RevistaDeLetraEmLetra vol2 n2 2015

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De Letra em Letra / Departamento de Letras, Universidade Federal de

São Paulo - UNIFESP - v. 1 (2012). - Guarulhos, SP : [s.n.], 2012: il.

Quadrimestral, dez. 2012 – n. 2, agosto 2015. Inclui bibliografia. ISSN 2317-3610

1. Linguística. 2. Linguística Aplicada. 3. Literatura I. Universidade Federal de São Paulo - Departamento de Letras.

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EXPEDIENTE DA EDIÇÃO Vinculação Institucional Departamento de Letras da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo – EFLCH-UNIFESP

Chefe de Departamento Rita Jover-Faleiros

Corpo Editorial

Editora-chefe Karina Menegaldo

Assistente de Edição Carlos Henrique Vieira

Auxiliar de Edição Fernando Leite Morais

Conselho Editorial Alessandra Caroline Fortunato Carlos Henrique Vieira Daniella Kojol Paiva Estefania Oliveira de Paula Karina Menegaldo Luis Octavio Rogens de Melo Alves Mayra Martins Guanaes

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Comitê Científico Dra. Ana Luiza Ramazzina Ghirardi (UNIFESP) Dra. Ana Rosa Ferreira Dias (USP/PUC-SP) Dra. Bianca Fanelli Morganti (UNIFESP) Dr. Carlos Renato Lopes (UNIFESP) Dr. Edson Correia (FMU) Dra. Graciela Alicia Foglia (UNIFESP) Dr. Janderson Luiz Lemos de Souza (UNIFESP) Dra. Leila de Aguiar Costa (UNIFESP) Dra. Leonor Lopes Fávero (PUC–SP) Dra. Ligia Fonseca Ferreira (UNIFESP) Dr. Márcio Rogério de Oliveira Cano (UFLA) Dra. Maria Lúcia Dias Mendes (UNIFESP) Dra. Mirhiane Mendes de Abreu (UNIFESP) Dra. Paloma Vidal (UNIFESP) Dr. Paulo Eduardo Ramos (UNIFESP) Dr. Rafael Dias Minussi (UNIFESP) Dra. Raquel dos Santos Madanelo Souza (UNIFESP) Dr. Sandro Luis da Silva (UNIFESP) Dra. Sofia Maria de Sousa Silva (UFRJ) Dra. Sueli Cristina Marquesi (PUC-SP/UNICSUL) Dra. Sueli Salles Fidalgo (UNIFESP) Dra. Vanda Maria Elias (Editora Contexto)

Revisores Ana Paula de Macedo Brum André Felipe Barbosa Caique Franchetto Debora Christofoleti Fábio Fernandes de Lima Francielle de Queiroz Zurdo Giovanna F. Rossinhole Jéssica Máximo Garcia Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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Lincoln Carneiro Marcela Pereira Pequeno Mariana Pimentel Nelson Flávio Moraes de Oliveira Sarah E. G. de Araújo

Equipe Técnica

Diagramação Thiago de Almeida Castor do Amaral

Capa Joyce Braga

Coordenação tecnológica e website Karina Menegaldo

Assessoria tecnológica Éric Frade Thiago de Almeida Castor do Amaral

Projeto gráfico Karina Menegaldo Thiago de Almeida Castor do Amaral

Secretários Nelson Oliveira Sarah. E. G. de Araújo

Agradecimento especial aos colaboradores Ademir da Silva Costa, Éric Frade e Revista SINERGIA. 6

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SUMÁRIO

Expediente da Edição

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Apresentação

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Discurso e representação social: uma Análise Crítica do Discurso d’ A Resposta da Igreja 8 A aprendizagem cooperativa em língua inglesa no ensino fundamental A poética obscura da palavra na arte conceitual

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As marcas de contextualização no artigo de opinião.

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A argumentação e a progressão textual em produções escritas em língua espanhola

68

O efeito de horror em duas traduções de “The Black Cat” de Edgar Allan Poe: um estudo lexical baseado em corpus

86

Crenças de professores em formação sobre sua proficiência em língua inglesa: reflexões e perspectivas de ação

107

Aí, daí e então: contextos discursivos e variação sociolinguística

120

A figura do narrador de Le goût des jeunes filles, de Dany Laferrièrre

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APRESENTAÇÃO O desenvolvimento científico na área de Letras e a divulgação como compromisso ético. A revista De Letra em Letra, concebida e estruturada no jovem curso de Letras da Universidade Federal de São Paulo, tem como princípio fundir o desenvolvimento acadêmico aos novos processos editorias, ambos como vocações naturais da área de Letras. Comprometido com o aprimoramento do saber acadêmico e desenvolvimento nos diferentes estudos possíveis dentro da mesma área, o Corpo Editorial busca aprimorar os processos junto aos colaboradores e ao seu Comitê Cientifico, publicando trabalhos oriundos das pesquisas realizadas, ao passo que orienta a formação de muitos dos colaboradores envolvidos no processo, constituindo assim um processo bilateral de formação. Pautando-se na estruturação que considera as novas tecnologias disponíveis em consonância com a divulgação científica, a revista De Letra em Letra, possui entre os princípios que regem a organização de seu editorial, desde a sua concepção, a integração do processo de disseminação do conhecimento científico e a formação de nosso corpo humano, alinhada aos desenvolvimentos conquistados por outras áreas da ciência e pelos processos de editoração. Assim, a publicação deste volume da revista De Letra em Letra traz a público o motivo primeiro de sua criação: a divulgação de trabalhos de qualidade e relevância para os diferentes segmentos que a área das Letras pode abranger. Linguística, Literaturas em língua portuguesa e de línguas estrangeiras, ensino de línguas, tradução e afins constituem aqueles segmentos diversos de uma área tão rica, bem como representam a gama variada de assuntos que podemos vir a tratar em nossas edições. Amparados por critérios sólidos, o Corpo Editorial desta revista, visa garantir ao público leitor a divulgação de trabalhos com qualidade de pesquisa e redação, assim como, de inquestionável relevância para o cenário atual das pesquisas na área de Letras.

Karina Menegaldo e Carlos Henrique Vieira Editora-chefe

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Assistente Editorial

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DISCURSO E REPRESENTAÇÃO SOCIAL: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO D’ A RESPOSTA DA IGREJA DISCOURSE AND SOCIAL REPRESENTATION: A CRITICAL ANALYSIS DISCOURSE OF THE ANSWER OF CHURCH Alex Luis dos Santos Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Resumo: Este trabalho objetiva, com base nas formas linguístico-discursivas indicadoras do posicionamento dos escritores, analisar as representações, identificações e construções ideológicas construídas em três textos, em que a Igreja Católica avalia as acusações do envolvimento clerical em casos de pedofilia. Metodologicamente, realizam-se as etapas sugeridas por Fairclough (2003) que consiste na identificação dos temas e dos pontos de vistas sobre os temas linguisticamente construídos. Entre outros resultados, observase a construção de uma representação sacerdotal que credita aos clérigos católicos um prestígio e poder singular entre as classes socialmente constituídas. Palavras chave: Posicionamento, Representações, Igreja, Pedofilia. Abstract: This paper aims, based on linguistic-discursive forms which indicate the positioning of the writers, to analyze the representations, identifications and ideological constructions built on three texts, in which the Catholic Church evaluates the accusations of clerical involvement in cases of pedophilia. Methodologically, it is followed the stages suggested by Fairclough (2003) which consists in the identification of topic and identification of viewpoints about topics linguistically constructed. Among other results, it is observed the construction of a representation of priests which credits the Catholic clergy a singular prestige and power between classes socially constituted. Keywords: Positioning, Representations, Church, Pedophilia.

1.

INTRODUÇÃO

Não se pode mais, talvez jamais fosse possível, ignorar a visibilidade publica da religião e suas práticas no contexto social. Quer no plano da cultura enquanto comporRevista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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tamento, quer no da esfera sócio-política por meio do reconhecimento e enfrentamento atuais de problemas ambientais e de legislações específicas, os atores religiosos movimentam-se e trazem ao domínio público suas avaliações, seus discursos, suas perspectivas. De vários lados, torna-se dificultoso, conforme acredita Burity (2008, p.84), reiterar diagnósticos tradicionais das ciências sociais para os quais a “secularização moderna, a sofisticação tecnológica, o individualismo e a cultura de massas levariam a um progressivo declínio das práticas religiosas e da presença pública das religiões”. A despeito de uma visibilidade que acarrete à promoção dos preceitos e práticas religiosos, o que hodiernas acontece no contexto social religioso católico é a divulgação por diferentes canais de imprensa do envolvimento de clérigos em casos de abusos sexuais contra menores. É inconteste, conforme salienta Carrasquila (2010, p.8), que a existência de delações acerca de abusos e escândalos de tipo ético e econômico principalmente sempre houve, todavia sem maior repercussão social. A novidade de hoje é não só o caráter primariamente sexual das denúncias, mas especialmente o modo como são facilmente manifestas. A divulgação instantânea é uma característica dos dias atuais. Com vistas a esse todo desfavorável, em setembro de 2010, a Santa Sé – personificação jurídica do Estado do Vaticano – de que se deduz não somente o Romano Pontífice, mas também a Secretaria de Estado, o Conselho para os negócios públicos, e os demais Organismos da Cúria Romana, lança A Resposta da Igreja. Essa resposta – objeto assente deste trabalho – torna conhecido, entre outras coisas, a avaliação das novas normas sobre os delitos mais graves, a instituição de procedimentos possivelmente capazes de dar assistência às vítimas de abusos, e o modo como a série de acusações divulgadas pela imprensa foi interpretada. Objetiva-se a partir basilarmente dos pressupostos teóricos da Análise Crítica do Discurso textualmente orientada, via Fairclough (2001, 2003), e das Representações Sociais, segundo Moscovici (2009), Hall (1997), e Celani e Magalhães (2002), analisar a articulação linguística e implicação ideológica de representações e identificações no conjunto de textos que definem A Resposta da Igreja, enquanto um evento social especificamente significativo. Para isso, lança-se mão da proposta metodológica de Fariclough (2003) que sugere, no empreendimento analítico dos modos de representar e ser, a identificação dos temas ou áreas da vida social em pauta nos textos, e a identificação dos pontos de vistas que agem sobre esses temas linguisticamente construídos. 10

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Os textos que se encontram no site da Santa Sé são: Carta circular para ajudar as conferências episcopais na preparação de linhas diretrizes no tratamento dos casos de abuso sexual contra menores por parte de clérigos, em que assina o prefeito do Vaticano – Willian Cardinale Levada -, O significado da publicação das novas “Normas sobre os delitos mais graves”, cuja autoria é do diretor da sala de imprensa da Santa Sé – Federico Lombardi -, e Um contributo vital para a promoção de ambientes seguros em prol da juventude, do atual pontífice emérito Joseph Ratzinger – o papa Bento XVI. 2. DESENVOLVIMENTO ARGUMENTATIVO: RECONHECENDO E ANALISANDO AS REPRESENTAÇÕES E IDENTIFICAÇÕES ARQUITETADAS TEXTUALMENTE As escolhas e disposição das formas ou expressões que asseguram um posicionamento no discurso efetivam, a partir da abordagem construcionista do significado na língua1, representações de como as coisas são e tem sido, bem como imaginários, entendidos como representações de como as coisas seriam, deveriam ou poderiam ser. Essa asserção assenta-se na própria lógica do funcionamento do significado avaliativo num discurso, qual seja, tencionar, de um dado prisma, a valia ou qualidade mais prazível que se não parece ser, pretende-se fazer. Isso quer dizer que o discurso, isto é, uma forma particular de representar parte do mundo (Fairclough, 2003, p. 26), considerando os aspectos textualmente observáveis e inferíveis da avaliação textual, depende não somente da qualidade material do signo avaliativo, ou seja, das letras, sons, palavras que formalizam essa forma particular de representação, mas, sobretudo, da função simbólica que esse signo adquire dentro de um evento social como é A Resposta da Igreja. A função simbólica de uma expressão capaz de aduzir um posicionamento no texto está em sua capacidade de servir a uma prática e a uma situação em que a avaliação de objetos, sentimentos e comportamentos porta-se como uma maneira eficiente de demonstrar uma possibilidade ou um ponto de vista sobre algum tópico dessa situação ou área da vida social. 1 Segundo Hall (1997, p.18-19) são três as abordagens que tratam do funcionamento da representação de significados a partir da linguagem: reflexiva, intencional e construcionista ou construtivista. Na primeira, pensa-se que o significado esteja no objeto, no evento ou pessoa do mundo real, e que a linguagem funcione como um espelho a refletir o verdadeiro significado, por este já existir no mundo. A segunda sustenta que é o falante que impõe ao mundo através da linguagem seu significado único. Por fim, a abordagem construcionista, adotada neste trabalho, reconhece a característica social da linguagem. Nesse sentido, as coisas não significam por si próprias; são, sobretudo, construídas por meio de sistemas de representação, isto é, conceitos e signos.

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Quais sejam essas possibilidades, tomando-as como representações de fatos trazidas em interações pelas formas avaliativas que funcionam de certa maneira e em favor de grupos específicos, elas não são inéditas e privativas, ainda que possam se apresentar sob a feição de originais e imprevisíveis. Isso quer dizer que as pessoas que coletam fatos sobre a sociedade e os interpretam, avaliando-os, “não começam do zero a cada relato que fazem. Usam formas, métodos e ideias que algum grupo social, grande ou pequeno, já tem à sua disposição como maneira de fazer esse trabalho” (Becker, 2009, p.27). Fairclough (2003, p.129) acredita que “nós podemos pensar o discurso como (a) representando alguma parte particular do mundo, e (b) representando-a de uma perspectiva particular”. Em razão disso, ele sugere a fim de se atentar para os modos de representar fatos em discursos dois movimentos ou, maneiras de se atuar analiticamente diante disso. O primeiro deles é “identificar as partes principais do mundo (incluindo áreas da vida social) que são representadas – os temas principais” (Fairclough, 2003, p. 129). Cada tema identificado, em princípio, está aberto a uma variedade de diferentes posições, diferentes representações, e diferentes discursos. O outro movimento, contíguo ao primeiro, diz respeito a “identificar a perspectiva ou ângulo particular ou ponto de vista pelos quais eles [os temas] são representados” (Fairclough, 2003, p.129). A possibilidade desses ângulos particulares, nem sempre facilmente perceptíveis, somente afirma as diferentes facetas que um tema ou área da vida social pode adquirir no discurso. Ao ponderar esses dois movimentos, é provável a observação não apenas de panoramas do mundo físico, normas, valores e símbolos do mundo social, como relativos aos modos de representar, mas também de expectativas que as pessoas lançam sobre si mesmas como atores de um evento social numa conjuntura específica (Celani & Magalhães, 2002, p. 321). Essas expectativas consentem, associado aos modos de representar, o exame dos modos de ser. Segundo Fairclough (2003, p. 157-164), a identificação dos sujeitos na linguagem, ou os modos de ser, é tanto uma questão individual como coletiva, no sentido de pertencimento a grupos sociais ou comunidades, e o foco nos estilos, enquanto elemento importante dessa identificação, envolve o interesse de uma série de aspectos linguísticos, dentro os quais está a avaliação e com ela age para representar. Quer individual, quer coletiva, a identificação dos sujeitos na linguagem dispõe que as pessoas “podem afirmar suas particularidades e individualidades e estabelecer 12

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identidades distintas para si mesmas em face das práticas de linguagem que crescentemente são homogeneizadas e inevitáveis” (Chouliaraki & Fairclough, 1999, p.13). Sem embargo, Castells (2006, p.6) julga que a identificação dos sujeitos na linguagem é conferida por meio de um processo de individualização. Isso quer dizer e reconhecer que as identidades podem ser “também originadas de instituições dominantes, [todavia] ativadas somente quando e se atores sociais as internalizarem, e construírem seus significados em volta dessa internalização” (Castells, 2006, p.7). Os significados, na perspectiva do autor, são demonstrações simbólicas de um propósito de ação de um ator social. Assim, assumindo a conjugação dos modos de representar e ser em formas particulares de seleção, contextualização, tematização e avaliação dos fatos, o excerto abaixo é instrutivo à investigação que se faz: (I) O clérigo acusado goza da presunção de inocência até prova contrária, mesmo se o Bispo, com cautela, pode limitar o exercício do ministério, enquanto espera que se esclareçam as acusações. Em caso de inocência, não se poupem esforços para reabilitar a boa fama do clérigo acusado injustamente. O princípio da não-culpabilidade ou presunção de inocência em (I) habilita indicar o Direito como tema ou área da vida social representada. Esse princípio, próprio do discurso jurídico, isto é, característico de uma maneira particular da jurisdição de representar e construir o procedimento legal em situações determinadas, é legítimo para um modo de ser jurisconsulto, uma vez que não delibera a causa, mas demonstra conhecê-la, e indiciador de um ponto de vista da boa essência ou natureza humana, visto que, diante da suspeição sobre o cometimento do delito, privilegia a candura em detrimento da culpa. Essa interpretação sobre o ponto de vista identificado possui sustentáculos materiais, quer dizer, formas linguístico-avaliativas, bastante sugestivos. O primeiro deles, reportado no próprio excerto, diz respeito ao uso do epíteto “boa” que qualifica e, ao mesmo tempo, define um estado natural de conduta cotidiana irrepreensível e reconhecida do clérigo anterior a qualquer acusação. O segundo, demonstrado com o excerto (II), tem a ver com a orientação da expressão modal e avaliativa “eventuais” para um contínuo impreciso de frequência que coloca Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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em questão a factual existência do ato pedofóbico e, consequentemente, a participação clerical nas infrações delatadas. (II) Os sacerdotes devem ser informados sobre o dano provocado por um clérigo à vítima de abuso sexual e sobre a própria responsabilidade diante da legislação canônica e civil, como também a reconhecer os sinais de eventuais abusos perpetrados contra menores; (grifo meu). A partir dessas observações, parece razoável, pelo menos no que se restringe ao evento social A Resposta da Igreja, a lógica social, defendida por Squizzato (2011, p.10), segundo a qual os sacerdotes, enquanto identidade coletiva, têm-se creditado, com a tentativa de controle do que se acredita sobre os fatos sociais, inclusive sobre si mesmos, uma classe à parte, dominante e prestigiada, quer dizer, uma casta. Essa pretensão não parece, segundo Jenkins (1996, p.168), corresponder às visões sobre o prestígio sacerdotal surgidas mais peremptoriamente a partir da década de noventa do século vinte e um. Para o pesquisador, esse prestígio tem se desgastado ao longo dos anos: O selvagem anti-catolicismo do século XIX e início do século XX não impediu a Igreja [Católica] de manter o alto prestígio popular ou, de fato, de recrutar um grande número de padres em perspectiva. Até nesse momento, porém, a situação obscura da Igreja era apenas resultante de uma competição [com os protestantes], uma vez que não era compartilhada pelos próprios católicos. O ambiente [ou conjuntura] da década de 1990 é diferente em muitos aspectos, e o número de vocações sacerdotais atingiu uma baixa histórica, mesmo antes da crise atual [referente aos casos de pedofilia]. Que a situação vai piorar num curto prazo parece inevitável. O prestígio sacerdotal foi severamente danificado, e até mesmo em comunidades católicas tradicionalmente leais, há evidências de intensa oposição das famílias em permitir a entrada de meninos no seminário e até mesmo de se tornarem coroinhas (Jenkins, 1996, p.168). 14

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Paralelo e simultaneamente, o excerto (I) oferece, com implicações ideológicas mais efetivas, outra leitura a partir dos movimentos sugeridos por Fairclough (2003), sem prejuízo da que serve e identifica o discurso jurídico, já que demonstra notáveis similaridades. Nessa alternativa, o discurso bíblico é evocado para definir o tema justiça divina, o ponto de vista cristão e um modo de ser juiz, porquanto delibera, pelo que conta o uso da metáfora ideacional2 “acusação” no conjunto de conhecimentos judaico-cristãos, a inocência do réu. O uso da metáfora ideacional “acusação” no conjunto de conhecimentos judaico-cristãos demonstra um significado pouco patente. Esse significado considera diacronicamente a definição etimológica do latim, para a qual estão previstas acepções que sinalizam a impropriedade do acusador em acusar, ao pressupô-lo falacioso e passional. A tais pressuposições, relaciona-se, via cotejamento etimológico, diaballein – atacar falsamente -, diabolus – caluniador, espírito da mentira -, no grego diabolos – acusar com paixão. Esse cotejamento, de que faz parte fundamentalmente accusationis e diabolus e que redimensiona em termos semânticos o primeiro em função do segundo, aciona abstrações de experiências religiosamente validadas e negativamente ajuizadas, uma vez que possibilita, de maneira indireta e intertextual, o julgamento sobre aquele que acusa – o acusador. O julgamento relacionado ao caráter está calcado em convicções éticas que perfilam a idoneidade das pessoas avaliadas. Sendo assim, ao antever, pela metáfora ideacional “acusação” a suspeita ou conjectura desfavorável acerca da probidade ou imparcialidade dos que sinalizam o envolvimento de clérigos em casos de pedofilia, o que se afirma é a ilegitimidade moral dos delatores, sob suas diversas instâncias, ou seja, paroquianos, debatedores, canais de imprensa. Esse significado possui implicações ideológicas mais efetivas porque a ação da ideologia, sobre que se entende “construções de práticas a partir de perspectivas particulares que suprimem contradições, antagonismos, dilemas de acordo com os interesses e projetos de dominação” (Chouliaraki & Fairclough, 1999, p.26), é menos visível, já que só se reconhece por um token de atitude3. 2 A metáfora ideacional, do ponto de vista da Linguística Sistêmico-Funcional significa uma variação na expressão mais típica de um dado significado, ou seja, ao invés de “X abusa de Y” ou “X responde a Y” prefere-se o uso de formas mais abstratas como “abusos” e “resposta” respectivamente. As formas mais abstratas são constituídas, nesses casos, pela indeterminação dos participantes sob os quais se legitimam os processos “abusar” e “responder”, uma vez que por estes estão previstos. 3 Facilita aduzir que um token de atitude, do ponto de vista da Linguística Sistêmico-Funcional, é um mecanismo textual capaz de recuperar, por meio da atividade discursiva de inserção contextual, quer dizer, de uma inferência, um posicionamento pouco patente (Martin & White, 2005, p.61).

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A invisibilidade ou menos visibilidade da ação ideológica é alcançada quando as ideologias são trazidas para o discurso não como elementos explícitos do texto, “mas como pressupostos de fundo que, por um lado, levam o produtor do texto a textualizar o mundo de uma forma particular, e, por outro lado, levam o intérprete a interpretar o texto de uma forma particular” (Fairclough, 1989, p.85). De acordo com Fairclough (1989, p. 85), se alguém se torna consciente de que um determinado aspecto do senso comum, ou não tão comum assim, como por exemplo, a alusão ao mal relacionada ao acusador, sustenta desigualdades de poder em detrimento de si próprio, “aquele aspecto deixa de ser senso comum e pode perder a potencialidade de sustentar desigualdades de poder, isto é, de funcionar ideologicamente”. A compreensão sobre o funcionamento ideológico – que se define com a metáfora ideacional “acusação”, sob o ponto de vista cristão, o processo de incriminação de clérigos – exige que se considere mais profundamente o modo de operacionalização da ideologia e a estratégia de construção simbólica típica para o uso. O modus operandi da ideologia nesses casos pode ser identificado como dissimulação. O que se realiza na dissimulação é o ato de ocultar, negar ou obscurecer um acontecimento ou uma relação de dominação representando-os de uma maneira que “desvia nossa atenção, ou passa por cima de relações e processos existentes” (Thompson, 1995, p.83). Assim, o julgamento que coloca em suspeição, por meio da metáfora ideacional “acusação”, a probidade ou imparcialidade dos que sinalizam o envolvimento clerical em casos de pedofilia – a imprensa mais notavelmente – desvia o foco da possível infração cometida pelo clérigo para o caráter e comportamento dos acusadores, especialmente dos jornalistas que promovem os debates sobre o assunto. Esse caráter e comportamento, avaliado depreciativamente e recuperado na origem etimológica do termo contribui para que a estratégia de construção simbólica seja reconhecida como expurgo do outro. Essa estratégia envolve a construção de um inimigo, assim como o diabo é representado no conjunto de conhecimentos judaico-cristãos, “que é retratado como mau, perigoso e ameaçador e contra o qual os indivíduos [pressupõe-se os fiéis católicos] são chamados a resistir coletivamente ou a expurgá-lo” (Thompson, 1995, p.87). A resistência coletiva evocada nessa estratégia de construção simbólica apresenta uma “elaboração demonológica de uma cristandade [o diabo, belzebu, satanás] que inclui crenças populares com certa conotação negativa” (Lira, 2011, p.90). Quais sejam essas crenças, no conhecimento judaico-cristão , elas ativam uma entidade antagonista cuja 16

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natureza é a mentira e uma representação estritamente maléfica (Lira, 2011, p.91). Na dicotomia bem e mal, em que o mal representa especialmente a imprensa, cuja qualidade de falaz é dada a conhecer, a atuação episcopal, enquanto índice da Igreja, significa, de acordo com o excerto (III), assistir as vítimas e os seus familiares tanto no âmbito espiritual quanto no psicológico: (III) A Igreja, na pessoa do Bispo ou de um seu delegado, deve se mostrar pronta para ouvir as vítimas e os seus familiares e para se empenhar na sua assistência espiritual e psicológica. No decorrer das suas viagens apostólicas, o Santo Padre Bento XVI deu um exemplo particularmente importante com a sua disposição para encontrar e ouvir as vítimas de abuso sexual. Por ocasião destes encontros, o Santo Padre quis se dirigir às vítimas com palavras de compaixão e de apoio, como aquelas que se encontram na sua Carta Pastoral aos Católicos da Irlanda (n.6): “Sofrestes tremendamente e por isto sinto profundo desgosto. Sei que nada pode cancelar o mal que suportastes. Foi traída a vossa confiança e violada a vossa dignidade”. O infinitivo impessoal dos verbos, de acordo com a gramática tradicional, junto ao pressuposto de desideração/obrigação com a forma deôntica do auxiliar verbal “deve”, isto é, uma orientação sentimental ao desejo de consecução de uma prática a ser assumida, ajuda a definir em (III), considerando o gênero discursivo carta circular que, de acordo com Bazerman (2004, p.310), influi sobre as ações porvindouras de outras pessoas, um modo de ser fiscalizador. Esse modo de ser fiscalizador age sobre o tema assistência social segundo o ponto de vista da medicina terapêutica, já que preceitua, dentro da competência determinada ao bispo ou a um delegado seu, certos procedimentos ou conselhos, como por exemplo, ouvir e oralmente intervir, mais próprios desse ponto de vista. Esse ponto de vista identificado contempla o processo formativo sacerdotal que, segundo Benelli (2008, p.204), contém “orientações teológicas relativas ao presbiterato e seus desdobramentos pedagógicos, psicológicos e espirituais” (grifo nosso). Para o autor, o possível estranhamento com o aspecto psicológico na formação sacerdotal parece conRevista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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sistir no “desconhecimento da ação, das práticas institucionais cotidianas realizadas pelos diversos atores implicados na produção dessa realidade social específica” (Benelli, 2008, p.210). Assim, a produção dessa realidade social específica – a que se associam os programas de engajamento e assistência social apoiados na formação e atuação sacerdotal – funciona n’A Resposta da Igreja, com base no excerto acima, de maneira a reforçar o processo de reabilitação das crianças e jovens prejudicados – representados como vítimas mentalmente desorganizadas. Tal processo está equacionado para a resolução do que se considera e representa como uma crise. O excerto (IV) é próprio para instruir essa possibilidade interpretativa, uma vez que constrói uma postura pesarosa diante do tema “momento atual”, sobre o qual a Igreja se propõe a dizer: (IV) Será outro passo crucial no caminho para que a Igreja ponha em prática permanente e em consciência contínua os frutos dos ensinamentos e das reflexões amadurecidos no decorrer da dolorosa vicissitude da “crise” devida aos abusos sexuais da parte de membros do clero. (grifo meu) Enquanto fase difícil, grave, séria, que sobrevém no curso da evolução das coisas, dos sentimentos, dos fatos, a crise, nesse excerto, indicia, haja vista a ideia de “passo crucial no caminho”, um modo de ser alguém que cresce, evolui com as dificuldades. Além disso, supõe de antemão uma temporariedade desejosamente iminente. Relacionada a uma série de fatos indesejáveis, de possível interesse coletivo, a crise é usualmente mais reconhecida e representada do ponto de vista econômico. Desse ponto de vista, a crise é a representação do desiquilíbrio da “forma de controle da produção reificada que adquiriu [a partir de um viés capitalista] o poder de aglutinar os indivíduos num padrão de produção hierárquico estrutural e funcional possuindo uma lógica de reprodução” (Maranhão, 2009, p.629). Considerando o encargo e compelimento de por, ou apresentar-se no lugar de, de concordar ou criar uma nova realidade de significados, haja vista por percurso semasiológico 4 do signo que define o nome do evento social “resposta” – do latim respondere – a necessidade de dizer pela coisa, acontecimento ou algo [res = coisa, acontecimento; spon4 O percurso semasiológico tenta compreender um discurso pela identificação e interpretação dos diferentes elementos discursivos que o compõem, num movimento que parte do signo para o conceito.

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dere = dizer em nome de] que está ou tem sido posto, a crise, enquanto representação a partir do ponto de vista econômico, produz basicamente dois efeitos: (1) a admissão do, e responsabilidade pelo desiquilíbrio da forma de controle sobre a ação clerical, enquanto situação posta ou inevitada, o que contraria a inocência afirmada e advogada a partir da representação deflagrada com o uso da metáfora ideacional “acusação”; (2) o caráter provisório, isto é, finito, desse desiquilíbrio ou descontrole. A interinidade do descontrole pode ser vista, atentando para a impossibilidade de se assegurar com preciso grau de exatidão a finitude do que se representa discursivamente como crise, como um estratégia típica de construção simbólica caracterizadamente eufêmica, ou seja, uma eufemização. Para Thompson (1995, p.84), a eufemização, enquanto um estratagema, isto é, uma forma de dissimulação, denota que “ações, instituições ou relações sociais são descritas ou redescritas de modo a despertar uma valoração positiva”. Entretanto o que se realiza n’A Resposta da Igreja, segundo o excerto (XII), não é tanto o atiçamento de uma valoração positiva do momento em que a Igreja vivencia, mas sim o ato de minorar o aspecto negativo desse momento, creditando-o determinado no tempo. É nesse sentido que se dá a eufemização. 3.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim como o conhecimento social é inevitavelmente parcial, a análise discursiva textualmente orientada é inevitavelmente seletiva, no sentido de que se escolheu responder determinadas questões sobre um evento social e textos nele envolvidos e com isso abriu-se mão de outras questões possíveis. A escolha das questões a serem respondidas denuncia necessariamente as motivações particulares da análise, visto que delas derivam. A partir dessas motivações, parece razoável, pelo menos no que se restringe ao evento social A Resposta da Igreja, a lógica social, defendida por Squizzato (2011, p.10), segundo a qual os sacerdotes, enquanto representação de si, têm-se creditado, com a tentativa de controle do que se acredita sobre os fatos sociais, inclusive sobre si mesmos, uma classe à parte, dominante e prestigiada, quer dizer, uma casta. Essa presunção tem sido rechaçada em virtude das recentes tensões com diversos órgãos de imprensa e de acusações de natureza diversas, inclusive sexual. A respeito da relação Igreja e imprensa, pode se dizer, com base no evento social analisado que a representação da última é construída como que um mal social que deve Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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ser combatido. Sendo assim, ao antever, pela metáfora ideacional “acusação” a suspeita ou conjectura desfavorável acerca da probidade ou imparcialidade dos que sinalizam o envolvimento de clérigos em casos de pedofilia, o que se afirma é a ilegitimidade moral dos acusadores. Do ponto de vista da construção ideológica, a representação da imprensa como um mal cria uma resistência por meio da estratégia típica do expurgo do outro. A resistência coletiva evocada nessa estratégia de construção simbólica apresenta uma “elaboração demonológica de uma cristandade que inclui crenças populares com certa conotação negativa” (Lira, 2011, p.90). Essas crenças ativam uma entidade antagonista cuja natureza é a mentira e uma representação estritamente maléfica (Lira, 2011, p.91). Nesse sentido, a Igreja é representada como o bem que resiste ao mal, e que, nesse momento de instabilidade conflitual, todavia terminável, assiste às vitimas de abusos com o apoio psicológico necessário. Finalmente, ao tratar esse momento de instabilidade como um momento de “crise” a Igreja, entretanto, admite a responsabilidade pelo desiquilíbrio da forma de controle sobre a ação clerical, enquanto situação posta ou inevitada, o que parece contrariar a inocência afirmada e advogada a partir da representação deflagrada com o uso da metáfora ideacional “acusação”. 4.

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A APRENDIZAGEM COOPERATIVA EM LÍNGUA INGLESA NO ENSINO FUNDAMENTAL ENGLISH LANGUAGE COOPERATIVE LEARNING IN ELEMENTARY SCHOOL Breno Belém Universidade Federal do Pará - UFPA Rudielson Oliveira Ribeiro Universidade Federal do Pará - UFPA Resumo: Este artigo aborda um estudo de caso sobre a aprendizagem cooperativa para a aprendizagem da língua inglesa, tendo em vista a relação entre os alunos em sala de aula. Os fundamentos para essa abordagem encontram-se no campo da interdependência positiva que os alunos e o seu professor. A pesquisa teve abordagem mista para que, assim, pudesse investigar de que maneira esse tipo de aprendizagem está sendo eficaz em uma escola pública no município de Cametá-PA e de que forma ela pode contribuir para outras escolas que ainda utilizam métodos tradicionais e fossilizados. Palavras-chave: cooperação; interdependência positiva; aprendizagem. Abstract: This article discusses a case study of cooperative learning for English language learning, considering the relationship among students in the classroom. The bases for this approach are found in the field of positive interdependence students have with each other and with their teacher. The research was based on qualitative and qualitative research so that it can determine how this type of learning is being effective in a public school in Cametá, in the countryside of Pará State, and how it can be implemented in schools that teachers still teach using traditional and fossilized methods. Keywords: cooperation; positive interdependence; learning

INTRODUÇÃO 22

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A aprendizagem cooperativa (doravante AC) na escola não é uma metodologia nova. Ela é um recurso que leva em consideração a diversidade dos alunos em uma mesma turma que aprendem a arte de cooperar, criando assim uma interdependência positiva em busca do mesmo objetivo. No contexto atual em que vivemos, percebemos que nas escolas públicas de ensino fundamental, ainda prevalece o modelo tradicional de aprendizagem. A tarefa de transformar essa realidade é árdua e precisa ser trabalhada gradativamente. O interesse pela pesquisa por este tema na aprendizagem de línguas, surgiu de nossas experiências pessoais nos papéis de aluno e professor do ensino superior, no qual percebemos que o processo de aprendizagem pode ser beneficiado pela prática da cooperação. Estabelecemos como perguntas de pesquisa as seguintes: Como a aprendizagem cooperativa ocorre nas escolas públicas? De que forma a Aprendizagem Cooperativa pode ser eficaz na aquisição de uma segunda língua? Sendo assim, para respondê-las utilizamos o instrumento de pesquisa questionário, que foi elaborado com 5 perguntas fechadas, como informações já fornecidas pelo entrevistador e outras 5, sendo que nestas, os alunos eram impulsionados a responder com suas próprias palavras a respeito da Aprendizagem cooperativa, tendo como base a cooperação dentro dos grupos. Alguns autores que embasam teoricamente este trabalho são Jacobs e Goh (2008), pois forneceram a base do que vem a ser a aprendizagem cooperativa como uma estratégia de aprendizagem. Além deles, os trabalhos de Fontes e Freixo (2004) foram bastante relevantes para a realização desta pesquisa. Estes e outros autores serão apresentados a seguir.

