Revista do Brasil nº 038

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TERCEIRIZAÇÃO Emprego barato e precário sai caro para a saúde e a economia

nº 38

agosto/2009

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JUSTIÇA PARA TODOS

Exemplar de associado. Não pode ser vendido.

Defensorias Públicas são o único caminho para brasileiros como Adriano alcançarem a proteção da lei

Adriano Silva foi preso por engano e passou meses em penitenciárias

R$ 5,00

REPARAÇÃO População da Amazônia equatoriana cobra US$ 27 bilhões da Texaco-Chevron


A Petrobras sabe que, quando tecnologia e integração andam juntas, todo mundo sai ganhando.


A Petrobras investe em novas descobertas todos os dias. Para isso, ela conta com parcerias de fornecedores, universidades e institutos de pesquisa respeitados. Essas parcerias criam redes interligadas em que todos saem ganhando. Enquanto a Petrobras usa o conhecimento e as novas tecnologias para aprimorar sua atuação, o Brasil avança na produção acadêmico-científica e desenvolve seu parque tecnológico e industrial. É a Petrobras crescendo junto com os brasileiros.


Cartas Informação que transforma Núcleo de planejamento editorial Bernardo Kucinski, Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Assistente editorial Xandra Stefanel Redação Anselmo Massad, Evelyn Pedrozo, Jessica Santos, Ricardo Negrão, Suzana Vier, Thiago Domenici, João Peres e Júlia Lima (arte) Revisão Márcia Melo Capa Foto de Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3241-0008 Comercial Nominal (11) 3063-5740 Poranduba (61) 3328-8046 Adesão ao projeto (11) 3241-0008 Atendimento: Claudia Aranda Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares

Tecer o futuro Também defendo a tese de um aprendizado rico para crianças, com métodos divertidos para maior envolvimento de todos (“A utopia é científica”, ed. 37). Tecer o futuro não é escrever letras vãs, mas sim transformar um amanhã que consigamos ao menos sonhar, e tentar apagar manchas que homens tão elegantes fizeram o favor de deixar. Parabéns, Revista do Brasil, que sempre abre vertentes para a educação. Luciano Bismarck, São Paulo (SP) luciano.b.pereira@fornecedores.vivo.com.br

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Guerrilha eletrônica Achei muito bom o tratamento dado por Bernardo Kucinski à questão do blog da Petrobras, na edição número 37 (“Jornalismo na linha do córner”). Há um bom tempo aprendi a desconfiar por ter sido vítima de algumas “mexidas no texto” da “nossa” imprensa. Moacyr Pinto da Silva, S.J. dos Campos (SP) moacyrpintos@ig.com.br

Conselho diretivo Admirson Medeiros Ferro Jr., Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Antonio de Lisboa Vale, Arilson da Silva, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Alberto Grana, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Edílson de Paula Oliveira, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Carlos Bortolato, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Sebastião Geraldo Cardozo, Sérgio Goiana, Sérgio Luis Carlos da Cunha, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Vinicius de Assumpção Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Luiz Cláudio Marcolino Sérgio Nobre Diretores financeiros Ivone Maria da Silva Teonílio Monteiro da Costa

Deslizamento O “Deslizamento à direita” (ed. 37) que provocou um “quadro desolador” na Europa é uma resposta do povo às políticas equivocadas dos socialistas e dos socialdemocratas. Só isso! Em passado recente o povo europeu liquidou os ultraconservadores Partidos Comunistas na França, na Itália e em diversos outros países. No futuro próximo também a esquerda moderada terá espaço reduzido. Todos os povos da Europa civilizada compreenderam que o progresso social e o desenvolvimento econômico só podem ser alcançados com políticas liberais. O discurso da esquerda só faz sucesso nos dias de hoje entre os latino-americanos subdesenvolvidos e mal-educados. A extrema direita poderá crescer ainda mais. Ninguém quer pagar mais impostos para atender às demandas sociais dos imigrantes, que nada contribuem com o desenvolvimento dos países europeus. Até China e Índia limitam a entrada de imigrantes. Idem EUA, Canadá, Japão, Austrália, Brasil, Argentina etc. Luiz Magalhães, São Paulo lemaga@gmail.com

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REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2009

Educação de rua Parabéns pela reportagem “Uma causa para abraçar” (ed. 36). É necessário que mais pessoas conheçam o drama de crianças de rua e, assim como eu, encorajem-se a ajudar. Osni Bernardi obernar1@ford.com Direito de espernear Uma verdadeira apologia ao PT a edição de junho (36). Reportagem tendenciosa de Mauro Santayana (“O direito de espernear”) e outras como “A crise como oportunidade”. Basta ler nas entrelinhas. Parei com esta revista! Armando Fiori Filho, Osasco (SP) arfiori@bol.com.br Ruínas Curso Física pela Unicamp e sou um grande leitor desta revista. Gostaria que fizessem uma reportagem sobre as universidades públicas paulistas, as últimas greves, para contar realmente o que está acontecendo – falta de professor, não aumento de salário e o possível sucateamento dessas instituições. E mostrar o que o PSDB e DEM vêm fazendo, ou seja, só arruinando. Gustavo Silva, Campinas (SP) gutobsilva@gmail.com Dá gosto A Revista do Brasil é muito boa, traz informações atualizadas e dá gosto de ler, diferentemente dos meios de comunicação tradicionais, voltados para uma parcela da sociedade, dominante e reacionária. Fransueldo Pereira da Silva, São Paulo (SP) artificialnatural@ig.com.br Vocês estão de parabéns! Acompanho a RdB desde a primeira edição, principalmente o noticiário político. Não perco. Pedro Silva Galvão, Suzano (SP) pedrocartunista@gmail.com revista@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que as mensagens venham acompanhadas de nome completo, telefone, endereço e e-mail para contato. Caso não autorize a publicação de sua carta, avise-nos.


Editorial

Mídia 12 Os bancos seduziram os jornais para emplacar suas reformas prediletas Trabalho 14 Terceirização baixa custos, sobe lucros e compromete o futuro do país Cidadania 18 Defensores públicos levam Justiça a muita gente por ela esquecida Saúde 24 Descoberta há um século, a doença de Chagas ainda é ameaça presente Ambiente 26 População da Amazônia equatoriana cobra os estragos da Chevron-Texaco Entrevista 30 Acreditou na neutralidade da mídia? Altamiro Borges, do Vermelho, não Cultura 36 Os poderes da música, do cinema e da história, numa única linguagem Atitude 40 A vida nas cidades seria muito pior sem os protetores dos animais

RODRIGO QUEIROZ

Vista da Pedra da Gávea

Viagem 44 Rocinha abre portas para integrar a comunidade e seus visitantes SEÇÕES Cartas 4 Resumo 6 Ponto de Vista Em Transe

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Retrato 35 Curta Essa Dica

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Crônica 50

STRINGER BRAZIL/REUTERS

Índice

A CUT propõe a participação dos sindicatos também nas discussões ambientais

Organização sustentável

P

or força do calendário de distribuição para bancas e Correios, esta edição é fechada antes do 10º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores – Concut, de 3 a 7 de agosto – e circula antes de se conhecerem as suas decisões. Mas mencionar aqui sua importância não torna essa mensagem precoce nem a envelhece. É uma forma de expressar a responsabilidade dos militantes sindicais e, também, de chamar a atenção dos leitores para um tema que traz reflexos em suas vidas. A CUT foi importante na democratização do país, na proteção dos direitos dos trabalhadores na Constituinte e na resistência à agenda neoliberal. Nos últimos anos, assumiu com transparência o apoio ao governo Lula. “Sem a ingenuidade de acreditar que ele daria uma canetada: ‘artigo 1º, instale-se o socialismo; artigo 2º, revogam-se as disposições em contrário’, e não precisaria mais haver lutas, greves, mobilizações. Trata-se de um governo em disputa. Ganhamos a eleição, não o poder”, sintetizou o presidente da central, Artur Henrique da Silva Santos, em entrevista à edição 27 (agosto de 2008) da RdB. A defesa da democracia e dos direitos dos trabalhadores de se fazer ouvir é exercício que nunca se esgota. E o 10º Concut acontece num momento de amadurecimento da central. A CUT, como interlocutora de uma fatia majoritária da sociedade, abraça o desafio de intervir com mais amplitude nas esferas do poder e fora dele. Por isso, prepara-se para dar à comunicação social – e à democratização do acesso à informação – prioridade estratégica. Sobressaem ainda em seus debates a sustentabilidade e o futuro do planeta. Por exemplo, a proposta de ampliar o papel das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas) para além das questões saúde e segurança; para que focalizem também os impactos da atividade de determinada empresa na área onde está instalada. E de incluir os sindicatos em processos de licenciamento ambiental para instalações de plantas de unidades industriais, obras de infra-estrutura ou empreendimentos agrários. Todas as áreas de atividade econômica podem ter representantes dos profissionais capazes de contribuir, do cálculo dos impactos à proposição de medidas compensatórias. Desenvolvimento sustentável é aquele capaz de suprir as necessidades da geração atual­ sem comprometer o atendimento das necessidades das futuras gerações. Assim, cabe ao movimento sindical absorver com efetividade essa causa. Para que além de sustentabilidade como peça de marketing, as empresas tenham a qualidade de vida das pessoas entre os patrimônios ambientais a respeitar, pelo equilíbrio do planeta. AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Resumo

Por Paulo Donizetti de Souza (resumo@revistadobrasil.net)

Ainda o retrovisor

Volkswagen: crescimento da produção e mais empregos

Ah, essa crise

PAULO WITAKER/REUTERS

A Volkswagen em São Bernardo do Campo já contratou 530 trabalhadores este ano e efetivou outros 670 temporários. A produção cresceu 9% de janeiro a maio e a montadora prepara novos lançamentos. Outra do mundo automotivo que nos últimos meses esteve sempre associada a más notícias, a General Motors anunciou investimentos de R$ 2 bilhões no país. Metade com recursos próprios e o restante via empréstimos de bancos públicos – Banrisul, Banco Regional de Desenvolvimento Econômico do Extremo Sul (RS, SC e PR) e BNDES. Da planta de Gravataí (RS), onde são produzidos o Celta e o Prisma, passarão a sair dois novos carros, projetados por profissionais brasileiros.

No ano passado, 28 bancos pagaram a seus acionistas dividendos de R$ 12,3 bilhões (média de R$ 43 milhões por instituição). Para se ter ideia da dimensão desse retorno, 311 companhias de outros setores distribuíram R$ 53,7 bilhões (média de R$ 17 milhões). Na média, os bancos foram 2,5 vezes mais lucrativos. “Nada contra dividendos, mas na hora da negociação salarial não vai dar para usar a crise como desculpa”, disse o presidente da CUT, Artur Henrique, durante a Conferência Nacional dos Bancários, citando estudos da consultoria Economática.

R$ 237 para cada um

Corresponde a esse valor para cada brasileiro o rombo de R$ 45,2 bilhões provocado pelo apagão elétrico de 2001. O cálculo é do Tribunal de Contas da União. O relatório, do ministro Walter Alencar Rodrigues, foi aprovado por unanimidade, com o voto inclusive de uma autoridade do primeiro escalão de FHC no auge da crise. O custo do não investimento do governo tucano em geração de energia pagaria, ironicamente, a construção de seis hidrelétricas das graúdas.

ELZA FIUZA/ABR

O aumento e o fator

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Governo rejeita aposentadorias precoces

REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2009

Se o Congresso não travar de vez, agosto começa com a entrada em pauta de dois itens caríssimos a quem pensa em se aposentar e a quem já se aposentou: o fator previdenciário e o reajuste dos que ganham mais que o salário mínimo. A centrais e as organizações de aposentados são contra o emprego do fator por reduzir o benefício em relação ao salário da ativa. E o governo não admite mudanças que estimulem aposentadorias precoces. O deputado Pepe Vargas (PT-RS), relator de proposta de mudança no cálculo do fator, acredita ter solução intermediária. Prevê que o cálculo do benefício leve em conta 70% das maiores contribuições desde 1994; atualmente, considera-se 80%. E cria a Fórmula 95/85 no lugar do fator, com benefício integral se a soma da idade mais tempo de contribuição atingir 95, para homens, e 85, para mulheres. Por

exemplo, alcança benefício integral um homem com 55 anos e 40 de contribuição. Ou uma mulher com 50 de idade e 35 de contribuição. Atualmente, um homem com 35 anos de contribuição que queira se aposentar aos 51 terá benefício 35% menor. Para receber integral, precisa contribuir mais oito anos. Com a Fórmula 95/85, esse trabalhador teria de contribuir por pouco mais de quatro anos para atingir 100% do benefício. O problema ainda é o reajuste dos aposentados. Enquanto o salário mínimo tem sido reajustado pela inflação mais um acréscimo igual à alta do PIB, as aposentadorias maiores ficam só na correção da inflação. O governo está devendo uma proposta de aumento real que contemple também esse segmento e deve tirar algo da cartola para valer a partir de 2010.


Faça o que eu faço

Um lorde... Infelizes as empresas inglesas que mandaram lixo para o Brasil em contêineres identificados como “polímero de etileno para reciclagem”. Tiveram de arcar com a devolução das 90 toneladas de sujeiras como seringas, fraldas e preservativos usados, banheiros químicos etc., foram multadas em R$ 2,5 milhões e ainda terão de se ver com autoridades ambientais britânicas. Sempre aborrecido com as críticas dos países ricos – aos desmatamentos, ao etanol –, Lula não perdeu a chance de chutar o balde: “Eles são tão limpos e mandam para cá lixo dizendo que é para reciclar. Quem vai reciclar camisinha? Lixo hospitalar? Não queremos exportar nosso lixo e não vamos importar lixo dos outros”.

