KEITH HARING MAN RAY LUCIO FONTANA OLAFUR ELIASSON TAKESADA MATSUTANI ANAISA FRANCO
DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin REDAÇÃO André Fabro
Lucio Fontana, Spatial Environment in Red Light, 1967. © Fondazione Lucio Fontana, Bilbao.
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Capa e contracapa: Keith Haring, Ignorance = Fear 1989. © Keith Haring Foundation.
TAKESADA MATSUTANI
13 OLAFUR ELIASSON
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6 De Arte a Z 10 Agenda 78 Resenha 82
MAN RAY
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Coluna do meio
KEITH HARING
LUCIO FONTANA
ANAISA FRANCO
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DE ARTE A Z Notas do circuito de arte PRESENTE OU UMA DÁDIVA? O High Museum, de Atlanta, receberá o presente mais significativo da arte europeia a ser doada à instituição desde 1958. A coleção, composta por 24 pinturas impressionistas e pósimpressionistas, contempla artistas como Henri Matisse, Pierre-Auguste Renoir, Claude Monet (foto) e Amedeo Modigliani. A coleção foi doada por Doris e Shouky Shaheen, que moram em Atlanta há mais de 50 anos.
ROUBO NO POMPIDOU
TRIENAL CENSURADA
OBRA DE ARTE VIVA
Na calada da noite
No Japão
No Inhotim das Américas
Um grafite de Banksy, gravado na parte de trás de uma placa de rua fora do Centre Pompidou, foi roubado. A obra apresenta um rato com uma máscara amarrada no focinho segurando um estilete. A peça, instalada em 2018, faz alusão às manifestações contra o presidente Charles de Gaulle e a reformas políticas, no levante de Paris, em 1968.
Doze artistas pediram à Trienal de Aichi que retirem suas obras da mostra até que outros trabalhos censurados sejam restabelecidos. Quando a atual trienal foi aberta, a exposição apresentava obras de arte anteriormente censuradas no Japão. Após três dias, a própria exposição foi censurada depois de protestos oficiais, o que levou 72 artistas a assinarem uma carta exigindo sua reabertura.
O Donum Estate – um vinhedo na Califórnia com uma coleção de esculturas monumentais – lançou ( ), uma obra de arte encomendada do artista Doug Aitken. Imitando um carrilhão de vento, a instalação responde a mudanças no ambiente circundante e cria padrões de som à medida que o vento passa por ela. Segundo o artista: “Uma obra de arte viva e interativa que explora a fluidez do tempo”.
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GIRO NA CENA 21ª BIENAL SESC_VIDEOBRASIL De 9/10/2019 a 2/2/2020 Com mais de 35 anos de história, o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil passa a adotar a partir de agora o nome Bienal, integrando-se ao calendário internacional de Bienais e fortalecendo o seu posicionamento no cenário global de artes visuais. A 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil com o tema será realizada no Sesc 24 de Maio, em São Paulo, reunindo mais de 60 obras, com 55 artistas de 28 países, entre vídeos, pinturas, fotografias e instalações.
Bispo do Rosário e Bourgeois Bispo do Rosário e Louise Bourgeois são celebrados em exposições no museu FAMA. Com curadoria de Ricardo Resende, as mostras individuais reúnem obras dos artistas que marcaram o século 20 e criam um diálogo entre a subjetividade e as matérias-primas que coexistem em suas obras. Fábrica de Arte Marcos Amaro, Itu De 7/9/2019 a 7/9/2020
Para apreciar “Deixe suas queridas mãos repousarem no meu rosto, para que minha carne fique feliz e meu coração se sinta novamente impregnado de seu divino amor.”
Carta de Rodin a Camille Claudel, por volta de 1886. Novo livro, intitulado , reúne 100 manuscritos de alguns dos artistas mais famosos dos últimos 600 anos. Entre eles estão Michelangelo, Warhol, Frida Kahlo e Yayoi Kusama.
Leonilson por Antonio Dias A exposição reúne 38 desenhos e pinturas de Leonilson (1957-1993) pertencentes a seu amigo Antonio Dias (1944-2018), e começou a ser idealizada em outubro de 2015, em Fortaleza, por ocasião da individual de Antonio Dias na Galeria Multiarte. Ele, a mulher Paola Chieregato e Max Perlingeiro iniciaram ali a ideia do projeto. Pinakotheke Cultural Rio de Janeiro De 13/9 a 26/10/2019.
GIRO NA CENA
Prêmio Marcantonio Vilaça Exposição dos 30 finalistas acontece no MAB FAAP com uma proposta curatorial de trazer à luz o protagonismo feminino. Paralelamente, o celebra a obra de Anna Bella Geiger e exibe trabalhos de artistas contemporâneos que dialogam com a temática da iniciativa. Museu de Arte Brasileira – FAAP Até 20/10
TEORIA DA CONSPIRAÇÃO? Especialista em Van Gogh, Martin Bailey detalha dez razões pelas quais a teoria de que Van Gogh foi assassinado — em vez de ter cometido suicídio — é um mito. Ele cita o fato de que o médico do artista, o irmão Theo e amigos (incluindo o artista Paul Gauguin) acreditavam que Van Gogh se matou, assim como a polícia. Ele também observa que Vincent tentou se matar no ano anterior, em 1889, e estava sofrendo um episódio depressivo nos últimos meses de sua vida. Também observa o recente surgimento da arma usada por Van Gogh, vendida em leilão recente, que foi descoberta na superfície de um campo, sugerindo que fora abandonada, não escondida.
Rumos Itaú Cultural reúne um recorte da produção contemplada na última edição do edital de fomento à arte e à cultura no país. Apresenta 17 trabalhos entre os 109 projetos selecionados pelo programa, que seguem o conceito de autopoiese — termo criado pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana, cuja ideia básica é um sistema organizado autossuficiente. Itáu Cultural Até 3/11/2019.
8 DE ARTE A Z
VISTO POR AÍ
MuBE (Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia) apresenta . A exposição reúne trabalhos de 22 artistas, entre desenhos, pinturas, fotografias e instalações que dialogam direta e indiretamente com questões ecológicas. Também abrirá espaço para que organizações socioambientais apresentem suas ideias e ações. Até 3/11.
ARTRIO Obra de Tinho, da série Sete Mares, na Galeria Movimento.
Este ano, a nona edição da Feira de Arte do Rio de Janeiro - ArtRio continua com sua programação apresentando o programa PANORAMA que reúne as galerias já estabelecidas no circuito internacional de arte como Galeria Estação, Pinakotheke Cultural, Simões de Assis e Galeria Movimento. Galerias jovens apresentam projetos com uma curadoria experimental concebidos especialmente para a feira no VISTA como Verve Galeria e Soma Galeria. Já o SOLO trará projetos expositivos 10 AGENDA
especiais com um recorte das coleções de Sandra Hegedus como A Gentil Carioca com o artista Maxwell Alexandre - garimpo da edição 74 da Dasartes. A feira ainda promove a sétima edição do Prêmio FOCO ArtRio, que tem como objetivo descobrir, fomentar e difundir a produção de artistas visuais com até 15 anos de carreira.
