é o resultado da construção de tecidos. Como qualquer artesanato, pode acabar produzindo objetos úteis, ou pode chegar ao nível da arte. ” É significativo que Albers sentia que tinha que explicar a distinção entre
Como qualquer artesanato, pode acabar produzindo objetos úteis, ou pode chegar ao nível da arte.
Página 27: Pendurado na parede, 1926. À esquerda: Anni-Alber em seu estúdio de tecelagem no Black Mountain College, 1937. Abaixo: Estudo para um wallhanging não executado, 1926. Todas as Fotos: © 2018 The Josef and Anni Albers Foundation / Artists Rights Society (ARS), New York/DACS, London.
"objetos úteis" e "arte", enfatizando a natureza multifacetada de seu meio escolhido. No entanto, apesar de ser uma das mais importantes pioneiras da prática de arte têxtil - uma geração à frente do movimento nos EUA e na Europa, e pelo menos duas gerações à frente das muitas práticas de arte contemporânea mais fluidas inspiradas em seu trabalho -, ela não foi tão reconhecida como artista inovadora e influente quanto alguns de seus professores e colegas da Bauhaus. Annelise Elsa Frieda Fleischmann nasceu em uma família burguesa de Berlim em 1899. Sua mãe era da família editorial germano-judaica Ullstein; seu pai, fabricante de móveis. A jovem foi encorajada a estudar desenho e pintura durante sua infância e adolescência. Rebelando-se contra sua origem familiar e a expectativa de se tornar uma esposa e mãe, optou por ser
Objetos surpreendentes, marcantes em sua concepção inovadora em relação ao uso de elementos de cor e composição. .
Abaixo: Mémoires Jumelles, 1992. À direita: A Silent Witness, 2014.
À esquerda: Com Verticais, 1946 © 2018. Foto: Tim Nighswander/Imaging4Art. Acima: Nó, 1947 e Colar, c.1940.
artista e seguir um estilo de vida mais boêmio. Depois de alguns começos em falso - uma tentativa fracassada de estudar com Oskar Kokoschka, seguida de em Hamburgo -, determinou-se a dois períodos na estudar na radical Escola Bauhaus em Weimar. Apesar de ter sido recusada em sua primeira candidatura, finalmente começou seus estudos em 1922. Naquela época, já havia conhecido e se apaixonado por Josef Albers, um alemão da região da Westphalia, magro, de aparência ascética, onze anos mais velho que ela. Eles se casaram em 1925 e ela tornou-se Anni Albers. Colocando sua relutância inicial de lado, Albers foi absorvida por sua disciplina designada e profundamente inspirada por seu novo ambiente. Em particular, ela admirava o trabalho do professor Paul Klee (1879-1940). Relembrando seu tempo na oficina de tecelagem, ressaltava a falta de ensino estruturado e a capacidade de brincar com materiais que resultavam em "objetos surpreendentes, marcantes em sua concepção inovadora em relação ao uso de elementos de cor e composição". As obras de Albers deste período caracterizam-se por uma redução da paleta de cores e uma ênfase na estrutura de padrões e tecidos, sendo as interseções vertical e horizontal da teia e da trama enfatizadas por desenhos geométricos rigorosos. Em 1930, Albers recebeu seu diploma com a produção de um tecido refletor de luz e à prova de som, incorporando celofane e chenille, produzido para o auditório da Escola Sindical de Bernau. A partir de 1931, Albers assumiu o comando da oficina de tecelagem até que Lilly Reich foi nomeada para a posição, pouco antes de a Bauhaus ser forçada a fechar pelo governo em 1933. Em novembro daquele ano, Josef e Anni Albers chegaram em Nova York após um convite para ensinar no recém-fundado Black Mountain College, situado 31
Interseção, 1962.
em um ambiente rural em Asheville, Carolina do Norte. Foi uma faculdade progressiva e experimental, que incentivava a interdisciplinaridade, bem como a vida em comunidade. Foram anos muito produtivos para Anni Albers. Trabalhou em um corpo de tecelagens pictóricas, muitas das quais foram inspiradas pelas viagens que ela e Josef fizeram ao México, Peru e Chile, onde começaram a 32 DO MUNDO
reunir uma coleção de artefatos da cultura pré-colombiana com a qual ficaram fascinados. Duas importantes tapeçarias de parede de 1936, e , demonstram o domínio técnico do processo de tecelagem e o vocabulário visual da abstração geométrica que Albers aprendeu na Bauhaus, para o qual encontrou nova expressão através de seu interesse pela arquitetura e artefatos culturais
À esquerda: Vista da exposição. Foto: Miguel Coll. Acima: Dallas? Caracas?, 1997. Abaixo: Dante’s Dream, 2003.
