Revista do Brasil nº 042

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QUE REMÉDIO Medicina privada recebe recursos que poderiam melhorar o SUS

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nº 42 dezembro/2009 www.redebrasilatual.com.br

R$ 5,00

É A GLÓRIA

Glória Pires conta como viver a mãe de Lula no cinema mexeu com seu coração de atriz, de mãe e de filha MEMÓRIA Relatos da barbárie que invadiu casas, escolas, hospitais e feriu a humanidade


Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social 2009

as fnalista eça s e vencedoras. h n o C

Categoria: Região Norte

VENCEDORA

Criação de Peixes em Canais de Igarapés

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

Manaus

AM

Farmácia Nativa

Prefeitura Municipal de Belém

Belém

PA

Telinha de Cinema – Modernização da Educação

Casa da Árvore

Palmas

TO

Categoria: Região Nordeste A Reserva Natural Serra das Almas e seu Modelo Integrado de Conservação da Caatinga

Associação Caatinga

Fortaleza

CE

Abordagem Sistêmica Comunitária

Movimento de Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim

Fortaleza

CE

Cultivo Sustentável de Algas Marinhas

Fundação Brasil Cidadão para Educação, Cultura, Tecnolgia e Meio Ambiente

Fortaleza

CE

VENCEDORA

Categoria: Região Centro-Oeste Adolescentes Protagonistas

Instituto de Estudos Socioeconômicos

Brasília

DF

Canteiro Bio-Séptico

Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado

Pirenópolis

GO

Conexão Cheiro Verde – Modelo de Comércio Justo

Instituto Centro de Vida

Cuiabá

MT

VENCEDORA

Categoria: Região Sudeste

VENCEDORA

A Célula ao Alcance da Mão

Instituto de Ciências Biológicas da UFMG

Belo Horizonte

MG

Balde Cheio

Embrapa Pecuária Sudeste

São Carlos

SP

Vovô Sabe Tudo

Prefeitura Municipal de Santos

Santos

SP

Categoria: Região Sul

VENCEDORA

Caprichando a Morada

Cooperativa de Habitação dos Agricultores Familiares

Chapecó

SC

Produção e Preservação de Sementes Crioulas

União das Associações Comunitárias do Interior de Canguçu

Canguçu

RS

Trupe da Saúde

Universidade Livre da Cultura

Curitiba

PR

Categoria: Direitos da Criança e do Adolescente e Protagonismo Juvenil Comunicação Participativa Juvenil para o Desenvolvimento Comunitário

Associação Imagem Comunitária

Belo Horizonte

MG

Método Quadros

Instituto Fonte para o Desenvolvimento Social

São Paulo

SP

VENCEDORA

Rádio pela Educação

Diocese de Santarém

Santarém

PA

VENCEDORA

Barragem Subterrânea com Lona Plástica

Cooperativa de Serviços Técnicos do Agronegócio

Natal

RN

Pingo d’Água – Água para Beber e Produzir

Instituto Sertão Vivo

Quixeramobim

CE

Tanques em Lajedos de Pedra

Centro de Educação Popular e Formação Social

Teixeira

PB

Categoria: Gestão de Recursos Hídricos

Categoria: Participação de Mulheres na Gestão de Tecnologias Sociais

VENCEDORA

Gerando Renda e Transformando Relações de Gênero

Associação Difusora de Treinamentos e Projetos Pedagógicos

Curitiba

PR

Rede de Mulheres para Comercialização Solidária

Casa da Mulher do Nordeste

Afogados da Ingazeira

PE

Rede Industrial de Confecção Solidária

Guayi

Porto Alegre

RS

Parceria Institucional:

Patrocínio:

Realização:


Editorial

Mídia 10 Os interesses que estarão em jogo na Conferência Nacional de Comunicação, agora em dezembro Economia 12 Trabalhadores não aceitaram ficar com conta da crise, reagiram e ajudaram o país a resistir firme Entrevista 16 A greve nacional dos bancários assumiu nova feição e deixou um recado para as próximas negociações Saúde 18 Tal como nos EUA, problemas do sistema público de saúde podem ser destaque nas eleições de 2010 Especial 22 Filme tenta desmitificar imagem de Lula. Em entrevista exclusiva, Glória Pires vê dona Lindu como heroína Cidadania 30 Os movimentos para levar o cinema nacional ao público que não tem acesso às salas convencionais Comportamento 34 Para especialistas, o protagonismo do álcool na novela das oito induz ao consumo, em vez de inibir História 38 Sete décadas depois do início da 2ª Guerra, sobreviventes contam como escaparam do Holocausto

DIVULGAÇÃO

Praias de Camburi e Camburizinho

Viagem 46 No percurso entre a Baixada Santista e o Rio estão algumas das mais belas praias do litoral brasileiro SEÇÕES Ponto de Vista Na Rede Curta Essa Dica

6 8 48

Atitude 50

PAULO WITAKER/REUTERS

Índice

Erradicando o desmatamento da Amazônia o Brasil reduziria em 80% suas emissões de CO2

A vida reciclada

A

lgumas importantes categorias profissionais com campanhas salariais neste semestre fecharão 2009 mantendo a tendência dos últimos anos. Bancários, metalúrgicos, correios, petroleiros, químicos e plásticos, entre outros, têm em comum o fato de haverem enfrentado uma resistência incomum dos empregadores em negociar com transparência, alguns com táticas provocativas voltadas a desgastar entidades sindicais. Os reajustes acima da inflação são um fenômeno que tem se repetido entre mais de 90% dos setores analisados pelo Dieese, num claro sinal de que a recuperação do emprego gera melhores negociações, e vice-versa. Quando uma fatia dos lucros se reverte em salários, participações em resultados e acordos coletivos mais dignos, além da injeção de recursos no motor da economia ocorre um movimento de distribuição de renda. Na última meia década, essa engrenagem distributiva, ainda modesta diante da histórica concentração brasileira, converteu-se numa das principais blindagens diante da recente crise. O desempenho da economia e as intervenções no cenário externo conferiram ao governo do Brasil um lugar à mesa dos países mais influentes do mundo. Essa posição será testada mais uma vez nos debates sobre o clima, na Dinamarca. A edição de novembro da RdB deu destaque ao tema, que voltará em janeiro com os resultados de Copenhague. Para se ter uma ideia, de acordo com o inventário oficial divulgado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, o lançamento de carbono decorrente do uso do solo responde por quase 60% das emissões do país. Zerar o desmatamento, controlar o avanço das monoculturas e da pecuária sobre a Amazônia e estimular o reflorestamento seriam bons exemplos para um planeta cujo aquecimento pode anular as conquistas da humanidade e pôr a própria espécie sob ameaça – crescente nos últimos 50 anos graças às chamas de uma sociedade de consumo insaciável. Pena que os meios de comunicação de massa e grande parte da indústria cultural não estejam em sintonia com essa necessidade e ainda funcionem como elo entre o sistema concentrador e predador e a ambição humana que o abastece. Felizmente, há indícios de que nem eles resistirão à obrigação de se reciclar. E quem sabe a Conferência Nacional de Comunicação, também neste dezembro, possa plantar pequenas sementes de novos meios de as sociedades terem acesso à informação. DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Informação que transforma Núcleo de planejamento editorial Bernardo Kucinski, Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Assistente editorial Xandra Stefanel Redação Anselmo Massad, Evelyn Pedrozo, Jessica Santos, Ricardo Negrão, Suzana Vier, Thiago Domenici, João Peres e Júlia Lima (arte) Revisão Márcia Melo Capa Foto de Felipe Barra Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3241-0008 Comercial Nominal (11) 3063-5740 Poranduba (61) 3328-8046 Adesão ao projeto (11) 3241-0008 Atendimento: Claudia Aranda Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares

O ano novo pode começar com um presente diferente

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Conselho diretivo Admirson Medeiros Ferro Jr., Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Antonio de Lisboa Vale, Arilson da Silva, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Alberto Grana, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Edílson de Paula Oliveira, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Carlos Bortolato, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Sebastião Geraldo Cardozo, Sérgio Goiana, Sérgio Luis Carlos da Cunha, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Vinicius de Assumpção Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Luiz Cláudio Marcolino Sérgio Nobre Diretores financeiros Ivone Maria da Silva Teonílio Monteiro da Costa

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REVISTA DO BRASIL DEZEMBRO 2009

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PontodeVista

Por Mauro Santayana

Valeu a pena

Com todos os percalços, marcados pelos anos Collor e FHC, os 20 anos do restabelecimento das eleições diretas para presidente da República merecem ser comemorados

E

m 1989 o Brasil realizava as primeiras eleições diretas para a Presidência da República desde 1960. A renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961, iniciou o processo de crise institucional que levaria ao golpe de abril de 1964 e a 21 anos de regime militar, interrompido com a eleição indireta de Tancredo Neves em 1985. O longo período deixou graves sequelas históricas. A pior foi a deseducação política, que trouxe o conformismo das pessoas, o desencanto com a cidadania e com a corrupção, que atingiu quase toda a sociedade. O regime cooptou políticos conservadores e estimulou a entrada dos aproveitadores e oportunistas, que sempre existem, para o simulacro de atividades políticas. No Congresso Nacional e nas assembleias estaduais formaram-se maiorias de cooptados, filiados à Arena. O

problema se agravou em 1968, com a instituição do AI-5, que encabrestou a Justiça, extinguiu as eleições para governadores e fechou, por algum tempo, o Congresso, para reabri-lo depois, mais acovardado. A democracia é um regime cujas virtudes só descobrimos quando dela estamos privados. Em 1964, tal como haviam feito em 1954, quando Getúlio Vargas f oi levado ao suicídio, os grandes jornais e emissoras de rádio se orquestraram, alimentando a histeria dos desinformados. Dizia-se que Jango e todos os que com ele se aliavam eram comunistas, partidários do amor livre, ateus, que iriam fechar igrejas, confiscar apartamentos da classe média para entregá-los aos favelados e acabar com a propriedade privada. O cardeal Jaime Câmara, do Rio, trouxe ao Brasil um sacerdote norte-americano, o padre Peyton (ex-capelão militar), a fim de


pregar a derrubada do governo democrático, nas ruas siva, “construíram” a candidatura de Fernando Collor. O homem que era a representação mais autêntido Rio e de São Paulo, em “defesa da família”. As consequências históricas e imediatas foram curiosas: durante ca das oligarquias foi transformado em defensor dos descamisados e caçador de marajás – que a ditadura militar, e talvez em decorrência retornaram mais tarde, recebendo todos da repressão, do desemprego e do arrocho O longo os atrasados. Poucos meses depois de sua salarial, os costumes brasileiros sofreram período de violenta revolução. autoritarismo posse já se sabia das atividades cada dia mais ousadas de Paulo César Farias, o teDepois de vários anos de exaustiva e deixou graves soureiro íntimo do governo. A corrupção persistente luta política, o poder passou sequelas era o de menos: Collor privatizou 11 emàs mãos civis, ainda em pleito indirepresas estatais, colocou na rua mais de to, com a eleição de Tancredo Neves, em históricas. 100 mil servidores, promoveu o desem1985, frustrada por sua doença e sua mor- A pior foi a prego em massa. Após o impeachment de te. Seu sucessor, José Sarney, cumpriu no deseducação Collor, coube a Itamar Franco restaurar principal o compromisso da aliança que política, que em parte a credibilidade na política e no derrubara o sistema autoritário. Promo- trouxe o embora seu sucessor, Fernando veu a abolição dos sistemas repressivos, conformismo Estado, Henrique Cardoso, tenha adotado a polegalizou os partidos de esquerda então lítica neoliberal de Collor, com as privaproscritos, convocou a Assembleia Cons- e o tizações desastradas. tituinte que elaborou a Carta de 1988 e desencanto Com todos os percalços, esses 20 anos garantiu as eleições presidenciais de 1989. com a de democracia foram positivos. PossibiEm três décadas de jejum eleitoral para a cidadania litaram que um trabalhador chegasse ao escolha de presidentes, censura à imprensa e cassações de mandatos, pouco se haviam renova- poder. Sem diploma universitário, ele liderou a recudo os quadros políticos. Acrescia-se, ainda, o trauma peração da economia, redistribuiu parcelas da renda nacional com a morte de Tancredo, o que favorecia a por meio dos programas sociais, fundou universidaescolha de um candidato jovem. Essas circunstâncias, des e escolas técnicas e colocou o país na agenda políaliadas a uma propaganda política caríssima e agres- tica do mundo.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980


NaRede

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Vigas sobre o apagão

O blecaute geral do último dia 11 de novembro, além de escurecer 18 estados e um pedaço do Paraguai, deu à oposição argumentos que há tempos não encontrava para bater no governo. Tecnicamente, o Ministério das Minas e Energia, até este fechamento, estava devendo explicações concretas para a inédita parada total de Itaipu. Politicamente, a oposição tentou colar o episódio em Dilma e esta até aceitou a briga. Mas a exploração do caso durou pouco. A queda de três das quatro vigas de sustentação da pista do Rodoanel Mario Covas sobre a rodovia Regis Bittencourt destruiu alguns veículos, feriu três pessoas e só não acabou em mortes por sorte. O estrago, na noite da sexta-feira 13, não é obra do acaso. Mas explicações concretas também não apareceram. http://migre.me/ckfV

FERNANDO DONASCI/FOLHA IMAGEM

Apagão no Google O acidente não alterou os planos do governo paulista, que mantém o edital que concede à iniciativa privada o trecho acidentado do Rodoanel. O governo Serra quer os pedágios em funcionamento em junho de 2010. Uma das empreiteiras responsáveis pela construção, excluída da licitação por não comprovar capacidade técnica, foi – com autorização do governo – incorporada ao consórcio vencedor do lote onde ocorreu o acidente. A tal empresa já tinha no currículo um trecho de obra do chamado “fura-fila” paulistano, que por acaso despencou em outubro de 2007. E, se alguém ainda duvida que forças estranhas dificultam o acesso a informações que incomodam Serra, dê uma busca no Google Imagens para “desastre rodoanel”, ou itens do gênero; veja quantas imagens de vigas caídas sobre os veículos aparecem. http://migre.me/ckfm

A conta de Erundina A ex-prefeita paulistana Luiza Erundina (gestão 1989-1992, então pelo PT), migrou para o PSB, mas ainda goza de respeito e admiração entre ex-companheiros de partido e movimentos sociais. Erundina, que nunca enriqueceu com a política, ainda corre o risco de ter seu patrimônio reduzido por conta de sua coerência. Ela foi condenada a restituir R$ 350 mil aos cofres públicos por ter publicado na Folha de S.Paulo de 17 de março de 1989 um anúncio em que informava por que não permitiria a circulação de ônibus durante a greve geral convocada para aquele dia. A condenação custou-lhe a penhora de seu apartamento, um automóvel e 10% do salário de deputada federal. Em solidariedade à ex-prefeita, amigos estão realizando jantares e criaram o blog www.amigosdaerundina.com.br com depoimentos de apoiadores. A CUT abriu conta bancária para seus filiados depositarem ajuda e também fará depósito de R$ 20 mil, já que a punição à ex-prefeita se refere à greve encampada pela central em 1989. Banco do Brasil, em nome de Luiza Apoio Você, agência 4884-4, conta corrente 2009-5. http://migre.me/chDp

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REVISTA DO BRASIL DEZEMBRO 2009

APOIO Bancada feminina do Congresso abraça Erundina

SÉRGIO FRANCÊS/DIVULGAÇÃO

Por Anselmo Massad, Evelyn Pedrozo, Jéssica Santos, João Peres, Ricardo Negrão, Suzana Vier e Thiago Domenici

SEXTA 13 Sumiram até as imagens



MÍDIA

A batalha pela comunicação do futuro

N

Conferência Nacional de Comunicação mobiliza vários interesses. Grandes impérios a boicotam, outros estão lá para defender seu quinhão. E setores sociais querem fazer dela semente de uma nova mídia Por Anselmo Massad

ove famílias e grupos empresariais controlam 80% das concessões de canais de TV no Brasil. A lei que rege o modelo de concessões públicas tem mais de 40 anos, e ainda assim é sistematicamente desrespeitada. E o atraso não se restringe à política de concessões. Internet, telefonia móvel, funcionamento de rádios comunitárias, distribuição de verbas de publicidade dos governos a veículos im-

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REVISTA DO BRASIL DEZEMBRO 2009

pressos e eletrônicos, enfim, tudo o que tem a ver com o direito à produção e ao acesso à informação funciona debaixo de uma legislação ultrapassada pela velocidade das transformações nos meios de informação nos últimos anos. Diante desse cenário, organizações atuan­tes na luta pelo direito à informação cobraram, desde o início do governo de Lula, a convocação da Conferência Nacional da Comunicação (Confecom). Em

fevereiro deste ano o pleito foi atendido. O Ministério das Comunicações programou o evento, de 14 a 17 de dezembro, em Brasília, com a participação do presidente da República. Será o desfecho de uma série de etapas municipais e estaduais em que representantes da sociedade civil, dos empresários e do poder público desencadearam debates regionais e designaram delegados à derradeira etapa nacional. Os movimentos sociais não sabem se


sairão de Brasília com uma plataforma de avanços rumo a uma legislação mais moderna e democrática. Mas são quase unânimes em dizer que o próprio processo em que vem se desenrolando a Confecom não deixa de ser um grande avanço. Segundo Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), a comunicação merecia um evento do porte de uma conferência há muito tempo, a exemplo do que ocorre com outros temas. “As conferências são uma forma de criar um diálogo entre a sociedade, organizada nos movimentos e empresários, com o poder público, tanto no Executivo quanto no Legislativo”, explica. A primeira conferência nacional realizada no país foi a de saúde, em 1941. O princípio foi adotado durante mandatos de diferentes presidentes para temas como direitos humanos, assistência social e questões indígenas. Mas foi durante o governo Lula que um maior número de conferências foi convocado: das cidades (2003 e 2005), do esporte (2003 e 2006), de mulheres (em 2004 e 2007), do meio ambiente (2003 e 2005), da igualdade racial (2004), da cultura (2005), de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros (2008), da segurança pública (2009). Elas podem determinar o que os governos terão de fazer? Não necessariamente. Mas qualquer instância de governo minimamente preocupada em formular políticas públicas para essas áreas saberá exatamente o que pensam e o que propõem os setores sociais mais especializados em cada uma delas. Seu princípio é definir diretrizes ao Legislativo e ao Executivo na formulação de leis e políticas públicas. Mas, entre o debate nas conferências e a implementação de ações governamentais, há um distanciamento que envolve a necessidade de pressão da sociedade.