Feira de Arte do Rio de Janeiro ArtRio • Marina da Glória • 18 a 22/9/2019
TAKESADA MATSUTANI
RETROSPECTIVA NO CENTRE POMPIDOU RESGATA A OBRA DE TAKESADA MATSUTANI. O ARTISTA JAPONÊS POSSUI UMA JORNADA RICA E ORIGINAL, INICIANDO COM A PINTURA TRADICIONAL DE E EVOLUINDO PARA SURREALISMO, ABSTRAÇÃO ATÉ O SEU PERÍODO GUTAÏ
POR REDAÇÃO Cobrindo 60 anos da carreira de Takesada Matsutani (1937, Osaka, Japão), mostra no Centre Pompidou é a primeira retrospectiva na França da obra do multifacetado artista japonês, que vive e trabalha em Paris desde 1966. A retrospectiva permite traçar de forma ampla uma rota rica e original, começando a partir de um primeiro período que mistura, no final do ano de 1950, a pintura tradicional com uma “veia” surrealista, para evoluir em direção a uma abstração informal e posteriormente para Gutai, no início do ano 1960. O fascínio de Matsutani pela matéria orgânica e sua propagação, já sensível de seu período Gutai, bem como a relação do artista com o espaço e o tempo, marcado pela cultura do budismo, levou-o, em seguida, nos anos 1970, a uma e, em seguida, a um trabalho muito aventura em telas com toques pessoal. Em 1963, com 26 anos, Matsutani é aceito no grupo Gutai (nome que evoca a relação concreta do artista com o material) por seu fundador Jiro Yoshihara (1905-1972). Suas telas abstratas de superfícies cobertas com bolhas abertas, obtidas a partir de um método de sua invenção utilizando cola vinílica, seduziu Yoshihara por sua novidade. O crítico Michel Tapie, promotor da arte informal no Japão no final dos anos 1950, também saudou a entrada de Matsutani em Gutai. Assim começava um diálogo com a matéria orgânica, base da obra que , na década de 1960. estaria por vir, e que Matsutani batizou como À esquerda: Circle Yellow-19, 2019. Foto © Marc Domage. DO MUNDO 13
Resistance (Pressure), 1958. Foto © Kaoru Minamino © Takesada Matsutani
A vida e sua expansão fascinaram fortemente esse artista, que sofreu durante sua adolescência de tuberculose. Ter observado células no microscópio pela primeira vez reforçou esse interesse, assim como as obras abstratas de Kandinsky. Em 1966, por ganhar o primeiro prêmio de um concurso artístico franco- japonês, ele pôde se beneficiar de uma estada de seis meses na França, onde finalmente decidiu se instalar. De 1967 a 1971, ele se dedicou à gravura no Atelier 17, de Stanley William Hayter, de quem ele se tornou assistente. Descobriu também a serigrafia e se comprometeu com um novo estilo próximo americano. Mas, para ele, as do noções de propagação, incluindo o desenvolvimento nas três dimensões, predominaram sempre, sem uma verdadeira influência das teorias americanas. Na França, Matsutani reconsiderou, por meio de várias leituras, sua reflexão espiritual, marcada pelo xintoísmo e o budismo, que foram a base de sua infância. Dessa forma, ele evoluiu para um estilo cada vez mais pessoal, onde a experiência do material orgânico se misturava com um trabalho sobre o conceito de espaço-tempo. 14 TAKESADA MATSUTANI
A partir de 1977, ele começou a série ou , onde se concentrou no uso do papel, do grafite e da tinta sumi. Essas obras, feitas em longas tiras de papel com quase dez metros de comprimento, tornaram visível o gesto paciente do artista, a sucessão de traços de grafite, o tempo necessário para se concluir a obra, assim como o momento final em que a tinta flui pela ação de Matsutani. Tendo redescoberto seu velho material “fetiche”, a cola vinílica, ele a integrou ao longo dos anos 1980 aos 16 DO MUNDO
para criar superfícies curvas na tela ou no papel. Matsutani desenvolveu mais com amplamente o trabalho instalações cada vez mais imponentes, muitas vezes ativadas durante performances (aplicação de tinta sobre tela ou pedra). A partir de 2015, a cor começou a desempenhar um papel significativo no trabalho de Matsutani, com formatos incomuns e circulares de cores brilhantes, amarelas, azuis e verdes.
Acima: Stream-10, 1984-2015. Foto: Alex Delfanne. Abaixo: Superposition 92-2, 1992. Š Takesada Matsutani.
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Stream-87-P, 1987. Foto: Patrick Rimond.
Um dos poucos artistas japoneses que construiu a maior parte de sua carreira na França, Matsutani recebeu uma homenagem merecida e tardia por sua aventura artística excepcional que o levou através de uma experimentação constante com a matéria orgânica conectada ao espiritual, em direção à busca de sua “imagem interior”.
Takesada Matsutani • Centre Pompidou • França • 26/6 a 23/9/2019 18
Din blinde passager, 2010. Foto: Anders Sune Berg.
OLAFUR ELIASSON
Beauty, 1993.
OLAFUR ELIASSON INCORPORA UMA DIMENSÃO SOCIAL EM SEU TRABALHO, COM DEMANDAS FREQUENTES DE PARTICIPAÇÃO ATIVA , NO TATE DO PÚBLICO, DENTRO E FORA DA EXPOSIÇÃO. MODERN, OFERECE A SEUS VISITANTES UMA OPORTUNIDADE ÚNICA DE MERGULHAR NO UNIVERSO DESTE ARTISTA DE CURIOSIDADE SEM LIMITES
POR MARK GODFREY
O artista dinamarquês-islandês Olafur Eliasson, nascido em 1967, criou um amplo corpo de trabalhos que inclui instalações, esculturas, fotografias e pinturas. Os materiais que ele usa variam de musgo, água glacial derretida e nevoeiro, para metais leves e refletivos. A arte de Eliasson vem de três interesses importantes: sua 22 ALTO RELEVO
preocupação com a natureza, aperfeiçoada durante o tempo que passou na Islândia; sua pesquisa em geometria, e suas investigações em como nós percebemos, sentimos e moldamos o mundo ao nosso redor. Eliasson coloca a experiência no centro de sua arte. Ele espera que, quando você se deparar com ela, você se torne
mais consciente de seus sentidos. Que acrescente significado às obras, como você faz suas associações e memórias para essas experiências. Você pode também se tornar mais consciente das pessoas ao seu redor, com quem você forma uma comunidade temporária. Para Eliasson, essa consciência aumentada de si e de outras pessoas cria um novo senso de responsabilidade. Em última análise, ele acredita que a arte pode ter um forte impacto sobre o mundo do lado de fora do museu. Ele comanda um estúdio em Berlim com cerca de 100 artesãos, técnicos, arquitetos, arquivistas, historiadores de arte, , cineastas, cozinheiros e administradores. Exposições e comissões ocorrem em todo o mundo. Eliasson e , sua equipe de estúdio colaboram com arquitetos, formuladores políticos, ativistas, músicos e coreógrafos. Com o desenvolvimento de seu interesse na luz e no ambiente, Eliasson cria projetos abordando a energia sustentável e a emergência climática. PRIMEIRAS OBRAS (1990), (1991) e (1991) foram feitas enquanto Eliasson ainda estava na escola de arte. Elas usam diferentes tipos de luz para alterar a experiência do espaço e da arquitetura. Assim como muitas das obras de Eliasson dessa época, o mecanismo é muito simples e nunca oculto da vista.
Glacial spherical flare, 2019. Foto: Anders Sune Berg.
Eliasson há muito tempo se interessa pela natureza e pelo clima. Desde o início, conecta suas experiências da paisagem islandesa para a prática de fazer escultura. Alguns trabalhos como (1995) replicam fenômenos naturais. Outros trabalhos, como ( , 1999), recriam os efeitos das condições climáticas. Em (1994), criada a partir do líquen de renas escandinavas, Eliasson acrescenta um inesperado material do ar livre para o controlado espaço interior do museu. O aroma e a textura do trabalho afetam os sentidos também. Esses interesses em iluminação, natureza e percepção também o levaram ao início (1993) e de instalações, tais como , (1994). CALEIDOSCÓPIO Eliasson faz caleidoscópios desde os meados dos anos 1990. Para ele, o caleidoscópio oferece mais do que apenas uma experiência visual divertida. Várias reflexões fraturam e reconfiguram o que vemos. Você tem oferecido diferentes perspectivas de uma vez, e compreende sua posição em novas formas. Você pode partir do sentido de estar no comando de espaço, e, em vez disso, desfrutar de um 25
Relógio de Gelo, 2018. Foto: Charlie Forgham Bailey. © 2018 Olafur Eliasson and Minik Rosing.
tipo de incerteza. Eliasson muitas vezes usa o caleidoscópio para trazer o espaço dentro e fora de uma exposição em conjunto. O aparecimento de ambas as mudanças, como o limite entre a galeria e o mundo exterior, é dissolvido. Eliasson tem feito uma série de esferas suspensas. Cada uma delas é estruturada por um princípio geométrico complexo, mas regular. O artista está particularmente interessado nos espirais, pois eles criam um senso de energia tanto dentro do objeto quanto fora dele, através do jogo de sombras e luzes que ele cria. OBRAS GLACIAIS Eliasson costuma usar gelo glacial em seu trabalho. Às vezes, o gelo é destinado como um chamado para a ação contra a emergência climática. O aumento das temperaturas mundiais têm causado à Groelândia a perda de 200-300 bilhões de toneladas de manta de gelo glacial a cada ano, uma taxa que tende a aumentar drasticamente. , que foi encenado na frente do Tate Modern, em 2018, é uma instalação de blocos de gelo retirados da água da costa da Groelândia. Isso oferece uma direta e tangível experiência 26 OLAFUR ELIASSON
Big Bang Fountain, 2014. Foto: Anders Sune Berg. © 2014 Olafur Eliasson.