A APRENDIZAGEM COOPERATIVA Diante das abordagens utilizadas em sala de aula para a aprendizagem da língua inglesa no ensino fundamental nas escolas públicas, propõe-se uma reflexão sobre a prática pedagógica da AC como estratégia de aprendizagem de uma língua estrangeira. Pela nossa experiência de ensino e de aprendizagem, podemos dizer que trabalho em grupo é eficaz, por existir grande diversidade de ideias em um grupo heterogêneo que possibilitam o debate das opiniões dos alunos para que cheguem a um consenso. Na aprendizagem cooperativa, os professores também ajudam os grupos de alunos a trabalhar juntos com mais eficácia, utilizando uma grande quantidade de teorias, pesquisa e experiência prática de outros educadores (JACOBS; GOH, 2008). Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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No ambiente escolar, professores e alunos ao aderir a filosofia de trabalhar em conjunto podem constatar que há a possibilidade de se alcançar objetivos maiores, defendendo ideias, aceitando opiniões de outrem, além de uma gama de benefícios que os professores podem estar levando e trabalhando com seus alunos em sala de aula. Exemplos são: o despertar do espírito coletivo; a mudança para aulas mais dinâmicas e o respeito mútuo. Nesta perspectiva, Bessa e Fontaine afirmam que: a aprendizagem cooperativa tem vindo a aumentar a sua importância enquanto estratégia alternativa de ensino-aprendizagem, mercê de vários estudos que têm vindo a reforçar a sua componente teórica e a evidenciar a eficácia de sua aplicação na prática (BESSA; FONTAINE, 2002, p. 123). Assim, para que possamos analisar a AC, faz-se necessário estabelecermos os uma distinção entre os conceitos de cooperação e colaboração. Apesar de serem usados como sinônimos, alguns autores conceituam os dois termos de maneiras diferentes. Considera-se a cooperação como sendo mais abrangente, havendo distinções hierárquicas de ajuda mútua, ao passo a colaboração estabelece um objetivo comum entre as pessoas que trabalham em conjunto sem uma hierarquia (MAÇADA; TIJIBOY, 1998). Nos conceitos que definem a cooperação e colaboração, as diferenças são poucas. No entanto, a maior delas é o fato da centralização das atividades. Vygotsky (1997 apud FONTES; FREIXO, 2004) também afirma que um indivíduo pode se beneficiar em sua aprendizagem no contato com o meio em que interage. Ele denomina isso como Zona de Desenvolvimento Proximal (doravante ZDP). Sendo assim, caso o professor solicite que os alunos apenas realizem as tarefas sem nenhum auxílio, ele não estaria contribuindo para a eficácia da ZDP e nem para o progresso cognitivo dos alunos. Por isso, faz-se necessário que os professores ajudem e também cooperem com a realização das atividades. No primeiro momento essa assistência será benéfica na construção do conhecimento e o professor será capaz de perceber em quais momentos ele poderá abdicar ou diminuir a frequência desse auxílio. Figueiredo (2006, p. 19) elaborou uma tabela que nos mostra as diferenças e semelhanças entre os dois processos.

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APRENDIZAGEM COLABORATIVA

APRENDIZAGEM COOPERATIVA

DIFERENÇAS O FOCO É O PROCESSO

O FOCO É O PROCESSO

As atividades dos membros do grupo são geralmente não estruturadas: os seus papéis são definidos à medida que a atividade se desenvolve.

As atividades dos membros do grupo são geralmente estruturadas: os papéis são definidos a priori, sendo resguardada a possibilidade de renegociação desses papéis.

Com relação ao gerenciamento das atividades, a abordagem é centrada no aluno.

Com relação ao gerenciamento das atividades, a abordagem é centrada no professor.

O professor não dá instrução aos alunos sobre como realizar as atividades em grupo.

O professor dá instrução aos alunos sobre como realizar as atividades em grupo.

SEMELHANÇAS Os alunos tornam-se mais ativos no processo de aprendizagem, já que não recebem passivamente informações do professor. O ensino e a aprendizagem tornam-se experiências compartilhadas entre os alunos e o professor. A participação em pequenos grupos favorece o desenvolvimento das habilidades intelectuais e sociais. Tabela 1: Diferenças e semelhanças entre aprendizagem colaborativa e aprendizagem cooperativa (FIGUEIREDO, 2006, p. 19).

De acordo com a tabela acima, podemos perceber que, com o resultado da aplicação das estratégias de aprendizagem cooperativa e colaborativa, obtém-se resultados semelhantes, ou seja, os alunos desempenham papeis ativos dentro da sala, uma vez que a aula não estará centrada somente no professor, possibilitando assim a troca de experiências no ambiente escolar, especificamente, na sala de aula. Nessa atividade dentro de sala de aula, cria-se laços de interdependência. Sendo assim, não se pode ignorar o conceito de interdependência positiva, pois ela está subjacente ao conceito de aprendizagem cooperativa. A interdependência positiva pode ser melhor compreendida quando se estabelece uma distinção entre as três maneiras pelas quais os alunos podem aprender em sala de aula. A primeira delas é a competição na qual os próprios alunos competem para tentarem determinar quem é o melhor da sala. Nesta etapa não há um interdependência positiva entre os alunos uma vez que para que um ganhe, tem que haver um perdedor; outra maneira é a chamada individualização, nesse contexto, não há uma disputa, mas a realização individual, sem que este indivíduo venha a competir com outro colega, sendo assim o sucesso do trabalho depende exclusivamente do esforço de cada um; e por fim temos a cooperação, nessa última etapa, os alunos trabalham juntos para alcançar o mesmo objetivo havendo, assim, uma interdependência positiva. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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Desta maneira Jacobs e Goh (2008, p. 24) ressaltam que: o princípio central do aprendizado cooperativo é o princípio da interdependência positiva. É semelhante ao lema dos três mosqueteiros: “um por todos e todos por um”, em outras palavras, os participantes do grupo sentem que vão ter sucesso ou fracassar juntos, que o que afeta um membro do grupo, afeta a todos os participantes e o que ajuda um membro do grupo ajuda a todos os demais participantes. [...] o sucesso de cada individuo é interdependente do sucesso de seus colegas de grupo. A partir do momento em que os alunos criam laços afetivos de confiança entre si, mais sucesso terá o grupo, os alunos percebem que não importa se ele compreendeu primeiro, ou se seu colega não compreendeu, tem-se a necessidade de compartilhar os meios que o fizeram chegar a tal conclusão de forma a ajudar seus companheiros de equipe, pois o que vai contar é o sucesso do grupo como um todo e não o sucesso individual. No contexto atual, a cooperação recebe um domínio mais estruturado e prescritivo, ou seja, em sala de aula o professor tem como função não somente ensinar, mas oportunizar a construção do conhecimento, no sentido de tentar fomentar a autonomia crítica-reflexiva dos alunos, haja vista que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção” (FREIRE, 2001, p. 25). Neste caso, o professor não é o detentor do conhecimento, mas um dos sujeitos que auxilia a aquisição do conhecimento de seus alunos. O certo é que os dois processos têm o mesmo princípio como base: trabalhar em grupos para a concretização de atividades. Como não nos cabe entrar no mérito de reelaborar um novo conceito para os termos em questão, optou-se por explorar nesse trabalho, apenas a Cooperação. Um dos vários motivos para trabalhar a AC na sala ao ensinar uma língua estrangeira é o fato de a escola poder se tornar um verdadeiro laboratório, onde se busca averiguar a aquisição do conhecimento, sendo que Vygotsky (1997 apud FONTES; FREIXO, 2004) concebia a escola como um cenário social, organizado especificamente para modificar o pensamento, acreditando que a educação desempenhava um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo dos alunos, porque predispunha para novos modos de pensamento. Sendo assim: 26

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uma atividade de aprendizagem em grupo organizada de tal maneira que a aprendizagem seja dependente da troca de informações socialmente estruturada entre os alunos em grupos e na qual cada aluno é responsável por sua própria aprendizagem e é motivado a contribuir com a aprendizagem dos outros (OLSEN; KAGAN, apud OXFORD, 1997, p. 443). Uma das razões do trabalho em grupo é a extinção da competição no grupo e entre os grupos. Isso ocorre a partir do momento em que as ideias forem compartilhadas entre os membros do grupo e depois com a turma. Em contrapartida, é importante mencionar que muitas escolas ainda fomentam atividades que tem por objetivo a aprendizagem por meio da competição, conduzindo a educação a um enfraquecimento de valores sociais coletivos. Nesse último caso, temos um desserviço, pois se um aluno aprende desde as séries inicias a trabalhar em coletivo, com certeza realizará tarefas mais facilmente, além de estar criando condições para que a aprendizagem da língua seja mais prazerosa. Para as atividades que serão trabalhadas em grupo, é muito importante que haja o respeito mútuo entre os membros, pois como o próprio princípio da AC explana: o objetivo, não é terminar a tarefa e sim, possibilitar que todos dos grupos tenham entendido a tarefa e assim poder contribuir de alguma forma. Respeitar seus companheiros de grupo é fundamental para o desenvolvimento pessoal e psicológico de cada um. Do mesmo modo, Piaget sempre se preocupou com a relação do desenvolvimento pessoal do ser humano e afirmou que a reciprocidade é de fundamental importância para a harmonia dentro do grupo, tornando assim o respeito em ato de amadurecimento intelectual. De acordo com ele: o respeito mútuo é considerado fonte de obrigação na qual a reciprocidade não impõe regras pré-estabelecidas. Assim, a reciprocidade pode ser entendida como mútua coordenação dos pontos de vista e das ações. Já a ausência de reciprocidade pode levar a formação do “eu” centralizado em si mesmo (PIAGET, 1996 apud ARAÚJO 2005).

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A consciência de aceitação de novas opiniões pode contribuir para o fortalecimento do espírito coletivo, a ajuda mútua desempenha um papel importantíssimo no processo de aprendizagem. Contudo, se as diversidades de ideias persistirem no grupo, os resultados não terão equidades. A busca incessante do conhecimento instiga o ser humano a interagir com seus semelhantes, desfazendo-se do egocentrismo e passando a ser um ser mais ativo e engajado no contexto interacionista, criando assim um intercâmbio social, pois “é para se comunicar com seus semelhantes que o homem cria e utiliza os sistemas de linguagem [...] É a necessidade de comunicação que impulsiona inicialmente o desenvolvimento da linguagem”. (OLIVEIRA 1997, p. 42) Pode-se dizer, então, que uma das funções primordiais da AC é proporcionar a interação harmoniosa entre os alunos e até mesmo com os professores, uma vez que nesse momento de interação conjunta, a sala de aula tornar-se-á um verdadeiro laboratório, visto que experiências são trocadas, analisadas e expostas. Assim, os trabalhos cooperativos possibilitam às pessoas, despertar suas habilidades de trabalhar em conjuntos, suas contribuições individuais na realização de trabalhos e que a premissa dessa abordagem é o desenvolvimento de um espírito cooperativista. Saber lidar com as mais variadas realidades e opiniões que surgem dentro do grupo e saber se posicionar diante desse fato é de suma importância para o desenvolvimento da autonomia e também das competências inerentes e cognitivas. METODOLOGIA A pesquisa de análise da estratégia de aprendizagem cooperativa seguirá os critérios metodológicos de caráter qualitativo uma vez que, segundo Bogdan e Biklen (1991 apud COSTA, 2008, p. 19), “na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal”. Este trabalho está caracterizado como uma investigação de estudo de caso e tem como o objetivos explorar, descrever, explicar, avaliar as práticas de aprendizagem cooperativa como suporte na aprendizagem de língua inglesa, em um escola da rede municipal de Cametá. Sendo assim, optou-se inicialmente por fazer a pesquisa bibliográfica e em seguida a pesquisa de campo. Tendo em vista que as pesquisas se referem aos mais diversos objetivos e perseguem objetos muitos diferentes, esta pesquisa também seguirá os princípios de uma pes28

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quisa exploratória, uma vez que para Gil (1946, p. 27) a pesquisa exploratória, “tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vista a torná-lo mais explicito ou construir hipóteses”, haja vista que, por meio da pesquisa exploratória, podemos envolver o levantamento bibliográfico do assunto em questão além da aplicação de questionário para ter uma melhor definição da abordagem de cooperação, além de ser uma pesquisa que busca explicar a razão, o porquê das coisas, tornando-se assim um pesquisa qualitativa-explicativa. Inicialmente foi feita a elaboração de um questionário a ser aplicado na Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Terezinha da cidade de Cametá. Logo após a elaboração, o mesmo fora aplicado. O questionário conta com dez (10) perguntas, sendo estas, cinco (5) abertas, nas quais os alunos são impulsionados a responder com suas próprias palavras a respeito do trabalho Cooperativo em sala de aula, e cinco (5) fechadas, ou seja, com opções já fornecidas pelo investigador. O questionário foi aplicado numa turma da 8ª série (atual 9º ano) na primeira semana do mês de junho do ano de 2014. A turma, bastante numerosa, possuía um número total de 37 alunos. No entanto, apenas 12 se disponibilizaram para responder o questionário. Também se optou por preservar a identidade dos alunos propondo assim que especificasse apenas o sexo. Através da aplicação desse questionário, busca-se entender de que forma ocorre a aprendizagem cooperativa em sala de aula.

ANÁLISE Pretende-se a partir de agora, analisar e mostrar por meio dos dados obtidos, de que maneira, na visão dos alunos, a aprendizagem cooperativa ocorre. Os dados, assim como o embasamento teórico deste trabalho, servirão para ratificar e comparar a análise para que, assim, possamos chegar a uma conclusão de como a AC ocorreu na referida escola do município de Cametá no estado do Pará. Inicialmente foi necessário buscar informações a respeito da frequência com que os trabalhos em grupo são realizados em sala de aula pelo professor de língua inglesa para que assim possamos traçar possíveis conclusões. Para isso, será representado abaixo, por meio do gráfico, a resposta dos alunos. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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Gráfico 1 – Freqüência na realização dos trabalhos em grupos

Através do gráfico acima, podemos perceber que o professor, utiliza os trabalhos em grupos, pois segundo Fontes e Freixo (2004, p. 10), a aprendizagem cooperativa vem se “opor a competição que atualmente vem enfraquecendo os valores sociais dos alunos, bem como a competição dentro da sala de aula”. Portanto, trabalhar em grupos em sala de aula no que concerne a aprendizagem de uma língua estrangeira, pode ajudar muito os estudantes, quando não é instigada a competição entre eles, tornando-os ajudantes mútuos nesse processo de aprendizagem. Podemos analisar que a metade dos alunos diz que o professor realiza trabalhos em grupos e a outra metade diz que o professor realiza este tipo de tarefa em algumas ocasiões. É muito importante que o professor não realize todos os dias as tarefas em grupos para que essa atividade não se torne rotineira. Jacobs e Goh (2008) afirmam que os alunos acreditam que, quando o professor passa a responsabilidade da oratória aos alunos, ele não está trabalhando. Sendo assim, o professor pode precisar explicar aos alunos quais os motivos que o levaram a trabalhar com a aprendizagem cooperativo em sala de aula para que os alunos dominem uma segunda língua. O gráfico a seguir no mostra a quantidade de alunos por grupo, lembrando que a turma é bastante numerosa e que o professor precisa fazer uma divisão coerente para que os alunos possam trabalhar melhor.

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Gráfico 2 - Quantidade de alunos participantes nas tarefas em grupo.

Trabalhar com uma turma muito numerosa pode dificultar o trabalho em grupo, pois o nível de interferências audíveis pode ser muito grande. Porém, como a turma é numerosa, o professor não tem muitas escolhas, cabendo assim trabalhar com atividades factíveis para que os alunos não percam o interesse pela língua. Jacobs e Goh (2008) propõem que quatro participantes é de bom tamanho e ainda explicam o motivo deste número, uma vez que esses quatros alunos podem subdividir em duplas aumentando assim a produção. Já Johnson e Johnson (1999ª, apud FONTES; FREIXO, 2004), sugerem que quanto maior o número de alunos por grupos, maior é o número de práticas interpessoais e grupais a desenvolver para concretizar as diferentes interações, o que nem sempre é fácil quando se tem um número reduzido. No que diz respeito ao tempo fornecido pelo professor para os alunos realizarem as atividades em grupo, é desejável que os membros não realizem a atividade com pressa façam-na com cuidado, transmitindo para seus companheiros de grupos as informações que os levaram a chegar a conclusão da atividade. Os alunos foram questionados se eles conseguiriam realizar a tarefa no tempo proposto pelo professor. Eles responderam:

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Gráfico 3 – Relação entre o tempo e a concretização da atividade proposta.

De acordo com o gráfico 3, podemos perceber que a maioria dos alunos disse que eles conseguem realizar a atividade no tempo proposto apenas às vezes, esse fato pode ser ocasionado pelo grande numero de alunos que a turma possui impossibilitando que o professor interaja com toda a turma e tornando o trabalho mais cansativo e consequentemente o desinteresse dos alunos pelas atividades de língua inglesa. Os alunos necessitam de tempo suficiente para a realização da tarefa, pois como já foi dito antes que, apesar de a aprendizagem cooperativa não ser uma estratégia nova, é de suma importância saber que muitas escolas ainda utilizam métodos tradicionais. Fontes e Freixo (2004) explanam que as competências cooperativas nem sempre se desenvolvem em um curto prazo, pois é preciso primeiramente combater o hábito de trabalho individual que estão bastante enraizados no ensino. Sendo assim, os alunos precisam de um tempo onde eles possam se familiarizar com os outros membros do grupo. Com a pesquisa podemos perceber que um dos problemas da AC é justamente a não participação de todos os membros do grupo, fomentando o desinteresse dos alunos que se dedicam mais nas tarefas em grupo a participar de tais atividades, justamente por pensar que outros alunos só querem ter o bônus de sua participação, mas não querem ter o ônus de colaborar com o trabalho em conjunto. Jacobs e Goh (2008) relatam que problemas como a participação geral dos alunos é desejável na aprendizagem de língua estrangeira e também sugerem que é normal alguns alunos se destacarem mais que os outros e, assim, sentirem-se inseguros com aqueles que têm mais dificuldades acreditando que seus colegas não farão um bom trabalho. 32

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Pujolás (2001) destaca que a importância de todos os elementos do grupo se conhecerem de forma a saberem quem necessita de mais ajuda, apoio e incentivo para a concretização das tarefas propostas e para que elas sejam ajustadas às capacidades de cada elemento. A não participação de todos os membros do grupo pode afetar diretamente na aprendizagem da língua que se propõe, por isso os alunos dos grupos devem desempenhar a interdependência positiva dentro do grupo. Assim, quando questionamos se os todos os alunos participavam das atividades em grupo, eles responderam:

Gráfico 4 - Participação do alunos nas atividades em grupo.

Através da análise do gráfico 4, podemos observar que apesar de a turma ser numerosa e os grupos serem compostos por quatro ou mais alunos, verifica-se que a maioria dos alunos participa das atividades e que o sucesso do grupo é objetivo de todos os membros. O ponto importante a ser relatado é que as atividades em grupo não devem ser restritas ao ambiente escolar, pois assim o alunos não terão autonomia para realizar as tarefas fora da escola. Por isso, é essencial que os alunos busquem novos ambientes que proporcionem a aprendizagem como, por exemplo, um laboratório de informática, uma biblioteca, a casa de um dos membros do grupo, entre outras opções. Contudo, nessa escola, os trabalhos ainda são realizados prioritariamente em sala de aula, como mostra o gráfico 5 abaixo:

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Gráfico 5 - Local de realização das atividades.

Poder ter a chance de saber o que os alunos pensam a respeito da aprendizagem cooperativa na sala de aula, os professores podem diversificar a maneira com que seus alunos aprendem. Com essa intenção o questionário contava com mais 5 perguntas direcionado aos alunos. Abaixo, na análise de dados dos questionamentos onde os alunos são levados a responder as 5 perguntas, optou-se por identificá-los apenas 3 alunos com as respostas mais relevantes. Para isso, utilizamos as letras do alfabeto A, B e C, sem distinção de gênero. Optamos por realizar a análise desta maneira, pois os dados de ordem qualitativo são mais relevantes que o quantitativo. A seguir são apresentadas as perguntas feitas aos alunos e suas respectivas respostas, para que, assim, possamos tecer algumas reflexões a respeito da aprendizagem cooperativa. Pergunta 1: Você gosta de fazer trabalhos em grupo? Por quê? Aluno (a) A Sim, pois faz com que conseguirmos ganhar mais sabedoria, do assunto que se pede (sic). Aluno (a) B Sim, porque eu gosto de debate o assunto com meus amigos eu acho interessante (sic). Aluno (a) C Sim, porque me ajuda a conhecer novas coisas, novas formas de aprendizagem eu liberto minha sabedoria (sic). Tabela 1 – Apreciação dos alunos para as atividades em grupo.

A tabela acima evidencia o que Jacobs e Goh (2008) preconizavam: as atividades em grupo estão se tornando cada vez mais comuns no aprendizado de línguas estran34

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geiras. Isso fica claro quando os três estudantes relatam a importância da AC em sala de aula. Nesse mesmo contexto, Fontes e Freixo (2004), apontam umas das características dessa estratégia dizendo que a aprendizagem desperta um conjunto de processos internos que operam apenas quando os alunos estão em interação com os seus colegas de grupo. Destarte, é necessário que se dê mais importância a essa prática, uma vez que os alunos gostam e que os ajuda a aprimorar o que eles estão aprendendo. 2ª Pergunta: você acha importante trabalhar em grupos? Justifique. Aluno (a) A Sim, as pessoas se interagem e aprende juntos com os outros, um repassa seu conhecimento (sic). Aluno (a) B Sim, pois o trabalho em grupo faz com que todos se estimulem e se esforce para captar mais detalhes (sic). Aluno (a) C Sim, eu acho que a forma de uma ajudar o outro (sic). Tabela 2 – A importância do trabalho em grupo.

A partir das respostas, podemos perceber que os alunos gostam de trabalhar em grupo e estão interessados em adquirir mais conhecimentos por meio da interação em grupo. Nas palavras dos alunos, podemos ressaltar o que Fontes e Freixo (2004) já haviam mencionado a respeito da AC em sala de aula, uma vez que essa prática de trabalhar em grupo permite ao grupo que cada elemento se transforme em indivíduos que conheçam seus direitos e deveres. O compromisso individual e a interdependência positiva que cada um tem que ter perante o do grupo. Assim como qualquer atividade, a AC tem seus pontos negativos. Em respostas fornecidas pelos alunos, podemos averiguar a maneira pela qual a cooperação pode estar agindo para melhorar a aprendizagem em língua estrangeira. Apesar da pesquisa não estar voltada para os problemas da aprendizagem cooperativa, optou-se por fazer um breve comentário a respeito dos pontos negativos somente por questões de conhecimento e levantamento de dados. A seguir verifica-se as seguintes respostas: 3ª Pergunta: Qual o ponto negativo que você acha de se trabalhar em grupo? Aluno (a) A

Porque nem todos fazem o trabalho (sic).

Aluno (a) B

Eu não gosto quando a professor (a) escolhe os grupos por que eles colocam pessoas que não se esforsa pra fazer o trabalho (sic).

Aluno (a) C

O ponto negativo e porque as vezes o grupo em fazer trabalhor a maioria fais e oresto só ganha ponto em cima dos outros (sic). Tabela 3 – Pontos negativos das atividades em grupo.

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Como podemos perceber, os alunos que não participam da atividade em grupo desmotivam seus colegas. Jacobs e Goh (2008) enfatizam que alguns alunos esquecem que o grupo precisa da contribuição de outros alunos e que compartilhem suas ideias, ou seja, o que sabem e o que não sabem, sendo assim as atividades em grupo ajudam os alunos a assumir uma responsabilidade dentro do grupo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa analisou um estudo de caso da aprendizagem cooperativa em sala de aula para a aprendizagem de uma língua estrangeira. Após a coleta de dados, percebe-se que a cooperação se faz presente durante as aulas de língua inglesa, despertando assim o interesse dos alunos pela aprendizagem. Com os dados da pesquisa ficou evidente que a interdependência positiva entre os alunos é um fator bastante relevante para a progressão dos alunos na disciplina de língua inglesa. A apreciação pelo trabalho em grupos possibilita aos alunos o debate, trocas de ideias e/ou experiências, permitindo assim que os alunos se tornem autônomos pois, o que eles conseguem fazer em grupo, mais tarde poderão fazer sozinhos. A pesquisa comprova que o respeito mútuo entre os alunos dos grupos e entre os grupos encarado com seriedade e que esse fato contribui bastante para o amadurecimento pessoal dos alunos. Fontes e Freixo (2004) enfatizam que a heterogeneidade dos grupos contribui muito para a promoção de um pensamento mais profundo e um maior intercâmbio de ideias, possibilitando que os membros dos grupos assumam pontos de vista diferentes, sendo assim, percebe-se que a constituição de grupos heterogêneos contribui para o que os alunos tenham respeito e cortesia para com seus colegas de grupo mais ou menos proficientes na língua que estão aprendendo. Com a pesquisa podemos perceber que devemos dar mais atenção para a o tempo fornecido aos alunos para a realização da atividade, uma vez, que os alunos necessitam disso para realizar as atividades, tendo antes que se familiarizar com seus companheiros de grupo. Podemos também perceber que a prática de cooperação por meio de trabalhos em grupos deve ser inserida de maneira gradativa nas aulas de língua inglesa pelo professor, para que não se torne uma prática rotineira de aprendizagem. Sendo assim, podemos considerar que e a aprendizagem cooperativa pode ser realizada de maneira eficaz em escolas públicas, pois através da análise dos dados, ficou evidente que a prática do trabalho em grupos é feita de maneira compreensiva e cooperativa. 36

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Esse mesmo tipo de atividade pode contribuir bastante para a aprendizagem cooperativa, porque auxilia os alunos a desempenhar um papel ativo no processo de construção do conhecimento. A palavra chave para todo o processo cooperativo é a interdependência positiva entre os participantes, confirmada nas palavras de Fontes e Freixo (2004) que enfatizam o sucesso e o fracasso ocorrem em conjunto, tornando a aprendizagem cooperativa um forte meio estratégico de aprendizagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAÚJO, Angela. Projetos de Aprendizagem e a relação professor-aluno: possibilidade de autonomia, colaboração, criatividade e apropriação das tecnologias. Porto Alegre, 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. BESSA, Nuno; FONTAINE, Anne. A aprendizagem cooperativa numa pos-modernidade crítica. Educação, Sociedade e Cultura, n. 18, p. 123-147, 2002. COSTA, Kleby. O papel do professor no aprendizado cooperativo em língua inglesa. 39 p. Trabalho de Conclusão de Curso. UFPA (graduação em Letras com habilitação em língua inglesa), Universidade Federal do Pará, Cametá, 2012. FONTES, Alice; FREIXO, Ondina. Vygotsky e a Aprendizagem Cooperativa. Lisboa: Livros Horizonte, 2004. FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 24. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. GIL, Antonio. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. JACOBS, George; GOH, Christine. O aprendizado Cooperativo na sala de aula. São Paulo: Special Books Services Livraria, 2008. MAÇADA, Débora; TIJIBOY, Ana. Aprendizagem cooperativa em ambientes telemáticos. Disponível em: <http://www.url.edu.gt/sitios/tice/docs/trabalhos/274.pdf> Acesso em: 19 mai. 2014. OLIVEIRA, Martha. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo tórico. São Paulo: Scipione, 1997.

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OXFORD, Rebecca. Cooperative Learning, Collaborative Learning, and Interaction: three communicative strands in the language classroom. The Modern Language Journal, v. 81, n. 4, p. 443-456, 1997.

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A POÉTICA OBSCURA DA PALAVRA NA ARTE CONCEITUAL THE OBSCURE POETICS OF WORDS IN CONCEPTUAL ART Débora Walter de Moura Castro Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Resumo: Nas décadas de 60 e 70, a Arte Conceitual surgiu como uma tendência inovadora quando fez da linguagem verbal um de seus principais instrumentos. Tiradas da intimidade do papel, as palavras foram colocadas em evidência, estremecendo as categorias artísticas com obras que se situavam entre imagens e letras. Em um ambiente de desmitificação do valor das imagens, a Arte Conceitual surgiu num ímpeto de desfigurar a sólida base das Artes Plásticas ao propor uma virada textual. A ideia desse trabalho é apresentar um pouco da trajetória desta poética obscura através tanto das características materiais e sólidas da palavra, quanto de sua presença enigmática e inconsistências como fonte de significados. A escritura conceitual foi trazida então para o campo da literatura a fim de um enriquecimento de sua leitura. Palavras-chave: linguagem; obscura; Arte Conceitual. Abstract: In the 60s and 70s, Conceptual Art emerged as a ground-breaking tendency when making of verbal language one of its most significant instruments of creation. Taken off the intimacy of paper, words were put in evidence shaking artistic categories with works that stood between images and letters. In an environment of de-mythification of the imagetic value, Conceptual Art appeared in an impetus to disfigure the solid tenets of Fine Arts by proposing a textual turn. The idea of this work is to present a little of the course of this obscure poetics through not only the material and solid presence of the word, but also through its enigmatic presence and inconsistencies as source of meanings. The conceptual scripture was then brought to the literature field in order to enrich its reading. Key words: language; obscure; Conceptual Art. Language operates between the literal and the metaphorical signification. The power of a word lies in the very inadequacy of the context it is placed, in the unresolved or partially resolved tension it disparates. A word fixed or a statement isolates without any decorative ‘cubist’ visual format, becomes a perception of similarities in dissimilars – in short a paradox. (Corrassable)

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Em meados dos anos 60, Arte Conceitual foi o termo adotado para designar uma série de práticas inovadoras, estremecendo o mundo das artes e colocando em cheque noções que há muito vinham sendo disseminadas e perpetuadas. Irradiando principalmente de Nova Iorque para o mundo, mas também do mundo para Nova Iorque, a Arte Conceitual é tida como uma tendência que durou aproximadamente dez anos, ou seja, até meados dos anos 70. Transitando entre vários métodos e procedimentos, a Arte Conceitual subvertia uma série de convenções, afetando profundamente o modo de perceber as artes. Tendências daquela época subvertiam a rigidez taxonômica e propunham uma expansão dos termos. A fusão de procedimentos adotados dificultava o sistema de classificação, problematizando os liames dos gêneros e sugerindo uma maior aproximação entre as artes. Maria do Carmo de Freitas Veneroso afirma que A combinação de diferentes linguagens é uma tendência clara nas artes plásticas atuais, em que as fronteiras entre as manifestações artísticas tradicionais – o desenho, a pintura, a gravura, a escultura – estão cada vez mais tênues, o que torna a determinação de limites entre essas linguagens uma necessidade quase que exclusivamente didática (2010, 35). Interrompendo a ordem visual das imagens, os artistas foram encorajados a recorrer a outros discursos e percorrer novos caminhos. A estética, como era percebida até então, não dava mais conta de tudo que a arte queria dizer. Pouco interessada nas propriedades físicas do objeto artístico, esta tendência adotou a palavra como um de seus principais instrumentos. Através de ampla produção textual, artistas conceituais contribuíram não só para uma revisão das categorias artísticas, mas também para a desestabilização do familiar mundo das letras. A palavra na arte, em consequência, não era mais um suporte discursivo para explicar uma obra pictórica, e sim a própria obra. Quando a letra se infligiu na arte integrou interesses entre as artes literárias e visuais em uma união frutífera. Afinal, uma delimitação muito rígida de categorias poderia diminuir um texto e restringir significados. Longe do confinamento de um livro, as palavras na arte adquiriram uma perspectiva literária no mínimo diferente, provavelmente exatamente por essa justaposição, e não por um deslocamento. Nem tanto imagem, nem Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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tanto texto, o verbal em obra entoava um tom poético desencaixado do poema tradicional ou esperado lirismo. As obras conceituais escritas surgiam como fragmentos poéticos que se formavam pela expressiva expansão de suas escrituras juntamente com sua visualidade. Linguagem verbal e pictórica, a palavra se abre a uma pluralidade de possibilidades e leituras onde o leitor se dispõe a uma constante busca por um significado perdido, despistado pela presença imponente do significante. É importante dizer, contudo, que as escritas conceituais eram secas, simples e quase isentas de ornamentos, muitas vezes tendo em mente um caminho claro, sem ruídos, para se chegar ao significado. No entanto, essa simplicidade foi ofuscada pelo estranhamento causado pela própria presença da palavra no mundo da arte, ainda pouco assimilada pelo espectador/leitor, e também, é claro, pela nossa eterna busca por um sentido sempre além do que se lê. Para que a escrita conceitual revelasse seu alcance, os textos, proposições ou inscrições conceituais deveriam ser lidos até que suas palavras se libertassem de suas propriedades físicas para se expandirem em complexas significações. Por detrás de uma aparente transparência, havia uma inquietude. A objetividade de uma simples afirmativa, que se apresentava a princípio despida de acessórios ou mistérios, guardava uma alma conflitante, atrás de um espectador/leitor que pudesse contemplá-la por seus traços simples, e também pela natureza de seu caráter. O objetivo deste trabalho é apresentar um breve passeio pelas características físicas e semânticas que deram às obras conceituais uma qualidade poética obscura. *** A verdade é que vários movimentos consolidados durante os anos 60 se mostraram pouco interessados em perpetuar as grandes narrativas conhecidas por legitimar as instituições políticas ou culturais. Muitos movimentos, inclusive, utilizaram a linguagem como instrumento primordial em suas obras como um confronto direto à arte como era feita até então. Coincidindo com um período de investigações acerca da linguagem, essa foi uma época em que artistas conceituais também se enveredaram pelos caminhos da escritura. É este interesse que moldou boa parte das definições que permeavam as obras conceituais, apesar das diversas práticas e procedimentos com os quais os artistas se deleitaram.

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Para entender melhor o aspecto obscuro da escritura conceitual é importante entender primeiramente a relação estreita que tiveram com a linguagem. O ensaio Concept Art, do artista Henry Flynt, ilumina os primeiros aspectos do que seria a Arte Conceitual. Reconhecido por sua filiação ao grupo Fluxus, Flynt teve seu texto publicado em An Anthology em 1963, onde ele descreve Concept Art (e não ainda Conceptual Art) como sendo um movimento “cujo material são conceitos, como o material eg. da música são sons” (“Essay”). Neste pequeno ensaio ele conclui que “uma vez que os conceitos estão muito próximos da linguagem, concept art é uma tipo de arte cujo material é a linguagem” (“Essay”). Flynt não apenas antecipou a relação da Arte Conceitual com a linguagem, como também enfatizou a ausência da visualidade tradicional, que os artistas conceituais iriam refutar com bastante veemência, culminando na ideia da desmaterialização do objeto artístico, ou melhor, um redirecionamento da presença material deste objeto para o processo mental que o antecedeu (MORLEY, 2003, p.139). Afinal, Flynt continua, “o que é artístico, estético, sobre um trabalho que é um corpo de conceitos?” (“Essay”). Ou seja, Flynt distancia a Arte Conceito daquela com a qual estávamos acostumados. Apesar de muito significativa para a compreensão da Arte Conceitual, a definição de Flynt ainda não foi creditada como aquela que nomeou o movimento. Foi somente em 1967 que o termo conquistou impacto internacional com Paragraphs on Conceptual Art, de Sol LeWitt, artista americano associado ao Minimalismo. Com esse texto, LeWitt acabou por unificar, ao menos ideologicamente, o pensamento de diversos artistas da época, que mais tarde se tornariam reconhecidos como artistas conceituais. Diferentemente de Flynt, LeWitt não propõe uma ligação direta entre Arte Conceitual e linguagem. LeWitt afirmava que o conceito poderia ser materializado em um objeto tri-dimensional, ou como números, palavras ou da maneira como preferisse o artista (LEWITT, 2002, p.222). Também afirmava que obras de arte feitas para a visualidade seriam parte de uma arte perceptual, já uma obra cujo material são os conceitos, seria arte conceitual (2002, p.214). Esta ideia foi solidificada dois anos mais tarde, com o texto Sentences on Conceptual Art, também de LeWitt. Em Sentences, de 1969, LeWitt complementaria suas ideias dizendo que “ideias sozinhas já poderiam ser trabalhos de arte; elas estão em um processo de desenvolvimento que podem acabar achando uma forma. As ideias não precisam ser físicas” (2002, p.222) (Minha tradução de: “Ideas alone can be works of art; they are in a chain of development that may eventually find some form. All ideas need not be physical”). Flynt apresenta então o conceito como uma ideia, um pensamento, que poderia ganhar forma, ou nunca sair Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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da cabeça do artista. O trabalho “Something”, do artista americano Robert Barry, exemplifica bem como um trabalho pode estar apenas na mente de seu criador. Ele conseguiu mostrar a leveza de seu processo criativo através da frase “Something which exists and of which I am aware of, but I cannot know if anyone else is aware of it, or even can be aware of it” (Minha tradução: “Alguma coisa que existe e de que tenho conhecimento, mas não posso saber se mais alguém tem, e nem se pode ter.”). Datilografado no centro da página, o texto já indica sua estética simples. A frase centralizada acentua suas características visuais e seu espaço em branco, lembrando mais um poema do que uma obra de arte.

