EDWARD HOPPER FERNANDA GOMES LEONOR ANTUNES AGNES DENES DOROTHEA LANGE RAFAEL BARON
Edward Hopper, House at Dusk, 1935. Foto: © Virginia Museum of Fine Arts © 2019 Heirs of Josephine N. Hopper / Artists Rights Society (ARS), NY
DIRETORA Liege Gonzalez Jung CONSELHO EDITORIAL Agnaldo Farias Artur Lescher Guilherme Bueno Marcelo Campos Vanda Klabin EDIÇÃO André Fabro PUBLICIDADE publicidade@dasartes.com SOCIAL MEDIA Thiago Fernandes
Capa: Edward Hopper, Hotel Room, 1931. Foto: © 2019 Heirs of Josephine N. Hopper / Artists Rights Society (ARS), NY.
DESIGNER Moiré Art REVISÃO Angela Moraes SUGESTÕES E CONTATO dasartes@dasartes.com APOIE A DASARTES Seja um amigo Dasartes em recorrente.benfeito ria.com/dasartesdigital Doe ou patrocine pelas leis de incentivo Rouanet, ISS ou CMS/RJ
Contracapa: Edward Hopper, South Carolina Morning, 1955. Foto: © 2019 Heirs of Josephine N. Hopper / Artists Rights Society (ARS), NY.
DOROTHEA LANGE
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FERNANDA 8 Agenda GOMES Resenha 86 88 Livros 89 Coluna do meio AGNES DENES
LEONOR ANTUNES
RAFAEL BARON
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IMPRESSA em sua casa a partir de R$ 28 mensais
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BOTTICELLI
Obra de Avilmar Maia.
Em maio, no mês de seu 14º aniversário, a Casa Fiat, em Belo Horizonte, anuncia aos amantes da arte, pela primeira vez no Brasil, uma exposição sobre Sandro Botticelli (1445-1510). Com 21 trabalhos do mestre italiano e de seus contemporâneos, a mostra aporta em Minas Gerais no dia 5 de maio. Com curadoria do historiador italiano Alessandro Cecchi, um dos mais importantes estudiosos de Botticelli no mundo, a mostra apresentará ao público brasileiro o esplendor da Florença renascentista, que abrigava as grandes "botteghe" (estúdios) dos mais importantes artistas da Europa. A exposição conta com acervos de 11 museus - dentre eles, a Galleria degli Uffizi - e coleções particulares, vindas de cinco cidades italianas: Veneza, Turim, Florença, Milão e Montelupo Fiorentino.
Botticelli e seu tempo • Casa Fiat de Cultura • Belo Horizonte • 5/5 a 12/7/2020 Sandro Botticelli, Vênus (c. 1495-1497). Foto: Musei Reali, Galleria Sabauda, Turim.
8 AGENDA
MARCIA PASTORE Marcia Pastore investiga a convergência entre as artes plásticas e a arquitetura em sua trajetória. Ela enfatiza as relações poéticas da força e do espaço a partir da interação da matéria com um determinado local e, preenchendo o vazio, a artista evoca a corporalidade de materiais, cria mecanismos e questiona o equilíbrio em uma produção pensada em três atos. A exposição é dividida em três líricos: memória do gesto, movimento e tensão. Em (2020), obra que nomeia a exposição, Pastore tensiona redes de pesca através de cabos de aço, anzóis e lastro de pedra, criando uma arapuca espacial. 10 AGENDA
: Em (2019), a ação sobre uma superfície de gesso é registrada numa série de sete fotografias que lembram paisagens cósmicas. As fotos foram feitas após a ação ter sido captada em vídeo. Serão mostradas duas imagens da série. (2020), a junção de blocos grafite, carretilhas, cabo de aço, aço e abraçadeiras resulta numa máquina que imprime na parede, as marcas de sua movimentação.
Marcia Pastore • Arapuca Galeria Kogan Amaro • São Paulo • 15/2 a 21/3/2020
Migratory Cotton Picker, Eloy, Arizona November 1940. Todas as fotos: The Museum of Modern Art, New York. Purchase 849.1968
DOROTHEA LANGE
MOMA APRESENTA A PRIMEIRA GRANDE EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL DO TRABALHO INCISIVO DA FOTÓGRAFA DOROTHEA LANGE EM MAIS DE 50 ANOS. A EXPOSIÇÃO TAMBÉM USA MATERIAIS DE ARQUIVO, COMO CORRESPONDÊNCIAS, PUBLICAÇÕES HISTÓRICAS, ALÉM DE VOZES CONTEMPORÂNEAS, PARA EXAMINAR AS MANEIRAS PELAS QUAIS AS PALAVRAS INFLUENCIAM NOSSA COMPREENSÃO NAS IMAGENS DA ARTISTA
POR SARAH MEISTER
No final de sua vida, Dorothea Lange (1895-1965) comentou: “Todas as fotografias – não apenas aquelas que são chamadas de ‘documentais’, e toda fotografia realmente é documental e pertence a algum lugar – têm um lugar na história”. Organizadas de maneira cronológica e ao longo de sua carreira, os grupos de fotografias icônicas trabalham em conjunto com fotografias menos conhecidas e traçam suas relações variadas com as palavras: das críticas iniciais às fotografias de Lange aos ensaios fotográficos publicados na , e do de referência revista ao exame do sistema de justiça criminal dos EUA. A exposição também inclui fotografias inovadoras da década de 1930 – incluindo (1936) – que inspiraram a conscientização pública essencial da vida de comerciantes, famílias deslocadas e trabalhadores migrantes durante a Grande Depressão. Por meio de sua fotografia e suas palavras, Lange instou os fotógrafos a se reconectarem com o mundo – uma chamada que reflete seu próprio método de trabalho, associa a atenção à estética a uma preocupação central com a humanidade. Parece oportuno e urgente que renovemos nossa atenção às extraordinárias realizações de Lange. Sua preocupação com indivíduos menos afortunados e muitas vezes esquecidos, e seu sucesso no uso da fotografia (e das palavras) para resolver essas desigualdades, incentivam cada um de nós a refletir sobre nossas próprias responsabilidades cívicas. Isso lembra o papel único que a arte – e em particular a fotografia – pode desempenhar na imaginação de uma sociedade mais justa. 13
RUAS DE SÃO FRANCISCO Em 1933, Lange começou a capturar a devastação da Grande Depressão, como mostrava nas ruas de São Francisco. Willard Van Dyke, fotógrafo e pioneiro em seu trabalho, escreveu na revista : “Essas pessoas estão no meio de grandes mudanças – problemas contemporâneos são refletidos em seus rostos, um drama tremendo está se desenrolando diante deles e Dorothea Lange está fotografando por meio deles." O artigo apareceu depois que uma exposição das fotografias de Lange foi realizada no estúdio de Van Dyke em Oakland, em 1934, através da qual o futuro colaborador e marido de Lange, Paul Taylor, economista agrícola, soube de seu trabalho. Taylor usou as fotografias de Lange das demonstrações do Dia de Maio . Essas de 1934 em São Francisco para acompanhar um artigo na duas publicações lançaram em circulação as imagens de Lange, amplificadas por palavras – as de Van Dyke, refletindo sobre sua prática fotográfica, e Taylor, elaborando as condições de trabalho da época. 14 FLASHBACK
Acima: Tractored Out, Childress County, Texas June 1938. Foto: Wendy Red Star's. À direita: White Angel Bread Line, San Francisco 1933.
TRABALHO DO GOVERNO De 1935 a 1939, Lange trabalhou com agências governamentais para chamar a atenção do público à catástrofe econômica e ambiental da Grande Depressão e da seca do Dust Bowl. No final de 1934, ela acompanhou pela primeira vez o economista agrícola (e seu futuro marido) Paul Taylor no campo e, no início de 1935, foi contratada por Taylor e pela Administração de Ajuda de Emergência do Estado da Califórnia como datilógrafa – o salário para um fotógrafo ainda não havia sido aprovado. Seus relatórios combinavam as ordens formais e digitadas de Taylor com as fotografias e legendas manuscritas de Lange, tiradas de entrevistas com as pessoas que encontraram. Juntas, palavras e figuras representavam um forte argumento para a intervenção do governo em nome dos trabalhadores migrantes e dos refugiados da seca. As fotografias de Lange eram uma parte crítica da política de promoção do New Deal da Administração de Reassentamento (mais tarde, a ) e estavam disponíveis para qualquer pessoa gratuitamente. Como resultado, eles circularam, às vezes com legendas muito variadas, em livros, jornais e revistas, aumentando a visibilidade da vida de comerciantes, famílias deslocadas e migrantes.
“Este não é um livro de fotografias nem um livro ilustrado, no sentido tradicional... Sobre um tripé de fotografias, legendas e textos, repousamos temas evoluídos a partir de longas observações no campo.” Assim começa : (1939), concebido por Lange em colaboração com seu marido, o economista agrícola Paul Taylor. Os textos foram extraídos de anotações de campo, letras de músicas folclóricas, trechos de jornais, observações sociológicas e citações de meeiros, deslocados e trabalhadores migrantes que Lange fotografou. Sobre o uso de citações diretas, Lange e 16 DOROTHEA LANGE
Taylor refletiram: “Muitos dos que conhecemos no campo consideraram vagamente a conversa conosco como uma oportunidade de contar o que estão enfrentando com seu governo e com seus compatriotas em geral. Na medida do possível, deixamos que eles falem com você cara a cara.” SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Durante a Segunda Guerra Mundial, Lange voltou sua atenção para o impacto da guerra nos americanos. Algumas de suas imagens mais emocionantes são dos nipoamericanos enviados para campos de internamento em 1942, após a Ordem
Ă€ direita: Kern County, California November 1938. Foto: Sandra S. Phillips. Abaixo: The Church is Full, 1954.