Peculiaridades

O processo da Confecom teve diferenças em relação às demais. Uma delas, segundo Carolina Ribeiro, do Coletivo Intervozes, foi a desproporção de delegados para cada setor. Empresários e sociedade civil tiveram 40% do total cada um, enquanto o governo concentrou os 20% restantes. “Isso limita as perspectivas para a conferência, porque deve haver dificuldade para fazer passar re-

soluções pela democratização do direito à ficaram. Mas, apesar de parcela das emprecomunicação”, avalia Carolina. sas ter pulado do barco, o peso do setor perO peso garantido aos empresários nos maneceu inalterado. Isto é: quatro em cada debates também é desproporcional. Além dez delegados da etapa final da Confecom disso, depois de conseguir retardar a con- terão sido indicados por eles. vocação da conferência, por muito lobby no “Se a mídia acha que todos na sociedaMinistério das Comunicações, o setor apa- de têm de prestar contas, por que as prórentemente se dividiu. Empresas de tele- prias empresas se recusam a participar de comunicações e grandes gruum debate sobre políticas púpos de rádio e TV não falam Será preciso blicas para o setor?”, questioa mesma língua. O segundo furar a na Rosane Bertotti, secretária está perturbado com o interes- cortina de nacional de Comunicação da se do primeiro em distribuir (e silêncio com CUT. Em novembro, ela deproduzir) conteúdo para seus que a mídia fendeu em artigo a criação de clientes, o que representa uma CPI da Mídia, já que jorconvencional uma ameaça real à hegemonia dos nais, rádios e TVs promovem, meios convencionais – basta tentará em sua visão, campanhas de lembrar que 82% dos domicí- afastar a criminalização dos movimenlios do país já possuem telefo- opinião tos sociais, assim como veinia fixa ou móvel. culam denúncias sem provas pública Na formação da comissão do que se – que se tornam base para peorganizadora da Confecom, didos de comissões parlamendiscutirá na depois de meses de discussões, tares de inquérito no Congresentidades ligadas a emissoras conferência so Nacional –, mas se recusam de rádio e televisão, provedores de internet, a qualquer debate. TV por assinatura, jornais e revistas se reO comportamento dos principais meios tiraram do processo alegando dificuldades de comunicação de tentar esvaziar a Conde diálogo com “outros segmentos”. Leiam- fecom produziu outro desafio para seus dese as teles, que permaneceram firmes, de fensores. Enquanto em outras conferências olho em resoluções que possam abrir cami- deputados e senadores engajam-se nas etanhos. E grupos ligados à Rede Bandeiran- pas preparatórias, de olho em boas ideias de tes, Rede TV! e a rádios do interior também projetos de lei para sua área de atuação – e para ficar bem na foto em suas bases eleitorais –, quando o assunto é comunicação são Pautas sociais raros os parlamentares dispostos a participar. Mesmo entre os críticos, muitos ainda n Efetivação do sistema público de temem peitar os impérios. comunicação. Além de não cobrir a Confecom – a exemn Maior transparência em concessões públicas e suas renovações – criação de plo do que ocorre com outras conferências mecanismos para garantir pluralidade –, a mídia deve até combater propostas de na posse das concessões, instrumentos defesa do direito à comunicação, à transde fiscalização e formas de evitar a parência e ao controle social. Habituou-se renovação automática. a qualificar de “censura e cerceamento da n Controle social – criação de conselhos de representantes da sociedade para liberdade de expressão” tudo que questiomonitorar o sistema de comunicação e ne seus métodos de confundir informação seus desvios éticos. com interesses políticos e/ou econômicos. n Banda larga universal – garantir que, Tornar prática alguma diretriz da confealém da telefonia fixa, o acesso à internet rência já demandará pressão social. Antes, em alta velocidade seja concedido em regime público, com metas de porém, será preciso furar a cortina de silênuniversalização, qualidade e preço. cio com que a mídia convencional tentará n Concessões para sindicatos e centrais afastar a opinião pública do que se discutirá sindicais – assegurar o cumprimento da ali. Mais uma tarefa para blogueiros, sites, liberdade de expressão do setor. canais de rádio e TV comunitários e veículos n Horário sindical gratuito – inspirado em experiências espanhola e portuguesa, impressos independentes, que, como formipara garantir canais de diálogo das guinhas, vêm se multiplicando nos últimos centrais sindicais com a população. anos e têm conseguido perturbar o piquenique dos barões da velha imprensa. DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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ECONOMIA

A mão da massa O

acordos coletivos de trabalho. Com o dinheiro recebido na primeira parcela da Participação nos Lucros e Resultados, somado ao salário reajustado e ao 13º, Armando e Inês viabilizam planos. De acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos de Salto, só a PLR de R$ 650 recebida por Armando, empregado da Thermoid, e a de outros 20 mil trabalhadores da mesma base representam um adicional de R$ 3 milhões na economia da cidade, que tem pouco mais de 100 mil habitantes e PIB próximo de R$ 1 bilhão. Já no mais famoso polo metalúrgico do país, a região do ABC, a PLR va-

MAURICIO MORAIS

operador de prensa Armando Diego dos Santos Melo vai, finalmente, começar a reforma da cozinha de sua casa, em Salto, interior de São Paulo. A assistente de negócios Inês Ogando, que trabalha no Banco do Brasil na capital paulista, vai pagar despesas com dentista e cartão de crédito. A exemplo do que vem ocorrendo nos últimos anos, mais de 90% das categorias profissionais do país estão fechando 2009 com aumento salarial igual ou superior à inflação, além de outros itens econômicos e sociais que compõem seus

ANTONIO CRUZ/ABR

Os trabalhadores se movimentam e, mesmo desprezados e criminalizados pelos meios de comunicação, comprovam que a distribuição de renda, mais que melhorar a vida das pessoas, é o principal lastro da economia Por Solange do Espírito Santo

BANCÁRIOS DE SÃO PAULO Assembleias lotadas, greve forte e conquista de aumento real

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riou de acordo com o segmento empresarial. Mas, considerado somente o índice salarial de 6,6%, o acréscimo na renda dos 96 mil trabalhadores da região será de R$ 190 milhões em um ano, estima o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Para os químicos do estado de São Paulo, os 6% obtidos no mês passado terão um efeito adicional de R$ 53 milhões. Entre os bancários, uma das poucas categorias cuja convenção coletiva tem abragência nacional e validade para 450 mil pessoas, o impacto do mesmo índice chegará a R$ 1,3 bilhão em 12 meses, entre setembro deste ano e agosto do ano que vem. Os números são dispersos e não fecham exatamente uma estatística. São só bons exemplos de uma tese


MULTIDÃO Marcha das centrais reuniu 50 mil pessoas em Brasília

defendida pelo movimento sindical nas últimas três décadas que, nos últimos anos, as categorias mais organizadas têm conseguido pôr em prática com alguma regularidade: a de que toda pequena parcela de riqueza que deixa de ser contabilizada como lucro e vai para o bolso do trabalhador, longe de atrapalhar a saúde das empresas, ajuda a desconcentrar renda e move a grande roda da economia. Pena que parcela importante do empresariado resiste a essa tese e ainda faz de tudo para tirar do bolso de seus empregados a gordura de seus dividendos. As campanhas salariais geralmente passam por momentos difíceis, longas e desgastantes negociações, que não raras vezes culminam em protestos, paralisações e, última ferramenta de pressão que

os trabalhadores optam por usar, a greve. “Se o trabalhador não põe o pé na porta, prevalece a lógica patronal de dar o mínimo”, avalia o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre. Pressionar as empresas é a melhor alternativa? Para o operador de prensa de Salto, não: “A melhor é a empresa reconhecer o valor do trabalhador e remunerá-lo bem”. Mas enquanto esse reconhecimento não vem... o metalúrgico de 21 anos ganha cerca de R$ 1.100 por mês. Tem um filho de 5 anos e sua mulher – que trabalha na área administrativa de outra metalúrgica – recebe R$ 1.000. “Mesmo somando os dois salários, não conseguimos bancar todas as despesas”, diz Armando. A bancária Inês reclama que, mesmo

com o reajuste acima da inflação, o salário da categoria, especialmente nos bancos públicos, ainda tem muitas distorções. Ela ganha cerca de R$ 3.000 e vê como distante a possibilidade de construir sua casa própria. “Comprometeria muito a minha renda.” Inês tem 50 anos, é mãe de uma filha de 21, universitária e ainda sem emprego formal para contribuir com a renda familiar. O presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Luiz Cláudio Marcolino, avalia que, mesmo com os avanços conquistados ao longo dos anos, o embate entre trabalhadores e empresários ainda é difícil: “Falta muito para o estabelecimento de uma relação mais franca e para o entendimento do papel do trabalhador na economia”, afirma, lembrando que a campanha DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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salarial do ramo consumiu 14 dias de greve dos bancos privados e do Banco do Brasil em todo o país e 28 na Caixa Econômica Federal (leia entrevista à página 16). Para Geraldo Melhorine Filho, coordenador-geral da Federação dos Químicos do Estado de São Paulo (Fetquim), da CUT, o empresariado sabe da importância da remuneração dos trabalhadores para o desenvolvimento do país, mas adota a lógica de jogar a negociação “para baixo” nas campanhas salariais. “Parece que eles não querem que os trabalhadores evoluam e possam sonhar em chegar ao patamar de vida que os filhos deles têm”, critica o coordenador da Fetquim.

Além da crise

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REVISTA DO BRASIL DEZEMBRO 2009

MAIS DINHEIRO, POUCO TEMPO Com a primeira parcela da PLR, Armando, metalúrgico de 21 anos, vai começar a reforma da sua cozinha. Ele trabalha 44 horas semanais, estuda à noite e não tem tempo para o filho

O coordenador do Dieese afirma ainda que os trabalhadores e o movimento sindical tiveram papel preponderante ao pressionar o governo e os empresários para garantir salários melhores e, como consequência, sustentar o crescimento do mercado interno brasileiro. O efeito mais prático disso é que o país termina 2009 com nível de empregos semelhante ao momento pré-crise financeira internacional, quando o PIB crescia ao ritmo de 6% ao ano.

FOGUINHO/SIND. METALÚRGICOS SOROCABA

Na avaliação de José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Dieese, o revés econômico que abalou o mundo pouco ou quase nada afetou as negociações salariais de 2009. “Alguns setores industriais foram atingidos, mas as campanhas salariais foram até melhores que as de 2008. No primeiro semestre deste ano, houve ganhos reais, mas menores que os do segundo semestre, quando a economia teve desempenho superior à expectativa”, destaca Silvestre. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC lembra que, para chegar a esses resultados positivos, as campanhas deste ano começaram no final de 2008. “O movimento sindical, encabeçado pela CUT, conseguiu negociar com o governo mecanismos para reduzir os impactos da crise sobre o emprego e o salário”, recorda, ao referir-se a medidas como a redução do IPI em setores como a indústria automobilística, a construção civil e a chamada linha branca de eletrodomésticos. “Só o setor automotivo é responsável por um terço do PIB do país”, observa. “A resposta foi rápida e a economia rea­ giu”, atesta Marilane Teixeira, assessora econômica da Confederação Nacional dos Químicos, da CUT. Marilane lembra que o período de crise mais acentuado foi de novembro de 2008 a janeiro deste ano e que vários setores da economia, como o farmacêutico e o de cosméticos, não tiveram problema em momento algum. “O mercado de trabalho foi menos afetado do que se previa”, completa Silvestre, para quem o crescimento do Brasil por cinco anos seguidos foi também fundamental para que a roda da economia girasse em 2009.

Blindagem

Melhorine, da Fetquim, reforça que a participação dos trabalhadores trouxe resultados positivos às campanhas salariais. “O trabalhador não deixou o país entrar na crise”, considera. Mas entende que ainda há muito a avançar nas relações com os empresários. “É difícil amolecer o coração do patrão”, diz ele, lembrando que na pauta dos químicos apenas um item fundamental – a redução da jornada para 40 horas semanais,


RAQUEL CAMARGO/SIND. METALÚRGICOS ABC

GREVE Se o trabalhador não põe o pé na porta, prevalece a lógica patronal de dar o mínimo

parte dos patrões no uso de mecanismos de restrição do direito de organização e de greve, como os interditos proibitórios com que tentam manter ativistas sindicais longe dos locais de trabalho. A redução da jornada permitirá a criação de mais de 2 milhões de novos empregos, sustenta a CUT. E a valorização do salário mínimo, junto com a rede de garantia de renda para os mais pobres, foi decisiva para o fato de a conta não ter recaído sobre a base social da pirâmide, como sem-

CONTAS EM ORDEM A bancária Inês vai aproveitar a PLR para pagar o dentista e as contas

JAILTON GARCIA

conquistada pelo setor farmacêutico da categoria no primeiro semestre – não foi estendido aos demais segmentos. “A impressão é de que os empresários, pelo menos do ramo químico, só vão aceitá-la quando virar lei”, afirma. Para ele, com a jornada menor, além da geração de novos empregos, será possível ao trabalhador ter mais tempo até para atender a uma demanda constante das empresas: aprimorar sua qualificação. “Para estudar e se qualificar, é preciso ter tempo livre”, pondera. Armando Diego trabalha 44 horas semanais na Thermoid. E estuda à noite, porque enxerga a necessidade de se aperfeiçoar. “Mas não sobra tempo para eu curtir o meu filho. Ele reclama muito e eu também sinto falta disso”, lamenta o metalúrgico de Salto. A aprovação de uma emenda à Constituição que institua a jornada semanal máxima de 40 horas tem sido um dos principais embates travados pelas centrais sindicais. A inclusão do projeto na pauta de votações do Congresso antes do encerramento do ano legislativo foi a grande bandeira da marcha que reuniu 50 mil pessoas na capital federal no dia 10 de novembro – a sexta manifestação do gênero desde 2003. A regulamentação do trabalho terceirizado e a efetivação da política de valorização do salário mínimo também foram destaque na agenda do movimento. Os temas foram objeto de audiências com o presidente Lula e os presidentes da Câmara, Michel Temer, e do Senado, José Sarney. Houve ainda protesto diante do Supremo Tribunal Federal contra o abuso por

pre aconteceu em episódios anteriores de crise. O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) apurou que, nas turbulências do início e do final dos anos 1980 e dos anos 1990, o número de pobres aumentou e o país não cresceu. Agora, na derrocada financeira internacional de 2008-2009, não apenas o crescimento brasileiro foi rapidamente retomado como, mesmo durante a crise, o número de pobres continuou diminuindo. “Mas é preciso que os aumentos reais do mínimo sejam garantidos nas próximas décadas para que continuemos na rota de distribuição de renda e da redução das desigualdades. Vale lembrar que 43 milhões de brasileiros, entre eles 18 milhões de aposentados e pensionistas, ganham salário mínimo”, afirma Artur Henrique dos Santos Silva, presidente da CUT. Ele atribui à ação do movimento sindical, com suas marchas anuais a Brasília, os aumentos reais que nos últimos anos foram conquistados para o salário mínimo. “Queremos que isso se transforme numa política de Estado, e não apenas do governo Lula ou de seus sucessores”, complementa. Para isso, esse mecanismo já negociado com o governo, de garantir ao salário mínimo a reposição da inflação mais um aumento real baseado na evolução do PIB, precisa se transformar em lei. Segundo Artur, as mobilizações e a abertura do governo ao diálogo – “sem tentar criminalizar o movimento sindical, como os anteriores” – foram cruciais para que milhões de pessoas saíssem das classes C e D. “Estamos avançando, mas é preciso reconhecer que a distribuição de renda ainda é muito injusta”, enfatiza o presidente da CUT.

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ENTREVISTA

Ganho de qualidade A greve dos bancários driblou até uma aliança dos bancos com a PM e pode ter deixado referências para os próximos anos

P

ara Luiz Cláudio Marcolino, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, a greve nacional deste ano fez lembrar a de 1985. E só foi possível porque teve a adesão dos mais diversos segmentos por onde transitam os negócios bancários. A campanha salarial refletiu um processo de organização amadurecido desde o início da década, marcado pela unidade, com bancos públicos e privados na mesma mesa, pelo esforço de comunicação com a categoria e pelo diálogo com vários setores da sociedade. Luiz Cláudio, que integra a diretoria do sindicato desde 1991 e preside a entidade desde 2004, considera diferenciado neste ano o compromisso do BB e da Caixa de abrir 15 mil novos postos de trabalho. E espera ter criado novas tendências para negociações nos próximos anos.

Os bancários estão entre os protagonistas do novo sindicalismo que emergiu no país no final dos anos 1970 e vêm forjando lideranças de projeção nacional. Ao mesmo tempo, sempre enfrentamos uma classe patronal conservadora, que sempre resistiu a reconhecer o papel da organização do trabalho na democracia e na qualidade da produtividade. Embora tenhamos amadurecido bastante em nossos processos de negociação, a modernização da relação capital-trabalho não se deu nas mesmas proporções. Em 1985 a maioria dos que estavam na linha de frente das paralisações eram funcionários de bancos públicos e escriturários e caixas. Depois, nos anos 1990, o movimento bancário sentiu o baque que colocou os sindicatos na defensiva. A um só tempo, aconteciam as transformações nos processos de produção e de gestão, com as terceirizações, as grandes fusões, aquisições e privatizações. Tudo isso num ambiente de muito desemprego e forçação de barra para reduzir direitos. A defesa dos direitos e dos empregos dominou a pauta. Ainda assim, conseguimos conquistas importantes, como Participação nos Lucros e Resultados (PLR), vales-refeição e alimentação, além de expandir nossa organização em todo o país. Conquistar uma convenção coletiva de trabalho com validade nacional foi decisivo para manter coesos os direitos da categoria e coibir a discriminação regional.