Fig. 1. Robert Barry, Something, 1969.

Em 2012, Barry fez outro trabalho parecido, “Something that cannot be put into words”(Minha tradução: “Alguma coisa que não pode ser traduzida em palavras”), que tinha uma natureza paradoxal, uma vez que mesmo alegando não conseguir explicar essa ‘alguma coisa’ através de palavras, é exatamente com o suporte linguístico que ele apresenta sua ideia. Ainda que ‘alguma coisa’ pareça não ter sido traduzido em palavras, é com elas que ele descreve essa impotência léxica de apresentar sua ideia, a incapacidade da linguagem em revelar um pensamento. Ironicamente, porém, ainda que Barry nunca tenha se reconhecido como artista conceitual ou mesmo simpatizado com o termo Arte Conceitual, estes trabalhos refletem bem o uso da linguagem como aquele definido por ambos Flynt e LeWitt. Mas além das definições de Flynt e LeWitt, outras foram surgindo, muitas das quais estreitando ainda mais o vínculo da Arte Conceitual com a linguagem, com a teoria 42

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e definição. O grupo inglês Art-Language, por exemplo, fez uma abordagem analítica da linguagem na arte quando decidiu publicar seu próprio jornal onde os artistas envolvidos poderiam expressar suas opiniões através de textos, artigos e debates. Artistas como Michael Baldwin e Terry Atkinson usaram o termo Arte Conceitual para descrever o que eles estavam fazendo desde 1966. A primeira publicação do jornal, intitulada Art-Language: a journal on Conceptual Art, de 1969, continha reflexões relevantes sobre a Arte Conceitual e seu objetivo, dando atenção especial ao papel teórico e crítico de alguns trabalhos conceituais. O grupo acreditava em uma substituição do objeto artístico por uma análise traduzida em palavras. Na introdução de seu primeiro jornal, os editores diziam que na Arte Conceitual, “o conteúdo da ideia do artista é expresso através das qualidades semânticas da linguagem escrita. Como tal, muitas pessoas alegariam ser esta tendência melhor descrita pela categoria ‘arte teoria’ ou ‘arte crítica.’” (Art-language, p.99) (Minha tradução de: “the content of the artist’s idea is expressed through the semantic qualities of the written language. As such, many people would judge that this tendency is better described by the category-name ‘art theory’ or ‘art criticism.’”). Entre 1969 e 1970, o artista americano Joseph Kosuth colaborou com o grupo propondo uma análise filosófica para desenvolver seus pensamentos e seus trabalhos. Um dos mais conhecidos artistas conceituais, Kosuth, inspirado pela filosofia de linguagem contemporânea, principalmente A.J.Ayer e Wittgenstein, acreditava que a linguagem deveria ser considerada em seu uso cotidiano. A ideia de Wittgenstein de que “o significado de uma palavra está em seu uso na língua” (Minha tradução de: “the meaning of a word is its use in the language” (‘Philosophical’) evidencia o fato de que o significado de uma palavra não deveria necessariamente apontar para fora da proposição onde se encontra. Em seu texto Art after philosophy, de 1969, Kosuth destaca que “o trabalho de arte é uma tautologia uma vez que é uma apresentação das intenções do artista, ou seja, ele está falando que um determinado trabalho de arte é arte, o que já é uma definição de arte.” (KOSUTH, 1991, p.20) (Minha tradução de: “a work of art is a tautology in that it is a presentation of the artist’s intention, that is, he [the artist] is saying that a particular work of art is art, which is a definition of art.”). A Arte Conceitual aspirava, nas palavras de Kosuth, uma definição ‘pura’ que questionaria o próprio conceito de arte e seu significado. Para Kosuth, a definição de Arte Conceitual está próxima do próprio significado de arte (p.25). A obra Box, Cube, Empty, Clear, Glass – A definition, de Kosuth, consiste em 5 cubos de vidro transparentes distribuídos lado a lado no chão, cada qual com uma inscrição (box, cube, empty, clear, glass, respectivamente), como no título. Todas as palavras se Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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referem às próprias características apresentadas pelos objetos, ou seja, caixa, cubo, vazio, claro, vidro. Como afirma Didi-Huberman a respeito desta obra de Kosuth, este seria um jogo sem equívocos onde a obra não se contenta mais em mostrar que o que vê é apenas o que vê, a saber, cubos vazios em vidro transparente, ela o diz em acréscimo, numa espécie de redobramento tautológico da linguagem sobre o objeto reconhecido (1998, p.57). Esta perspectiva tautológica em que a linguagem, a princípio translúcida, não ofereceria margem para interpretações foi, no entanto, bastante criticada, tanto por artistas quanto por alguns críticos de arte. Em 1962-1969: Conceptual Art from the aesthetics of administration to institutional critique, Benjamin H.D. Buchloh criticou a ideia que alguns artistas tinham de uma escrita conceitual com significados estáticos e uma linguagem transparente. Também Simón Marchán Fiz, em Del arte objectual al arte de concepto, explica que a crítica ao conceitualismo puro está relacionado a “noções vulgarizadas da filosofia analítica.” (1994, p.261) (Minha tradução de: “nociones vulgariadas de la filosofia analítica”). Afinal, mesmo que a frase pareça óbvia, essa literalidade, ou transparência, pode esconder as mais complexas ciladas. O trabalho do artista americano Mel Bochner, Language is not transparent, 1969, apresenta uma investigação que abriu os portões para que a complexidade dessas palavras fosse desvelada. Nesta obra, é possível identificar a qualidade material da linguagem e também a falta de transparência de seu valor semântico, características fundamentais da palavra na Arte Conceitual. A escrita é material sim. Por mais que se tentasse recusar a materialização do objeto artístico, a obra escrita ainda assim era prontamente percebida por sua existência plástica. Talvez a única maneira de tentar recusar a ênfase no objeto artístico fosse despindo este objeto de qualquer ornamento que pudesse remetê-lo à estética da obra de arte como aquela digna de contemplação, admirada em silêncio no interior de museus e galerias. E a escrita não é transparente, e sim opaca, obscura. A escrita esconde segredos e não segue um caminho fixo, mas oferece diversas vias, tortuosas e ramificadas, para que sua presença seja sempre um jogo, como afirma Didi-Hubermann, mas um jogo de enigmas e incógnitas. 44

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Na obra de Bochner, a afirmativa ‘1. Language is not trasparent’ foi escrita a giz em superfície preta pintada diretamente na parede. A superfície preta sugere um retângulo, mas está incompleto, pois no lugar de uma linha reta em sua base, a tinta escorre até o chão. O giz e o número ‘1.’ nos lembram o ambiente acadêmico, uma sala de aula, uma primeira lição. Porém, o quadro negro inacabado mostra a vulnerabilidade do suporte, uma mensagem à academia de artes e à fragilidade que representava no momento. Ao mesmo tempo, é no escuro do retângulo que a linguagem tem sua visualidade garantida, já que somente em um fundo escuro pode uma escritura em giz branco aparecer em uma parede branca, senão a linguagem seria sim transparente, ou invisível. Apesar das críticas ao universo artístico até então perpetuado, era ainda através dele que os trabalhos se acomodavam.

Fig. 2. Mel Bochner, Language is not transparent, 1970.

Outro trabalho de mesmo nome, de 1969, tem a frase carimbada em quatro cartões, sendo que no primeiro a frase está carimbada uma vez, no segundo duas, no terceiro quatro e no quinto dezesseis vezes. Essa condição de sobreposição caracteriza a própria afirmativa, legitimando o que a frase apresenta: tanto a materialidade quanto a complexidade da linguagem.

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Fig. 3. Mel Bochner, Language is not transparent, 1969.

Este procedimento também parece discorrer sobre a transparência material que a linguagem pode adquirir. Sobrepondo umas às outras, provavelmente as frases carimbadas, já sem tanta tinta, acabam por transparecer as mais escuras. Mas o que a princípio parece consentir legibilidade à frase, reforça ainda assim sua presença material. “What seems a tautology – a statement that validades itself through repetition – is in fact a state of suspension, since what appears as redundancy is acutally embedded in two distinctively separate language systems of word and image as if they were transparent to each other.” (FIELD, 1995, p.42). (Minha tradução: “O que parece uma tautologia – uma afirmativa que se valida através da repetição – é na verdade um estado de suspensão, desde que o que aparece como redundante é na verdade uma inserção de dois sistemas de palavra e imagem separados como se eles fossem transparentes um ao outro”). O último cartão já é ilegivel - um material, uma imagem sem conteúdo, quase um borrão. Em 1999, Bochner fez um trabalho similar ao de 1969. A frase foi impressa 17 vezes em uma superfície branca. As frases foram centralizadas em uma base de algodão branca e muitas vezes ocupavam o mesmo espaço. Novamente em alterações que variavam entre o claro e o escuro, as frases às vezes eram de fato praticamente transparentes, quase invisíveis, como uma linguagem em obliteração. Mas as palavras ainda designam, nomeiam, significam. Seu contorno é sua vestimenta. Por detrás desta casca a linguagem esconde segredos e significados. O material fragilizado racha diante do olhar do espectador/leitor, que o encara para enxergar o espírito 46

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da letra. A palavra, com sua qualidade fantasmagórica, existe também como significado. A afirmativa Language is not transparent então não se refere simplesmente à exaltação de sua opacidade material, mas sua função pouco óbvia ao expressar significados. A palavra não dá acesso a uma via direta para se chegar à ideia. Seu caminho é marcado por encruzilhadas. Apenas por estarem no mundo artístico, as palavras adquiriram um valor metafórico não prontamente percebido, nem na época e/ou talvez ainda nem hoje. A opacidade da linguagem parecia uma declaração aberta da natureza ambígua das palavras.

Fig.4.Robert Smithson, A Heap of language, 1966.

Alguns artistas, ainda assim, tentavam destacar apenas as qualidades físicas das palavras sólidas, opacas, mudas, significantes. Elas não narram, explicam ou representam nada fora de sua solidez. São impenetráveis, fragmentos de linguagem, poema encontrado, objetos. Alguns artistas tinham obras cujos aspectos gráficos se aproximavam de poemas visuais, ou esculturas. Robert Smithson, artista americano, (1938-1973) construiu A Heap of language, em 1966, que consiste em um texto escrito em papel quadriculado, suporte que nos remete a um projeto gráfico, um sketch. Este texto tem o formato de uma pirâmide onde palavras se amontoam ao longo de 21 quadrantes horizontais e 6 verticais. Essa construção lembra as pirâmides maias de Iucatã devido ao seu topo plano, e não pontiagudo como as pirâmides do Egito, por exemplo. As palavras dão à obra uma visualidade homogênea, umas se aproximando das outras, sem pausa, vírgulas ou pontos. Porém, estas palavras em série são reforçadas pela repetição semântica de seu conteúdo. Esta corrente de significados recorrentes, como ‘language’, ‘phonology’, ‘speech,’ todos relacionados à linguagem, dão também razão metonímica a essa escultura. A palavra ‘language’ no topo da pirâmide, ‘hierographia’ no canto esquerdo, e ‘cipher’ no canto direito formam a letra ‘A’, primeira letra do alfabeto ocidental. Como tijolos, as palavras constroem a pirâmide de palavras, a letra. Mas como um texto, as palavras começam do topo, e não do chão, como se esperaria de uma construção ou escultura. Neste ponto, a Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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materialidade é novamente confrontada pelo significado da obra, ou ao menos pelo desejo do artista em fazer arte com palavras.

Fig.5. Marcel Broodthaers, Un coup de dés, 1969.

O artista belga Marcel Broodthaers (1924-1976), em sua obra Un coup de dés, ressaltou ainda mais a visualidade do poema tipográfico de Mallarmé cobrindo as palavras com tarjas pretas evidenciando apenas a estrutura do poema. Silenciadas, as palavras só se faziam presentes por estarem amordaçadas e por terem sua presença já conhecida no famoso poema visual. Mas caladas, não significam. Aqui, Broodthaers atesta a opacidade das letras e a insuficiência de uma representação, confirmadas apenas pela materialidade da linguagem. Já o artista americano Lawrence Weiner, diferentemente, apresentou seus textos

Fig.6. Lawrence Weiner, Statements, 1968.

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em um pequeno livro, de pequenas dimensões, que, ao contrário do que seria um livro de artista ou um livro de poemas, custava apenas $1.95. Weiner apresentava suas esculturas escritas, concluindo que a palavra ocupava menos espaço do que a própria escultura executada ocuparia. Os textos eram descrições do que seria uma escultura. Ou seja, a obra era a escritura, a escultura era a palavra. Outros artistas, por outro lado, reforçaram a importância semântica de suas obras como o artista japonês On Kawara. Kawara enviava telegramas para artistas ou amigos com frases simples como ‘I am still alive’ (Eu ainda estou vivo). A urgência do telegrama, porém, é confrontada por um testemunho existencialista. A própria natureza de um telegrama já implica a negativa da própria frase. Afinal, até chegar às mãos do destinatário, várias coisas poderiam acontecer, inclusive a morte do próprio artista, o que põe em risco a veracidade da palavra e desestabiliza sua relação com o tempo.

Fig.7. On Kawara, I am still alive, 1975.

O artista australiano Ian Burn também promoveu esta relação dispare entre a linguagem e a realidade quando escreveu em um espelho a frase “Nenhum objeto implica a existência de nenhum outro” (Minha tradução de: No object implies the existance of any other) que apresenta uma relação dialética entre objeto e verbo. O espelho, por sua natureza, implica a existência de outro. É uma provocação, inclusive por que provavelmente a primeira imagem vista quando se aproxima do espelho, é a do próprio leitor. Assim, entre matéria e significado, as obras conceituais carregam em palavras a natureza da própria escrita. De acordo com Anne-Marie Christin, “o que caracteriza a escrita, em todas as civilizações em que surgiu, é que é o produto de duas media que a precediam há muito tempo, a linguagem verbal e a imagem. Ora, essa associação não deixa de ser paradoxal” (2004, p. 279). As correspondências entre significado e significante transformam a linguagem em uma estrutura instável. Enquanto garante o significado, acabam por negá-lo. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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O objetivo deste trabalho foi reverenciar as características físicas e semânticas da linguagem na Arte Conceitual, como primordiais para seu aspecto poético. Os aspectos poéticos conceituais estão no grafismo também, mas absolutamente não reduzidos a ele. As palavras engendram sua própria disposição, tanto gráfica quanto significativa, para propor seu fenômeno híbrido. Na introdução de Anthology of Conceptual Art Writing, o editor Douglas Craig Dworkin oferece seus pensamentos acerca da poética conceitual se chamadas de poemas. Nesta introdução ele questiona se seria a poesia conceitual aquela não expressiva mas intelectual, cuja linguagem se apresenta de forma direta, sem metáforas mas através de um processo lógico onde o poema é um retorno a própria linguagem. Provavelmente por isso a poesia contemporânea se pareça mais com as novas artes do que com a poesia do passado. Se essas obras não puderem ser analisadas sob uma perspectiva literária, esses textos funcionariam então como suplemento, texto secundário, comentário (BUCHLOH, 2000b, p.556). Mas a escritura conceitual, ao lidar com a linguagem não transparente, está lidando com a própria natureza do poema. Marjorie Perloff, em sua obra O gênio não original (2013), cita Rosmarie Waldrop que diz da poesia como uma que é, “antes de tudo, uma revolta contra a transparência da palavra”, transformando “o som e o formato das palavras em seu campo explícito de investigação.” (PERLOFF, 2013, p.108). A leitura das obras conceituas é um convite ao eterno confronto com o qual temos que lidar diante das constantes desconstruções no mundo das artes e das letras, de suas fusões e seus distanciamentos. A palavra, por sua vez, exprime um valor quase Beckettiano quando se caracteriza por uma “ausência de ornamentos, a recusa do que soa rebuscado, o estilo branco, a sintaxe sem figuras”, ou ainda, “se esconde sob o manto da neutralidade” (ANDRADE, 2001, p.27).

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AS MARCAS DE CONTEXTUALIZAÇÃO NO ARTIGO DE OPINIÃO THE CONTEXTUALIZATION OF BRANDS IN THE OPINION ARTICLE Elaine Aparecida dos Santos Estracieri Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP Resumo: Este trabalho tem como objetivo explorar os aspectos de contextualização em uma perspectiva sociocognitiva no artigo de opinião. Dessa maneira, esta pesquisa é analisada através da ótica do discurso e do contexto considerando a importância do texto como evento comunicativo, cujas ações linguísticas, cognitivas e sociais estão presentes, a fim de permitir a comunicação significativa e relevante. Não podemos pensar que uma produção de texto é apenas uma sequência de palavras, mas sim um sistema de conexões, cuja função é desenvolver um processo de interação. Isso implica afirmar que um conhecimento sociocultural compartilhado é uma condição crucial para a produção e compreensão do discurso. Desse modo, a comunicação não terá sentido, se não tivéssemos nenhuma ideia a respeito daquilo que nossos receptores já sabem. Nesta perspectiva, esta pesquisa visa descrever quais são os modelos de contexto centrais que regulam a não expressão desses conhecimentos no discurso. Em termos de metodologia, definimos como objeto de análise o artigo de opinião, devido a possibilidade de pesquisa na esfera da enunciação, do enunciado e do discurso, a importância dos sistemas interativos e a presença da contextualização como fator importante para o efetivo compartilhamento de conhecimentos. O padrão revelado pela análise do artigo indica que esses modelos permitem que os participantes do discurso compreendam os assuntos apresentados. Palavras-chave: Contexto; artigo de opinião; estudos linguísticos; evento comunicativo; conhecimentos. Abstract: This work to explore aspects of contextualization in a socio-cognitive perspective in the opinion. This research is analyzed through optical speech and context considering the importance of the text as communicative event, whose linguistic, cognitive and social actions are present in order to enable meaningful and relevant communication. The object of analysis of this work will be the opinion article because of the possibility of research in the sphere of enunciation, utterance an speech, the importance of the interactive systems and the presence of contextualization as an important factor for the effective sharing of knowledge. The revealed pattern by the analysis of de article indicates that these models allow participants in the discourse understand the issue presented. Keywords: Context; opinion article; communicative event. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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INTRODUÇÃO O presente trabalho terá como objetivo refletir sobre as marcas de contextualização no artigo de opinião, visando descrever os aspectos contextuais que contribuem para o desenvolvimento sociocognitivo. Assim, ao considerar o conhecimento sociocultural fator preponderante para a produção e compreensão do discurso, apontaremos para os modelos de contexto, a fim de confirmar que o conhecimento só será partilhado, se os falantes tiverem hipóteses ou modelos cognitivos, em relação ao que os receptores sabem. Dessa forma, a questão que será objeto de reflexão neste artigo será “ Como explorar os aspectos de contextualização no artigo de opinião?” Partimos do pressuposto de que sem aceder às essas marcas de contextualização e à reflexão dos modelos de contexto, não é possível produzir um discurso relevante e crítico. Neste sentido, a presente pesquisa terá dimensões linguísticas, sociolinguísticas e cognitivas do contexto . Para tanto, esse artigo será estruturado nos conceitos teóricos sobre texto e contexto e, por conseguinte, definirá o gênero artigo de opinião. A última parte dessa pesquisa será a análise do texto. O presente trabalho será realizado, com base nos estudos teóricos de Van Dijk (2012) e Beaugrande (1997), cujas reflexões se constituem na definição de texto e na descrição teórica dos modelos de contexto. Em termos de metodologia, definimos como objeto de análise o artigo de opinião, devido a possibilidade de pesquisa na esfera da enunciação, do enunciado e do discurso, a importância dos sistemas interativos e a presença da contextualização como fator importante para o efetivo compartilhamento de conhecimentos. Trata-se de textos que apresentam características relativamente estáveis, já que estão relacionados com a prática social, que, por sua vez, é mutável de acordo com os participantes, papéis, tempo e lugar. Dessa forma, para refletir as estratégias utilizadas pelo falante, selecionamos um artigo de opinião publicado no mês agosto de 2013, retirado do jornal Folha de S. Paulo. A escolha dessa empresa jornalística justifica-se pela confiabilidade e segurança das informações publicadas. O texto foi publicado pela colunista Eliane Castanhêde que foi diretora da sucursal da Folha em Brasília de 1997 a 2003. Carioca e formada pela Unb, foi repórter da “Veja”, chefe de redação do “Jornal do Brasil”, colunista de ‘ O Estado de S. Paulo” e diretora de redação de “ O globo” e da “ Gazeta Mercantil”, sempre em Brasília. Sem dúvida, a trajetória da colunista está intrisicamente relacionada aos temas publicados nos seus artigos de opinião. Trata-se de uma abordagem crítica das questões 54

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politícas, cujos textos apresentam uma linguagem informal, perpassando a coloquialidade e fazendo uso da ironia. Assim, escolhemos essa jornalista, pois o artigo publicado marca uma época de grandes manifestações políticas pelo país. Eliane Castanhêde como formadora de opinião, por meio da crítica, abordará com autonomia as questões polêmicas que emergem no âmbito político. 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 TEXTO E CONTEXTO : UMA VISÃO TEÓRICA

Na presente pesquisa, é essencial ver o texto como um evento comunicativo, isto é um sistema de conexões entre vários elementos que abrangem múltiplos sistemas interativos. Beaugrande (1997) lembra que o texto é um sistema real de escolhas reais interconectadas retiradas enquanto sistema virtual de escolhas potenciais. Sem dúvida, o receptor do texto necessita processar aquilo que está lendo, a fim de que sua a leitura seja relevante, crítica e reflexiva. Nesse sentido que entendemos a função do texto como um evento comunicativo, e segundo Beaugrande (1997), nós devemos dirigir nossa atenção ao que acontece durante aquela rápida transição entre um mero som emitido ou algo impresso sobre um papel. Tais aspectos, segundo Van Dijk (1980), revelam que uma oração isolada desprovida de contexto perde os indícios que revelariam o caráter do enunciador e a resposta do enunciatário. Neste livro, não pretendo explorar esses usos da palavra “contexto” que se fazem no dia a dia, mas sim traçar os elementos de um quadro para um conceito teórico de ‘contexto’ que possa ser usado nas teorias da língua, do discurso, da cognição, da interação, da sociedade, da política e da cultura. (Dijk, 1980, p.34) . Esse linguista nos apresenta nove pressupostos ao falar de contexto em seu livro “Discurso e contexto” entre eles destacaremos como relevante para essa análise a importância dos mecanismos de contextualização como experiências únicas e a formação dos modelos mentais para que os participantes da comunicação construam dinamicamente análises e interpretações subjetivas do que está sendo dito. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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Defini o contexto como um tipo específico de modelo mental, isto é, como representações das próprias situações comunicativas feitas subjetivamente pelos participantes, e não como as situações comunicativas enquanto tais – que é o tratamento atual. ( Dijk, 1980, p.43) Segundo Van Dijk (1980), os modelos de contexto podem representar situações sociais ou comunicativas em vários níveis de generalidade ou granularidade. Podendo representar, num nível micro, interações situadas, momentâneas, em andamento, face a face, e, por outro lado, podem representar situações históricas ou sociais totalizadoras. Não há um nível predominante, pois a cada momento da fala um deles podem ser mais relevante que o outro. Isso vai depender da situação comunicativa que será ativada , a fim de influenciar a estrutura do discurso. Dessa maneira, Van Dijk (1980) assinala que, por meio dos contextos, os usuários são capazes de compreender a temática dos artigos publicados no jornal. Essa capacidade dos usuários da língua está intimamente ligada a estratégias cognitivas e linguísticas. Isso implica afirmar que os contextos não são um tipo de situação social objetiva e sim são construídos pelos participantes, subjetivos, embora socialmente fundamentados. Desse modo, os modelos de contexto são um tipo especial de modelos de experiência do cotidiano, sendo representados na memória espisódica dos participantes do discurso. Não há dúvida, que esses modelos controlam muitos aspectos da produção e compreensão de textos e falas. Concluimos, que a função dos usuários não é apenas processar os discursos, mas também devem construir dinamicamente sua análise e interpretação subjetiva. Isso significa, que os contextos são algum tipo de modelo mental, já que são representados na memória dos usuários da língua. Podemos notar, que nos estudos teóricos de Van Dijk (1980), os modelos mentais passam a ser chamados de ‘ modelos de situação’. A teoria dos ‘modelos de situações’ conseguiu explicar um grande número de problemas que não tinha sido possível equacionar aplicando as abordagens cognitivas tradicionais à Semântica Cognitiva, tais como as condições de coerência e correferência local e global ou as lembranças erradas, as 56

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lembranças entre meios diferentes [ cross-media recall], as relações entre sentido e conhecimento, e assim por diante ( para a sumula das várias funções dos modelos mentais, ver Zwaan e Radvansky,1998). ( Van Dijk, 1980, p.90) Essa nova denominação, surgiu da necessidade de ampliação do sentido, pois os modelos mentais representam apenas o sentido literal do texto, não considerando que os usuários controem eventos nesses enunciados. Os usuários apresentam referências que permitem algumas conclusões no limite do enunciado, por isso os modelos mentais passasm a ser chamados de modelos de situação. Essa nova visão, permitiu à Psicologia explicar a referência e a correferência, ressaltando a importância da referência aos fatos relacionados e, a partir, desse momento surgiu a noção de coerência. Isso implica considerar que um texto só será coerente se os usuários da língua construirem modelos mentais dos eventos apresentados. Neste sentido, um texto jornalístico só é coerente quando o receptor compreende aquilo que está sendo dito, consideramos que o discurso só é significativo quando é capaz de representar algum modelo. Para a Psicologia, essa capacidade significativa é definida pelos falantes ou receptores. Isso significa que aquilo que é de suma importância para o falante, pode não fazer sentido para o receptor, ambos podem interpretar de maneiras diferentes o mesmo discurso. À diferença das abordagens ‘interpretativas’ habituais, os modelos mentais também proporcionam um ‘ponto de partida’ para a produção do discurso: se as pessoas representam as experiências e os eventos ou situações do dia a dia em modelos mentais subjetivos, esses modelos mentais formam ao mesmo tempo a base da construção das representações semânticas dos discursos sobre esses eventos, como é típico das histórias ou dos relatos de notícias do cotidiano ( Van Dijk, 1980, p. 91) Ao falar em experiências ou situações que precisam fazer sentido para o falante, nos deparamos com o conceito de modelos mentais que , segundo Van Dijk (1980), são Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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subjetivos e únicos, pois não representam de maneira objetiva os eventos de que fala o discurso, mas , inicialmente, como os usuários da língua interpretam ou constroem os eventos. Todavia, devemos considerar que os discursos e os modelos mentais apresentam categorias mais ou menos estáveis, revelando um caráter que perpassa pela objetividade. Dessa maneira , Van Dijk (1980) afirma que os contextos são um tipo especial de modelo mental da experiência cotidiana. Ainda, segundo esse linguista, não há problemas em definir os contextos como modelos mentais, pois os eventos comunicativos e as interações discursivas são formas da experiência cotidiana. Isso implica afirmar que a maneira como interpretamos o que está acontecendo nos eventos comunicativos do qual participamos, não é diferente do modo como fazemos isso para outros eventos. Em contrapartida, os modelos de contexto representam a comunicação e a interação verbal, representam os modos como o nosso discurso será estruturado e adaptado à situação comunicativa global. Nesse sentido, o emissor do texto estrutura o seu discurso, a fim de que o receptor compreenda o que está dito e o não dito no papel. Dessa forma, podemos caracterizar os modelos de contexto como únicos e subjetivos que se baseiam em conhecimentos socioculturais e outras crenças compartilhadas socialmente. Além disso, podem comportar opiniões e emoções servindo, com base na sua importância, como apoio para discursos futuros. Os contextos são dinâmicos e organizados por esquemas e categorias. Van Dijk (1980) apresenta em seu livro uma lista das categorias de contexto, ressaltando que esta se apresenta imcompleta. Nesse sentido, percebemos que estamos diante de um conceito rico e produtivo, que abrangerá uma teoria social e cultural mais ampla do discurso, considerando que os modelos de contexto são também representações cognitivas que integram e combinam exigências não só pessoais, como também socioculturais nos eventos comunicativos. Van Dijk (1980), postula que os contextos se dividem em categorias que podem ter dois níveis de representação, um global e outro local. Essas categorias integram ambiente, participantes, Eu-mesmo e ações e eventos. Consideramos que os participantes analisam e representam o que está a sua volta e as situações sociais, pois na construção de seus modelos de contextos, eles utilizam as capacidades gerais de compreensão. Isso implica afirmar que o conhecimento partilhado é condição para a compreensão e produção dos discursos.

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Na teoria do contexto, preciso considerar atentamente um aspecto mais específico do papel que o conhecimento tem no discurso; para poderem falar ou escrever de maneira apropriada, os usuários da língua precisam de crenças ou conhecimento sobre os conhecimentos dos receptores (Van Dijk, 1980, p. 122). Pensando no conhecimento partilhado e na necessidade de estratégias rápidas para chegar a hipótese sobre aquilo que os falantes já sabem. Van Dijk (1980) apresenta os k mecanismos de contexto, pois considera que existe um mecanismo central que regula a não expressão do discurso. Assim, os mecanismos k são definidos como: K1: Assuma que os receptores sabem o que eu lhes disse antes, K2: Assuma que os receptores não sabem do conhecimento pessoal que eu adquiri desde minha última comunicação com eles,K3: Assuma que os receptores conhecem aquilo de que nós (isto é o jornal) já o informamos antes, K4: Assuma que os leitores têm o mesmo conhecimento sociocultural que você e o K5: Assuma que os receptores compartilham o conhecimento de todas as comunidades epistêmicas mais abrangentes de que fazem parte. Nesta pesquisa, partimos desses conceitos teóricos para analisar um artigo de opinião, a fim de demonstrar a importância dos modelos de contexto para a compreensão e produção de um texto.

1.2 O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO

Chamamos de gêneros, os textos da vida cotidiana, como anúncios, aviso de toda ordem, artigos de jornais, catálogos, receitas médicas, prospestos, guias turísticos, literatura de apoio à manipulação de máquinas. Esses gêneros textuais não são estáticos, pois tratam-se de produtos das interações sociais, para tanto sofrem mudanças não só decorrentes das transformações da sociedade, mas também das modificações dos lugares atribuídos ao falante. Essa necessidade de adequação do discurso, a fim de tornar o ato comunicativo relevante e comprensível, permite, segundo Bakhtin (1997), distingui-los em gêneros que se constituem em primários ( cartas, diálogos, interação face a face), ou secundários ( resenhas, textos científicos, artigos de jornal). É importante ressaltar que a concepção de gênero para Backtin não é estática, pois como qualquer produto social, os gêneros estão sujeitos a mudanças, decorrentes não Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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só de transformações sociais, como oriundas de procedimentos de organização e acabamento da arquitetura verbal, como também modificações do lugar atribuído ao falante. Ter um destinatário dirigir-se a alguém, é uma particularidade constitutiva do enunciado, sem a qual não há, e não poderia haver um enunciado. As diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções típicas do destinatário são as particularidades constitutivas que determinam a diversidade dos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 1997. p. 325). Partindo dessas definições, os estudos de análise serão voltados para o gênero secundário artigo de opinião, pois enquadra-se em circunstâncias de comunicação cultural complexa e relativamente evoluída. Se não existissem os gêneros do discurso e se não o dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível. (Bakhtin,1996, p. 302) Ressalte-se que essa variedade de discursos efetua-se em forma de enunciados orais e escritos, concretos e únicos, que emanam dos integrantes de uma ou de outra esfera da atividade humana. A estabilidade e a individualização são componentes responsáveis pelo que denominamos gêneros do discurso, cuja riqueza e diversidade são infinitas. Esses gêneros textuais não são estáticos, pois tratam-se de produtos das interações sociais, para tanto sofrem mudanças não só decorrentes das transformações da sociedade, mas também das modificações dos lugares atribuídos ao falante. Essa diversidade discursiva que torna o ato comunicativo relevante e comprensível permite, segundo Bakhtin (1997), distinguí-los em gêneros que se constituem em primários (cartas, diálogos, interação face a face), ou secundários ( resenhas, textos científicos, artigos de jornal). Partindo dessas definições, os estudos de análise serão voltados para o gênero secundário artigo de opinião, pois enquadra-se em circunstâncias de comunicação cultural complexa e relativamente evoluída. 60

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Ter um destinatário dirigir-se a alguém, é uma particularidade constitutiva do enunciado, sem a qual não há, e não poderia haver um enunciado. As diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções típicas do destinatário são as particularidades constitutivas que determinam a diversidade dos gêneros do discurso. ( Bakhtin, 1996, p. 325) Nos artigos de opinião, o enunciado satisfaz o seu próprio objeto, ou seja, ao conteúdo do pensamento que se enuncia e ao próprio enunciador. Na esfera jornalística, os fatos são apresentados conforme a intenção daquele que escreve e, que, por sua vez, podem causar indignação e revolta. Nos limites do enunciado, o locutor formula perguntas, responde-as e opõe objeções que ele mesmo refuta.

2. METODOLOGIA A partir do estudos sobre o contexto, definimos como tema desse artigo “ As marcas de contextualização no artigo de opinião”. Consideramos que o conhecimento sociocultural compartilhado é de suma importância para a efetivação de um discurso, cujos parâmetros fundamentam-se na produção e compreensão. Nesta pesquisa refletimos sobre os aspectos de contextualização, a fim de descrever as pistas ou hipóteses que os falantes devem possuir, em relação ao que os receptores sabem. Dessa maneira, a questão que será objeto de reflexão neste artigo será “ Como explorar os aspectos de contextualização no artigo de opinião?” Partimos do pressuposto, que o emissor necessita conhecer aquilo que o receptor conhece. Neste sentido, recorremos aos conceitos teóricos de Van Dijk (1980) para definir os modelos de contexto que regulam a não expressão desses conhecimentos no discurso. Escolhemos para aplicação dessa teoria, a análise de um artigo de opinião, devido o seu caráter estável e sua relação com a prática social. Esse texto nos possibilitará um levantamento de hipóteses sobre a importância dos aspectos de contextualização para o efetivo compartilhamento cognitivo.