O Movimento pela Abertura dos Arquivos da Ditadura Militar do Rio Grande do Sul divulgou carta endereçada à governadora do estado, Yeda Crusius, sobre ter chamado de “torturadores” os professores que faziam manifestação em frente à sua casa no dia 16 de julho. Na carta, o Movimento afirma: “A declaração atinge também todos os cidadãos brasileiros, vítimas diretas ou indiretas dos crimes cometidos por torturadores ao longo da história. A utilização deste termo é uma total falta de conhecimento histórico e um grande desrespeito à memória do país. A senhora comparou uma classe trabalhadora a pessoas que cometeram crimes, e que estão por aí, impunes. A senhora sentiu-se intimidada pela manifestação que impediu o direito de ir e vir de seus netos. Seus netos, senhora governadora, provavelmente não saibam o estado em que se encontra a educação pública no Rio Grande do Sul. Não devem fazer ideia do que seja passar trimestres sem uma disciplina por falta de professor; ou estudar em turmas com 50 alunos, por causa do enturmamento promovido pela senhora; ou encontrar professores desmotivados pela miséria que é paga todos os meses. Estes, sim, são torturados”.

Yeda: ignorância da história do país e da situação do ensino no Rio Grande do Sul

ROBERTO VINÍCIUS/AE

Torturadores

Maior fundo de pensão do país, a Previ, dos funcionários do BB, vai se desfazer de sua cota de 2% no capital da Souza Cruz. O fundo busca política socioambiental mais rígida a partir deste ano e quer abandonar o barco de companhias de fumo e armas. A Previ tem patrimônio de R$ 120 bilhões e recursos de R$ 60 bilhões aplicados em carteiras de ações. E integra a iniciativa da ONU Princípios para Investimentos Sustentáveis (PRI) – que tenta estimular a valorização acionária de empresas com práticas socialmente corretas. “Não dá para cobrar o que você não faz”, disse Sérgio Rosa, presidente do fundo, ao Valor Econômico.

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PontodeVista

Por Mauro Santayana

A santa aliança Entre todos os crimes atribuídos aos EUA em sua cruzada contra a esquerda, soma-se a intervenção antidemocrática no destino da Itália, quando destruída pela guerra

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Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980

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m 1942, um luxuoso transatlântico, o Nor- comunistas. Esse vício de origem condenou a Itália à mandie, explodiu no porto de Nova York. Os violência política e à corrupção generalizada, da qual Estados Unidos, na guerra contra o Eixo, não é hoje expoente o governo de Berlusconi. haviam ainda organizado bem seus serviços Depois da derrota eleitoral de De Gasperi (1953) e de contraespionagem. Alguém, da Marinha, sua morte (1954), seu pupilo Giulio Andreotti assumiu teve a ideia de negociar com o gangster Lucky Luciano o poder secreto na Itália, ao se colocar como o centro sua colaboração. O capo da Máfia estava preso, condena- da aliança entre a Máfia e o Vaticano. Suas ligações fodo a uma sentença de 30 a 50 anos, mas conram comprovadas nas investigações reatinuava no comando da organização. Lucia- Eles lizadas pelos magistrados independentes no, mediante o controle dos sindicatos de instalaram Giovanni Falcone e Paulo Borsollini, asestivadores, organizou o serviço de vigilân- a Máfia, a sassinados em 1992, um depois do outro, cia que impediu qualquer tipo de sabotagem direita do quando estavam próximos de devassar a nos portos americanos. conspiração criminosa que tem mantido Vaticano e Em 1943, mais uma vez, o gângster foi de fato na Itália. os corruptos o poder convocado. Com seus contatos na Sicília Andreotti entrara para o círculo mais feorganizou grupos que ajudaram o desem- no poder – e chado do poder na Itália, ainda em 1942, barque de julho, e o deslocamento dos alia- condenaram quando tinha apenas 23 anos, unindo-se a dos pela ilha, até a conquista de Roma. Com o país a De Gasperi, então bibliotecário do Vaticaa derrota da Itália e o apoio do Vaticano e esse destino no. Sete vezes primeiro-ministro e mais de dos aliados, o democrata-cristão Alcide de de farsa e 30 vezes ministro, Andreotti – absolvido Gasperi assumiu a liderança conservadora das acusações de associação criminosa com violência e posição eminente no governo. Em 1946, a Máfia – foi condenado por ter mandado depois da derrota definitiva dos nazistas, o rei Vittorio assassinar o jornalista Mino Picorelli em 1979, mas teve Emanuele III abdicou, em favor do filho, Umberto II. a sentença anulada pela Suprema Corte, tendo em vista O governo decidiu convocar um plebiscito para deci- sua idade. Aos 90 anos, é senador vitalício desde 1991. dir se a Itália continuaria no regime monárquico ou se No dia 18 de julho, o mais importante dos mafiosos estabeleceria a república. vivos, Totó Riina, condenado à prisão perpétua pela O primeiro governo republicano foi de coalizão, che- execução dos dois magistrados, revelou a seu advogado fiado por De Gasperi, com a presença dos comunistas. que os juízes Falcone e Borsellini foram assassinados Os Estados Unidos, então, empregaram todos os re- em complô de que faziam parte a Máfia, os serviços secursos para impedir a vitória da esquerda nas eleições cretos italianos, o Vaticano e industriais de Milão, entre de 1948. Foi nesse momento que a CIA, a serviço do eles, Silvio Berlusconi. presidente Harry Truman e sua doutrina de contenção De acordo com outras testemunhas, os serviços semilitar do comunismo, estabeleceu o grande eixo que, cretos da Itália ajudaram a Máfia a organizar o assassiaté hoje, encontra-se por trás do poder de fato na Itá- nato dos juízes e ocultar evidências que levassem aos lia, unindo o Vaticano, seu braço político, a direita da executores. Esse texto foi escrito logo depois da conDemocracia Cristã, e a Máfia. fissão de Riina, e novas revelações podem ter surgido. Os norte-americanos despejaram centenas de mi- Quaisquer que venham a ser, só servirão para confirlhões de dólares no país, que foram usados pela di- mar que, entre todos os crimes atribuídos aos nortereita, a fim de comprar jornalistas, líderes locais e fi- americanos em sua cruzada contra a esquerda, deve sonanciar operações da Máfia. Os italianos que votaram mar-se sua intervenção antidemocrática no destino da para a Assembleia Constituinte e, no ano seguinte, para Itália, quando destruída pela guerra. Eles instalaram a o Parlamento, recebiam correspondência “dos amigos Máfia, a direita do Vaticano e os corruptos no poder – e americanos” com o pedido de que votassem contra os condenaram o país a esse destino de farsa e violência.

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Sabe qual banco recebeu todoS eSteS prêmioS?

melhor conglomerado financeiro do país melhor conglomerado no segmento público o banco que mais cresceu por retorno sobre o patrimônio líquido no setor público


EmTranse

Por Rodrigo Savazoni (emtranse@revistadobrasil.net)

A era digital das luzes Digitalização de acervos e preservação da produção coletiva crescem e ampliam possibilidades educacionais e culturais na rede

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mês de julho produziu um marco histórico para a cultura brasileira. No site da biblioteca Brasiliana, projeto da Universidade de São Paulo, que vem trabalhando sobre o acervo do bibliófilo José Mindlin, foram publicadas as primeiras edições de todas as obras de Machado de Assis (www.brasiliana.usp.br/ machado_de_assis). Escrevo enquanto folheio, em PDF, Chrysalidas, o primeiro livro de poesias do bruxo do Cosme Velho. Como a maioria dos cidadãos, eu jamais teria acesso a essa preciosidade. E agora ela está aqui, nas minhas mãos. Os mais entusiasmados defensores da internet costumam compará-la a uma biblioteca infinita. Mencionam, por exemplo, o escritor argentino Jorge Luis Borges e sua Biblioteca de Babel, criada no livro Ficções, cujos corredores e galerias não têm fim. Essa comparação carrega grande dose de desejo. No entanto, sonhos podem acontecer. O projeto da Brasiliana é um entre vários esforços para tornar acessível o conhecimento que se produz no Brasil e no mundo. Este ano, a Unesco lançou a Biblioteca Digital Mundial (www.wdl.org/pt), que reúne esforços de bibliotecas de todo o planeta. Esse empenho mundial começou em 2005, por iniciativa da Biblioteca do Congresso dos EUA, e envolve atualmente mais de 30 instituições mantenedoras de acervos. No Brasil, quem participa dessa iniciativa é a Biblioteca Nacional, cuja sede fica no Rio de Janeiro. Os conteúdos da Biblioteca Digital Mundial estão disponíveis em árabe, chi-

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nês, inglês, francês, português, russo e es- sis, estão vindo a público semanalmente. A panhol. No texto oficial de apresentação, princípio, oferecem acervos de domínio púos organizadores afirmam que pretendem blico, cujos direitos de propriedade já expibuscar qualidade, e não somente quanti- raram. No entanto, um debate central sobre dade. De fato, ainda são poucas as opções. o direito legítimo dos cidadãos de acessar Do Brasil, por exemplo, são 157 itens. obras “esgotadas” ou com finalidade pública Entro em um desses itens. vem ganhando força. Iniciativa do Acabo de visualizar fotoA era eletrônica da culgrafias da coleção pessoal Ministério da tura, do rádio e da TV foi de dom Pedro II, entre elas Educação, o absolutamente negligena de um aqueduto construí­ portal Domínio te com a memória. Como do pelo imperador e inau- Público foi fazer, por exemplo, para gurado em 1880. A imagem lançado em assistir a um programa está diante de mim. Posso Rede Globo que foi ao 2004, com cerca da aproximá-la de meus olhos, ar em 1989? Não existem procurar detalhes. Também de 500 obras. acervos públicos com esse tenho ao meu lado os dados Hoje, conta com fim. Nos anos 1990, com o e metadados. Entendo onde mais de 120 avanço da digitalização e o estou e os links me permi- mil itens: www. crescimento da internet, altem novas descobertas. guns teóricos começaram a dominiopublico. A biblioteca Brasiliana falar em uma era digital das gov.br da USP e a Biblioteca Disombras, na qual todo o cogital Mundial comungam do esforço no- nhecimento humano seria produzido para tável de produzir interfaces amigáveis ao se dissipar. usuário comum. Mais que reunir o acervo Agora, o cenário começa a se inverter. Os em listas infinitas, com dados incompletos esforços mundiais no sentido de garantir (como ocorre normalmente), o que essas a preservação da memória estão crescenexperiên­cias fazem é transpor para o meio do, grandes instituições públicas e privadas digital as obras que circularam fisicamente despertaram para o tema, e isso pode origi(em alguns casos, recriando-as). nar uma era digital das luzes, na qual, efeNa Brasiliana, obras integrais em baixa e tivamente, todo o conhecimento esteja ao alta resolução, como as de Machado de As- alcance de todo e qualquer ser humano.


SAC CAIXA: 0800 726 0101 (informações, reclamações, sugestões e elogios) 0800 726 2492 (para pessoas com deficiência auditiva) Ouvidoria: 0800 725 7474

você penSou

na caiXa? a FGv, também. A revista conjuntura econômica, da Fundação Getúlio Vargas, escolheu a CAIXA como o melhor conglomerado financeiro do país, o melhor no segmento público entre os grandes e o que mais cresceu por retorno sobre o patrimônio líquido no setor público em 2008.

caixa.gov.br

o banco que acredita nas pessoas.


MÍDIA

A linguagem da sedução Como os bancos conquistaram o jornalismo brasileiro e conseguiram implantar privatizações e forjar a sólida aliança conservadora mídia-capital financeiro Por Bernardo Kucinski

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m levantamento inédito de 14 anos de reportagens de economia (entre 1989 e 2002) revelou que os grandes bancos brasileiros puseram em ação nesse período uma estratégia sofisticada para dominar o noticiário e emplacar reformas econômicas de seu interesse. Alijaram por completo da mídia as ideias desenvolvimentistas 12

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da burguesia industrial e mais ainda as propostas oriundas dos movimentos sociais e sindicais. Para uma tese de doutorado que oriento, na Escola de Comunicações e Artes da USP, a pesquisadora colheu reportagens por amostragem – os primeiros dias de cada mês, quando são divulgados os principais indicadores econômicos – publicadas na Folha de S.Paulo e em O Estado de S. Paulo.