O gelo é destinado como uma chamada para a ação contra a emergência climática.
da realidade do derretimento do gelo ártico. Outras obras são mais abstratas referentes à mudança do ambiente. Nas (2018), pedaços de gelo glacial foram colocados sobre lavagens de pigmento colorido. Isso cria ondas e desbotamento da cor enquanto derrete sobre o papel embaixo. Em (2019), um bronze fundido torna visível o vazio espaço deixado por um bloco de gelo glacial que derreteu. (2019) é construído com vidro feito de pequenas partículas de rocha criadas pela erosão glacial.
Your spiral view, 2002. © 2002 Olafur Eliasson.
Your uncertain shadow (colour), 2010. © 2010 Olafur Eliasson
FOTOGRAFIAS E PINTURAS Eliasson visitava a Islândia regularmente em sua infância e ainda tem uma forte conexão com a paisagem do país. Ao longo dos anos, tem criado uma série fotográfica que documenta o país. Descreve a Islândia como um lugar que ele precisa para se envolver com fisicamente – como escalar, caminhar, nadar ou mesmo fazer . Ele tirou as fotografias (2000) de uma jangada, uma vez que foi varrido rio abaixo. Esse tempo na Islândia significa que Eliasson tem testemunhado em primeira mão como o aquecimento global está causando o derretimento das geleiras, despertando seu interesse em como os artistas têm capturado a luz em toda a história. Em (2019), Eliasson analisa as paletas de cores de duas pinturas do artista alemão Caspar David Friedrich (1774-1840) que retratam a vastidão da natureza: (1808-1810) e (1822). Cada pintura foi abstraída em todas as cores que ela contém. Elas foram então distribuídas proporcionalmente em torno de cada tela para formar uma roda de cores alternativa. (1995) é um exemplo do seu interesse em cor, arquitetura e percepção.
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La Vista, 1997-2017. Foto: Kasegawa In real life,Kenta. 2019. Foto: Anders Sune Berg.
Room for one colour, 1997. Foto: Anders Sune Berg.
LUZ VERDE – UMA OFICINA ARTÍSTICA Em resposta para a chegada de mais de um milhão de refugiados na Europa em 2015, Eliasson desenvolveu – em colaboração com Thyssen-Bornemisza Art Contemporary, em Viena (2016). Os refugiados vieram da Síria, outros países do Oriente Médio, e norte da África. Os participantes foram convidados a construir luzes empilháveis geométricas feitas de madeira, reciclados de plástico, conectores e LEDs verdes e participarem de um programa de seminários, exposições e . palestras chamado Segundo a lei austríaca, os requerentes de asilo não podiam ser pagos. Eles participaram como voluntários e foram oferecidas 32
refeições, aulas de língua e outros cursos. Fundos levantados pela venda das luzes foi para organizações de conselho para migrantes. Os refugiados compartilharam histórias uns com os outros, enquanto os residentes vienenses podiam conhecer os recém-chegados e construir as luzes juntos.
Mark Godfrey é Curador Senior de Arte Internacional no Tate Modern.
Olafur Eliasson: In Real Life • Tate Modern • Londres • 11/7/2019 a 5/01/2020
M
R
Cabelo comprido, 1929.
FLASHBACK 35
Os dedos de amor de Main Ray (sic), a linha, a cor, a forma, o espaรงo, o ar], 1959.
, APRESENTADA PELA PRIMEIRA VEZ RETROSPECTIVA NO BRASIL, ABRANGE A IMENSA E MULTIFORME OBRA DESTE SINGULAR ARTISTA CONHECIDO PRINCIPALMENTE POR SUA FOTOGRAFIA, MAS TAMBÉM CRIADOR DE OBJETOS, REALIZADOR DE FILMES E FAZ-TUDO GENIAL. MAN RAY CHEGA A PARIS EM 1921 E FOI NESSA CIDADE QUE SUA ARTE ORIGINAL SE DESENVOLVEU E MAIS REPERCUTIU
POR RODRIGO QOHEN
OLHOS RADIANTES E CABEÇA DE LANTERNA MÁGICA O início do século 20 ecoava velozes transformações tecnológicas, enquanto o pensamento artístico insurgia no rompimento com o clássico. É filho desta era moderna Emmanuel Radnitsky (1890-1976), cuja família russo-judaica, e amedrontada pelo antissemitismo, segmentou o sobrenome para Ray. A centelha pareceu ajudar o jovem "homem-raio", que resumiu a alcunha para Man. Consoante à moral intransigente, a trajetória inabalável o consolidou como um vem ao Brasil dos mais influentes fotógrafos do último século. pela primeira vez. Nasceu na Filadélfia, conheceu as artes plásticas no colegial e foi iniciado em desenho e pintura. Nos anos dez, Man Ray passou a frequentar galerias de arte em Nova York, assimilou as vanguardas europeias nas primeiras pinturas, enquanto avançava ao lado de explosivos, como Marcel Duchamp e Francis Picabia, provocando o espírito Dadá na "Grande Maçã". Como vermes saindo pela mordida para avisar que comem da polpa. A receptividade, no entanto, era pesticidadá aos provocadores. "Dadá não poderia viver na cidade", escrevia para o romeno Tristan Tzara, impulsor dadaísta na Europa. Pouco depois, embarcou para Paris, efervescente capital da arte, onde os cúmplices estavam instalados. Logo na chegada, década de 1920, montou uma obra icônica. Flanando pelas ruas, viu pela vitrine de uma loja de ferragens o ferro de passar. Uma peça ordinária, praticamente invisível, mas que despertou interesse no artista . A ideia do objeto surrealista desconsidera as qualidades legítimas da coisa e as ressignifica. No caso deste, (" "), o autor destituiu a função desamassadora do ferro, e então uniu o inesperado: uma fileira de tachinhas na base. A ação imaginativa na percepção deste novo objeto propôs um erotismo sádico, de prazer construído no tormento, conforme Man Ray alegava que o
MAN RAY 37
As lágrimas, 1932.
pode rasgar um vestido até as tiras e revelar o corpo enquanto se move sob os rasgos. Man Ray é apresentado aos surrealistas de Paris, que, mesmo antes da publicação do (1924), já mantinham vasto registro de ações, entre exposições, revistas, livros, experiências, descobertas e resgates de precursores esquecidos ou silenciados. O diálogo se estabeleceu espontâneo, conforme a afinidade de ideias e as obras que Man Ray vinha explorando, em pintura, escultura e fotografia, desde os anos Dadá em Nova York. 38 FLASHBACK
Publicou
( , 1922), reverberação de ( , 1920), de André Breton e Philippe Soupault, obra carregada de elementos com "alto grau de absurdidade imediata", conforme Breton, que consolidou nesta as pesquisas com escritura automática. Man Ray percorreu caminhos próximos, mas com suas raiografias (rayographs). A técnica explorada pelo "homem da cabeça de lanterna mágica" (apelido dado por Breton) partiu de objetos colocados sobre uma folha de papel fotossensível dentro do quarto
escuro. Ao acender a luz, a silhueta das peças é marcada e os campos expostos mergulham em profunda escuridão. A imagem surge inesperada a partir da revelação, enquanto os elementos constroem elos na composição e se unem através das sombras brancas fixadas sob os corpos. Onde houve rolo de filme, crianças espontâneas veem figuras do olho: óculos, luneta, binóculo. Na sequência de raiografias da exposição, é apresentado um da série de doze do livro. Um ovo, como o princípio da vida, centraliza a gravidade da leitura e dela parte a espiral com variações de cinza oriunda de tons translúcidos nos itens selecionados. O movimento é circular como em uma concha que se abre para o olho. O ovo é então
pérola, ou ermitão, que brilha aos objetos transmutados nos desenhos que Man Ray traça com reações entre corpos, sombra e luz. Nas raiografias, os objetos são animados com carga alta, cruzando o campo de significação para o sentido. Poderiam bem dividir o espaço sensível das planícies de Yves Tanguy, cujos olhos de mariposa aluada, à vista do excesso em urgência de encanto, é acuradamente capturado pelo fotógrafo. O espírito provocante e indagador de Man Ray se preenche conforme os surrealistas abraçam o maquinário e pedem reproduções de suas obras, além de retratos e registros de ações grupais. Muitas dessas fotografias ilustram revistas, livros e exposições do Movimento e seus indivíduos; assim como outras autorais de M. Ray, estas
Marcel Duchamp, 1922.