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Em muitos lugares, policiais abriam caminho para que grevistas entrassem, e eles se recusavam. Essa dignidade fez a diferença

GERARDO LAZZARI

Os bancários têm feito campanhas com greves antes mais comuns no setor produtivo. Por quê?


A busca de mão de obra mais barata?

Não adiantaria, por exemplo, um banco tirar sua base operacional de São Paulo e se instalar no interior do país. Nem há como pagar para um caixa de uma cidade do Nordeste pisos ou vales-refeição menores que os recebidos por um colega dele do eixo Rio-São Paulo. A organização nacional ajudou na conquista de muitos avanços mesmo num tempo de vacas magras. Aos poucos fomos melhorando a qualidade social da convenção coletiva nacional e recuperando espaço para discutir com mais força os itens econômicos.

Você se refere à greve deste ano?

A greve deste ano foi o ápice de um processo que vem se desenhando desde 2003. De lá para cá, conseguimos introduzir na convenção maior proteção aos portadores de doença ocupacional; temas como combate às discriminações (em contratação, remuneração e ascensão no emprego), terceirização, segurança bancária, planos de carreira, apoio à qualificação profissional e custeio de cursos superiores e de especialização, auxílio-educação em alguns bancos, ampliação da licença-maternidade de 120 para 180 dias, entre outros avanços. Este ano, por exemplo, instituímos a igualdade de direitos dos casais heterossexuais aos homoafetivos. E desde 2003 temos aumento real de salário e aprimoramento dos critérios de cálculo da PLR.

Os bancos estão mais democráticos?

Seria bom, mas, infelizmente, sempre procuram reduzir custos e aumentar lucros onde puderem. Uma prova de que não estavam bem intencionados foi começarem a fazer reuniões com a Polícia Militar de São Paulo antes mesmo de começarem as negociações. Ou seja, sabiam que iam tentar emplacar uma proposta inadequada e a categoria ia fazer greve. Contavam com a força da PM para inviabilizar a adesão dos bancários. Só que não deu certo. Denunciamos ao secretário de Segurança e à opinião pública. Quando a greve começou, a adesão dos bancários desmontou de vez a tática. Em muitos lugares, policiais abriam caminho para que grevistas entrassem, e eles se recusavam. Essa dignidade fez a diferença.

A adesão chegou a níveis como os de 1985?

A adesão foi grande em todo o país. A diferença em relação a 1985 foi que dessa vez o movimento envolveu todo mundo, incluindo analistas, comissionados, pessoal de vendas, retaguarda, de prédios administrativos, gerentes, enfim, toda a cadeia por onde circulam os negócios bancários. Tudo isso é fruto de um árduo processo de preparação que vem se dando nos últimos anos, que passou também pela identificação, por parte do sindicato, do novo perfil profissional formado depois da revolução tecnológica e da modernização do setor. Hoje há muito mais profissionais especializados e fazendo carreira do que há duas décadas. Para dialogar com toda essa diversidade temos investido muito

na comunicação, e isso vai desde os equipamentos de som na porta dos locais de trabalho até a produção de mídia propriamente dita. Nosso site teve mais de 100 mil acessos por dia. O sucesso da greve vem de um envolvimento mais consistente e qualitativo da categoria, além de quantitativo. As assembleias voltaram a lotar, com 2 mil, 3 mil bancários. Isso não começou agora, é um processo. Democracia, a economia aquecida e o desemprego em baixa também favorecem a mobilização. E os resultados?

Além da reposição da inflação, conquistamos 1,5% de aumento real, o que totaliza reajuste de 6% aplicado também aos vales-refeição e alimentação e na 13a cestaalimentação. Garantimos o cálculo estrutural da PLR, de 90% do salário mais R$ 1.024, podendo chegar a 2,2 salários para cada trabalhador, além de uma parcela adicional de distribuição linear mais perene, de 2% do lucro líquido dos bancos. Os públicos, que negociavam separadamente e atravessaram o período FHC sem reajuste, consolidaram a sua presença na mesa com a Fenaban e passaram a incorporar conquistas. Asseguramos o compromisso de criação de 5 mil novos postos de trabalho na Caixa e 10 mil no BB, o que também vai melhorar as condições de trabalho e de atendimento dos clientes. Os clientes não ficam bravos com as greves?

Temos como prática dialogar muito com a opinião pública e o conjunto da sociedade. Isso não é pauta da data-base, faz parte do nosso dia a dia. Realizamos eventos em parceria com entidades representativas da sociedade, do meio jurídico, dos consumidores. Promovemos debates e campanhas sobre temas como spread­bancário, assédio moral e sexual, cumprimento de metas abusivas nas agências, interditos proibitórios e direito de greve. As pessoas se identificam e se sentem representadas. O sistema financeiro não é, para nós, mero local de trabalho. Tem responsabilidades para com os consumidores e com o crescimento do país.

Você acredita que esses desdobramentos podem influenciar futuras campanhas?

Ainda podemos avançar em temas, intervir no fim das metas, que hoje adoecem e enlouquecem pessoas, na remuneração variável, buscar ações mais efetivas para eliminar a terceirização, erradicar as discriminações, discutir uma estrutura de aposentadoria complementar, metas de expansão do emprego, do crédito sustentável, enfim, a realidade se modifica cada vez mais rapidamente e temos de estar prontos para adaptar nossas negociações às novas demandas. Os bancos também devem buscar isso, entendendo que, quanto mais compartilharem seus resultados com seus funcionários e com a sociedade, melhor será para todo mundo. Acredito que tenhamos estabelecido novos paradigmas e apontado tendências para os próximos anos. De preferência sem greves, mas se precisar... fazer o quê?

Ainda podemos avançar em temas, intervir no fim das metas. A realidade se modifica cada vez mais rapidamente e temos de estar prontos para adaptar nossas negociações às novas demandas

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SAÚDE

DOENÇA PÚBLICA, S Carente de recursos, o sistema público de saúde ainda vê governos repassar a grupos de medicina privada verbas que permitiriam ao SUS cumprir melhor o seu papel: atender bem e de graça qualquer brasileiro Por Evelyn Pedrozo

O

mundo inteiro está de olho na tentativa de Barack Obama de implementar nos Es­tados Unidos sua mais am­biciosa promessa de campanha: um programa social e global de saúde, cuja falta macula a imagem do país mais poderoso do mundo – onde hoje quem não paga não tem vez. E, se para os americanos a busca de uma solução para o sistema de saúde teve grande peso na eleição, há quem acredite que, no Brasil, o tema pode começar a ganhar maior importância em 2010 justamente por ser um gargalo à procura de respostas. Movimentos sociais e sindicais se articulam para defender o Sistema Único de Saúde, o SUS, proposta inovadora e socialmente justa que há mais de 20 anos prevê atendimento médico gratuito a todos os brasileiros, sem nenhum tipo de discriminação. em O SUS foi criado em 1998, uma década depois de a Constituição Federal definir que a saúde é direito de todos e dever do Estado. O sistema, com cobertura integral e universal para 190 milhões de habitantes, encontrase hoje em uma crise de financiamento e de gestão que ameaça seus princípios. O país precisa de recursos: o gasto anual por pessoa é de US$ 600; para que nenhum brasi-

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leiro precise pagar o próprio plano de saúde particular para encontrar atendimento, teria de ser mais de US$ 3 mil per capita. O déficit no sistema público de saúde cresce porque a Previdência Social deixou de financiar a assistência médica. Mas o tiro fatal foi a extinção da CPMF, em 2008. A perda anual no orçamento do Ministério da Saúde chegou a R$ 24 bilhões. Hoje o ministério propõe a criação de uma nova contribuição. Pela proposta, 95% da população

isenta, a contribuição só atingiria pessoas com renda superior a R$ 3.200 e proporcionaria um caixa estimado em R$ 13 bilhões. Para agravar esse cenário de restrição orçamentária, um componente tem motivado a mobilização da sociedade em defesa do SUS: a terceirização do atendimento por meio de contratos de gestão firmados com Organizações Sociais (OS). O tema pulsa entre representantes do setor. De acordo com o presidente do Conselho Nacional


SAÚDE PRIVADA porque são gerenciadas como um negócio, e a função do hospital público, muito diferente disso, é atender a todos. Segundo o dirigente, também os valores gastos pelos governos com as OS são maiores do que se o atendimento fosse direto ao público. O CNS defende uma nova CPMF. Jovita José Rosa, diretora da União Nacional dos Auditores do SUS (Unasus), igualmente critica os governantes que entregam os aparelhos públicos para a iniciativa privada. “Essas OS trabalham na medicina curativa, não na prevenção, porque querem receber por tratamentos mais caros. Até podem pagar melhores salários, mas precarizam a relação de trabalho, e o funcionário fica refém da empresa”, afirma.

SALA CHEIA Mãe com a filha de 3 anos no colo aguarda atendimento na AMA do Planalto, em Itaquera, São Paulo

DIEGO PADGURSCHI /FOLHA IMAGEM

Princípios do SUS

de Saúde (CNS), Francisco Batista Júnior, o modelo das OS, proposto em 1998 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, avançou fortemente no final da década de 1990 nos estados da Bahia, Tocantins, Pará e Maranhão e recuou entre 2002 e 2007. Em seguida, se fortaleceu nos estados de São Paulo, Bahia, na cidade do Rio de Janeiro e no Distrito Federal, além de Pernambuco, onde há uma disputa judicial por sua implantação.

Para o CNS, essa terceirização afronta a Constituição Federal e a Lei nº 8.080, de criação do SUS. “O SUS deve ser prioritariamente público e estatal. O Estado só pode privatizar o que não é sua responsabilidade fazer”, afirma. “No entanto, hoje 60% dos recursos do SUS são direcionados para a iniciativa privada. Somos o país mais privatizado do mundo.” Batista Júnior afirma que as OS só atendem de acordo com a capacidade instalada

O SUS é uma proposta socialista baseada­ nos princípios da universalidade, integralidade e equidade. De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (Sindsaúde-SP), Benedito Augusto de Oliveira, o Benão, as OS põem em risco esses princípios ao não garantir atendimento a todos os cidadãos e não admitir que todos são iguais perante o sistema. “Além disso, excluem os conselhos de saúde – que são uma ferramenta legal com a qual a sociedade pode fiscalizar e ajudar a melhorar o sistema. Tanto os conselhos como as conferências de saúde apontam para o caminho do serviço público, e não para as OS. Queremos saber por que se insiste nesse modelo, que o governador José Serra (SP) não admite chamar de terceirização ou privatização, mas de parceirização.” Em setembro passado, o governador paulista conseguiu aprovar a Lei Complementar nº 1.095, que permite a adoção do contrato de gestão por OS em hospitais já existentes e estende o modelo para as áreas de cultura e esporte. Contratos de gestão firmados entre governos e OS dispensam licitação. As organizações recebem 10% do total do orçamento enviado à unidade hospitalar como pagamento pelo gerenciamento, além de todo DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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o valor referente ao custo de manutenção, incluindo funcionários e a estrutura física do local. “Com as OS, São Paulo acaba com a ferramenta de controle social dos conselhos e manuseia a verba da saúde sem participação da sociedade civil”, explica Benão. Segundo o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP), nessa lei complementar a Assembleia Legislativa conseguiu pelo menos barrar a proposta governamental de direcionar 25% dos leitos nas OS para planos de saúde. Diogo afirma que, na capital paulista, as unidades de saúde já estão praticamente todas nas mãos das OS. “Nos hospitais municipal e estadual do Servidor Público, assim como no Cruz Azul, há um desmonte total das carreiras. A terceirização atinge vários setores”, critica. O parlamentar aposta que a saúde será o grande tema nos debates das eleições de 2010. “O Brasil vai passar quatro ou cinco anos de enorme dureza na saúde e na Previdência se os governos forem mais liberais. A maior aspiração dos cidadãos hoje é ter um

plano de saúde, o que permite que as empresas avancem cada vez mais para assumir os aparelhos do Estado”, conclui. Apesar das agruras financeiras, o SUS carrega algumas bandeiras para o Brasil, como o fato de possuir o melhor programa de combate à Aids do mundo, cobertura da totalidade da população em vacinações, de 97% das hemodiálises realizadas no país, de 90% dos procedimentos de alto custo em cardiologia, neurologia, neurocirurgia, entre outras especialidades, abrangência do Samu (192) a 130 milhões de brasileiros. Por ano, são feitas 12 milhões de internações e o programa público de transplante realiza cerca de 15 mil cirurgias, segundo dados destacados pelo diretor do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems) e secretário de Saúde de São Bernardo do Campo, Arthur Chioro. Para ele, também tem evidência internacional o programa brasileiro de medicamentos genéricos.

O braço da lei

A promotora de Justiça Anna Trotta Yaryd, do Ministério Público de São Paulo, ressalta que existe questionamento da constitucionalidade das OS, ainda pendente de decisão no Supremo Tribunal Federal. “Fato é que a lei diz que a participação do privado no SUS deve ser complementar, e em São Paulo há casos de desestruturação do serviço existente, como o laboratório do Hospital Emílio Ribas”, afirma. Na cidade de São Paulo, segundo a promotora, houve contratação de forma acelerada e nenhuma estruturação para isso. No caso das unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMA), criadas em São Paulo, o que existe é apenas uma divisão do atendimento da UBS (posto de saúde). E a AMA não encaminha para o sistema. As OS estão assumindo o Programa de Saúde da Família (PSF), as AMA, os serviços do

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intestinal e nos joelhos. Silvana conseguiu atendimento imediato no Hospital das Clínicas, e a menina ficou quatro meses internada. Nunca teve a quem reclamar. Casos como o de Silvana se replicam por todo o país. Guilherme, de 10 anos, nasceu em Mato Grosso do Sul com uma deformidade torácica. Somente no ano passado a família levou o garoto a Brasília em busca de atendimento médico. Depois de uma corrida de um lado para outro, desde dezembro o nome dele está na lista de espera do Hospital Sarah Kubitschek, administrado pela OS Rede Sarah, para colocação de uma prótese. Cada dia corrido reduz as chances de recuperação. No último dia 20 de outubro, Diva de Paiva, que acompanha o caso de Guilherme, ligou para o hospital e ouviu mais uma vez uma negativa com o argumento de que ali são priorizadas urgências. “Ele se envergonha do defeito porque as outras crianças fazem piada. Isso vai prejudicar o futuro dele. A gente precisa de uma solução. Quanto antes começar o tratamento melhor. Isso não é urgente?”, questiona.

Há um ano Guilherme espera corrigir uma deformidade torácica

AUGUSTO COELHO

O tema saúde é arma eleitoral poderosa. Os cidadãos mais humildes, com menor nível de informação, viram massa de manobra. Como seria possível uma mãe relevar um atendimento tão precário que quase levou sua filha a óbito? Silvana da Silva, de 25 anos, questionada sobre sua satisfação com o Hospital Geral Santa Marcelina, administrado pela OS Santa Marcelina, quase esqueceu de contar à reportagem o drama vivido quatro anos atrás no local, pois recentemente precisou de cuidados e tudo deu certo. Por não ter conselho local, Silvana não tinha a quem falar sobre o problema que enfrentou em 2005, quando foi submetida a uma cesárea. Ela passou uma semana indo diariamente ao hospital para o parto e era dispensada por ainda não ter dilatação suficiente para o parto normal. A passividade do atendimento acabou quando ela chegou ao hospital com a perda de um líquido verde, que já estaria indicando sofrimento do bebê. A menina, hoje com 4 anos, escapou por pouco. Em consequência do descuido, teve meningite, trombose, infecção

Silvana quase perdeu a filha por negligência no atendimento

GERARDO LAZZARI

Desinformação e resignação


PAULO LIEBERT/AE

DEMANDA Fila na farmácia do Hospital das Clínicas, em São Paulo

Capes (de atenção psicossocial) e as UBS. “Justificam o modelo e a regionalização em razão da necessidade de melhoria do funcionamento do sistema”, comenta. O Ministério da Saúde, por meio de sua assessoria, defende a criação de uma nova figura jurídica: a fundação estatal de direito privado. “É 100% pública, faz parte da estrutura do Estado, e atenderá somente ao SUS, com porta de entrada única.”

Complexidade

Uma das duras críticas feitas às OS é o não atendimento de casos mais graves. O presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Cid Carvalhaes, observa que os governos estadual e municipal alegam que o custo de internação nos hospitais administrados pelas OS é baixo. “Mas o problema é que nesses locais não são atendidos pacientes com doen­ças de alta complexidade. Não há unidades de hemodiálise para tratamento de doentes renais crônicos, por exemplo. Quem precisa de internações prolongadas encontra as portas fechadas”, diz. “Os atendimentos e internações são seletivos. Além disso, os hospitais não fazem transplante de órgãos nem oferecem medicação de alto custo­. Os pacientes com problemas complexos são enviados para outros hospitais ou prontos-socorros da rede pública sem a certeza de agilidade no atendimento”, denuncia.