Em consequência das estratégias dos bancos, as fontes do mercado financeiro acabaram por predominar no noticiário econômico sobre todas as demais fontes das reportagens. Essas estratégias incluíram a criação de departamentos de pesquisas e o treinamento de economistas obsequiosos, sempre dispostos a atender jornalistas. Quase todos os bancos ofere-


ceram aos seus economistas treinamento para falar com a imprensa. Em mais de 80% dos departamentos de pesquisa dos bancos, o material produzido para clientes era também enviado gratuitamente a jornalistas. Mesmo que eles não pedissem. As editorias de economia eram abastecidas com material de aparência séria, legitimado pelo saber econômico, cheio de números e estatísticas, mas sua finalidade principal era disseminar interesses do capital financeiro. Bastava um jornalista pedir uma informação e já era incluído no mailing do banco para receber seus comunicados e relatórios regularmente. Assim surgiu, não por acaso, fruto de toda uma cuidadosa estratégia, o que os sociólogos chamam de “discurso (ou pensamento) único” na mídia brasileira: a defesa quase unânime das mesmas posições sobre políticas macroeconômicas e políticas públicas. Ao contrário dos partidos políticos de centro-esquerda, dos movimentos sociais e das centrais sindicais, a banca internacional não vacilou no assunto. Sabe que comunicação tem lugar estratégico na disputa por poder e pela definição de políticas públicas. Mesmo assim, é surpreendente o sucesso do setor financeiro nessa ocupação de espaços na mídia. Um caso sem precedentes em regimes democráticos. Como se explica isso? Primeiro, teve a percepção do papel estratégico da comunicação numa fase de mudanças estruturais da economia e disputa pelas novas regras do jogo. Segundo, o sistema financeiro, como revelou a pesquisa, difere dos demais setores da burguesia pela sua competência organizacional na esfera da comunicação. Terceiro, sabia com clareza o que queria mudar; tinha agenda predefinida, a do Consenso de Washington. Quarto, custo não era problema, dispunha do dinheiro que precisasse para aplicar na comunicação. E, finalmente, contou com a boa vontade e afinidade ideológica de donos de jornais e editores em cargos de confiança. Na amostragem da pesquisa, os temas queridos do capital financeiro – como bolsas de valores e investimentos – predominaram nas manchetes do noticiário com larga vantagem. Mas o mais importante é o menos aparente: o domínio de fontes do capital financeiro nas notícias sobre te-

mas gerais de política econômica. A par- pedaços do que estava sendo tramado, sem tir de 1992, os agentes do capital financei- se identificar, para testar a reação da sociero passam a veicular sistematicamente as dade, sem ter de revelar o todo, deixando propostas do Consenso de Washington, de espaço para desmentir ou recuar se a rearedução do papel do Estado na economia, ção fosse negativa. O noticiário econômico flexibilização das leis trabalhistas e prin- atuou como braço auxiliar da implantação cipalmente a privatização das estatais de do real, e não como observador crítico e inenergia, comunicação, fertilizantes e dos dependente, a serviço do interesse público bancos públicos. e da boa informação. Tudo em nome do interesse nacional, A pesquisa confirma a articulação dos claro. As propostas eram noticiadas quase mentores do Plano Real com um grupo de sempre a partir de uma única jornalistas influentes, com fonte e como se só elas pudes- A banca os quais se reuniam regusem levar o país ao patamar de internacional larmente, já relatada no lidesenvolvimento do Primeiro sabe que vro A Real História do Real, Mundo. Tudo muito sedutor e comunicação de Maria Clara R.M. do Praindiscutível. Sempre evitando do, jornalista que participatem lugar a controvérsia, ao contrário va das reuniões. O episódio do que manda o bom jorna- estratégico demonstra com eloquência lismo, que recomenda o deba- na disputa o papel estratégico da cote e o contraditório. O leitor por poder e municação na disputa pela comum nem percebe que só pela definição definição e implantação de está vendo um lado. É como de políticas políticas públicas e macroeuma censura dupla, na qual conômicas. públicas. o contraditório não aparece Na amostragem de notíe nem se percebe que ele não Mesmo cias de economia desses 14 assim, é aparece. anos, nunca os temas ecoUm dos mais surpreen- surpreendente nômicos de interesse social dentes achados da pesqui- o sucesso mereceram manchete: sasa foi que o Estado brasilei- do setor neamento básico, habitação, ro tornou-se naquele período transporte público e saúde financeiro o principal indutor e difusor não foram considerados digdas propostas neoliberais. O nessa nos de manchete pelos editogoverno predominou como ocupação res de jornais, provavelmenfonte de reportagens em de espaços te porque também não foram todo o período abordado. na mídia. Um prioridades dos governos daVinha também do governo o caso sem quele período, mais preocumaior número de fontes em pados em implantar a agenda precedentes “off ”, não identificadas. Não de reformas do capital finansó os principais dirigentes em regimes ceiro. Sindicalistas aparecem do Banco Central no período democráticos poucas vezes como fontes, e vinham diretamente do merquase somente em reporcado financeiro como o processo gerador tagens sobre negociação salarial e greves. de políticas públicas e do discurso de go- Em matérias sobre políticas macroeconôverno era por eles inspirado e dirigido. “O micas e outras de interesse geral da sociegoverno assumiu os interesses e a agenda dade nunca são consultados. do mercado financeiro, tornando-se praTodo esse sistema financeiro entrou em ticamente o porta-voz dos bancos”, diz a crise nas suas bases principais de operapesquisadora. ção: Wall Street e a City de Londres. Mas Durante a implantação do Plano Real, no Brasil criaram-se vínculos tão fortes enum momento especialmente delicado do tre a imprensa e o grande capital que apesar governo FHC, nenhuma reportagem iden- do evidente e dramático fracasso do modetificava suas fontes de informação. Nem lo neoliberal manteve-se imbatível a hegemesmo vagamente, como “assessores pró- monia ideológica dos bancos na mídia. Daí ximos ao ministro” ou expressão seme- a oposição desta às atuais políticas redistrilhante. O esquema de implantação con- butivas, de reforço da autonomia nacional e sistia em escalar funcionários para vazar de integração latino-americana. AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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TRABALHO

A casta inferior Não se trata, ainda, da admissão pela sociedade e pelo Estado de uma classe subjugada, como na Índia. Mas é o que pode acontecer se o Brasil não proteger seus trabalhadores dos porões da terceirização Por Solange do Espírito Santo

T

odas as manhãs ele sai de casa, no ABC paulista, e toma o ônibus fretado pela Ford para, às 6h48, estar a postos na fábrica de São Bernardo do Campo. Ao seu lado, no ônibus, estão dezenas de metalúrgicos como ele. A diferença é que é funcionário da DHL, empresa que tem 500 empregados “prestando serviços” de logística para aquela unidade da Ford. Prática que ganhou impulso a partir dos anos 1990, a terceirização está disseminada em todos os setores da economia e sem legislação que a regule. Sondagem feita este ano pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) revela que 54% das fábricas brasileiras utilizam esse expediente, que absorve 14% da mão-de-obra do setor. O objetivo é a redução dos custos e, por consequência, o aumento dos lucros. José dos Santos – nome fictício do assalariado da DHL que há mais de dois anos trabalha diariamente na Ford – sabe como. Quando a montadora executava diretamente os serviços agora terceirizados, a média salarial dos funcionários do setor era de R$ 3.000. José ganha R$ 1.200. “Sinto-me um trabalhador de segunda linha”, diz ele, que faz hoje serviços antes efetuados por três funcionários da Ford. A situação é semelhante à de milhares de 14

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trabalhadores terceirizados, que convivem com baixos salários, alta rotatividade, perigo maior de acidentes por falta de treinamento e segurança, maior pressão por volume de trabalho, além da falta de idoneidade de firmas que burlam direitos trabalhistas, sob vista grossa das empresas contratantes. Como não existe lei que regule a terceirização, isso acontece em escala crescente. Segundo a economista Marilane Teixeira, assessora da Confederação Nacional dos Químicos da Central Única dos Trabalhadores (CNQ-CUT), a única regra existente é a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que autoriza a prática de prestação de serviços nas chamadas atividades-meio – como limpeza, alimentação e segurança – e proíbe a terceirização nas chamadas atividades-fim, ou seja, aquilo que é inerente à produção da empresa, seja ela indústria ou de serviço. Mas a secretária de Organização da CUT, Denise Motta Dau, lembra que a definição do que é atividade-fim de uma empresa fica a cargo de cada juiz, no momento de dar sentença a uma ação judicial. “A Súmula 331 serve apenas como base no fim da linha, quando um trabalhador demitido move um processo. Não é uma lei, o que a torna frágil em diversos aspectos, como igualdade de direitos e de condições de saú-


de e segurança no trabalho entre trabalhadores diretos e terceirizados”, avalia Denise, que coordena na central um grupo de trabalho sobre o tema. Segundo Marilane, em todo o ramo químico – que engloba as indústrias químicas, farmacêuticas, papel e celulose, de petróleo, petroquímica, cosméticos e vidros –, de quase 1 milhão de trabalhadores estimase que um terço seja de terceirizados. “E a prática é maior nas grandes empresas. Há, por exemplo, mais de 40 terceirizadas que atuam dentro da fábrica da Basf ”, conta a assessora da CNQ-CUT. A inexistência de lei faz da terceirização porta de entrada para a precarização no trabalho. “Além da diferenciação de salários, jornada e benefícios, trabalhadores terceirizados têm sido as principais vítimas de acidentes em alguns setores produtivos”, afirma Denise.

Parafuso solto

Carlos Roberto da Silva trabalha há 30 anos como eletricista de linha-viva terceirizado

SAULO ALVES

Nós somos os esquecidos. As condições são desumanas, por isso os acidentes aumentam

Dados da Federação Única dos Petroleiros (FUP) mostram que quase 90% dos acidentes de trabalho na Petrobras aconteceram com trabalhadores terceirizados, que figuram ainda em 135 dos 166 casos de morte em serviço ocorridos do ano 2000 até agora. “Há setores da Petrobras de alta periculosidade, verdadeiras bombas-relógio, onde atuam majoritariamente trabalhadores de empresas terceirizadas, com baixa qualificação e sem condições adequadas de segurança”, afirma Ubiraney Ribeiro Porto, diretor da FUP e do Sindicato dos Petroleiros da Bahia. Segundo ele, até os anos 1980, a contratação de terceirizadas no ramo petrolífero era pequena e somente para serviços especializados e áreas restritas. “Ela é parte das mudanças desenfreadas trazidas pelo neoliberalismo nos processos de gestão”, destaca Porto. Hoje, a Petrobras tem 60 mil trabalhadores próprios e 160 mil terceirizados, a maioria em funções que, para a FUP, são atividades-fim, como operação de sonda, manutenção e mecânica. Manoel Ramos da Silva é isolador térmico e, desde 1981, trabalha na Refinaria de Duque de Caxias (RJ). Atualmente é funcionário da NTE e recorda que, até o início dos anos 1990, o número de trabalhadores indiretos era bem menor. “Aí, a terceirização veio com tudo na Petrobras”, conta. “E junto com ela os trabalhadores de ‘segunda’, que têm salários e benefícios inferiores AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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aos dos petroleiros.” Sem falar no “pingapinga” entre prestadoras. “Quando termina seu contrato com uma empresa e a Petrobras contrata outra, os trabalhadores só mudam de camisa. Saem de uma e vão para a ‘nova’, nas mesmas condições precárias”, diz Manoel. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia), Jesus Francisco Garcia, com a privatização das empresas do setor elétrico na década de 1990, houve uma inversão de valores: “A energia deixou de ser tratada como serviço essencial e as concessionárias assumiram o setor com foco no lucro”. O número de empregos diretos caiu para menos da metade. “Na CPFL, concessionária que atua no interior de São Paulo, eram 7.800 trabalhadores. Em 1997 houve a privatização e hoje há 3.160 funcionários”, informa Jesus. O que aumentou foi o número de acidentes. “O trabalho e a qualidade de serviços ficam totalmente comprometidos, isso sem falar no risco do trabalhador de perder a vida.”

Eu tinha a jornada e todos os direitos garantidos pela convenção coletiva dos bancários. Hoje estou me sujeitando a salário menor, com jornada e pressões muito maiores João dos Reis, demitido pelo Unibanco e contratado por terceirizadas para fazer o mesmo serviço

O eletricista de linha-viva (redes de alta tensão) Carlos Roberto da Silva, com 30 anos de profissão, é testemunha dessa deterioração. Ele trabalhou na construção de linhas de transmissão e redes de distribuição em 19 estados, sempre terceirizado, e diz que, com a privatização, o cotidiano dos trabalhadores piorou e o treinamento deixa a desejar. “Nós somos os esquecidos”, constata. Enquanto o salário médio da Companhia de Energia de Minas Gerais (Cemig), que não foi privatizada, é de R$ 2.500, nas empresas terceirizadas não passa de R$ 1.300. O eletricista, hoje numa empresa que atende concessionárias paulistas, diz que na manutenção da linha-viva, onde antes trabalhavam seis por equipe, hoje são três. “As condições são desumanas, por isso os acidentes aumentam”, complementa Carlos Roberto. O presidente do Sinergia ressalta ainda que boa parte das empresas prestadoras de serviços desrespeita a legislação trabalhista e sonega impostos. “Vivem mudando de CNPJ, de nome e de localização para burlar as leis e não cumprir compromissos trabalhistas”, afirma. “O trabalhador é o parafuso solto nessa engrenagem.” A terceirização piora a qualidade de produtos e serviços. A própria sondagem da CNI mostra que 58% das indústrias que

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REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2009

RODRIGO QUEIROZ

Queda de qualidade

PRECARIZAÇÃO Manoel Ramos: “Com a terceirização vieram os trabalhadores de segunda”

terceirizam estão descontentes. Na ponta final do processo estão os consumidores, cujas reclamações também crescem. E os bancos aparecem sempre nos primeiros lugares da lista. Também nesse ramo a terceirização ganhou força na década passada, junto com os processos de privatização e as

fusões. Áreas essenciais – de atendimento a clientes a compensação de cheques – foram terceirizadas, o que compromete não apenas a qualidade como o sigilo bancário dos clientes. Segundo Ana Tércia Sanches, secretária de Estudos Socioeconômicos do Sindicato­


GERARDO LAZZARI

Esse ritmo é sentido há mais de 15 anos pelo ex-bancário João dos Reis (pseudônimo). Até 1991, era funcionário do Unibanco e trabalhava na compensação de cheques. Demitido, entrou numa empresa contratada para esse fim. Prestando o mesmo serviço para o Unibanco, já passou por três firmas diferentes. “Eu tinha a jornada e todos os direitos garantidos pela convenção coletiva dos bancários. Hoje estou me sujeitando a salário menor, com jornada e pressões muito maiores”, conta. “Temos um banco de horas, mas não conseguimos tirar folgas nem receber as horas adicionais. A sobrecarga torna os erros operacionais comuns.”

dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, a terceirização aconteceu nas áreas­ meio e fim, como compensação de cheques e títulos, primordiais para o sistema financeiro. “E, com a automação, serviços de retaguarda de caixas eletrônicos já nasceram terceirizados”, observa. “Em quase todas as prestadoras de serviço há prepostos dos bancos para acompanhar o trabalho, o que demonstra que se trata de serviço bancário, portanto atividade-fim.” O setor financeiro tem 465 mil empregados diretos em todo o país e outros 360 mil executando trabalho bancário via prestadoras de serviço. “São os porões do sistema. Contratam em larga escala pessoal temporário para serviços de retaguarda dos bancos, pagando diárias de R$ 13, sem nenhuma proteção de um vínculo efetivo”, relata. A diretora diz que, além de salários de R$ 500 (o piso da categoria para a função de escriturário é de R$ 1.013,64 por seis horas), os terceirizados convivem com ambientes insalubres e ritmo intenso de trabalho. “É comum fazerem até 12 horas num dia”, aponta Ana Tércia.