As fotografias de Lange vão além para transmitir a dimensão humana do levante da guerra. Executiva 9066 designar áreas das quais eles poderiam ser excluídos e ordens subsequentes autorizaram a prisão. Lange havia sido contratada para documentar a execução da apólice, mas as fotografias foram inicialmente retiradas de circulação. Para muitas pessoas, suas imagens são menos marcadas pela documentação sancionada pelo governo do que pela resposta visceral às ordens e ao preconceito que elas geram. As fotografias de Lange também registraram a nova face da Califórnia, onde as cidades portuárias estavam se tornando a linha de frente do trabalho no esforço de guerra do país. Em 1944, a revista contratou Lange e Ansel Adams para fotografar Richmond, Califórnia, uma cidade em expansão onde a superlotação das escolas e o esgotamento das moradias disponíveis provocavam tensões raciais e discriminação. A tarefa era documentar a história econômica, mas as fotografias de Lange vão além desse resumo para transmitir a dimensão humana do levante da guerra.
Durante sua era de ouro, a revista moldou o ensaio fotográfico na forma como a conhecemos hoje. Lange publicou apenas duas histórias na revista: “Três cidades mórmons”, com o fotógrafo Ansel Adams e seu filho Daniel Dixon, em 1954, e “Pessoas do país irlandês”, em 1955. Ambos demonstram seu interesse pelas comunidades agrárias e pelos rituais da vida rural, especialmente em contraste com as mudanças trazidas pela Segunda Guerra Mundial nas áreas urbanas. A primeira história descreveu as culturas distintas de três cidades em Utah; a segunda, o povo de Ennis, no condado de Clare, na Irlanda, onde ela passou um mês e tirou cerca de 2.400 fotografias. Para “Três cidades mórmons”, Lange elaborou laboriosamente uma seleção de 135 impressões das mil negativas que publicou apenas 35. A mão editorial ela e Adams haviam feito, mas a intransigente da revista frequentemente frustrava os fotógrafos. “A história mórmon ficou muito azeda”, escreveu Adams para Lange, “uma apresentação muito inadequada que não fez bem aos mórmons, à fotografia e a qualquer um de nós”. 18 FLASHBACK
Acima: Richmond, California, 1942. À esquerda: Man Stepping from Cable Car, San Francisco, 1956. Abaixo: The Defendant, Al. County Courthouse, California, 1955-57.
MÃE MIGRANTE / FOTOGRAFIA POPULAR A fotografia mais icônica de Lange – de uma mulher e suas filhas em Nipomo, Califórnia – tinha quase 25 anos antes que suas próprias palavras a acompanhassem na imprensa. Em 1960, em um artigo para a revista Fotografia Popular, ela se lembrou do dia de março de 1936, em que a clicou: “Lá estava ela sentada naquela barraca com seus filhos amontoados em volta dela e parecia saber que minhas fotos poderiam ajudá-la, e então ela me ajudou. Havia uma espécie de igualdade nisso." A imagem circulou amplamente e de várias formas; as legendas mudaram, os contextos mudaram e as histórias circundantes proliferaram. A identidade da mãe permaneceu um mistério para o público em geral até 1978, quando foi revelado que seu nome era Florence Owens Thompson e ela era descendente de Cherokee, deixandonos considerar as maneiras pelas quais o reconhecimento de sua raça poderia ter produzido um diferente tipo de recepção, alterando a eficácia da imagem como e, talvez, seu icônico. propaganda do
Migrant Mother, Nipomo, California March, 1936.
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Richmond, California, 1942.
ÚLTIMAS OBRAS Apesar dos problemas de saúde, Lange continuou a trabalhar no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, fotografando com mais frequência sua família e suas viagens ao exterior com seu marido, Paul Taylor. Em , ela colaborou com o fotógrafo Pirkle Jones no que seria seu último grande ensaio fotográfico, sobre a evacuação e inundação de Berryessa Valley, Califórnia, para construir a represa de Monticello. A atenção presciente de Lange às mudanças ecológicas e ao desenvolvimento rural – aqui, às maneiras pelas quais o desenvolvimento, a distribuição e o controle da água se tornaram o maior problema da Califórnia – continuou até sua morte, em outubro de 1965. Nos últimos meses, trabalhou com John Szarkowski, diretor do departamento de fotografia do MOMA, definindo aquela que seria a retrospectiva definitiva de seu trabalho, inaugurada em 1966. A troca de cartas entre eles demonstra o cuidadoso pensamento de Lange sobre o “material textual” que cerca suas fotos: “Preciso ler todas as minhas anotações de viagem e percorrer minhas acumulações para extrair delas as legendas”, muitas das quais, escreveu ela, “estenderiam, sustentariam, iluminariam e explicariam a fotografia”.
Sarah Meister é curadora do MoMA Nova York, fotógrafa e admiradora de coisas antigas, autênticas e curiosas.
Dorothea Lange: Words & Pictures • MoMA • Nova York 9/2 a 9/5/2020
Western Motel, 1957. Foto: Š 2019 Heirs of Josephine N. Hopper / Artists Rights Society (ARS), NY.
EDWARD HOPPER
EXPOSIÇÃO NA FUNDAÇÃO BEYELER SE CONCENTRA NAS REPRESENTAÇÕES ICÔNICAS DE EDWARD HOPPER, DA EXTENSÃO INFINITA DE PAISAGENS A CENAS URBANAS AMERICANAS. COM AQUARELAS E PINTURAS A ÓLEO QUE DATAM DE 1910 A 1960, A MOSTRA FORNECE UMA VISÃO ABRANGENTE E EMOCIONANTE DA NATUREZA MULTIFACETADA DE UM DOS MAIS IMPORTANTES PINTORES AMERICANOS DO SÉCULO 20
Portrait of Orleans, 1950. © Heirs of Josephine Hopper / 2019, ProLitteris, Zürich Foto: Randy Dodson, The Fine Arts Museums of San Francisco.
POR ELISA MAIA Como explicar que as imagens de Edward Hopper (1882-1967), suas cenas cotidianas e motivos aparentemente triviais tenham se imposto de forma tão preponderante no imaginário artístico de nosso tempo? Ao longo de cinco décadas, o artista produziu imagens belas, intrigantes, hipnóticas. Algumas delas estranhamente perturbadoras. Como conjunto, compartilham a qualidade singular de permanecer reverberando em nossa memória mesmo quando não estamos mais diante delas. Caracterizam-se pela sutileza, objetividade, consistência e por uma integridade. São imagens livres de afetações. Avessas ao adorno, ao espetáculo, ao barulho. Em especial, ao barulho. Em seus melhores quadros, o silêncio é investido de uma tensão quase palpável. Associado ao Realismo pela familiaridade de seus temas – fachadas de prédios, vitrines de lojas, cafés, estradas, postos de gasolina –, Hopper se destacou sobretudo pela capacidade incomum de expressar não o seu universo visível, mas, justamente, o invisível, o intangível, certa atmosfera muito difícil de ser fixada no instante de uma imagem. Falando sobre o próprio trabalho (o que não gostava de fazer), insistia que o elemento mais importante de uma pintura não poderia ser definido ou explicado. 27
Morning in a City, 1944. Foto: © 2019 Heirs of Josephine N. Hopper / Artists Rights Society (ARS), NY.
O tédio da vida cotidiana em comunidade, o vazio e a solidão pintados por Hopper representam uma espécie de avesso da euforia e do otimismo dos anúncios publicitários que marcaram o pós-guerra nos Estados Unidos. O sonho americano despido de todo seu heroísmo. Rejeitou, no entanto, essas e outras análises, afirmando que a única coisa que tentou fazer foi pintar a luz do sol na superfície dos prédios. Hopper não era avesso apenas a falar sobre seu trabalho, mas a falar de forma geral. Preferia o silêncio. O romancista Jonh dos Passos conta que ele parecia estar sempre na iminência de dizer algo, mas nunca dizia. Desde o início de sua carreira como ilustrador em uma agência de publicidade de Nova Iorque, até o final da vida, quando já havia alcançado o de monumento vivo da pintura norte-americana, Hopper conservou um temperamento taciturno e certa inclinação à melancolia, aspectos que foram de maneira recorrente usados como lentes de interpretação de seu trabalho. O crítico de arte Brian O’Doherty chegou até mesmo a afirmar que, a despeito da aparente objetividade, toda a sua obra seria um vasto autorretrato. Graças aos diários que sua mulher, a artista Jo Hopper, escreveu por muitos anos, sabe-se que Hopper alternava meses de produtividade com longos períodos de uma inércia incontrolável, nos quais passava dias sentado em uma poltrona sem falar com pessoa alguma. Guy Pène du Bois, que conhecera Hopper na New York School of Art and Design, em 1900, e de quem o pintor permaneceu próximo por 28 CAPA
Hotel Lobby, 1943. Foto: © 2019 Heirs of Josephine N. Hopper / Artists Rights Society (ARS), NY.