Carta aberta, 1958.
do México e do Peru. Estes tecidos, com sua linguagem própria do século 20, resultam de um processo de exploração e, muitas vezes, de um literal desfiar de têxteis de uma civilização antiga que ela muito admirava e na qual encontrou evidências da interconexão entre texto e têxtil, tear e linguagem. Em 1949, Anni teve sua primeira grande exposição individual, que também foi a primeira mostra de arte
têxtil do MoMA de Nova York, posteriormente itinerando por outros 26 museus dos Estados Unidos e Canadá. Nesse mesmo ano, os Albers deixaram o Black Mountain College e, em 1950, Josef assumiu um cargo na Universidade de Yale. O tempo de Anni durante a década de 1950 foi dividido entre criar seus trabalhos pictóricos, ensinar e palestrar, realizar uma série de comissões e escrever dois livros. O
Pasto, 1958.
Quando o trabalho é feito com fios, é considerado um ofício; quando está no papel, é considerado arte.
À esquerda: Eclat, 1974. Acima: TR II, 1970.
mais conhecido deles, (Sobre Tecer), é uma apresentação sobre as minúcias técnicas do tear e um tratado sobre a arte de tecer à mão como um processo lógico de criação. O tecelão, assim como um músico, precisa aprender a linguagem do tear e pensar em termos têxteis. Mão, olho e máquina devem se unir para criar um tecido, guiados por um cérebro que planeja, guia e entende o processo. Uma tapeçaria é uma obra, mas também seu próprio suporte. No final da década de 1960, Albers abandonou a prática da tecelagem manual e se concentrou na gravura, transferindo sua atenção meticulosa para um processo diferente de criação, mas que também poderia ser empregado para continuar seu trabalho de exploração do “evento de um fio”; um 37
Seis orações, 1966-67.
processo que poderia fazer uso da várias camadas de textura e de cor no qual ela era tão experiente, e pelo qual ela incorporaria conceitos têxteis tais como amarração, modelagem e mistura de cor. Em uma entrevista de 1985, Albers, um tanto amargamente, fala sobre o reconhecimento artístico que ela finalmente obteve com a gravura : "Eu acho que, quando o trabalho é feito com fios, é considerado artesanato; quando está no papel, é considerado arte... Como resultado, o reconhecimento vem com mais
38 DO MUNDO
facilidade e felicidade, o desejado tapinha no ombro”.
Ann Coxon é curadora de Arte Internacional do Tate Modern.
Anni Albers • Tate Modern • Reino Unido • 11/10/2018 a 27/01/2019
VIINICIUS SA POR ELE MESMO
40 REFLEXO
O GRANDE IRMÃO, 2018
“
é uma das instalações que compõem a recente exposição , apresentada na Caixa Cultural São Paulo, e impõe ao público, que vai à mostra preparado para observar, uma condição de observado. Lida com questões como vigilância e controle, real e virtual. Uma instalação com cerca de 10 mil "olhos" é intencionalmente invasiva e propositadamente desproporcional, possui câmeras em seu interior e transmite as imagens em outra sala. Reflete sobre a experiência dos dias atuais, onde todos os nossos movimentos, falas e gostos pessoais tornam-se dados que, processados, estabelecem controle e até determinam conteúdos de forma individualizada, mostrando-se um projeto de poder muito eficiente, que aprendemos a amar tão rapidamente, expondo nossas vidas e publicizando nossos corpos ante uma realidade existencial de corpos que ainda operam em forma analógica, humana.”
VESTÍGIOS MATERIAIS / DESPACHO, 2017
“Se por um lado algumas obras tem como característica o tempo específico determinado ou planejado, antagonicamente, a série intitulada lida com conceitos de permanência, registros de passagem e apropria-se de vestígios materiais diversos - como terra, água, cinzas, escombros, folhas, galhos, rótulos, trapos, entre outros - através do encapsulamento destas matérias em recipientes de vidro, que são apresentados em diversas categorias: instalações, esculturas e objetos, estabelecendo relações entre lugar e matéria. A mais recente obra desta série foi uma instalação e participou da exposição , no centro , uma espécie de obra-oferenda com cultural FIESP e foi intitulada folhas sagradas, um ponto de limpeza de energias, instalada no maior signo do poder econômico do país. Foi uma obra concebida não só levando em conta o espaço, mas o tempo específico por qual passava o Brasil.”
42 VINICIUS SA
Lรกgrimas de Sรฃo Pedro, 2005-2018.
46 REFLEXO
LÁGRIMAS DE SÃO PEDRO, 2015-2018.