conseguir a reversão da terceirização em algumas delas, os sindicatos atuam para representar os terceirizados. “Na Orsa, empresa de papel e celulose de Jari (PA), o sindicato trouxe para a sua base os operários do plantio e corte de madeira, muitos sob regime análogo à escravidão. Foi feito um plebiscito e os trabalhadores definiram essa representação”, lembra Iduigues Ferreira Martins, secretário de comunicação da CNQ e presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Papel e Celulose. A Súmula 331 do TST tem sido a base no julgamento de ações trabalhistas de terceirizados, mas deixa a critério de cada juiz o entendimento sobre a atividade-fim e prevê Pelas beiradas que as empresas contratantes tenham apeAs entidades sindicais têm buscado al- nas a responsabilidade subsidiária, ou seja: ternativas para reverter os estragos. Uma se um trabalhador move um processo condelas é tentar organizar os terceirizados tra a prestadora de serviço, a empresa conmesmo não os representando oficialmen- tratante somente assumirá o ônus da reclate. Com apoio do Sindicato dos Metalúrgi- mação trabalhista no final da linha caso o cos do ABC, o trabalhador José dos Santos reclamante não consiga receber a indenizae seus colegas da DHL estão viabilizando ção determinada em juízo. sua própria comissão de fábrica. O estatuO grupo de trabalho de terceirização da to está em negociação. CUT defende que haja legislação específica. No sistema financeiro, os sindicatos A central elaborou projeto de lei, apresenatuam­junto às prestadoras de serviços para tado em 2007 pelo deputado Vicente Paulo organizar os trabalhadores e da Silva (PT-SP), cujos prinnegociar melhorias. “Temos As cipais pontos são: a proibição feito pressão também sobre terceirizadas da terceirização nas atividaos bancos para que a tercei- vivem des-fim, a responsabilidade rização de atividades-fim seja mudando solidária das empresas conrevertida. No Banco do Bratratantes pelas obrigações de CNPJ, de sil, conseguimos que a institrabalhistas e a igualdade de tuição assumisse a responsa- nome e de direitos e de condições de bilidade solidária em relação localização trabalho. aos trabalhadores terceiriza- para burlar O projeto está na Comisdos”, afirma Ana Tércia. são de Indústria e Comércio as leis e O Sinergia tem acionado o não cumprir da Câmara, à espera de um Ministério Público do Trabamomento para ser aprecompromissos bom lho. “Este ano conseguimos sentado. “Temos de ter todo vitórias contra a Elektro (que trabalhistas o cuidado, para que não seja Jesus Francisco Garcia, atende o litoral e parte do in- presidente do Sinergia rejeitado já nessa Comissão”, terior de SP) e a CPFL, com comenta Denise Motta Dau, a determinação da Justiça da retomada pe- lembrando que está para ser votado em plelas concessionárias de serviços considerados nário um “perigoso” projeto de lei de autoatividades-fim”, conta Jesus. ria do governo Fernando Henrique: “Esse A FUP negocia com a Petrobras para que projeto permite a terceirização indiscrimiexija das empresas que contrata melhorias nada em todas as atividades e não prevê a para seus funcionários. “Temos uma pau- responsabilidade solidária”. ta mínima de 15 itens que queremos que As centrais sindicais querem audiência a Petrobras insira em seus contratos com pública para debater o projeto de lei de Vias prestadoras de serviços”, informa Ubi- centinho e inserir seus princípios na pauta raney Porto. No ramo químico, além de do Congresso. “É um processo de resistênnegociar diretamente com as empresas e cia”, resume Ana Tércia. AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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CIDADANIA

E

m julho do ano passado, o banqueiro Daniel Dantas, acusado de tentar subornar um delegado durante as investigações da Operação Satiagraha da Polícia Federal, conseguiu sair da prisão preventiva pedida duas vezes pelo juiz Fausto de Sanctis. Os bem pagos advogados de Dantas tiveram acatados pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, em plenas férias, dois pedidos de habeas corpus. O banqueiro exerceu, assim, seu direito de defender-se da acusação em liberdade. Trata-se de uma ilustre exceção. O Brasil tem milhões de pessoas que, se um dia precisarem acionar a Justiça, não poderão pagar advogados que abram caminhos.

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Justiça para quem precisa Enquanto orçamentos de muitos estados, como São Paulo, desprezarem as Defensorias Públicas, a estrutura judiciária reservará aos ricos as benesses da lei e, aos pobres, seu rigor Por Thiago Domenici

Para esses brasileiros, a Constituição determina a democratização do acesso à Justiça por intermédio das Defensorias Públicas. Adriano Silva, ao contrário do banqueiro, teve o pedido de sua prisão atendido, em agosto do ano passado. Perambulou por quatro penitenciárias em São Paulo por meses e só foi libertado graças ao defensor público Geraldo Sanches. Pai de João Vítor, 2 anos, e Evelin, 8 meses, Adriano trabalha na capital paulista como caseiro e motorista. Renilda, a “Nega”, mãe das crianças, foi quem acionou a Defensoria. E garantiu aos filhos a proteção do pai após o segundo drama que ele logo enfrentaria. Renilda morreu cinco meses depois da chegada de Evelin.


Defensorias pelo país Estado Criação Habitantes por defensor* Acre 2001 11.300 Alagoas 2001 111.600 Amazonas 1990 53.800 Bahia 1985 72.700 Ceará 1997 32.200 DF 1987 15.400 Espírito Santo 1994 25.900 Maranhão 2002 137.700 Mato Grosso 1999 25.200 Mato Grosso do Sul 1990 15.600 Minas Gerais 2003 41.700 Pará 1983 29.700 Paraíba 2002 11.200 Pernambuco 1998 33.500 Piauí 1998 34.600 Rio de Janeiro 1954 20.900 Rio Grande do Norte 2005 143.500 Rio Grande do Sul 1994 44.300 Rondônia 2002 57.400 Roraima 2000 17.000 São Paulo 2006 102.500 Sergipe 1994 19.900 Tocantins 1989 15.000

ANTONIO CRUZ/ABR

TARDA E FALHA O banqueiro Daniel Dantas se beneficia do sistema judicial, enquanto o caseiro Adriano Silva foi sua vítima

RODRIGO ZANOTTO

Obs.: Não há defensores de carreira atuando em Goiás, Paraná e Amapá. Em Santa Catarina não foi criada Defensoria. Fonte: Defensorias Estaduais, IBGE, Apaded *Dados de 2008

Em 2007, o irmão mais novo de Adriano, Deco, fugiu da prisão em Hortolândia, região de Campinas (SP), onde cumpria pena em regime semiaberto. Deco sempre pedia ao irmão para não visitá-lo. Estava ali como réu primário, mas já era foragido da penitenciária de Junqueirópolis. E no flagrante que o levou para Hortolândia usava documento do irmão sem ele saber. “Usando meu documento de reservista do Exército, deu o nome do pai, da mãe, número do RG, tudo bateu, a polícia não foi conferir foto nem digitais. Foi condenado com o meu nome”, relembra. Com a escapada do irmão, Adriano virou foragido da Justiça. Mas só descobriu quando teve a carteira furtada e foi tirar nova documentação. Estava na companhia da mulher, grávida, e com João Vítor no colo. “Eu brincava com meu filho, a mulher pegou meu nome e foi pra dentro. Minutos depois, tinha três policiais atrás de mim. ‘Adriano? Dá seu filho pra sua esposa e acompanha a gente, que você está preso’.” “O nome é meu, o RG é meu. Vocês têm que ver se a pessoa sou eu. Nunca fui preso”, disse aos policiais. Não adiantou. “Tiveram

má vontade.” E a confusão não se desfez. Enquanto Renilda tentava achar uma saí­ da, ele viveu humilhações – “sem lençol, colchão, tudo lotado, no meio dos ratos” – em celas com 50 pessoas que deveriam abrigar no máximo nove. “Falei pra Nega tentar falar direto com o juiz. Ela começou a ir ao Fórum da Barra Funda e um pessoal falou da Defensoria.” Adriano já estava desanimado quando Renilda explicou que o “doutor Geraldo” estava ajudando. “Falava: ‘Que advogado é esse?’, e ela: ‘É público. É o advogado que te deu mais atenção’.” Em 10 de dezembro, um mês antes de Evelin nascer, Adriano conseguiu a liberdade, teve a ficha “limpa” e os documentos renovados: “Vi minha filha nascer graças à Defensoria. Se não fossem eles, sei lá se teria saído”. Sem a companheira que tanto o ajudou, o caseiro vai tocando a vida e pensa em processar o Estado. Apesar de tudo o que passou, é otimista: “Quero terminar meus estudos, ser um pai bem presente na vida dos meus filhos e dar para eles o que meu pai não me deu”.

Ideologia? Os excluídos

Criada em 2006, após 18 anos de pressões de um movimento que reuniu mais de 300 entidades da sociedade civil, a Defensoria Pública de São Paulo é a mais jovem do país e conta com 400 defensores para todo o estado. Muito pouco, comparado às outras carreiras jurídicas – composta por 1.700 procuradores no Ministério Público do Estado e 2.300 juízes na Magistratura. Recentemente, o governo anunciou que abrirá mais 100 vagas em concurso público, o que alivia um pouco a carreira, mas não basta para tirar São Paulo das piores posições de atendimento em relação ao tamanho de sua população: um defensor público para 102 mil habitantes. Quem ingressa na carreira sabe que não terá vida confortável. Cada defensor acompanha, em média, 2 mil processos. O salário de ingresso é de R$ 5 mil, enquanto promotores, procuradores ou magistrados ganham até quatro vezes mais, com o mesmo status constitucional. Carlos Targino tem 28 anos, largou a carreira de investigador de polícia, é defensor concursado e atua em São Miguel Paulista, bairro do extremo leste da capital. “Ficamos sobrecarregados porque a Defensoria Pública do Estado só está em 22 comarcas das mais AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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de 360”, diz. Rafael Português, 29 anos, também de São Miguel, avalia que “a ideologia” dos profissionais que escolhem essa carreira são os excluídos: “Não sou teórico, intelec­ tual, nem bem defino conceitos de esquerda e direita. Sou Tribuno da Plebe, minha missão constitucional é defender o cidadão pobre e garantir a afirmação de seus direitos contra toda violação injusta, inclusive aquelas decorrentes de uma ação do Estado”. O artigo 134 da Constituição coloca a Defensoria Pública como um direito de todos e essencial à administração da Justiça. Sua criação é competência dos governos estaduais. Para a juíza Dora Martins, presidente da Associação Juízes para a Democracia, o fortalecimento das Defensorias não é o carro-chefe para a melhoria da Justiça no país, “mas um ponto para o carro não ficar capenga, é uma roda do carro”, diz. Em São Paulo o estado remunera advogados inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para fazer as vezes de defensores públicos. Em 2007, o convê-

nio custou R$ 272 milhões; a recém-criada Defensoria Pública teve orçamento de R$ 75 milhões. Segundo levantamento da Associação Paulista dos Defensores Públicos (Apadep), o orçamento paulista não chegou a 1% do que foi destinado ao Sistema de Justiça em São Paulo nos últimos anos. “Com esse valor gasto na terceirização para a OAB poderíamos melhorar o quadro de defensores, a nossa estrutura e atender muito melhor a população”, diz Rafael Vernaschi, vice-presidente da Apadep.

Jovens e combatentes

“Mais uma, doutora, por gentileza.” A defensora pública Lia Lourenço atende o guarda-fiscal e chama a próxima senha. O assistido da vez passou horas na fila do plantão-triagem em frente à sede da Defensoria Pública de São Paulo, na avenida Liberdade, 32, região central. Desempregados, porteiros, auxiliares de escritório, donas de casa, taxistas, mães solteiras, aposentados chegam de todos os lugares da cidade em busca de so-

Duas dívidas

A polícia cerca o local de madrugada... Quando o juiz da 3ª Vara Cível do Fórum de São Miguel Paulista, em São Paulo, determinou que a PM reintegrasse a posse de um terreno distante 10 quilômetros de seu confortável local de trabalho, sabia que mais de 50 famílias pobres habitavam a área, na esquina das ruas Maraial e João Peres, em Artur Alvim. Há uma década com a causa ganha, o proprietário comemorou ao saber que a nova avenida Tiquatira, que margeia sua propriedade, não é mais uma favela e vai valorizar seu imóvel. Mas será preciso remover os moradores, al-

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corro jurídico. Para ser atendidos precisam atestar renda de até R$ 1.300. Os casos mais comuns são divórcio, pensão alimentícia, guarda e visita de filhos, despejo e cobrança. A Defensoria atua também nas áreas de infância e juventude, consumidor, criminal (como no caso de Adriano) e execução penal, além dos núcleos especializados, como direitos da mulher e combate a discriminações. Até as 13h, fim do atendimento, Lia e cada um dos outros defensores de plantão terão auxiliado de 20 a 50 pessoas. A média diária é de 500 atendimentos. O advogado público precisa entender o caso rapidamente, avaliar a situação econômico-financeira, preencher o formulário do assistido e chamar o próximo. O “cliente” precisa voltar outros dias com os documentos, em visitas agendadas, até a ação ser proposta. O plantão-triagem padece de falta de estrutura, segundo o defensor Eduardo Belmudes, 28. As filas dobram o quarteirão e as pessoas madrugam para pegar a senha distribuída pouco antes das 7h. “É precis­o fô-

Sem moradia e acesso à Justiça, moradores são despejados, apesar do empenho da Defensoria

...os pequenos ainda dormem...

guns há quase 20 anos ali. Na quarta-feira 10 de junho, véspera de feriado do Corpus Christi, Genivaldo Lima de Oliveira, 46, tomava café quando chegou a notícia de que ele, a mulher, oito filhos, cunhado, nora e dois netos tinham quatro dias para sair. Estão há seis anos no lugar, “adquirido” por R$ 1.500, e não têm para onde ir. Dia 15 de junho. Policiais bloqueiam o local. Caminhões de “mudança” esperam enfileirados. Faz frio às 5h30 da manhã e o céu está escuro. Enquanto o carro oficial da Defensoria Pública esta-

ciona, sobe uma labareda de um sofá incendiado no meio da rua. O defensor Rafael Português e seu colega Benno Buchman vão mediar o conflito iminente. Querem ganhar tempo e o adiamento da reintegração. Uma moradora chora ao entender que vai perder a casa, apesar de ser “credora” de duas antigas dívidas sociais: a falta de moradia e a falta de Justiça. Duas filhas de Genivaldo, Tatiana, 6, e Raíssa, 4, dormem no beliche. No outro cômodo, seis crianças dividem a cama de casal. Todas estudam. E

...outros não entendem... ainda não sabem que em poucas horas estarão sem rumo definido. O clima está tenso e Rafael convoca uma conversa. Os moradores escutam atentamente. “Olá, pessoal, sei da situação de vocês, mas a gente precisa ter muita concentração. O juiz não aceitou o nosso recurso, como vocês já sabem.” Uma moradora diz: “Estão se preocupando com o juiz, mas não com a gente”. Rafael prossegue: “Estamos tentando uma negociação e não podemos tumultuar isso aqui. Se vocês provocarem, eles vão rea-


...o que fazer agora? gir, são treinados pra isso. Vamos aguardar o Conselho Tutelar chegar. Acreditamos que vocês estão com a razão. Vamos ter muita inteligência agora pra não transformar o direito de vocês numa tragédia”. De um lado a oficial tenta cumprir a ordem do juiz. Do outro, os defensores tentam mostrar que as famílias precisam de mais prazo para deixar o local tranquilamente. Enquanto isso, torceriam por um recurso favorável no Tribunal de Justiça. Depois de tanto tempo no terreno, teriam direito a usucapião. Os policiais estão impacientes.