toda a vida, escreveu que, embora Hopper fosse o melhor aluno da escola, não era na época um artista – “não é livre o suficiente para isso, tem muita austeridade anglo-saxã”. Mas o jovem introspectivo converteu o puritanismo em pureza das formas e o severo código moral em rigor estilístico e, nesse sentido, é possível afirmar que seu trabalho estabeleceu um diálogo indireto com um movimento artístico com o qual ele não parecia se corresponder, o Abstracionismo. Suas cenas urbanas são esvaziadas de detalhes arquitetônicos. As janelas não têm vidros, são como buracos, e as calçadas se resumem a formas geométricas. As paredes internas, em geral, aparecem nuas. As paredes externas, também com poucas exceções, são lisas e monocromáticas, não exibindo marcas ou vestígios de deterioração. Nesse processo de abstração das formas há também uma qualidade que as aproxima das memórias distantes, aquelas que vão sendo decantadas com o passar dos anos, livrando-se de suas minúcias e de seus contornos e das quais conservamos apenas fragmentos condensados. Há muito pouco distraindo o espectador do que realmente importa nas imagens de Hopper. E quanto menos há para ser visto, mais afiamos o olhar e mais encontramos o que ver. Com o passar dos anos, a economia dos meios e a sintetização das formas de suas composições se intensificam e, no fim da vida, Hopper declarou que gostaria de pintar apenas “a luz do sol em si”, mas lamentou que ela precisasse “estar
Acima: Square Rock, Ogunquit, 1914. À direita abaixo: Cobb’s Barns and Distant Houses, 1930–1933. Fotos: © 2019. Digital image Whitney Museum of American Art / Licensed by Scala À direita acima: Cape Ann Granite, 1928. © Heirs of Josephine Hopper / 2019, ProLitteris, Zürich. Foto: Christie's
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sempre em alguma forma natural”. A luz, que já foi apontada como o grande tema de sua obra, é utilizada por ele com maestria para segmentar áreas do espaço pictórico, escurecer ou iluminar determinados objetos. Em visita ao museu do Louvre, em Paris, viu-se profundamente impactado pela “luz espiritual” das pinturas holandesas do século 17, em especial nos quadros de Vermeer e Rembrandt, destacando a forma como essa luz se opunha à “luz sensual e profana” das pinturas impressionistas. O fascínio pelos efeitos estéticos do reflexo da luz sobre as formas levou Hopper a explorar com destreza as possibilidades expressivas do pigmento branco na construção de efeitos de luminosidade. Experimentou pintar a luz do sol com uma tinta branca fria, translúcida, quase sem pigmento amarelo, “para conseguir um branco mais brilhante e menos quente, eu uso o branco de zinco”, escreveu em 1959. As belíssimas variações de branco das roupas, das fachadas, das paredes, das nuvens, dos lençóis, em contraste com os tons escuros, de marrons, verdes musgo e vermelhos terrosos produzem os efeitos de claro e escuro que caracterizam várias de suas pinturas. Hopper declarou seu interesse pelas sombras alongadas que despontam diagonalmente no início da manhã e no fim da tarde. Em muitas de suas composições, podemos experimentar essa incerteza da hora – não sabemos se a luz que entra pela janela está avançando para dentro do quarto, varrendo do chão as sombras da noite, ou se está se recolhendo para dar lugar à escuridão.
Uma aplicação subjetiva de cor para expressar emoções.
Mas nem toda a luz que invade esses espaços é suficiente para dar nitidez aos rostos das pessoas que os ocupam. As figuras que habitam as cenas de Hopper costumam ter suas feições embaçadas, (1931), ou escurecidas pela sombra, como a mulher de que encarna tão bem a noção de isolamento comumente atribuída às imagens de Hopper. Sentada sobre a cama ainda feita, ela lê de cabeça baixa um papel com a grade de horários da estação trem. Suas roupas estão espalhadas – o chapéu foi deixado em cima do móvel de madeira que aparece no canto direito do quadro, os sapatos estão no chão em frente ao móvel e as malas ainda fechadas repousam no carpete escuro em frente à poltrona verde em cujo braço o vestido da mulher foi apoiado com cuidado. A luz que vem de cima ilumina suavemente o topo da sua cabeça, sua coxa direita e o lençol branco da cama, mas seu rosto está no escuro. O branco das paredes nuas contrasta com o breu da noite lá fora que vemos por trás da persiana semiaberta. A figura da moça parcialmente despida em um quarto de hotel à noite é quase erótica. Mas não exatamente. Há alguma coisa na imagem que adia a ideia de sensualidade. As pessoas pintadas por Hopper ostentam um estranho alheamento, um olhar indiferente, o pensamento em algum lugar remoto. Sentamse quietas em cafés, em de hotéis, em quartos limpos e arrumados olhando estáticas pela janela para alguma coisa que nós espectadores não podemos ver, mas podemos imaginar. Em geral, aparecem mudas e, mesmo quando não estão sozinhas, estão desengajadas. O fato de estas pessoas nas telas de Hopper não se suporem observadas confere às pinturas um tom voyeurístico, como se o pintor e nós, espectadores, espiássemos um momento privado.
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Hotel Room, 1931. © 2019 Heirs of Josephine N. Hopper / Artists Rights Society (ARS), NY.
Second Story Sunlight, 1960. © Heirs of Josephine Hopper / 2019, ProLitteris, Zürich. Foto: © 2019. Digital image Whitney Museum of American Art / Licensed by Scala.
À esquerda: Room in New York, 1932. Foto © Sheldon Museum of Art © 2019 Heirs of Josephine N. Hopper / Artists Rights Society (ARS), NY. Railroad Sunset, 1929. © Heirs of Josephine Hopper / 2019, ProLitteris, Zürich. Foto: © 2019. Digital image Whitney Museum of American Art /Licensed by Scala.
Em (1932), o espectador observa um casal pela janela aberta de seu apartamento. É noite e as luzes da sala estão acesas. De fora, podemos ver a figura do homem que lê concentrado o jornal em sua poltrona. Sua mulher, sentada ao piano em um vestido de festa vermelho, parece estar na iminência de romper o silêncio que tensiona a cena, seu dedo indicador prestes a tocar uma das teclas do instrumento. Muitos anos depois de pintá-lo, Hopper mencionou esse quadro como a síntese visual de muitas impressões sensíveis, imagens de janelas acesas que observava de forma furtiva enquanto caminhava pela cidade à noite. Apesar de mais conhecido por suas cenas urbanas, pela representação sensível de uma cidade silenciosa, de ruas desertas e pessoas solitárias, uma parte considerável de seu trabalho se refere não a Nova Iorque, mas à Nova Inglaterra – sua natureza, igrejas, estradas, postos de gasolina, faróis e casas à beira-mar. E se as pessoas nos quadros de Hopper costumam ser inertes e apáticas, seus prédios e objetos parecem estranhamente animados. Suas paisagens podem incorporar características subjetivas, tornarem-se eloquentes, misteriosas, sinistras ou ameaçadoras. Algumas são identificadas no título das obras de , 1923) ou maneira antropomorfizada, como “a casa solitária” ( “dois puritanos” ( , 1945). Desta última, costuma-se dizer que o par de casas brancas, uma mais baixa e compacta ao lado de outra esguia e alongada, faria alusão ao casal Jo e Edward Hopper. Não raro, janelas de prédios lembram olhos abertos e alguns cenários parecem falar no lugar de seus habitantes emudecidos. Essa qualidade insólita não passou despercebida pelo cineasta Alfred Hitchcock, que usou a antiga mansão pintada por Hopper, em (1925), como modelo para a casa cenográfica de Norman Bates, assassino de seu Psicose (1960). Faz parte da singularidade do realismo
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Embora pintasse paisagens e figuras que pareciam suspensas no tempo, Hopper o fazia a partir da perspectiva de um observador que se desloca no espaço.
People in the Sun, 1960. Foto: Smithsonian American Art Museum, Washington DC/ Art Resource, NY Š 2019 Heirs of Josephine N. Hopper / Artists Rights Society (ARS), NY.
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de Hopper uma sutil inclinação ao surreal, como se observa em (1960). Nesta tela, um grupo de pessoas de terno e gravata, vestido e salto alto, tomam banho de sol em cadeiras reclinadas na varanda de uma casa à beira da estrada. Com exceção do homem que lê um livro de cabeça baixa atrás do grupo, todos têm sua atenção sequestrada por algo que está para além dos limites da tela. O que estão esperando? Wim Wenders dirá que esperam a morte. A iconografia associada a Hopper é repleta de imagens de estradas, automóveis, trilhos e estações de trem. Nesse sentido, o movimento e a velocidade, a qualidade que Baudelaire chamou de o “fugidio”, aparecem também como o objeto de uma atenção especial na obra do artista. Mas o interessante no caso de Hopper é que o que se move não é tanto o objeto representado, mas o olhar que o observa. Embora pintasse paisagens e figuras que pareciam suspensas no tempo, Hopper o fazia a partir da perspectiva de um observador que se desloca no espaço. Em suas imagens, portanto, o movimento registrado não é tanto o da realidade efêmera que o pintor observava, mas o de uma forma nova e singular de observar, como se aquelas cenas tivessem sido apreendidas de relance, pelo canto dos olhos de alguém que as vê pela janela de um trem ou pelo para-brisa de um carro em movimento. Se Baudelaire observa e descreve uma passante, Hopper é ele próprio o passante cujo movimento do olhar se inscreve nas imagens. O (1940), por exemplo, enquadramento de sugere a perspectiva do motorista que chega na hora do crepúsculo ao posto de gasolina deserto, como se o espectador da obra estivesse ele mesmo estacionando para abastecer seu carro. Por trás da estrada, a floresta densa. Ao contrário dos prédios, marcados pelos vãos das janelas abertas, diz-se de suas florestas que são sempre impenetráveis.