“O tempo em suspensão ou a ideia de pausa no “tempo físico” está presente na instalação , que através da representação de uma chuva pausada no ar, de um tempo congelado e visualmente sem ação da gravidade, levam o fruidor a uma experiência sensível, onde o tempo ganha uma nova dimensão, gerando uma espécie de perder-se pelo embate entre a percepção do tempo físico e tempo do intelecto. A instalação é um composta por milhares de bulbos de lâmpadas cheios d’água e suspensos individualmente no teto, criando um espaço onde o fruidor pode penetrar em meio às lágrimas, possibilitando a experiência como sujeito da obra. A suspensão do presente através da minha memória lúdica em vivências no sertão, dos dias que vi crianças tomando banho de chuva de braços abertos, que me mostraram a chuva sagrada, rural, diferente da chuva urbana que conhecera até ali, ou do dia que caminhei entre nuvens da chapada diamantina e o orvalho estava em tudo: no chão, nas plantas, no ar. É a chuva que não cai, que é rogada.”
O pensamento científico me influencia pela racionalidade, pelo cálculo e pela possibilidade de antever meus projetos. A prática artesanal é presente desde a infância. Meu processo criativo é racional e experimental ao mesmo tempo. As obras utilizam da contraposição entre artesania e ciência, buscando, através de grandes instalações ou pequenos objetos, a poesia.
“A ideia do tempo específico também surge na obra , que através de uma coluna/tubo, feito com garrafas de vidro e cheio de vinho, gotejou durante todo o tempo da Bienal do Recôncavo, de forma que a última gota caiu no último dia da exposição. Simbolicamente havia a necessidade de estabelecer o tempo físico como uma característica inerente à obra; se em a água evapora de forma imperceptível, por outro, no pulso da bienal, essa evidência é latente e exacerba de forma pragmática a nossa dimensão temporal: o processo é a arte, efêmera como o tempo. O tempo baseado no sol. O tempo relativo do homem urbano diferente do da zona rural, ou o tempo das gotas que caem, anunciando a cada instante, o encerramento da bienal e o desfecho da arte. Arte com início, meio e fim. O pulso é o entendimento do instante artístico, da aura como arte.”
48 REFLEXO
O PULSO DA BIENAL, 2006.
ALPHONSE MUCHA
Mulher com margarida, 1900. Š Mucha Trust 2018
ALPHONSE MUCHA É O REPRESENTANTE MAIS POPULAR DA ART NOUVEAU, PORÉM POUCO APRECIADO PELA SUA AMBIÇÃO COMO PINTOR DEDICADO À CAUSA NACIONAL DO SEU PAÍS DE ORIGEM. UMA EXPOSIÇÃO NO MUSEU DO LUXEMBURGO, EM PARIS, PROPÕE, REDESCOBRIR SEUS DOIS LADOS, PARA DEVOLVER A ELE TODA SUA COMPLEXIDADE, ARTÍSTICA, POLÍTICA E ESPIRITUAL
POR TOMOKO SATO Alphonse Mucha é hoje um dos artistas tchecos mais famosos do mundo. Nascido em 1860 na região da Morávia, ganhou fama a partir de 1895, quando seu primeiro cartaz para a atriz Sarah Bernhardt passou a circular em Paris. Estabelece um estilo muito pessoal, o “estilo Mucha”, caracterizado por formas sinuosas, linhas orgânicas e uma gama sútil de tons pastel. Este estilo em breve representaria o movimento das artes decorativas emergente na época, o Art Nouveau. Quando a Feira Mundial de Paris abriu em 1900, Mucha já era uma figura chave do movimento, e quando foi pela primeira vez aos EUA em 1904, era descrito como "o maior artista decorativo do mundo". Ainda que os cartazes de seu período parisiense tivessem feito sua fama, Mucha é um artista versátil: pintor, escultor, fotógrafo, decorador e também um professor apreciado. Mas suas convicções políticas e humanistas o levaram a abandonar gradualmente a veia decorativa e se voltar para um grande projeto de pintura histórica, fazendo da arte um ato de militância política em prol dos eslavos e de sua independência. Seus últimos trabalhos, incluindo (1912-1926), um ciclo de vinte pinturas históricas monumentais, testemunham seu sonho de união entre todos os povos eslavos. UM BOÊMIO EM PARIS "O artista deve permanecer fiel a si mesmo e às suas raízes nacionais" Alphonse Mucha Nascido no meio do renascimento nacional tcheco, Mucha cresceu acreditando apaixonadamente em uma nação tcheca independente do Império AustroHúngaro ao qual estava ligada. Em sua cidade natal, Ivančice, o adolescente talentoso defende essa causa política desde cedo, ilustrando sátiras em revistas locais e decorando auditórios. Sua vida e atividades artísticas serão guiadas por seu patriotismo, que ele considera uma força espiritual. Estações: verão, 1896. © Mucha Trust 2018.