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Dessa forma, para refletir sobre esses aspectos, selecionamos um artigo de opinião publicado pela colunista Eliane Castanhede no mês agosto de 2013 no jornal Folha de S. Paulo. A pesquisa contou com fundamentos teóricos sobre texto e contexto, apresentação do gênero do discurso: artigo de opinião e finalmente descreveu os aspectos de contextualização presentes no texto. 3. ANÁLISE 01/08/2013 - 03h30

Quem não chora não mama BRASÍLIA - Os deputados e senadores tiraram uns dias de recesso branco, foram às suas bases e captaram “in loco” o mau humor do cidadão, que acaba de abater mais da metade da popularidade de Dilma. Na volta ao Congresso, estarão mais preocupados em falar a língua dos seus eleitores do que em ouvir os apelos do Planalto. Ou seja: mais empenhados em votar projetos que tenham ressonância popular, mesmo que agridam os ouvidos da presidente e as contas do governo. Por isso, Dilma abriu as burras para as emendas parlamentares, que fazem a festa e mudam votos no Congresso como varinhas de condão. É dando que se recebe, apesar de o Gilberto Carvalho usar o seu tom franciscano para jurar que não. Enquanto Dilma libera R$ 2 bilhões em emendas para Suas Excelências em agosto, corta R$ 919 milhões das Forças Armadas e ninguém mais fala na compra dos caças da FAB. As autoridades cruzam os céus em jatinhos de ponta, mas os velhos Mirage da defesa nacional viram ferro-velho em dezembro. A diferença é clara: as Forças Armadas não têm poder de fogo, mas o Congresso tem um canhão. Se o governo não atende os pleitos militares, eles ameaçam cortar um dia útil de trabalho por semana, levam um chega pra lá, batem continência e recuam. Já se o governo não se sujeita à manha dos políticos, eles negam voto aos projetos governistas e despejam nos antigovernistas. A economia não está uma maravilha, mas o Planalto abre os cofres e paga o preço. Para corroborar que quem não chora não mama, Dilma foi ontem a São Paulo com um mimo de R$ 8 bilhões para o estratégico petista Fernando Haddad, que andava muito chorão, pedindo colo para o tucano Geraldo Alckmin.

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Com popularidade alta e governo forte, ninguém chora e a conta fecha. Com popularidade ladeira abaixo e governo fraco, vem o chororô e abre-se um buraco sem fundo.

O título: “Quem não chora não mama” O artigo “Quem não chora não mama” tem como título um provérbio popular que significa “sem esforços não há recompensas”. Segundo Van Dijk (1980) , o enunciado tem grande importância para o leitor, pois é por meio dele que o receptor ativa os seus conhecimentos para a compreensão global do texto. Dessa maneira, a leitura do título nos permite constatar que haverá algum tipo de apelo para alcance de objetivos. 1º parágrafo BRASÍLIA - Os deputados e senadores tiraram uns dias de recesso branco, foram às suas bases e captaram “in loco” o mau humor do cidadão, que acaba de abater mais da metade da popularidade de Dilma.

Como afirma Van Dijk (2012), os modelos de contexto podem representar situações sociais ou comunicativas em vários níveis de generalidade ou granularidade. Podendo representar, num nível micro, interações situadas, momentâneas, em andamento, face a face, e, por outro lado, podem representar situações históricas ou sociais totalizadoras. Sabendo que não há predominância de um nível sobre o outro, ambos podendo se alternar, notamos a presença do nível macro, pois trata-se de uma época de manifestações, devido as insatisfações com as decisões políticas durante o ano. O mau humor do cidadão nos faz constatar que o mesmo está intolerante e não concorda com as decisões políticas tomadas em Brasília, justificando a queda da popularidade de Dilma Roussef. Neste trecho, as informações novas compreendem a redução da popularidade da presidente e o retorno dos políticos ao Senado para votação. A colunista fala de recesso branco que se tratam dos dias em que os políticos não têm obrigação de comparecer no Senado. Este período, no ano de 2013, vai do dia 18 a 31 de julho. Nesta época, os políticos não precisam “bater o ponto” no congresso nem justificar ausência. Nesse sentido, sabendo que o conhecimento partilhado é uma condição crucial para a produção e compreensão do discurso, partimos do pressuposto que o colunista utilizou os mecanismos K4 e K5, assumindo que os leitores têm o mesmo conhecimento sociocultural e que compartilham do conhecimento de todas as comunidades epistêmicas mais abrangentes.

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2° parágrafo Na volta ao Congresso, estarão mais preocupados em falar a língua dos seus eleitores do que em ouvir os apelos do Planalto. Ou seja: mais empenhados em votar projetos que tenham ressonância popular, mesmo que agridam os ouvidos da presidente e as contas do governo.

No segundo parágrafo, deparamos novamente com uma nova informação: “ Na volta ao congresso, estarão mais preocupados em falar a língua dos seus eleitores do que em ouvir os apelos do planalto”. O leitor na construção dos mecanismos cognitivos deverá compreender que “falar a língua” significa estar do lado do povo e que os apelos do planalto são as leis e intenções políticas dos chefes de estado. Nesse parágrafo, os mecanismos K3 se faz presente. A colunista parece assumir que os receptores possuem conhecimentos anteriores. Neste sentido, votar projetos, nos quais a presidente não concordará, em contrapartida, atender as solicitações do povo. 3° parágrafo Por isso, Dilma abriu as burras para as emendas parlamentares, que fazem a festa e mudam votos no Congresso como varinhas de condão. É dando que se recebe, apesar de o Gilberto Carvalho usar o seu tom franciscano para jurar que não.

A linguagem coloquial é marcante “Dilma abriu as burras” parece que no contexto significa abriu mão de regras e deixou que decisões tomadas pudessem ser revogadas. Nesse trecho, observamos a palavra “ varinha de condão” ativamos nossos conhecimentos cognitivos para compreender que de maneira rápida os parâmetros vêm sofrendo modificações. Novamente, a presença da expressão popular “Dando que se recebe” ativa os modelos de contexto no leitor. Trata-se de um sistema política que se baseia na troca de favores. 4° parágrafo Enquanto Dilma libera R$ 2 bilhões em emendas para Suas Excelências em agosto, corta R$ 919 milhões das Forças Armadas e ninguém mais fala na compra dos caças da FAB. As autoridades cruzam os céus em jatinhos de ponta, mas os velhos Mirage da defesa nacional viram ferro-velho em dezembro.

Notamos, neste parágrafo, a presença de uma informação nova quando a colunista informa para o leitor que Dilma liberou R$ 2 bilhões em emendas para Suas Excelências, (políticos) em agosto e cortou R$ 919 milhões das Forças Armadas e ninguém mais fala 64

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na compra dos caças da FAB. Esse trecho apresenta as decisões e atitudes de uma chefe de estado que parece priorizar os interesses políticos e trata assuntos como a compra dos caças da FAB como irrelevantes, já que atendem os interesses do cidadão brasileiro. Com um tom crítico, a colunista afirma que os políticos viajam de jatinhos pelo céu e podemos perceber a grande importância desses representantes para a presidente. Neste sentido, notamos a presença do conhecimento partilhado, já que não é difícil para o leitor compreender que políticos atendem políticos e tomam como irrelevantes decisões que atendem a sociededade. 5° parágrafo A diferença é clara: as Forças Armadas não têm poder de fogo, mas o Congresso tem um canhão. Se o governo não atende os pleitos militares, eles ameaçam cortar um dia útil de trabalho por semana, levam um chega pra lá, batem continência e recuam. Já se o governo não se sujeita à manha dos políticos, eles negam voto aos projetos governistas e despejam nos antigovernistas. A economia não está uma maravilha, mas o Planalto abre os cofres e paga o preço.

Neste parágrafo, o K1 é ativado, o emissor assume que os receptores já sabem o que ocorreu. A colunista intensifica as informações nesse trecho, iniciando o texto apresentando as diferenças entre as FAB e o congresso. Metaforicamente, explica que as Forças armadas possuem poder irrelevante em relação ao Congresso, e informa a população que um dia de trabalho dos militares não afetam a política, em contrapartida, um dia útil sem políticos prejudicam os projetos governistas. O parágrafo é finalizado informando para o leitor que a economia não está favorável, todavia o planalto, isto é, os interesses políticos permanecem pagando favores e trabalhando em busca de benefícios próprios. Últimos páragrafos Para corroborar que quem não chora não mama, Dilma foi ontem a São Paulo com um mimo de R$ 8 bilhões para o estratégico petista Fernando Haddad, que andava muito chorão, pedindo colo para o tucano Geraldo Alckmin. Com popularidade alta e governo forte, ninguém chora e a conta fecha. Com popularidade ladeira abaixo e governo fraco, vem o chororô e abre-se um buraco sem fundo. Nestes últimos parágrafos, a colunista retoma o título do texto e como um tom crítico afirma que Dilma em busca de interesses foi até São Paulo e liberou R$ 8 bilhões para Fernando Haddad. Nesse trecho, a colunista utiliza o mecanismo k4, pressupondo Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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que os receptores tem o mesmo conhecimento sociocultural, pois se refere ao prefeito como uma pessoa estratégica. O receptor precisará ativar os seus conhecimentos para entender o porquê dessa denominação para o político paulista, que no mesmo trecho é chamado de chorão. Será que há relações com o aumento da condução? Neste sentido, a colunista assume que os receptores compartilham o conhecimento de todas as comunidades epistêmicas mais abrangentes de que fazem parte (K5). Parece claro que o conhecimento compartilhado determina o equilíbrio entre o que precisa ser explicado e o que pode ficar implícito no texto. Desse modo, o jornalista pressupõe na elaboração do texto o que o leitor sabe e aquilo que ainda não conhece. Por isso, notamos algumas pistas e utilizamos estratégias paras constatar hipóteses sobre o artigo de opinião. Dessa maneira, percebemos que no último parágrafo a colunista reitera aquilo que vem defendendo desde o primeiro parágrafo, isto é o interesse político que não leva em consideração os apelos e necessidades da população. Assim, o último parágrafo é concluído com uma linguagem simples, e concomitantemente marcada pela criticidade, afirmando que a presidente com a popularidade alta e governo forte, não haverá lágrimas, todavia a conta fecha. 4. CONCLUSÃO Por meio da análise desse texto, notamos a importância do estudo das características do artigo de opinião, bem como dos modelos de contextualização para uma efetiva comunicação. Nesta pesquisa, descrevemos os modelos de contexto presentes no artigo de opinião. Desse modo, a questão que buscamos responder era como explorar os aspectos de contextualização no artigo de opinião? Para tanto, definimos como corpus o artigo de opinião e realizamos uma análise minuciosa, em busca de pistas e estratégias utilizadas pelo jornalista, a fim de produzir um texto que pressupõe aquilo que o falante já sabe e quais são as informações que ele precisa conhecer. Nesta perspectiva, observamos como estratégia, a retomada a situações histórica, ativando a memória dos receptores, bem como o equilíbrio entre informações velhas e novas, facilitando a compreensão. A fim de enriquecer a pesquisa, a análise descreveu e refletiu sobre os mecanismos K, pressupondo que, por meio desses modelos Eliane Castanhede produziria um texto 66

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que perpassasse a criticidade e a reflexão, conseguindo assim, partilhar o conhecimento adquirido. Isso implica afirmar que a colunista fala de algo do mundo, exterior ao emissor, ao receptor e ao processo de comunicação em si. Neste sentido, notamos que o desenvolvimento da leitura, o conhecimento compartilhado e os modelos de contexto foram de extrema importância para a formação crítica e reflexiva do leitor. Há posicionamentos daqueles que fazem parte da instituição jornalística, por meio do humor e da crítica que se alternam em velada e, ás vezes revelada nos limites do enunciado. É notável, a intencionalidade de uma compreensão ativa na leitura de um artigo de opinião. Aquele que escreve parece esperar uma concordância, uma adesão, uma objeção ou uma execução. Não é de surpreender, que na reflexão desse texto, notamos um emissor que assume que os receptores possuem o mesmo conhecimento sociocultural e conhece todas as informações, bem como compartilham conhecimento de todas as comunidades epistêmicas. Isso implica afirmar que o conhecimento partilhado sociocultural é condição crucial para a produção e compreensão do discurso e que os falantes precisam utilizar estratégias para saber aquilo que os receptores já sabem. Concluímos que esses mecanismos, bem como as estratégias do emissor no artigo de opinião contribuíram para a formação de um leitor crítico e reflexivo.

REFERÊNCIAS BAKHTIN, M . Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes,1997, Coleção Ensino superior. BEAUGRANDE, R. New foundations for a science of text and discourse: cognition, communication, and freedom of acess to knowledge and society. Norwood, New Jersey, Ablex,1997. (cap 1) DIJK. T. A. V. Discurso e contexto: Uma abordagem sociocognitiva/ Teun A. Van Dijk: tradutor Rodolfo Ilari. - São Paulo: Contexto, 2012. DIJK. T. A. V. Cognição, discurso e interação. 6º ed. São Paulo: Contexto, 2008. FOLHA DE S. PAULO . São Paulo, out. 2013. Disponível em : http:// www1. Folhauol. com.br/ folhapensata?elianecastanhede. Acesso em 20 de setembro de 2013. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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KOCH. I. G. V. Introdução à Linguística textual: Trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004. KOCH. I. G. V. As tramas do texto. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 2008. KOCH, I. G. V. e CUNHA-LIMA, Maria Luiza. Do cognitivismo ao sociocognitivismo. In MUSSALIM, Fernanda; Bentes, Anna Christina (Orgs). Introdução à Linguística: Fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2005, v.3, p.251-300. MOLITOR – LUBBERT, Sylvie. A escrita como um processo mental e linguístico In: WIESER, Hans Peter, KOCH, Ingedore G. Villaça (orgs) Linguística textual: Perspectivas alemãs. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009, p.121-165. SANTOS, Elaine Aparecida. O estudo das marcas argumentativas nos artigos de opinião. Monografia de especialização 2010 – Coordenação de pós-graduação de Língua Portuguesa, Pontifícia Universidade de São Paulo, São Paulo.

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A ARGUMENTAÇÃO E A PROGRESSÃO TEXTUAL EM PRODUÇÕES ESCRITAS EM LÍNGUA ESPANHOLA LA ARGUMENTACIÓN Y LA PROGRESIÓN TEXTUAL EM PRODUCCIONES ESCRITAS EN LENGUA ESPAÑOLA Everthon Overland Santos Duarte Universidade Federal de Alagoas Flávia Colen Meniconi Universidade Federal de Alagoas Resumo: Esta pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de analisar as produções textuais dos alunos de Letras, com habilitação em língua espanhola, de uma universidade pública do nordeste do Brasil. O objetivo da análise foi o de verificar como os alunos estavam desenvolvendo seus argumentos nas produções escritas realizadas e utilizaram os elementos coesivos no estabelecimento da progressão textual. Os resultados obtidos demonstram que alunos possuem grandes dificuldades na produção escrita, que vão desde as inadequações argumentativas, até o uso inadequado de elementos coesivos, provocando assim incoerência em suas produções textuais. Defendemos a posição de que é essencial que os professores de língua espanhola pensem e desenvolvam sequências didáticas voltadas para o ensino-aprendizagem da escrita, a partir do ensino explícito do uso de marcadores textuais e das regras de progressão temática. Palavras-chave: Progressão textual; Coerência; Coesão. Resumen: Esta investigación ha buscado analizar las producciones textuales de los alumnos de Letras, con habilitación en lengua española, de una universidad pública del Brasil. El objetivo del análisis ha sido examinar como los alumnos desarrollan sus argumentos dentro de sus producciones escritas y utilizan los elementos cohesivos en la institución de la progresión textual. Los resultados obtenidos en la investigación demuestran que los alumnos tienen grandes dificultades en la producción escrita. Hemos visto que existen inadecuaciones argumentativas, y el uso inadecuado de elementos cohesivos, lo que provoca incoherencia en sus producciones textuales. Este estudio ha revelado que es esencial que los profesores de lengua española piensen y desarrollen secuencias didácticas direccionadas para la enseñanza y el aprendizaje de la escritura, a partir de la enseñanza explícita del uso de los marcadores textuales y de las reglas de la progresión temática. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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Palabras-clave: Progresión textual; Coherencia; Cohesión. INTRODUÇÃO A escrita é uma das habilidades mais complexas de produção textual-discursiva e de uso da língua (MARCUSCHI, 2010). O ato composicional é uma tarefa árdua, pois exige do autor o conhecimento linguístico e a elaboração de estratégias discursivas para atingir o leitor e transmitir suas ideias e pensamentos. O domínio do código da língua e de estratégias de articulação da informação são alguns dos elementos que contribuem para a escrita coesa e coerente. Em nossa experiência como professores de língua espanhola, observamos a dificuldade que grande parte dos estudantes enfrenta para organizar suas ideias de forma adequada e bem articulada, no texto escrito (MENICONI, 2010). Tal fator acaba por deixar espaço para a produção de ambiguidades e incoerências textuais, pois reconhecemos que as falhas no estabelecimento da progressão temática estão relacionadas à forma de organizar e costurar as ideias em um texto. Para isso, não basta apenas conhecer as regras linguísticas do idioma ou o tema sobre o qual se discorrerá no texto escrito. É importante também planejar os objetivos do discurso, traduzir o pensamento em fragmentos textuais bem articulados e revisar a composição (FLOWER; HAYES, 1981). Para tanto, é de fundamental importância que o professor saiba trabalhar com o processo de ensino-aprendizagem das regras de progressão textual em produções textuais, pois entedemos que o ensino da língua, tanto materna quanto estrangeira, ainda está muito preso ao domínio das regras gramaticais do idioma. Como salienta Antunes (2010), “falta ao professor uma prática contínua de análise, que possibilite o desenvolvimento da capacidade de enxergar os elementos que, para além do gramatical, são centrais para o entendimento do texto” (ANTUNES, 2010, p.14). Assim, portanto, para a produção e textos coesos e coerentes, torna-se necessário que os professores trabalhem não só com a leitura e escrita de diferentes gêneros textuais (cartas, e-mails, artigos de opinião, resenhas, etc.), mas também com conteúdos referentes ao planejamento do texto, a articulação das ideias, produção textual em gêneros variados, revisão, correção e refacção textual. 1. 70

DISCUSSÃO TEÓRICA Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014


A seguir apresentaremos as principais teorias que fundamentaram a pesquisa e contribuíram para o estudo e análise dos dados. Inicialmente, discutiremos sobre a complexidade implicada na atividade de produzir textos e, posteriormente, abordaremos a coerência e a coesão como importantes elementos da progressão textual. 1.1 O DESAFIO DE ESCREVER Escrever, tanto em língua materna quanto em língua estrangeira, é uma atividade desafiadora, pois o escritor precisa dominar o assunto sobre o qual pretende discorrer, conhecer as estratégias argumentativas e escrever de forma clara e bem articulada. Sánchez (2009) argumenta que a expressão escrita demanda uma série de conhecimentos, dentre eles o entendimento e aplicação das regras de coesão e coerência textual, assim como o conhecimento e uso adequado do vocabulário e estrutura gramatical do idioma. Logo, deve-se ter em mente que no momento da produção textual, o autor precisará elencar os argumentos para fazer-se entender e atingir o leitor. Porém, esta é uma tarefa complexa que requer tanto o domínio do léxico, da gramática e da estrutura linguística do idioma em que se está escrevendo, como o uso de estratégias de articulação das ideias e posicionamentos defendidos no texto. De acordo com Antunes (2010), No texto, tudo precisa estar em convergência; tudo precisa estar encadeado. Assim, a progressão esperada para o desenvolvimento do tema precisa estar em articulação: os seguimentos entre si (por exemplo, um parágrafo com outro ou com outros antecedentes e consequentes) e todos com o tema central. O resultado dessa progressão articulada é a integração das várias partes em um todo. Lembramo-nos de que, diante do que ouvimos ou lemos estamos diante de uma unidade, de que somos capazes de reconhecer seu começo e seu fim (ANTUNES, 2010, p.69). Este conhecimento demonstra não só o grau de proficiência do autor em relação ao idioma empregado no texto escrito, mas também o domínio e uso de estratégias discursivas para o desenvolvimento das informações no texto. Além do mais, de acordo com Cassany (2005) é necessário seguir alguns pontos no processo de escrita, são eles: Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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a. Adequação : É a propriedade do texto que determina a variedade e o registro que se deve empregar. b. Coerência: É a propriedade do texto que seleciona a informação e organiza a estrutura comunicativa de uma maneira determinada (Introdução, desenvolvimento, conclusão, etc). A estruturação ajuda a construir e organizar o significado do texto. c. Coesão: As diferentes frases do texto se conectam entre si formando uma rede de relações. Os mecanismos usados para fazer essa conexão se denominam formas de coesão. Que são vários os tipos: repetição e anáforas, relações semânticas entre as palavras, conectores, etc. ( Cassany, 2005; p. 22-23 ) Por isso, a atividade de escrita de um texto é bastante complexa. Para se chegar a uma composição bem escrita e articulada, ou seja, à objetividade, à clareza que tanto se deseja, será importante percorrer o processo da planificação, o da textualização e revisão (FLOWER; HAVES, 1981). Estas estratégias contribuirão para a produção de informações mais coesas e coerentes. Para articular os argumentos que serão expostos no texto, é importante que autor selecione as ideias principais e as secundárias, levantamento de objetivos para atingir o leitor e domínio de aspectos estruturais do idioma. Isto evitaria problemas relacionados aos saltos temáticos e incoerências textuais, tão presentes nas composições (MENICONI, 2010; BLANCAFORT; VALLS, 2007; FERRERO, 1994; BELMONTE, 1997; ESTEBAN, 2006; CEREZO; MARTORELLI, 2004). Além dos aspectos relacionados à textualização, é importante que o aluno revise o texto escrito. Esta revisão pode acontecer durante e/ou ao final do processo composicional (FLOWER; HAYES, 1981). Além do mais, adequar um texto dentro das ideias objetivadas, ou seja, elencar os argumentos no intuito de cumprir o propósito comunicativo é uma tarefa minuciosa e árdua. O autor precisará se perguntar qual o objetivo do assunto sobre o qual pretende discorrer. Logo, precisará planejar o que será dito. A planificação irá “abarcar os conteúdos da memória, do contexto pragmático e a definição dos objetivos da escrita” (FLOWER; HAYES, 1981). Assim, para se chegar ao objetivo pretendido com o texto escrito, deve-se, 72

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antes de tudo, selecionar argumentos, pontuar os pontos fortes e fracos das ideias, priorizando aquelas que são mais incisivas para convencer ou explicar os posicionamentos defendidos. Logo após escolher o que será exposto no texto, entraremos em outro processo, o da textualização, que se refere às escolhas lexicais, semânticas, morfossintáticas e ortográficas (FLOWER; HAVES, 1981). A planificação é o que leva o autor a pensar no leitor antes da tarefa de escrever. É nesse momento que o emissor fará a sua exposição, escolhendo as palavras que sintetizam os seus objetivos em relação ao texto. E, no processo de textualização, veremos a habilidade do autor em produzir sentido para o seu texto. Com o texto finalizado, damos início ao processo de revisão. Aqui, cabe ao escritor observar erros, incoerências, assinalar mais alguns pontos que deixem o texto mais constante. Será a avaliação dos resultados, ou seja, se texto cumpre com os objetivos planejados. Nesse momento, o autor verificará algumas incongruências existentes em sua produção escrita e as corrigirá. O objetivo da revisão é saber se o texto se ajusta ao gênero proposto e ao planejamento dos objetivos argumentativos. Em vista disso, podemos verificar que a produção escrita não é um processo simples e que até mesmo os excelentes escritores seguirão o processo de planificação, textualização e revisão para se chegar à concretização do seu texto.

1.2 A COERÊNCIA E A COESÃO COMO FERRAMENTAS IMPORTANTES PARA TEXTUALIDADE Depois do texto planejado, passa-se ao processo de elaboração e busca do sentido com palavras, orações, períodos e parágrafos. Aqui, busca-se organizar as argumentações para construção do sentido que texto pretende chegar, entendida como textualidade. Visto que é esse processo de elaboração, de materialização do pensamento que foi planejado no rascunho. A textualidade diz respeito à elaboração do texto. Para tanto, é importante levar em consideração dois elementos : a coesão e a coerência. Segundo Flores, Karnoop e Dóris (2006), o sentido do texto poderá ser encontrado por meio do entendimento da cadeia de elementos coesivos. Assim sendo, para se constituir um texto é necessário estabelecer a relação entre a coerência e a coesão. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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Segundo Haliday e Hasan (1976), o que permite determinar uma série de sentenças constitui ou não um texto são justamente as relações coesivas entre as sentenças. Portanto, o texto só terá sentido se suas argumenatações estiverem ligadas, coesas e bem articuladas quanto à produção de sentido. Antunes (2005) acrescenta que a “função da coesão é a de promover a continuidade do texto, a sequência interligada de suas partes, para que não se perca o fio de unidade que garante a sua interpretabilidade” (ANTUNES, 2005, p.48). Então, o texto precisa ter uma unidade de sentido. Para se obter essa unidade é preciso que os elementos coesivos façam esse trabalho de junção, pois sem a coesão adequada o texto perderá sua principal função, a da compreensão. Fávero (1991) elenca três tipos de categorização para coesão: A coesão referencial, recorrencial e sequencial. A coesão recorrencial tem como objetivo dar progressão ao discurso. Fávero (1991) argumenta que apesar da retomada de estruturas, itens e sentenças, o fluxo informacional caminha, isto é, progride. A principal função do elemento recorrencial é implementar uma ideia nova àquela já existente no texto, dar-se daí um conceito de encadeamento, de junção de princípios que fundamentarão o discurso. A coesão recorrencial, pode ser dividida em recorrência de termos, paralelismo, paráfrase e recursos fonológicos, segmentais e supra- segmentais. Segundo Dressler (1982) na recorrência de termos se tem a “função de ênfase, intensificação...” (DRESSLER, 1982, p.34-35). Exemplo: Ana sonhava, sonhava, sonhava com aquela viagem. Já o paralelismo ocorre quando a disposição dos elementos do texto é reaplicada, mas de uma maneira diferenciada. Observe o exemplo abaixo: Nada! Nada! Nada! Nada disso é importante. Nada é resultante do vazio. Nada significa indiferença. Nada é o silencio. Nada... Na paráfrase, o texto é reelaborado, todo ou em parte, com o intuito de restaurar um texto fonte (FÁVERO,1991). Exemplo: Sandra é mãe de Eduarda. Eduarda é filha de Sandra. A coesão sequencial strictu sensu, tem a mesma função que do recorrencial, que é fazer o texto progredir. A distinção entre ambas é que na sequencial não há retomada 74

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de itens, sentença ou estruturas. E essa coesão pode ser de duas formas: temporal ou por conexão. Segundo Fávero (2010) a sequenciação temporal ocorre por meio da ordenação de elementos, ordenação ou continuação das sequências temporais, partículas temporais e correlações de tempos verbais. Exemplo: Primeiro vi Aline, depois Ana. Porém, é importante esclarecer que relacionar elementos coesivos em um texto para construir o sentido não é o bastante. Meniconi (2010) diz que “a atividade de compreensão do que está escrito requer conhecimentos que vão além da mera de decodificação de palavras” (MENICONI, 2010, p.422). Portanto, é primordial que todo o texto seja uma atividade interativa. A relação entre leitor e escritor deve ser construída ao longo do texto. Com o estabelecimento adequado da coerência e coesão textuais, as ideias estarão mais organizadas e claras para o leitor e, com isso, o escritor conseguirá atingir o seu objetivo discursivo. Quando os argumentos estão bem entrelaçados e conectados em frases, orações e parágrafos, o escritor alcança a coerência na disposição do conteúdo sobre o qual discute. Mas, para tanto, é importante que o autor conheça estratégias para articular as informações nos textos produzidos. A construção e a organização do conteúdo dependem do conhecimento e uso de estratégias de progressão textual, que serão discutidas na próxima seção.

1.3 A PROGRESSÃO TEXTUAL E SUAS ESPECIFICIDADES Para Koch (2002) a progressão textual refere-se à atividade de retroação e de prospecção da informação. O movimento organizado e claro do conteúdo do texto é o que garantirá a sequenciação, progressão e encadeamento das ideias. Por isso, é de fundamental importância que o escritor conheça e utilize as estratégias de progressão textual na atividade composicional. Segundo Meniconi (2010) o entendimento da progressão textual e a aplicação adequada dos elementos responsáveis para fazer a informação evoluir são de suma importância para produção e construção do sentido do texto, pois texto desorganizado, confuso e desarticulado dificulta a apropriação da informação e, consequentemente, torna-se frágil do ponto de vista argumentativo. Estudiosos do círculo de Praga como Danes, Mathesius e Firbas tentaram compreender a dinâmica da informação e de que forma o texto avança. Então propuseram duas Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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formas de como entender a articulação da informação, essas duas formas são conhecidas como: O tema e o rema (BLANCAFORT; VALLS, 2007, p.230). Segundo Combettes (1998) o tema refere-se à informação conhecida, já o rema diz respeito à informação nova. Exemplo: Maria (tema) tem quatro filhos (rema). Seu filho (tema) mais novo é soldado (rema). Portanto, essa relação de vai e vem, do conhecido e do novo é a principal função na produção de sentido no texto. O conhecimento desses elementos é de extrema importância, pois ao entender a função de cada um deles, podemos elaborar textos mais compreensíveis e convincentes. Koch (2002) elenca alguns tipos de progressão temática: a progressão linear, a progressão de tema constante, por subdivisão, por subdivisão do rema e com salto temático. Entende-se por progressão linear toda informação introduzida no tema e as informações subsequentes, isto é, aquelas que agregam valor à ideia posta anteriormente como tema. O rema e a informação nova transformam-se, assim, em um tema novo. Exemplo: Maria (tema) tem quatro filhos (rema). Seu filho (tema) mais novo é soldado (rema). Na progressão de tema constante, de um único tema surgem rema distintos. Exemplo: O Curso de Letras da FALE/UFAL tem como objetivo formar professores de línguas e literaturas (TEMA). Ele oferece a oportunidade de atuação no mercado por meio das disciplinas de estágio e práticas de ensino (REMA). O curso é muito bem avaliado pelo Ministério da Educação (REMA). A progressão de temas derivados é realizada a partir de informações agregadas a um hipertema (BLANCAFORT; VALLS, 2007). Exemplo: Espanha é localizado no continente europeu (HIPERTEMA). Seu território está constituído pelas Ilhas Baleares e Ilhas Canárias (TEMA). As Ilhas Baleares estão localizadas no Mediterraneo (REMA), já as Ilhas Canárias estão situadas na costa africana (rema). Já na progressão por subdivisão do rema, a informação nova é subclassificada. Exemplo: os substantivos referem-se a uma classe gramatical ou morfológica e tem como objetivo nomear seres concretos ou abstratos, podendo ser classificados em: substantivos comuns, próprios, abstratos, concretos, primitivos, derivados, simples, compostos e coletivos (TEMA). O substantivo comum nomeia seres de uma mesma espécie (REMA 1). O substantivo abstrato diz respeito a estados, sentimentos e ações (REMA 2), e assim por diante. Por fim, a progressão com salto temático o tema é apresentado com o seu respectivo rema e as novas informações são desenvolvidas a partir de saltos temáticos, como no exemplo: Era um aluno mais velho (TEMA). Ele tinha quatro irmãos que também estu76

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davam na mesma escola (REMA). O mais novo era Arthur (SALTO TEMÁTICO). Muito atencioso e gentil. Arthur encantava a todos, pois era dono de uma simpatia incomparável. Para estabelecer a coerência de um texto é preciso que as informações estejam bem articuladas. Acreditamos que o conhecimento e uso das regras de progressão textual podem contribuir para a escrita organizada, clara e coerente. 2.

METODOLOGIA

A pesquisa foi desenvolvida com alunos da disciplina de Língua Espanhola 1, do curso de Letras, de uma Universidade Pública do nordeste do Brasil. Os alunos foram convidados a participar de uma sequência didática de ensino da leitura e escrita de textos argumentativos em Língua Espanhola. Na sequência didática, foram desenvolvidas oficinas de leitura, discussão e produção escrita sobre diferentes temas (aborto, pena de morte, amor a distancia, entre outros). O trabalho desenvolvido teve a duração de seis meses e contou com dois momentos: 1- ensino implícito de leitura e produção escrita de vários gêneros textuais (cartas formais, e-mails, histórias em quadrinhos, contos, crônicas e artigos de opinião); 2- ensino explícito de regras da progressão textual, estratégias argumentativas e uso dos conectores textuais, em produções escritas argumentativas. Com o ensino implícito, buscou-se levar os alunos a conhecerem diferentes gêneros textuais e produzirem textos sobre estes gêneros, a partir da atividade de leitura. Já com o ensino explícito, objetivou-se levar os alunos a conhecerem mais profundamente o tipo textual argumentativo e a produzirem textos utilizando, de forma consciente, estratégias retóricas, as regras de progressão temática e os elementos coesivos. Os dados analisados nesta pesquisa foram coletados ao final do ensino implícito, quando os alunos ainda não haviam sido expostos ao ensino explícito das regras de progressão textual e escrita argumentativa. Nosso objetivo com esta análise foi, justamente, o de compreender e analisar a forma como os alunos construíam a progressão de suas ideias e utilizavam os elementos coesivos, a partir de seus conhecimentos de mundo e experiências de produção escrita. Dos 15 alunos que participaram da investigação, foram escolhidas, aleatoriamente, cinco produções escritas, sobre o tema referente à pena de morte. Escolhemos este tema pelo fato de haver sido trabalhado ao final do ensino implícito, quando os alunos já haviam sido expostos à leitura, discussão e experiências de produções textuais relacionadas Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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a outros temas e outros gêneros. 3.

ANÁLISE DE DADOS

Para a análise de dados, baseamo-nos em teorias relacionadas à progressão temática e ao uso dos elementos coesivos em Língua Espanhola. Analisamos estes elementos em diferentes fragmentos do corpus de produções escritas escolhidos para o desenvolvimento da pesquisa, seguindo os modelos utilizados por Cerezo e Ferrero (1994) e Belmonte (1997) e Meniconi (2010). Estes pesquisadores tiveram a preocupação de desenvolverem a análise da progressão textual em produções escritas em língua espanhola, tendo como referência as regras de articulação entre os temas e os remas presentes nos textos produzidos pelos estudantes. Seguiremos, assim, as mesmas propostas de análise dos referidos pesquisadores e trabalharemos com o estudo de fragmentos adequados e inadequados do ponto de vista da progressão textual e do uso dos elementos coesivos. Como já foi ressaltado, queremos, com esta análise, entender como os alunos articulam e costuram as ideias em seus textos, a partir do conhecimento de mundo construído a partir de várias leituras e experiência de produção escrita. Portanto, serão expostos a priori, fragmentos contendo argumentos bem articulados do ponto de vista da progressão textual, conforme as regras de inter-relação entre tema e rema. Posteriormente, trabalharemos com fragmentos que possuem falhas em relação ao estabelecimento da progressão textual e uso dos elementos coesivos. Antes de entrar na análise propriamente dita, gostaríamos de ressaltar que manteremos os erros léxicos e gramaticais produzidos pelos alunos, com o intuito de resguardar a originalidade das produções escritas realizadas. Esta é uma forma de conservar a fidedignidade dos dados coletados. Aproveitamos para esclarecer também que não é objetivo desta pesquisa analisar as inadequações léxicas cometidas pelos alunos. “Soy en contra la pena de muerte, creo que nadie tiene el derecho de tirar la vida de nadie, apesar de algunas personas hacerem cosas terribles y matar outras personas, creo que no se acaba la violencia con violencia. La solución no seria la muerte de criminosos, lo que teria que cambiar es la educación, hacieren que las leyes funcionasen correctamente.” 78

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FRAGMENTO 1 No primeiro exemplo, o aluno desenvolve, inicialmente, seus argumentos com o posicionamento desfavorável a pena de morte (“Soy en contra la pena de muerte...”). Este seria o tema da produção textual. Posteriormente, apresenta remas que justificam seu posicionamento inicial (“creo que nadie tiene el derecho de tirar la vida de nadie”; “creo que no se acaba la violencia con violencia”). E, em um terceiro momento, expõe novos argumentos que respaldam os remas anteriores e sua tese inicial (“La solución no seria la muerte de criminosos, lo que teria que cambiar es la educación, hacieren que las leyes funcionasen correctamente”). Do ponto de vista da progressão textual, apesar de vários problemas referentes à pontuação, o fragmento está bem articulado, já que apresenta o tema e seus respectivos remas, bem desenvolvidos. É possível compreender que o aluno é contra a pena de morte porque, em sua opinião, a morte de criminosos não solucionaria o problema da violência. Para o aluno, mudanças na educação e no funcionamento das leis poderiam solucionar o problema da violência (“La solución no seria la muerte de criminosos, lo que teria que cambiar es la educación, hacieren que las leyes funcionasen correctamente”). O conectivo textual opositivo “apesar de” é utilizado, de forma adequada, para demonstrar o reconhecimento do aluno em relação ao fato de que ainda que muitas pessoas façam coisas terríveis e matem umas as outras (“apesar de algunas personas hacerem cosas terribles y matar outras personas”), não se resolve a violência com a violência (“creo que no se acaba la violencia con violência”). É possível perceber, com a análise deste fragmento, que o aluno possui conhecimentos construídos sobre o conteúdo proposto para a produção textual e, possivelmente, a clareza de opiniões e argumentos, podem tê-lo ajudado na construção de frases bem articuladas. O movimento da disposição de tema e remas é linear e de fácil compreensão. Há vários problemas relacionados à falta de pontuação adequada, mas o texto pode ser compreendido a partir da forma como o aluno articulou seus argumentos. A tese e as justificativas apresentadas reforçam seu posicionamento contra a pena de morte e sustentam sua argumentação. “Pienso que la pena de muerte en el Brasil, o países subdesarrollados podría ser utilizada en el ultimo caso, o sea, en personas que siempre cometen crimes en alto grado e psicópatas, pero en el caso de los pedófilos, la castración sería la alternativa mejor.”