Gas, 1940. © Heirs of Josephine Hopper / 2019, ProLitteris, Zürich. Foto: © 2019 Digital image, The Museum of Modern Art, New York / Scala, Florence.
O amor de Hopper pelo cinema transparece em seus trabalhos e sabe-se que muito de suas técnicas de iluminação, enquadramento e perspectiva prestam homenagem às técnicas cinematográficas que o artista viu se desenvolverem ao longo da primeira metade do século 20. O cinema, por sua vez, ama Hopper em retorno e nas últimas décadas não parou de lhe prestar justas homenagens. A lista de cineastas que se declaram diretamente influenciados por sua estética é extensa e inclui nomes como Paul Schrader, Norman Jewison, Todd Haynes, Chantal Ackerman, David Lynch, Mike Figgis, Gustav Deutsch e Wim Wenders. Wenders, que acaba de produzir especialmente para a exposição do artista na Fundação Beyeler, em Basel, o filme , lembra-se do arrebatamento que experimentou quando viu, pela primeira vez, em 1972, uma tela do pintor no Whitney Museum, em Nova York. O cineasta, que passou a adotar as imagens de Hopper como modelo para seu de um filme, instantes de trabalho, percebe os quadros como encruzilhadas existenciais em que algo revelador está na iminência de acontecer ou acabou de se passar. São instantes que encontram paralelos na literatura de Joyce e Proust, naqueles momentos de epifania em que, embora pareça não acontecer coisa alguma, tudo se transforma. Hopper suspendeu o tempo e pintou o silêncio, tornando-o eloquente e transfigurando-o em imagens consistentes e poderosas. E porque sustentar o silêncio e enfrentar o vazio não são tarefas fáceis, nós espectadores nos colocamos diante dessas imagens a criar narrativas, imaginar situações, fantasiar diálogos e conceber destinos para aqueles lugares e pessoas que observamos
Abaixo: Frame do filme Two or three things I know about Edward Hopper de Wim Wenders, 2020. © Road Movies. À direita: Cape Cod Morning, 1950. © Heirs of Josephine Hopper / 2019, ProLitteris, Zürich. Foto: Smithsonian American Art Museum, Gene Young.
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do outro lado da tela. Somos tomados pelo impulso de enxertar esses intervalos desabitados com nossa intuição, nossos devaneios e desejos. São, portanto, imagens que provocam nossa potência de ficcionalizar, de inventar devires. Discorrer sobre um trabalho como o de Hopper, que prima tanto pelos silêncios e é informado pela ideia de que o mais importante de uma obra não pode ser definido ou explicado, pode parecer uma descompostura. Ou uma empreitada fadada ao fracasso. Eis o paradoxo. Termino de escrever este texto com a sensação de que talvez a maior homenagem que possa ser prestada a Hopper seja mesmo a contemplação silenciosa e o deslumbramento estético diante das cenas sublimes que ele criou. Como disse outro mestre da luz, Mark Rothko, “o silêncio é tão preciso”.
Elisa Maia é doutorando do programa de Comunicação e Cultura da ECO-UFRJ.
Edward Hopper • Fondation Beyeler • Basel • Suiça • 26/01 a 17/5/2020
FERNANDA GOMES
NA PINACOTECA, RETROSPECTIVA DE FERNANDA GOMES É APRESENTADA NA FORMA DE UMA GRANDE INSTALAÇÃO COMPOSTA DE FRAGMENTOS, FORMATO RECORRENTE NA PRÁTICA DA ARTISTA, QUE SE DESDOBRA AO LONGO DAS SETE GALERIAS TEMPORÁRIAS, DEMANDANDO DO OBSERVADOR UM PAPEL ATIVO NA LEITURA DO TRABALHO
POR JOSÉ AUGUSTO RIBEIRO Para além de uma reunião de obras, esta exposição resulta de uma ação de Fernanda Gomes em uma ala de sete galerias da Pinacoteca de São Paulo. Por 21 dias, a artista se manteve em atividade contínua nesses espaços, como em uma espécie de ateliê temporário, onde montou, concebeu e construiu o que se apresenta agora à visitação. Cada elemento existente aqui está posto em relação aos demais e ao ambiente. Trabalhos, mobiliário, arquitetura, iluminação, tudo passa a ser constitutivo da mostra, por meio de trocas e prolongamentos que desencadeiam, na sucessão das salas, um sistema de acontecimentos distintos uns dos outros, espalhados em todas as direções, mas coordenados, em configuração composta. Já as significações, essas estão todas por elaborar. A começar pela ausência de uma denominação – nem a exposição nem as obras têm nome. Atribuir-lhes título, uma designação fixa e definitiva, trairia a indefinição e a instabilidade com que se manifestam. As peças tampouco estão identificadas lá dentro pelas usuais legendas do museu, o que, em última instância, favorece as possibilidades de conexão entre uma e as outras, entre todas e o entorno, sem datá-las nem descrever materiais comuns ou técnicas peculiares, que requerem mais perícia ou labor que método. A produção institui, assim, as próprias condições de sua exibição: com um sentido forte de unidade, a fim de propor uma experiência integral, múltipla e única, sem chance de se repetir, nem em outro tempo, muito menos em um espaço diferente.
44 DESTAQUE
O conjunto de trabalhos presentes no museu reporta a momentos diversos da trajetória de Fernanda Gomes, desde o começo, na segunda metade da década de 1980, até hoje, mais de trinta anos depois. Sem uma ordenação cronológica no espaço, essa combinação de peças evidencia a formação de uma identidade no percurso da obra ou, pelo menos, a persistência de um pensamento sintético, exigente, que se exprime por 48 FERNANDA GOMES
formas breves, na lida com uma variedade de materiais e procedimentos. De uma visão ampla da produção como essa, sobressai a coexistência de duas características que talvez soem antagônicas, à primeira vista, mas que parecem encontrar, na austeridade do trabalho, um denominador comum: o rigor e a crueza. A obra de Fernanda Gomes se define pela precisão de suas estruturas e pela
Sem título, 1996.
precariedade de seus materiais, pela geometria e pelas marcas de uso, falha e deterioração de seus objetos. Suas superfícies ou são pintadas de branco (essa cor que é todas e nenhuma ao mesmo tempo, tida por “neutra”, “sóbria”) ou preservam o tom natural (cru) de seus elementos (a madeira, sobretudo). A disposição deles no espaço, aparentemente improvisada, difusa, muitas vezes se orienta pela virtualidade de grades ortogonais, em
ângulo reto. E no ambiente de suas mostras predomina uma sensação de vazio e dispersão, onde os intervalos entre as peças são tão construídos e componentes da produção quanto as peças em si. Salvo engano, a questão primeira da obra é o manejo econômico, exato, do mínimo de elementos necessários para a construção de suas estruturas, de maneira a extrair, de cada um, a máxima capacidade visual, sugestiva e sensorial. 49
A consequência disso costuma ser uma estranha atmosfera de abandono, solidão e quietude, apesar da concatenação entre os objetos. A ideia de uma falta, uma ausência, está de saída associada aos materiais que Fernanda Gomes incorpora ao trabalho: selecionados, recolhidos e acumulados por ela na rotina de sua vida doméstica, em andanças pelas ruas, no revolvimento de caçambas, lixos, dos cantos da cidade que se tornaram áreas provisórias de descarte e nos depósitos das instituições e galerias onde expõe. O rol desses itens inclui, em retrospectiva, fita dental usada, papéis de cigarros fumados, fios de cabelo, travesseiros, almofadas, sacos de dormir, louças quebradas, taças e cacos de cristal, copos, rolhas de garrafa, caixas de fósforo descascadas, livros carcomidos, café, água, folhas secas, móveis, um paraquedas, um andaime, vidro, placas de acrílico, ripas, sarrafos e chapas de madeira, bases de escultura, telas, chassis, e por aí vai.
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Os detritos, os restos são escolhas, não um dado condicionante. O trabalho consiste também em substâncias nobres, como o ouro, e encomendas – de um mobiliário expográfico desenhado pela artista, de um par de colheres fundidas em prata, sem acabamento completo, unidas pelas hastes. Mas, sim, prevalece na obra uma consciência de humildade de todo dia, pelos itens ordinários, corriqueiros, mais e menos pessoais, considerados inúteis e descartáveis para o cotidiano funcional. Agora, se as possibilidades de apropriação são extensas, os critérios seletivos são estritos. À suposição de que qualquer coisa caberia naquele grupo de elementos, impõe-se o regime elementar do trabalho, ao qual parece interessar a capacidade sugestiva da existência mundana – não da esfera das mercadorias, mas, de novo, dos resíduos, das sobras, das coisas portadoras de memórias, acumuladoras das marcas do tempo –, em formas sóbrias, não só sem adornos, mas “no osso”, no limite de seu arcabouço.
Esse branco não tem a ver com assepsia, pureza ou neutralidade. Pelo contrário, essa é uma produção suja, impura e toma posições bem marcadas.