O sindicalista observa ainda que em São Geral de Pedreira) no exercício de 2008. O Paulo o assunto não chegou sequer a ser déficit do exercício era de R$ 9,1 milhões, discutido no Conselho Municipal de Saú- valor quase idêntico ao montante contraído de. “O Ministério Público já denunciou que em empréstimos bancários. “Nesse hospital ocorreu uma diminuié uma maneira de burlar, de uma só vez, o controle público, a lei de licitações, os li- ção nos atendimentos de primeira consulta, consulta subsequente, mites para gastos com pessoal obstétrica e pediatria e um aue a responsabilidade fiscal, ul- As OS põem em risco os mento em cirurgia, mostrantrajando o SUS.” do priorização em atendimenO Sindsaúde-SP reforça a princípios tos mais custosos”, alfineta o acusação de que as OS funcio- do SUS ao diretor do Sindsaúde-SP Ânnam atualmente como hospi- não garantir D’Agostini. Para ele, o tais referenciados, conhecidos atendimento gelo grosso dos gastos das OS se dá como hospitais de portas fecom altos salários para cargos chadas, pois atendem somen- a todos os de confiança. O mesmo Diário te pacientes encaminhados por cidadãos e aponta déficit em 11 hospitais outros serviços, enquanto os não admitir em 2008 e 10 em 2007, no espróprios hospitais do estado que todos tado. “O grande argumento das atendem a todos os usuários, são iguais OS é que elas podem ter déficit indiscriminadamente. perante o e o estado não pode.” Estudo do Dieese mostra que Um estudo dos relatórios dos o orçamento da Secretaria da sistema Saúde do Estado de São Paulo passou de contratos de gestão dos hospitais estaduais R$ 5,66 bilhões em 2004 para R$ 10,94 bi- que já estão sob administração das OS revelhões em 2009, variação de 93,25%. No mes- la que a terceirização dos serviços já avança mo período, os repasses da secretaria para para a quarteirização. Em 2008 quatro deas OS subiram de R$ 626,23 milhões para les gastaram mais com serviços de terceiros do que com pessoal próprio: Hospital R$ 1,89 bilhão, crescimento de 201,97%. No entanto, o Diário Oficial do Estado de de Francisco Morato (Santa Casa de SP), São Paulo do dia 27 de março de 2009 pu- de Pedreira (Associação Santa Catarina), blicou o balanço patrimonial da Associação da Vila Alpina (Seconci) e Itapecerica da Congregação de Santa Catarina (Hospital Serra (Seconci). DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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ESPECIAL

O homem humano O filme Lula, o Filho do Brasil conta uma história de superação comum a milhões de nordestinos. A diferença é que esse homem não virou suco Por Cláudia Motta e Paulo Donizetti de Souza

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população da Região Sudeste é composta por 7 milhões de habitantes que deixaram sua terra natal em algum estado nordestino em busca de uma vida melhor. Entre eles vieram Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira de Mello, a dona Lindu, que acabaria criando sozinha seus oito filhos. O sétimo, Luiz Inácio da Silva, dá título a Lula, o Filho do Brasil, livro da jornalista Denise Paraná editado pela Fundação Perseu Abramo. Eles são, antes de tudo, sobreviventes. Quando o garoto nasceu, em Garanhuns, no sertão de Pernambuco, a probabilidade de não completar o primeiro ano de vida era cinco vezes maior que hoje. Em 1945, a mortalidade infantil vitimava 188 de cada mil bebês nascidos vivos no Nordeste. “Quando eu era criança, tomava água do chão junto com o gado e ficava brincando com aqueles caramujinhos”, contava ele à autora, quando ainda era assessora do dirigente petista. Essa taxa hoje é de 36 no Nordeste e de 18 no Sudeste. Dona Lindu viajou para São Paulo com sete de seus filhos durante 13 dias e 13 noites num pau de arara. Foi o filho mais velho, que já vivia com o pai em Santos, quem escreveu uma carta em nome de Aristides chamando a família. “Venda tudo e venha para cá”, anotou, enquanto o pai analfabeto ditava: “Aqui não é nada do que dizem. Trabalha muito e ganha pouco. Tudo o que temos está aí...” Alcoólatra, rude e incapaz de deixar os filhos estudarem ou brincarem, ele logo seria abandonado. “Nessa família não vai ter bandido nem prostituta”, dizia ela. Vavá, Ziza (Frei Chico) e Lula tornaram-se operários qualificados, Zé Cuia virou motorista, Jaime continuou estivador. Marinete, Maria e Sebastiana casaram-se. No livro de Denise, cada um deles conta sob seu ponto de vista a trajetória da família. Em 2002, o livro foi parar nas mãos do cineasta Luiz Carlos Barreto, que comprou os direitos. Depois de um longo período de captação de recursos e preparações, as filmagens, com direção de Fábio Barreto, ocorreram este ano. A história é contada numa película de duas horas de duração, com fotografia, som, atores e montagem de primeira. O “épico”, como define o diretor, está pronto para a estreia nacional, em 400 salas do circuito comercial, em 1º de janeiro. 22

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Felipe Falanga, Luiz Inácio menino, com a família em Pernambuco


no de Guimarães Rosa Da saída do sertão no pau de arara, passando pela chegada em Santos e a breve convivência com o pai, a mudança para São Paulo, a formação no Senai, os empregos no Ceasa e nas fábricas, à formação do líder sindical, a história é contada em simplicidade cronológica, sem se aprofundar em nenhum momento da vida de Lula. Mas permite uma leitura quase psicológica de sua formação, a criança atenta, o adolescente dedicado, o jovem apaixonado, que perde precocemente o grande amor e vai “ocupar a cabeça” na atividade sindical. Passa a contestar e a mudar a estrutura na qual mergulharia para se tornar o maior líder da história – sempre tendo como pano de fundo a personalidade, a sabedoria serena e a firmeza da mãe na condução de sua vida.

Rédeas do destino

HERÓI POPULAR No final da década de 70, em assembleia no Estádio da Vila Euclides Guilerme Tortolio, adolescente cursando o Senai

“Um aspecto fascinante da vida de Lula é que, quando ele não toma as rédeas do destino, é como se o destino fosse até ele e o puxasse para a frente”, afirma Daniel Tendler, corroteirista do filme. Começou com a carta falsa do irmão, uma guinada no destino de toda a família. A militância também foi por acaso. Ele já era um herói para a família: tinha estudado, estava empregado, poderia ficar naquela vida para sempre. Apesar de já participar do sindicato quando era casado, foi na perda de sua primeira mulher, Lurdes, no último mês de gravidez, que a militância ganhou um espaço que certamente não teria ocorrido em outras circunstâncias. O diretor Fábio Barreto afirma estar preparado para as cobranças e a politização em torno da obra. “Pois é, como em jogo de futebol, no caso do Lula, todos se transformam em técnicos, especialistas no assunto, de uma maneira ou outra”, ironiza. “A história de Lula é muito mais cheia de incidentes do que está na tela, e muita coisa foi atenuada, como a violência do pai, ou a da avó, uma rendeira que expulsava a tiros os netos que iam pegar melancia em seu quintal. Sem falar que no velório da mulher e do filho houve uma enchente, o piso cedeu e a casa desabou. A cena foi filmada, mas não colocamos. Se o filme fosse contar a história toda, ninguém aguentaria”, diz o cineasta, que não tem medo de cobranças. “Não vai faltar nenhuma, a começar pela família, passando por quesRui Ricardo, jovem metalúrgico da Scania

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tionamentos de o filme ser lançado em ano eleitoral e atuar como peça de propaganda. Mas Lula não precisa do filme. Nós é que estamos tirando uma casquinha da popularidade do presidente.” Fábio Barreto destaca que o filme não foi feito para entender o Lula, mas para as pessoas verem que mesmo nas piores condições é possível chegar aonde ele chegou. “Ele é um migrante nordestino, um exoperário, e o principal bem que fez ao país foi o aumento da autoestima, como se dissesse o tempo todo ‘eu sou igual a você, nós somos iguais. Eu estou aqui porque eu teimei muito. Não fiquem aí reclamando da vida’. ” O ator Rui Ricardo Diaz, que interpreta o Lula adulto, não teve acesso ao presidente para compor seu personagem, mas a seus irmãos, parentes, amigos. “É só falar na dona Lindu e todos choram. Eu me emocionei muito com uma história tão verdadeira. Hoje compreendo essa emotividade tão presente no Lula – ele passou por perdas muito grandes, do pai, que na verdade nunca teve, da mulher e do filho, a perda do dedo. E após cada perda ele se transformava e ficava mais forte.”

A dona da história

A idéia de filmar Lula, o Filho do Brasil foi de Luiz Carlos Barreto. Ele conta que em viagens ao exterior, quando dizia que era brasileiro, as pessoas sempre perguntavam sobre Pelé, Ronaldo, Ayrton Senna e, depois da primeira eleição do líder sindical metalúrgico, em 2002, passou a ouvir “quem é o Lula?”. “A pergunta vinha de motorista de táxi, de porteiro de hotel, de gente do meio artístico, em festivais. De tanto ouvir ‘quem é o Lula?’, percebi que eu também não sabia. Como a maioria das pessoas, sabia que ele era presidente da República, tinha sido líder sindical, fundador do PT. E nada além. Um dia, em Brasília, conversei com Gilberto Carvalho e contei essa história. Ele perguntou: ‘Você quer mesmo saber?’ Abriu a gaveta e me deu o livro Lula, o Filho do Brasil. Comecei a ler no voo, continuei no táxi, virei a noite lendo, e só parei quando terminei. Ao fechar o livro, sabia que tinha um belo filme nas mãos, não sobre um político ou o presidente da República, mas sobre um homem comum, sua família e a extraordinária capacidade de superar dificuldades.” Lucy Barreto, mulher de Luiz Carlos e sua sócia na LC Barreto produções, conta que acompanha a trajetória de Lula desde os anos 1970. “O filme, no entanto, não aborda sua trajetória política, que todo mundo conhece, mas mostra a história de um brasileiro comum, de um Silva, equivalente a um Smith nos Estados Unidos, a um Dupont na França. Esse Silva deu inúmeras provas de uma extraordinária capacidade de superação.” Lula, o Filho do Brasil é também um filme sobre dona Lindu, talvez mais do que sobre seu filho. “Segundo relato dos outros filhos e de parentes, ela era extremamente filosófica. O grande ideólogo de Lula não foi Lenin, Marx, Fidel Castro. A ideologia de Lula foi extraída dos ensinamentos da mãe, que tinha um lado pragmático que ele também apresenta”, acredita Luiz Carlos Barreto, que refuta os que acusam a obra de ter objetivos eleitorais. “O filme não mitifica o Lula, até porque ele já é um mito. Na verdade, vai em direção oposta – desmitifica, desconstrói, humaniza o Lula. Conta a história de uma pessoa simples e sua capacidade de superar as dificuldades. É difícil falar em destino, mas aquela família não aceitou que o destino fosse inexorável. E essa força da transformação é o maior motivo do filme.”

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RETIRANTE A cena da partida para São Paulo foi filmada 12 vezes

Making of

Dona Lindu amamentando Lula e com os filhos em Garanhuns n A trajetória de Lula é contada de 27 de outubro de 1945, seu

nascimento, a 12 de maio de 1980, data do velório de dona Lindu, quando ele tinha 35 anos e estava preso pela ditadura, e Romeu Tuma, então chefe do Dops, o liberou para ir ao enterro. n Lula é representado por cinco atores: um bebê de 3 meses, um menino de 2 anos, um de 7, um adolescente e Lula adulto. n A casa da família foi reconstituída na Serra do Tará, próximo a Caetés, ex-distrito de Garanhuns (PE). n A cena da partida do pau de arara, na zona rural de Capoeiras, foi filmada 12 vezes até ser aprovada. O caminhão é um De Soto 2951, o mesmo de Cinema, Aspirina e Urubus (2005, de Marcelo Gomes). n O Estádio da Vila Euclides, hoje chamado 1º de Maio, é um marco na trajetória de Lula, onde ele fez comícios para 80 mil pessoas. n As filmagens foram realizadas entre 20 de janeiro e 18 de março de 2009, em Pernambuco (região de Garanhuns e arredores) e São Paulo (Santo André, São Bernardo, São Caetano, Santos, Itapema e capital). Foram, ao todo, 70 locações. O skyline de SP dos anos 60 foi filmado em Recife. n A montagem reproduz trechos dos seguintes filmes: ABC da Greve (de Leon Hirzman), Braços Cruzados, Máquinas Paradas (de Roberto Gervitz e Sérgio Toledo) e Greve!, de João Batista de Andrade, todos de 1979; além de Linha de Montagem (de Renato Tapajós, 1982) e O Noivo da Girafa (com Mazzaropi, de Victor Lima, 1957).


Greve de 1980, já com Marisa (Juliana Barone), grávida

A jornalista Denise Paraná, também corroteirista do filme, sabe que em 2010 muitos interesses estarão em jogo durante a campanha presidencial. “Os ânimos estarão acirrados. Mas eu espero que os meios de comunicação avaliem honestamente o filme, pelas suas qualidades e defeitos reais. Porque quem for vê-lo perceberá facilmente que não se trata de uma peça publicitária; ao contrário, verá que ali não há exaltações ou mitificações, mas apenas ‘homem humano’, como dizia Guimarães Rosa. É preciso lembrar que Lula nem é candidato à reeleição”, ressalta. A produção consumiu R$ 12 milhões, maior orçamento do cinema nacional, e não contou com recursos públicos de leis de incentivo. O maior desafio, segundo a produtora Paula Barreto, foi garantir a fidelidade das imagens de época e não glamorizar as casas, as roupas, os objetos, as pessoas. “Não ter medo da dureza, da aridez, da falta, da miséria. Para evitar qualquer tentação nesse sentido, contamos com o olhar atento de Ziza (Frei Chico), irmão de Lula, que acompanhou todas as filmagens. Ele era a memória viva daquela época e nos dizia: ‘Nós não éramos pobres, éramos miseráveis, as crianças usavam calça de saco, camisas rasgadas, não tinham o que calçar’. Não havia motivo para maquiar essa realidade”, afirma Paula. São 130 atores com alguma fala. Os sete irmãos de Lula foram interpretados por 21 atores, uma leva para cada fase: infância, adolescência e idade adulta. E deveriam ter alguma semelhança. Até um mês antes das filmagens, Lula seria interpretado por Tay Lopes, que por ser hipertenso não poderia passar pelos processos de variação rápida de peso que o papel exigia. “A escolha de Rui Ricardo levou à mudança de todos os irmãos, em todas as fases, em busca de uma semelhança. No total trabalhamos com 3 mil figurantes”, diz a produtora, que até no que se refere à expectativa de público para o filme vê uma ironia do destino. “Quem gosta de Lula não pode pagar o preço do ingresso, e quem pode pagar não gosta de Lula.”

Uma história, dois livros

O primeiro casamento, com Lurdes (Cléo Pires)

A jornalista Denise Paraná trabalhou com Lula em 1989 e nos anos 1990. De tanto ouvir as histórias do chefe, jogou fora uma tese quase acabada de doutorado na USP, sobre a mão de obra feminina no início da industrialização, e pediu para entrevistá-lo. Faria da narrativa biográfica a sua nova tese. O então dirigente Denise Paraná petista toparia, mas com condições: “Se for para fazer um panfleto, puxar meu saco, eu não topo; agora, se você ajudar a explicar como é que eu surgi, vou arranjar um jeito”. Surgiu daí a obra que deu origem ao filme, uma tese de 500 páginas assim descrita por Antonio Candido: “Esse livro esclarece isso e muita coisa mais, fazendo o leitor sentir como o dirigente e o partido se construíram como vasto esforço para arrancar os oprimidos da ‘cultura de pobreza’ e, passando pela ‘cultura da transformação’, aqui encarnada em Lula e sua família, lutar por aquilo que é a essência do socialismo, o esforço para chegar a uma sociedade na qual a distribuição dos bens seja pelo menos tão importante quanto a sua produção”. Lula, o Filho do Brasil foi publicado em 2002 pela Editora Fundação Perseu Abramo e inspirou o filme, com roteiro de Denise, Daniel Tendler e Fernando Bonassi. Depois da produção, Denise elaborou nova versão, A História de Lula, o Filho do Brasil (Editora Objetiva, 144 páginas), com narrativa mais enxuta. “Um romance de não ficção”, define. Ouça entrevistas com Denise Paraná no Jornal Brasil Atual. O site traz também trechos de seu livro. www.redebrasilatual.com.br DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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ESPECIAL

FELIPE BARRA

‘Lindu tem a brav

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vura dos heróis’ Recém-premiada melhor atriz no Festival de Brasília por sua atuação em É Proibido Proibir, Glória Pires considera o filme Lula, o Filho do Brasil uma história comum e avassaladora Por Paulo Donizetti de Souza

G

lória Pires diz que suas filhas acharam “fofo” o filme É Proibido Proibir. Tão fofo que faturou oito prêmios do Festival de Cinema de Brasília, entre eles melhor filme, melhor atriz (para Glória) e melhor ator (o titã Paulo Miklos). Ela está no batente desde criancinha: começou em A Pequena Órfã, em 1969, e ficou famosa aos 15 anos, como Marisa, a filha da ex-presidiária Júlia Mattos em Dancing Days, 1978. Para ela, seu prêmio é só mais um entre tantos faturados no cinema, como em O Quatrilho (no Festival de Havana), ou na TV – pelas gêmeas Ruth e Raquel de Mulheres de Areia ou pela diabólica Maria de Fátima de Vale Tudo. Mas, para o filme de Ana Muylaert, a premiação pode ser promessa de público e salas de projeção, de cuja atenção ainda padece o bom cinema brasileiro. Falta de atenção é o que não passa pela cabeça dos produtores de Lula, o Filho do Brasil, também protagonizado por Glória Pires. O filme estreia em circuito comercial no dia 1º de janeiro em 400 salas do país com a expectativa de ultrapassar a marca de 500 cópias em exibição. A família Barreto sonha bater a bilheteria de Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 10,5 milhões de pessoas. Até o

final de dezembro, trabalhadores sindicalizados poderão adquirir, por R$ 5, ingressos antecipados para as sessões da primeira semana de janeiro. Aos 46 anos, Glória atribui a segurança conquistada na carreira à presença constante dos pais em sua vida, a empresária Elza Pires e o comediante Antonio Carlos Pires, o Joselino Barbacena da Escolinha do Professor Raimundo. Ela admite que viver dona Lindu, a mãe de Lula, foi uma experiência diferenciada, mexeu com sua história de atriz, de mãe e de filha. Para Glória, trata-se de uma trajetória muito comum a milhões de brasileiros, mas ao mesmo tempo desconhecida. “O filme tem a pegada de um épico e dona Lindu, a bravura de uma heroína.” Enquanto você despontava na TV, em Dancing Days (1978), Lula ganhava projeção nacional como líder sindical. Você tinha alguma noção do que estava acontecendo no país naquela época?