Recolher as coisas... Alguns confessam à reportagem que não gostariam de fazer a reintegração. Não há condições para a saída dos moradores no dia. Os abrigos estão cheios, explica uma assistente social.

“Cumpra-se”

A oficial de Justiça telefona inúmeras vezes para a casa do magistrado. Não é seu papel fazer isso. “Ele me deu a ordem”, diz, ao desligar o celular. A desocupação começa às 10h. Uma moradora chora encostada ao muro. Jovens olham atônitos os policiais que,

...a “Justiça” venceu sem graça, entram nas casas. A família de Carmem, uma das mais antigas moradoras, faz uma oração e se emociona. Os caminhões encostam. “Frustração”, dizem os olhares dos defensores. A luz elétrica é desligada. Os pertences são encaixotados. Um morador pergunta “para onde vou?”, mas o repórter não tem resposta. Na volta ao escritório da Defensoria, Rafael busca algo positivo: “O que aconteceu hoje é pedagógico. O Estado Democrático de Direito precisa ensinar que não é só chegar e chutar a porta”. Mas o

FOTOS GERARDO LAZZARI

ATÉ O ÚLTIMO MINUTO O defensor Rafael Português (centro) tenta um acordo entre oficial de Justiça (ao celular), polícia e moradores prestes a serem despejados

diagnóstico-desabafo é inevitável: “Vimos um recorte representativo do despreparo da burocracia estatal para lidar com a falta de estrutura do Conselho Tutelar, a ineficiência do município e do estado em promover políticas públicas de moradia e assistência social, a polícia criminalizando um conflito social, o Judiciário incapaz de analisar a extensão desse conflito. E o mais grave é que situações como essa se repetem diariamente, sem que as pessoas tenham a menor chance de ter acesso efetivo à Justiça”.

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FOTOS GERARDO LAZZARI

ORGULHO Influenciado pelas histórias do pai ,Edson, segurança do prédio da Defensoria de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, Jonathan quer cursar Direito para ser defensor público

lego e investimento nas unidades regionais para descentralizar o atendimento. Não faz sentido uma pessoa sair de Guaianazes ou Itaquera, pagar três conduções até o Centro, ser atendida em cinco minutos e retornar outras vezes, para então ter sua ação proposta num Fórum próximo de sua casa”, diz Rafael Vernaschi, da Apadep. Bruno Diaz Napolitano é da mesma turma de Rafael Português, Carlos Targino e Benno Buchman, e com apenas 26 anos co-

ITINERANTE Bruno Napolitano coordena a Defensoria de São Miguel e a cada duas semanas viaja 15 quilômetros rumo ao Itaim Paulista para dar atendimento à população local

ordena a Defensoria de São Miguel Paulista, que tem 11 defensores e 20 estagiários de Direito e é uma das mais periféricas da capital. As pessoas que serão assistidas em São Miguel já estiveram no prédio da Liberdade antes de suas ações irem para o Fórum Regional de São Miguel. No dia em que a reportagem visitou a unidade, 92 atendimentos foram realizados. Segundo o caderno de registros, o primeiro foi Severino Santos Silva e o últi-

Entenda e saiba como usar

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n Defensoria Pública

n Quem pode usar o serviço

Instituição que existe na União e nos estados brasileiros para garantir assistência judiciária ao cidadão de baixa renda. n Defensor público Servidor formado em Direito e com ingresso na carreira por concurso. Ele será o advogado público do cidadão em processos administrativos ou judiciais. Também é sua atribuição prestar informação e orientação extrajudicial, ou seja, quando o assunto ainda não está na Justiça. n Em que situações a Defensoria pode ajudar A assistência é prestada em diversas áreas: civil, família, infância e juventude, consumidor, ambiental, criminal e execução penal. Ações cíveis, por exemplo: divórcio, pensão alimentícia, guarda e visita de filhos, despejo, cobrança, usucapião. Ações criminais de presos em flagrante recente (menos de 10 dias), réu (preso ou em liberdade) sem condenação e com condenação.

Pessoas que não podem pagar um advogado particular, sem prejuízo do seu próprio sustento ou de sua família. É preciso que o cidadão comprove renda de até três salários mínimos. n Não há Defensoria Pública na sua cidade Você pode procurar o Fórum mais próximo para se informar ou as Associações de Defensores Estaduais de sua região. Sites de referência em que você pode obter endereços, telefones e informações complementares sobre as Defensorias Públicas do Brasil: Defensoria Pública da União www.dpu.gov.br/ Endereços e contatos de todas as Defensorias estaduais Associação Nacional dos Defensores Públicos: www.anadep.org.br/wtk/pagina/defensorias_ nacionais

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mo, Maria das Graças. “Nomes bem brasileiros”, observa Bruno. A cada duas semanas o jovem defensor visita a encosta norte do Itaim Paulista, a 15 quilômetros de São Miguel, no Centro de Integração da Cidadania, que fica ao lado de um conjunto de apartamentos populares e de uma escola estadual. O plantão agendado é uma forma de atender com mais tempo à população. O vendedor Pedro queria se divorciar de uma mulher com a qual, segundo ele, foi obrigado a casar na década de 1980, aos 20 anos, ainda no Maranhão. “Chegou o pai dela, e o tio, com tudo armado no cartório: ‘Tá pronto?’, ‘Pra quê?’, ‘Pra casar!’ “Casei, fui pra minha casa, ela pra dela e nunca mais vi”, diz. Pedro ficou com medo de morrer; a família queria “limpar a honra” da moça. “Deixei por isso mesmo por relaxo e falta de informação. Só que agora preciso me ajeitar. Minha verdadeira esposa, com quem estou há 17 anos e tenho dois filhos, é enciumada”, relata. Meia hora depois, sai contente para avisar a esposa e os filhos que o problema será resolvido em breve. Edson Gomes dos Santos, 37, um dos quatro seguranças, orienta e organiza a entrada dos assistidos. Mora em São Miguel há 30 anos. Tem esposa e dois filhos, uma de 2 anos e um de 14, Jonathan, que adora o trabalho do pai, as histórias que conta e pensa em estudar Direito para ser defensor público. “O filho da gente vê a imagem do que o pai está passando pra ele”, conta Edson, orgulhoso.


SEM GLÓRIA Gabriela Gulla: “Defensor tem de gostar de defender pobre”

O Rio de Janeiro tem a mais antiga Defensoria do Brasil, com 52 anos de existência, quase 3 milhões de atendimentos por ano e responsável por cerca de 80% das ações em curso no estado. “Defensor tem de ser vocacionado, é diferente, porque não tem a glória de ser promotor de Justiça ou juiz, tem de gostar de defender pobre”, afirma Gabriela Menezes Gulla, 37 anos, defensora pública do Núcleo de Sistema Penitenciário. A estrutura melhorou depois da criação, em 2006, do Fundo Especial da Defensoria

Pública, abastecido com uma porcentagem das custas judiciais e rendimentos extrajudiciais provenientes dos cartórios – quase R$ 3 milhões mensais. “Quando entrei não havia computadores suficientes. Hoje cada defensor tem um notebook para trabalhar e o salário é muito melhor”, diz. Diferentemente de São Paulo, as unidades prisionais cariocas têm salas para a atuação dos defensores. Gabriela faz atendimento em dois locais, no Presídio Hélio Gomes e no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor

Carrilho, ambos no bairro Estácio de Sá. “Três dias da semana acompanho os processos na Vara de Execuções Penais, um dia atendo os familiares dos presos e, no outro, os presos”, explica. No Rio, cada defensor tem uma média de 500 a 800 presos sob sua responsabilidade. “Somos 38 defensores requerendo benefícios na Vara de Execuções Penais. O gargalo não é na Defensoria, os juízes é que não dão conta de analisar tudo. Em São Paulo é diferente, tem quatro vezes mais presos e

RODRIGO QUEIROZ

A estrutura faz diferença

não tem defensor suficiente para essa demanda nem unidades da Defensoria nas penitenciárias.” A espera de socorro judiciário de Adriano Silva em São Paulo dificilmente aconteceria no Rio: “Estou com um caso de a pessoa ter sido condenada duas vezes pelo mesmo fato e não saber”. A resposta rápida vai reverter a situação criada por um vacilo do Ministério Público, que ofereceu duas denúncias do mesmo caso a dois juízes. “Se não tivesse defensor atuando diretamente com o preso e vendo o processo, passaria despercebido”, finaliza.

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SAÚDE

GUTEMBERG BRITO/IOC

BICHO PERIGOSO A picada do barbeiro é o meio mais comum de o parasita atingir o ser humano

anos de U descaso Descoberta há um século, a doença de Chagas ainda afeta pessoas na fase mais produtiva da vida e só mata menos que as diarreias infecciosas e a aids Por Cida de Oliveira

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m procedimento experimental, que consiste em substituir o transplante cardíaco pela aplicação de células-tronco nas artérias coronárias, vasos que irrigam o coração, fez com que lesões cardíacas em pacientes com o mal de Chagas em estado avançado regredissem. Com isso, eles voltaram a ter uma vida mais ativa. No entanto, a técnica não é 100% eficaz e os pesquisadores têm muito a estudar. “Ainda não sabemos qual é a quantidade necessária, o tipo de célula-tronco ideal para tratar o problema e qual o perfil dos doentes que serão mais beneficiados”, explica o médico patologista Ricardo Ribeiro dos Santos, coordenador do Laboratório de Engenharia Tecidual e Imunofarmacologia do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) localizada na Bahia. Segundo ele, o bom resultado confirma outros também promissores, como os obtidos num estudo realizado em 2004. “Dos 30 pacientes em estado grave, nenhum apresentou efeitos colaterais e todos tiveram


que, transmitido pelas fezes eliminadas pelo barbeiro, penetra no orifício da picada caso a pessoa se coce depois. Na Europa e nos Estados Unidos, há muito mais infectados do que apontam os registros oficiais. No Brasil há cerca de 2 milhões, 600 mil com complicações cardíacas e/ou digestivas, e 5 mil mortes anuais. Em valores absolutos, Chagas mata tanto quanto tuberculose e dez vezes mais que esquistossomose, malária, hanseníase ou leishmaniose. Afeta pessoas na faixa etária mais produtiva – dos 30 aos 60 anos – e prejudica fortemente a capacidade de trabalho e, por consequência, de geração de renda. Segundo estudiosos, trata-se de um círculo vicioso perverso: a pobreza é determinante social da doença, que gera mais pobreza. Apenas as diarreias infecciosas e a epidemia de aids são mais impactantes.

melhora na qualidade de vida. Seis deles ainda estão vivos”, relata. Pode parecer pouco, mas doentes nesse estágio não sobrevivem por mais de três anos. Além disso, são incapazes de subir três degraus, falar ou tomar banho devido à falta de ar. Para o médico, o caminho a seguir é longo. “Entretanto, o trem já saiu da estação e segue rumo a seu destino.” Como enfatiza o cientista, a terapia celular ainda não é a cura para todos os males, mas tem muito para ser uma nova modalidade dos habitantes terapêutica mais eficaz. da América Esses resultados foram apresentados Latina correm aos pesquisadores brasileiros e estranrisco de geiros reunidos no Simpósio Internacional Comemorativo do Centenário contrair a da Descoberta da Doença de Chagas, infecção e que a Fiocruz realizou entre os dias 8 cerca de 30% e 10 de julho, no Rio de Janeiro. Com dos infectados pouco a comemorar e muito a pesqui- vão avançar sar, os especialistas discutiram aspecpara a forma tos científicos e políticos do mal que o médico sanitarista brasileiro Carlos crônica Chagas descobriu há um século e mui- cardíaca e/ou ta gente já considerava erradicado há digestiva, que décadas. O fato é que nunca foi estu- pode levar dado como deveria, apesar de sua im- à morte portância. A Organização Mundial da Saúde estimou em 28 milhões os casos ocorridos no mundo em 2007, ante 18 milhões em 2005. Cerca de 120 milhões de pessoas, 25% dos habitantes da América Latina, correm risco de contrair a infecção e cerca de 30% dos infectados vão avançar para a forma crônica cardíaca e/ou digestiva, que pode levar à morte. Dados da universidade americana de Colúmbia indicam que 70% das crianças bolivianas moradoras da zona rural estão infectadas pelo Trypanosoma cruzi – o parasita