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FRAGMENTO 2 O aluno inicia seu fragmento posicionando-se a favor da pena de morte como última saída para solucionar a criminalidade (“Pienso que la pena de muerte en el Brasil, o países subdesarrollados podría ser utilizada en el ultimo caso”). Este argumento apresenta-se como o tema central do parágrafo. Posteriormente, remas são agregados com a finalidade de explicar o seu posicionamento (“o sea, en personas que siempre cometen crimes en alto grado e psicopatas”). A contra-argumentação exposta ao final do fragmento apresenta-se como um novo tema a ser discutido no texto (“pero en el caso de los pedófilos, la castración sería la alternativa mejor”). No que diz respeito às regras de progressão textual, assim como no fragmento anteriormente analisado, o aluno comete algumas falhas relacionadas à pontuação. Por exemplo, entre a segunda e terceira linhas caberia um ponto final que, por sua vez, marcaria o inicio do um novo tema apresentado na contra – argumentação (“en personas que siempre cometen crimes en alto grado e psicópatas, pero en el caso de los pedófilos, la castración sería la alternativa mejor”). Entretanto, estas falhas não interferem na compreensão global do fragmento, já que a progressão linear estabelecida entre o tema, o rema e o tema da contra-argumentação estão claros no fragmento analisado. É possível compreender, sem dificuldades, que o aluno posiciona-se a favor da pena de morte no caso de crimes mais severos cometidos, por exemplo, por psicopatas. Com relação à pedofilia, o aluno se mostra favorável à castração. Além do mais, o aluno utiliza adequadamente os elementos coesivos “o sea” e “pero” para estabelecer as conexões entre o tema e o rema de seu texto. O elemento “o sea” é utilizado para exemplificar os tipos de crimes que deveriam punidos com a pena de morte (“Pienso que la pena de muerte en el Brasil, o países subdesarrollados podría ser utilizada en el ultimo caso, o sea, en personas que siempre cometen crimes en alto grado e psicópatas”). Já o conectivo “pero” é empregado para introduzir a contra – argumentação, a partir do novo tema a ser discutido pelo autor (“pero en el caso de los pedófilos, la castración sería la alternativa mejor”). Assim como no exemplo anterior, o aluno também apresenta conhecimentos de mundo construídos em torno do tema que, provavelmente, o ajudaram a expor seus argumentos de forma clara e a estabelecer os vínculos entre as ideias apresentadas. Estratégias argumentativas explicativas e adversativas são introduzidas a partir do uso adequado dos marcadores discursivos “o sea” e “pero”. Este conteúdo também foi utilizado de forma adequado para o estabelecimento dos vínculos argumentativos entre as ideias construídas no 80

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fragmento analisado. “Soy a favor de la pena de muerte, principalmente en Brazil, pues en el momento que vivimos ahora sería el más conveniente. Son muchos los casos de asesinato en Brazil y en su mayoría comprobados, pues muchos son filmados y presentados por la prensa, crímenes brutales que dejan la sociedad aterrorizada.” FRAGMENTO 3 No fragmento 3, o aluno apresenta como tema inicial o posicionamento favorável à pena de morte, principalmente no contexto brasileiro (“Soy a favor de la pena de muerte, principalmente en Brazil, pues en el momento que vivimos ahora sería el más conveniente”). Posteriormente, justifica sua tese, com a exposição de exemplos sobre casos de assassinatos no Brasil, divulgados pela imprensa (“Son muchos los casos de asesinato en Brazil y en su mayoría comprobados, pues muchos son filmados y presentados por la prensa, crímenes brutales que dejan la sociedad aterrorizada”). Estes exemplos configuram-se como remas do fragmento, já que são utilizados como justificativas para a tese inicial. O movimento de articulação entre o tema e rema do fragmento analisado enquadra-o na categoria da progressão linear, uma vez que o autor introduz seu ponto de vista no tema (“Soy a favor de la pena de muerte, principalmente en Brazil, pues en el momento que vivimos ahora sería el más conveniente”) e o desenvolve no rema, a partir de justificativas e exemplificações que, por sua vez, agregam valor ao tema inicial (“Son muchos los casos de asesinato en Brazil y en su mayoría comprobados, pues muchos son filmados y presentados por la prensa, crímenes brutales que dejan la sociedad aterrorizada”). As ideias são apresentadas de forma clara e coerente. Inicialmente, o autor defende seu posicionamento a favor da pena de morte no Brasil e o contextualiza a partir da afirmativa de que no momento atual esta seria a punição mais conveniente (“...pues en el momento que vivimos ahora sería el más conveniente”). Posteriormente, justifica o exemplo do contexto (“momento que vivimos ahora”), a partir de exemplos que retratam a violência brutal, filmada e divulgada na imprensa e crime, que deixam a sociedade aterrorizada. O aluno costura as ideias apresentadas em seu fragmento a partir do uso dos elementos coesivos “y” e “pues”, ambos utilizados adequadamente, tanto para vincular ideias (“Son muchos los casos de asesinato en Brazil y en su mayoría comprovados”; “muchos son Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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filmados y presentados por la prensa”), quanto para explicá-las (“pues en el momento que vivimos ahora sería el más conveniente”; “pues muchos son filmados y presentados por la prensa”). Depois de avaliarmos os fragmentos dos textos que apresentaram o desenvolvimento adequado da progressão textual e o uso dos elementos coesivos, partiremos para a análise dos fragmentos que apresentaram algum tipo de inadequação na articulação do tema e do rema e no uso dos elementos coesivos. “La pena de muerte es la solución de acabar con la violencia en algunos países. Pero, mucho deses países continua con la violencia. En Brasil no hay la pena de muerte y cadena perpetua, muchas familias se quedan indignantes al ver quien causo mal suelto o en una prisión ganando dinero.” FRAGMENTO 4 Nesse fragmento, o aluno defende que a pena de morte seria a solução para alguns países, mas não contextualiza as informações sobre o tema apresentado, enfraquecendo, assim, a força persuasiva de sua argumentação. Além do mais, mesmo usando de maneira correta a conjunção adversativa “pero”, na segunda informação, o texto continua incoerente em relação à progressão das ideias. O rema: “Pero, mucho deses países continua con la violencia”, apresenta-se vazio de informação real e não explica a tese lançada no tema (“La pena de muerte es la solución de acabar con la violencia en algunos países”). Posteriormente, um novo tema é introduzido no parágrafo seguinte (“En Brasil no hay la pena de muerte y cadena perpetua, muchas familias se quedan indignantes al ver quien causo mal suelto o en una prisión ganando dinero.”) que, possivelmente, justificaría sua tese inicial (“La pena de muerte es la solución de acabar con la violencia en algunos países”). Entretanto, como o argumento é lançado como um novo tópico, no parágrafo posterior, não estabelece a devida relação com a tese inicial, ocasionando um salto temático entre as ideias apresentadas pelo autor. A falta de pontuação adequada dificulta ainda mais a compreensão do fragmento. Por exemplo, no trecho (muchas familias se quedan indignantes al ver quien causo mal suelto o en una prisión ganando dinero), a falta de vírgula entre as palavras “mal” e “suelto” dificulta a compreensão da intenção comunicativa do aluno. Não é possível compreender, 82

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em uma primeira leitura, que o autor pretendeu defender o argumento de que as famílias ficam indignadas ao verem pessoas que causaram algum mal a população, soltas, ou em uma prisão ganhando dinheiro. Portanto, na análise desse primeiro fragmento observamos que as ideias não estão bem costuradas no texto. Tal problema acaba por influenciar na compreensão da intenção comunicativa do autor, enfraquecendo, assim, seu poder argumentativo. O conector adversativo “pero” introduziu a contra – argumentação do autor no rema: “Pero, mucho deses países continua con la violência”, mas não garantiu a progressão das informações, pois não explicou a tese inicial do autor (“La pena de muerte es la solución de acabar con la violencia en algunos países”). A ideia adversativa apresentada no rema ficou desconectada da tese inicial. Além disso, a falta de argumentos contra – argumentativos que explicassem o motivo de a pena de morte não garantir o fim da violência de alguns países, mesmo apresentando-se como uma solução para extingui-la, tornou o fragmento incoerente e confuso. “Creo que la pena de muerte no sería necesario, pues se hay comida, educación, lazer y liberdad para todos las personas no hay crímes demasiado. Sin embargo, en Brasil no hay igualdade en la organización del poder.” FRAGMENTO 5 No quinto fragmento, a aluno inicia sua produção de maneira bem articulada, buscando estabelecer uma relação entre a causa da violência e falta de investimento em áreas prioritárias para os cidadãos: alimentação, saúde e lazer (“Creo que la pena de muerte no sería necesario, pues se hay comida, educación, lazer y liberdad para todos las personas no hay crímes demasiado. O problema da articulação da informação aparece na introdução do segundo tema do texto (“Sin embargo, en Brasil no hay igualdade en la organización del poder”). Neste trecho, o conectivo textual adversativo “sin embargo” não estabelece uma relação de contra – argumentação com o tema inicial do texto, já que aparece como uma informação nova e não como rema que justifica ou explica a tese inicial do autor. Em outras palavras, não é possível compreender a relação entre a falta de igualdade na organização do poder no Brasil e o argumento de que a pena de morte não seria necessária, pois se há comida, educação, lazer e liberdade para todas as pessoas, não há muitos crimes. Para que o fragmento ficasse bem articulado, seria interessante que o aluno discutisse, por exemplo, sobre a relação entre a garantia de investimento em educação, Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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saúde, alimentação etc. e a falta de violência. Ainda no mesmo fragmento, o aluno poderia ter apresentado remas com informações de países que mesmo garantindo o atendimento às necessidades básicas dos seres humanos, são violentos. Os elementos coesivos usados pelo aluno (Creo que la pena de muerte no sería necesario, pues se hay comida, educación, lazer y liberdad para todos las personas no hay crímes demasiado. Sin embargo, en Brasil no hay igualdade en la organización del poder.”), não garantiram a coerencia textual. Como o aluno não apresentou remas para justificarem sua tese inicial, o conectivo explicativo “pues” não esclareceu o argumento de que a pena de morte não seria necessária, em situações em que as necessidades básicas dos seres humanos são atendidas. Do mesmo modo, o conectivo textual adversativo “sin embargo” perdeu seu sentido contra – argumentativo no texto ao lançar uma ideia nova, desconectada do argumento inicial do autor. CONCLUSÃO A pesquisa desenvolvida possibilitou-nos compreender a forma como os alunos articulam as ideias em seus textos e as dificuldades oriundas deste processo. Nos fragmentos adequados quanto à progressão textual, observamos a articulação entre os conteúdos apresentado nas teses iniciais e as informações expostas a partir de exemplificações e justificativas, nos remas. A progressão linear de apresentação do tema, como tese inicial, e dos remas, como informações agregadas para explicar ou oferecer mais informações e argumentos sobre a tese, possibilitou o movimento articulatório claro, coeso e coerente das ideias defendidas pelos autores. Acreditamos que os fragmentos bem articulados, possivelmente, resultaram do processo de planejamento prévio dos objetivos do texto e dos argumentos defendidos pelos alunos. Os conhecimentos prévios construídos sobre o tema, a partir de outras leituras e interações sociais, também podem também ter influenciado positivamente no movimento articulatório das ideias apresentadas pelos autores. Percebemos que as dificuldades de estabelecimento progressão textual e de uso dos elementos coesivos comprometeram a intenção comunicativa do autor e enfraqueceram os argumentos apresentados em seus textos. Este problema pode ser resultante tanto da falta de planejamento prévio dos objetivos e intenções argumentativas do autor, quanto da carência de conhecimentos e familiaridade com o tema proposto para produção textual. Os resultados da pesquisa mostraram também que a presença de elementos coe84

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sivos nos fragmentos não garantiu a coerência textual. Nos fragmentos inadequados do ponto de vista articulatório, ideias adversativas apresentadas pelos autores não dialogaram com suas teses iniciais e, muitas vezes, apresentaram-se como informações novas e não como remas contra – argumentativos. Os saltos temáticos e os remas vazios de informação real foram os principais problemas observados nos fragmentos analisados. Tais problemas ocasionaram a escrita confusa, desorganizada e incoerente. Por fim, defendemos a ideia de que a escrita coesa e coerente depende não só do conhecimento do tema proposto para produção textual, mas também das regras de progressão textual e do uso dos conectivos textuais. Para tanto, é de fundamental importância que os professores trabalhem com o ensino explícito destes conteúdos. Oficinas de leitura, escrita e reescrita são de fundamental importância para a ampliação do conhecimento de mundo, da estrutura do idioma e para o acompanhamento do processo de aprendizagem da escrita coesa e coerente. É importante lembrar que a escrita deve ser praticada desde as etapas iniciais de aprendizagem do idioma e que o processo de planejamento das ideias e argumentos do texto é de fundamental importância para a produção textual organizada, clara e coerente. Acreditamos que os alunos precisam aprender a levantar objetivos para os seus textos, pesquisar informações para fortalecerem suas teses e argumentos e utilizarem os movimentos articulatórios adequados das informações. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AESLA. Nuevos Horizontes de la Linguística Aplicada. Barcelona: Universitat Autònoma de Barcelona, 1994. p. 1-8. Disponível em: http://www.upf.edu/pdi/dtf/carmen_lopez_ ferrero/aesla.pdf ANTUNES, A. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola, 2010. ANTUNES, I. Lutar com palavras- coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2005. BEAUGRANDE R. de & DRESSLER, M. U. 1981. Einfuhrung in die textlinguistir tubingen, Max Niemeyer Trad. Inglês. Introduction to text Linguistics London Logman. BELMONTE, M. I. Un estudio de la progresión temática en las composiciones escritas de los alumnos de E/LE. ASELE. Actas VIII, 1997. Disponível em: <http://cvc.cervantes.es/ ensenanza/biblioteca_ee/asele/pdf/08/08_0103.pdf> Acesso em: 11 jun. 2010. BLANCAFORT, H.; VALLS, A. Las cosas del decir: Manual de análisis del discurso. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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Barcelona: Ariel, 2007. CASSANY, D. Enfoques didácticos para la enseñanza de la expresión escrita. Comunicación, lenguaje y educación, 6, 63-80. Madrid: 1990, v.2, p.63-80. Disponível em: <http:// dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/126193.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2013. CEREZO; E. A; FERRERO, C. L. La progresión temática en el discurso académico. In: Actas del XII Congreso Nacional de la Asociación Española de Linguística Aplicada COMBETTES, Bernard. Les constructions détachées en français. Paris : Ophrys, 1998. FÁVERO, L. L. Coesão e Coerência Textuais. São Paulo: Ática, 1991. FLORES, Onici (org.); KARNOPP; Lodenir; GEDRAT; Dóris. Teorias do texto e do discurso. 1. Ed. Canoas: ULBRA, 2006. 161 p. FLOWER, L; HAYES, J. R. A cognitive process theory of writing. College Composition and Communication, 1981. Disponível em: http://courses.johnmjones.org/ENGL605/wp-content/uploads/2012/05/Flower-and-Hayes-Cognitive-Process.pdf. Acesso em: 10 dez. 2011. HALLIDAY, M.A.K e HASAN, R. 1976. Cohesion in English KOCH, I. G. V. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. MENICONI, F.C. A Progressão Temática em Produções Escritas de Alunos de Espanhola com Língua Estrangeira. Revista Eletrônica Via Litterae, v. 2, p. 416-434, 2010. Disponível em: http://www2.unucseh.ueg.br/vialitterae/assets/files/vl_v2_v2/8-13 A_progressao_tematica_em_producoes_escritas_espanhol_LE-FLAVIA_C_MENICONI.pdf. Acesso em: 16 jun. 2014.

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O EFEITO DE HORROR EM DUAS TRADUÇÕES DE “THE BLACK CAT” DE EDGAR ALLAN POE: UM ESTUDO LEXICAL BASEADO EM CORPUS THE EFFECT OF HORROR IN TWO TRANSLATION OF EDGAR ALLAN POE “THE BLACK CAT”: A LEXICAL STUDY BASED ON CORPUS Katherine Nunes Pereira Oliva Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar o conto em língua inglesa, “The black cat”, de Edgar Allan Poe, e duas traduções para o português brasileiro, uma de Guilherme da Silva Braga (2011) e a outra de Jorge Ritter (2012). Pretende-se identificar os léxicos que ocorrem com maior frequência e que são mais representativos na construção do texto fonte e, com base nesse estudo, verificar se os léxicos equivalentes são mantidos nas traduções, garantindo, assim, a carga semântica do horror presente no texto fonte. Para tanto, este trabalho baseia-se nas contribuições da linguística de corpus. Palavras chave: The black cat, horror, corpus. Abstract: The aim of this work is to analyze the English short story “The black cat” by Edgar Allan Poe, and two translations from Brazilian Portuguese of this text by Guilherme da Silva Braga (2011) and Jorge Ritter (2012). It intends to identify the most frequent and representative words in the construction of the source text and, based on this study, check if equivalent lexicon are kept in the translations, thus ensuring the semantic of the horror theme present in the source text. This study is based on the contributions of corpus linguistics. Key-words: The black cat, horror, corpus.

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INTRODUÇÃO Esta pesquisa foi feita com um corpus paralelo bilíngue, contendo o texto fonte “The black cat” na língua inglesa e duas traduções para o português brasileiro, “O gato preto”, de Guilherme da Silva Braga (TT1), presente em O gato preto e outros contos (Hedra, 2011) e “O gato preto”, de Jorge Ritter (TT2), presente no livro O enterro prematuro e outros contos do mestre do terror (BesouroBox 2012). O objetivo geral é analisar a “voz” de dois tradutores do conto de Poe para verificar como representam o “horror” expressado pelo narrador. A “voz do tradutor” é definida por teóricos como Theo Hermans (1996), Barbara Folkart (1991) e Jean Boase-Beier (2006), como a forma que o tradutor “entende” e “transmite” o que lê. Hermans (1996) sustenta que o tradutor deixa sua voz presente nos textos traduzidos e que essa voz fica escondida por trás da voz do narrador; já Folkart (1991) discute o fato da tradução ser diferente do TF por causa da voz do tradutor presente na tradução. A presente pesquisa tem como objetivo específico fazer uma análise lexical através de substantivos e adjetivos que foram selecionados de cada texto, podendo assim analisar as escolhas feitas por cada tradutor no objetivo de manter o horror. Tem-se como meta deste trabalho a contribuição para mais uma pesquisa a respeito do mestre do horror através de uma pesquisa envolvendo corpus e tradução, pois “The black cat” parece gozar de excepcional fortuna histórica entre nós, com grande vitalidade, sendo objeto de frequentes retraduções”, como diz Denise Bottmann (2009). A escolha dos tradutores se deve ao fato de estes terem feito trabalhos mais recentes no presente momento, uma de 2011 e outra de 2012, possibilitando uma pesquisa sem necessidade de ter de considerar aspectos lexicais de outras épocas. 1 Revisão de Literatura A linguística de corpus, de acordo com Tony Berber Sardinha (2004), estuda uma língua ou uma variedade linguística com base em evidências empíricas obtidas mediante exploração, por computador, de conjuntos de dados linguísticos textuais coletados de forma criteriosa. Os Estudos da Tradução Baseados em Corpus devem sua origem e inspiração tanto à linguística de corpus como aos estudos descritivos da tradução. Segundo Sara 88

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Laviosa em “Corpus-Based Translation Studies: Theory, Findings, Applications” (2002), as primeiras influências da linguística de corpus nos estudos da tradução surgiram na busca pela constituição de uma metodologia de pesquisa mais coerente e efetiva. Segundo Marie-Madeleine Kenning (2010), o corpus paralelo consiste em um grupo de textos em língua A e suas traduções na língua B ou vice versa. Pode ser monolíngue, bilíngue e multilíngue, bidirecional, alinhado normalmente no nível da sentença. Já os corpora comparáveis são colocados juntos de acordo com um mesmo tipo de critério (textos de um determinado tamanho, em um determinado tópico, de um determinado período, etc.). Charlotte Bossaeux (2004), afirma, ao citar Hermans, (1996), G. Schiavi (1996) e Rachel May (1994) que as ferramentas da linguística de corpus aplicadas aos estudos da tradução proporcionam benefícios às pesquisas, pela grande facilitação e profundidade de análise que possibilitam no processo de comparação lexical, gramatical, entre corpus paralelos. 1.1 Edgar Allan Poe, o mestre do horror O escritor norte-americano, que nasceu em Boston, escreveu contos e poesias e era conhecido por suas histórias de mistério e horror. Segundo o site Jornal Livre (2007), devido a problemas alcoólicos, Poe passou a escrever freneticamente livros e contos para revistas, especialmente com temas que abordavam a morte, o horror sobrenatural e os desvarios da mente humana, possivelmente inspirados em seus próprios tormentos. Rodolfo J. Lourenço, em “A contribuição de Edgar Allan Poe ao conto” diz que talvez por tentar ser diferente dos escritores da época, Poe escolhe o conto como sua principal ferramenta para transmitir suas ideias e afirma que “os contos de Poe ganham força com as regras que o próprio Poe criou: às unidades de tempo, lugar e ação, ele acrescentou a de efeito e aumentou o impacto no leitor” (p. 5). Para Lourenço, esse efeito pode ser classificado de diversas formas no conto, manifestado através da transformação da personagem de um cidadão comum em um ser violento e agressivo, antes desconhecido, capaz de fazer grandes barbáries “e para nos deixar mais intrigados com a história, Poe escolhe sentimentos que são comuns a nós: raiva, desconfiança, o desejo de matar aquilo que nos lembre algo ruim, etc.” (LOURENÇO, p. 7). Tais sentimentos e sensações são desafios enfrentados pelos tradutores que os vão representar na língua de chegada. As personagens de Poe são extensões do próprio autor, como Maria Rita Drummond Viana (2009) escreve em “Uma narrativa extraordinária / estranha / violenta / fantástica / Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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extravagante e, no entanto, doméstica / familiar / simples / prosaica / despretensiosa: “The black cat” e suas traduções para o português”. Viana diz haver uma correspondência direta entre o autor e seus narradores e, de fato, pode-se notar isso através das características que todos têm em comum. Ademais não é mera coincidência o modo como Poe viveu e a forma como vive cada narrador de suas obras. Um exemplo disso é a constante presença do álcool em suas obras. Viana (2009) menciona James W. Gargano, que, ao argumentar em defesa da sofisticação da construção de narradores na obra de Poe, explica que “os protagonistas (...) narram seus próprios pensamentos e são enganados pelas suas próprias paixões. Em suma, Poe os entende muito melhor do que eles jamais poderiam entender a si mesmos” (James W. Gargano The question of Poe’s narrators, p. 177, traduzido e citado por Viana 2009, p. 222). 1.2 Estudos sobre o Gótico/Horror Seguindo os quatro esquemas de classificação sugeridos por Montague Summers em The Gothic Quest: A History of the Gothic Novel (London: Fortune, 1938) tomase conhecimento de que existem: o gótico histórico, o natural ou explicado, o gótico sobrenatural e o gótico ambíguo: O gótico histórico representa um conto definido no passado imaginado sem a sugestão de acontecimentos sobrenaturais, enquanto o gótico natural apresenta o que parecem ser fenômenos sobrenaturais apenas para explicá-los. O gótico explicado e o gótico ambíguo pressagiam o que hoje em dia são muitas vezes chamados o estranho e o fantástico pelos teóricos literários.1 David Punter em The Literature of Terror (1980 p. 404-05) fala sobre três critérios das ficções góticas, dentre os quais um parece contribuir para esta pesquisa: Paranoia a) Na ficção paranoica, o leitor é colocado em uma situação de ambiguidade em relação aos temores dentro do texto e em que a atribuição de perseguição fica incerta e o leitor é convidado a compartilhar as dúvidas e incertezas com que 1.

1 The historical gothic represents a tale set in the imagined past without the suggestion of supernatural events, while the natural gothic introduces what appear to be supernatural phenomena only to explain them away. The explained gothic and the equivocal gothic presage what nowadays are often called the uncanny and the fantastic by literary theorists. (Montague Summers, The Gothic: A History of the Gothic Novel (London: Fortune, 1983).

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permeiam a história aparente. (p. 404) b) É este elemento de estrutura paranoica que marca o melhor dos trabalhos góticos do mero supernaturalismo manso: lança-se o sobrenatural em dúvida, e com isso eles também têm a importante função de retirar a auréola ilusória de certeza do chamado “mundo natural”. (p. 404)2 Robert Harries (2008) em “Elements of Gothic Novel”, lista elementos góticos presentes na literatura e suas características, dos quais três representam importância para esta pesquisa: a) Uma atmosfera de mistério e suspense b) Emoções exageradas c) Mulheres em perigo 1.3 Horror em Edgar Allan Poe - “The black cat” O conto narra a historia de um homem (narrador primeira pessoa) e seu gato, pelo qual nutria amor e de repente, talvez pelo abuso do álcool, se torna violento e incomodado com a presença do animal que acaba sendo, de forma brutal, enforcado e tendo o olho arrancado com uma faca. O homem angustiado vê um gato com tamanha semelhança ao seu gato morto que na tentativa de matá-lo com um machado, acaba assassinando a esposa que entrara na frente na tentativa de salvar o animal. Sem culpa nem ressentimento, o narrador empareda o corpo da esposa. Sem perceber, também empareda o gato vivo e é descoberto por sua própria vaidade ao tentar mentir para os policiais. Ao realizarem um estudo lexical de traduções do conto “The black cat” por meio de duas traduções para o português, assim como visa esta pesquisa, Francine de Assis Silveira e Lidia Almeida Barros (2009, p. 90), analisam os recursos linguísticos e culturais utilizados por Poe para “causar terror e suspense nesse enredo”: O gato preto, figura fortemente ligada a questões de superstição (tem sete vidas, traz má sorte, companheiro de bruxas – seres aliados ao demônio); temos também o nome do gato, Pluto, que, na mitologia Romana, é o deus do Inferno; há ainda um jogo com 2 David Punter, The Literature of Terror (London: Longman, 1980 p. 404-05), Criteria of Gothic Fiction In paranoiac fiction, “the reader is placed in a situation of ambiguity with re-gard to fears within the text, and in which the attribution of persecution re-mains uncertain and the reader is invited to share in the doubts and uncertain-ties which pervade the apparent story (404) It is this element of paranoiac structure which marks the better Gothic works off from mere tame supernaturalism: they continually throw the supernatural into doubt, and in doing so they also serve the important function of removing the illusory halo of certainty from the so-called “natural” world. (404)

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as cores, que possuem simbologias importantes para criar esse universo particular do conto: o preto, simbolizando, ao mesmo tempo, tristeza, melancolia, escuridão, trevas; o vermelho, cor do fogo, numa alusão a sangue, morte; a cor branca, que remete à pureza, à salvação e à evocação a Deus, em uma busca do transcendental, do perdão, talvez. Os resultados encontrados por Silveira e Barros referentes ao estudo lexical do TF foram que as palavras que indicam sentimento no conto, como “horror” e “terror” tiveram um número significante de ocorrências e são representativas para compor a atmosfera do conto. Ao ser feita a pesquisa referente ao estudo de léxico dos textos traduzidos, as duas pesquisadoras chegaram à conclusão de que as traduções de “The black Cat” são bem sucedidas, pois os tradutores adotaram vocábulos, em português, que “mantêm o clima de violência e de terror da trama e de autorreflexão e auto recriminação do personagemnarrador”. (SILVEIRA; BARROS, 2009, p. 99) Lourenço observa que em certo momento da leitura da obra de Poe não é possível distinguir se tudo o que é narrado é real ou fruto de uma mente perturbada. “Poe não escolhe nada de sobrenatural para justificar as ações. Tudo que está ali é possível de acontecer na realidade. Talvez isso também cause no leitor uma maior compreensão, fascínio e medo do ser humano”. (LOURENÇO, p.8). Isto mostra que o horror existente no conto de Poe é psicológico, está na mente do ser humano e não nas coisas sobrenaturais ou simplesmente é algo físico. Se não representado com as palavras adequadas, esse horror não será percebido pelo leitor da língua de chegada. João Felipe Alves de Oliveira (2009, p.137) diz: Comumente, nos “romances negros”, a trama se originaria a partir de um indivíduo normal que é conduzido ou arremessado em um mundo anormal, sombrio, fantasmático, em que o conflito se estabelece entre o personagem principal e um mal externo e sobrenatural, que pode encarnar na forma de bruxas, vampiros, nobreza decadente, um clero satanicamente corrompido, entre outros seres medonhos. No caso de “The black cat”, o mal externo e sobrenatural entre os quais é estabelecido um conflito com o personagem principal é encarnado na aversão do personagem principal em relação ao gato preto. Oliveira (2009, p.137) continua: 92

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Nessa tipologia narrativa, em geral, também ocorre um acúmulo de episódios horrendos que desencadeiam uma perda de verossimilhança, havendo um excesso de horror que pode acarretar uma colossal redundância ou até mesmo o patético, em que o efeito praticamente se dissipa por inteiro entre tantas peripécias horrendas e inócuas. A aversão do personagem principal em relação ao gato gera uma perda do senso da realidade o que leva a esses episódios horrendos mencionados por Oliveira na citação acima. Reinaldo Marques (1999) em seu artigo “A Escrita Fantástica de “O GATO PRETO”: A máquina do terror” comenta o que o conto causa no leitor e o papel de verdadeiro horror que o gato preto tem no narrador o qual é chamado por Marques (1999) de “o herói” enquanto usa fragmentos do próprio conto (traduzido por Breno da Silveira e outros em Histórias Extraordinárias). Ao mesmo tempo, fala também da importância das palavras usadas pelo narrador para conseguir passar esse horror, terror presentes no conto como se lê abaixo: No conto de Poe, o gato é dotado de um caráter monstruoso (...). Para caracterizá-lo em sua monstruosidade, o narrador recorre a expressões adjetivas e superlativas, a comparações. O felino é “um monstro de horror e repugnância”. A mancha branca tomando a forma nítida de uma forca transforma-o, segundo o herói, numa “lúgubre e terrível máquina de horror e de crime, de agonia e de morte”. A aparição do animal na parede da casa arruinada, depois de enforcado, desperta “assombro e terror”; trata-se de um “gato gigantesco”, que os curiosos qualificavam com vocábulos tais como “estranho!”, “singular!”. Como repetição sinistra do primeiro, pelo segundo gato o protagonista sente “inenarrável horror, fugindo, em silêncio, de sua presença, como se fugisse de uma peste”. O gato é, enfim, “a imagem de uma coisa odiosa”, é a própria coisa, cujo hálito quente paira sobre o rosto do herói. (MARQUES,1999, p. 83) Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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A citação acima reforça como a presença do horror, no conto de Poe, é vista pelos leitores e relatada por pesquisadores. Em “The black cat” é possível perceber algumas das características do gótico dadas por Harris (2008), tais como: · Uma atmosfera de mistério e suspense: O próprio narrador que sente o gato como de algo ameaçador, com medo inexplicável cria essa atmosfera descrita por Harris (2008). · Emoções exageradas: É novamente o caso do personagem narrador de “The black cat”, vencido pela raiva, que sente pânico na presença do gato, acessos de nervos. · Mulheres em perigo: Apesar de a esposa do personagem principal e narrador do conto não ser a personagem central, ela, uma mulher solitária e oprimida, que é mencionada muito pouco na história e sofre um assassinato brutal pelo marido, que não demonstra sentir a menor culpa. 2 METODOLOGIA Nesta seção, descrevem-se o corpus selecionado e os procedimentos metodológicos para coleta, preparação e análise dos dados, detalhados nas subseções. 2.1 Descrição do corpus Foram utilizadas as traduções de Guilherme da Silva Braga, de (2011), e de Jorge Ritter, de (2012), ambos tradutores com experiência comprovada em tradução literária. Os textos usados na pesquisa formam um corpus paralelo bilíngue que consiste em um TF na língua inglesa e duas traduções (TTs) para a língua portuguesa. No total são 11375 palavras ou tokens como é utilizado pelos estudos de corpora. O TF deste corpus, “The black cat”, foi escrito no final de 1842. De acordo com um verbete publicado em 2010, por Pablo Cardellino, Guilherme da Silva Braga nasceu em 1981 em Porto Alegre, é poliglota e começou a traduzir literatura profissionalmente em 2005. Jorge Ritter começou a traduzir profissionalmente em 2000 com textos técnicos de administração, finanças, negócios e depois começou a traduzir textos de ficção. De acordo com o próprio tradutor, que concedeu entrevista por e-mail para fins desta pesquisa: 94

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Traduzir Poe é um desafio, creio que as mesmas qualidades que o tornam tão bom de ler, dificultam sua tradução, i.e., uso de imagens, sutilezas, frases lapidadas ao extremo. Dada essa dificuldade, foi fundamental a meu ver o apoio que tive de um colega tradutor, Baltazar Pereira, na revisão e discussão de dúvidas, assim como a leitura da editora Elaine Maritza, que deu o polimento final ao texto. Foi um trabalho de equipe mesmo. A tradução é um trabalho que pode ser muito solitário e difícil, contar com o apoio de outros profissionais no processo ajuda demais. (RITTER, 2013). Curiosamente, o tradutor não utiliza nenhuma ajuda de corpus online em suas traduções, e sim um site de tradução aberto (www.linguee.com.br) e dicionários como Houaiss inglês-português, Aurélio e American Heritage Dictionary. 2.2 Procedimentos de compilação e preparação do corpus Após a digitação e correção dos contos no Word 2010, foram colocados no formato TXT, formato no qual é feito o procedimento de análise no WordSmithTools. O programa usado para a análise dos corpus foi o WordSmith Tools 6.0 (WST). Através da ferramenta lista de palavras (wordlist), fez-se o levantamento de dados específicos do corpus para se chegar à análise comparativa. Ainda utilizando-se desta ferramenta, foi possível selecionar todas as palavras contidas no corpus para serem analisadas sob três critérios: ordem de frequência das palavras, ordem alfabética ou estatística. 2.3 Levantamento e análise de dados do corpus Foi utilizada para coleta de dados gerais quantitativos a lista de palavras do WST. Com essa lista foi possível extrair o número total de itens (tokens) na ordem de frequência, permitindo a comparação entre os textos a serem analisados quanto ao tamanho de cada corpus, quantidade de parágrafos, quantidade de frases, de palavras, como mostra a tabela 1 abaixo. Os dados foram salvos em formato XLS para utilização no Microsoft Excel. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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Tabela 1 Quantidade de parágrafos, de frases e de palavras presentes nos corpora.