Georges Braque, 1922.
Manteve diálogo com os surrealistas, aprofundando-se em questões de comum interesse no erotismo, automatismo, sonhos, o amor, a poesia, a liberdade…
são apresentadas entre inovações na arte moderna. Ainda que "não era um homem de grupos, mas apenas de amizades", segundo o canário Miguel Pérez Corrales, Man Ray manteve diálogo com os surrealistas, aprofundando-se em questões de comum interesse no erotismo, desejo, maravilhoso, automatismo, sonhos, o amor, a poesia, a liberdade e outros rumos comunicantes. Em 1963, comentou que "aceitavam minhas obras, e nunca as rejeitaram". Man Ray comprou a primeira câmera em 1913 para que pudesse fotografar as próprias pinturas, já que ficava insatisfeito com os registros precários e a falta de rigor dos outros fotógrafos. A prática começa secundária, mas sobe em prioridade nos anos parisienses a partir das amizades em círculos artísticos, aristocráticos e intelectuais, onde Man Ray se destacou como retratista de prestigiosos. A alta sociedade quer ter o registro dos enquadros encantados, garantindo o sustento do artista. Além do interesse "comercial", também havia a novidade dessa ferramenta primitiva e ainda pouco explorada. São incontáveis e imprevistas as novas possibilidades. Man Ray então se enlaçou profundamente com a fotografia, mesmo que nunca tivesse parado de pintar, já que sempre frisou que, para certos caminhos de expressão, a tinta era mais proveitosa.
MAN RAY 41
Magnólia, 1926.
No curso das atividades raiográficas, em impulso de capturar as forças ocultas nas formas visíveis, assomou-se o aprimoramento da solarização. Levou negativos para observá-los à luz do dia, pouco se importando se seriam arruinados. Depois, aprendeu a acender a luz no quarto escuro por tempo calculado, e então inverter os valores do negativo para ascender as linhas. Man Ray viu o fenômeno desenhar com a luz os contornos negros sobressaídos na zona neutra entre os claros e escuros, enquanto energizava a áurea dos corpos com calor. Outros fotógrafos consideravam 42 FLASHBACK
esse acaso um acidente e jogavam a película fora, Man Ray o utilizava para experimentar o novo. Ele transcendeu a objetividade fotográfica com abordagem inversa. Como bem delineado por Robert Desnos, "a vida está presente nesses quadros e, no entanto, nada de morte há neles. Há pausa, suspensão tão somente". Em ( , 1942), o corpo de Kiki de Montparnasse se derreteu em contraste com a superfície, como se o sonho se dissolvesse nas sensações físicas do corpo desejante. Man Ray,
Lee Miller, 1929.
como em outros nus, expandiu o volume da carne com a perspectiva faminta. O corpo ganhou potência na suspensão onde fora colocado, enquanto tradicionais sinuosidades sexuais perdiam a importância. Ganhou-se novos contornos eróticos, curvas inesperadas, como a montaria em um rodeio. Como se Man Ray, alquimicamente, devolvesse ao vaso o estado de argila, então moldasse outra vez. Manifestou-se, não o desejo do retratista, mas da retratada. Desejava-se o desejo do outro. Mesmo na moda, onde há limites à audácia, Man Ray não abandonava o tom. Aqui é mais harmonioso nas composições e sutil em distanciações factuais. Ele manteve a elegância, mas abraçou interferências que pudessem elevar a ironia e o absurdo em uma cena que exigia o enquadramento completo, seja do molde ou da modelo. Como ao passar pela cortina de água na entrada de uma caverna oculta. É passagem-paisagem sutil quando o espectador mergulha no mundoespelhado, e logo descobre que também está suspenso nesta mais-realidade. A "inquietante estranheza dum manequim", confunde suas poses como se a boneca fosse mulher viva, em movimento. 43
Autorretrato, c. 1930.
A mostra também dá pistas do processo de enquadramento que Man Ray aplicava. Em algumas fotos, há linhas traçadas a caneta pelo próprio, indicando os pontos de corte e ampliação. É possível perceber como o autor busca a dúvida, ou o mistério, no que enxerga como ordinário. Nos filmes, há mais espaço de tempo para perceber o direcionamento do interesse no artista. As cenas têm tempo para se desenrolarem em delírio e cinesia. ( , 1923), Man Ray desenvolveu de um dia para o outro, a pedido de Tzara para uma apresentação Dadá. Foi ao ateliê, onde vinha experimentando raiografias, pôs o rolo de filme para rodar, salpicou sal, pimenta e papel, como se tivesse em êxtase culinário; cortou, colou, explorou objetos e criou essa narrativa que pode partir de uma nevasca, revelando lírios em um campo de prazer, entre curvas de um corpo feminino que pinicam e giram em caleidoscópio dançante. Pode se servir de prazer a outros públicos, como nas crianças que sentiram seu próprio gozo e decodificaram o excesso de elementos, como um parque de diversões. Há outros filmes, de construções narrativas distintas, mas que mantêm sempre o automatismo na união dos elementos e processo de concepção. São todas improvisações, em que a mensagem é tão perturbadora quanto a proporção de liberdade conferida ao automatismo, e afirma em entrevista o que vale para o todo, que como o próprio "permite que 44 MAN RAY
Retrato de Man Ray e Salvador Dali em Paris. Foto: ©Carl Van Vechten.
as forças subconscientes sejam filtravas através de si, colorido pela sua própria seletividade, que é o desejo humano universal, expondo à luz os motivos e instintos suprimidos". Man Ray ecoa até o presente, como lembrança entrelaçada na memória daqueles que percebem suas obras insólitas. Tal como afirmara nos últimos anos, foi surrealista no sentido mais profundo da palavra, "como definiram aqueles que representaram tão admiravelmente os princípios, incluindo aqueles que fazem do surrealismo um produto de todos os tempos". Segue projetado como raio
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de luz eterno, "inconformado, mas não indiferente", a partir de seu tempo, no curso do porvir.
Rodrigo Qohen é poeta, escritor, pesquisador e jornalista formado pela F. Cásper Líbero. Escreveu seis livros que mesclam poemas e artes visuais publicados pelo coletivo independente Baboon.
Man Ray em Paris • CCBB • São Paulo • 21/8 a 28/10/2019
Keith Haring
Sem tĂtulo, #577 (SĂŠrie Flappers), 2016.
50 CAPA
Crack Down! 1986. © Haring Foundation.
POR DARREN PIH O artista e ativista Keith Haring (1958-1990) surgiu como parte da vibrante cena artística do centro da Nova York dos anos 1980. Ele é reconhecido por seus, enganosamente simples, ícones inspirados em desenhos animados. Comparadas a hieróglifos modernos, suas imagens eram sintomáticas da energia e do espírito da década. Haring combinou ideias e técnicas do grafite e da , e democratizou a arte ao criar colaborativamente murais em espaços públicos. Isso lhe permitiu espalhar suas mensagens artísticas e políticas para vários públicos. Ao longo de sua curta, mas ainda assim, deslumbrante carreira, o trabalho de Haring refletiu um profundo compromisso com a justiça social e o ativismo, principalmente em relação à epidemia de HIV/aids. Para Haring, isso tinha motivações pessoais poderosas, com o vírus afetando muitos de seus amigos artistas e conhecidos, e o próprio artista morrendo de complicações relacionadas à aids em 1990. Haring cresceu dentro de uma família unida em Kutztown, Pensilvânia, desenvolvendo um amor pelo desenho desde menino. Mudou-se para Nova York, em 1978, para começar a estudar na Escola de Artes Visuais (School of Visual Arts – SVA). Instalou-se no então enérgico bairro East Village, no centro da cidade, rapidamente se tornando um dos principais contribuintes para seu cenário cultural diversificado e liberal. Seu trabalho teve influências de várias fontes históricas e teóricas da arte. Isso o levou a conceber sua imagética como uma linguagem visual distinta, projetada para comunicar significados abertos. Inicialmente, ele ganhou notoriedade ao criar milhares de desenhos de giz no metrô de Nova York, recebendo posteriormente um reconhecimento mais amplo por meio de exposições internacionais e colaborações de alto nível. Sua imagética acabou se tornando uma abreviação visual dos Estados Unidos dos anos 1980 para o mundo. O trabalho de Haring forneceu comentários pungentes, explícitos e positivos sobre questões vitais de sua época – HIV/aids, dependência de drogas, racismo, liberdades sexuais e o poder do amor – que permanecem relevantes para o público até hoje.