25%

ACERVO DA CASA DE OSWALDO CRUZ/DEPTO. DE ARQUIVO E DOC./IMAGEM IOC

EM 1909 Foi na cidade mineira de Lassance que Carlos Chagas identificou o Trypanosoma cruzi

A força do mal

A doença cardíaca chagásica crônica é a forma mais comum de problema de coração na América Central e na do Sul e a principal causa de morte por motivo cardiovascular em áreas endêmicas. Quem tem Chagas pode morrer também na fase aguda devido a complicações diretas da infecção pelo parasita, como miocardite, meningoencefalite ou problemas secundários, como broncopneumonia. A miocardite, mais comum de todas, é uma lesão caracterizada por intensa inflamação e inchaço do miocárdio – a camada muscular grossa da parede do coração – provocada pelo parasita. O órgão fica flácido e tem o volume aumentado. Nos últimos anos, muitos programas governamentais até diminuíram as taxas de transmissão do Trypanosoma cruzi por meio do combate ao barbeiro, que se esconde em buracos na parede e telhado de casas humildes, mas não houve erradicação nas áreas endêmicas. Além do mais, as pessoas já infectadas que se tornarão doentes crônicos ainda não têm tratamento adequado. O mal de Chagas pode ser transmitido por transfusão de sangue, por via congênita (da gestante para o feto) e por meio de alimentos contaminados. O benzonidazol e o nifurtimox, as duas drogas hoje disponíveis, têm efeitos colaterais, precisam ser tomadas durante muito tempo e não funcionam na fase crônica. Como a doença está associada à pobreza, ficou relegada a terceiro plano pela indústria farmacêutica. Tanto é que a Roche, que durante muitos anos fabricou o benzonidazol sem a margem de lucro desejada, doou a patente do medicamento ao governo brasileiro, que passou a fabricá-lo recentemente em Pernambuco. Durante os últimos 20 anos, nenhum laboratório chegou a testar em humanos uma nova droga. Só agora, a partir deste semestre, é que doentes em estágio inicial testarão um novo medicamento contra os danos ao coração causados pela doença de Chagas. É uma formulação à base de selênio, um mineral antioxidante, que apresentou bons resultados tanto em experiências feitas com células em tubos de ensaio como em cobaias. “Nosso objetivo é barrar o avanço da infecção e reduzir os danos cardíacos, como conseguimos em laboratório”, explica a médica parasitologista Tânia de Araújo-Jorge, diretora do Instituto Oswaldo Cruz ,responsável pelas pesquisas. O remédio não representaria a cura porque não elimina do organismo o Trypanosoma cruzi. O ideal, segundo Tânia, seria combinar essa estratégia com outra capaz de erradicá-lo. O novo medicamento permitiria, porém, reduzir o número de mortes e as limitações provocadas pelo mal de Chagas. AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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AMBIENTE

Cerca de 30 mil indígenas e camponeses da Amazônia equatoriana movem processo contra a petroleira ChevronTexaco. Estão em questão uma das maiores tragédias ambientais do século 20 e uma indenização de US$ 27 bilhões Por Tadeu Breda Fotos de Raoni Maddalena

CHERNOBYL O

agricultor equatoriano Manuel Salinas já sofria de terríveis dores de estômago quando recebeu em sua própria casa a visita do presidente Rafael Correa, no dia 26 de abril de 2007. Fazia 23 anos que morava em cima de uma piscina de petróleo. Quando chegou a Shushufindi – cidade ao norte do Equador, em plena Amazônia –, não encontrou nenhuma lagoa negra no terreno comprado com dinheiro emprestado do irmão. Havia apenas a ter26

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ra virgem, onde Salinas começaria pequenos roçados. Era o que sabia fazer em sua província natal, a mil quilômetros dali, de onde saiu depois de uma estiagem. Pouco a pouco o petróleo ali sepultado começou a brotar. Salinas começou a ter sinais de que sua saúde piorava. Primeiro na pele. Apareceram em seu braço brotoejas e muita coceira, que se alastraram para o peito. Mais tarde vieram problemas gástricos, que o fizeram viajar inúmeras vezes em busca de tratamento na capital, Quito.

O óleo brota do solo num simples pisar


28 ANOS DE EXPLORAÇÃO Manuel Salinas e a terra misturada ao petróleo: saúde precária e produção agrícola contaminada

Hoje não pode trabalhar. “Tudo que sai desta terra está contaminado”, diz. O agricultor jamais deixou de comer a banana, a mandioca ou o milho que continuam nascendo em sua chácara. Sofreu muito e tem medo de voltar a sofrer com a contaminação, mas não vê outra saída: “A pobreza e a necessidade nos movem”. Manuel Salinas é um dos 30 mil campesinos e indígenas afetados por uma das maiores tragédias ambientais do mundo, que há quase 17 anos sustenta um processo judicial contra a empresa considerada responsável. Em 1964, a companhia norte-americana Texaco conseguiu do governo equatoriano uma concessão de 1 milhão de hectares para prospectar reservas de petróleo descobertas debaixo da floresta amazônica. O primeiro poço seria perfurado três anos depois. Antes de encerrar suas atividades no país, em 1992, a empresa instalaria outros 350 pontos de extração numa área que compreende as províncias de Sucumbíos e Orellana. Em 28 anos, a Texaco retirou das profundezas 1,7 bilhão de barris de óleo e deixou para aquele rincão esquecido do Equador um impacto socioambiental “incalculável”, como define Pablo Fajardo, um dos três advogados que conduzem a ação judicial iniciada nos Estados Unidos em 1993. Como a Texaco já não atuava no Equador, uma equipe de advogados residentes no país tomou conhecimento do assunto e abriu o processo nos tribunais de Nova York. Dez anos se passaram até que a Justiça norte-

Piscinões

Pablo Fajardo, que em 2003 estava se formando como advogado, assumiu o caso como o primeiro de sua carreira. Antes, esteve ligado à luta pela reparação dos danos. Era estudante de colégio em Shushufindi quando tudo começou. Trabalhou para empreiteiras que prestavam serviço às companhias petroleiras. Uma de suas tarefas era limpar vazamentos. Ao deparar com o que considerou desrespeito social e ambiental, Pablo e seu irmão José inauguraram o Comitê de Direitos Humanos de Shushufindi, que passou a concentrar as reclamações das pessoas prejudicadas pela atividade petroleira. “O primeiro dano provocado pela Texaco foi o deslocamento forçado que impuseram aos povos ancestrais da região. Conforme a empresa ia lançando águas tóxicas e óleo no ambiente, indígenas eram obrigados a buscar outros territórios no interior da floresta”, relata. “Algumas etnias, como os Tetetes e Sansahuaris, desapareceram por completo.” A empresa não teria seguido parâmetros de proteção ambiental vigentes na época. Por exemplo, não reinjetava no solo líquidos tóxicos originados no processo de perfuração, conhecidos como “água de formação”, substância esbranquiçada que sai das profundezas da terra com um cheiro forte que lembra o de solvente. Fajardo conta que para cada poço escavado a companhia construiu duas, três ou quatro piscinas, onde lançava todo tipo de resíduo.

AMAZÔNICA A empresa deixou sua assinatura

americana decidisse que os Estados Unidos não eram o fórum adequado para julgar a questão. A demanda se encaminhou para o Equador, como queria a empresa. Para tanto, a Corte nova-iorquina deveria atender a algumas condições: o caso não poderia ser arquivado, demorasse o quanto demorasse; a empresa deveria submeter-se à decisão da Justiça equatoriana; e a Corte de Nova York se comprometeria a fazer cumprir a sentença emitida no Equador.

“A Texaco escavou mais ou menos mil piscinas e despejou 18 bilhões de galões de água de formação diretamente nos rios. Houve centenas de derramamentos que nunca eram remediados. Também regava com petróleo estradas de terra para reduzir a poeira. O combustível obviamente ia parar nos rios”, conta Fajardo. “Vi tudo com meus próprios olhos.” Faz aproximadamente 18 anos que a companhia – rebatizada de Chevron, após uma fusão acionária em 2002 – deixou de AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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HERANÇA Poços ainda ativos se espalham pela floresta. Tubulações antigas não foram removidas e ameaçam cair sobre os moradores. O óleo invade as águas por toda parte

operar na Amazônia equatoriana, mas ainda hoje é possível observar algumas piscinas a céu aberto e perceber outras tapadas com terra. Shushufindi é uma cidade salpicada por torres de queima de gás. Os chamados mecheros estão espalhados pela vizinhança. São frequentes as auréolas de arco-íris oleoso correndo na superfície dos rios. No ar, um leve cheiro de amoníaco irrita os narizes mais sensíveis.

Cheiro de gasolina

A dez metros da casa de Manuel Salinas encontra-se o poço número 38, escavado pela Texaco nos anos 1970. Dele jorrou o petróleo bruto que inunda parte do terreno. Esse mesmo poço – já esgotado – atual­ mente é utilizado pela estatal Petroecuador para fazer o que sempre deveria ter sido feito: reinjetar água de formação. Um dia a tubulação que levava o líquido tóxico para o subsolo se rompeu a poucos metros da superfície. A substância putrefata infiltrou-se na terra e atingiu o lençol freático de onde Manuel Salinas tirava a água de beber, cozinhar e do banho. Essa é a história das enfermidades gástricas que por pouco não lhe tiraram a vida. Quando visitou o local, há dois anos, o presidente Rafael Correa conheceu o poço artesiano utilizado pela família. Puxou um balde do fundo do reservatório, molhou as mãos e disse a seus assessores: “Tem cheiro de gasolina”. A cena está no documentário Crude, que estreou recentemente em

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Quito, desde o início do ano está na programação de diversas mostras da Human Rights Watch e foi premiado no Sundance Festival. “Quando vi o que a Texaco fez no Equador, senti vergonha de ser americano”, diz Joe Berlinger, diretor do filme mais completo já realizado sobre a batalha judicial entre a população e a companhia petroleira no que chama de “Chernobyl Amazônica”. Em jogo, uma indenização calculada em US$ 27 bilhões. “Queremos somente a reparação do estrago ambiental. Não estamos pedindo dinheiro para nenhuma pessoa em particular. O que a gente deseja é que a Texaco recupere o dano provocado naquilo que seja possível”, argumenta o advogado Fajardo. A agricultora Sônia Melânia Chama, 40 anos, mora em cima de uma piscina de petróleo soterrada sem tratamento prévio. Cultiva cacau e mandioca. Sua casa está a poucos metros do poço de extração número 27, explorado pela Petroecuador. De seu quintal é possível ver uma pequena torre que dia e noite incinera o gás que sai da terra junto com o petróleo. Sônia sofreu cinco abortos espontâneos. Ninguém sabe explicar por quê. Pablo Fajardo sublinha que a perícia reali­zada pelo especialista independente da Corte de Justiça equatoriana concluiu que, nos últimos 15 anos, a incidência de câncer na região ultrapassa em 2 mil casos a média nacional. “Se limparmos os resídu­o­s­tóxicos que estão nas piscinas, os

QUESTÃO POLÍTICA Rafael Correa conferiu a água com cheiro de gasolina


sedimentos dos rios e pântanos, se retirarmos da natureza tudo o que continua provocando mortes e doenças, já é muito. Assim seria possível devolver a dignidade das pessoas.” É essa dignidade que busca Santiago Chiriap, promotor de saúde intercultural de Yamanunka, reserva onde vivem 1.400 indígenas da etnia Shuar. “Há 28 poços petrolíferos funcionando dentro da comunidade. Deveríamos ter todo tipo de serviço, mas nem sequer possuímos água potável ou saneamento básico”, explica. Os argumentos de Chiriap apontam a contradição amazônica do Equador. O país retira do petróleo cerca de 40% de suas riquezas. Graças às reservas, tornouse membro da Organização dos Países

FILHOS DA TEXACO Sônia Melânia mora em cima de uma piscina de petróleo soterrada. Teve cinco abortos espontâneos

Exportadores de Petróleo (Opep). Ainda assim, a região ostenta os piores índices nacionais de desenvolvimento humano, além de sofrer todos os efeitos colaterais da extração. O promotor de saúde explica que algumas mortes repentinas ocorridas em Yamanunka levaram-no a investigar a qualidade da água utilizada pela comunidade. Pediu ajuda a universidades e ONGs de Quito e – depois de três anos de análises – chegou à conclusão de que os indígenas ingerem quantidades consideráveis de chumbo, arsênio e hidrocarbonetos junto com a água. Jorge Herrera, diretor do hospital público de Shushufindi, está de acordo: “A água dos nossos rios não está apropriada para consumo humano”.