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Abaixo: Catedral de São Vito, São Venceslau (Duque de Boêmio), ajoelhado perto da avó Lumidla, 1931. À esquerda: Medéia, 1898. © Mucha Trust 2018.
Quando Mucha chegou a Paris no outono de 1887, a cidade era a capital europeia das artes. Artistas e estudantes vinham de todo o mundo e se reuniam em comunidades. Mucha não foi exceção: ele rapidamente criou um clube de estudantes eslavos, o Lada, e mais tarde se juntou à comunidade tcheca, a Beseda, da qual ele foi o presidente. Em Paris, apoiado pelo conde Eduard Khuen Belasi, Mucha estudou por dois anos. No início de 1889, o conde parou de pagar seu estipêndio e Mucha, forçado a trabalhar para atender às suas necessidades, passou a fazer ilustrações de livros e revistas para editoras em Paris e Praga. Durante esses anos difíceis, morava na rua Grande-Chaumière, onde se tornou da , um local de encontro conhecido de artistas em dificuldade, onde ele travaria amizades com artistas como Paul Gauguin e o escritor sueco August Strindberg. Mas em um dia do ano de 1895, começaram a ser colados nas paredes da cidade seus primeiros cartazes para Sarah Bernhardt, mudando radicalmente sua vida. 54 ALPHONSE MUCHA
UM INVENTOR POPULARES
DE
IMAGENS
“Eu prefiro ser um ilustrador popular do que um defensor da arte pela arte”. Alphonse Mucha Na década de 1890, o comércio ocupava em Paris um lugar central na cultura visual. Com o desenvolvimento da litografia colorida e a crescente demanda por publicidade no contexto extravagante da , os artistas têm ampla oportunidade de explorar essa nova forma de expressão artística. Os painéis da cidade se tornam "galerias ao ar livre" e o primeiro pôster de Sarah Bernhardt, revolucionário em formato, composição e cores pastéis, traz "um sopro de ar fresco" à cena artística parisiense. Com este sucesso, Mucha lança-se na criação de campanhas publicitárias encomendadas por gráficas. Em 1896, ele assinou um contrato exclusivo com a gráfica parisiense F. Champenois, que lhe garantiu um salário mensal e segurança financeira. Seu trabalho não se limita a campanhas publicitárias, mas também inclui a criação de painéis decorativos, ou seja, cartazes sem texto projetados para decoração de interiores, uma nova forma de arte acessível ao público em geral. Nos anos que se seguiram, suas criações circularam pela Europa e o “estilo Mucha” tornou-se sinônimo da então emergente Art Nouveau.
Esses anos foram marcados por uma intensa atividade criativa e pela inovação.
MUCHA, O COSMOPOLITA "Minha arte, se é que posso chamar assim, cristalizou. Ela estava em voga. Ela se espalhou em fábricas e oficinas sob o nome de "estilo Mucha". Alphonse Mucha Em 1900, Mucha era o ilustrador mais procurado e copiado de Paris e um mestre do cartaz reconhecido em toda 56 CAPA
Europa. Dada sua posição de destaque no cenário artístico internacional, foi chamado a participar em vários projetos relacionados à Feira Mundial de Paris de 1900, o "maior evento do século". Em particular, decorou a bandeira da Bósnia e Herzegovina, uma região eslava anexada à ÁustriaHungria desde 1878. Para o Império
Minha arte, se é que posso chamar assim, cristalizou.
Austro-Húngaro que a comandava, esta bandeira representava uma verdadeira aposta política. Após a Exposição, Mucha foi nomeado membro da Ordem de Francisco José I pelos serviços prestados ao Império. Este episódio, no entanto, o colocou em uma situação paradoxal e desconfortável em relação às suas próprias convicções, já que ele se viu trabalhando para o Império, um opressor dos eslavos. Essa experiência inspirou-o na ideia de um épico que retrataria as alegrias e tristezas de todos os povos eslavos, destacando os laços que os unem e sua luta comum contra a opressão.
À direita: Embalagem para " Sabão Mucha violeta", 1906 À direita: Caixa para bolachas de baunilha Lefèvre-Utile, c. 1900. © Mucha Trust 2018.
Salon des Cent: exposição do trabalho de Mucha, 1897.
O pescador, tríptico (painel central) e (painel da direita), 2005. © Copyright Paula Rego. Cortesia Marlborough Fine Art.
O Zodíaco, 1896. © Mucha Trust 2018.
Abaixo: Zênite, 1985 (Colaboração com Jean-Michel Basquiat) À direita: A última ceia, 1986.