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Sem título, 1980.
PRIMEIRAS OBRAS Incentivado pelo pai e influenciado por Walt Disney e Dr. Seuss, Haring desenvolveu na infância um amor por desenhar os desenhos animados a que assistia. Sua educação formal começou em 1976, em uma escola de artes gráficas em Pittsburgh. No entanto, desistiu após dois semestres, percebendo que queria se expressar mais livremente do que a arte comercial permitiria. Haring continuou criando e se interessou pelo trabalho de pintores expressionistas de meados do século 20, como Pierre Alechinsky e Jean Dubuffet. No trabalho deles, Haring via como a energia e a espontaneidade da arte infantil poderiam ser aproveitadas nas mãos de um artista maduro. Nesse espírito, convenceu-se de que a arte deveria ser direta e sem preconceitos. Essa atitude aberta pode ser vista nos primeiros trabalhos da SVA de Haring, onde estudou de 1978 a 1980. Ao estudar com artistas como Keith Sonnier e Simone Forti, ele foi exposto a ideias associadas à performance, arte conceitual e videoarte. Foi um período de rápida descoberta artística dentro de uma comunidade artística vibrante e interdisciplinar. Haring escreveu que seu trabalho se tornou mais experimental por meio de sua “associação constante com escritores, dançarinos, atores e músicos”. Haring experimentou o vídeo pela primeira vez, desenvolvendo sua abordagem de “pintura performance”. Também se interessou pela semiótica – o estudo de , justapondo palavras sinais e símbolos – e criou colagens no estilo e imagens fotocopiadas com elementos autobiográficos. Esses foram motivados pelo interesse em fazer um trabalho socialmente ressonante e comunicativo. 52 KEITH HARING
Keith Haring no metrô, (New York), c. 1983. Foto © Muna Tseng Dance Projects, Inc. Art © Keith Haring Foundation.
ARTE PARA AS RUAS Ao chegar a Nova York, Haring imediatamente reconheceu que as ruas da cidade eram espaços legítimos para mostrar arte. O grafite estava por toda parte, e ele admirava as formas estilizadas das letras e as linhas imprecisas pintadas com , comparando-as às feitas por pintores abstratos ou calígrafos tradicionais chineses e japoneses. Ele admirava especialmente o “grafite literário” feito por Jean-Michel Basquiat, com quem Haring fez amizade em 1980. Em 1978, ele criou seus primeiros trabalhos de rua, apresentando pequenos fragmentos de suas pinturas abstratas e colagens feitas usando manchetes de jornais em locais públicos. No entanto, naquele verão, após seus trabalhos experimentais na SVA, Haring voltou a fazer seus desenhos à tinta no estilo . Assim como um grafiteiro, ele os executava rapidamente com linhas instintivas e de fluxo livre. Seu vocabulário visual – um dicionário de imagens – aparentemente chegou totalmente formado. Neste momento, Haring começou seus desenhos no metrô de Nova York, executados aos milhares, com giz sobre os papéis pretos vazios utilizados para cobrir anúncios velhos. Isso deu a Haring uma maneira de trabalhar com os grafiteiros que ele admirava sem copiá-los diretamente. Documentadas pelo artista Tseng Kwong Chi, essas obras não assinadas e a performance pública de produzi-las fizeram de Haring um fenômeno da mídia. Haring fazia seus desenhos no metrô em um ritmo incrível, às vezes criando até quarenta por dia, de 1980 a 1985. À medida que a fama de Haring cresceu, também aumentou o desejo por
Acima: Sem título, 1983. À direita: Sem título, 1982 (Tate Liverpool) © Mark McNulty.
seu trabalho; ele parou de produzir desenhos no metrô quando eles começaram a ser roubados quase tão rapidamente quanto ele podia fazêlos. ATIVISMO As décadas de 1960 e 1970 deram à infância de Haring um histórico de ativismo e mudança sociopolítica. Eventos importantes como o pouso na lua, em 1969, foram televisionados, tornando sua geração conectada aos assuntos globais de uma forma nunca antes vista. Haring também tinha consciência dos movimentos políticos da época: os protestos e manifestações por direitos civis em cidades como Washington e Chicago, bem como os assassinatos de figuras políticas como 54 CAPA
Martin Luther King Jr. e Robert Kennedy, em 1968. Haring sentia que o artista era “um porta-voz de uma sociedade em qualquer ponto da história”, cujo vocabulário visual é determinado por sua percepção do mundo. Essa atitude socialmente consciente pode ser vista em suas obras. Suas pinturas e desenhos apresentam uma iconografia acessível para abordar temas como racismo, guerra nuclear, os excessos do capitalismo e o que ele considerava o uso indevido da religião para fins opressivos. Fazer cartazes permitiu que Haring adotasse uma postura mais ativista, não apenas projetando-os, mas os imprimindo a seu próprio custo e os distribuindo em manifestações. Ele também se envolveu com a política em nível global. Em 1986, ele
foi convidado a pintar o lado oeste do Muro de Berlim. O mural de Haring retratava uma cadeia interconectada das figuras que são “sua marca registrada”, pintadas nas cores combinadas das bandeiras da Alemanha Oriental e Ocidental, representando a unidade das pessoas. Para Haring, o mural era uma tentativa de destruir psicologicamente o muro.
DESENHOS O amor de Haring pelo desenho foi uma presença constante desde sua juventude até o fim de sua vida. Em 1978-1979, ele experimentou desenhos completamente abstratos, para os quais ele cobria o chão, as paredes e o teto. Em trabalhos posteriores, ele voltou a um estilo figurativo, incorporando sua iconografia visual em estilo de bebês radiantes, discos voadores e figuras sem gênero. Haring normalmente fazia desenhos usando um pincel e tinta sumi, tradicionalmente associados à caligrafia do Leste Asiático. Haring desenhava em qualquer superfície disponível, indo de capotas de táxi, móveis, painéis de construção e até roupas. Todas as suas obras, incluindo suas pinturas, são tidas como desenho. Em seus diários, ele afirmou que “a habilidade de desenhar e equilibrar é a chave, não a técnica. As pinturas não apenas têm
Ele imaginava fazer obras que abarcassem música, performance, movimento, conceito e artesanato.
uma semelhança com Léger, é claro, mas também evocam comparações com as formas africana, indiana americana, asteca e outras formas tradicionais, não por imitação, mas pela qualidade do desenho.” Nas primeiras exposições, Haring costumava exibir uma grande variedade de desenhos ao lado de pinturas em lona, pendurando-os de uma maneira que cobria completamente as paredes. Seus desenhos são tipicamente emoldurados por uma borda preta desenhada, remanescente dos desenhos animados que Haring admirava quando criança. Embora resistente à ideia de ocupar um espaço de arte tradicional, Haring adotou uma abordagem diferente em sua segunda exposição na Galeria Tony Shafrazi. O artista transformou o porão da galeria em um ambiente de clube, introduzindo a influência do cenário dos clubes de Nova York. Ele apresentou suas pinturas e objetos fluorescentes Day-Glo sob luz UV. 56 KEITH HARING
Depois de 1982, Haring ganhou maior atenção por meio de exposições internacionais. No final da década, sua imagética era reconhecida globalmente. Essa mudança da figura da contracultura para a estrela reflete em parte a influência de Andy Warhol, que Haring conheceu em 1983. Warhol estabeleceu um precedente sobre como um artista poderia se envolver com a cultura popular e a atividade comercial, mantendo a integridade de seu trabalho. As imagens de Haring ganharam uma segunda vida através de roupas, capas de discos e mercadorias vendidas a partir de suas célebres boutiques Pop Shop. Ele ampliaria ainda mais seu alcance por meio de colaborações com artistas como Madonna e Grace Jones e o coreógrafo Bill T Jones. Logo após chegar a Nova York, Haring escreveu sobre o desejo de desenvolver uma interação mais ampla entre artista e público. Ele
Acima: Sem título, 1982 e Sem título, 1985. Abaixo: Sem título, 1981 por Keith Haring e Angel Ortiz (LAII). Fotos: © Mark McNulty.