Não, nenhuma. Eu só fui ouvir falar do Lula quando ele já era presidente do sindicato, quando houve a prisão (1980).

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O filme O Filho do Brasil tem algo de especial para você ou é só mais um bom filme em sua carreira?

As duas coisas. Acho que ele é um excelente filme, de muita qualidade. Mas o mais especial disso é essa história. Creio que 80% das histórias dos brasileiros passam de alguma forma por essa, que tem dados comuns a todos nós. Só que, por acaso, essa que está sendo contada é a do nosso presidente, e é especial prá gente pelo exemplo que ela dá, de se acreditar que é possível. O brasileiro tem uma crença de que no fim vai dar tudo certo. A gente trata de pessoas que saíram de uma situação de extrema dificuldade e conseguiram reverter essa situação, uma história de futuro improvável.

Eu não tinha ideia de que ela tivesse existido. Ela me tocou. Fala de uma coisa que me é muito cara, meus filhos, minha família. Ela, Lindu, tem um quê de heroína

Uma criança que bebia água da mesma fonte que as vacas é de fato uma sobrevivente…

Né? E como tanta gente. É isso que eu estou dizendo. É uma história comum no Brasil. Mas é a primeira vez que se vê essa ausência completa de horizonte se transformar numa história tão bonita, tão avassaladora.

Como foi o trabalho de pesquisa e de construção da personagem dona Lindu. Quem da família ajudou mais?

Eles ficaram muito emocionados com o fato de verem sua história bem contada, principalmente da ligação deles com a mãe. Depois de tanto anos decorridos da morte dela, ainda hoje todos os filhos se emocionam muito falando dela. Então todos ajudaram demais. O Frei Chico estava em quase todas as filmagens. O Vavá também foi algumas vezes. Eles observavam, conversavam muito. Mesmo sendo uma recriação, eles ficavam muito emocionados de perceberem ali que momentos da vida deles estavam sendo contados. E eu também. Porque é uma história muito linda, e real.

Há alguma cena que a tenha tocado mais?

Uma cena que foi dificílima de fazer foi a da morte, quando ela já está bem doentinha e diz prá ele: “Você sabe o que tem que fazer. Se dá prá fazer, vai lá e faz. Se não, espera, que o mundo vai rodando, vai rodando e a oportunidade vai cair na sua mão”. Enfim, tenha paciência. Aquela foi uma cena muito difícil, eu fiquei muito emocionada, por umas coisas… histórias minhas, meu pai e minha mãe, foi bastante complicado. Bom, a mensagem toda do filme é muito boa.

E como a mãe Glória Pires se relacionou com a mãe dona Lindu? Por exemplo, essa história de ter de fazer um filho mudar de ideia, recuar…

De uma certa forma a gente está sempre fazendo isso. Acho que, para um pai, uma mãe, essa coisa de ver os filhos felizes é o que dá realmente felicidade. Nunca tive uma situação grave. Mas a gente está sempre aconselhando para que eles vejam que o certo é certo. Mesmo que venha o mundo contra, se você está andando certo, você está certo.

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Você acha que o público vai separar as coisas, entender a proposta conceitual, artística, estética, em detrimento do peso político que o filme já carrega?

Eu discordo que ele tenha de carregar um peso político. Eu não tenho na minha trajetória de vida ligação com política e não vejo o filme como um filme político – político-social, sim, mas político-partidário de jeito nenhum. Porque o que ele conta é uma história real, humana. Mas, claro, cada um vê o que quer.

Lula tem uma popularidade muito elevada, mas conta com o preconceito de uma pequena parcela da sociedade. Você acha que o filme pode influenciar alguém a quebrar esse preconceito e rever os conceitos? Você reviu seus conceitos?

Bom, eu fiquei muito surpresa porque não conhecia nada dessa história. E acho que, como eu, muita gente também não conhece. Com certeza o filme vai ser muito esclarecedor. Acho que uma vez que você entende de onde vem esse homem, o que a família dele teve de vencer, a forma incrível como ele chegou aqui, com certeza isso vai tocar pessoas.

Para o ano que vem está prevista a produção de um filme chamado “Nunca antes na história deste país”, de José Padilha, baseado no caso do mensalão. Você acha que isso é um indicador de que o país vive uma cultura democrática madura?

Com certeza. Nós vivemos uma democracia. Agora, vou falar da minha área, que é o cinema. Ele precisa se fortalecer como mercado. E o mercado é plural. Para ter mercado, ele não pode falar com uma parcela da população. O cinema é um lugar aonde as pessoas vão para se distrair, se divertir e também se informar. É uma atitude cultural importante. Então tem de ter a comédia, o drama biográfico, o policial, o cult, tudo isso.

A popularidade do Lula pode estimular pessoas que não têm o hábito de ir ao cinema?

Ainda temos uma luta intensa de mercado. Muitos filmes são produzidos e ficam restritos aos festivais, não têm espaço para ser exibidos.

O filme tem força para ser indicado ao Oscar?

Eu não tenho esse tipo de expectativa, mas acho que ele é grandioso, é um épico, tem pegada. E não poderia ser diferente. É baseado no livro da Denise (Paraná), que é desse tamanho, não tinha como ser um filme corriqueiro, passar batido.

E como é atuar no mesmo espaço que a filha?

A gente não tem muitas sequências. O único diálogo que a gente tem foi criado pelo Fábio Barreto, porque ele não existe no livro. Mas foi muito bacana, porque ela é uma continuação, ela é minha filha, é a terceira geração de artistas da nossa família, que começou com meu pai.


(Risos) É, foi Mariazinha Moura (Cléo Pires interpretou a personagem Maria Moura em sua fase criança, na minissérie Memorial de Maria Moura, 1994), e está numa carreira independente, linda, maravilhosa.

Cinema ou novela?

São coisas distintas, né? Gosto muito de fazer televisão, faço desde que eu me entendo por gente. Mas o cinema tem esse glamour, que é uma coisa só do cinema.

Falando em glamour, você mora em Paris por causa das virtudes da França ou dos defeitos do Brasil?

Nem uma coisa, nem outra. Estou em Paris porque o meu marido, Orlando Morais, que é cantor e compositor, recebeu o primeiro visto chamado Competência e Talento, dado pelo governo francês. De um total de dez concedidos a gente do mundo todo, ele recebeu o primeiro. Esse visto dá direito a ir trabalhar no governo francês por pelo menos três anos, renováveis. Então eu estou lá junto com os meus filhos, usufruindo dessa oportunidade. E, quando está a família toda junto, a gente se adapta a tudo. E por que não viver em Paris, né?

Voltando um pouquinho lá para Dancing Days, você chegou a ser censurada pelo Juizado de Menores, que a proibiu de emitir opiniões sobre educação. Como foi isso?

Eu tinha 14, 15 anos, tive dificuldades na escola porque eu trabalhava. Eu era um estranho no ninho, mas a escola em que eu estudava era Montessoriana, tinha todo um sistema diferente das convencionais. Então eu entendia que também ela devia ver de forma diferente uma aluna que estudava e já tinha uma profissão. Sendo uma escola especial, por que ela não podia agir de uma forma especial? Então foi essa a crítica que eu fiz, e o Juizado de Menores não gostou. Também teve uma vez em que fui trabalhar num desfile – na época do Dancing Days o Lauro Corona e eu fomos contratados por uma grife, a Ellus, prá fazer 12 desfiles pelo Brasil, cada mês num estado diferente – e numa das cidades o desfile era numa boate, e me proibiram de fazer porque eu era menor. Aí reclamei, porque tinha tantas crianças também menores na rua, sem apoio, sem saúde, sendo exploradas, sendo abusadas. Por que eles não iam tirar as crianças das ruas e estavam me tirando dali, onde eu estava ganhando meu dinheiro, com contrato, não estava sendo explorada? Foi por essas coisas que o Juizado implicou comigo.

No filme você vive uma mulher muito segura de que seus filhos precisam de educação e oportunidade. E a televisão, vista por quem está ali no sofá, deu alguma contribuição para melhorar a educação no país, as oportunidades?

Eu acho que sim. Acho que é o veículo mais abrangente que nós temos. Principalmente porque nosso ní-

vel de analfabetismo é muito alto. Então, se você tem acesso à informação sem que precise ler, é realmente importante. Não só no Brasil como no mundo todo é inegável a importância dela. Agora, o uso que é feito dela passa por outras questões, pelo âmbito do mercado, do lucro e outras coisas. Você começou muito pequenininha a conviver com gente muito grande. Quais foram os grandes atores que marcaram a sua formação e sua vida?

Tenho receio de dizer nomes porque tenho medo de cometer injustiça. Tive oportunidades maravilhosas de trabalhar com grandes atores, grandes diretores e também autores que me deram personagens incríveis. Até personagens que eu nem tinha idade prá fazer, maturidade prá interpretar, como a Heloísa Ramos (mulher de Graciliano, no filme Memórias do Cárcere).

Você chegou a viver personagens com tanta força a ponto de mudar seu jeito de viver a vida?

Mudar não digo, porque meus pais sempre foram muito presentes e a gente sempre teve muita liberdade de tratar de qualquer assunto. Então, realmente não houve nada assim que me fizesse mudar, mas vários personagens me tocaram muito, como é o caso da dona Lindu. Eu não tinha a menor ideia de que ela tivesse existido. Quando a conheci, pelo roteiro, ela me tocou profundamente, ela fala de uma coisa que me é muito cara, que são meus filhos, a minha família. Ela, Lindu, tem um quê de heroína, sem dúvida.

Quais são as principais características da dona Lindu que você vê no filho dela?

FOTOS FELIPE BARRA

E já foi “Mariazinha” Moura, né?

Para ter mercado, o cinema não pode falar só com uma parcela da população. É um lugar aonde as pessoas vão para se divertir e se informar. É uma atitude cultural importante

No filho dela eu não sei… Não o conheço tanto assim. Tive um encontro com ele. Mas vejo uma procura pelo bom senso que eu acho que é muito dela. Sem dúvida a perseverança também, essa busca por… ela não é mulher de criar caso. Ela podia até bater, podia ralhar, mas era muito pautada, muito equilibrada.

Como é que é trabalhar num filme inteiro em que o protagonista é o cigarro? Fale um pouco desse seu outro filme que está para estrear, É Proibido Fumar.

É um filme leve, jovem, tem uma pegada de humor velado, uma crítica também, misturada com non sense. Gosto muito do trabalho da Ana Muylaert, do estilo dela. A capacidade dela de organização é uma coisa que eu nunca vi. Ela se prepara para filmar com se estivesse preparando uma aula. Tudo superorganizado. É bacana, porque se algo dá errado ela tem como consertar. Foi um processo delicioso, a gente se divertiu muito. Eu não conhecia o Paulo Miklos como ator, e foi uma grande surpresa, porque ele é uma pessoa extremamente doce, agradabilíssima, foi um príncipe. E eu gostei muito do resultado. Não tem como descrever. É um filme legal. As minhas filhas acharam o filme fofo (risos).

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CIDADANIA

Cinema que vai longe M

Com as salas de exibição fora do alcance da maioria, movimentos se empenham para levar a cultura cinematográfica a lugares aonde ela nunca chega. E descobrem gente que, além de ver, quer fazer Por Xandra Stefanel 30

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aria Nair Nicolau, mineira de Chapada do Norte, em seus 52 anos nunca teve a oportunidade de sentar-se em uma poltrona de cinema para assistir a um filme, nem de levar seu neto, Everton Henrique, de 8 anos, a uma sessão. Moradores da Cidade Tiradentes, distrito no extremo leste da capital paulista que tem uma das maiores concentrações de conjuntos habitacionais da América Latina, estão a cerca de 40 minutos da sala de cinema mais próxima, em um shopping de Itaquera. Com o salário de babá, dona Maria não teria condições de pagar os ingressos e a pipoca para ela e o neto, de quem toma conta. Numa noite chuvosa de sábado, em novembro, eles estavam numa sessão popular de cinema no pátio da escola Oswaldo Ara-

nha Bandeira de Mello, em que Everton estuda, bem no centro do bairro onde moram. E o melhor: com ingresso e pipoca de graça, Maria, na companhia de seu neto, assistia a curtas-metragens num telão como o do cinema pela primeira vez. A exibição foi feita pelo projeto Cine B, parceria entre o Sindicato dos Bancários de São Paulo e a produtora Brazucah. “Não queria vir, mas o Everton pediu e eu vim. Gostei muito do filme do cangaceiro (O Nordestino e o Toque de Sua Lamparina, de Ítalo Maia). Da próxima vez venho de novo”, diz, no acender das luzes, tímida e ainda encantada. O projeto existe desde 2007 e até setembro levou o cinema nacional a mais de 11 mil pessoas em pátios de escolas, salões de igrejas e associações de bairro, com média de 110 pessoas por exibição. Dos 5.564 municípios brasileiros, apenas 482 (8%) têm salas, de acordo com a


FOTOS DIVULGAÇÃO

ENCANTAMENTO A tenda com ar condicionado do Cine Tela Brasil já esteve em 262 cidades do país

Pesquisa­de Informações Básicas Municipais de 2006, do IBGE. Para enfrentar o baixo índice de acesso devido a preço alto e ausência de cinemas, associações, ONGs e sindicatos alavancam um movimento que ganha força desde o início de 2000: a exibição de filmes nas periferias. Para Marcio Blanco, idealizador do Fórum de Experiên­

cias­­Populares em Audiovisual (Fepa) e organizador do Festival Visões Periféricas, iniciativas começaram a surgir com a rearticulação do movimento cineclubista no Brasil. “As entidades que já trabalhavam com formação audiovisual passaram a criar pontos de exibição e, de dois ou três anos para cá, as duas coisas se juntaram.” Bem antes disso, em 1996, os cineastas Luiz Bolognesi e Laís Bodanski saíram por aí numa perua Saveiro com um projetor de 16 milímetros, tela montável e filmes brasileiros de curta-metragem fazendo exibições em praças e escolas de São Paulo. Depois, com um gerador elétrico, seguiram para o Norte e Nordeste, parando em comunidades aonde nem sequer chegava energia elétrica. Nascia assim o Cine Mambembe, que em 2004, já com patrocínio privado, deixou de ser mambembe e virou o Cine Tela Brasil, uma sala itinerante com 225 cadeiras, projetor de 35 milímetros, som surround e ar condicionado. De lá para cá, quase 615 mil pessoas frequentaram as 3.142 sessões de cinema em 262 cidades de quatro estados. Em 2000 surgiu nos mesmos moldes o Cinema BR em Movimento, do Programa Petrobras Cultural, que leva a sétima arte a praças públicas, associações de moradores, escolas de ensino fundamental e médio, hospitais, presídios e assentamentos agrários. Quando a comitiva do Cinema BR em Movimento passou em 2002 por São José, município próximo a Florianópolis, o resultado foi tão bom que despertou a atenção da Nação Hip Hop, organização não governamental que trabalha na divulgação da chamada cultura de rua, com foco nos jovens em situação de risco social. Logo inauguraram o Cinema na Favela, conseguiram cópias de filmes com produtoras e distribuidoras de cinema e começaram as sessões. Atualmente em reforma, o teatro que abriga o cineclube fica no centro histórico da cidade. Enquanto não fica pronto, os filmes são exibidos em escolas e auditórios de entidades, como a OAB. “As pessoas­passam a ver o cinema como ferramenta pedagógica e o cineclube acaba sendo um ponto de encontro para o debate sobre cidadania,

oportunidade e comunicação”, diz Claudio Rio, jornalista e produtor cultural. Logo no início do projeto, Marcos Antonio Batista estava na plateia assistindo a Notícias de uma Guerra Particular (documentário de João Moreira Salles de 1999) e se empolgou com a iniciativa. O professor de dança começou a ajudar Claudio nas sessões e, sem condições de pagar uma faculdade, esperou por anos uma bolsa. Aos 39 anos, está na terceira fase de Cinema na Unisul. “Aqui é uma comunidade carente, a chapa esquenta. Nosso projeto é abrir um estúdio em 2010 para trabalhar com formação de cinema, teatro, aulas de dança, basquete, grafite... tudo de graça. Já conseguimos tirar 15 pessoas do tráfico. O que precisa é ocupar o tempo deles, ajudar as famílias e ficar atento, porque prá eles voltarem pro crime é fácil.”

Táticas de conquista

Fazer com que o público se identifique com o ambiente retratado nos filmes é um dos meios de atraí-lo. A ONG Oficina de Imagens, de Belo Horizonte, promove cursos de formação em audiovisual. O resultado das oficinas é apresentado aos moradores das comunidades. E um diferencial estratégico que parece funcionar bem é ter a rua como sala de projeção e como telão, quase sempre, uma parede branca. A relações-públicas da organização, Paula Kimo, explica que o Projeto Ocupar Espaços exibe tanto o material produzido nas oficinas que oferecem quanto vídeos preexis­tentes dos moradores. “Usamos o contexto em que eles vivem. Você vê pessoas da sua família, vê a favela mudando. As pessoas ficam surpresas em se identificar numa obra.” Segundo ela, as apresentações, de uma hora e meia, têm sempre no mínimo 100 pessoas e já chegaram a reunir 300. Muitos apostam em conteúdos que tragam debates sobre o contexto social e político em que a comunidade vive. A Fábrica de Imagem é uma entidade de gênero que discute a diversidade sexual no Maraponga, bairro no sudoeste de Fortaleza que se divide entre as belezas naturais remanescentes dos antigos sítios e a ocupação urbana desordenada. Segunda iniciativa de exibição da entidade, De Ponta-Cabeça, lançado em novembro, aborda questões de gênero, diversidade sexual, juventude e minorias. O Complexo da Maré, agrupamento de favelas e conjuntos habitacionais na zona DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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FOTOS EDUARDO ZAPPIA

norte do Rio de Janeiro, também está inaugurando pela segunda vez um espaço para exibir filmes. Sem sala comercial no bairro, o recém-lançado Museu da Maré vai abrigar uma área de livre acesso aos moradores para exibir curtas, médias e longas-metragens brasileiros. “A intenção é formar público e difundir o cinema nacional, em especial o de produção independente. Vamos divulgar as sessões nas escolas e nos centros culturais da região e promover debates”, explica o cineasta Clementino Jr., professor da oficina de audiovisual realizada numa parceria entre o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm) e a Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas do Rio de Janeiro.