Estudo para o Epopeia Eslava (ciclo 6): Coroação do czar sérvio Stepan Dusan como imperador romano do Oriente, c. 1923.24.
De 1904 a 1909, Mucha viajou para os Estados Unidos cinco vezes, na esperança de levantar os fundos necessários para este projeto, que se tornaria . Ele alcançou seu objetivo em 1909, quando o industrial de Chicago Charles Richard Crane concordou em financiá-lo. MUCHA, O MÍSTICO "A arte é a expressão de sentimentos [...] interiores de uma necessidade espiritual” Alphonse Mucha 60 ALPHONSE MUCHA
A arte é a expressão de sentimentos… interiores de uma necessidade espitirual.
Natal na América, 1919. © Mucha Trust 2018.
No final do outono de 1894, Mucha conheceu August Strindberg, autor sueco, amigo de Gauguin e recém-chegado à colônia boêmia de Madame Charlotte. Místico, Strindberg era profundamente interessado em ocultismo e teosofia. Logo, Mucha passou a ter discussões filosóficas regulares com ele, e essa amizade incutiu nele a ideia de que "forças misteriosas" guiam a vida de cada um. Em seu trabalho, as figuras enigmáticas que aparecem por trás da tema principal fluiam da crença em "poderes invisíveis" que ele desenvolveria mais tarde. Em 25 de janeiro de 1898, Mucha entrou para uma loja maçônica do Grande Oriente da França, a mais antiga e importante obediência maçônica da Europa continental, que defendia "o aperfeiçoamento da humanidade" e a "consciência da liberdade". Mucha via a Maçonaria como uma extensão do seu espiritualismo. Sua jornada espiritual o levou a praticar três virtudes - Beleza, Verdade e Amor - os "pilares" da condição humana. Ele achava que, ao difundir essa mensagem através de sua arte, contribuia para o progresso da humanidade. Mucha continuou
a prática da maçonaria durante toda a sua vida. Após a criação da Tchecoslováquia em 1918, ele desempenhou um papel importante na restauração da Maçonaria Tcheca, proibida sob os Habsburgos desde 1794. Em 1923, ele se tornou o segundo Soberano Grande Comandante da Maçonaria Tcheca e criou muitos projetos para lojas maçônicas, incluindo jóias, cartas e copos cerimoniais. MUCHA, O PATRIOTA
Estudo para a mulher no deserto, c.1923.
“A missão da arte é expressar os valores estéticos de cada nação de acordo com a beleza de sua alma. A missão do artista é ensinar as pessoas a amar essa beleza”. Alphonse Mucha
62 CAPA
Em 1910, Mucha retornou à sua terra natal para cumprir sua ambição de longa data: colocar sua arte a serviço de seu país e de seus compatriotas, em especial pela criação da . Tendo assegurado o patrocínio de Charles Richard Crane, ele perseguiu esse objetivo com energia e determinação. Em 1911, depois de completar a decoração do Salão do Prefeito de Praga, ele se mudou para o Castelo de Zbiroh, na Boêmia Ocidental, para se concentrar em seu projeto. , cuja ideia se originou em Paris, almejava um apelo único e brilhante, concebida para inspirar todos os eslavos e guiar seu futuro, inspirando-os a aprender com sua história. Para isso, Mucha escolheu
A luz da esperança, 1933. © Mucha Trust 2018
vinte grandes episódios que marcaram este povo do ponto de vista político e religioso, filosófico e cultural. Dez cenas são tiradas da história tcheca e dez do passado de outras nações eslavas. Para este ambicioso projeto, Mucha realizou uma enorme quantidade de trabalho preparatório, consultando especialistas da história eslava e viajando para pesquisar, desenhar, fotografar e estudar costumes e tradições locais da Croácia, Sérvia, Bulgária, Montenegro, Polônia, Rússia e Grécia. ARTISTA E FILÓSOFO “O objetivo do meu trabalho nunca foi destruir, mas construir, conectar, porque todos devemos esperar que os homens se aproximem, e será mais fácil para eles se entenderem melhor”. Alphonse Mucha Mucha estava convencido de que a arte, por seu poder de inspiração, poderia ajudar os eslavos e outras nações a se unirem na direção do progresso da humanidade. Para ele, a arte, ao usar suas ideias filosóficas, poderia unir as pessoas e manter a paz. No entanto, a paz na Europa seria de curta duração. O Tratado de Versalhes não resolveu satisfatoriamente as questões territoriais entre as nações eslavas recém-independentes. Em 1933, Adolf Hitler tornou-se chanceler da Alemanha. Em 1938, dez anos após a doação da para a cidade de Praga, a Tchecoslováquia perdeu importantes regiões fronteiriças para a Alemanha, Polônia e Hungria. Em 15 de março de 1939, as tropas alemãs entraram em Praga. A terra natal de Mucha perdeu a sua 63
Auto-retrato em camisa russa (roubachka) na oficina na rua Grande Chaumière, Paris, 1882. © Mucha Trust 2018.