Sem tĂtulo, 1983.
Sem título, 1985. © Keith Haring Foundation.
imaginava fazer obras que abarcassem “música, performance, movimento, conceito e artesanato”, ao passo em que seriam um registro da produção da pintura. O desenho em larga escala, (1983), exemplifica esse ideal, criado ao vivo dentro da galeria e de forma a se destacar como um traço dinâmico e performativo de sua exposição no Wadsworth Atheneum, em Connecticut. ÚLTIMOS TRABALHOS Em 1981, foram relatados os primeiros casos de HIV/aids. Esse foi o começo do que viria a ser uma epidemia catastrófica, cujos efeitos continuam sendo sentidos hoje. Nova York foi um dos epicentros da crise e Haring logo sentiu o e bissexuais, ao lado das impacto em seu círculo social, já que homens comunidades negra e latina, foram e continuam sendo afetados desproporcionalmente. Ao longo da década de 1980, em uma época em que a homofobia era abundante nos Estados Unidos, o trabalho de Haring refletia seu compromisso com a igualdade de direitos, incluindo pinturas e murais que expressavam orgulho na homossexualidade. À medida que a crise do HIV/aids se tornou mais proeminente, ele passou a promover o sexo seguro e fez campanha contra o governo dos Estados Unidos por sua falta de ação. No verão de 1988, Haring começou a ter problemas com a respiração. Ele foi diagnosticado como HIV positivo logo depois. No mesmo ano, ele fez uma pintura vermelha, mostrando um turbilhão visual de imagens saindo de um corpo ferido. O medo e a raiva de Haring por sua situação o levaram a usar imagens cada vez mais horríveis em pinturas em larga CAPA 61
Sem título, 1987.
escala. Em (1988), ele personificou o próprio vírus, retratando-o como um macabro “esperma do diabo”. Percebendo que seu tempo poderia ser curto, Haring quis garantir uma contribuição contínua. Em 1989, ele fundou a Keith Haring Foundation, que continua a apoiar organizações e instituições de caridade de HIV/aids, além de jovens marginalizados. Em 16 de fevereiro de 1990, após um breve período durante o qual sua saúde declinou rapidamente, Haring morreu de complicações relacionadas à AIDS aos 31 anos.
Darren Pih é curador do Tate Liverpool desde 2005.
Keith Haring • Tate Liverpool • Reino Unido • 14/6 a 10/11/2019
Acima: Keith Haring por Joseph Szkodzinski. Abaixo: Grace Jones sendo pintada por Keith Haring, 1986. Fotografia por Andy Warhol.
Concetto Spaziale, Attese, 1959. Š Fondazione Lucio Fontana, Bilbao, 2019.
LUCIO FONTANA
TESTEMUNHA DAS TRANSFORMAÇÕES POLÍTICAS, CULTURAIS E TECNOLÓGICAS QUE DEFINIRAM SEU TEMPO, LUCIO FONTANA SE TORNOU UMA REFERÊNCIA FUNDAMENTAL DA ARTE EUROPÉIA DO PÓS-GUERRA. , NO GUGGENHEIM BILBAO, É UMA DE SUAS RETROSPECTIVAS MAIS AMBICIOSAS
POR ESTRELLITA B. BRODSKY Os primeiros trabalhos de Fontana das décadas de 1930 e 1940 ilustram uma jornada de abstração crescente, não sem influências das correntes estéticas que marcaram aqueles anos complexos. Ao mesmo tempo, apontam para a natureza transgressora das telas laceradas que dominam sua produção subsequente. Por meio de seus ( ) e seus experimentos com luz e espaço, incluindo o uso de tubos de néon, 66 DESTAQUE
Fontana experimentou bases para novos desenvolvimentos na arte de instalação e obras de arte imersivas. estabelece uma visão transversal e completa de uma figura que ecoou os conflitos e angústias que definiram grande parte do século 20: a partir das reconsiderações do classicismo pelas vanguardas e estéticas ligadas aos movimentos totalitários europeus, guerra mundial e a reorganização internacional dos movimentos artísticos no período pós-
guerra, até o surgimento da tecnologia na chamada “era espacial”. Lucio Fontana (1899-1968) é famoso principalmente por suas telas rasgadas, embora seja em 1949, após duas décadas de atividade plena, quando ele usou a tela pela primeira vez. A partir de 1958, o gesto radical com que rasga a pintura monocromática e a abre ao absoluto do espaço se tornou sistemático. O estilete se tornou, assim, um instrumento que destrava o plano bidimensional da pintura e fez
Pg. anterior: Concetto Spaziale, I Quanta, 1959. Abaixo: Conce2o Spaziale, Attesa, 1968. Fotos: © Fondazione Lucio Fontana, Bilbao,
com que uma profundidade quase mística intervenha nele. Sua obra permite rastrear as origens dessas formas e gestos essenciais nos períodos de formação e experimentação de Fontana, bem como observar as influências que diferentes movimentos artísticos de destaque na Itália e na Argentina tiveram em sua prática, entre os quais destacamos o futurismo, o neoclassicismo e o movimento Madí.
Uma figura que ecoou os conflitos e angústias que definiram grande parte do século 20.
PRIMEIRAS ESCULTURAS Lucio Fontana iniciou sua carreira como escultor em Rosário (Argentina), em meados da década de 1920, nos negócios do pai, Fontana e Scarabelli, onde fez escultura fúnebre para os cemitérios de uma cidade com uma presença importante de imigrantes italianos. O jovem artista se mudou para Milão para treinar escultura clássica na Academia de Belas Artes de Brera. Logo mostrou alguma irreverência antiacademicista, preferindo a modelagem ao trabalho com talhadeira. Nos anos 1930, desenvolveu sua carreira na Itália, colocando escultura e relevo em gesso, terracota ou cerâmica no centro de sua prática. No estilo figurativo, Fontana adotou uma postura realista, material e altamente expressiva, inspirada nas esculturas antigas dos sarcófagos etruscos, como pode ser visto em seus retratos femininos, alguns deles pintados em cores ou em ouro. No entanto, Fontana é um artista eclético que absorve a tradição e assimila os movimentos de vanguarda, como o futurismo, que lhe permite manter certa singularidade estética sob o regime fascista na Itália. Em seu trabalho com argila, Fontana conseguiu fundir gêneros, temas e referências históricas, enquanto desafiava os limites da prática escultórica.
68 LUCIO FONTANA
À esquerda: Campione Olimpionico [Atleta in Attesa], 1932. Acima: Concetto Spaziale, 1954. © Fondazione Lucio Fontana, Bilbao, 2019.
MATÉRIA Fontana começou a usar, a partir dos anos 1950, materiais reflexivos, como ou fragmentos de vidro em suas pinturas perfuradas. Para isso, ele enviava grandes quantidades de vidro da cidade de Murano para seu estúdio em Milão, onde os destruía. Na série ( ), Fontana explorou as peculiaridades do vidro para projetar a superfície da pintura no espaço do observador. Por outro lado, a série ( ), que começou em 1957, apresenta recheios densos que ele criou aplicando com a espátula tiras largas de tinta a óleo diretamente do , as , os e outros tubo até obter acabamentos brilhantes. Os ciclos pictóricos dos anos 1950 estão muito próximos da Arte Informal, devido a seus processos semipictóricos e semiesculturais paralelos aos da modelagem de argila. De fato, em 1959, Fontana iniciou em Albissola uma série de esculturas coloridas intituladas ( ). O artista descreve essas grandes e ásperas bolas de terracota com buracos e cortes como “nada, ou o começo de tudo”. As impressões digitais de Fontana, ainda visíveis em algumas das obras desta série, destacam seu vínculo físico com o material.