Empurrãozinho

No final de 2008 o Ceasm foi selecionado no edital do Programa Cine Mais Cultura, do Ministério da Cultura, e recebeu neste ano projetor digital, telão, mesa e caixa de som, amplificador, DVD player e microfo-

nes sem fio. Isso não foi privilégio apenas do Cineclube Complexo da Maré: entre 2008 e 2009 foram entregues 314 kits de equipamentos e até 2010 serão mais 600. Outros 600 estão previstos, aguardando confirmação. Em 2009 o programa terá 519 pessoas formadas em oficinas de capacitação cineclubista que têm o objetivo de qualificar participantes para fazer programação, divulgação e debates das sessões, além de

ESTREIA Maria Nair nunca tinha ido ao cinema. Assistiu a sua primeira sessão ao lado do neto Everton, no pátio da escola Oswaldo Aranha, em Cidade Tiradentes. O projeto Cine B do Sindicato dos Bancários tem um público acumulado de 11 mil pessoas

FOTOS JAILTON GARCIA

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ENDEREÇO FIXO A ONG Nação Hip Hop, de Floripa, que toca o projeto Cinema na Favela, faz sessões em espaços alternativos enquanto aguarda a entrega de seu cineclube

apresentar introdução à história do cinema, linguagem cinematográfica e informações sobre direitos autorais. Todos os filmes da Programadora Brasil são disponibilizados para as entidades aprovadas pelo edital. De acordo com o coordenador do programa, Frederico Cardoso, 17 oficinas constituíram 346 cines em todos estados: 139 no Nordeste, 87 no Sudeste, 59 no Norte, 39 no Sul e 22 no Centro-Oeste. Em julho o cineclube Espaço Aberto foi indicado pelo Conselho Nacional de Cineclubes para receber o kit de exibição do ministério. Iniciativa de alunos e professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Centro Educacional 02 de Braslândia, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), o espaço não compete com nenhuma sala comercial, já que nessa cidadesatélite do Distrito Federal não há cinema. Todo sábado às 15 horas tem sessão na escola e o público é quase exclusivamente for-

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AUGUSTO COELHO

HÁ VIDA ALÉM DO HOMEM-ARANHA Antonio Carlos, Ana Luiza e Balbino, coordenadores do Espaço Aberto, em Braslândia, cidade-satélite de Brasília: quem vem sai com um olhar diferente

mado por alunos. Os filmes muitas vezes tros dois espaços em cidades-satélites vizisão escolhidos de acordo com o conteúdo nhas, um no Centro de Ensino Médio EIT, em Taguatinga, e outro no Ponto de Culque os professores abordam nas aulas. Antônio Balbino, que faz parte da coor- tura Mundo Olhares Saberes, em Paranoá. denação, lamenta que a frequência ainda “São trabalhos a longo prazo, é um procesoscile tanto. “Tem dia que vêm 80 pessoas­; so bem lento. Esbarramos em mil dificuldades, mas o público vem aumenem outros, três. Apesar de ser tando, apesar de ainda não ser difícil, a gente vê que quem Muitos significativo”, diz o agente culvem sai com um olhar diferen- projetos te, percebe que filme não é só apostam em tural William Alves. Sessão da Tarde, Tela Quente, conteúdos Com duas exibições aos doque há vida além do Homemmingos, o Cinefavela, em Heque tragam Aranha.” No dia em que a Reliópolis, uma das maiores favista do Brasil foi ao Espaço debates velas do Brasil, em São Paulo, Aberto, apenas seis alunos da sobre o também trabalha para conquiscontexto UnB participaram da sessão. tar espectadores. Às 16 horas a Balbino é cineasta e recebeu social e Associação Cultural e Artística menção honrosa pelo filme político de Heliópolis e Sacomã (Acahs) Âmago na Mostra Taguatinga, faz uma sessão voltada às crianem que a ças e, às 18 horas, aos adultos. existente há 11 anos, que em A infantil está quase sempre maio inaugurou, também em comunidade cheia, mas a dos adultos costuparceria com a UnB, um cine- vive clube bimestral com característica diferen- ma terminar com vários lugares vazios. Os te: além das exibições abertas, tem o curso equipamentos são adequados, mas a sala Cinema, Educação e Pensamento, dirigido ainda é dor de cabeça para o presidente da a professores e estudantes da rede pública. Acahs, Reginaldo de Túlio. “O espaço é preA Associação Cultural Faísca, responsá- cário, a porta é de aço e, como é uma rua vel pela mostra e pelo cineclube, já recebeu movimentada, o barulho que vem de fora às equipamentos do MinC para inaugurar ou- vezes não deixa a gente ouvir o filme”, relata

o autônomo que divide seu tempo entre a associação e o trabalho de vendedor. “Gasto em média R$ 200 por dia de exibição, tenho de participar de edital, fazer rifa, eventos para conseguir meios. Mas percebo que as pessoas começam a vir. Agora queremos cativar o público adulto, que é mais difícil.” Rose Satiko G. Hikij, pesquisadora do Grupo de Antropologia Visual da USP e diretora do vídeo etnográfico Cinema de Quebrada, acredita que a demanda pela exibição começou com o movimento de produção e formação audiovisual nas periferias. “São regiões em que não há cinema e, quando existe, as pessoas não têm condições de pagar. Essas iniciativas trazem a oportunidade de acesso e ajudam na formação dos jovens que estão protagonizando esse movimento. Eles se tornam agentes culturais.” Toda essa movimentação para democratizar a difusão de valores culturais, mais que proporcionar lazer e diversão, tem se mostrado uma poderosa ferramenta de reconstrução da imagem das periferias – muitas vezes estereotipadas pelo próprio cinema. No exercício da produção, as comunidades redescobrem, por meio da cultura, a própria identidade. DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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COMPORTAMENTO PARTE DA PAISAGEM Assim como o cigarro o foi em tempos passados, o copo virou elemento cênico indispensável

O drinque das oito

Novelas do horário nobre exageram em cenas nas quais muitos personagens bebem muito. Para o autor de Viver a Vida, a ficção imita a realidade. Para especialistas, a ficção estimula Por Cida de Oliveira

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alimentos. Acho que a novela pode dar um alerta, sem precisar sem didática.”

Clima de tolerância

Especialistas, no entanto, veem com preocupação uma trama na qual muitos personagens bebem muito. Para começo de conversa, gera no público a falsa impressão de que a maioria das pessoas costuma beber. E não é verdade. Ilana Pinsky, coordenadora do ambulatório de adolescentes da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp­), diz que metade da população brasileira não toma nada. Na outra metade, porém, 50%, ou seja, um quarto da população, têm algum distúrbio ligado ao

vencer o público de que todos, ou quase todos, bebem só interessa aos fabricantes do setor”, diz Ilana. Outro complicador, segundo a especialista, é que as novelas sempre têm personagens problemáticos, violentos ou dependentes químicos. O público então tende a absolver os demais, “normais”, que podem beber à vontade. Afinal, não causam confusão, não dão vexame e são bem-sucedidos. “Um agravante relacionado a isso, que o folhetim não aborda, é que a maioria dos acidentes de carro acontece com quem não é alcoolista”, diz. Ou seja, é gente “normal”, que bebe socialmente e sempre acha que está sob controle. “Se querem tanto fazer marketing social, porque não mostram amigos discutindo sobre quem vai voltar

ENSINANDO Renata, vivida por Bárbara Paz, substitui a comida pelo álcool

FOTOS REDE GLOBO/DIVULGAÇÃO

C

apítulo 1. O céu azul é de Búzios (RJ). À beira da piscina, copos nas mãos, amigos conversam alegremente. À noite, antes de sair para um desfile de moda, Marcos (José Mayer) se aproxima de uma mesa repleta de bebidas. Enche o copo. Ao fundo, o trânsito de suas filhas na sala. Em primeiro plano, por mais de dez segundos, a mesa coberta de garrafas é a estrela da cena. Em outro ambiente, festa regada a muita bebida, encontros descontraídos. Capítulo 2. Helena (Taís Araújo) e Marcos aparecem em longas tomadas, longas como suas taças de champanhe. Capítulo 3. O copo protagonista é o de Renata (Bárbara Paz). Capítulo 4. Duas médicas (Daniele Suzuki e Christine Fernandes) encerram a noite com vinho. Os gêmeos Miguel e Jorge (Mateus Solano) tomam cerveja com amigos na pizzaria. Sandra (Aparecida Petrowsky), irmã de Helena, grávida, vai no gargalo mesmo. Capítulo 5. Helena aparece chapada. Marcos, dessa vez, está em sua mesa de trabalho, o copo também. Numa reunião, regada a loira gelada, outros personagens discutem projetos de arquitetura, nem parece que trabalham. Betina (Letícia Spiller), prá lá de alegrinha, dá carona para Tereza (Lília Cabral), que de tão embriagada cai ao desembarcar. Dona Noêmia (Lolita Rodrigues), mãe de Marcos, é advertida duas vezes por sua dama de companhia para ir devagar com o champanhe. Seria exagero dizer que Viver a Vida é, antes de tudo, um porre? Conhecido por abordar temas relevantes em suas tramas, o autor Manoel Carlos considera o alcoolismo um dos maiores flagelos sociais. “O álcool, para desgraça nossa, é droga lícita. Por essa razão tenho abordado o alcoolismo, de uma maneira ou de outra”, diz. O tema apareceu em Por Amor (1997), Laços de Família (2000), Mulheres Apaixonadas (2003), Páginas da Vida (2006). O novelista vem lendo durante os últimos anos sobre o crescente número de jovens, grande parte composto de mulheres, que se entregam ao vício, justificando-o como uma necessidade social. “Em Viver a Vida, a personagem será Renata. O nome que se dá a esse tipo de alcoolismo é drunkorexia. A jovem pensa que diminui, neutraliza ou elimina calorias do álcool deixando de se alimentar, para manter-se magra”, explica. “É um tremendo engano, já que estudos provam que o álcool engorda mais que os

álcool. Os dados são do 2º Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, de 2005. O estudo revelou que 12,3% das pessoas com idade entre 12 e 65 anos são portadoras de alcoolismo e cerca de 75% já beberam alguma vez na vida. Os resultados também indicam o consumo cada vez mais precoce e sugerem a necessidade de revisão das medidas de controle, prevenção e tratamento. “Esse excesso é ruim principalmente para adolescentes, que são induzidos a acreditar que todos bebem, que beber é normal, que a bebida não causa danos e é a responsável pela alegria em encontros de amigos. Con-

dirigindo depois que beberem?”, sugere a psicóloga. Ana Cecília Marques, coordenadora do Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria, explica que o alcoolismo é uma doença crônica, incurável, determinada por fatores biológicos e psicossociais. “Entre os aspectos psicossociais que desencadeiam o beber está a propaganda, que por meio de técnicas diversas, como colocar o produto para ser bem vendido em uma novela, influencia principalmente os adolescentes”, diz. Para ela, cenas que exibem álcool num contexto que envolve sonhos, desejos, fantasias e DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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MARIO SOUZA/REDE GLOBO/DIVULGAÇÃO

estilos de vida emocionalmente atraentes têm o mesmo efeito da propaganda, embora sejam peças de ficção. O consumidor é influenciado não apenas por anúncios comerciais – sempre com pessoas e estilos de vida associados a riqueza, prestígio, poder, aprovação social, sucesso, fama, beleza, sensualidade etc., como se fossem modelos a ser seguidos –, mas pela propagação e glamorização do hábito por meio da indústria cultural. Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Unifesp, a propaganda do álcool busca, além de fazer com que os consumidores tenham preferência por determinada bebida, criar um clima social de tolerância, visando nitidamente aumentar o consumo. Coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus, de Porto Alegre, e conselheiro da Associação Brasileira de Estudos sobre o Álcool e Outras Drogas (Abead), Sérgio de Paula Ramos observa que a mídia só consegue alavancar o consumo porque a indústria do álcool é uma grande financiadora e por36

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GIANNI CARAVALHO/REDE GLOBO/DIVULGAÇÃO

ESTÍMULO Em Duas Caras, Eri Johnson era Zé da Feira. Para compor seus sambas, o personagem precisava antes calibrar o teor alcoólico

ESCONDIDA Vera Holtz, em Mulheres Apaixonadas, era uma professora viciada

que a lei é permissiva. Em 2007, o governo federal aprovou a Política Nacional sobre o Álcool. O Decreto nº 6.117 explicita a preocupação governamental com o alcoolismo e define ações para inibir e prevenir danos à saúde e situações de violência e criminalidade associadas ao uso de bebidas alcoólicas. Para isso sair do papel, porém, são necessárias várias medidas, como leis restritivas à propaganda. Um projeto apresentado pelo Executivo no começo do

ano passado para limitar a propaganda, que deveria ser votado com urgência, sucumbiu ao lobby da indústria. Pela lei em vigor, só é considerada alcoólica a bebida com mais de 13º GL (Gay-Lussac). Cervejas e vinhos ficam de fora. Há também um projeto de lei do Senado que propõe a proibição de anúncios de bebidas.

Alto teor de merchan

Sérgio de Paula Ramos conta que numa reunião da Organização Mundial da Saúde em Genebra, na Suíça, para discutir estratégias de redução do consumo de álcool, mostrou aos colegas de outros países slides de comerciais de bebidas produzidos no Brasil. “Eles ficaram boquiabertos, porque em nenhum lugar do mundo a publicidade de bebidas é tão intensa e escancarada”, diz. Segundo ele, a irresponsabilidade dos fabricantes e da mídia já ultrapassou os limites éticos e trouxe a percepção de que era possível ampliar o nicho de mercado ao colocar na mira adolescentes, crianças e idosos. “Não por acaso, pesquisas revelam pessoas de todas as idades bebendo cada vez mais”, diz.


REDE GLOBO/DIVULGAÇÃO

Ramos refuta o efeito conscientizador da novela: “Se a novela tem 100 capítulos, o personagem alcoolista bebe em 90 deles. Nos 10 finais ele se recupera. Mas não são mostradas cenas com as dificuldades enfrentadas durante o processo de recuperação”. A longa lista desses personagens inclui Zé da Feira (Eri Johnson, em Duas Caras, de Aguinaldo Silva); Heleninha Roitman (Renata Sorrah, em Vale Tudo, de Gilberto Braga); Santana (Vera Holtz, em Mulheres Apaixonadas); Orestes (Paulo José, em Por Amor); Bira (Eduardo Lago, em Páginas da Vida). O psiquiatra ressalta ainda que, se a saúde pública não sensibiliza os gestores, o alcoolismo chama a atenção por suas consequên­ cias às contas públicas. O gasto nacional com saúde representa cerca de 7,6% do PIB, enquanto a indústria da bebida movimenta recursos equivalentes a 3,5%, segundo dados do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Bebidas. Será que a receita compensa as despesas com tratamento e doenças, problemas gerados pela violência doméstica, pagamentos de pensões devido

BENGALA Bira (Eduardo Lago), em Páginas da Vida, bebia para fugir das desilusões

a acidentes, tentativas e homicídios consumados etc.? Os gastos públicos do Sistema Único de Saúde (SUS) com tratamento de dependentes de álcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares, como os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad), atingiram, entre 2002 e junho de 2006, a cifra de R$ 37 milhões. No mesmo período, outros R$ 4 milhões foram

gastos em procedimentos hospitalares de internações relacionadas ao uso de álcool e outras drogas. Coordenador do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad), vinculado à Unifesp, o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira desconhece estudos que associem novelas ao hábito de beber da população, mas acredita na influência. O glamour da mulher bonita e bem-sucedida segurando a taça de champanhe exerce o mesmo fascínio que, no passado, o cigarro exerceu no cinema. “Quanta gente não começou a fumar imitando divas e heróis dos filmes?” Silveira conta que conheceu na Europa iniciativas de produtores de cinema e vídeo que, antes de gravar e levar ao ar suas produções, submetem o roteiro à análise de especialistas. “É preciso ter a certeza de que aquela cena, da maneira como foi pensada, não levará mensagens destrutivas ao público”, diz. Manuel Carlos não discorda: “Todo o assunto (drunkorexia) foi levantado pelas minhas três pesquisadoras. Tenho todas as informações de que necessito”, garante.

O publicitário Hugo Leal tem 59 anos e está há 25 sem beber. Sua história, aliás, poderia ser resumida e apresentada no final de um capítulo de Viver a Vida. Começou aos 12 anos, quando ganhou um garrafão de vinho numa quermesse e o “enxugou” rapidamente com os amigos. Os meninos passaram mal, precisaram ser levados para casa. Hugo se sentiu “forte” para a bebida por não ter ficado ruim. Sob efeito do álcool, começou a perceber-se mais criativo. E mais simpático, bonito, desinibido, extrovertido... Cursou matemática, filosofia e comunicação, sempre “bebaço”, como diz. Para ficar acordado à noite e manter os efeitos do álcool, juntou anfetamina e cocaína. Logo começou a escrever roteiros de filmes, vídeos, eventos, trabalhou em jornais e agências. Por causa da bebida – hoje ele sabe – sentia-se gênio e era líder em todo lugar que chegava. Começou a achar que podia tudo: já não pagava impostos, desobedecia regras e chutava o balde nas redações

e por onde passasse. Virou frila e casou 11 vezes. Aos 31 anos tinha uma casa noturna, mas bebeu tudo o que faturou, e faliu. Não arranjou mais trabalho e vivia de bar em bar recitando poemas em troca de bebida. Chegou a achar que vida estável não era para ele. Achava-se um poeta. “Até que um dia, num bar, um cara falou: ‘Pode beber, mas nada de poesia!’” Bebeu calado. A ficha começou a cair. Foi para casa chapado, como sempre, e a mulher anunciou que iria embora. Foi dormir sentindo-se um gênio incompreendido e acordou com a certeza de que era um doente. Foi para os Alcoólicos Anônimos e fez consigo um pacto de que sairia dessa. Chegou a passar mal por causa da falta do álcool no cérebro. Mas nunca precisou de ajuda médica. “Tenho de fazer por merecer estar vivo”, diz. Hoje trabalha, vive bem e dá palestras sobre sua história, alertando que as armadilhas do álcool estão por toda parte, até na novela das oito.