TF – Edgar Allan Poe

Quantidade de Palavras 3929

Quantidade de Sentenças 188

Quantidade de Parágrafos 32

3670

190

33

3776

188

32

TT1 – Guilherme da Silva Braga TT2 – Jorge Ritter Fonte: (elaborado pelo autor). 2.4 Análise e Seleção Lexical

Após a compilação do corpus e levantamento de dados, foram selecionados somente adjetivos e substantivos por serem, juntamente aos verbos e advérbios, os principais portadores de sentido em um texto de acordo com a gramática Longman - Spoken and Written English (2007). Utilizou-se da metodologia descrita em Silveira e Barros (2009), com o propósito de analisar se os mesmos carregam efeito de horror como acontece no TF. Foi feita uma lista de frequência dos cem primeiros léxicos mais recorrentes extraídos dos três corpora, como fizeram Silveira e Barros (2009) em sua pesquisa. Essa lista possibilitou examinar as primeiras palavras de conteúdo nelas registradas e foram selecionadas 21 palavras consideradas essenciais para a criação da atmosfera do horror, procurando basear em Harris (2008), Punter (1980) e Silveira e Barros (2009), citados anteriormente. As palavras escolhidas do TF foram: Cat, Wife, Beast, Wall, Cellar, Soul, Creature, Horror, Terror, Corpse, Spirit, Crime, Hatred, Hideous, Monster, Murder, Perverseness, Remorse, Agony, Atrocity, Axe. Após a seleção das palavras, foi feita uma tabela de alinhamento com as frases onde os vocábulos selecionados do TF aparecem em correspondência com os vocábulos dos TT’s. 3 RESULTADOS DAS ANÁLISES Ao buscar as palavras mais representativas em “The black cat”, observa-se na Tabela 2, em primeiro lugar, que cat é o segundo vocábulo mais frequente no Corpus TF (com 96

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10 ocorrências) e as palavras que remetem a ele também possuem alta frequência, como beast (8), animal (7), Pluto (7), creature (5) e black (4), que é o adjetivo que ressalta uma característica especial do gato. Assim como ressaltam Silveira e Barros, por este ser um conto macabro e de suspense, os vocábulos horror (5) e terror (5) no corpus do TF indicam os sentimentos que o personagem-narrador tem com relação ao animal e a tudo que o envolve. Pela frequência com que aparecem, são representativos para compor a atmosfera peculiar do conto. Tabela 2 Frequência de léxicos no TF e seus equivalentes correspondentes no TT1 e TT2 (Continua) TF – Edgar Allan Poe Cat Wife Beast

10 10 8

TT1 – Guilherme da Silva Braga Gato 21 Esposa 10 Animal 18

TT2 – Jorge Ritter 11 10 16

Gato Esposa Animal

Tabela 2 Frequência de léxicos no TF e seus equivalentes correspondentes no TT1 e TT2 (Conclusão) TF – Edgar Allan Poe Cellar Soul Walls Creature Horror Terror Corpse Spirit Crime Hatred Hideous Monster Murder

7 7 6 5 5 5 4 4 3 3 3 3 3

TT1 – Guilherme da Silva TT2 – Jorge Ritter Braga Porão 7 Porão Alma 7 Alma Paredes 5 Paredes Criatura 7 Criatura Horror 5 Horror Terror 6 Terror Cadáver 4 Corpo Espírito 4 Espírito Crime 4 Crime Ódio 3 Ódio Hediondo 2 Hediondo Monstro 3 Monstro Assassinato 3 Assassinato

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7 7 6 5 5 7 8 2 3 3 3 3 3 97


Perverseness Remorse Agony Atrocity Axe

3 3 2 2 2

Obstinação 3 Perversidade 3 Remorso 2 Remorso 3 Agonia 1 Agonia 2 Atrocidade 2 Atrocidade 2 Machado 2 Machado 2 Fonte: (elaborado pelo autor). Nota-se que apesar de cada tradutor ter feito escolhas diferentes em alguns casos quanto ao modo como traduziram as palavras selecionadas, ambos nem ignoraram nem omitiram as mesmas, o que mostra que foi entendido por eles a importância de cada uma delas para o efeito do horror contido no original como mostra o Quadro 1, a seguir, no qual as palavras de busca se destacam em negrito:

Quadro 1 Alinhamento de TF, TT1 e TT2 (Continua) TF – Edgar Allan Poe

TT1 – Guilherme da Silva TT2 – Jorge Ritter Braga

In speaking of his intelligence, my wife, who at heart was not a little tinctured with superstition, made frequent allusion to the ancient popular notion, which regarded all black cats as witches in disguise.

Ao falar de sua inteligência, minha esposa, que tinha o coração um tanto maculado por crendices, amiúde mencionava a antiga crença popular segundo a qual todos os gatos pretos seriam bruxas disfarçadas.

Ao falar de sua inteligência, minha esposa, que em seu intimo não era inclinada à superstição, fazia frequentes alusões a antiga noção popular que julgava serem, todos os gatos pretos, bruxas disfarçadas.

Quadro 1 Alinhamento de TF, TT1 e TT2 (Continua) TF – Edgar Allan Poe

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TT1 – Guilherme da Silva TT2 – Jorge Ritter Braga

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The falling of other walls had compressed the victim of my cruelty into the substance of the freshlyspread plaster;

O desabamento das outras paredes comprimira a vítima de minha crueldade contra o estuque recémaplicado;

A queda das outras paredes havia comprimido a vítima de minha crueldade contra a substância do reboco recém-aplicado;

For a purpose such as this O porão prestava-se bem a Para uma finalidade como the cellar was well adapted. esse fim. esta, o porão era bem adequado. I experienced a sentiment half of horror, half of remorse, for the crime of which I had been guilty; but it was, at best, a feeble and equivocal feeling, and the soul remained untouched.

fui tomado por um sentimento que mesclava horror ao arrependimento pelo crime perpetrado; mas era, no máximo, um sentimento débil e incerto, e minha alma seguia imaculada.

experimentei um sentimento meio de horror, meio de remorso, pelo crime de que eu fora culpado; mas é confuso, e a alma permaneceu intocada.

I avoided the creature;

Eu evitava a criatura;

Eu evitava a criatura;

that the terror and horror with which the animal inspired me, had been heightened by one of the merest chimaeras it would be possible to conceive.

que o terror e o horror que o animal me inspirava foram agravados pela mais reles quimera imaginável.

que o terror e o horror com o qual o animal me inspirava, havia sido aumentado por uma das quimeras mais simples que alguém poderia conceber.

At one period I thought of cutting the corpse into minute fragments, and destroying them by fire.

Em dado momento, pensei em esquartejar o corpo em pedaços minúsculos e em depois destruí-lo com o fogo.

Em um momento, pensei em cortar o corpo em fragmentos minúsculos e destruí-los pelo fogo.

and then came, as if to my final and irrevocable overthrow, the spirit of perverseness.

e então sobreveio, como se para minha derrocada final e inelutável, o espírito da obstinação.

e então veio, como se para minha derrocada irrevogável, o espírito da perversidade.

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I was yet withheld from so doing, partly by a memory of my former crime, but chiefly - let me confess it at once - by absolute dread of the beast.

eu me continha, em parte pela lembrança do crime anterior, mas em particular – não há por que não confessar de uma vez por todas – pelo terror que o animal me incutia.

eu ainda me continha de fazê-lo, em parte pela memória de meu crime anterior, mas, fundamentalmente – deixeme confessá-lo de uma vez –, por absoluto pavor do animal.

The moodiness of my usual temper increased to hatred of all things and of all mankind;

O mau humor típico do meu temperamento transformou-se em ódio a tudo e a todos;

O mau humor de minha disposição normal aumentou para o ódio de todas as coisas e de toda a humanidade;

Quadro 1 Alinhamento de TF, TT1 e TT2 (Conclusão) TF – Edgar Allan Poe This hideous murder accomplished, I set myself forthwith, and with entire deliberation, to the task of concealing the body.

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TT1 – Guilherme da Silva Braga Depois de cometer o hediondo crime, dediqueime de imediato, e a sangue frio, à tarefa de ocultar o corpo.

TT2 – Jorge Ritter O assassinato hediondo consumado, dediquei-me, sem demora e com absoluta deliberação, à tarefa de ocultar o corpo.

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It was now the representation of an object that I shudder to name and for this, above all, I loathed, and dreaded, and would have rid myself of the monster had I dared it was now, I say, the image of a hideous - of a ghastly thing - of the GALLOWS ! - oh, mournful and terrible engine of Horror and of Crime - of Agony and of Death ! I blush, I burn, I shudder, while I pen the damnable atrocity. Uplifting an axe, and forgetting, in my wrath, the childish dread which had hitherto stayed my hand, I aimed a blow at the animal which, of course, would have proved instantly fatal had it descended as I wished.

A silhueta representava o objeto que agora estremeço ao nomear – e por isso, mais do que tudo, eu sentia repulsa e pavor daquele monstro e tê-lo-ia matado se não me faltasse a coragem – representava, juro, a imagem de algo hediondo – de uma coisa horripilante – do PATÍBULO! – ah, lamentoso e fero instrumento do Horror e do Crime – da Agonia e da Morte! Enrubesço, queimo, tremo ao registrar tamanha atrocidade. Brandindo um machado e esquecendo, em minha fúria, o terror pueril que até o momento detiverame a mão, desferi um golpe contra o animal que, sem dúvida, seria fatal se eu lograsse acertá-lo.

Ela era agora a representação de um objeto que estremeço em nomear – e por isso, acima de tudo, eu o detestava e temia, e ter-me-ia livrado do monstro se tivesse coragem – ela era agora, eu digo, a imagem de algo hediondo – horripilante – do PATÍBULO! Oh, triste e terrível máquina de Horror e Crime – de Agonia e de Morte! Eu coro, queimo, estremeço, enquanto escrevo a atrocidade abominável. Levantando um machado e esquecendo, em minha ira, o temor infantil que havia, até então, segurando minha mão, mirei um golpe no animal que, é claro, teria se provado instantaneamente fatal se ele tivesse saído como eu queria.

Fonte: (Elaborado pelo autor). Houve variações na forma como os vocábulos “beats”, “creature”, “animal”, “corpse”, “murder” foram traduzidos, mas apesar das variações encontradas, os vocábulos do TF e seus equivalentes no TT1 e TT2 possuem frequência semelhante, indicando que os tradutores de ambas as traduções compreenderam a importância de tais vocábulos no TF e mantiveram-nas nos TTs, salvo as exceções como a palavra “cat” no TT1 que teve um número de frequência muito maior que no TF e no TT2.

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4 DISCUSSÕES DOS RESULTADOS Considerando os resultados apresentados na seção anterior, pode-se observar que as palavras escolhidas e o meio em que são usadas transmitem o sentido de horror. Mesmo com variações entre uma tradução e outra, os tradutores parecem ter tido sucesso em manter este sentido através de suas escolhas. Os Quadros 2, 3 e 4 mostram como o horror é mantido em cada fragmento onde se encontram as palavras escolhidas pelos tradutores. A aversão do personagem principal em relação ao gato gera uma perda do senso da realidade o que leva a tais episódios que são horrendos como foi mencionados por Oliveira (2009) anteriormente, o que confirma a afirmação de Marques (1999) de que “o felino é um monstro de horror e repugnância”. Os léxicos “crime”, “gato”, e “parede” que serve de túmulo, o “porão” como local sombrio e isolado onde os corpos são emparedados geram uma atmosfera de mistério e horror, o que corrobora o que foi proposto por Harris (2008): Quadro 2 Exemplo 1 (como o horror é mantido em cada fragmento com o léxico escolhido) TT1 – Guilherme da Silva Braga

TT2 – Jorge Ritter

Ao falar de sua inteligência, minha esposa, que tinha o coração um tanto maculado por crendices, amiúde mencionava a antiga crença popular segundo a qual todos os gatos pretos seriam bruxas disfarçadas.

Ao falar de sua inteligência, minha esposa, que em seu intimo não era inclinada à superstição, fazia frequentes alusões a antiga noção popular que julgava serem, todos os gatos pretos, bruxas disfarçadas.

Quase sinto vergonha ao confessar – sim, mesmo condenado nesta cela, quase sinto vergonha ao confessar – que o terror e o horror que o animal me inspirava foram agravados pela mais reles quimera imaginável.

Sinto-me quase envergonhado de assumir – sim, mesmo nesta cela para criminosos, sinto-me quase envergonhado de assumir – que o terror e o horror com o qual o animal me inspirava, havia sido aumentado por uma das quimeras mais simples que alguém poderia conceber. Depois de cometer o hediondo crime, O assassinato hediondo consumado, dediquei-me de imediato, e a sangue frio, dediquei-me, sem demora e com absoluta à tarefa de ocultar o corpo. deliberação, à tarefa de ocultar o corpo.

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O desabamento das outras paredes comprimira a vítima de minha crueldade contra o estuque recém-aplicado; e então a cal, com o fogo e a amônia resultante da carcaça, executara o retrato tal como eu o via. O porão prestava-se bem a esse fim.

A queda das outras paredes havia comprimido a vítima de minha crueldade contra a substância do reboco recémaplicado; cuja cal, com as chamadas, e a amônia da carcaça, havia então realizado o retrato como eu o via. Para uma finalidade como esta, o porão era bem adequado.

Fonte: (Elaborado pelo autor). Emoções exageradas, característica listada por Harris (2008), acessos de raiva e ódio, e inconstância dos pensamentos do narrador geram horror. Como afirma Punter, (1980, p. 404) “o leitor é colocado em uma situação de ambiguidade em relação aos temores dentro do texto”. Ver quadro 3 abaixo: Quadro 3 Exemplo 2 (Como o horror é mantido em cada fragmento com o léxico escolhido) TT1 – Guilherme da Silva Braga

TT2 – Jorge Ritter

O mau humor típico do meu temperamento O mau humor de minha disposição normal transformou-se em ódio a tudo e a todos; aumentou para o ódio de todas as coisas e de toda a humanidade; Brandindo um machado e esquecendo, em minha fúria, o terror pueril que até o momento detivera-me a mão, desferi um golpe contra o animal que, sem dúvida, seria fatal se eu lograsse acertá-lo. Do bolso do colete, saquei meu canivete, estendi a lâmina e, segurando o pobre animal pelo pescoço, extraí da orbita um de seus olhos! Quando a manhã seguinte restituiu-me a razão – quando os vapores da pândega noturna já se haviam dissipado – fui tomado por um sentimento que mesclava horror ao arrependimento pelo crime perpetrado; mas era, no máximo, um sentimento débil e incerto, e minha alma seguia imaculada. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

Levantando um machado e esquecendo, em minha ira, o temor infantil que havia, até então, segurando minha mão, mirei um golpe no animal que, é claro, teria se provado instantaneamente fatal se ele tivesse saído como eu queria. Tirei de meu colete um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta, e, deliberadamente, cortei um de seus olhos da órbita! Quando a razão retornou com a manhã – quando eu havia curado, com o sono, as emanações da devassidão noturna – experimentei um sentimento meio de horror, meio de remorso, pelo crime de que eu fora culpado; mas é confuso, e a alma permaneceu intocada. 103


E então sobreveio, como se para minha E então veio, como se para minha derrocada final e inelutável, o espírito da derrocada irrevogável, o espírito da OBSTINAÇÃO. PERVERSIDADE. Fonte: (Elaborado pelo autor). A solidão, opressão e assassinato da esposa do personagem principal e sua ligação com o gato mostram horror, retomando uma das características do gótico listada por Harris (2008). Ver quadro 4: Quadro 4 Exemplo 3 (Como o horror é mantido em cada fragmento com o léxico escolhido) TT1 – Guilherme da Silva Braga

TT2 – Jorge Ritter

(...) ao passo que a vítima mais comum e mais paciente dos arroubos súbitos, frequentes e incontroláveis de fúria a que eu, cego, sucumbia era – ai de mim! – minha própria esposa.

(...) enquanto que das explosões de fúria súbitas, frequentes e ingovernáveis, às quais eu me entregava cegamente, minha esposa submissa, ai de mim, era a mais comum e paciente das sofredoras.

Em dado momento, pensei em esquartejar Em um momento, pensei em cortar o corpo em pedaços minúsculos e em o corpo em fragmentos minúsculos e depois destruí-lo com o fogo. destruí-los pelo fogo. Fonte: (Elaborado pelo autor). 5 CONCLUSÃO Este trabalho foi feito com um corpus paralelo bilíngue, contendo o TF “The black cat” na língua inglesa e duas traduções para o português brasileiro, “O gato preto”, de Guilherme da Silva Braga, presente no livro O gato preto e outros contos (Hedra, 2011) e “O gato preto”, de Jorge Ritter, presente no livro O enterro prematuro e outros contos do mestre do terror (BesouroBox, 2012). Teve como objetivo geral a análise da voz de dois tradutores do conto de Poe para verificar como representam o “horror” expressado pelo narrador. Como metodologia realizou-se uma análise lexical através de substantivos e adjetivos que foram selecionados 104

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de cada texto, a fim de analisar as escolhas feitas por cada tradutor na tentativa de manter o efeito de horror. Na revisão de literatura, foram feitas pesquisas a respeito do autor Edgar Allan Poe. Em seguida, pesquisou-se sobre o Gótico e Horror na literatura e então sobre o horror no conto “The black cat”. Enfim, fez-se a preparação do corpus, textos digitados em Word 2010, os quais foram analisados no WordSmith Tools 0.6. possibilitando uma análise e seleção lexical para a escolha dos termos a serem analisados em maior profundidade. Após a coleta de dados feita na seleção lexical, tornou-se possível observar através de tabelas de alinhamento, o contexto em que apareciam as palavras selecionadas e relacioná-las com as pesquisas feitas anteriormente sobre o gótico e o horror. Logo, pode-se comprovar que há, de fato, uma relação das mesmas com as pesquisas em relação ao horror presente no conto “The black cat” assim como que os tradutores foram capazes de manter o significado presente no conto original através de suas escolhas lexicais, embora nota-se que a tradução de Ritter (2012) está mais limpa de vocábulos pesados como na tradução de Braga (2011). Um exemplo disso é como Ritter escolheu traduzir “corpse” por “corpo” e Braga manteve o real significado ao pé da letra que é “cadáver”, o que consequentemente contribuiu mais para uma atmosfera de morte. Entretanto, tais escolhas podem também ter sido impostas por normas editoriais, o que mostra a necessidade de uma pesquisa mais aprofundada nesse sentido, bem como um estudo mais amplo utilizando outras traduções dos mesmos tradutores. Por fim, a presente pesquisa contribui, para afirmar a importância da conservação semântica do tema “horror”, presente na obra de Edgar Allan Poe, pelos tradutores de língua portuguesa, mantendo próximos os TTs em língua portuguesa do TF em inglês. REFERÊNCIAS BERBER SARDINHA, T. Lingüística de corpus. Barueri: Manole, 2004. BOASE-BEIER, J. Stylistic Approaches to Translation. Manchester: St. Jerome, 2006. BOTTMANN, D. Alguns aspectos da presença de Edgar Allan Poe no Brasil. Tradução em revista, Rio de Janeiro, n.8, [s.v.], p.1-19, Jan. 2010. FOLKART, B. Le conflit des énonciations : Traduction et discours rapporté. Montréal: Les Editions Balzac, 1991. 481p. GARGANO, James W. The question of Poe’s narrators. Bloomington, College English. v. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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SÍTIOS CONSULTADOS CORDELLINO, Pablo.Verbete. In dicionario de tradutores literários no Brasil. Disponível em: <http://www.dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/GuilhermedaSilvaBraga. htm>. Acesso em: 06 nov. 2013. JORNAL Livre. . 2007.Disponível em <http://www.jornallivre.com.br/254081/quem-foio-edgar-allan-poe.html>. Acesso em 03 nov. 2013.

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CRENÇAS DE PROFESSORES EM FORMAÇÃO SOBRE SUA PROFICIÊNCIA EM LÍNGUA INGLESA: REFLEXÕES E PERSPECTIVAS DE AÇÃO BELIEFS OF FUTURE TEACHERS ABOUT THEIR PROFICIENCY IN ENGLISH: REFLECTIONS AND PERSPECTIVES OF ACTION Letícia Telles da Cruz Universidade do Estado da Bahia - UNEB Resumo: Esse artigo apresenta os resultados de uma pesquisa qualitativa, de caráter etnográfico, cujo objetivo foi investigar as crenças de professores de Língua Inglesa em formação (6º e 8º semestres), do curso de Letras com Inglês, da Universidade Estadual da Bahia (UNEB), Campus XIV, em relação ao desenvolvimento da competência linguísticocomunicativa, com vistas a colaborar na formação desses futuros professores. A pesquisa foi norteada pela seguinte questão-problema: como o reconhecimento das próprias crenças pode contribuir no processo de ensino/aprendizagem de língua inglesa (LI), e de que forma isso afeta a formação geral como professor de língua estrangeira (LE)? O reconhecimento das próprias crenças permitiu a esses sujeitos compreenderem a própria cultura de aprender e mostrou-se eficaz para ajudar na mudança de postura em relação ao aprendizado de LI, na medida em que passaram a perceber a importância do papel que exercem nesse processo. Palavras-chave: Crenças; professores; empoderamento. Abstract: This paper presents the results of a qualitative and ethnographic research, which aimed to investigate the beliefs of pre-service English teachers (6th and 8th semesters), at the Bachelor’s degree in Arts of the State University of Bahia (UNEB), Campus XIV, in relation to the development of linguistic and communicative competence, in order to collaborate on the professional growth of these future teachers. The research was guided by the following question-problem: how can the recognition of one’s own beliefs contribute to the process of teaching/learning English and how does it affect one’s general development as foreign language teacher? The recognition of their own beliefs, allowed the participants to understand their own learning culture and it was effective for helping them to change their attitude on learning English, since they realized the important role they play in this process. Keywords: Beliefs; teachers; empowerment.

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1.

INTRODUÇÃO

Essa pesquisa foi motivada a partir de relatos de alunos que se sentiam frustrados em relação ao seu nível de proficiência no idioma, ao ingressarem no curso de Letras/ Inglês da UNEB, Campus XIV, por este estar bastante aquém para um acompanhamento satisfatório das aulas de inglês oferecidas na universidade. No discurso desses alunos, era possível observar que eles atribuíam, prioritariamente, a deficiência na competência linguístico-comunicativa1, ao aprendizado precário pelo qual passaram durante os Ensinos Fundamental (EF) e Médio (EM), nas escolas públicas. De acordo com Leffa (2011), há várias maneiras de explicar o fracasso na aprendizagem de línguas nas escolas públicas e a mais comum é por a culpa nos outros, criando os “bodes expiatórios”. “A culpa é do governo porque não cumpre as leis que cria, do professor porque não ensina ou do aluno porque não estuda”.(LEFFA, 2011, p. 31). A tentativa de justificar o fracasso pode levar a um duplo insucesso: perdemos quando deixamos de aprender uma língua estrangeira e quando não conseguimos convencer nosso interlocutor de que não foi nossa culpa. Por isso, “apontar um culpado é sempre uma tarefa que exige muito poder de argumentação para que possamos persuadir o interlocutor de que não estamos encobrindo nossa própria incompetência”. (LEFFA, 2011, p. 18). Eu ousaria ir um pouco mais além do que aponta Leffa (2011) para esse duplo insucesso. Perdemos também quando tentamos convencer a nós mesmos de que não temos culpa alguma no fracasso diante do aprendizado de uma língua estrangeira. Quando assim entendemos, nos colocamos em posição passiva diante de todo o processo de aprendizagem, que é bastante complexo, contínuo e interativo. O maior risco dessa passividade é a “carnavalização”, termo usado de maneira muito apropriada por Leffa (2011, p. 16) para se referir ao “domínio do mundo sem culpa, em que administradores, professores e alunos circulam impunemente da ordem para a desordem e vice-versa. Nada é feito, e tudo fica por isso mesmo”. Na medida em que o futuro professor, ou mesmo o professor em exercício, tomar 1 Entende-se por competência linguístico-comunicativa (ALMEIDA FILHO, 1993), a união entre

competência linguística (domínio que o falante tem da gramática implícita e explícita) e competência comunicativa (capacidade de uso da língua e domínio das regras sócio-culturais que regem a LE ensinada). Ainda segundo Almeida Filho (2000), essa competência se refere aos conhecimentos, capacidade comunicativa e habilidades específicas na e sobre a língua-meta. Baseia-se, portanto, no conhecimento e atuação profissional e social para/nos processos relevantes da linguagem na docência.

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consciência das suas crenças, ele poderá refletir sobre a maneira como aprende e analisar a sua práxis. Esse exercício de autoconhecimento favorece o desenvolvimento da Competência Reflexiva que representa um grande diferencial para o professor de LE. (BASSO, 2008) A relevância dessa pesquisa dialoga com a essência da pedagogia crítica defendida por Rajagopalan (2003), Pennycook (1998) e Freire (1987) entre outros, através de um trabalho de conscientização, autoconhecimento e prática da reflexão dos sujeitos envolvidos. A formação da identidade de futuros professores, ainda enquanto aprendizes, dará aos mesmos o empoderamento2 necessário para que eles possam realizar ações e mudanças na sua própria vida.(CAMERON, 1993). A base teórica principal usada contemplou os estudos e pesquisas sobre crenças relacionadas à LI, já desenvolvidos por vários estudiosos, por se configurar o suporte teórico necessário para a obtenção das respostas que essa pesquisa se propôs a contemplar. Entretanto, outras questões emergiram indiretamente porque estão imbricadas na formação de professores de LE, tais como as práticas de letramento nas salas de aula de LI (STREET, 1984, 2011; KLEIMAN, 1995; ROJO, 2009) e a formação continuada de professores de LI (PAJARES, 1992; ALMEIDA FILHO, 1993, 2000; PAIVA, 2005, 2011; BARCELOS, 2001, 2006, 2007, 2011; VIEIRA-ABRAHÃO, 2006; BASSO, 2008). 2.

CRENÇAS E FORMAÇÃO DOCENTE

A literatura a respeito dos estudos sobre crenças dá mostras de que se trata de um assunto de interesse em diversas áreas do conhecimento e que já vem sendo pesquisado e discutido há um período de tempo. Em Linguística Aplicada, área onde se localiza essa pesquisa, o assunto tem despertado o interesse de vários pesquisadores desde meados dos anos 1980, no exterior, e meados dos anos 1990, aqui no Brasil. (BARCELOS, 2007). Crenças são inerentes ao ser humano e, por isso, se constituem “um conceito que permeia a história da humanidade, já que o ser humano é acreditar em algo, é construir saberes e teorias para interpretar o que nos cerca”. (BARCELOS, 2007a, p. 30). Essa característica peculiar tem contribuído para dificultar a elaboração de uma determinada definição para “crenças”. 2 As discussões, reflexões e análises implementadas durante todo o trabalho têm como viés a educação pelo empoderamento, defendida pelos teóricos da Pedagogia Crítica, que dialogam na sua essência com as ideias de Freire. Tal concepção é considerada como ponto de partida pela autora desse trabalho para uma contribuição efetiva na formação de professores de LI, que precisam se reconhecer como potenciais intelectuais transformadores de uma realidade recorrente nas escolas públicas e principais responsáveis pelo seu próprio crescimento.

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Para Barcelos (2001, p. 72), crenças “podem ser definidas como opiniões e ideias que alunos (e professores) têm a respeito dos processos de ensino e aprendizagem de língua”. Para ela, uma das características mais importantes das crenças é a sua influência no comportamento. É preciso considerar, entretanto, uma série de fatores como experiência anterior de aprendizagem, abordagem de ensinar do professor, nível de proficiência, motivação e contexto. As crenças são um dos componentes da competência implícita do professor, desenvolvida ao longo de sua vida de maneira inconsciente, e responsável por um ensino intuitivo, sem base teórica e metodológica explícita. Essa competência orienta a práxis do professor, juntamente com outras necessárias para isso. Com base no exposto, Almeida Filho (1993, p.21) salienta que “dada uma abordagem de ensinar apoiada no mínimo por uma competência implícita e uma competência linguístico-comunicativa, e a presença de potenciais aprendizes (alunos) já se pode iniciar o processo de ensino”. Contudo, o grande diferencial do profissional de LE apoia-se justamente em um perfil que vai além dessas duas competências, que pode ser atingido através de uma formação continuada e reflexiva. Segundo Alvarez (2007, p. 197), Há um consenso entre os estudiosos, dentre eles Horwitz (1985), Pajares (1992), Johnson (1994, 1999) com relação ao fato de que nossos sistemas de crenças permeiam nossa forma de pensar e de processar novas informações, portanto elas têm um papel preponderante na elaboração de nossas percepções e comportamentos, também como na forma como estabelecemos a relação de cognição. Assim, a noção de crença é relevante na hora de interpretar e analisar as ações do professor, pois eles interpretam uma situação de ensino a partir das suas crenças sobre o que seja a aprendizagem e ensino de LE. No entanto, e seguindo o raciocínio de Lynch (1990), o dizer das pessoas não necessariamente corresponde às suas ações, portanto quando investigamos as crenças também seria necessário examinarmos as suas ações.

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Em consonância com o raciocínio de Alvarez (2007) em relação à crença e ação, Pajares (1992) salienta que as crenças de professores em formação sobre o ensino já estão bem estabilizadas ao tempo em que o estudante chega ao ensino superior, trazendo-as com eles para os programas de formação de professor. Essas crenças se desenvolvem através de observação, durante todo o período escolar e abrangem ideias sobre o que é ser um bom professor e como os estudantes devem se comportar. Por essa razão, muitas vezes o nosso dizer não tem ressonância com o nosso fazer, mas nem sempre, temos essa consciência. Existem, pois, boas razões que justificam a tentativa de entender porque as crenças de professores em formação são essenciais para a formação desse profissional. Dentre essas razões, as crenças influenciam a aquisição do conhecimento, a definição e seleção de tarefas, a interpretação do conteúdo de um curso e o monitoramento da compreensão. Assim, as pesquisas sobre crenças de professores em formação iriam ajudar aos professores formadores a determinar o currículo e o programa do curso. (PAJARES, 1992). Além disso, Barcelos (2007) aponta que o conhecimento das crenças facilita a compreensão das ações e do comportamento dos aprendizes de línguas, contribui para a utilização de diferentes abordagens pelo professor, previne possíveis conflitos entre as crenças de professores e alunos, e pode esclarecer a divergência entre a teoria e a prática dos professores, e entre as crenças de formadores de professores e professores, ajudando-os a entender suas escolhas e decisões. 3.

A PESQUISA

A pesquisa se estruturou em três etapas. Na etapa I, foi aplicado um questionário em 13/12/11, para geração de dados sobre as crenças de professores em formação sobre aprendizagem e proficiência em LI e dela participaram 17 alunos; na etapa II, foi realizada a oficina sobre Crenças e ensino / aprendizagem de língua inglesa, em 21/03/12, contando com a participação de 10 alunos. Ao final desse encontro, os alunos responderam, por escrito, uma única pergunta, que eu defini como etapa III (relato de impressões). Nove (09) alunos participaram efetivamente das 03 etapas. Apesar dessa redução, a quantidade de registros e impressões geradas ao final de todo o processo foi grande, o que geralmente ocorre em pesquisas etnográficas, como pontua Cançado (1994). A triangulação dos dados gerados a partir de múltiplas estratégias garantiu a riqueza de interpretações e reflexões. 112

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A pesquisa se dividiu, portanto, em dois momentos: antes e depois da oficina sobre crenças e ensino/aprendizagem de LI, por considerar esse momento crucial para a questão-problema que norteou esse trabalho. As análises realizadas no primeiro momento da investigação revelaram que a avaliação que os sujeitos participantes da pesquisa fazem do ensino de LI na escola pública é bastante negativa e a principal causa apontada para isso é a abordagem de ensino utilizada pelo professor, predominantemente gramatical, realizada de forma descontextualizada (47,2%). Apesar dessa percepção sobre o ensino de LI na educação básica, 38,1% desses sujeitos escolheram o Curso de Letras com Inglês devido à identificação com a língua, seguido pelo desejo de aperfeiçoamento profissional (19,1%). Foi possível verificar também que a grande maioria desses sujeitos (64,8%) nutria a expectativa de falar inglês fluentemente ao término do Curso de Letras com Inglês, quando optaram pelo mesmo no vestibular. Como a busca pela proficiência na LI mostrou-se um objetivo difícil de ser alcançado, conforme pontuado pelos alunos, esse fato provocou em uma significativa parcela desse grupo (35,4%) um sentimento de insatisfação em relação ao curso. Com isso, o sentimento de frustração manifestado desde o início do curso por aqueles alunos que não conseguiam acompanhar as aulas de LI, se prolongou para a maioria desses alunos, como podemos observar em alguns excertos destacados. [A3] Eu achava que eu ia aprender a falar inglês e quando me formasse eu saberia me comunicar fluentemente em inglês, quando na verdade, me comunico pouco, e sinto necessidade de aprofundar mais os meus estudos em um curso de idiomas; [A4] Eu esperava que a faculdade me desse um grande suporte na aprendizagem da língua inglesa, mas não basta apenas estudar na faculdade, porque o objetivo da universidade de Letras é formar professores e não falantes da LI; [A5] Acreditava que seria bastante trabalhado o listening e o speaking, além da produção escrita. Porém, isso não acontece. Tem componentes que são desnecessários para serem aplicados. Acreditava que sairia da faculdade falando inglês fluente; [A6] Aprender a usar a língua com fluência em tempo curto! Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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A atenção demasiada dos alunos à proficiência na língua inglesa mostra o que diz Pennycook (1998) em relação ao uso da linguagem, que foi historicamente construída em torno das questões de poder e de dominação, questões essas presentes, inclusive, no uso cotidiano da linguagem. Com essa postura, os alunos não se dão conta de que há outras competências necessárias à sua formação e só com o desenvolvimento delas e com a ajuda de uma formação continuada, será possível desenvolver o caráter crítico-reflexivo tão necessário ao professor de línguas. Corroborando com Pennycook (1998), Basso (2008) pontua que, no início da década de 1990, os estudos e pesquisas envolvendo o termo competência para o ensino/ aprendizagem de línguas, estava estritamente ligado à proficiência na língua, ou seja, saber sobre a língua e saber usá-la. Por isso, o output era extremamente valorizado e estava sempre associado a testes e avaliações. Entretanto, a trivialização de conteúdos era recorrente. Essa concepção restrita de formação do professor de LE fica clara nas vozes dos alunos que buscaram o curso apenas para falar fluentemente a língua. O excerto [A5] mostra um julgamento equivocado da aluna em relação a componentes considerados por ela “desnecessários” para sua formação, provavelmente, porque não estão diretamente relacionados ao seu maior interesse, que é falar fluentemente o idioma. O excerto [A6] chama atenção porque o aluno deseja “aprender a usar a língua em tempo curto” (grifo meu). A fala desse aluno mostra a sua expectativa de realizar um desejo particular e, por isso, ele transferiu para a universidade essa responsabilidade, talvez por realmente acreditar nessa possibilidade, diante das propagandas veiculadas pelos cursos de idiomas que prometem ao aprendiz, falar a língua inglesa em um determinado espaço de tempo. Ao transferir essa responsabilidade para a universidade, provavelmente, ele não se deu conta da sua parcela de contribuição, já que ensino/aprendizagem de qualquer objeto de estudo, em especial de linguagem, é uma via de mão dupla. Quero dizer com isso que, todos os envolvidos têm um papel a cumprir nesse processo. Destaco também a afirmação que a aluna A11 faz com relação a uma crença, que ela mesma afirma ter, quando fala sobre a sua expectativa quando ingressou no curso de Letras com Inglês, conforme excerto a seguir. [A11] Que não se comprovasse as minhas crenças de que alunos passam por uma universidade e saem dela sem dominar a língua. 114