HO NEW/REUTERS

Empresa se esquiva A Chevron-Texaco põe em dúvida a credibilidade dos advogados que representam a causa. Em nota em seu site no Equador, acusa Pablo Fajardo de buscar fama e riqueza ao atacar a imagem da empresa. De fato, o advogado é reconhecido por todos em Shushufindi, Lago Ágrio e Sacha, municípios mais afetados pela contaminação. Mas permanece anônimo no resto do país. Parte da imprensa e de instituições norte-americanas o compara a Davi na luta contra Golias. O advogado mora numa casa de dois cômodos em Lago Ágrio. De lá, vai a Quito pelo menos três vezes ao mês. Sua vida se divide entre dois escritórios abarrotados de documentos. Durante o “tempo livre”, no trajeto de oito horas, estuda inglês da mesma maneira que estudou Direito: sozinho. A Chevron-Texaco tenta também incluir o Estado equatoriano como réu. Atribui os problemas de saúde na região a falta de infraestrutura, de saneamento básico e de atendimento médico e a “indisposição ou incapacidade do governo e da petroleira estatal para cumprir com suas obrigações”. Um dos advogados da Chevron, Adolfo Callejas, questiona a culpa pelos derramamentos e pela construção das piscinas de resíduos tóxicos existentes na área. Costuma dizer que o petróleo lançado na natureza não ostenta o logotipo da empresa, é impossível datá-lo, e não se pode saber com exatidão quem foi o responsável pela tragédia: Texaco ou Petroecuador. A companhia alega ainda que, sob a supervisão das autoridades equatorianas, executou um programa de recuperação ambiental no valor de US$ 40 milhões antes de deixar o país: “As obras foram

inspecionadas, certificadas e aprovadas pelo governo, que liberou a Texaco de todas as queixas e obrigações futuras”. Um documento de caráter “pessoal e confidencial” emitido pelos escritórios da empresa nos Estados Unidos para a sucursal do Equador põe em xeque tais alegações. Carta assinada por R.C. Shields em 17 de julho de 1972, da Flórida, para N.E. Crawford, em Quito, recomenda procedimentos para reportar incidentes ambientais: “Apenas eventos importantes devem ser comunicados. Um ‘evento importante’ é definido como aquele que atrai a atenção dos meios de comunicação ou das autoridades ou que, em sua opinião, mereça ser reportado. Nenhum informe deve ser mantido na base de dados. Comunicados anteriores devem ser destruídos”. Espera-se para outubro a primeira sentença sobre o caso, a cargo do juiz Juan Núñez Sanabria, da Corte de Sucumbíos. Qualquer uma das partes poderá recorrer da decisão. Para o advogado Pablo Fajardo, não há possibilidade de derrota. “Foram feitas 55 inspeções judiciais e todas demonstram que há contaminação por hidrocarbonetos, que a saúde humana foi prejudicada, que povos indígenas foram afetados, que havia intencionalidade da empresa, que os danos foram provocados por razões econômicas e provavelmente também por racismo.” Fajardo reconhece que não existem fontes de energia eficientes e suficientes para substituir o petróleo e que a humanidade ainda tem de lidar com o problema. Mas com limites: “Não podemos admitir que se sacrifiquem vidas humanas, ecossistemas e o verdadeiro tesouro do país e do mundo, que é a biodiversidade”.

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ENTREVISTA

Chega de ingenuidade O

jornalista Altamiro Borges, o Miro, acaba de lançar o livro A Ditadura da Mídia (Ed. Anita Garibaldi). O trabalho explica a origem da concentração da mídia brasileira nas mãos de poucas famílias e sua relação umbilical com o poder econômico dominante. E torna-se referência de consulta em perfeita sintonia com o ambiente de preparação para a Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro – na qual os movimentos preocupados com a construção de uma comunicação de massas mais decente e democrática esperam emplacar propostas que pautem ações futuras do poder público. O autor começou a vida de jornalista cobrindo as greves do ABC, no final dos anos 1970, quando morava na Vila Califórnia, divisa de São Paulo com Santo André. Trabalhou no jornal da Arquidiocese de São Paulo, com dom Paulo Evaristo Arns – “experiência riquíssima” – e participou do jornal Tribuna da Luta Operária (1980-1988). Entre 1988 e 1994 foi assessor de imprensa e de formação no Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de SP (Sintaema). Depois assumiu a área de formação do PCdoB. Há três anos tem um blog (altamiroborges.blogspot.com) e dirige o Portal Vermelho. No último dia 16 de julho, Miro conversou longamente com o apresentador do Jornal Brasil Atual, Osvaldo Colibri Vitta, no programa que vai ao ar diariamente das 7h às 8h (98,1 FM), na Grande São Paulo. Leia a seguir os principais trechos. De onde vem essa ditadura da mídia no Brasil?

O pensador italiano Antonio Gramsci escreveu que, quando os partidos das classes dominantes estivessem em crise, quem ocuparia o papel desses partidos seria a imprensa. Isso ele escreveu na década de 1920 e hoje está mais atual do que nunca. Existem 40 grupos, no máximo, que dominam a mídia mundial. É grande a capacidade de manipulação: 80% do que a gente recebe de informações provém dos Estados Unidos, com CNN, Fox, agências, os grandes jornais. Deu no NYT virou verdade! E há mentiras grossas. No episódio da invasão do Iraque, por exemplo, foram várias as mentiras – do governo Bush – reproduzidas sem nenhum senso crítico pela imprensa nos EUA, e também aqui no Brasil.

Mas isso acontece também com as notícias de economia, não?

As grandes empresas de comunicação do mundo têm relação umbilical com o capital financeiro. Nos EUA grandes órgãos de imprensa estão vinculados a esse capital, disputam ações, na Europa idem, há um casamento. E no Brasil com um agravante. Vários países no mundo proíbem o que se chama de propriedade cruzada – que é uma mesma empresa ter vários veículos em diferentes áreas. No Brasil isso não é proibido. Então, se no mundo são 40 grupos, aqui são nove famílias que dominam 80% dos meios de comunicação, embora dessas nove algumas já estejam meio capengas.

E na história tem o caso do Assis Chateaubriand, que foi pioneiro – antes da chegada da televisão já tinha jornais e rádios.

É. Começou com jornais, depois monopolizou nas rádios e na TV e já vai ser substituído pelo (Roberto) Marinho. A Globo é – sem nenhum demérito para a qualidade de suas produções – uma rede que cresceu no regime militar, porque interessava ao regime ter uma rede nacional com muita influência. Ela nasce com a ditadura, em 1964, e cresce, nesse sentido de

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Para o jornalista Altamiro Borges, a mídia hegemônica não vacila na defesa de seus interesses. Vacilo foi acreditar na sua neutralidade Por Osvaldo Colibri Vitta


propriedade cruzada, jornal, rádio e TV, até dominar toda a produção de comunicação. É evidente que há exceções, jornalistas que se portam muito bem, com dignidade, mas esses nove grupos, no geral, difundem as ideias das classes que pagam, que dominam. A manipulação é antiga. A atuação da mídia é um dos fatores de desestabilização do governo Vargas, que levam àquela crise e ao seu suicídio. Já existia o Partido da Mídia?

Pois é, já existia. Essa mesma mídia vai ter um papel ativo em 1964. E é interessante como hoje o Estadão está repetindo essa história de que o governo Lula é uma “república sindical”. Isso é um bordão de 1964, da Folha de S.Paulo, do Estadão, que colocavam que o João Goulart queria instaurar a república sindicalista no Brasil, e essa foi uma das razões de terem defendido o golpe contra o Estado de Direito. Durante a ditadura, a Globo teve um papel muito ativo, de dourar aquela pílula, falar que o regime militar era uma beleza. O regime militar vai bancar todo esse sistema de telecomunicações, investir em rede de satélites, que é o que permite a expansão da Globo. Às vezes me dói ouvir umas figuras falando em democracia no Brasil... com todo o respeito ao Otávio Frias, como empresário; como jornalista, a família Frias apoiou o golpe. Mino Carta diz que algumas Kombis que transportavam jornais da empresa foram cedidas para levar presos políticos para tortura no DOI-Codi. Nos anos 1970 a Folha da Tarde, jornal do grupo, era porta-voz dos militares. Como diz outro grande jornalista, o Mauro Santayana, era o jornal com a maior “tiragem” do Brasil: o que tinha de “tira” lá dentro... (risos).

Depois, na época das Diretas Já, teve o caso da Globo?

Eles tiveram a capacidade de transmitir o comício da Praça da Sé, aquele que teve mais de 200 mil pessoas, como se fosse um ato pelo aniversário da cidade de São Paulo.

É. Tiravam o som.

Foi vergonhoso. Lembro uma ocasião na greve (dos metalúrgicos do ABC) de 41 dias, em 1980. A Globo teve a capacidade de filmar a Volkswagen, na época com 42 mil operários, antes da greve, com a linha de montagem funcionando, e filmar uma assembleia em Vila Euclides antes de começar. Aí não precisava falar nada, mostrou só as imagens: a assembleia vazia, só não explicaram que ainda não tinha começado, e a Volks funcionando. Para o trabalhador, o que era aquela mensagem? Que a greve tinha furado. No dia seguinte, me lembro, os operários, bravos em função da manipulação, porque eram imagens falsas, foram para cima das peruas da Rede Globo lá em Vila Euclides. Eu estava lá, eu vi. Foi o Lula que teve de dizer para o pessoal não quebrar as máquinas, não bater em ninguém, porque a culpa não era dos jornalistas, e sim da empresa. Depois, na Constituinte de 1988, uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostra que a mídia foi contra todas as bandeiras de interesse dos trabalhadores. Todas: redução de jornada de 48 horas para 44 horas, direito de sindicalização do funcionalismo público...

JAILTON GARCIA

Direito de greve.

O funcionalismo público não tinha direito a ter sindicato. A Constituinte de 1988 garante. As grandes questões nacionais de defesa das empresas estatais, o papel mais ativo do Estado. Esse estudo da FGV é impressionante. Tudo o que interessa ao povo, à nação brasileira, a mídia foi contra. AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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O primeiro mandato do governo Lula foi muito tímido em relação ao monopólio, esse latifúndio da mídia. Teve até uma certa ingenuidade e uma ilusão. Achavase que, se não se comprasse briga com a mídia, essas nove famílias não bateriam no governo. Vou falar o crime sem falar o criminoso: lembro de um ministro muito poderoso do governo Lula que chegou a dizer em uma reunião que tinha a Globo na mão, que dominava a Globo em função dos anúncios publicitários. Ali foi pura ingenuidade. No primeiro mandato eu acho que foi uma postura muito ruim do governo Lula. Refletiuse, por exemplo, no padrão de TV digital escolhido pelo Brasil, o japonês, que serve à Globo, sendo que nós já estávamos fazendo todo o desenvolvimento do padrão digital brasileiro. Não é para menos que o ministro das Comunicações é um funcionário importante da Globo, com todo o respeito ao Hélio Costa, mas é isso que ele é. O primeiro mandato foi de ceder. Até na questão das rádios comunitárias.

Você acha que Lula pensa muito na conciliação, para poder governar melhor?

Na governabilidade. Tentava neutralizar a mídia, alguns até tinham a ingenuidade, na minha avaliação, de querer ganhar a simpatia da mídia. Fechou mais rádio comunitária que o Fernando Henrique Cardoso. É horrível isso.

E agora?

A impressão que me dá é que no segundo mandato (o governo) acordou um pouco. A vida demonstrou que era ingenuidade. Achava-se que a Globo ia ter uma postura de, no mínimo, neutralidade, e o que a Globo teve na eleição não foi neutralidade – ela é que garantiu o segundo turno. O Marcos Coimbra, do Vox Populi, chega a dizer: “Eu nunca vi uma cobertura da mídia tão envenenada na história do Brasil”. Teve o papel da Veja, isso não é uma revista, é uma plataforma da direita reacionária, diz as coisas e não comprova: “dinheiro de Cuba”, “dinheiro das Farc” e “filho de presidente”, vai falando... Como o governo Lula não conseguiu neutralizar a mídia, creio que no segundo mandato acordou um pouco, no meu entender ainda tímido. Mas acho que tem manifestações positivas. A primeira – e aí vale um grande mérito ao ex-ministro da Cultura Gilberto Gil – foi a ideia da constituição de uma TV pública no Brasil. Porque o que nós temos aqui é o modelo estadunidense, em que só vale TV comercial, privada, e não vale a pública. É diferente da Europa, por exemplo, onde você tem TVs públicas de peso, caso da BBC, de Londres, dos canais de Portugal, da França.

Mas encontra uma resistência violenta.

Sim, violenta. Para essa mídia hegemônica, ter uma mídia pública de qualidade, que mostre o outro lado, que estimule mais a diversidade cultural, que pegue mais a questão regional, que não tenha uma visão só a partir de São Paulo e Rio, é um perigo. Como diz o professor Laurindo Leal Filho, da USP, “o povo vai comer um biscoito bom”. Porque até hoje está comendo um biscoito ruim. Daí pode tomar gosto pelo bom. JAILTON GARCIA

O que foi feito no atual governo para que esse panorama mudasse? Porque a democratização dos meios de comunicação não acontece. As rádios comunitárias ainda não têm espaço. Não há lei que coíba o monopólio.

Com a reeleição de Lula, o povo, nas urnas, mostrou­...

Que a mídia hegemônica não faz a cabeça. O povo não quer retrocesso e sentiu que, apesar dos problemas no governo Lula, mudanças importantes estão sendo feitas. Acho que o governo Lula percebeu também e começa a operar novas mudanças. A TV pública é a principal delas, mesmo assim ainda tímida.

Você participa do Fórum de Mídia Livre, que começou aqui em São Paulo e tem reuniões pelo Brasil todo. O que deve ser feito e o que está sendo feito?

Eu acho que tem algumas bandeiras, algumas reivindicações fundamentais. Precisamos fortalecer uma empresa pública (de comunicação). Precisamos discutir todas as concessões (de canais de TV e de rádio), não tem controle social nenhum, não se respeita a Constituição, no que diz o artigo referente à comunicação, não se respeita a diversidade regional, a produção independente. Acabam servindo a interesses muito mesquinhos. Então, a gente deveria rediscutir as concessões públicas, porque são públicas, é ar, é do povo brasileiro. Outra questão fundamental é discutir publicidade, porque hoje o grosso da publicidade oficial vai para essas empresas. Na verdade, vai para alimentar cobra, vamos dizer assim (risos). Vai para a Globo, para a Veja, Folha, Estadão, O Globo. Por que essa publicidade não vem para as entidades do movimento social? Por que não para uma rádio que tenha pluralidade de opinião? Outra coisa é que precisamos discutir o marco regulatório das comunicações, tanto pelas aberrações que temos no passado como pelas propriedades cruzadas de que falamos aqui, como pelo que vem no futuro, que é a convergência digital. Ou a gente estabelece um novo marco, ou a invasão estrangeira vai ser violentíssima e o processo de monopolização vai crescer.

Na Constituinte de 1988, pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostra que a mídia foi contra todas as bandeiras de interesse do trabalhador

Está prevista para dezembro a Conferência Nacional de Comunicação.