REGINA DE GRAMMONT

Criativo, simpático, extrovertido

Hugo: armadilhas do álcool estão por toda parte

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HISTÓRIA

O

saldo do holocausto na Segunda Guerra Mundial ainda é ferida aberta para o povo judeu: 6 milhões de civis, entre eles 1,5 milhão de crianças, foram exterminados durante o conflito (1939-1945). Nunca antes nem depois ocorreu na História um evento de perseguição racial de tal magnitude, exercido abertamente por um governo. Desde 1942 o mundo tinha comprovado conhecimento das chacinas e assassinatos em massa. Nada foi feito. Elie Wiesel, romeno sobrevivente do nazismo, escritor e Prêmio Nobel da Paz, recebeu em 1979, do então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, fotos aéreas de campos de extermínio feitas por aviões americanos entre abril e dezembro de 1944. Durante esses voos, nem uma única ferrovia foi bombardeada, talvez uma prova de que não exista nada no mundo absolutamente bom ou ruim. Nem a “força aliada”. A questão salta aos olhos no mais recente e provavelmente o mais polêmico filme sobre o assunto, a fábula Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino. O cineasta americano cria um grupo de judeus da resistência encarregado de espalhar o terror entre os nazistas. O comandante Aldo Raine (Brad Pitt) exige de seus comandados cem escalpos de nazistas – “homenagem” aos troféus de guerra de indígenas norte-americanos. Tarantino não é judeu, mas expressou desejos coletivos nunca realizados e até lançou uma teoria, logo no início do filme, sobre o ódio a esse povo, sentimento sem motivações concretas. A fantasia rola solta e o público, nervosamente, ri. Bastardos Inglórios é mais um sinal de que o assunto está longe de ser enterrado – talvez uma das armas contra a repetição da história. Afinal, embora nem isso explique o holocausto, Adolf Hitler foi eleito democraticamente. À época de sua nomeação como chanceler, em 1933, a Alemanha ainda pagava o alto preço da derrota na Primeira Guerra, e ele surge como salvador da pátria. Um pretenso herói que nunca escondeu ideais racistas, expressos em seu livro Mein Kampf (Minha Luta, 1924). Em 1934, com a morte do então presidente, Paul von Hildenburg, Hitler conquistou poder absoluto de chefe do partido nazista (Führer), chefe de Estado e chefe de governo. Comunistas, socialdemocratas e sindicalistas foram os primeiros perseguidos e presos. Em seguida, foi a vez dos “associais”, como ciga-

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A ferida não cicatriza

O maior conflito da História, deflagrado há 70 anos, foi também o mais vergonhoso. O extermínio de 6 milhões de judeus ultrapassou fronts, adentrou casas, escolas, hospitais e alcançou um nível de barbárie inimaginável Por Miriam Sanger nos, homossexuais, testemunhas de Jeová, protestantes e doentes mentais. Os judeus, então considerados párias da sociedade alemã, foram privados de direitos fundamentais e segregados. Em 9 de novembro de 1938, Hitler promoveu seu primeiro show de horror: a Kristallnacht, ou Noite dos Cristais, ação de vandalismo da polícia nazista, a Gestapo, e outras milícias. Diferentes fontes regis-

tram a destruição de cerca de mil sinagogas, 7.500 estabelecimentos judaicos, cerca de 100 judeus assassinados e 30 mil presos enviados para campos de concentração. Os vidros e vitrais estilhaçados deram nome ao evento. A partir daí, os judeus passaram a ser indiscriminadamente presos, segregados, fuzilados e enterrados em valas comuns por um único motivo: seguir a fé judaica. A ferida não cicatriza. E os últi-


Moisés Szutan

mos representantes da geração que testemunhou aquela tragédia perdem terreno, agora, para a natural passagem dos anos. “Com a Noite dos Cristais, Hitler testou qual seria a reação do mundo a uma ação brutal direta e organizada contra os judeus alemães. Frente ao silêncio, percebeu que poderia prosseguir”, afirma Ben Abraham, judeu polonês desembarcado no Brasil em 1951. Ele chegou ao fim da guerra com 28 quilos e ficou sete meses internado. Havia passado os primeiros anos no gueto de Lodz e depois em diversos outros campos, incluindo Auschwitz. Teve “sorte”: de sua cidade natal, salvaram-se 1.500 judeus, de uma população de 230 mil. Um dos vice-presidentes mundiais da Associação dos Sobreviventes do Nazismo e presidente da Associação Brasileira Beneficente dos Israelitas Sobreviventes da Perseguição Nazista, Abraham é parte de uma minoria

de sobreviventes empenhada em lembrar o Holocausto, em livros e palestras. “Noventa por cento dos que passaram por campos de concentração tentaram esquecer. Quando se perde a condição humana, em que uma batata podre boiando em um esgoto é levada imediatamente à boca, é tarefa cruel manter a memória acesa”, diz. E as novas gerações, aparentemente, não resistem a tentar compreender uma história que parece surreal: “Antes de cada início, os diretores me alertam para o comportamento difícil dos alunos. Mas, enquanto falo, o silêncio é absoluto”.

O Pianista REGINA DE GRAMMONT

Fugi em 1941 com dois de meus irmãos, quando tinha 14 anos. Não teríamos outra chance de sobreviver

ram decretadas as Leis Arianas, dando início à segregação social e política dos judeus – com prisões sem processos, boicote econômico, congelamento de contas bancárias, proibição de ocupar cargos públicos. Mas a vida ainda parecia possível. Em 1935, as Leis de Nuremberg, ou Lei para a Proteção do Sangue e da Honra Alemães, traziam seus decretos antissemitas. Naquele momento, os países já tinham definido cotas de emigração que se reduziam à medida que a situação se tornava mais crítica na Alemanha. Também foi progressiva a forma com que os nazistas criaram métodos de confinamento para seus “inimigos de Estado”. Os guetos eram áreas reservadas dentro das cidades; os campos de concentração eram como grandes presídios; e os campos de extermínio, dotados de câmaras de gás e crematórios coletivos, eram para onde, a partir de 1942, iam os condenados. Houve mais de 20 mil campos de concentração pela Europa e seis de extermínio: Auschwitz-Birkenau, onde cerca de 1,6 milhão de pessoas foram assassinadas; Belzec, 736 mil; Chelmno, 890 mil; Maydanek, entre 700 mil e 900 mil; Sobibor, 780 mil; Treblinka, 1,2 milhão.

Bastardos Inglórios

Inimigos de Estado

Em Bastardos Inglórios há para os mais atentos respostas a duas septuagenárias perguntas. A primeira: por que os judeus não fugiram da Alemanha antes da guerra? Aqui, é preciso lembrar que as mudanças foram ocorrendo lentamente. Em abril de 1933 fo-

A Lista de Schindler

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A segunda pergunta é: por que não houve resistência frente às agressões, cada vez mais brutais? A resposta é: houve. O caso mais famoso aconteceu no Gueto de Varsóvia, na Polônia, numa área de 4 quilômetros quadrados com 400 mil judeus confinados. Em abril de 1943, após a deportação de 300 mil para Treblinka, um grupo de 750 combatentes se rebelou. A batalha durou menos de um mês e é vista no filme O Pianista, de Roman Polanski. Em Treblinka e em Sobibor, os prisioneiros atacaram os guardas e foram fuzilados. No ano seguinte, 250 morreram em uma revolta em Auschwitz, outros 200 foram fuzilados depois. Houve outros levantes – não era o tipo de informação que interessava aos alemães registrar. E havia os grupos de partisani, um capítulo à parte.

Única chance

A definição clássica de partisan é “membro de uma tropa irregular formada para se opor à ocupação estrangeira de determinada área”. Na Segunda Guerra, formaramse vários grupos que atuavam com técnicas de guerrilha, acampados em florestas, composto por refugiados que pudessem lutar e, quando possível, dar condições de vida para idosos, mulheres e crianças que

conseguiam escapar de cidades invadidas sa única possibilidade de sobrevivência. Os pelo Exército nazista. Moisés Szutan, litua­ invernos eram longos, a comida tinha de ser no que vive no Brasil desde 1947, foi parti- enterrada para não estragar”, conta. Apesan do primeiro grupo de resistência criado nas nas florestas da Lituânia estima-se que por prisioneiros de um gueto, o de Vilna. atua­ram cerca de 17 mil partisani. “Fugi em 1941 com dois de meus irmãos, Miriam Brik Nekrycz, mulher de Ben quando tinha 14 anos. Não teAbraham, teve uma experiênríamos outra chance de sobre- Szutan e sete cia com florestas, na Polônia. viver.” Seus pais e dois irmãos homens se Ela foi a única criança judia de menores foram assassinados confrontaram Luck a sobreviver aos massano gueto, assim como a quase com os cres. Com a invasão alemã à totalidade dos 20 mil habitan- alemães. Três sua cidade, iniciou uma mates. Apenas algumas centenas ratona por vilarejos vizinhos. morreram. sobreviveram. Quando a situação ficou insustentável, inclusive por O grupo de Szutan era coor- Uma ponte foi conta da perseguição e deladenado e mantido pelos rus- destruída. Ele ção de poloneses não judeus, sos, povo que perdeu na guer- traz na perna ela, sua mãe, a tia, primos e ra 20 milhões de vidas. Recebia a marca de irmãos refugiaram-se na floarmas e remédios lançados de um ferimento resta. Conseguiram sobreviparaquedas. A comida era lea bala ver por um período à base de vada de fazendas e casas da região, em assaltos coordenados. A missão do esmolas. Um dia uma polonesa cristã, cujo grupo era “atacar pelas bordas”: dinamita- marido havia sido convocado pelo Exército va pontes, destruía linhas férreas, armava russo, chamou-a para prestar serviços doemboscadas. Em uma ação, Szutan e sete mésticos em troca de casa e comida. Mihomens se confrontaram com os alemães. riam levava diariamente restos de refeições Três morreram. Uma ponte foi destruída. para sua família. Até um dia em que, ao se Ele traz na perna a marca de um ferimento aproximar, ouviu tiros. Quando o barulho a bala. “No começo foi muito difícil. De- cessou, encontrou a família morta. Por ter pois conseguimos nos organizar. Era nos- tias no Brasil, veio em 1951. Há alguns anos

FOTOS REGINA DE GRAMMONT

SOBREVIVENTES Miriam foi a única criança judia a sobreviver na cidade de Luck, Polônia. Veio para o Brasil em 1951 e aqui conheceu Ben Abraham

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MOBILIZAÇÃO SALVOU VIDAS André conseguiu chegar ao Brasil aos 9 anos com uma leva de crianças judias da Bélgica. Ao lado uma foto junto à família que o acolheu

fez uma viagem martirizante pela Europa. “Não há ninguém em Luck a quem consultar sobre minha família: mais de 25 mil judeus foram fuzilados e enterrados em uma vala comum.” Esse era um expediente convencional, até que fosse arquitetada a Solução Final, o eufemismo macabro para o plano definido em 1942 pelo governo nazista para eliminar por completo a população judaica. Os campos de extermínio começaram a receber hordas de prisioneiros a partir daquele ano. Os de concentração existiam desde 1933. Há o registro da chegada dos americanos

a Dachau, o primeiro deles. Encontraram cerca de 32 mil prisioneiros amontoados em 20 barracas, cada uma com capacidade para 250 pessoas. Também encontraram quase 40 vagões de trem, cada um com cem ou mais corpos. Tudo está documentado em imagens fotográficas e depoimentos de sobreviventes ou dos poucos carrascos presos e julgados após a guerra. Diz o Talmud, um dos livros sagrados dos judeus, que “quem salva uma vida é como se salvasse toda a humanidade”. A frase se aplica a diversos heróis que atuaram silenciosamente na guerra. A brasileira Aracy de Carvalho Guimarães Rosa ganhou o apelido de Anjo de Hamburgo por salvar centenas de judeus, ignorando leis antissemitas e concedendo vistos que abriam caminho para refúgio no Brasil. Aristides de Sousa Mendes, cônsul de Portugal em Bordeaux, salvou mais de 30 mil pessoas com expediente similar. Mais famoso que ambos foi o feito do empresário alemão Oskar Schindler, retratado em A Lista de Schindler por Steven Spielberg. Em outros locais, populações se mobilizaram. A de Le Chambon-sur-Lignon, na França, deu abrigo a centenas de crianças. Em outras cidades europeias o mesmo foi feito: e essa é a história do belga André Daniel Reisler. Aos 9 anos, com documentos falsos, ele passou a viver com uma família que colaborava com a resistência em Charneux, na Bélgica. “Frequentei a escola e vivi como cristão. Ia à missa todo domingo, mas o padre conhecia minhas origens.” Ele vivia com o medo diário de entregar a identidade judaica com alguma atitude ou comentário suspeito. Em dezembro de 1944, Reisler voltou a viver com a mãe, que trabalhou por anos com falsa identidade na casa de uma família rica. O pai, depois de preso na Suíça, conseguiu juntar-se a eles mais tarde. Voltou à Bélgica de bicicleta. Reisler vive no Brasil desde 1951. Quando a guerra acabou, 27 milhões de soldados e 25 milhões de civis estavam mortos. Para Ben Abraham, só estaremos livres de uma nova tragédia dessas proporções quando tivermos discernimento para não permitir a ascensão de líderes como Hitler: “Não acredito que algo assim possa acontecer nas próximas décadas. Mas quem pode prever daqui a 100 anos? Nossa melhor arma é a consciência política, saber escolher bem aqueles que colocamos no poder”. DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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N

um primeiro momento, temse a impressão de estar adentrando um parque. Simpáticas árvores formam uma alameda, por onde circulam jovens, estudantes em grupos, turistas. Mais adiante, nas proximidades de uma espécie de encruzilhada, a impressão se desfaz. “À esquerda, fica a antiga escola de formação dos SS (de Schutzstaffel, ou Tropa de Proteção). À direita, a entrada do campo de concentração de Dachau, o primeiro que o regime nazista estabeleceu, em março de 1933”, aponta a guia. Ou seja, está-se diante do portal do inferno. Dachau é uma cidade de pouco mais de 40 mil habitantes, perto de Munique, capital da Baviera, sul da Alemanha. No caminho, já perto do ponto final, nota-se uma série de vetustos prédios com janelas altas e ar impositivo: são parte da escola de treinamento dos SS, a temida guarda especial de uniformes pretos que, com a Gestapo (Geheime Staatspolizei, Polícia Secreta), formava um dos principais braços de sustentação do regime nazista. No final do século 20 o pesquisador francês Pierre Nora introduziu e popularizou o termo lieux de mémoire – lugares de memória, ou memoráveis – para designar os espaços concretos ou simbólicos que servem de referência para a afirmação de um pertencimento coletivo. Dachau simboliza uma dura realidade alemã: ser um dos únicos países do mundo cuja cultura tem como lieux de mémoire espaços tão terríveis quanto um (muitos, na verdade) campo de concentração. Os nazistas chegaram ao poder em 30 de janeiro de 1933. Um mês depois, o incêndio do Parlamento alemão, em Berlim, foi pretexto para perseguição de opositores. Os comunistas foram acusados, embora hoje se dê como certa a sabotagem dos próprios nazistas. A perseguição se estendeu a socialdemocratas, aristocratas e até aliados. Mais um mês e os nazistas criaram o campo de Dachau, ao lado do centro nervoso de recrutamento e preparação de seus SS. O portão de ferro do antigo campo de concentração tem os dizeres Arbeit macht frei – “O trabalho liberta”, ou, de modo mais adequado, “O trabalho é o caminho da liberdade”. A frase é insolente: para quem entrasse em Dachau, a liberdade acabava. O ideal da prisão era que o ex-prisioneiro a levasse para sempre gravada na memória como um selo inapagável de temor e terror. O campo

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Dachau,por

O lugar escolhido foi uma antiga fábrica de pólvora. As datas demonstram que os nazistas tinham planejado meticulosamente o assalto ao poder, sua concentração absoluta e a destruição das oposições Por Flávio Aguiar

FOTOS FLAVIO AGUIAR

HISTÓRIA


TERROR DAS APARÊNCIAS Atrás das árvores, prédios bem cuidados. Dentro, acomodações espartanas e fornos para cremar corpos

REUTERS

“O TRABALHO LIBERTA” Os nazistas deram outro sentido para a frase gravada no portão do Campo de Dachau