independência, apenas vinte anos após tê-la obtido. Relatado nos registros da Gestapo como "perigoso pintor patriótico" e maçom, Mucha foi uma das primeiras pessoas a ser presa pela Gestapo. Desencorajado e sofrendo de pneumonia, ele morreu em Praga em 14 de julho de 1939, 10 dias antes de completar 79 anos. O lado filósofo de Mucha é representado em trabalhos em que expressa suas preocupações humanitárias e reage às ameaças de uma guerra iminente em um mundo em rápida mutação. Seu projeto final, iniciado em 1936 - um tríptico 64 ALPHONSE MUCHA
representando a “Era da Razão, a Era da Sabedoria e a Era do Amor”-, é um monumento dedicado a toda a humanidade.
Tomoko Sato é curadora da Fundação Mucha desde 2007 e curou as mostras Mucha: Uma Visão do Artista (Japão 2013-14) e Mucha: Em Busca da Beleza (Reino Unido, 2015-17).
Alphonse Mucha • Musée du Luxembourg • Paris • 12/9/2018 a 27/01/2019
Estudo para o 6ยบ Festival Sokol, 1911.
MARCEL DIOGO POR THIAGO FERNANDES A escolha dos leitores da Dasartes para o concurso Garimpo Online 2018/2019 é Marcel Diogo, somando a votação no site e na página do Facebook. Marcel é de Belo Horizonte, graduado em Pintura (2006) e Licenciatura (2009) pela Escola de Belas Artes da UFMG. Seu trabalho é 66 GARIMPO
atravessado por questões políticas e pela relação entre indivíduo e imagem. A série de pinturas é constituída a partir de fotografias ordinárias, derivadas de falhas casuais. O erro fotográfico, que é cada vez menos comum na era da fotografia digital, é explorado pelo artista como
Seu trabalho é atravessado por questões políticas e pela relação entre indivíduo e imagem.
À esquerda: Aqui tudo parece que é ainda paraíso e já é inferno. Acima: Série Falhas expostas, 2013.
elemento de estudo. A hierarquia contemporânea das imagens é determinada por características como alta definição e qualidade mimética, como afirma a artista e escritora alemã Hito Steyerl no texto Em defesa da imagem ruim - ou "imagem pobre", na tradução literal do inglês. Segundo Steyerl, imagens que colocam em xeque o fetiche da resolução não possuem valor na atual "sociedade de classe das imagens". Mas é justamente essa "imagem pobre" que interessa a Marcel Diogo. Enquanto novas câmeras apresentam uma série de dispositivos homogeneizadores, que corrigem automaticamente falhas e imperfeições, o artista assume o risco do ato fotográfico característico da era analógica, e dessa maneira evidencia o potencial poético daquilo que é considerado feio, marginal, por meio de sua pintura que mimetiza tais "erros". O viés político é enfatizado em trabalhos como a série de pinturas , cujo título parodia uma famosa frase do antropólogo Claude Lévi-Strauss, que diz "aqui, tudo parece que é ainda construção e já é ruína". As pinturas representam veículos incendiados, em referência às manifestações políticas realizadas em grandes centros urbanos desde 2013. Assim como o Lévi-Strauss, que na frase mencionada se refere ao Brasil, apresentando uma análise pessimista sobre o país, Marcel coloca em questão o projeto de Brasil que se busca construir e evidencia o quanto há de infernal nesse paraíso idealizado.
68 MARCEL DIOGO
À esquerda: Três modos de estender a mão, 2017. Acima: Cova para um, 2016.
, trabalho desenvolvido durante uma residência artística na Patagônia Argentina, traz novamente o teor político ao propor uma reflexão sobre os desaparecidos durante a ditadura argentina. Em diálogo com os projetos da Land Art - caracterizada por intervenções em paisagens remotas - o artista cavou 300 covas no deserto da Patagônia que, além de simbolizar sepulcros individuais em memória de cada desaparecido, também representam 1% do total estimado de desaparecidos na Argentina (30.000 pessoas). Marcel Diogo carrega em seus trabalhos a ideia da perda, que evoca o espírito de uma geração que convive
com tantas derrotas. Seja na busca por imagens que resultam do fracasso, no espectro de um país infernal que se sonha paradisíaco ou na construção de um cemitério sem mortos, à espera de corpos que nunca chegarão. O artista nos convida a perceber o que o ato construtivo da arte pode extrair dessas ausências e falhas.