CORTES No contexto do renascimento econômico italiano do pós-guerra, da corrida espacial e da crescente ameaça nuclear da Guerra Fria, Fontana criou suas obras mais emblemáticas: os ( ). Rompendo o plano pictórico, o gesto radical que os supõem constitui um ato de sabotagem para a disciplina da pintura. Fontana apresentou ao espectador uma forma literalmente feita de espaço. Em 1958, fez sua primeira pintura rasgada e logo refinou sua técnica: aplicou tinta uniforme e generosamente na tela e, ainda molhada, rasgou-a com uma faca. Quando a tinta já estava seca, modelava a abertura diretamente com as mãos. O último passo é consertar isso com um fragmento de gaze preta que adere às costas. Em 1959, ele iniciou uma série de pinturas em forma de hexágonos, pentágonos, círculos e outros perímetros irregulares. Suas superfícies dinâmicas estendem o campo monocromático da cor ao espaço circundante, como é o caso , pequenas pinturas irregulares localizadas na parede como um de todo. No caso da série , alguns “ovos astrais” de cores sintéticas sugerem a ideia de um enorme cosmos e um espaço infinito.
À esquerda: Concetto Spaziale, Attesa, 1959. Acima: Concetto Spaziale, New York 10, 1962. © Fondazione Lucio Fontana, Bilbao, 2019.
ELEMENTOS REFLEXIVOS Ao longo de sua carreira, Fontana experimentou materiais e superfícies refletivas. Sua cerâmica dos anos 1930 já explorava os efeitos da luz de vernizes, folhas de ouro e mosaicos, e em suas pinturas ele usava fragmentos de vidro, tinta brilhante e ouro e prata. O artista era fascinado pelo ouro, usado ao longo da história da arte em alguns dos objetos mais refinados e cuja enigmática reflexão metálica estava associada ao divino e à vida do além. O ouro prolifera durante o Barroco, tornando-se um elemento onipresente em temas arquitetônicos e ornamentais de igrejas e catedrais como resultado da Contrarreforma. Após sua primeira viagem a Nova York, em 1961, Fontana foi inspirado pelos arranha-céus de Manhattan e começou a usar materiais como cobre, latão e alumínio em uma série intitulada ( ). A luz que afeta diretamente essas superfícies brilhantes retorna ao observador que inunda a arquitetura circundante, enquanto o efeito espelhado decompõe o reflexo do espectador na própria obra. Esses materiais permitem ao artista continuar sua exploração das possibilidades circundantes da pintura, bem como de sua profundidade e relação física com o observador. DESTAQUE 71
AMBIENTES ESPACIAIS Por meio do movimento que ele chamou de Espacialismo – de cujo é o autor –, Fontana buscou a síntese das artes e sua abordagem multidisciplinar ampliava a noção de experiência artística que abrange o espaço como um todo. Foi pioneiro em instalações imersivas – que chamou de – e experimentou luz elétrica no espaço, incluindo o uso de tubos de néon. Algumas delas, como o arabesco monumental de néon, intitulado (1951) e duas instalações imersivas: :“ ”, na XIII Trienal de Milão (1964) e o (1967). Essas três peças, cuja data de concepção compreende um período criativo de mais de três décadas, mostram o caráter pioneiro dos experimentos de Fontana em sua busca por uma obra de arte total. Com essas propostas, Fontana se destacou como pioneiro nos desenvolvimentos subsequentes de natureza contemporânea na arte contemporânea, onde a união de trabalhos esculturais, leves e arquitetônicos transcendeu a divisão tradicional das disciplinas artísticas.
Struttura al Neon para a IX Trienal de Milão. © Fondazione Lucio Fontana, Bilbao, 2019.
Lucio Fontana: En el umbral • Guggenheim Bilbao • Espanha • 17/5 a 29/9/2019
Estrellita B. Brodsky é curadora do Metropolitan Museum e historiadora de arte especialista em arte latino-americana.
Retrato de Teresita, 1940. © Fondazione Lucio Fontana, Bilbao, 2019.
ANAISE FRANCO POR THIAGO FERNANDES Nascida em Uberlândia (MG), Anaisa Franco é mestre em Arte Digital e Tecnologia pela Universidade de Plymouth, na Inglaterra, e se formou em Artes Visuais na FAAP, em São Paulo, cidade onde vive e trabalha atualmente. Em seus trabalhos artísticos, Anaisa aborda questões como identidade e subjetividade a partir da relação entre máquina e humano, orgânico e artificial. A artista esteve em exposição recentemente na Galeria Lume, com a individual . Grande parte dos trabalhos de Anaisa Franco demandam a interação do público, como , uma instalação que se assemelha a um mobiliário, onde há acoplado um dispositivo que captura a impressão digital do participante e, a partir dela, desenvolve uma animação exclusiva que é projetada no ambiente. Dessa maneira, cada participante tem uma experiência única com a obra de acordo com sua identidade, que é expandida para além do próprio corpo. Uma situação semelhante é provocada pela escultura pública , apresentada no VIVID Sydney 2015, que funciona como uma espécie de banco
que pulsa uma luz de acordo com o batimento cardíaco do usuário que nele se senta, produzindo um coração para a cidade. Também a partir da própria identidade, o participante tem seu coração expandido e ativa a obra de maneira singular. Com esses trabalhos, Anaisa possibilita que o público experimente uma nova percepção sobre o próprio corpo e sobre aqueles que o cercam. A experiência de ver a si mesmo no espelho também é transformada por Anaisa , da série , que aborda a relação da com o trabalho tecnologia com os sentimentos humanos. Esse espelho digital distorce a imagem do participante, produzindo a sensação de desconforto. expressa a relação conflituosa do indivíduo com o próprio corpo, característica da contemporaneidade, onde a imagem de si é a todo tempo projetada para os outros por intermédio das mídias sociais, passando por filtros e dispositivos que tentam adequá-la a um determinado ideal. No trabalho de Anaisa, o padrão é o estranho, e a vergonha é assumida pela artista como um sentimento natural que, embora comumente seja escondido, faz parte de todas as pessoas.
À esquerda: Expanded ID, 2018. Abaixo: The Heart Of The City, 2015.
GARIMPO 75
Acima: On Shame (série Psicosomáticos), 2015. À direita: Homem Grávido, 2018.
A identidade de gênero também é um tema abordado por Anaisa por meio do , uma escultura de madeira sobre a qual é projetada um trabalho documentário que conta histórias de homens transexuais que passaram pelo processo de transição de gênero, mas mantiveram o útero, podendo ainda engravidar. A obra afirma o novo passo da reprodução humana após bebês de proveta, barrigas de aluguel e inseminação artificial. mostra como padrões culturais são transformados a partir das transformações tecnológicas e aproxima a obra de Anaisa Franco às discussões da antropologia e da biotecnologia. Anaisa Franco questiona o que define nossa identidade e expande a percepção do ser humano sobre si mesmo e sobre aqueles que o cercam, afirmando a heterogeneidade de corpos e culturas. Sua produção é definida pela relação com diferentes áreas do conhecimento e aponta para novos caminhos possíveis para a arte, demonstrando o que há de potente na apropriação de novas ferramentas que são desenvolvidas pela tecnologia.
Thiago Fernandes é crítico, historiador da arte e doutorando em Artes Visuais pela UFRJ 76 ANAISA FRANCO
Homem grávido mostra como padrões culturais são transformados a partir das transformações tecnológicas e aproxima a obra de Anaisa Franco às discussões da antropologia e da biotecnologia.