Simples ou minuciosas, as operações de feitura dessa obra, também, são sempre precisas. Nem mais nem menos. Envolvem, em especial, gestos manuais, de amarrar, raspar, colar, empilhar, pregar, posicionar ou suspender uma peça no espaço, em ponto específico. Uma combinação de escassez e concisão, de esmero e fragilidade, que diz muito da produção. Também a opção pelos brancos como as cores do trabalho – assim mesmo, no plural – converge para a definição de uma qualidade circunspecta, discreta, de uma obra que se compõe, desde o princípio, de peças de tamanho, volume e espessura diminutos, vez ou outra também transparentes, posicionadas, não raro, fora do campo convencional de observação estabelecido por museus e galerias de arte. Na prática, o branco é, para Fernanda Gomes, um campo luminoso, um rebatedor de luz. Mas, quando colocado em ambientes de paredes também brancas (como tendem a ser em museus e galerias), o trabalho estende, duplica o entorno e, ao mesmo tempo, diferencia-se dali com sutileza e engenhosidade. A rigor, a obra preenche a maioria de seus espaços com uma cor que, no sentido figurado, é lacuna e silêncio. O fato é que esse branco não tem a ver com assepsia, pureza ou neutralidade. Pelo contrário, essa é uma produção suja, impura e toma posições bem marcadas. Eis então que o caráter construtivo do trabalho parece compreender uma dimensão lírica, dotado de um lirismo contido. Trata-se de algo idiossincrático, sem dúvida, com poder alusivo e, ao mesmo tempo, ultrapassa a expressão subjetiva pura; passa ao largo, por exemplo, da comunicação confessional, da ordem do diário ou do derramamento sentimental. Há intimidades que se entreveem na obra, em objetos de uso pessoal, na manufatura de algumas peças; embora não se abram sugestões que levem a alguma totalidade subjetiva, a insinuações a respeito de um perfil psicológico, de um estado afetivo. Se a produção cria, em suas exposições, ambientes específicos, com ares de domesticidade, como certo espaço de recolhimento, nem por isso se abrem aí flancos para algum tipo de rastreamento narrativo, para algum tipo de imagem ou encadeamento que se desenvolveria para além do que a própria obra dá a ver.
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No início do trabalho e até meados da década de 1990, sua inclinação poética – que permanece – acentuava-se pela presença do texto escrito. Palavras e frases compareciam a essa produção impressas em livros e embalagens, gravadas em moedas, inscritas em elementos incorporados à produção. Um pouco como ocorre de maneira geral nessa obra, esses elementos pareciam adquirir ou amplificar um poderio lírico ou literário, quando recortados das circunstâncias em que aparecem originalmente. Por exemplo, quando se lê apenas a palavra (liberdade, em francês), cunhada duas vezes, uma em cima da outra, de forma espelhada, na lateral de uma moeda, que tem todo o restante de seu corpo envolvido por uma trama de linhas… Ou quando se vê um palito de fósforo queimado, atado à parede, porque besuntado de tinta branca em sua ponta inferior. A delimitação, assim, de palavra e objeto multiplica seus efeitos alusivos. A intimidade que o trabalho apresenta é, em suma, anônima. O próprio sujeito atuante na produção dessas obras, no posicionamento de suas peças, na articulação de suas situações públicas, desmancha-se na integridade da linguagem da obra – suas operações são muito mais impessoais que expressivas. E a subjetividade que resta aí imanente não reconstitui memórias nem particularidades. O passado que comparece a suas mostras surge aos fragmentos, dilapidado. Boa parte dos objetos outrora largados, compilados pela artista, é proveniente não se sabe de onde, provavelmente de lugares e tempos vários, outrora pertencentes não se sabe a quem, provavelmente a pessoas muito diversas. Não há nada propriamente individuado por circunscrever, além da autoria.
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Na literatura a respeito da obra, essas proporções mínimas, o predomínio da cor branca, a aparência residual de seus objetos e a sutileza de sua presença “quase invisível”, em espaços expositivos “quase vazios”, convergem para a ideia de uma produção intimista, silenciosa, materialmente frágil. Mas, de diferentes interpretações sobre essa dimensão lírica, derivam também termos como “estética do precário”, “poética da delicadeza” e “técnica do pó”; descritivos que atribuem uma fisionomia, uma dicção e um modo de fazer dotados de certa singeleza àquilo que não tem sistema prévio, que assume conformações várias e cuja austeridade parece resultar de uma postura ética. Chama atenção, nesse ponto, que uma obra que tem a exposição como seu momento de efetivação – uma obra cuja realização coincide com o momento de sua extroversão pública – guarde, também, uma orientação intimista em diferentes etapas de seu processo de produção – desde a escolha de seus componentes, com índices e níveis diversos de uma privacidade desconhecida, até as formas de seu aparecimento, nos variados modos como se oferece à visão e ao corpo de seu observador. Porque o trabalho, de fato, endereça-se com solicitações de aproximação física a quem se interessar. Seja quando se posiciona direto no chão, na parede ou suspenso no ar, seja por meio de uma espécie de mediação interna à obra feita por mobiliário, por bases, vitrines e mesas, que são elementos, eles mesmos, compositivos do trabalho. Ao se colocar às vezes no limiar da visibilidade, por sua conformação discreta ou com peças “escondidas” em pontos fora dos padrões de exibição das mostras de arte – no topo, verso ou base de painéis expositivos, em quinas, fora da sala 55
expositiva –, a obra instiga a percepção e o comportamento curioso. É como se recomendasse ao observador um estado de alerta total, a atenção em cada canto do lugar onde se encontra e a inspeção completa de cada peça, por toda sua extensão. Em especial daquelas que, por suposição, só foram notadas porque se moveram em decorrência de um deslocamento do ar, provocado pela aproximação de alguém… Não é por acaso que a noção de imaterialidade ronda essa produção. Concepções diversas do “imaterial” se disseminam no aspecto provisório, solto, das conformações espaciais; nos efeitos impalpáveis de sombras, reflexos e projeção de luz; na insinuação de que os materiais da obra estão prestes a desaparecer, em razão de sua fragilidade física; e no desaparecimento, mesmo, de obras, ao término de uma exposição. Entre essas obras que deixam de existir, estão, por exemplo, intervenções diretas na arquitetura de uma sala expositiva ou a organização espacial de um grupo de objetos que, como aquela exposição de que fizeram parte, jamais será refeita. O fim, a morte não são temas, assuntos, mas estão na ordem das coisas do trabalho. Na outra ponta do processo de produção, o ateliê de Fernanda Gomes se mistura significativamente com o âmbito de sua vida privada. Não só porque um de seus espaços de trabalho é também o de sua morada, sem que haja limites claros entre
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uma área e outra, mas porque, de algum jeito, o ateliê da artista se transfere para seus espaços expositivos; e não só pelo fato de Fernanda Gomes realizar parte de suas peças no espaço de suas mostras, mas porque algo da atmosfera do ateliê, do lugar de trabalho, do lugar de decisões, hesitações, feitura e desfazimento, também comparece às exposições. Além disso, a imagem do ateliê também costuma ser trazida pela artista a suas publicações, como maneira de informar os próprios processos de produção. Ao mesmo tempo em que, claro, as situações de seu ateliê, de sua casa, acabam por compor a imagem pública da obra. Quando traz também esses processos de realização para o interior da exposição, o trabalho faz que o pensamento e a produção de suas peças se desenvolvam no mesmo lugar onde será mostrado, com suas operações à vista, francas. Diferentemente, portanto, da noção , já que não se trata de de conceber um trabalho especificamente para determinado lugar, mas de, naquele lugar, atuar na produção de obras e na criação de toda uma situação, essa, sim, específica. A obra de Fernanda Gomes está engajada em uma arte de ação direta, feita de gestos meditados, mas também de improvisos, decisões tomadas à queima-roupa. Enquanto o ateliê se configura como o local de
Vida e arte se realimentam constantemente. A diferença entre objetos de arte e objetos comuns ainda aparece como um mistério.
acumulações – de materiais, trabalhos, ideias –, é na transição para o espaço de exposição que o trabalho opera seus processos de depuração. Isso está explícito, aliás, na sequência de imagens organizada pela artista para esta publicação – e, diferentemente de um catálogo, de um registro, da exposição na Pinacoteca, é um livro pensado pela artista que acompanha e completa a mostra. Também, por essas razões, a famosa dicotomia entre arte e vida é um tópico recorrente nas reflexões de Fernanda Gomes. Em entrevistas e textos de sua autoria, as declarações da artista a respeito do assunto apontam para uma indiferenciação entre as duas noções – apesar da estranheza desse cotejamento entre um campo tão delimitado, como o da arte, e aquilo que não poderia ser mais indeterminado, como é a vida. A artista costuma falar, então, de como “vida e arte se realimentam constantemente”, de como “as coisas são e estão
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misturadas”, ou que “a diferença entre objetos de arte e objetos comuns ainda aparece como um mistério”. Formulações que se distinguem, por exemplo, da interpretação corrente sobre a mistura da arte na vida, segundo a qual a arte ingressaria na vida para interceder na realidade objetiva. Fernanda Gomes, ao contrário, repõe o problema da autonomia da arte e das especificidades da área, sem reivindicar privilégios ou um estatuto especial com isso. Trata-se de um dado do trabalho, ao revirar repertórios da arte moderna e ao criar situações que assinalam emancipação e independência em relação à vida prática e à racionalidade técnica. Para Fernanda Gomes, a arte influi no entorno imediato por “melhorar a qualidade da vida”. E o faz no enfrentamento contra a domesticação dos sentidos: “a arte transforma o mundo, simplesmente por transformar a percepção do mundo”. Leia este texto na íntegra em nosso site.