Thiago Fernandes é Crítico e historiador da arte. Mestrando em Artes Visuais pela UFRJ.
RESENHAS exposições
Ultramar • Até 26/01/2019 Intempéries permanentes • Até 23/2/2019 Referência Galeria • Brasília • POR LAÍSE FRASÃO
A Referência Galeria de Arte que, em 1995, deu início a suas atividades com uma exposição individual de Amilcar de Castro, nesses seus 23 anos de atuação, vem destacando-se pela sua ininterrupta contribuição ao cenário artístico para além dos limites da capital federal. Seu diversificado acervo sinaliza, analogamente, o processo de conurbação promovido entre as tessituras artísticas local, regional (centro-oeste) e nacional. Conurbação esta que também se apresenta na conexão temática e, sobretudo, cromática das exposições e , que encerram o ano da galeria. A primeira, uma individual do artista Matias Mesquita, indicado ao Prêmio Pipa 2016, com curadoria de Cinara Barbosa, transita entre a sublimação simbólica e a materialidade da construção da paisagem, ladeando fronteiras escultóricas espaciais, por meio da "expertise da pintura sobre materiais diversos [suportes também estruturais construtivos]" - aspecto 70
Abaixo: Obra de Tyna Adebowale. À esquerda: Obra de Riet Wijnen.
Matias Mesquita, Estabilidade Falida.
destacado pela curadora. Assim, porosas placas de barro, concreto e cimento fundem-se à permeabilidade das nuvens e folhas de árvores retratadas. Já o peso visual dos blocos e tijolos cerâmicos e de concreto contrastam com a leveza das caixas de ferro e alumínio. Os trechos de horizontes retratados tendem a imensidão independentemente dos seus suportes estarem apoiados diretamente no chão ou suspensos nas alvenarias. Em especial, as obras (2018) e (2018) estabelecem entre si um diálogo pendular que, estilhaçando
diretamente as ideias de densidade e racionalidade vinculadas à solidez dos volumes e operando com indícios de nossa frágil e contraditória realidade urbana, parecem sinalizar possíveis novos apontamentos da pesquisa do artista. Já a segunda exposição, cujo título remete à cor azul ultramar, é resultado da produção dos artistas visuais Adriana Rocha, Ana Michaelis, Celso Orsini, Cris Rocha, Patricia Furlong e Reynaldo Candia, que compõem a formação atual do grupo , criado em 2004. Vale frisar que a palavra grupo, aqui, propositalmente, diferencia-se do termo coletivo, na medida em que demarca algo que vai além de um conjunto de profissionais envolvidos em um fazer artístico comum e/ou homogêneo: sinaliza um compartilhamento de produções múltiplas pautado no debate e ressignificação de ideias e poéticas contemporâneas. No caso da exposição em pauta, as obras são conectadas por meio de aproximações cromáticas, embora as composições pictóricas tenham concepções formais diferenciadas. "Ainda que não exista a interferência de um artista sobre a obra de outro, esta é uma linha que costura a organização da exposição. É uma cor [azul] recorrente em nossas obras, mesmo quando estão sob camadas de veladuras ou são apenas fios", afirma Adriana Rocha. Dessa maneira, as duas exposições têm mais em comum do que só a pintura como linguagem predominante. Por conurbação, o mar de
Obra de Celso Orsini.
intempéries permanentes que engloba o azul celeste é permeado e permeia o azul ultramar, em suas nuances nada permanentes. E essa imensidão azulada é inundada por fúlgidos tons terrosos que emergem, de maneira marcante, ora nos suportes e elementos compositivos de Matias; ora nos alaranjados (de Celso Orsini e Cris Rocha) e avermelhados (de Adriana Rocha e Reynaldo Candia).
Laíse Frasão é arquiteta e urbanista e graduanda do curso Teoria Crítica e História da Arte pela Universidade de Brasília (UnB).
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RESENHAS exposições Vista da exposição. Foto: Eduardo Ortega.