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Em entrevista posterior para uma melhor compreensão do que essa aluna quis dizer, foram obtidas informações muito importantes relacionadas à formação do professor de LI. Vejamos o que ela diz. [A11e] Quando comecei a lecionar sem ter um diploma e vi que aqueles que tinham diploma não sabiam a língua, eu fiquei descrente. Pensei: para que uma universidade se os alunos saem de lá sem falar a língua direito? Então, quando ingressei no curso minha expectativa era que os alunos não saíssem de lá sabendo inglês. Então entendi que o foco do curso era a preparação do aluno para ensinar inglês e não falar inglês. Isso não me frustrou em relação ao curso, mas acho que como um vestibular para Artes ou Design, em que os alunos têm que fazer teste de aptidão, os alunos de inglês deveriam ter uma forma de serem avaliados quanto ao seu nível de aprendizagem da língua, assim não haveria tanto desnível nas salas de aula ou frustração de docentes e discentes em não terem aulas lecionadas em língua inglesa por falta de capacidade dos alunos. O principal fator indicado pelos sujeitos participantes, que contribuiu para essa insatisfação, foi o pouco contato com a LI (50%) na universidade, seguido pela escassa oferta de projetos de extensão e de iniciação científica (25%) e pelo desnivelamento das turmas em termos de proficiência na língua (18,7%). Vejamos alguns excertos. [A5] Porque estamos em um curso de licenciatura, portanto é necessário aprender a se comunicar em língua inglesa, porém a disciplina que trabalha com isso tem uma carga horária muito pequena; [A15] Há professores competentes. No entanto, o tempo que dedico ao aprendizado não é suficiente para ser melhor; [A17] Por conta do desnivelamento das turmas. Isso leva os Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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professores a um Plano de Curso que não atende as expectativas e necessidades dos estudantes, sejam eles de um nível mais alto ou baixo de proficiência. A aluna A5 manifesta a crença implícita de que ensinar é função da escola, mas não consegue perceber o papel do aprender, a partir de uma concepção mais autônoma, que extrapole a sala de aula e a figura do professor, como o aluno A15 faz. Faz-se necessário explicar que o Curso de Letras com Inglês do Campus XIV oferece 705h de disciplinas de laboratório de língua inglesa e mais 315h de outros componentes que igualmente devem proporcionar o contato com a língua (ex. Compreensão e Produção Oral, Produção do texto oral e escrito, Estudos Fonéticos e Fonológicos, etc.). O somatório dessas cargas horárias é de 1020h. Se compararmos essa carga horária oferecida pelo curso com a recomendada pelo Quadro de Referências Comum Europeu3, poderíamos considerar que o número de horas oferecido aos alunos seria o suficiente para alcançar, em parte, o nível proficiente C2. No conjunto de crenças mapeadas (1º objetivo específico) foi diagnosticado que há o predomínio de afirmações que revelam que:[1] o professor é o responsável pela aprendizagem do aluno; [2] não se aprende inglês na escola pública, nem nos cursos de formação de professores de LE; [3] ser professor de LI é ter fluência no idioma; [4] o fracasso da aprendizagem de LI na universidade se deve principalmente à falta de exposição suficiente de insumo na língua alvo; [5] o fracasso da aprendizagem de LI na escola pública se deve à abordagem de ensino inadequada do professor; [6] língua é instrumento de comunicação; [7] a graduação na área de LI não garante ao professor a proficiência necessária à profissão. Após o mapeamento das crenças, foi realizada uma oficina com o objetivo de fornecer elementos que conduzissem os participantes da pesquisa à discussão e reflexão sobre suas próprias crenças em relação ao processo de aprendizagem de LI (2º objetivo específico). As discussões implementadas levaram em consideração as histórias de formação, as expectativas, as experiências de aprendiz e de professor, para buscar compreender de que modo esses professores em formação estavam conscientes de suas crenças e da influência que elas exercem no seu aprendizado de LI (3º objetivo específico). Básico A1 (90 a 100h aproximadamente); Básico A2 (180 a 200h aproximadamente); Independente B1 (350 a 400h aproximadamente); Independente B2 (500 a 600h aproximadamente); Proficiente C1 (700 a 800h aproximadamente); Proficiente C2 (1000 a 1200h aproximadamente). Disponível em http://www. pearsonlongman.com/ae/cef/cefguide.pdf. 3

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As análises realizadas nesse segundo momento da investigação revelaram dois aspectos importantes para a formação dos sujeitos participantes da pesquisa: [1] a falta de consciência das próprias crenças e da influência delas nas suas atitudes em relação ao aprendizado do idioma, e [2] a falta de conhecimento das competências necessárias à formação de um professor de LE. A crença de que o aprendizado depende exclusivamente do professor é reiterada nesse segundo momento e os sujeitos participantes do encontro são levados a refletir sobre a influência dessa crença nas suas atitudes de aprendizes de LI. Foi possível verificar então, o papel que esses alunos têm assumido no seu próprio processo de aprendizagem (4º objetivo específico). Atitudes divergentes em relação a isso ficaram explícitas tanto nas falas dos participantes da oficina, como no primeiro momento da pesquisa, conforme se observou a partir da análise dos dados. Alguns alunos mostraram-se motivados a buscar empreendimentos próprios para garantir o desenvolvimento da competência linguístico-comunicativa, outros apresentaram uma atitude passiva. O resultado que se apresentou ao final dessa pesquisa foi bastante positivo. Dentre os 09 (nove) alunos que participaram efetivamente das três etapas da pesquisa, 07 (sete) reconheceram explicitamente a importância de serem protagonistas nesse processo de aprendizagem, quando solicitados a responder a seguinte pergunta (etapa III): Depois de tudo que foi discutido sobre crenças, formação de professor, competência de professor de LE, se você pudesse voltar atrás no seu processo de formação, o que você faria diferente? Destaco abaixo um excerto representativo dessa etapa. [A7]: Engajaria-me mais com a minha aprendizagem e, desta forma, a ser, na medida do possível um ser autônomo consciente. Deixaria de centrar toda a responsabilidade de aprendizagem apenas na figura do professor. O aluno é sim um dos principais responsáveis pela sua aprendizagem, logo é necessário que ele esteja disciplinado, como também motivado intrinsecamente com a sua aprendizagem. 4.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reiterando o que nos diz Barcelos (2007), esses resultados revelam que tornar as crenças explícitas para análise, exame e reflexão pode contribuir para a mudança das mesmas, bem como, a contínua avaliação e reavaliação das próprias crenças poderá ocasionar Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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mudanças nas ações. Na medida em que os sujeitos dessa pesquisa tomaram consciência das suas crenças, eles tiveram a possibilidade de refletir sobre o próprio papel no processo de aprendizagem de LI e de reconhecer que podem e devem ser protagonistas, a fim de alcançarem os seus objetivos na profissão que escolheram. Isso lhes possibilitou “ter claro o quanto sabe do que se propõe a ensinar, buscando o essencial daquilo que ainda não sabe”, como propõe Basso (2008, p. 150). Ou seja, se é a competência linguístico-comunicativa que tanto os aflige e os frustra no exercício da profissão, cabe tomar uma atitude mais crítica e reflexiva sobre si mesmo em relação à própria formação profissional, buscando substituir a crença de que existe um “culpado” pelo fracasso na aprendizagem, por uma atitude mais protagonista, onde cada um passa a ser o responsável pelo próprio sucesso ou fracasso. Esse processo promove o empoderamento do aprendiz que se vê compelido a realizar ações e mudanças na sua própria vida. (FREIRE, 1987; FIGUEROA, 1993). Entretanto, se por um lado é importante que os futuros professores de LI ajam de forma mais autônoma em relação ao seu próprio aprendizado e formação profissional, é necessário também que a Universidade, representada pela Direção e Colegiado do Curso, avalie os motivos que contribuem para que nem todos os parâmetros traçados no perfil desse egresso sejam contemplados ao final do mesmo, principalmente os que se referem ao domínio da linguagem oral. Assim, essa pesquisa contribuiu indiretamente para dar visibilidade a essa questão tão importante, que tem sido polêmica na formação de futuros professores. REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, J.C.P.de. Dimensões Comunicativas no Ensino de Línguas. Campinas: Pontes, 1993. ______, J. C. P. de. Crise, Transições e Mudança no Currículo de Formação de Professores de Línguas. In: FORTKAMP, M.; TOMITCH, L. Aspectos da Linguística Aplicada. Florianópolis: Insular, 2000. p. 33 - 47. ALVAREZ, M. L. O. Crenças, motivações e expectativas de alunos em um curso de formação Letras / Espanhol. In: ALVAREZ, M. L. O.; SILVA, K. A. da (Org). Linguística Aplicada Múltiplos Olhares. Brasília: UNB; Campinas: Pontes, 2007. p. 191 - 231. BARCELOS, A. M. F. Metodologia de Pesquisa das Crenças sobre Aprendizagem de Lín118

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AÍ, DAÍ E ENTÃO: CONTEXTOS DISCURSIVOS E VARIAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA AÍ, DAÍ Y ENTÃO: CONTEXTOS DISCURSIVOS Y VARIACIÓN SOCIOLINGUÍSTICA Marília Vieira Universidade de São Paulo - USP / Universidade Estadual de Goiás - UEG

Resumo: Este trabalho analisa qualitativamente contextos em que aí, daí e então atuam como variantes de uma variável. Parte-se dos casos em que estas formas tem função dêitica, com vistas a demonstrar sua variabilidade em dois conjuntos de dados – juntivos e marcadores discursivos. Nos termos da Sociolinguística (Labov, 2006) e das teorias sobre gramaticalização (Givón, 1995), analisam-se os usos desses articuladores em amostras de fala de Campo Grande (MS) e São Paulo (SP), atestando sua intercambialidade em cinco contextos de uso. Palavras-chave: variação; gramaticalização; contextos.

Resúmen: Este trabajo analiza cualitativamente contextos donde aí, daí y então actúan

como variantes de una variable. Son estudiados los casos en que estas formas tienen función deíctica, con el fin de demostrar su variabilidade en dos conjuntos de datos – juntivos y marcadores discursivos. Bajo la Sociolinguística (Labov, 2006) y las teorías de la gramaticalización (Givón, 1995), analizanse los usos de estos articuladores en muestras de voz de Campo Grande (MS) y São Paulo (SP), compróbandose su intercambialidad en cinco contextos de uso. Palabras-clave: variación; gramaticalización; contextos de uso.

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1. INTRODUÇÃO A premissa básica para um estudo variacionista é a de que dois enunciados tenham o mesmo valor de verdade (Labov, 1978; Lavandera, 1978). No nível fonético-fonológico, esse princípio parece ser indiscutível, já que não haveria nenhuma objeção aparente a admitir- se, por exemplo, que planta e pranta têm o mesmo significado referencial em qualquer contexto linguístico. Além do nível fonético-fonológico, contudo, é necessário demonstrar se os elementos analisados funcionam, de fato, como variantes de uma variável. Parece ser este o caso de aí, daí e então quando utilizados como articuladores de orações, como em (1): (1) eu fiz de novo a sétima série e a oitava daí eu concluí e fui pro Maria Eiza aí eu fiz lá o primeiro e o segundo em Contabilidade era técnico né? o curso an- tigamente você terminava já com a profissão né? só que eu engravidei eu tinha dezoito anos e fiquei grávida mãe solteira então eu tive que parar né? porque eu trabalhava durante o dia eu tinha a minha filha pra dar atenção (CG38FS- Emília) Com o intuito de identificar e descrever os contextos em que esses três articuladores se revelam intercambiáveis entre si, utiliza-se de uma amostra de 96 entrevistas, realizadas nas capitais Campo Grande (MS) e São Paulo (SP) 1. No exemplo, verifica-se a ocorrência de aí, daí e então como articuladores de orações cujos eventos que elas descrevem ocorrem numa sequência. Ao mesmo tempo em que interligam orações, aí, daí e então estabelecem nexos semânticos entre elas, guiando a interpretação do ouvinte. 1 Os trechos de fala de informantes paulistanos foram retirados do Projeto SP2010: construção de uma amostra de fala paulistana (http://projetosp2010.fflch.usp. br/). Os de Campo Grande integram um córpus de 48 entrevistas gravado pela autora. O código que acompanha cada excerto representa o perfil do informante: sua cidade (CG- Campo Grande; SP – São Paulo); sexo/gênero (M - masculino; F - feminino), sua idade (em número, representada por dois dígitos), seu nível de escolaridade (C- (colegial) médio; S - Superior) e, no caso dos informantes paulistanos, há duas letras a mais, que indicam a região da capital paulista onde tal informante vive (V – Centro velho ; E – Centro expandido; P – Periferia) e a zona onde se localiza seu bairro (L – Leste; O – Oeste; N – Norte; S – Sul; C – Centro). 122

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Sabe-se que, originalmente, aí, daí e então são formas dêiticas (Tavares, 2003). Sua propriedade de articular orações é resultado de mudança linguística por gramaticalização. Nesse processo, um determi- nado elemento pode adquirir funções diversas dependendo do contexto em que é empregado. De modo geral, um item lexical passa a assumir funções gramaticais que não desempenhava em recortes diacrônicos mais tempranos, podendo inclusive vir a desenvolver papel na organização interna do discurso e em estratégias comunicativas, ainda que determinadas nuances semânticas desses vocábulos possam ser preservadas (em certos contextos) por um longo tempo na sua trajetória de mudança (Bybee et al., 1994). Com base no aporte teórico da sociolinguística variacionista (Labov, 2006) e das teorias da gramaticalização (Givón, 1995; Hopper & Traugott, 1991), este trabalho dedica-se ao estudo dos contextos em que as formas aí, daí e então podem ser intercambiadas entre si. Para isso, parte-se do conceito de continuum, que ajuda a esclarecer as múltiplas funções que tais formas desempenham na língua, mas em virtude do qual nem sempre é possível delimitar as fronteiras entre tais funções. Ao reportar convergências e divergências de uso de aí, daí e então, a análise comparativa que este trabalho propõe pode revelar se as propriedades desses itens se revelam como gerais no português brasileiro, ou se apresentam características de uso específicas em comunidades de fala diferentes. Além de indicar particularidades de uso nas duas capitais, tal estudo comparativo pode revelar se, ao utilizar aí, daí e então, em contextos discursivos específicos, campo-grandenses e paulistanos se pautam em correlações entre essas formas e imagens de status social. 2.

ENVELOPE DE VARIAÇÃO

Segundo Van Dijk (1977), os articuladores de orações possuem função pragmática, isto é, estabelecem relações entre atos de fala, e não entre fatos denotados. Para o linguista, uma descrição dos articuladores não pode simplesmente ser dada em termos de certos aspectos do sentido (condições de verdade ou de satisfação das proposições), mas requer uma interpretação em termos de funções com respeito a contextos pragmáticos. Ao propor a organização de aí, daí e então em dois conjuntos de dados (o dos juntivos, o dos marcadores discursivos), este estudo, a exemplo de Van Djik (1977), considera as peculiaridades semântico-pragmáticas dos articuladores, limítrofes entre si, mas também o fato de que juntivos e marcadores são categorias funcionalmente diferentes. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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2.1.

AÍ, DAÍ E ENTÃO DÊITICOS

A delimitação dos contextos de intercambialidade de aí, daí e então realiza-se mediante o cotejo com sua forma dêitica. Logo, embora seja possível identificar o uso de tais elementos com três funções distintas (dêiticos, juntivos e marcadores discursivos), tanto na fala campo-grandense como na paulistana, eles não podem ser empregados intercambiavelmente quando seu valor é adverbial: (2) ah sempre tem tem aqueles sonhos aquelas ambições qualquer um tem mas é eu sempre pego e passo e (xxx) um terreno baldio do lado do meu bairro lá [ 2e penso “aqui poderia ser um ótimo ginásio” pra essas meninas essas crianças não ficar aí jogando bola no meio da rua] (CG36MC-César)

A ideia é de um daí em contraste com um “daqui”, sube tentido. Além desta, parece possível interpretar que daí tenha valor conclusivo/consecutivo: o ginásio leva à consequência de que as crianças não tenham que ficar jogando bola na rua. Por outro lado, em “pra essas meninas essas crianças não ficar então jogando bola no meio da rua”, não há interpretação com valor adverbial possível para então. Neste caso, o item também parece ser móvel na sentença diferentemente de aí e daí como dêiticos. Então pode ser interpretado, aqui, como um consecutivo/conclusivo ou como uma estratégia de planejamento do discurso (Marcuschi, 1986). Em função dêitica, o uso de daí também bloqueia o intercâmbio com aí e então: (3) meus vizinhos... tem... o L. o S. o P.... desde quando eu tenho cinco anos... uns vinte... a gente cresceu junto... a partir daí... mais ou menos uns (CG21MS- Júlio) Em (3), a substituição por aí tornaria a sentença agramatical, já que daí é justamente o resultado da contração com preposição de em “a partir (de) aí”. O mesmo ocorreria com então, ainda que, com este, não ocorra contração (“a partir de então”). Casos em que então é o dêitico originalmente empregado parecem ser ainda mais resistentes a uma tentativa de substituição por aí ou daí, a exemplo de (4): 2 124

Os colchetes delimitam as sequências discursivas em enfoque. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014


(4) quando foi nascer meu segundo filho eu troquei de apartamento com a minha mãe ela foi morar no meu apartamento e [eu vim morar aqui que é o dela e eu estou morando aqui desde então há... de novo né?] depois de adulta há onze anos (SP45FSVC-PolianaM) No exemplo (4), aí ou daí no lugar de então resultariam num período agramatical. Desde aí, embora possível na língua, não parece caber neste contexto temporal (talvez em razão da presença de aqui no período, a interpretação de aí fique condicionada a um sentido espacial). Logo, se a condição básica para um estudo variacionista é a de que, para serem considerados variantes de uma variável, dois enunciados precisam ter mesmo valor de verdade (Labov, 1972; 1978; 2001; Lavandera, 1978), exemplos como (2), (3), e (4) – que ilustram empregos dêiticos de aí, daí e então – não caberiam num tal estudo. 2.2.

JUNTIVOS E MARCADORES DISCURSIVOS

Diferentemente dos exemplos (2-4) discutidos acima, há casos em que aí, daí e então parecem poder ser intercambiados entre si num mesmo contexto: (5) trabalhei em ban/ tudo assim como secretária... aí parei de trabalhar quando meus filhos estavam acho que dezoito anos... que ela estava eu voltei a traba- lhar aí fui trabalhar numa... clínica médica... agora sou uma senhora aposentada... cuidando do neto e também aí aí vai vai tomando uns rumos diferentes a vida da gente né? (SP77FCPS-VeraD) O trecho em (5) é uma sucessão de acontecimentos codificados em sentenças conectadas por aí. A importância dessa conexão não é só sintaticamente importante, mas também semântica, pragmática e discursivamente – pois antecipa para o interlocutor uma sequência de eventos que podem estar vinculados de maneira temporal ou causativa, por exemplo. Neste trecho, aí não veicula um significado lexical (ou seja, não funciona como dêitico), mas detém propriedades argumentativas. Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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Pode-se dizer que em (6), da mesma forma que em (5), há um sequenciamento temporal de eventos e ações. Se em (5) tal sequência é intermediada por aí, em (6) ela é desempenhada por daí: (6) é difícil a situação que ela está passando né que eh compra daí alaga tem que comprar de novo ou perde tudo de novo né? (SP41CPL-RuthC) O fato é que, em (6), há uma ordem necessária (que, no exemplo, contribui inclusive para a criação de um sentido de ironia): primeiro compra (o que quer que seja – possivelmente móveis e eletrodomésticos para uma casa), daí alaga, daí tem que comprar (tudo) de novo. Já em (7), estabelece-se uma relação de causa e consequência: (7) eu fui o primeiro neto o primeiro sobrinho... então eu fui o mai/ paparicado (CG51MC-Maurício) Em (5), (6) e (7), apesar de nuanças semânticas relativas aos ele- mentos aí, daí e então, especificamente, ou relativas ao efeito de sentido que se cria com a interligação das sentenças com esses elementos, a função de sequenciamento ou encadeamentos de ações ou eventos parece poder ser desempenhada indistintamente pelos três. Casos como (5-7) são frequentes tanto na amostra campo-grandense quanto na paulistana. Nesses – em que se estabelece uma ordem (necessária ou não) de eventos/ ações, com ou sem uma noção de causa-consequência – propõe-se o rótulo “juntivos” para aí, daí e então, assim como fazem Braga e Paiva (2003). Os exemplos abaixo trazem outros casos em que a intercambilidade entre aí, daí e então é constatada em estruturas muito semelhantes, do ponto de vista estrutural, semântico e pragmático. Nestes, os três juntivos foram inseridos no período, mas o primeiro da lista, em cada exemplo é aquele que foi originalmente encontrado na entrevista indicada: (8) cacabei não avisando minha vó que minha vó que ia me buscar na escola né? daí/aí/então ela ficou desesperada achou que tinha acontecido alguma coisa (CG25FS-Adriana) 126

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As amostras campo-grandense e paulistana também revelam contextos em que aí, daí e então não se enquadram nessa categoria que se propôs chamar de juntivos: (9) por também alguma/ algumas questões eh econômicas e tal [ela precisou voltar a trabalhar aí ela ela voltou] o meu pai também trabalhava né? (SP31MSPS-CarlosJ) Em (9) aí aparece com com significação lexical reduzida. Introduz o resgate dos termos em negrito itálico; em outras palavras, articulam sua reintrodução no discurso. Entende-se que, nestes casos, a função desempenhada por esses elementos é mais de natureza discursiva; com seu esvaziamento semântico, emerge sua propriedade anafórica. Diferentemente dos chamados “juntivos”, estes serão aqui nome- ados de “marcadores do discurso” – no sentido de Braga e Paiva (2003). Para esses, o argumento a favor da intercambiabilidade (sem prejuízo à significação) se constrói justamente pela perda de carga semântica e reforço de propriedade discursiva. 3. JUNTIVOS O uso de juntivos consiste em guiar o processo de compreensão do interlocutor mediante a especificação de certas propriedades do contexto e dos efeitos contextuais. São vistos não apenas como elementos em torno dos quais o discurso se articula, mas também como guias para a interpretação, como elementos que podem facilitar a compreensão dos enunciados em que aparecem. 3.1.

SEQUENCIAÇÃO ORDENATIVA

O elemento definidor deste contexto é o princípio da assimetria (Lakoff, 1971), que se caracteriza pela impossibilidade de inversão das sentenças. De maneira ordenativa, os juntivos encadeiam ações ou eventos que obedecem a uma hierarquia temporal cronológica e enunciativa: (10) [eu saí procurei um estágio também na zona sul na PUC aí fiquei cinco meses lá] e depois entrei num outro banco também lá na zona sul na na na Marginal Pinheiros perto da Berrini ali (SP32FSEO-RebecaC) Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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(11) fiquei cinco meses lá aí eu saí procurei um estágio também na zona sul na PUC Para (10), a inversão da ordem original das sentenças, respectivamente em (11), resulta em um período semanticamente descaracterizado no contexto de cada excerto. Este é o argumento a favor de que estes sejam nomeados como casos de sequenciamento ordenativo por intermédio de aí, daí e então. 3.2. SEQUENCIAÇÃO NÃO ORDENATIVA Um estágio resultante da sequenciação ordenativa, no continuum da gramaticalização, é definido pelo princípio da simetria (Lakoff, 1971). Aqui, o critério cronológico das ações elencadas não se coloca e a sua ordem de enunciação é deliberativa. (12) [minha família minha família é eu minha mãe e meu avô eu minha mãe meu irmão e meu avô né? aí de parente assim... eu eu nunca para você ter noção eu não conheço me/ meus tios e minhas tias] (CG20MC-Marcelo) (13) de parente assim... eu eu nunca para você ter noção eu não conheço me/ meus tios e minhas tias aí minha família minha família é eu minha mãe e meu avô eu minha mãe meu irmão e meu avô né? Diferentemente do que se viu a respeito de 10), o par (12)/(13) caracteriza orações simétricas, para as quais não há uma ordem necessária de enunciação dos eventos/ações codificados nas orações articuladas por aí, daí e então. 3.2. CAUSA-EFEITO Este conjunto de dados, a exemplo do anterior, também constitui um desdobramento direto da noção de sequenciamento ordenativo (Tavares, 2009). A noção introduzida pelos articuladores é sempre a de uma ação ou evento desencadeado por outro, como se observa em (14). 128

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(14) se você morasse aqui você ia conhecer tudo aqui daí você não ia precisar fazer a pesquisa (CG20MC-Marcelo) Nesses casos, a ordem de enunciação das sentenças é flexível (de modo que se pode enunciar o efeito antes da causa). Essa reordenação se faz, contudo, apenas no plano discursivo. 4.

MARCADORES DISCURSIVOS

Diferentemente dos juntivos, os marcadores são caracterizados por articular sentenças com um “significado nuclear” (Schiffrin, 1987) que lhe dá uma identidade. Em alguns casos, podem relacionar apenas a realidade semântica (os “fatos”) de duas sentenças. Aí, daí e então como marcadores do discurso se organizam em dois conjuntos de dados, de acordo com a exemplificação a seguir. 4.1. REPETIÇÃO DE TÓPICO DISCURSIVO Em casos de repetição de tópico discursivo, o falante reintroduz – com o emprego de aí, daí e então – sintagmas ou elementos constituintes de orações anteriormente enunciadas: (15) eu confesso que eu me... identifiquei com o serviço administrativo e... peda- gógico e... [eu gosto bastante] é tranquilo é assim porque é Educação né? a gente... na verdade nós somos os bastidores da da Educação [então é... eu gosto bastante por isso] (CG26FS-Celina) Em (15), os termos destacados são reintroduzidos no discurso por aí, daí e então. Em exemplos como esses, as formas articuladoras desempenham papel de marcadores discursivos, pois contribuem para a adesão do interlocutor ao tópico conversacional. 4.2. SÍNTESE Derivados dos casos de reintrodução de tópico discursivo (Tavares, 2003), há contextos em que aí, daí e então, atuam como “sinalizadores” do encerramento do turno conversacional e do tópico discursivo (Tavares, 2003). Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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(16) adorei o Rio f/ a gente ficou em Santa Teresa meu é muito lindo lá [daí é isso] (SP26FSEO-VivianeC) No papel de introduzir uma sintetização de ideias, aí, daí e então recuperam sucintamente informações anteriormente expostas, mas sem retomada explícita de itens anteriormente mencionados. Aqui, a oração que vem depois do marcador parece trazer sempre algum pronome demonstrativo (isso) ou um advérbio de modo (assim). 5. CONCLUSÃO A análise qualitativa de dados extraídos de entrevistas sociolinguísticas coletadas em Campo Grande e São Paulo constata que aí, daí e então funcionam como variantes de uma variável na função de articula- dores de sentenças. Tal função subdivide-se em casos nos quais esses itens atuam como juntivos ou marcadores discursivos. A discussão desses subtipos identifica diferenças sintáticas e, sobretudo, semântico- pragmáticas entre eles. São também frequentes, nas amostras analisadas, ocorrências em que então, apesar de se constituir como um marcador, não permite a in- tercambiabilidade com aí e daí. Nesses casos, o falante se utiliza catego- ricamente de então para planejar o discurso, preparando o ouvinte para o que será dito, em vez de ir direto ao ponto. Juntivos e marcadores, conforme demonstra a discussão que este artigo desenvolve, são tipos de sequenciamento de orações cujos eventos ou ações codificadaos em orações são variavelmente articulados por aí, daí e então. Os dados desses dois “tipos” constituem um mesmo envelope de variação e cada um desses “tipos” ou papéis constituem-se como fatores de um grupo. O estudo de aí, daí e então em subconjuntos de juntivos e discur- sivos pode não só ajudar a definir as propriedades de tais itens em seus respectivos grupos de análise, mas também a evidenciar, em análises quantitativas futuras, quais são as tendêndias de uso de juntivos e marcadores discursivos em Campo Grande e São Paulo. Assim sendo, a análise variacionista de aí, daí e então poderá revelar se há especificidades de uso de tais articuladores em duas comunidades de fala distintas; permitirá discutir se, ao optar por uma ou outra das formas, o falante está sujeito a algum tipo de avaliação social e se essa possível avaliação é a mesma nas duas capitais. Em um estágio poste- rior da pesquisa, as análises qualitativas aqui realizadas conduzirão a resultados quantitativos. REFERÊNCIAS BRAGA, M. L; PAIVA, M.C. Do advérbio ao clítico é isso aí. In: RONCARATI, C; ABRAÇADO, J. (Orgs.). Português brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e história. Rio de Janeiro: 7Letras, 2003, p.206-212. 130

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A FIGURA DO NARRADOR DE LE GOÛT DES JEUNES FILLES, DE DANY LAFERRIÈRE LA FIGURE DU NARRATEUR DE LE GOÛT DES JEUNES FILLES, DE DANY LAFERRIÈRE Samuel Leal de Carvalho Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Resumo: Este artigo faz uma reflexão sobre a figura do narrador autobiográfico de Le goût des jeunes filles que integra a obra Une Autobiographie Américaine, de Dany Laferrière, composta por dez livros. Tal estudo se divide em quatro partes: a primeira, em que abordamos brevemente a biografia e a obra do autor; a segunda, em que discutimos a aventura autobiográfica do escritor; a terceira, em que apresentamos a estrutura do livro; e a quarta, em que discutiremos a figura do narrador como um “eu-estrangeiro”. Palavras-chave : Dany Laferrière ; autobiografia ; eu-estrangeiro. Resume: Cet article fait une réflexion sur la figure du narrateur autobiographique de Le goût des jeunes filles qui intègre l’oeuvre Une Autobiographie Américaine, de Dany Laferrière, composée de dix livres. Telle étude se divise en quatre parties: la première, où nous abordons brièvement la biographie et l’oeuvre de l’auteur ; la deuxième, où nous discutons l’aventure autobiographique qui présente l’écrivain; la troisième, avec la structure du livre et la quatrième, où l’on discute la figure du narrateur comme un « moi-étranger ». Palavras-chave : Dany Laferrière ; autobiografia ; eu-estrangeiro.

1.

DANY LAFERRIÈRE: AUTOR DE LE GOÛT DES JEUNES FILLES

Dany Laferrière é escritor quebequense desde 1985, época em que publica seu primeiro livro Comment faire l’amour avec un Nègre sans se fatiguer, em Montréal, Canadá. Segundo expressão usada por Eurídice Figueiredo, professora da UFRJ, o livro caiu como uma “bomba” na América do Norte, sobretudo no Canadá. Nesse livro, bem como em Cette grenade dans la main du jeune Nègre est-elle une arme ou un fruit?, quinto livro de Revista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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Dany Laferrière, a temática gira em torno da alteridade racial, ao passo que L’odeur du café e Le goût des jeunes filles, livros haitianos, não sofrem influências dessa temática. Laferrière escreveu Le goût des jeunes filles, um livro dedicado os homens1 de sua família, com o objetivo de reencontrar-se com seu moi adolescente. O título faz referência à iniciação sexual do jovem Laferrière, que integra a narrativa2 e é centro de convergência da linguagem sinestésica que constitui o livro. A tentativa de Laferrière de se lembrar do país natal, à época da adolescência, explica por que o livro não traz nenhuma discussão profunda sobre a alteridade racial, pois, segundo Pierre Naville, falar de sonhos e pulsões coletivas como das pulsões sexuais do indivíduo é “retornar à ordem natural das coisas, já que, ao contrário seriam as condições econômicas e as lutas de classe que determinariam as condições reais da sexualidade individual”3. Ademais, é conveniente ressaltar que o preconceito racial não faz parte da realidade haitiana, uma vez que, lá, toda a população é negra. Windsor Klébert Laferrière nasceu no Haiti em 1953. O pseudônimo “Dany” fora-lhe dado pela avó, Da, ou pela madrinha, quando o autor ainda era criança. Participa de um novo grupo literário no Canadá, o da “literatura migrante”, além de ter sido laureado com o Prêmio Carbet do Caribe por L’odeur du café, um livro dedicado às mulheres4 de sua família, e o Prêmio Edgar-Lespérence por Le goût des jeunes filles. Recentemente, no fim de 2009, recebeu do Prêmio Médicis5, na França, pelo livro L’énigme du retour. Além disso, os livros La chair du maître e Le charme des après-midi sans fin estão na lista dos best-sellers no Québec e se beneficiam de críticas favoráveis em toda parte. A narrativa de migração, da qual Dany lança mão para sua escrita, reúne vários elementos: o exílio, o sentimento de ser estrangeiro e o limiar (espacial, temporal e identitário) são os que aparecem mais frequentemente nas obras dos escritores da migração (Paterson, 2007, p. 19). Dentre os autores quebequenses mais conhecidos desse grupo estão Laferrière, Sergio Kokis, Ying Chen, Marie-Célie Agnant e Régine Robin. Embora Laferrière se insira nessa nova tendência literária, guarda certas reservas. Ao anunciar seus dez livros como uma só obra, dá-lhe o nome de Autobiographie Américaine, propondo uma obra em que o narrador, o personagem e o autor coincidem, mas sem um pacto de “verdade” entre eles. Além disso, a ordem da publicação dos livros não 1 Entrevista concedida a Leipzig por Dany Laferrière apud MATHIS-MOSER, Ursula. Dany Laferrière: la dérive américaine. Montréal: VLB Éditeur, 2003, p. 204 2 LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 183-185 3 NAVILLE, Pierre apud FANON, Frantz. Peau noire, masques blancs. Paris: Seuil, 1995, p. 85 4 Entrevista concedida a Leipzig por Dany Laferrière apud MATHIS-MOSER, Ursula. Dany Laferrière: la dérive américaine. Montréal: VLB Éditeur, 2003, p. 204 5 Le Monde, 04/11/2009

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está de acordo com a ordem cronológica dos acontecimentos narrados sobre a vida do autor. A escritura autobiográfica de Laferrière é repleta de pequenos acontecimentos retirados da memória e que compõem o cenário “romanesco” do autor, mas também é uma escritura tecida e arrematada por fios ficcionais que se harmonizam com o mundo das lembranças. 2.