José Augusto Ribeiro é mestre em Teoria, História e Crítica de Arte e curador na Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Fernanda Gomes • Pinacoteca • São Paulo • 30/11/2019 a 24/2/2020
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Penitente Santa Maria Madalena, 1576-1577 Foto © Selva / Bridgeman Images
Em sua temporada de abertura, o The Shed, espaço recém-inaugurado concebido para as artes no centro de Hudson Yards, inaugura uma exposição retrospectiva de Agnes Denes, curada por Emma Enderdy que qualifica a artista como “uma das mentes artísticas mais dinâmicas dos últimos 50 anos”. De fato, Agnes Denes é mais conhecida por sua obra, (1982), onde ela planta um campo de trigo no meio de Manhattan. A foto da artista, segurando um bastão e atravessando sua obra, é hoje em dia considerada um dos ícones da história da arte contemporânea. Porém, sua obra tem várias facetas, representadas de maneiras diversas e atípicas. A exposição , apresenta mais de 150 obras, cobrindo cinquenta anos de sua carreira. Utilizando vários meios artísticos, Agnes Denes cria uma obra voltada para o público e ao mesmo tempo para a introspeção; uma obra criada para a humanidade, baseada em sua própria história e orientada para o seu próprio futuro. Agnes Denes tem um apetite desmesurado pela pesquisa, que seja ela matemática, científica, histórica, arqueológica e tantos outros campos que abrigam o saber da humanidade. Nascida em Budapeste, em 1931, ela cresceu na Suécia e continuou sua educação e estudos nos Estados Unidos. O foco da obra de Denes pode ser qualificado como humanitário: são projetos de cidades futuristas ecorresponsáveis, projetos de plantações de árvores para transformar grandes
© Agnes Denes, Cortesia Leslie Tonkonow Artworks + Projects, New York.
POR LEONARDO IVO
AgneS DeneS
Wheatfield - A Confrontation: Battery Park Landfill, Downtown Manhattan With Statue of Liberty Across the Hudson, 1982.
Wheatfield - A Confrontation, 1982. Battery Park Landfill, Downtown Manhattan. Cortesia: Public Art Fund, New York. Foto: John McGrail.
metrópoles em santuários ambientais, textos e cápsulas do tempo, todas condensadas em fórmulas e soluções matemáticas resultando em formas arquitetônicas que lidam com as crises ambientais criadas pelo próprio homem. Agnes Denes tenta representar coisas abstratas como a lógica ou os tantos outros procedimentos de racionalização; como diria Paul Klee: “tornar o invisível, visível”. Esse aspecto é encontrado em seus (1968), em outros termos: a tradução de um pensamento analítico em forma visual. Usando teorias e cálculos de Pascal, Porfírio, Alfred N. Whitehead ou Berthrand Russel, entre outros, a artista estabelece comentários visuais sobre a lógica que tomam a forma de uma pirâmide, símbolo fetiche da artista. Entre 1973 e 1979, Agnes Denes realizou sua série que usa projeções isométricas, o método de representar objetos de três dimensões como rascunhos técnicos em duas dimensões, permitindo-lhe modificar o formato do planeta Terra e guardar ao mesmo tempo suas medidas originais e proporções. Dessa maneira, ela transforma a Terra em uma pirâmide, um cubo, um ovo, um limão e até em um cachorro-quente. Para a artista, essas obras servem como uma alegoria, provocando nossas ideias de fato e ficção estabelecidas em nossa realidade. Como preconiza a artista, os “são realidade esculturada, baseada em elementos conflitantes e interdependentes da arte e 62 AGNES DENES
Abaixo: Série Map projections © Agnes Denes 1970-1973.
da existência, da ilusão e da realidade, da imaginação e do fato, do caos e da ordem”. Nessa primeira fase de seu trabalho, Denes lida com o conhecimento global da humanidade. Porém, ela é mais conhecida por suas obras ecológicas. O trabalho ambiental mais famoso da artista é (Nova York, 1982). Convidada um ano antes pelo Public Art Fund para criar uma escultura, Denes preferiu plantar um campo de trigo. A uma quadra de Wall Street, de frente à Estátua da Liberdade, o campo de trigo se eleva e se encontra no meio do trânsito de uma cidade agitada. “Um largo campo de grãos dourados sobre uma terra pensada para os ricos, em um setor imobiliário caro.” Quatro ou cinco milhões de dólares na época, lembra-se a artista; um espaço agora ocupado pelo Battery Park City. Essa obra vai além da arte para se confrontar com questões globais internacionais. O campo de trigo representa comida, energia, comércio: e economia. Ele é uma intrusão no meio da cidade, e confronta de cara a civilização. O campo conseguiu ser mantido por quatro meses. A obra pode ser vista como uma tentativa de aliviar o estresse causado pela crise ambiental. 63
À direita: Egg Pyramid – The Ovoidium – Future City SelfContained, Self-Supporting City Dwelling, 1984/2014. Half Bird – A Flexible Space Station, 1984. Tree Mountain - A Living Time Capsule - 11,000 Trees, 11,000 People, 400 Years (Triptych), 1992-1996, 1992/2013.
Foi a primeira vez que um artista foi solicitado para restaurar um dano ambiental com uma obra planejada para as gerações futuras.
© Agnes Denes, Cortesia Leslie Tonkonow Artworks + Projects, New York.
Outra obra da artista, (1992-96) coloca-se como uma nova tentativa de unir o intelecto humano à natureza. Esta obra , em Ylöjärvi na Finlândia, tem 270 metros de largura e 28 metros de altura e uma forma elíptica baseada no número de ouro, tão preconizado por Da Vinci. Encomendada pelo o Ministério do Meio Ambiente finlandês e pelas Nações Unidas durante a Eco-92, que aconteceu no Rio de Janeiro, foi a primeira vez que um artista foi solicitado para restaurar um dano ambiental com uma obra planejada para as gerações futuras. Onze mil pessoas do mundo inteiro se juntaram para plantar 11 mil árvores, cada uma delas leva o nome da pessoa que a plantou. O propósito é que as árvores sejam legadas aos herdeiros dos plantadores, para serem mantidas mostra como e cuidadas através dos séculos. Ao longo do tempo, os anos influenciam e modificam uma obra de arte. Ela se torna um instrumento que mede a evolução da arte, deixa de ser um tótem de uma era decadente da história da humanidade para se tornar um monumento digno de uma grande civilização, não para alimentar seu ego, mas para beneficiar as futuras gerações com um legado cheio de sentido: é uma cápsula do tempo em grande escala. Várias obras de Denes têm cápsulas do tempo. Feitas de metal e para serem abertas daqui a mil ou cinquenta mil anos, elas agem como um testemunho. Na Documenta 14, em Kassel, Denes criou uma pirâmide “natural” com a obra (2017), onde visitantes puderam plantar legumes, frutas e várias outras 64 DO MUNDO
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plantas para serem cultivadas. Assim como para ou , Denes quer criar um monumento a natureza, dando vida ao microcosmo. Dentro dessas cápsulas, encontram-se as reações das pessoas sobre a obra obtidas graças a um questionário feito pela artista, cujas respostas provêm de testemunhos sobre as diferentes crises ambientais que encontramos em nossa época. Denes explica a necessidade dessas cápsulas como um : “para que o futuro possa nos avaliar pelas nossas respostas a questões importantes [...]. Gostaríamos de nos comunicar com o futuro para nos desfazer de nossa mortalidade, destas vidas curtas que temos”. Essa questão preocupa a artista desde sempre. Mas, afinal, como poderíamos qualificar o movimento no ? Não no sentido de hoje; qual se encaixa Denes: ela consegue fugir de tais categorizações. Ela detesta o confinamento, ou qualquer restrição. Sobre o Landart, ela diz: “foi feito por artistas que precisavam de um espaço maior que o ateliê. Eles não tinham questões ou preocupações ambientas, sobre as quais eles não se interessam. A não ser, talvez, Robert Smithson.” Mas ela estava, de fato, envolvida nesse movimento pelo qual ela se interessou desde os anos 1960. Denes conta que se a obra dela foi um pouco marginalizada, comparada às dos outros artistas, é porque ela passava tempo demais pesquisando, sozinha, sem promover sua arte de maneira extensiva; “ou porque não podiam entendê-la, eu suponho.” Como sugere Hans Ulbricht Obrist em uma entrevista com a artista em 2018, Denes e Da Vinci compartilham um método de trabalho similar. Porém, Denes sabe onde se posicionar: “Eu acho que é pelo nosso interesse comum pela ciência, e pela diversidade de seu trabalho, e a diversidade do meu. Isso volta ao fato que eu desejava reavaliar o conhecimento. Ele quis inventar a ciência.” 66 AGNES DENES
À esquerda e abaixo em detalhe: World of Thorns. Foto: Dan Bradica. Vista da exposição no The Shed.
Para a artista, a pirâmide é símbolo de temas ecológicos, sociais e culturais.