Sonia Gomes: Ainda assim me levanto MASP • São Paulo • 14/11/2018 a 10/3/2019 POR MICHELE BETE PETRY Janelas expostas, sem cortinas, no subsolo do Masp e no alto da Casa de Vidro, como queriam Sonia Gomes (1948) e Lina Bo Bardi (1914-1992). Duas artistas de origens diferentes, uma europeia e outra latino-americana, porém, ambas ligadas ao universo da cultura popular brasileira. As artes de fazer do povo são valorizadas nesses espaços que convidam Sonia Gomes a expor e a criar com eles. Suas obras , com e sem títulos da série e outras "costuras, amarrações, tecidos e rendas diversos sobre arame e madeira" (2018) são elaboradas a partir de uma estreita relação com a arquitetura do local: instalações que se fundem com a terra, no emaranhado de tecidos e troncos, também se impõem no concreto do edifício e no mobiliário que o habita. São como fragmentos de corpos em um balé, cristalizando posições. Lembram Pina Bausch e Niki 72
de Saint Phalle, mas também algo de Klimt. Esparramam-se, contorcem, lançam, agitam, tencionam, resistem e prendem nos movimentos uma verborragia visual que quase explode, contida pelo fechamento das formas no interior da sua plasticidade. Contudo, funcionando como cavaletes de vidro, as obras de Lina, o Museu de Arte (1947) e a Casa de Vidro (1951), permitem a Sonia romper com os limites dessa materialidade, alastrando a completude dos gestos de modo integral para o exterior.
À esquerda: Exposição, 1961. Abaixo: Desenho com autorretrato, 2001. Fotos: Acervo Millôr Fernandes / Instituto Moreira Salles
Crescem com a arquitetura, do subsolo para os pavimentos superiores, das salas para os jardins. Os cavaletes de vidro pensados por Lina para a visibilidade das obras também se encrustam na cidade com a intervenção de Sonia Gomes. Há, portanto, um duplo movimento da exposição , com a curadoria de Amanda Carneiro, promovida em torno do ciclo temático “Histórias e narrativas Afro-atlânticas”, no museu. Por um lado, os cristais de Lina transluzem a potência da obra de Gomes; por outro, a obra de Sonia desvela o silenciado. Esse fazer artístico conjunto torna a série de obras absolutamente inédita na medida em que apresenta uma narrativa sobre
violência (a forma fechada de Sonia) e visibilidade (a forma aberta de Lina). Lembra, ainda, o trabalho de outras artistas mulheres, notadamente, o de Rosana Paulino e o de Guerrilla Girls. Sob o número 222, uma obra de Sonia aparece no último corredor do Acervo em Transfor-mação do Masp, ao lado de (2017), de Guerrilla Girls, respondendo e, ao mesmo tempo, devolvendo a pergunta sobre a presença de artistas mulheres em exposição.
Michele Bete Petry é historiadora, doutora em Educação pela UFSC e realiza pesquisas na área de artes visuais
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LIVROS lançamentos
Library of love Textos de Paola Fabres, Steven Matjicio e Josué Mattos Ateliê Fidalga Mais de 200 artistas foram convidados a escrever um livro / objeto que reflete a qualidade e a complexidade do amor em suas diversas formas, desde uma abordagem familiar, romântica e de relações humanas às expressadas na/da natureza, animais e nações. Como objetos a serem tocados e histórias para compartilhar, para a artista Sandra Cinto a biblioteca tem o objetivo de ampliar, do português, o significado de contemplação, transcender de uma meditação solitária para oferecer uma experiência compartilhada onde damos e presenteamos uns aos outros. Ao refletir sobre aquilo que nos torna fundamentalmente humanos, ela oferece um remédio implícito para as políticas e ideologias que se dividem.
Ana Rovati: Offline Fotos: Ana Rovati. Textos: Luísa Kiefer e Taís Cardoso Atelier das Pedras De dezembro de 2015 a dezembro de 2016, Ana Rovati se lançou em uma provocação artística que transformaria radicalmente suas dinâmicas (externas e internas), impactando rotinas, relacionamentos, questões econômicas, formas de pensar, de sentir e também de agir: ficar um ano sem utilizar a internet para então refletir/criar/gerenciar os impactos que daí surgissem. A publicação é o resultado dessa proposta. Com fotografias e textos, nos convida a uma reflexão profunda sobre como vivemos nossas vidas num fluxo , com demandas ininterruptas.
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COLUNA DO MEIO Quem e onde no meio da arte
Ana Muglia, Analu Nabuco, Valéria Costa Pinto e Lia do Rio
Mônica Mansur, Amador Perez, Lia do Rio e Valéria Costa Pinto
Livro Valéria Costa Pinto Livraria Argumento Rio de Janeiro Valéria e Teresa Salgado
Luiza Interlenghi e Valéria Costa Pinto
Eliane Caruso, Valéria Costa Pinto e Chico Caruso
Fotos: Divulgação
Valéria Costa Pinto e Teresa Miranda
Marcia Cutait, Rubem Robierb, Bianca Cutait e Sam Champion
Bianca Cutait, Mark Miller e Katie Shaw
Inauguração Galeria Fundamental Miami Bianca Cutait e Donal Boyd
Bianca Cutait e Joca Guanaes
Gabriel Wickbold
Claudia Salomao e Bianca Cutait
Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente em seu aplicativo para tablets e celulares e no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.
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