AVENTURA AUTOBIOGRÁFICA

As experiências vividas pelo autor são, enquanto pessoa empírica, fundamentais, para compreender a obra laferriana. Elas interrompem a prosa ficcional, na escolha vocabular e na associação entre imagens, mostrando-nos muito sobre o modo de estar social, cultural e ideológico do escritor no mundo6. Aliás, as lembranças são “pontes” lançadas pelo narrador entre o passado e o presente. Assim, na discussão com sua tia Raymonde, em Le goût des jeunes filles, o narrador Dany Laferrière, com trinta e seis anos, utiliza a lembrança da avó, a fim de fazer o leitor (re)viver sensações que jazem em um passado em ruínas. - Tu n’as écrit que des mensonges à propôs de mon père... [dit Raymonde] (...) J’ai bien parlé de ma grande-mère... J’ai eu honte au même moment d’avoir dit ça. Tante Raymonde sourit. Radieuse. Comme elle a dû être belle ! Oui, ça c’était bien... Tu as toujours aimé ta grand-mère... On est restés un moment sans parler. Da (ma grand-mère) est parmi nous. Courte trêve7. Philippe Lejeune, em Le pacte autobiographique, de 1975, contribuiu para estabelecer as relações firmes entre os pólos das écritures du moi, isto é, o autor, o narrador e o protagonista. Propôs, através da análise de Confessions, de Jean-Jacques Rousseau, que, para existir autobiografia, é necessário haver um pacto de “verdade” entre esses três pólos. Dessa forma, qualquer transparência que resulte desse pacto será reivindicada pelo escritor como de sua autoria ou de seu testemunho (1975, p. 117). 6 Desassossego, identidade e a poesia lírica. In: SANTOS, Irene Ramalho. Poetas do Atlântico: Fernando Pessoa e o modernismo anglo-americano. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007, p. 326 7 LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 18-19

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No caso de Jean-Jacques Rousseau é bastante pertinente enunciar um pacto de “verdade”, já que o escritor usa de uma linguagem criteriosa para o exame profundo de seu próprio ser. J’avertis donc ceux qui voudront commencer cette lecture, que rien, en la poursuivant, ne peut les garantir de l’ennui, si ce n’est le désir d’achever de connaître un homme, et l’amour sincère de la justice et de la vérité (ROUSSEAU, 1968, p. 21). Tal linha de análise excluiria do gênero autobiográfico as narrativas dos livros de Dany Laferrière. O autor confessa, no início de Le goût des jeunes filles, não ter compromisso nenhum com a “verdade”. Através de uma discussão com sua tia Raymonde sobre a “veracidade” do livro que havia escrito, L’odeur du café, o eu-narrador mergulha seu leitor em um universo imaginado, no qual a identidade entre autor, narrador e protagonista está sempre em movimento entre a realidade e a ficção. - Comment ça, tante Raymonde? Le doigt se fait plus menaçant qu’un couteau mexicain sous ma gorge. Ton livre est faux de bout en bout. Ah ! j’aurais dû m’en douter... Tout ça n’était qu’une mise en scène pour en arriver là, à ce point précis. LE LIVRE. Je venais de publier, il y a quelques mois, un petit livre à propos de mon enfance et je lui en avais donné un exemplaire... Elle m’avait dit, il y a deux mois, qu’elle l’avait lu tout de suite, en trois jours. Un peu chez elle, un peu à l’hôpital. Curieusement, elle ne m’a plus jamais reparlé du livre. J’ai essayé une ou deux fois de lui tirer les vers du nez. Rien. Et aujourd’hui, vlan ! Rien n’est vrais dans ce livre. Rien ? Oui, rien, dit-elle avec un air de défi. Tante Raymonde se lance en trois bonds vers une petite étagère où mon livre se trouve avec quelques bouquins de recettes de cuisine. Elle le prend, l’ouvre, le renifle comme s’il sentait mauvais. Je choisis d’éviter l’affrontement. Bien sûr, tante Raymonde, c’est de la fiction. Naturellement, elle ne marche pas. 136

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Ah non, tu ne vas pas t’en tirer comme ça... Quand on ne sait pas quoi dire, on ne met pas les noms des gens dans son affaire...8 Em 2007, 32 anos após escrever Le pacte autobiographique, Lejeune concede entrevista a Magazine Littéraire, revelando novas opiniões sobre o assunto. Afirma, então, que a autobiografia é uma proposta ao leitor para entrar na magia da existência de um “outro” (2007, p. 23), a fim de atingir o autoconhecimento. Dessa forma, podemos propor o inverso, ou seja, o autor se dispõe a um jogo de espelhos com um “outro” (estrangeiro), em si mesmo, e cuja finalidade também é o autoconhecimento. No “romance” autobiográfico, a memória do escritor se faz também sentir nos nomes ou personagens que povoam seu imaginário, por meio dos quais e nos quais o autor se escreve. Assim, nomes reais ou fictícios operariam na literatura laferriana, a partir das sensações experimentadas pelo “eu” através de deslocamentos no espaço. Tais deslocamentos aguçariam, por sua vez, a capacidade de se analisar por meio de um distanciamento cultural que abriria espaço ao moi étrange, ao des-conhecido. Os nomes que acompanham a obra de Dany Laferrière são, dessa maneira, identidades re-conhecidas durante sua “caminhada” pela América do Norte. 3.

A ESTRUTURA

A estrutura narrativa de Le goût des jeunes filles dá contorno a uma pulsão do personagem principal ora para com o exterior, ora para com o interior, aspirando, através da interiorização da paisagem externa, a um conhecimento mais profundo. O livro é dividido em duas partes: uma no presente, em Miami, no EUA, e outra parte, em forma de roteiro de filme, num passado distante, em Port-au-Prince, no Haiti. O enredo da história passa-se em Port-au-Prince, capital do Haiti – Week-end à Port-au-Prince, cenário de filme imaginado pelo eu-narrador e que cobre cento e setenta e uma páginas das duzentas e sete que compõem o livro. Week-end à Port-au-Prince é um filme escrito, filmado e realizado por Dany Laferrière com um orçamento baixo, sem ator profissional, com uma equipe reduzida ao máximo e, “naturellement”, em preto e branco9. O cenário de Week-end à Port-au-Prince é construído, segundo a percepção do “eu”, com entradas e saídas bruscas, chamando a atenção do olhar do leitor ao imitar, assim, uma 8 9

LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 17-18. LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 32-33

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montagem cinematográfica10. Week-end à Port-au-Prince é precedido de dois longos trechos introdutórios, “Opus I” e “Opus II”, ambos refletindo a relação entre representação e realidade. “Opus I” é intitulado Vingt ans plus tard, une petite maison à Miami, localizando o leitor no presente, quando o eu-narrador tem trinta e seis anos, em Miami; ao passo que, em Week-end à Port-au-Prince, o leitor é mergulhado no universo imaginado do eu-narrador aos dezesseis anos. No fim de “Opus II”, intitulado Ne jamais quitter ma salle de bains, o eu-narrador entra na banheira cheia d’água em sua casa, em Miami, e se prepara para imaginar o filme do qual é o único espectador11. Na última página de Week-end à Port-au-Prince, a nota de rodapé, Je sors du bain, religa o passado imaginado em Port-au-Prince ao presente, em Miami. O fascínio do escritor pelo duplo é responsável por criar, em seus romances, personagens que são uma espécie de duplo do eu-narrador. Em “Opus I”, o eu-narrador se confronta com sua tia Raymonde, a propósito de L’odeur du café, que ela insiste ser “falso” (LAFERRIÈRE, 1992, p. 17). Em “Opus II”, diante do espelho, confronta-se com seu duplo sobre a justificativa de uma arte não engajada e surrealista, durante tempos difíceis; mostrando, através da figura de Magloire Saint-Aude, duas facetas do mesmo eu-personagem. Trois heures plus tard, je me parle devant un petit miroir ovale. Moi et l’autre. L’AUTRE Tu fais semblant d’oublier que Magloire Saint-Aude n’a jamais été inquiété sous le régime de Duvalier. MOI C’est une bonne chose... L’AUTRE Peut-être, mais veux-tu savoir pourquoi il n’a pas été inquiété ?12 Convém, aqui, esclarecer a importância do poeta Magloire Saint-Aude. Clément Magloire nasceu em Port-au-Prince, em 1912. Depois de uma adolescência sem grandes acontecimentos, sai de casa, trabalha como jornalista e escreve sob o pseudônimo de Ma10 Vale ressaltar que LAFERRIÈRE, após escrever os dez livros que compõem Une Autobiografie Américaine, dedica-se ao cinema, fazendo adaptações de vários de seus romances, dentre eles Le goût des jeunes filles. 11 LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 32 12 _________. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 27-28

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gloire Saint-Aude. Sua primeira coletânea de poemas, Dialogue de mes lampes et Tabou, de 1941, recebeu críticas favoráveis que reconheceram influências do simbolismo e do surrealismo. Mais tarde, Saint-Aude escreveu Paris, de 1949, Ombres et reflets, de 1952, e suas últimas publicações, Déchu e Veillé, ambas de 195613. A figura de Magloire Saint-Aude é inserida, na narrativa de Le goût de jeunes filles, como uma seleta de poemas que o eu-narrador lia, quando adolescente. O livro do poeta lhe é enviado do Haiti pela mãe que o encontrou por acaso em seu armário14. Em toda a narrativa de Week-end à Port-au-Prince, vários versos de Saint-Aude são escolhidos, como epígrafes de cada capítulo, reconfigurando-os segundo o que Gérard Genette chamou de paratextualité15, isto é, a relação entre texto e textos enquadrantes, como títulos, subtítulos, prefácio, sinopse, anotações, epígrafes, etc. As epígrafes do texto de Laferrière estão em constante relação com os capítulos que as contêm, ao representar um ponto de ancoragem para o protagonista. Os versos de Saint-Aude funcionam como um espelho, para o “eu” multifacetado do narrador, e refletem um adolescente intelectual em crise. O « eu » autobiográfico de Laferrière não é traduzido, enquanto “essência” de um ser unitário; mas, sim, como um sujeito pós-moderno, múltiplo e fragmentado, que pode se refletir tanto em um passante pela rua, como na história de um amigo. Em Le goût des jeunes filles, o amigo de infância, Gégé, é personagem que integra a narrativa espelhando o eu-narrador, através de um estratagema bem interessante que é o de ter precedência da figura do personagem secundário sobre a do protagonista. Dessa maneira, dar tamanha importância ao personagem secundário significa viver com ele e confrontar-se com a possibilidade ou não de ser um “outro”. Significa, ainda, uma aptidão de estar no lugar de outro, de se pensar e se fazer outro de si mesmo16. Des fois, j’oublie que je suis recherché. Je me demande où se trouve Gégé en ce moment. Sûrement en train de monter un coup. Comme je le connais, et je le connais bien, Gégé est déjà sur une autre piste. Pour éviter qu’on puisse l’identifier, Os dados biográficos de Magloire Saint-Aude foram colhidos de GLEMAUD, Marie-José. Semiotique de l’espace poétique de Magloire Saint-Aude. http://www.refer.sn/ethiopiques/article.php3?id_ article=921, data do último acesso: 03/08/2009 13

14 LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 24 15 GENETTE, G. apud MATHIS-MOSER, Ursula. Dany Laferrière: la dérive américaine. Montréal: VLB Éditeur, 2003, p. 199 16 KRISTEVA, Julia. Etranger à nous-mêmes. Fayard: França, 1988, p.25

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il a certainement changé de chemise, mais c’est tout. Toujours en mouvement, Gégé. C’est difficile d’atteindre une cible mouvante. Moi, je reste là, fixe17. 4.

A FIGURA DO NARRADOR: UM “EU-ESTRANGEIRO” O jogo de nomes, para o sujeito escrevente, pressupõe uma ficção que opera, por sua vez, uma descontrução do moi unitário e reconfigura-o sob uma nova forma (MATHIS-MOSER, 2003, p. 264). La réalité perçue se transforme en image, l’image se fait plus réelle que la réalité (MATHIS-MOSER, 2003, p. 249). O princípio criador do “outro laferriano” passa necessariamente pelo pronome de primeira pessoa que se projeta, por sua vez, em um pronome de terceira pessoa, mais perfeito ou mais desejável que o eu-narrador. Dessa maneira, a autoficção18 revela-se um espaço ideal, para oferecer oportunidades de criação de sensações estranhas e multiplicadas daquelas que experimentamos ou são-nos possíveis na vida “real”. Saussure, em seu Cours de linguistique générale, definiu o signo como a relação entre o significante e o significado. Influenciado pelo pai da psicanálise, Freud, e pelo criador do estruturalismo, Lacan19 afirma que o sujeito é constituído por uma linguagem que não cessa de se “escrever” e o corpo é o referente para o conjunto psicológico – consciente e inconsciente – que compõe o sujeito empírico. O filósofo da psicanálise definiu o sujeito como um efeito do significante, isto é, je é um efeito de moi. Para Lacan, o espelho é de suma importância na formação do sujeito, pois é nele que o homem se vê, se reflete e se concebe como “outro” que não ele mesmo. Pasqualine s’épile complètement la jambe avant de la bassiner avec de l’alcool soixante degrés. Miki caresse la jambe de Pasqualine allongée sur le bois clair. Le tranchant du rasoir fait un curieux bruit. Une fourmi marche tranquillement sur le miroir avant de ’arrêter au beau milieu. Elle a dû voir son double20. 17 18

LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 102 Para ver sobre “autoficção”, FIGUEIREDO, Eurídice. Dany Laferrière: autobiografia, ficção ou

autoficção? In: Interfaces Brasil/Canadá. Rio Grande: ABECAN, 2007. n. 7.

19 CUKIERT, Michele, PRISZKULNIK, Léia. Considerações sobre eu e o corpo em Lacan http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2002000100014&tlng=en&lng=en&nrm=iso, último acesso 16/08/09 20 LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 57

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Je, por um lado, é um sujeito amorfo que se constrói, na escrita autobiográfica, e se identifica com um moi, objeto de seu desejo. O “eu”, por outro lado, é também a resultante do objeto de desejo do “outro” ao qual o sujeito se identifica. O sujeito, escritor autobiográfico, é um corpo des-humanizado, cuja percepção do mundo é apreendida pelos próprios olhos – uma espécie de janela e espelho da “realidade” – e cuja cabeça é o próprio braço provido de uma mão inteligente que traça, constantemente, seu próprio umbigo. Isso nos faz lembrar da obra de Hans Bellmer, La poupée, de 1936. Assim como aparece no sonho, [o corpo] pode deslocar caprichosamente o centro de gravidade de suas imagens. Inspirado por um curioso espírito de contradição, ele superpõe a algumas delas o que suprime em outras (...), para realizar condensações, provas de analogias, ambigüidades, jogos de palavras, estranhos cálculos de probabilidade anatômicos21.

Hans Bellmer, La poupée (1936)

A imagem do “eu”, indissociável da convivência com um “ele”, é o que denominamos moi étrange. Isto é, a marca existencial da multiplicidade do homem contemporâneo, expressa através da fragmentação do sujeito empírico escrevente. Assim, tal marca, considerada um fenômeno de “duplicidade”, estabelece uma relação mental entre o “familiar” e o “estranho”, de modo que compartilhem um com o outro, conhecimentos, sentimentos e experiências em comum22. Esse caso se revela bastante particular em autores que utiliza21 BELLMER, Hans apud MORAES, E. R. O corpo impossível. São Paulo: Iluminuras, 2002, p. 67 22 FREUD, S. O Estranho (1919). Edição Standard das obras completas de Sigmund Freud. V. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 293

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ram pseudônimos como Stendhal, autor ao qual a crítica literária tem aproximado Dany Laferrière. Stendhal foi mais um dos 171 pseudônimos de Marie-Henri Beyle23. Nominalista, Stendhal acreditava no indivíduo e se esforçou para romper as barreiras da escritura autobiográfica. Preferia uma literatura de detalhes e pequenos fatos verdadeiros a toda estilização conveniente ou idealista da realidade24. Como em Le Rouge et le Noir, de Stendhal, o autor de Le goût des jeune filles se inscreve no texto ficcional, através de nuances e de detalhes resgatados das lembranças de experiências vividas. [L’écriture de Satendhal] n’a pour but que faire coexister deux sensations éprouvées à distance dans le temps et dans l’espace. Un lien double, d’analogie et de contigüité, une métaphore et une métonymie relient des réalités separées, deux villes, une ville et une femme (...) une ville rapelle une autre, et le passé fait retour dans le présent25. Parece que o pseudônimo “Dany” foi sugerido, a fim de protegê-lo e diferenciá-lo do nome do pai. Windsor Klébert Laferrière pai foi perseguido político pelo governo ditatorial de Duvalier, no Haiti, durante os anos sessenta, do século XX26. Assim como “Dany”, o pseudônimo original, não constitui uma identidade própria27, tal “nome” apresenta-se, em Le goût des jeunes filles, como um “eu-duplo” capaz de representar a figura do eu-narrador. Por sua vez, a representação do eu-narrador emerge, no livro, como as lembradas do universo do Dany adolescente, no Haiti. Se, para Laferrière, o distanciamento geográfico é condição para se re-conhecer enquanto haitiano, o “eu-duplo” é um “outro” esfacelado, um reservatório de memórias passíveis de serem re-construídas de uma nova forma, na narrativa ficcional. É o próprio protagonista de Le goût des jeunes filles que confessa enxergar um mundo através de um jogo teatral de esconde-e-mostra. Je ne revele à personne mon secret. Je n’agis pas. Je suis un 23 24 40 25 39-40 26

STENDHAL. O Vermelho e o Negro. Martim Claret : São Paulo, 2004, p. 11 MAUREL, Anne. « Stendhal : de l’égotisme » In : Le Magazine Littéraire mars-avril 2007, hors série, no 11, p. MAUREL, Anne. « Stendhal : de l’égotisme » In : Le Magazine Littéraire mars-avril 2007, hors série, no 11, p. ROYER, André, LAZURE, Stéphanie. Dany Laferrière: Un auteur d’Amérique. http://www.contactto.net/

img/pdf/dossier_laferriere.pdf. Último acesso: 13/02/2008, p. 4

27 LAFERRIÈRE, Dany. « J’écris » apud MATHIS-MOSER, Ursula. Dany Laferrière: la dérive américaine. Montréal: VLB Éditeur, 2003, p. 262

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observateur. J’ai toujours épié les gens. Je veux savoir pourquoi ce théâtre (p. 146). Em toda a obra maior de Laferrière, Autobiographie Américaine, o personagem principal impregna o universo narrativo com sua multiplicidade variante, reforçando o fascínio do autor pelo “eu-duplo”, frequentemente caracterizado em vários romances como um personagem escritor. Ce personnage d’écrivain me permet de m’infiltrer partout (...) Ce personnage n’est pas marié et n’a pas d’enfant alors que je suis marié et que j’ai trois enfants28. O movimento de espelhamento entre o nome do autor, do narrador, do protagonista e de outros personagens que aparecem em Le goût des jeunes filles constitui o que chamamos de “deriva nominal”. A deriva nominal no “romance” coloca em xeque o próprio gênero autobiográfico, pois o caráter ficcional do livro impede um pacto de verdade entre narrador, personagem e autor. Por haver multiplicidade do sujeito, há também deriva espacial e temporal. Conforme afirmou Mathis-Moser, em Dany Laferrière: La Derive Américaine, o conceito de deriva designa, na obra de Laferrière, uma “perda de direção, esteticamente traduzida pela explosão do heterogêneo e da multiplicação do mesmo” (p. 201). Mathis-Moser observou que a estrutura da obra laferriana é responsável por impor equilíbrio à descentralização do sujeito escrevente, por meio dos laços entre a escrita autoficcional e o espaço americano (p. 46). O eu-narrador laferriano se afasta, portanto, do narrador autobiográfico clássico, deslizando por lugares e épocas diferentes que “povoam” o imaginário do autor. Em Le goût des jeunes filles, o narrador tem trinta e seis anos e mora em Miami, sul dos Estados Unidos. Na mesma cidade, moram suas tias Raymonde e Ninine (p. 11), responsáveis por fazer o intermédio entre as encomendas da mãe, que vinham do Haiti, e o filho exilado. Da banheira cheia d’água em sua casa, em Miami, o eu-narrador se transporta em uma deriva mental até o Haiti, motivado por pequenas lembranças do país, como uma carta da mãe (p. 22), cheia de conselhos sobre a boa alimentação, o sono reparador das forças, a precaução contra as doenças venéreas, contra as moças que querem engravidar de qualquer forma e, por fim, um conselho místico a respeito da fé em Cristo. Memórias sempre ligadas, de alguma forma, ao presente, como pequenos souvenirs do país natal, levam o narrador de Le goût des jeunes filles à tensão constante entre o seu universo imaginário e o espaço cultural em que o sujeito empírico se localiza. Ce sont des images inscrites dans ma chair qui m’ont accompagné durant ce long Voyage dans le 28 LAFERRIÈRE, Dany. « J’écris » apud MATHIS-MOSER, Ursula. Dany Laferrière: la dérive américaine. Montréal: VLB Éditeur, 2003, p. 257

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Nord29. Na mesma medida em que a idéia do espaço fragmentado é parâmetro para qualquer análise sobre a obra de Dany Laferrière, o gosto exagerado pelo paradoxo é uma marca indispensável para compreender o eu-narrador de um universo descrito como contraditório e fendido. O paradoxo desse estrangeiro-narrador é o de estar só, mas com cúmplices. Mesmo assim, nenhum dos cúmplices está pronto para se associar a ele, na sua tórrida unidade30. VOIX OFF Je regarde par la fenêtre de ma chambre. Une pluie légère. Les voitures passent dans un chuintement. De l’autre côté du trottoir, c’est la maison de Miki. Toujours pleine de rires, de cris, de filles. Miki habite seule ici, mais elle a beaucoup d’amis (...) Et moi, je dois étudier mon algèbre (...) je ne bouge pas de la fenêtre de ma petite chambre. À l’étage. Je rêve du jour où j’irai au paradis, c’est-à-dire en face. Pour cela, dit-on, il faut mourir. C’est la moindre des choses.31

O trecho acima é característico por apresentar um monólogo interior em VOIX OFF, evocando toda uma carga polifônica que constrói o “sujeito-linguagem”. O “eu” autoficcional, atormentado pelas duas pulsões contraditórias entre o ambiente que vê do lado de dentro da janela e do lado de fora, está em movimento na fronteira apagada entre as paisagens do imaginário e da realidade, e seu lugar é o da criação do estrangeiro, outro de si mesmo. De outra maneira, quando esse limite apaga-se, o “eu-narrador” aparece a fim de propor um jogo a si próprio e ao leitor: a busca do autoconhecimento. Laferrière raconte à la fois sa « vie réelle » et sa « vie rêvée ». Inversement, il « crée » sa vie au fur et à mésure qu’il la vit en faisant entrer l’intensité de la vie écrite dans la vie quotidienne. « Écrire et vivre ne font qu’un », rêve et réalité ne sont que deux facettes d’un même projet32. Na obra de Laferrière, a paisagem externa que compõe os cenários romanescos 29 Citação de Pays sans chapeau, de LAFERRIÈRE apud MATHIS-MOSER, Ursula. Dany Laferrière: la dérive américaine. Montréal: VLB Éditeur, 2003, p. 250 30 KRISTEVA, Julia. Etranger à nous-mêmes. Fayard: França, 1988, p. 23 31 LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 38 32 MATHIS-MOSER, Ursula. Dany Laferrière: la dérive américaine. Montréal: VLB Éditeur, 2003, p. 256

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funciona como um espelho de recordações, onde o “eu” se fragmenta para, em seguida, reconstruir-se de uma maneira diferente, talvez mais sofisticada que a anterior. O “espelho de memórias” é um espaço onde as fronteiras se tornam lugar de movimentação dialógica entre um “eu” e um “outro”, duplo do primeiro. Porém, o “outro” não deve ser compreendido como uma cópia do “eu”. É sempre um “intrometido” que causa no “eu” uma sensação de estranheza, a fim de levá-lo a pensar sobre o diferente e, dessa maneira, (des)conhecer-se nas contradições que emergem da unidade do sujeito escrevente. O “outro”, como enunciador efetivo, em Le goût des jeunes filles, simboliza o rompimento de todas as barreiras do pensamento. Significa dar liberdade à manifestação do inconscien- Réné Magritte, L’évidence te. Ainda, a impossibilidade do “eu-narrador”, aos trinta e seis anos, regressar ao passado é responsável por abrir espaço ao “eu-duplo” contemporâneo capaz de religar o passado ao presente, através da memória do sujeito escrevente. A fragmentação da consciência do “eu” laferriano revela a origem perdida, o impossível re-estabelecimento das raízes, uma memória constantemente atualizada e o presente em suspensão. Em outras palavras, tal fragmentação supõe uma crise do corpo,

Pablo Picasso, Une anatomie (1933)

anunciada pelos modernistas. O espírito do modernismo, segundo Eliane Robert Moraes, em O corpo impossível, desde a década de 1930, “concentrava-se nos pontos de passagem e, paradoxalmente, fixava-se num estado de permanente suspensão” (p.56). René Magritte, na obra L’évidence éternelle, de 1930, apresenta o corpo fragmentado como metáfora da decomposição material imediata que atinge o sujeito que se reconhece como individualidade. Desde a década de 1930, o homem moderno se identificava com a caoticidade imRevista De Letra em Letra - Volume 2 - 2014

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posta pelo sistema capitalista e armamentista. A corrida tecnológica da época significou controle do poder, colocando o homem sob as normas de utilidade e produtividade do sistema capitalista. Assim, o que ocorre é uma completa inversão da ordem gravitacional que só encontramos precedentes no Renascimento: o homem do século XX deixa de ser o centro do universo, para dar o lugar ao “objeto”, pivô das transformações na sociedade ocidental do século. Dessa maneira, o eu-narrador de Le goût des jeunes filles revela-se como pós-moderno, já que o livro reflete a dinâmica acelerada das transformações psicológicas nas mutações espaciais e culturais. No início do filme sonhado, Week-end à Port-au-Prince, o eu-narrador faz referência à velocidade das transformações na América, ao passo que o Haiti parecia, ainda, uma ilha isolada, perdida no oceano Atlântico. L’action se passe à Port-au-Prince à la fin du mois d’avril de 1971. Les années soixantes venaient à peine de commencer en Haïti. Avec dix ans de retard. Comme toujours (LAFERRIÈRE, 1992, p. 37). Vale relembrar que o eu-narrador é um jovem adolescente intelectual em crise, numa sociedade marcada profundamente pela iminência da violência e pela completa perda de valores. Week-end à Port-au-Prince se passa na capital do Haiti, que era, já nos anos de 1970, uma cidade grande, com aproximadamente 461.000 habitantes33. A cidade, símbolo do progresso ocidental e lugar de quebras de paradigmas, é também o lugar da multiplicidade e da presença constante da violência – seja armada ou ideológica – imposta pelo sistema capitalista. A cidade representa, na obra do autor, o lugar de vagabundagem que caracteriza o sujeito errante, mas também é lugar de aprendizagem. Ainda, é o símbolo da queda do jovem intelectual. Lugar marcado pela violência e pela repressão, a perda de valores humanos é tal que o corpo se torna alvo de ataques constantes, a uma velocidade sem precedentes. A “Buick” – o carro do personagem Papa – representa, simultaneamente, a velocidade do progresso ocidental e a guerra de sexo, em que a mulher se vende pelo seu bem-estar material.

- T’es un homme chanceux, Papa, dit Marie-Michèle avec um demi-sourire... Deux femmes se batent pour toi. - Je n’ai rien fait, dit Papa tout en conduisant vers le centre-ville. - Où va-t-on ? demande Marie Michèle.

Dado estatístico da população de Port-au-Prince retirado de: http://books.mongabay.com/population_ estimates/1970/Port-au-Prince-Haiti.html, último acesso em 11/08/2009. 33

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- Pourquoi veux-tu savoir ? dit Miki. - Parce que je suis dans la voiture, risposte Marie-Michèle. - Eh, bien, on ne va nulle part, ma chérie, tout se passe dans la voiture. Pasqualine pousse un cri suraigu. Marie-Flore fait danser ses seins. L’après-midi n’a qu’à bien se tenir34.

Le goût des jeunes filles anuncia, no próprio título, que o escritor autobiográfico procura manejar o “real”. Na autoficção de Laferrière, o descompromisso com a verdade conduz a narrativa a um real que só se explica pelo “gozo”, lugar de instituição do Desejo. Consoante a psicanálise, o “Real” não existe propriamente, mas define-se pelas relações com o “gozo” que um sujeito falante pode experimentar, através do uso de um objeto desejado35. Assim, as sensações tornam-se constituintes de sistemas simbólicos que dependem da linguagem. A palavra goût, “gosto” em francês, é responsável por despertar um mundo de energias psíquicas individuais, das quais o corpo orgânico é somente um reservatório. Assim, o corpo aparece no livro, enquanto imagem simbólica de um “eu” narcísico. É a imagem de um moi expresso, por meio de uma multiplicidade de cores, gostos e contradições. Dany Laferrière vai até o mundo de sua adolescência buscar memórias que serão reconstruídas, através de um jogo peculiar com a linguagem, a fim de contar uma parte importante de suas experiências: sua iniciação sexual. Conforme Mathis-Moser36, o gosto desperta conotações sensuais, mais íntimas, até deixar passar uma leve melancolia em acordo com o mundo da memória. La vieille Buick 57 s’enfonce dans l’après-midi. Les couleurs, les gens, les maisons défilent. Un petit garçon à la peau luisante bombarde d’eau sa petite soeur qui s’enfuit à toutes jambes. Une femme engueule un homme en le tenant par le collet. Un taxi en plein milieu de la rue (panne d’essence). Le vent chaud du début d’après-midi. Des gouttes de sueur (de plus en plus grosses) perlent le long de l’échine de Pasqualine. La Buick s’arrête d’elle-même au coin de la station Shell. Papa verse un seau d’eau dans la gueule rouge de soif de la Buick et asperge longuement les 34 LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 44 35 CUKIERT, Michele, PRISZKULNIK, Léia. Considerações sobre eu e o corpo em Lacan http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2002000100014&tlng=en&lng=en&nrm=iso, último acesso 16/08/09 36

MATHIS-MOSER, Ursula. Dany Laferrière: la dérive américaine. Montréal: VLB Éditeur, 2003, p. 226

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roues. Miki court acheter des boissons gazeuses en face. N’en pouvant plus, Pasqualine descend de la Buick et s’appuie contre la portière. Marie-Flore file plonger sa tête dans une cuvette d’eau propre. Le pompiste fait un clin d’oeil à Papa. Il fait quatre-vignt-dix degrés à l’ombre. On remonte en voiture. La Buick 57 bondit maintenant comme une jeune chèvre. Elle avait vraiment soif. Choupette termine sa boisson et llance la bouteille par la fenêtre37.

O universo narrativo de Le goût des jeunes filles é composto de memórias e sensações. Week-end à Port-au-Prince, o universo sonhado, evoca o além do mundo “real”, através do jogo sinestésico. Para Laferrière, só as sensações livres de qualquer engajamento social, político ou econômico são capazes de atingir o “real”. Na cena VIII de Week-end à Port-au-Prince, o jornalista de Rolling Stone pergunta a um grupo de músicos haitianos se as fortes mudanças nos meios artísticos do Haïti estão ligadas, de alguma forma, com o cenário econômico e político do país. A resposta do cantor é um grito de libertação artística de qualquer propaganda ou engajamento. Moi, je ne fais pas de politique, dit le chanteur, je ne m’occupe que de musique (LAFERRIÈRE, 1992, p. 68). Na mesma cena VIII, o narrador desvela seu estilo de escrever: simples, forte, exótico, multicolor; enfim, um expressionista, colocando tudo no mesmo plano. O autor pretende uma “realidade” toda particular, feita de pequenos acontecimentos retirados da memória e tecida em uma aventura ficcional. Seu estilo é o de um repórter que, através da racionalização profunda, busca estabelecer laços entre realidades diferentes e, simultaneamente, o de um fotógrafo que observa a “realidade” e a fixa na superfície plana da fotografia. Un journaliste américain prend des notes à la table des musiciens. Il fait un reportage pour compte du magazine Rolling Stone sur la nouvelle générations des artistes haïtiens. À sa droite : un photographe (trois caméras autour du cou) prépare pour le magazine Vogue un numéro complet sur Haïti (paysage, musique, danse, vaudou et beautés locales). Ils n’ont pas le même mandat. Le journaliste de Rolling Stone va au fond des choses. Le photographe reste à la sur37 148

LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 49

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face. Il faudra lire les deux magazines pour avoir un portrait complet du pays38. A escritura « primitiva » de Laferrière revisita o território das origens e é definida enquanto apreensão imediata do mundo que é seu motor criativo39. Em Le goût des jeunes filles, o autor brinca com as cores fortes de um Gauguin, Femmes aux mangues, de 1899, compondo o cenário da narrativa. Vale ressaltar que o quadro de Gauguin que é tema da capa do livro, na edição de 1992, e que o autor efetua um processo de transposição intersemiótica40 da tela de Gauguin, através do que chamamos ékiphrasis clássica, isto é, quando há uma transposição de uma obra de arte em imagem, para outra obra em texto e vice-versa. Au mur, juste derrière la tetê de Marie Michèle, il y a un poster de Gauguin. Un tableau très coloré, datant de l’époque tahitienne. Deux jeunes filles dont l’une a le torse nu. Celle-ci tient dans ses mains comme une petite barque de fruits. Les seins sont fermes. Le visage d’une beauté naturelle. Sans fausse pudeur. Le plaisir d’être vivant. On a toujours confondu Haïti avec Tahiti41.

Assim, a intermidialidade do livro revela a mescla de vários gêneros, como o cinema, a literatura, a pintura e a música e representa a integração da arte na realidade vivida, como pretexto para uma poesia autônoma, superando as fronteiras entre “ficção” e “realidade”. Segundo Freud, em seu artigo, O Estranho(1919), o homem que se auto-observa, através da criação literária, torna-se capaz de tratar o ego como um objeto, abre espaço e traz à luz o “duplo”, secreto e oculto, ao conferir-lhe a possibilidade de um novo significado e ao atribuir-lhe uma série de coisas, que podem pertencer a um narcisismo recalcado dos primeiros anos. É como se tivéssemos conservado certos traços de uma fase animista e, ao dar-lhe expressão, confrontamo-nos com uma sensação estranha que data de um “estádio mental muito primitivo, há muito superado” (FREUD, 1976, p. 295). A análise do “eu-estrangeiro” poderá clarear sua figura, através da discussão estética e filosófica, a fim de preencher espaços “estranhos” das entrelinhas e assegurar o eterno LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 65 ROYER, André, LAZURE, Stéphanie. Dany Laferrière: Un auteur d’Amérique. http://www.contactto.net/ img/pdf/dossier_laferriere.pdf. Último acesso: 13/02/2008 40 ARBEX, Márcia. Poéticas do visível. Faculdade de Letras da UFMG: Belo Horizonte, 2006, p. 172 41 LAFERRIÈRE, Dany. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992, p. 107 38 39

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Paul Gauguin, Femmes aux mangues (1899)

retorno catártico nos leitores de histórias inquietantes, mas não procuramos dissolver os efeitos do “Outro” freudiano, pois a diferença entre o “eu” e o “outro” acaba quando nos reconhecemos todos estrangeiros, rebeldes aos laços e às comunidades42. Aliás, o “eu-autobiográfico” laferriano, original, fendido e pós-moderno, leva em conta fatos, impressões, acontecimentos, sensações e imaginação para construir-se como um narrador sui generis, que não acredita no conhecimento perfeito das coisas.

5.

REFERÊNCIAS

ARBEX, Márcia. Poéticas do visível. Faculdade de Letras da UFMG: Belo Horizonte, 2006. CUKIERT, Michele, PRISZKULNIK, Léia. Considerações sobre eu e o corpo em Lacan. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2002000100014&tlng=en&lng=en&nrm=iso, último acesso: 16/08/09. FREUD, S. O Estranho (1919). In: Edição Standard das obras completas de Sigmund Freud. V. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1976. GLEMAUD, Marie-José. Semiotique de l’espace poétique de Magloire Saint-Aude. http://www.refer.sn/ethiopiques/article.php3?id_article=921, último acesso: 03/08/2009. http://books.mongabay.com/population_estimates/1970/Port-au-Prince-Haiti.html, últi42

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KRISTEVA, Julia. Etranger à nous-mêmes. Fayard: França, 1988, p. 9

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mo acesso em 11/08/2009. KRISTEVA, Julia. Etranger à nous-mêmes. Fayard: França, 1988. LAFERRIÈRE, Dany. Cette grenade dans la main du jeune Nègre est-elle une arme ou un fruit? Montréal: VLB, 2002. ______. Comment faire l’amour avec um Nègre sans se fatiguer. Montréal: VLB, 1985. ­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­______. Le goût des jeunes filles. VLB Éditeur : Montréal, Québec, 1992. Le Magazine Littéraire. mars-avril 2007, hors série, no 11. Le prix Médicis à Dany Laferrière pour «L’énigme du retour». Disponível em: www. lemonde.fr, último acesso: 04/11/2009. LEJEUNE, Philippe. Le pacte autobiographique. Paris: Seuil, 1975. MATHIS-MOSER, Ursula. Dany Laferrière: la dérive américaine. Montréal: VLB Éditeur, 2003. MORAES, E. R. O corpo impossível. São Paulo: Iluminuras, 2002. NAVILLE, Pierre apud FANON, Frantz. Peau noire, masques blancs. Paris: Seuil, 1995. PATERSON, Janet. Diferença e alteridade: questões de identidade e de ética no texto literário. Trad. André S. Vieira. In: FIGUEIREDO, Eurídice; PORTO, Maria Bernadette V.(Org) Figurações da alteridade. Niterói: EdUFF/ABECAN, 2007. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Confessions. Paris : Garnier-Flammarion, v. 2, 1968. ROYER, André, LAZURE, Stéphanie. Dany Laferrière: Un auteur d’Amérique. http:// www.contactto.net/img/pdf/dossier_laferriere.pdf. Último acesso: 13/02/2008. SANTOS, Irene Ramalho. Desassossego, identidade e a poesia lírica. In: Poetas do Atlântico: Fernando Pessoa e o modernismo anglo-americano. Belo Hoirozonte: Editora UFMG, 2007. STENDHAL. O Vermelho e o Negro. Martim Claret : São Paulo, 2004.

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