“Reavaliar o conhecimento” representando-o, tal é a filosofia de Agnes Denes. Sua arte se torna “filosofia visual”, principalmente quando ela usa o formato da pirâmide. Para a artista, a pirâmide é símbolo de temas ecológicos, sociais e lida com questões e conceitos ambientais e culturais. Sua filosóficos: desenhadas pela artista antes da era dos computadores, as pirâmides dessa série tomam forma graças a vários humanos (representados em pequeno formato) como em (1994). Eles se dispõem de tal forma para de criar uma pirâmide perfeita, levantando questões da gênese do homem na linha do tempo. De onde viemos, para onde iremos? A também propõe soluções para nossa espécie quando nosso planeta poluído ficará sem recursos naturais. (1984), (1984-2014) ou (1984) são propostas para uma habitação constrita e autossuficiente, que se adapta ao clima e à natureza. Graças à ajuda e ao patrocínio do The Shed, Denes pôde realizar uma maquete de umas dessas estruturas: – (1984), o projeto de uma estrutura monumental que flutua sobre uma base circular, como um monumento futurístico, brilhando do seu interior. Agnes Denes também pôde realizar outra obra, que até então permanecia no papel e em sua mente. (2019) é outra proposta para uma arquitetura futurista feita com cem mil blocos de vidro impressos em 3D. Também iluminada, ela concorre com os monumentos egípcios e serve como representação de nossa história e ciência. 68 DO MUNDO
Foto: Leonardo Ivo. Vista da exposição no The Shed.
Acima: Model for Probability Pyramid-Study for Crystal Pyramid, 2019. Foto: Stan Narten. À esquerda: Model for Teardrop-Monument to Being Earthbound, 2019. Foto: Kelly Barrie. Commissioned by The Shed; courtesy the artist and Leslie Tonkonow Artworks + Projects.
Finalmente, Denes nos alerta sobre situação e a do nosso planeta. Os recursos naturais do mundo estão em perigo. A última obra da exposição, (2005), fala direto com o visitante; são quatro pirâmides com diferentes líquidos em seu interior: uma com água pura, outra com água contaminada, uma com óleo, e uma última completamente espelhada. O que estamos fazendo contra as contaminações de água? O que podemos fazer contra a exploração da fauna e da flora e desenvolver hábitos limpos que preservarão nosso planeta? Com preocupações tão atuais, a obra de Agnes Denes é vista como prenunciadora. À frente de seu tempo, a obra arquitetônica e científica de Denes poderá provavelmente aliviar a futura condição da raça humana.
DEPART, 2015 Leonardo Ivo é estudande em história da arte em Sorbonne, Paris e colaborador de mídias sociais do artista Gonçalo Ivo.
Agnes Denes: Absolutes and Intermediates • The Shed • Paris • 9/10/2019 a 22/3/2020
LEONOR
ANTUNES Exposição Raumplan na Galeria Luisa Strina, 2013. Foto: Edouard Fraipont.
AS OBRAS DA ARTISTA PORTUGUESA LEONOR ANTUNES, EM EXPOSIÇÃO MONOGRÁFICA NO MASP, ESTABELECEM RELAÇÕES ENTRE A ESCULTURA, A ARQUITETURA, O DESIGN, A LUZ, E O CORPO – DO ESPECTADOR QUE TRAFEGA PELA GALERIA OU DO AMBIENTE QUE A ARTISTA OCUPA
POR AMANDA CARNEIRO Os trabalhos de Leonor Antunes, definidos por ela mesma como “esculturas criadas no espaço”, são extraordinários em seus resultados visuais porque combinam uma execução primorosa das peças, ora maleáveis, ora rígidas, à textura de diferentes materiais e superfícies, como o uso inteligente da luz e da sombra, da opacidade e da transparência, das diferentes medidas, escalas e maneiras de expor, que, calculadas com precisão pela artista, promovem uma experiência singular e direcionada do corpo no espaço. Por outro lado, não se furtam a estabelecer e explicitar relações com o vocabulário e a linguagem de outras produções artísticas, em especial aquelas conectadas a práticas vernaculares. No Museu de Arte de São Paulo Assis Chateubriand (MASP), Antunes reforça seu diálogo e pesquisa pelos “vazios, intervalos e juntas” da arquitetura de Lina Bo Bardi (1914-1992), produzindo especialmente para a exposição que acontece simultaneamente em duas de suas construções icônicas: o edifício do MASP e a Casa de Vidro. Nota-se, por meio do título da mostra, que a artista intenciona retraçar as práticas de Bo Bardi com relação à materialidade (e à disposição no espaço), bem como ao conteúdo simbólico que estas mobilizam, investigando a maneira como aspectos arquitetônicos impactam a experiência de quem utiliza o espaço, e abrindo a percepção para conotações cotidianas e mesmo não artísticas. Situar a produção de Antunes em relação a Bo Bardi equivale a posicionar o exercício artístico em uma perspectiva de presentificação histórica do passado, na qual o instrumento e a medida da interação entre arte e arquitetura 74 ALTO RELEVO
Bienal de Veneza, 2017 Foto: Nick Ash. Retrato de um jovem segurando uma partitura, conhecido como Le Musicien, 1483-1490. Foto: Š Veneranda Biblioteca Ambrosiana.
valorizam os saberes anteriormente constituídos. Isso leva em consideração a correlação de indivíduo, tempo e espaço, em uma dedicada colaboração com os materiais, a qual recai mais sobre os aspectos e inspirações ditas populares do que sobre o seu contrário canônico. Por isso as retomadas de Anni Albers (1899-1994), Clara Porset (1895-1981), Egle Trincanato (1910-1988), Ruth Asawa (1923-2013) e da própria Bo Bardi são tão indiciárias, já que todas essas artistas apostaram em um modernismo articulado a saberes e práticas artesanais. (2019), por exemplo, a artista referencia a Em exposição de mesmo nome realizada por Bo Bardi no Sesc Pompeia. “Caipiras” e “capiaus” são alcunhas dadas a pessoas que vivem em zonas rurais; “pau a pique” é uma base vernacular de construção, feita a partir do entrelaçamento de madeiras verticais e vigas horizontais preenchidas com barro. Em desenho de Bo Bardi para essa exposição, a arquiteta chama atenção para que os objetos não sejam expostos “como peças folclóricas”, tensionando os limites entre o saber formal e o não formal. A mostra é então recodificada por Leonor nesse trabalho,
76 LEONOR ANTUNES
que, apesar de ser constituído por um material industrial, é revestido por um pó natural que dá coloração às peças. Suas medidas foram calculadas a partir da altura de Lina Bo Bardi, revelando a preocupação de Antunes em dotar o espaço de dimensões e esquemas corporais como parte da experiência no ambiente, como se não houvesse espaço que não estivesse relacionado à imagem, mesmo que inconsciente, do sujeito que o experimenta. Antunes parece operar uma destilação formal das proposições da arquitetura, da arte e do design modernos, por meio de alguns princípios básicos, como a aposta nos materiais e na abstração como lugar central para o tratamento dos intercâmbios entre gerações e disciplinas ao longo do século 20. Em um primeiro momento, Leonor Antunes semelha abordar pontos eclipsados e menos aparentes da prática dessas arquitetas e artistas que, quando analisadas em conjunto, revelam um interesse axiomático da artista por aquilo de vernacular e orgânico que o trabalho de cada uma delas contém como ponto de partida. Esse procedimento de mediação entre gerações e fazeres é tanto linear
Vistas da exposição no MASP, 2019/2020.
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Resonating Spaces na Fondation Beyeler, Basel, Suiรงa, 2019.
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quanto cíclico, buscando ligação e não separação porque revela e enriquece uma tradição de ofício que, no trabalho de Antunes, é incorporado à sua arte, iluminando retrospectivamente características radicais e singulares da atuação dessas que são suas referências. Os trabalhos abstratos de Antunes reconectam a imaginação à materialidade e à sua dimensão artesanal, fazendo com que os processos de criação surjam à consciência. Nas esculturas, a matériaprima e o resultado final apontam tanto para a colaboração com o material quanto para processos de pesquisa e realização de outros artistas. Contudo, não se deve confundir esse processo como algo linear, claramente divisível. Em vez disso, tais processos se constituem também pelo reconhecimento ou preenchimento dos vazios, juntam referências de espaçostempo distintos, encontram-se nos intervalos entre práticas reconhecidas e outras negligenciadas.
Amanda Carneiro é curadora assistente no Museu de Arte de São Paulo - MASP. Acima: Exposição Raumplan na Galeria Luisa Strina, 2013. Foto: Edouard Fraipont.
Leonor Antunes: Vazios, Intervalos e Juntas • MASP • São Paulo • 13/12/2019 a 12/4/2020
À esquerda: Zurich Art Prize 2019, Museum Haus Konstruktiv, Zurique, Suíça. The Pliable Plan , 2015. CAPC musée d'art contemporain de Bordeaux, França. Foto: Arthur Pequin e D. Deval
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RAFAEL BARON POR THIAGO FERNANDES Rafael Baron é um dos vencedores do Concurso Garimpo 2019/2020 por voto popular. O artista de Nova Iguaçu (RJ) se dedica à pintura figurativa e, mais especificamente, à representação da figura humana. Rafael utiliza seu trabalho como meio de engajamento político, abordando problemáticas como preconceitos sociais, racismo, LGBTfobia, misoginia, pobreza, etc.