RESENHAS exposições
Ó! Inapropriações inutilidades persistências etc 2 a 30/8/2019 • deCurators Espaço de microcuradorias • Brasília POR LAÍSE FRASÃO “Ó! isso não é um manifesto, mais ou menos” Ó! interessa que a arte É e ponto. todos os pontos, vírgulas...” é contradição, sempre. é entre. a obra é aberta aberta à teimosia, à persistência, à utopia” na utopia, o tempo é dilatado, a distância é reduzida o inútil é deliciado, a matéria é experimentada, o riso é frouxo” inapropriada? sim. pura resistência da inadequação Ó! nem vem dizer o que pode. aqui pode” (Curadores Ana Paula Barbosa e Sormani Vasconcelos) Ó! Se por um lado, tais inapropriações, inutilidades e persistências não teriam a mesma potência se ocupassem outro espaço expositivo na cidade de Brasília. Por outro, através dessa exposição, a deCurators, por não ter uma finalidade comercial, vislumbrar a formação de público e estimular a experimentação em arte 78
contemporânea, materializa a sua máxima “eficiência, amor e selvageria”. Falamos aqui da inutilidade enquanto um caminho extremamente relevante e útil para a experimentação estética, um apropriado exercício do olhar para o cotidiano (materiais e objetos; ações e sensações) e, até mesmo, para a arte – que pode e é cotidiana. Seria então sobre a arte de viver o cotidiano? Pode ser. Ana Paula Barbosa e Sormani Vasconcelos aproximam, por meio dessa proposta curatorial, uma relação que, muitas vezes, parece impossível ou fugaz entre cotidiano e uma arte que, cada vez mais rentável, parece persistir na intenção de ocupar espaços longínquos. Portanto, o estímulo é persistência. E em um tensionamento aparentemente contraditório, já que aqui, assim como no cotidiano, há espaço para tensões, a expografia tira partido da concepção de vitrine (voltada para o exterior). Entretanto, são nas escolhas “inapropriadas” (inesperadas) para sua ocupação que podemos notar a persistência da arte.
Fotos: Sérgio Coimbra.
A instalação “Quedas de uma linha própria”, de Cecília Mori, desterritorializa limites e certezas, não apenas no que tange o espaço tridimensional e bidimensional, mas desconstruindo o fetiche inerente ao termo vitrine. Afinal, os materiais empregados nada mais são que borracha automotiva e desenhos em pastel a óleo sobre papel fabriano. Uma obra marcante por sua permeabilidade pulsante perante a modulação dos planos envidraçados da vitrine e das quadrangulares folhas de papel. Uma obra que possibilita ao registro bidimensional do processo de construção do nó em borracha algo tão espacialmente presente quanto o próprio nó escultórico. Já no âmbito interno do espaço, é o colorido e/da sonoridade dos objetos “inúteis” (galinha de plástico e boia macarrão para piscina) que, ao saltarem do cubo branco expositivo, proporcionam sensações tão
inebriantes quanto a exaustão do corpo no espaço e no espaço cotidiano. Exaustão essa latente na videoperformance de Lucas Sertifa ( , de 2018) – exaustão enquanto entrega; que, por sua vez, parece permear a animação de João Angelini ( , de 2007) – exaustão enquanto esgotamento. Em um dado momento, inclusive, os dois vídeos parecem sincronizados com cabeças indo de um lado para o outro (rapidamente) como quem marca a persistência, a repetição, o ritmo cotidiano. Cotidiano, cotidianó! Do nó de borracha ao corpo virando nó!
Laíse Frasão é arquiteta e urbanista e graduanda do curso Teoria Crítica da História da Arte pela Universidade de Brasília (UnB).
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LIVROS lançamentos Escultura, objeto, 3D Org: Rosana de Freitas - Editor: Carlos Leal Editora Barléu - 104 p.
Ensaio inédito de Reynaldo Roels (1951-2009), organizado pela pesquisadora Rosana de Freitas. Intelectual refinado, Reynaldo Roels Jr. foi figura marcante e querida no universo da arte carioca, onde exerceu vários cargos, entre eles o de curador do MAM, de 2007 até a sua morte repentina em 2009, e diretor da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, entre 2002 e 2006. "O ensaio inédito deixado por Reynaldo Roels Jr. discorre sobre as mídias tridimensionais, desde os relevos narrativos do renascimento italiano até as 'esculturas' mais recentes, que programaticamente rejeitam tal rótulo.
Ivan Grilo: Terral Texto: Tiago Abreu Pinto Casa Triângulo - 88 p. - R$ 50,00 A exposição de Ivan Grilo, na Casa Triângulo, traz trabalhos inéditos que, no campo do discurso, se situam na ambiguidade entre o relato íntimo e o manifesto político. Ou, como diz, o autor Tiago de Abreu Pinto, que dialoga com o artista e assina o texto da exposição e do livro: “Estamos falando de política ou de amor? De algo que conecta essas duas coisas.” Ivan traz uma narrativa fantasiosa de um rei em derrocada, que através de uma autocrítica da atuação do artista como etnógrafo, constrói objetos e instalações tecendo sobre a atual crise de empatia (que origina a crise democrática), tendo como cenário não apenas o nacional. “O artista nunca foi amigo do rei”, diz o artista a partir de um recorte de jornal que traz consigo. 80
Alexandre da Cunha: Monumento Ensaio: Fernanda Brenner - Editor: Maria M. P. de Pontes Editora Cobogó - 100 p.
A prática de Da Cunha é predominantemente baseada em idéias dos objetos prontos e encontrados que ele re-significa, convidando os espectadores a vê-los com uma nova perspectiva. Nos últimos anos, Da Cunha levou essas ideias a uma escala monumental, com encomendas de obras públicas em Boston, Londres e São Paulo. Estas instalações em larga escala constituem o núcleo do . O livro também apresenta uma série de esculturas de mesa menores, bem como uma seleção de , uma série de obras sobre papel que flertam com noções de colagem, apropriação e domínio público.
Analize Nicolini: Luzes do Leblon Texto: Tiago Abreu Pinto Casa Triângulo - 88 p. - R$ 50,00 O livro apresenta série fotográfica resultante de pesquisa desenvolvida no decorrer de um ano de captura de imagens, entre o céu e o mar, durante o período do crepúsculo vespertino, na Praia do Leblon. O processo se iniciava pela investigação da intensidade luminosa através de sua janela. A partir desse momento, uma rotina quase ritualística se estabelecia na ida à praia. Portando sempre o mesmo equipamento, garantia que a pesquisa cromática fosse equânime, sem interferências técnicas. O ajuste fino manual da câmera só era finalizado quando a lente captava a mesma intensidade de cor flagrada por suas retinas. Na volta pra casa, a confirmação de que a imagem digital, ampliada, passara pelo crivo da tabela de cores estabelecida pelo olhar daquela tarde.
COLUNA DO MEIO Fotos: Paulo Jabur
Quem e onde no meio da arte
Simone Cadinelli, Érika Nascimento, Tiago Sant'Ana, Ludimila Oliveira e Bia Sampaio
Stefan Portnoi, Tiago Sant'Ana, Simone Cadinelli e Eduardo Wanderley
Tiago Sant’Ana Simone Cadinelli Arte Rio de Janeiro Manoel Novello e Jozias Benedicto
Katia Wille e Hans Blankenburgh
Arthur Wanderley, Simone Cadinelli e Eduardo Wanderley
Fotos: Divulgação
Simone Cadinelli e Claudio Tobinaga
Manfredo de Souzanetto, Carlos Muniz, Ana Luiza Rego, Luiz Áquila e Patricia Costa
Miriam Pech, Xico Chaves, Carlos Muniz, Eduardo Mariz e Adriano Mangiavacchi
Carlos Muniz Galeria Patricia Costa Rio de Janeiro Mercedez Masque e Patricia Costa
João Gaspar, Carlos Muniz e Samira Assuf
Izabela Freitas e Eduardo Schuster
Luiz Áquila, Ana Luiza Rego e Patricia Costa
Fotos: Paulo Jabur
Almandrade, Luciana Caravello e Zanini de Zanine
Antonio Manuel e Bia Caillaux
Almandrade Zanini de Zanine Luciana Caravello Rio de Janeiro Renata Aragão e Ronaldo Simões
Bitty Pottier e Vanda Klabin
Ronaldo Simões, Marcela Bartolomeo, Zanini de Zanine e Cristina Alho
Igor Vidor e Luciana Caravello
Hugo França Bolsa de Arte São Paulo Artur Lescher
Guilherme Isnard e José-Spaniol
Hugo França, Marga Pasquali e Egon-Kroeff
Carol Piccin, Max e Maria Petrucci
Fotos: Denise Andrade
Adriana Rede, Ana-Paula Rodrigues e Mariana Lorca
Luciana Bernardina, Hugo França, Myra Arnaud Babenco e Pedro Sedó
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