MICHAELA REHLE/REUTERS

rtal do inferno

é vasto. No enorme prédio central da administração/recepção, um museu retrata a vida local, seus prisioneiros (quem eram, de onde vinham, seu destino). Uma escultura lembra os desatinados sofrimentos dos que por ali passaram ou ficaram. Atrás do prédio está um dos lugares mais sinistros: o Bunker, cárcere onde a SS realizava interrogatórios, torturas, punições e assassinatos. Dachau não era um campo “de extermínio”, como Auschwitz e Sobibor, na Polônia. Era um “campo seletivo”, inicialmente previsto para os próprios alemães que se opunham ao regime. Com a Segunda Guerra, chegaram prisioneiros de outros países, entre eles muitos judeus. Havia presos políticos de todo tipo. Com o aprisionamento em massa de judeus, muitos foram deportados para lá, assim como soldados capturados no front, sobretudo soviéticos. Havia um barracão especial para religiosos, predominantemente masculino, com presença rarefeita de mulheres. No campo também eram realizados “experimentos”. Equipes médicas punham prisioneiros em situações extremas e desumanas para ver “o efeito”. A maioria das “pesquisas” destinava-se a “auxiliar o Exército”. Por exemplo, análise do efeito da falta de pressão em simulação de voos de altitude, mergulho contínuo em água, choques elétricos. Havia até experimentos com contágio de malária. Em duas réplicas dos barracões se pode ver as condições em que os prisioneiros ficavam. Previsto inicialmente para 6 mil, ao fim da guerra Dachau abrigava 32 mil prisioneiros, amontoados em condições infectas e degradantes. Ao longo de 12 anos estima-se em mais de 30 mil os mortos no campo, a maioria de doenças, sobretudo tifo e diarreia. Depois de sua libertação pelo Exército norte-americano, em 29 de abril de 1945, nos dois meses subsequentes morreriam mais 2 mil ex-prisioneiros, por doenças ou subnutrição. O campo foi concebido com a ideia de exterminar, por meio do terror, da submissão e da desmoralização, qualquer espírito de oposição. Muitas vezes a tortura não tinha sequer o sentido de “obter informação”. Era uma punição pura e simples. A preferida era pendurar o prisioneiro pelos braços atados e voltados para trás, às vezes durante horas, o que invariavelmente desarticulava e inutilizava os membros. Perdido para o “trabalho que libertava”, só restava ao castigado a última liberdade: a morte. DEZEMBRO 2009 REVISTA DO BRASIL

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taria do Exército norte-americano entraram no campo, encontraram 3 mil cadáveres empilhados esperando a cremação, desorganizada pela fuga dos responsáveis ou sua desarticulação. Ao lado dos fornos havia também uma “central de desinfecção”, para a roupa dos mortos, e uma câmara de gás, que pelos relatos oficiais nunca foi usada; mas uma placa no local informa que alguns prisioneiros afirmaram o contrário. Com tantas bases operativas e espaços organizados, o campo de Dachau serviu de modelo para a construção dos outros, pela Europa inteira. Seus principais comandantes foram os oficiais SS Theodor Eicke e Hans Loritz. Eicke idealizou um código de comportamento para prisioneiros e carcereiros que foi reproduzido nos outros campos. Foi nomeado depois “supervisor geral dos campos de concentração”, cargo que

deixou ao ser enviado ao front soviético, onde morreu em combate. Ao fim do percurso, o nosso visitante imaginário estará física e moralmente exaurido. Ficará a se perguntar como foi possível tamanha barbárie. Terá ainda na memória uma data significativa. No dia seguinte à ocupação/libertação de Dachau pelo Exército norte-americano e diante do avanço do Exército soviético, Hitler se matou em seu bunker, em Berlim. Ao sair pelo portão com seu dístico sarcástico, “O trabalho liberta”, o visitante dá de frente com a ex-escola dos SS. Está completamente cercada, e desde os anos 1950 ocupada pela polícia estadual da Baviera, que usa o espaço para fins administrativos. Então nosso visitante poderá pensar que, de vez em quando, a própria memória pode permanecer encarcerada pelo esquecimento.

REUTERS

Os SS tinham poder total sobre os prisioneiros. Cabia às vezes a um interrogador decidir se o prisioneiro seria morto na hora ou ficaria guardado para futuros interrogatórios, ou até se seria solto. Às vezes homens e mulheres eram levados ao campo com a finalidade de ser executados. Foram tantas as mortes que foi necessário um trabalho de engenharia de produção para resolver o problema dos cadáveres. Caminhando ao longo dos barracos dos prisioneiros, o visitante depara, ao fundo, com alguns templos recentes (um católico, outro luterano, uma sinagoga e uma igreja ortodoxa russa). À esquerda dos templos, por uma ponte que atravessa bucólico riachinho onde os turistas de hoje jogam “moedas do desejo”, chega-se ao espaço onde estão os fornos crematórios. As mortes eram tantas que eles funcionavam sem parar, noite e dia. Quando a 42a e a 45ª Divisões de Infan-

DESCUIDO O homem esquece fácil as lições da História. Desde a Segunda Guerra, tortura e genocídio continuam ocorrendo mundo afora

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VIAGEM PRESERVADA Surfistas pegam onda ao pôr do sol na pequena praia da Jureia, entre Boraceia e Barra do Una

Nos 525 quilômetros entre a Baixada Santista e o Rio de Janeiro está um dos trechos mais belos do litoral brasileiro Por Antonio Biondi

De volta à Rio-Santos

O

Brasil desfruta de mais de 7 mil quilômetros de praias, mas não precisa ser especialista nem mochileiro profissional para afirmar com autoridade: seguir pela Rio-Santos (BR-101 e SP055), ou vice-versa (passando por Maresias Bertioga, São Sebastião, Caraguatatuba, Ubatuba, Paraty e Angra dos Reis), é experiência única e inesquecível. A viagem contempla opções para dois dias, uma semana, uma vida. Com planos ou sem.

Barra do Una

No trevo de acesso a Bertioga já se pode começar a entrar no clima com os famosos pastéis que recebem o nome da localidade e concorrem com o restaurante Dalmo, o Bárbaro, um pouco antes. Em seguida, junto ao rio Itaguaré, perfila-se uma sequência de restaurantes especializados em frutos do mar. Depois de passar pela Riviera de São Lourenço (e passe reto mesmo!), Jureia e Guaratuba, em Boraceia está a linha imaginária que separa Bertioga de São Sebastião. As praias largas, extensas e de areia batida logo vão dar lugar às de faixas estreitas, com areia mais fofa, e mais curtas. Itamambuca

Santos

Guarujá

Bertioga

São Sebastião

Ilha Bela

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Caraguá

Ubatuba


Onde se hospedar na primeira noite? Barra do Una é tranquila e romântica. E próxima de Baleia e Barra do Saí, boas para começar o dia. Se preferir ambiente mais festeiro, Camburi e Maresias estão logo ali. E com Boiçucanga no meio. As três com boas opções de pernoite ou aurora. Os balneários são charmosos e relativamente bem-cuidados – pela quantidade de gente que recebem... Há restaurantes para todos os gostos e bolsos, e os imperdíveis sorvetes do Rochinha. Daí em diante, uma manhã, uma tarde ou um dia – ou mais – em Paúba, Santiago, Toque-Toque Pequeno ou Toque-Toque Grande não vai deixar ninguém achando que perdeu tempo. Ao contrário, é tempo bem investido, antes de chegar à orla central de São Sebastião, cujo maior trunfo é a passagem para Ilha Bela – onde também se pode “perder” um dia ou mais –, além da vista dos grandes navios que trafegam por ali. Entre São Sebastião e Ubatuba, passando por Caraguatatuba, os balneários centrais convidam a só parar se for estritamente necessário. A intensa movimentação urbana quebra o barato. Entre Caraguá e Ubatuba, as praias de Fortaleza (a 7 quilômetros da RioSantos) e Domingas Dias (escondida atrás de um condomínio que tem passagem para a do Lázaro) valem uma pausa para a foto, esticar as pernas, molhar os pés. Em Ubatuba, apesar da alta densidade demográfica, ainda é possível se surpreender com a sombra da Vermelhinha do Centro e o sossego do Cedro. O ponto alto, entretanto, está entre Ubatuba e Paraty: nas ondas de Itamambuca, na cachoeira que antecede Prumirim, na tranquilidade selvagem de Ubatumirim e Picinguaba, no Estaleiro do Padre, Almada, Engenho e Fazenda, no verde mar de Trindade, no casario e na história de Paraty. Ubatumirim é ótima para caminhadas e para pessoas da terceira idade ou com dificuldades de mobilidade. Todo o trecho é repleto de trilhas para fazer a pé ou de bike, visitas e passeios de barco para as ilhas que se multiplicam e mirantes incríveis, como o da serrinha que leva à Almada. Em diá­

logo com essa diversidade, comunidades quilombolas, indígenas e de pescadores marcam presença com sua cultura, artesanato, culinária, entre outras riquezas. E o que levar para leitura de viagem? Romances? Aventuras? Livros de história sobre o Império ou o século 20? Bem, qualquer que seja sua escolha para entrar no clima, um item não pode faltar: um bom guia, que ajuda bastante a encurtar caminhos.

De perto...

Famosa por suas mansões, festas e iates, Angra dos Reis é um dos pontos mais controversos no trajeto e hoje parece servir mais a quem está nos barcos ou nas ilhas. Mas o trecho entre Paraty e Angra e suas vistas panorâmicas são de perder o fôlego. Em Angra, Mambucaba, onde a Trilha do Ouro vindo de Minas se encontra com o litoral, é ponto de partida para caminhadas e cachoeiras encantadoras na Serra da Bocaina. Saindo dali, os congestionamentos na chegada à Região Metropolitana do Rio e aos bairros de ares decadentes destoam. Para essa reta final vale, aliás, se informar antes sobre as condições da rodovia, que em boa parte passa por obras de duplicação e melhorias. E, chegando ao Rio, escolha a canção mais apropriada como fundo musical desse momento que vale como um troféu. Ou melhor, uma taça, e um brinde à Cidade Maravilhosa. Claro, entre uma taça e outra você provavelmente poderá rever algumas passagens da jornada que o fizeram lembrar de temas atuais­ como conflitos pelo uso da terra, degradação ambiental, especulação imobiliária, particularização de ilhas e praias por grã-finos e seus condomínios de luxo. E provavelmente vai se perguntar também por que não descobrimos os conceitos de turismo e ocupação sustentável há pelo menos uns 40 anos. Tudo bem, o paraíso ainda não está de todo perdido. Temos toda a eternidade pela frente para tentar dar aos nossos filhos e netos a oportunidade de constatar a mesma coisa. Colaborou Patrícia Cardoso

Trindade

Araçatiba, Ilha Grande

Maré cheia em Paraty

Estrada Real

Paraty

Angra

Rio

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CurtaEssaDica

Por Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar.

Vincent Cassel e Débora Bloch em À Deriva

Mera coincidência? Os dolorosos ritos de passagem para a idade adulta são o tema do novo filme de Heitor Dhalia (O Cheiro do Ralo). Em À Deriva, Filipa (Laura Neiva) tem 14 anos e passa as férias com a família e a turma de amigos em Búzios. Quando ela descobre que o pai (Vincent Cassel) está traindo a mãe (Débora Bloch) com uma estrangeira que mora na praia, a inocência infantil se perde e sua vida vira de ponta-cabeça. A história singela, com fotografia primorosa de Ricardo della Rosa, não escapou às acusações de que é uma cópia do neozelandês Chuva de Verão, de Christine Jeffs. As semelhanças, apesar de o diretor negar que conhecesse o filme, de 2001, estão por toda parte. Ainda assim vale a pena assistir aos dois longas.

Memórias comuns

Karl Markovics em Os Falsários

Máquinas de dinheiro A verdadeira história de Salomon Sorowitsch, um boêmio falsário levado a um campo de concentração nazista em 1944, é contada no filme austríaco-alemão Os Falsários, de Stefan Ruzowitzky. Sorowitsch (Karl Markovics, em atuação primorosa) passa a colaborar com os nazistas na falsificação de dinheiro para financiar esforços de guerra, numa estrutura que tem vários trabalhadores, máquinas e “regalias”. Baseado no livro O Diabólico Trabalho, de Adolf Burger, um dos presos do campo de concentração de Sachsenhausen, o longa levou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2008. Disponível em DVD. 48

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Para quem gosta de ouvir histórias alheias, o site do Museu da Pessoa é um prato cheio – e suculento. O objetivo do museu é democratizar e ampliar a participação dos indivíduos na construção da memória social e fazer com que a história de cada pessoa seja valorizada na sociedade. Ele é formado por quatro núcleos – Brasil, Canadá, Estados Unidos e Portugal – autônomos, autossustentáveis e ligados por uma metodologia comum. Qualquer um pode escrever, mandar fotos e vídeos, mas, é claro, existem algumas regras. Atenção para a lista de indicações no link “Nossos sites”. Passe lá e confira algumas histórias: www.museudapessoa.net


Os integrantes do Gotan Project

Tango invertido O gênero eternizado por Carlos Gardel ganhou capítulo à parte com o surgimento do Gotan Project, em 1998, quando o guitarrista de rock portenho Eduardo Makaroff conheceu o DJ francês Philippe Cohen-Solail e o produtor suíço Christoph H. Muller. Em 2001, o grupo lançou o primeiro (e o melhor) CD, La Revancha del Tango, depois vieram Inspiración-Espiración, reunião de tangos raros e funkeados, e Lunático. A novidade é o lançamento do CD duplo Gotan Project Live (MCD, R$ 40), que traz temas das turnês La Revancha del Tango e Lunático. Gotan (tango com as sílabas invertidas) mistura dub, hip-hop, picapes, bandoneon, piano e violino. Som melancólico e extremamente sensual que Gardel ia gostar de ouvir.

Informação da quebrada O escritor e rapper Ferréz está lançando mais um livro, dessa vez pelo Selo Povo, idealizado por ele para levar a literatura aonde ela tem dificuldades de chegar: “Nas mãos daqueles que enxergam o livro como um item raro e elitista ...os despossuídos de recursos”, como diz o blog da marca. Cronista de um Tempo Ruim é a primeira das oito publicações feitas para o projeto da Editora Literatura Marginal. Os livros e o DVD Literatura e Resistência, que traz a trajetória da literatura marginal, terão “distribuição periférica” e poderão ser vendidos por qualquer um que “ame a cultura de rua” com ganhos de 20%. Os livros custarão R$ 5 e o DVD, R$ 9,90. Informações em literaturamarginal@ibest.com.br.

Guerra suja A guerra entre os defensores e os opositores da ditadura militar no Brasil foi longa e ainda não terminou. O jornalista Lucas Figueiredo mergulhou nos bastidores das batalhas e o resultado foram dois livros: Brasil Nunca Mais, sobre a tortura praticada pelas Forças Armadas, e Orvil, obra de quase mil páginas inéditas que são a resposta do Exército sobre a guerrilha e o “terrorismo de esquerda”. Lucas teve acesso a uma das 15 cópias sigilosas do que é considerado o mais volumoso documento secreto das Forças Armadas e relata em Olho por Olho – Os Livros Secretos da Ditadura (Ed. Record) que o Exército confessa o envolvimento na morte de 24 presos e desaparecidos políticos. 210 págs., R$ 38.

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Atitude

Por Solange do Espírito Santo. Foto de Roberto Parizotti

Jeito solidário de fazer renda

A

lbertina Roque de Holanda segue à risca a tradição das mulheres nordestinas dedicadas à renda de bilro, arte passada de geração a geração desde o século 18. Ela nasceu há 77 anos em Mundaú, cidade de 8 mil habitantes no litoral oeste do Ceará, a 150 quilômetros de Fortaleza. Aprendeu a arte do bilro aos 7, com a mãe e a irmã mais velha. Casou-se ainda jovem e o destino pregou-lhe uma peça: teve um único filho. Homem. Se lá as mulheres fazem renda e os homens pescam, como passar adiante a missão de ensinar? “Onde tiver menina que queira aprender, eu ensino”, afirma. “Não largo minha ‘almofada’. Em casa, faço meu trabalho até quando cozinho. Boto as panelas no fogo e vou tecendo.” Com as colegas de ofício, Albertina criou a Associação das Rendeiras de Mundaú para que sua produção – toalhas, colchas, roupas – tivesse mais chances de alcançar mercados e ser valorizada. E assim o trabalho das rendeiras de Mundaú chegou às passarelas 50

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e ao mundo fashion. Foi no Desfile Conexão Solidária, em outubro, em São Paulo, que mostrou ao mundo da moda produtos com a marca da economia solidária. Albertina e suas colegas juntaramse às modelos e compuseram a graça da passarela. “Nunca eu tinha passado alguma coisa nos beiços. Eles me maquiaram para eu desfilar”, recorda. A dedicação rendeira é, segundo Albertina, sinônimo do amor que tem por seu ofício. “O bilro é minha vida.” O desfile fez parte da 1ª Mostra Nacional de Comercialização de Produtos e Serviços da Economia Solidária. Organizado pela Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) da CUT, o evento durou quatro dias e apresentou a empresários do comércio a qualidade e a diversidade de 170 empreendimentos coletivos nas mais diversas áreas. Estima-se que a partir dali sejam gerados negócios de R$ 2 milhões no próximo ano. A ADS deve ainda inaugurar, em breve, uma central permanente de negociação, no bairro paulistano do Belenzinho.



EXISTEM MUITAS COISAS QUE VOCÊ PODE FAZER DEPOIS DE LER ESTA REVISTA. UMA DELAS É COMBATER A DENGUE. Com a união de todos os brasileiros, conseguimos reduzir os casos de dengue em cerca de 46%. Combater a dengue não é uma tarefa fácil, por isso, precisamos da ajuda de todo mundo para não deixar que o Brasil seja refém de uma epidemia. Chuva e calor favorecem o aparecimento do mosquito transmissor da doença. Destruir os focos do mosquito é um dever de todos, que deve ser cumprido rigorosamente. Medidas simples, desde que feitas todos os dias, geram bons resultados. Além de proteger sua família, você pode ajudar sua comunidade. Não deixe a água da chuva acumular sobre a laje, mantenha a caixa d’água sempre tampada, coloque areia nos pratos de plantas, feche bem os sacos de lixo, converse com todos no bairro, cuide da sua casa e da sua rua e comece, aí mesmo onde você mora, a combater a dengue. Todos os gestos são válidos no combate. Vamos fazer nossa parte e preservar a saúde do Brasil.

O COMBATE NÃO PODE PARAR. www.combatadengue.com.br


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