Nas pinturas de Rafael, destacam-se as pinceladas expressivas e cores fortes. O artista se distancia da representação naturalista e faz composições em que predominam manchas cromáticas que dão forma a seus personagens. Figuras humanas, geralmente sozinhas ou em dupla, ocupam quase a totalidade dos quadros, sem deixar revelar o cenário onde se apresentam. Os fundos
abstratos, compostos por cores cuidadosamente escolhidas, projetam para frente as figuras centrais, construídas por cores quentes e chapadas, às quais se somam pequenas manchas que parecem sugerir algum volume, mas atuam, sobretudo, no realce da expressividade e do dinamismo das figuras. Uma característica que se apresenta em todas as pinturas de Rafael é a individualidade das figuras mostradas. Embora o artista determine certos padrões que conferem unidade a seus personagens – como a redução dos olhos a duas manchas pretas e o destaque dado aos lábios por seu vermelho vibrante –, cada figura apresenta sua personalidade e parece contar uma história, sugerida – nunca revelada – por alguns detalhes
Cada figura apresenta sua personalidade e parece contar uma história, sugerida mas nunca revelada.
Na pg anterior: André and Bruna, 2019. À esquerda: Etnias, 2019. Abaixo: Potiara and Potiguara, 2020.
particulares que o artista acrescenta às imagens. Para afirmar sua identidade, os personagens recebem nomes e, assim, imaginamos as histórias que existem por trás de Hannah, Paulo, Mário, Dani, Evelyn, Marie, John e tantos outros. Rafael é um observador atento e, para construir seus misteriosos personagens, parte de diversas fontes, inclusive sua própria imaginação. A androginia das figuras assinala o caráter aberto de suas obras e o desejo de tornar o espectador um coautor, responsável por dar forma às histórias que são apenas sugeridas. A representação dos afetos também é um tema comum nos trabalhos de Rafael. Não raramente seus personagens são representados abraçados ou em situações íntimas. Ou, como no caso de Hannah (2019), abraçando a si, como uma manifestação de orgulho, empoderamento e cuidado de si. É também pela noção
À esquerda: Alessandra, 2019. Abaixo: Hannah, 2019. Jeremy, 2020. Marias, 2020.
de afeto e empatia que Rafael aproxima suas obras do público, levando-o a se identificar com os personagens que cria e com as narrativas que suscita. A representatividade se coloca como conceito substancial na elaboração de seu universo imagético, onde as margens fluem para o centro e a eloquência das formas puxam o espectador para seu interior.
Thiago Fernandes é crítico, historiador da arte e doutorando em Artes Visuais pela UFRJ.
RESENHAS exposições
O cérebro (e a caminhada) de Guido Anselmi • 18/1 a 15/3/2020 • MAM • Rio de Janeiro POR NICHOLAS ANDUEZA
FELLINI COMO OBRA: SOBRE UMA INSTALAÇÃO FOTOGRÁFICA A exposição , no MAM-RJ de janeiro a março deste ano, faz parte da comemoração do centenário de Federico Fellini. A exibição traz movimento triplo: o filme ½ , de Fellini, as fotografias de bastidores feita por Paul Ronald e a instalação-curadoria de Hernani Heffner. Eis o enredamento: Fellini bebe no seu alterego em Marcello Mastroianni (que faz Guido) para realizar ½ (1963), filme sobre o processo de filmar; Ronald fricciona a relação diretor-ator com o imaginário do “cinema” e produz faíscas em forma de fotografias; destas Heffner potencializa o poder incendiário, explorando-as espacialmente em uma instalação, cuja arquitetura se inspira nas sinapses de um inconsciente felliniano. Assim, a sala forma a inversão de um labirinto: os muros são vazados, os caminhos não se fecham e o objetivo não é se encontrar, mas se perder. No breu e com luzes pontuais, a sala inteira parece suspensa, como em uma 86
interseção. Beco Fellini. Penso no vão das paredes que seguravam os “relevos de canto” do jovem Tatlin. Apoiada na pura suspensão de uma intercessão estava a obra – e nela, um universo inteiro. “O Cérebro...” é como a suspensão de um canto do museu. Por ela se passa andando, atravessando estruturas metálicas, tecidos, fotografias e imagens em movimento, como em um fluxo de (in)consciência. O percurso sugerido, marcado no chão, mostra cada imagem uma vez só, sem repeti-las. Mas o espectador é livre para ignorá-lo e escolher o próprio percurso, já que os caminhos são abertos. A única exigência é que o novo trajeto também passe em cada lugar uma única vez. Esse é o dispositivo. Quadrilátero simétrico, o antilabirinto tem como pilar central uma espécie rara (carrinho para acoplar à câmera de e movimentá-la), concebida não por engenheiros, mas por um ator, preocupado com a interação móvel entre câmera e corpo. Assim, o núcleo do cérebro de Guido-Fellini é essencialmente vivo, porque é fundado na mobilidade – e a inércia do carrinho exposto passa a indicar não uma fixidez,
Vista da exposição. Fotos: Drika de Oliveira.
mas um devir do movimento. Um círculo preso no teto com véus brancos móveis ora tapa ora exibe o carrinho; nas paredes à volta, imagens em movimento projetadas (incluindo o de ½). No jogo de vejo-não-vejo, assisto à querela entre o véu e a imagem. O véu esconde o que está logo ali, ao alcance das mãos; a imagem mostra o que não posso tocar. Jogo erótico, dinâmico: o cinema como desejo, o desejo como cinema – eis o minotauro do “Cérebro”. Sintetizando esse erotismo estão as fotos de Paul Ronald, verdadeiras imagens veladas. São 70 fotografias escolhidas entre 2.200 negativos que registraram os bastidores de ½. O filme nos apresenta um circo absoluto. Da crise subjetiva à Crise dos Mísseis, ele se autoexpõe em metalinguagem, diz-se nu como o rei. Nas fotos, vemos o momento em que cai cada peça de roupa. Olhares de Fellini, de Guido, de Mastroianni, da equipe. Olhares para a câmera, a cena, o nada; olhares que simultaneamente velam e desvelam. Roupas, posturas, equipamentos da época. As fotografias gritam os artifícios do cinema, como ½ faz de si próprio e como o faz também o
Cérebro-passeio, através das transparências nos véus e nas estruturas metálicas, ambos inspirados no filme. E, , como de tudo isso, nós, os seres lembrantes e desejantes, não seríamos nós os pingos de memória, as sinapses que animam o sistema ao percorrê-lo? Não seríamos a esperança de um passado possível? Ou seja: Mastroianni incorpora Fellini na forma de Guido; Fellini transmuta Guido em seu filme-sobre-o-filme; Ronald produz uma constelação fotográfica do “filme-processo”; Heffner, então, remete a constelação a um universo inconsciente de Fellini, nomeado Guido. Talvez não se trate “apenas” de uma exposição de fotos de .
Nicholas Andueza é doutorando bolsista em Comunicação e Cultura na UFRJ, é professor de cinema em cursos em Nova Friburgo e trabalha como editor de cinema e audiovisual.
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LIVROS lançamentos Penitentes - dos ritos de sangue à fascinação do fim do mundo Autor: Guy Veloso Itaú Cultural - 224 p. - 97 fotos A busca pelo sagrado faz parte da vida do fotógrafo paraense Guy Veloso desde a infância, quando assistia à passagem do Círio de Nazaré em frente à casa de sua avó, em Belém. Porém, é sobre a Ordem de Penitentes que desenvolveu, ao longo de 17 anos, vasta pesquisa composta por dados e fotos, registrando 203 grupos em 13 estados, nas cinco regiões do país. Contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2017-2018, é o primeiro volume brasileiro de fotografias que aborda o tema com abrangência nacional. Lançamento no 10º Foto em Pauta - Festival de Fotografia de Tiradentes, de 18 a 22/3/2020.
Tinho Organização: Laís Denise Santana e Ricardo Kimaid Jr. Galeria Movimento - 255 p. - R$ 100,00 Um dos precursores do grafite no Brasil e um dos principais nomes da arte urbana na América Latina, o paulistano Walter Tada Nomura, o Tinho, lança livro que celebra sua trajetória. Com uma seleção de textos críticos e curatoriais de Charberlly Estrella, Isabel Portella, Saulo Di Tarso e Marcus Lontra Costra, a publicação revisita a carreira do artista que, a partir da década de 80, percorre os principais movimentos urbanos no Brasil.
COLUNA DO MEIO Fotos: Junia Azevedo
Quem e onde no meio da arte
Maneco Muller, Teresa Salgado, Luiz Antonio Cunha e Stella Ramos
Ronaldo Rego, Macedo e Maneco Muller
De vários modos Galeria A2 + Mul.ti.plo Rio de Janeiro Luiz Antonio Cunha, Teresa Salgado e Walter Carvalho
Eduardo Oliveira, Cesar Fraga e Isaac Karabtchevsky eMaria GinaHelena Elimelek
Antonio Werneck, Cristina Achè e Murilo Salles
Fotos: Sonia Balady
Thiago Rocha Pitta e Daisy Xavier
Gilson Costa, Cristine Santos e Leticia Santos
Pedro Paulo Afonso, Kade e Francisco Rosa
KADE Galeria ZERØ São Paulo Thomas Baccaro
Aline Javi e LeonardoZanguetin
Mariana Barossi e Rachel Schein
Lara Felisberto, Julia Brocco e Isabella Costa
Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente em seu aplicativo para tablets e celulares e no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil. Para ficar por dentro do mundo da arte, siga a Dasartes.
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