Se não tiver pressão, não sai, por causa do poder da mídia hegemônica. A pressão desses grupos é tão violenta que, se bobear, não sai. E a Conferência seria um momento de discutir esses e outros temas. Ou seja, é preciso aumentar a participação da sociedade no debate sobre a comunicação, na minha opinião. Não há democracia no Brasil se não houver democratização da mídia. AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Por Flávio Aguiar

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Retrato

Uma pirata do século 21

E

la se chama Amelia Andersdotter, tem 21 anos, estuda economia e espanhol numa universidade em Lund, na Suécia, e pertence ao Piratpartiert – Partido Pirata da Suécia. O partido está organizado em sete países europeus, tem contatos em mais 20, incluindo o Brasil, e não se preocupa com navios nos sete mares. Seu foco está nas tecnologias de informação, sobretudo na internet. Amelia defende uma revisão do conceito de copyright. Praticamente a abolição do atual sistema de patentes, ou de direito à propriedade intelectual; em uma visão “mais equilibrada” da relação entre a segurança de mercado e o direito à privacidade na internet. O Partido Pirata sueco já conquistou uma cadeira na nova legislatura do Parlamento Europeu, que começou em julho e vai até 2014.

Apenas a Irlanda ainda não ratificou o chamado Acordo de Lisboa, que cria novas cadeiras no Parlamento. Se o fizer, o Partido Pirata sueco ganhará mais uma vaga, e esta será de Amelia, que se tornaria uma das mais jovens parlamentares da história da instituição. Em seu site ela diz acreditar “em direitos civis robustos, mesmo num meio ambiente digital”. À Revista do Brasil (via internet), declarou que sua entrada para o Parlamento mostraria a presença de uma nova geração de políticos que tem em grande conta os rumos tomados atualmente pela UE. “Nos grupos sobre o meio ambiente ou o livre compartilhamento de arquivos na internet versus direitos de propriedade intelectual, não estão apenas membros do Partido Verde ou do Pirata. Há jovens ativistas trabalhando 24 horas por dia por mudanças.” AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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CULTURA

Histórias bem cantadas H

Se você quiser saber mais sobre Arnaldo Baptista, Bezerra da Silva, Paulo Vanzolini, Herbert Vianna, Simonal e Titãs – e ao mesmo tempo entender fragmentos da nossa história –, talvez não encontre nos livros, mas no cinema Por Tom Cardoso 36

REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2009

á uma febre de documentários sobre música brasileira. Nada de roteiros preguiçosos, com longos depoimentos, intercalando imagens de shows e videoclipes. Os diretores têm feito cinejornalismo de primeira linha. “Uma vez eu vi uma declaração do produtor Roberto Evan em que ele dizia: ‘Uma verdade tem sempre três lados, o meu, o seu e o que realmente aconteceu’”, diz Paulo Fontenelle, diretor de Loki, filme que faz justiça a Arnaldo Baptista, o ex-Mutante, um dos nomes mais importantes do rock brasileiro. “Acho que a função do documentário é justamente mostrar esses diferentes pontos de vista sem julgamento. Somente ouvindo todos os lados o espectador poderá concluir sobre o objeto retratado”, completa. “Apareceu a Margarida!” é a expressão

usada por Lucinha Barbosa, mulher e figura fundamental na recuperação de Arnaldo, para saudar a exibição de Loki. “O Arnaldo sempre foi desprezado pela mídia. Inventaram um personagem, um estereótipo: o homem recluso, o excêntrico, o ermitão. Pergunte para o pessoal do Canal Brasil (canal de TV pago responsável pela produção do longa) se houve algum tipo de dificuldade em encontrá-lo aqui no sítio em Juiz de Fora?”, indaga Lucinha. “O documentário do Paulo foi fundamental para desfazer o mito. Conta uma história sem ser sensacionalista, sem tender para a fofoca, características que, na minha opinião, norteiam o livro A Divina Comédia dos Mutantes (Editora 34), escrito pelo Carlos Calado”, afirma. Para Fontenelle, durante muito tempo a imprensa explorou demais a questão da


Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Martinho da Vila, Carlinhos Vergueiro. Não precisou marcar com ninguém. “O Djalma Baptista, meu amigo e também cineasta, que conhece o Vanzolini desde criança, deu uma grande dica que acabou mudando completamente a estrutura do filme: o cara que melhor fala sobre Paulo Vanzolini é ele mesmo”, conta o cineasta. De fato, o sambista, autor de frases como “do povo, de cada um pessoalmente, eu não gosto, mas do povo em geral eu gosto muito”, é também sincero e irônico quando fala de si mesmo. E é justamente o monólogo de Vanzolini, intercalado com interpretações do Acerto de Contas, que faz de Um Homem de Moral um documentário interessante, que dá caras às suas canções e dá trilha sonora às caras de São Paulo. A edição e a montagem são estruturadas e inspiradas no filme Woodstock. O registro dos lendários shows de 1969, dirigido por Michael Wadleigh e montado por Thelma Schoonmaker e Martin Scorsese, inovou ao dividir imagens em quatro partes na tela, em vez de ficar cortando as cenas toda hora.

FOTOS DIVULGAÇÃO

A VIDA ATÉ PARECE UMA FESTA Colagem de imagens captadas por Branco Mello ao longo das duas décadas dos Titãs

loucura, das drogas na vida de Arnaldo, reduzindo seu valor. Quando surgiu a oportunidade de fazer o filme, o diretor já tinha uma clara noção de quem era Arnaldo e toda a sua trajetória de vida, marcada pelo amor, pela tragédia, pela morte e pelo renascimento, do homem e do artista. “Procurei contar essa história com respeito, e sem recorrer ao paternalismo”, diz Fontenelle. “Quem assistir ao filme verá um retrato de um homem com suas contradições, seus erros, sua poesia, mas acima de tudo a história de alguém que fez do amor e da arte razão de viver.” O próprio Arnaldo, sempre minimalista em seus comentários, porém sábio, traduz numa frase o que significou para ele o lançamento de Loki, título de um dos mais importantes discos da música brasileira: “Estou sendo julgado pela forma com que

eu julgo as coisas da vida”. Em cartaz pelo país, o documentário será lançado em Nova York, em Israel e no Chile. No dia 18 de setembro, o Canal Brasil o exibe como parte das comemorações de seu aniversário. No fim do ano, sai o DVD.

Reconhece a queda

Quando começou a pensar no roteiro de Um Homem de Moral, sobre Paulo Vanzolini, o cineasta Ricardo Dias listou possíveis entrevistados para intercalar com as imagens do show Acerto de Contas, que também dá nome à coletânea de discos lançada em homenagem ao compositor de samba paulistano. O diretor lembrou de todos os fãs e admiradores de Vanzolini: Chico Buarque, Miúcha,

UM HOMEM DE MORAL Depoimentos de Chico Buarque, Miúcha, Paulinho da Viola e Martinho da Vila sobre Paulo Vanzolini AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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“Eu jamais gostei da maneira com que a televisão edita os musicais, cortando de personagem para personagem, em função do corte, nunca da música. Seria um desperdício levar esse vício de edição para o cinema e uma falta de sensibilidade com os músicos que Vanzolini preza tanto”, afirma Dias. Para ele, é louvável que o cinema nacional entre na luta para recuperar personagens da música brasileira, desde que os documentários atinjam a massa, e não apenas um público restrito. “Quem pode pagar R$ 200 por mês para ver o Canal Brasil, por exemplo? Ou pagar R$ 30 para ir ao cinema toda semana?”, critica. “Há um enorme desperdício audiovisual. São 43 milhões de pessoas assistindo às maiores bobagens pela antena parabólica, de leilão de vaca a programa de auditórios gerados de Miami. Seria maravilhoso que pudessem ter acesso aos documentários que estão aí.” O DVD de Um Homem de Moral chega no fim do ano. A reportagem da Revista do Brasil seguiu a recomendação e ligou para a casa do sujeito que melhor fala sobre Paulo Vanzolini. O autor de Ronda e Volta por Cima fala pouco, é meio rabugento, mas cada frase vale um livro inteiro. Pergunto se ele é realmente antiquado, tradicionalista, ou é apenas charme. “Eu sou lá homem de fazer charme, rapaz?”, diz, sem paciência. “Eu sou puritano mesmo. Eu tenho 60 sambas e nunca usei a palavra ‘malandro’.” E o que achou do filme? “Sempre confiei no Ricardo. Se não confiasse, não faria. E ele soube valorizar os músicos, e isso sempre foi o mais importante para mim.” Ponto final. Um homem de moral. O que não falta nas músicas de Bezerra da Silva (1927-2005) é a palavra malandro. Ele era o próprio. Mas há algo em comum entre Bezerra e Vanzolini: a valorização dos músicos, dos compositores. O sambista carioca prezava tanto os compositores que chegava a dar pito no ar em radialistas que creditavam os seus sambas a ele, e não aos verdadeiros autores. Nomes como Adelzonilton, Walmir da Purificação, Roxinho, 1000tinho, Moacir Bombeiro, eletricistas, trocadores de ônibus, mecânicos, presidiários, bombeiros – que alimentaram por décadas o repertório de Bezerra. O documentário Onde a Coruja Dorme, de Márcia Derraik e Simplício Neto, originalmente um curta, não é um longa-me-

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HERBERT DE PERTO Do Circo Voador à recuperação sem apelos sentimentaloides

MAURÍCIO VALLADARES/DIVULGAÇÃO

Verdadeiros autores


NINGUÉM SABE O DURO QUE DEI Aula de jornalismo sobre a polêmica carreira de Wilson Simonal

FOTOS DIVULGAÇÃO

LOKI Uma verdade tem sempre três lados: o meu, o seu e o que realmente aconteceu na vida de Arnaldo Baptista

tragem sobre Bezerra da Silva, e sim sobre ficar filmando pessoas falando da gente em os compositores de Bezerra da Silva. “Ele lugares bonitinhos”, completa o roqueiro. O avisou: ‘Tô fora’, caso o filme não homena- filme não está mais em cartaz, mas o DVD geasse os compositores”, conta Márcia. O vem aí, em setembro, recheado de extras. sambista renderia um filme épico. Aos 14 “São mais de 10 minutos de cenas inéditas. anos, deixou Recife e viajou, clandestino, E terá 45 partituras e cifras das nossas múem um navio para o Rio. Foi descoberto e sicas, que podem ser baixadas, assim como o capitão ameaçou jogá-lo ao mar. “Pode seis clipes”, adianta Branco. jogar. Pior que está não vai ficar”, devolveu. Mas é possível também contar a vida de Sobe e desce Bezerra por meio de seus compositores prePoucos documentários provocam tanta feridos. Essa é a grande sacada do docu- polêmica quanto Simonal – Ninguém Sabe mentário, que deve estrear no começo do o Duro Que Dei, dirigido por Cláudio Maano que vem. “O Bezerra é o narrador, o noel, Calvito Leal e Micael Langer. Resgacondutor. E o processo de escolha do re- ta-se a história de um dos maiores nomes pertório era muito interessante: ele ia até o da música brasileira, que caiu no ostracissubúrbio ver o que os amigos tinham pro- mo depois de ser acusado de delatar músiduzido. Levava um gravador e registrava cos em pleno regime militar, inclusive de tudo. Depois escolhia o remandar para o Dops o seu pertório”, conta Márcia. contador, de quem suspeitaTambém estreia em breve, va ter-lhe dado desfalques. O em outubro, Herbert de Perdocumentário tem clima hito, sobre a trajetória do lítchcockiano – os diretores, der dos Paralamas e um dos depois de muita investigação, nomes mais importantes do Bezerra da conseguiram achar o tal conrock brasileiro. O documentador, que desde a época de Silva prezava tário, dirigido por Roberto sua prisão não havia se proBerliner e Pedro Bonz, co- tanto os nunciado sobre o caso. meçou a nascer em 1982, compositores Para alguns, é uma aula de jornalismo, ao ouvir os dois junto com a banda, quando que chegava lados, a versão do contador, Berliner gravou os primei- a dar pito a versão de amigos e parentes ros depoimentos do voca- no ar em de Wilson Simonal, de genlista no Circo Voador, a lenradialistas que te que o admirava, de quem dária casa de shows do Rio. não gostava dele e de quem O diretor também acompa- creditavam os via a história com neutralidanhou de perto a recuperação seus sambas a de. Para outros, o filme peca de Herbert Vianna depois ele, e não aos ao insistir em que a derrocado acidente de ultraleve em verdadeiros da do cantor se deu pelo seu 2001, que vitimou sua mu- autores envolvimento com os militalher Lucy e o deixou paraplégico. Berliner, em férias, falou rapida- res e o boicote da classe artística, e não por mente à Revista do Brasil: “O Herbert fez um processo de decadência similar ao de apenas um pedido: que a gente não fizesse muitos músicos de sua geração. Com a palavra, Calvite Leal, um dos diuma direção ‘telenovelística’ da vida dele. Acho que conseguimos. Contamos um dra- retores. “É, eu acho que essa crítica faz senma pessoal sem cair nas armadilhas senti- tido. Faltou abordar a questão com maior profundidade, mas não fizemos isso por mentaloides”. O filme Titãs – A Vida até Parece uma achar que o filme se tornaria cansativo, perFesta, dirigido por Branco Mello e Oscar deria ritmo, em meio a tantas questões poRodrigues Alves, não obedece a uma estru- lêmicas”, diz. “O que eu posso assegurar é tura narrativa nem a uma ordem cronológi- que o Simonal, ao contrário de muitos ouca, mas se destaca pela colagem de imagens tros artistas que também passaram por pecaptadas por Branco ao longo das duas dé- ríodo de pouco sucesso, nunca teve a oporcadas de existência da banda. “A gente pre- tunidade de se reerguer profissionalmente.” feriu mostrar a história, em vez de contar a O trio que fez Simonal já tem um novo perhistória”, diz Branco. “Era melhor solução sonagem na manga: Carlos Imperial. Bom aproveitar as 300 horas de gravação do que para o cinema, e para história. AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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ATITUDE

Agô , o predestinado Q

uem o encontrou nos disse que ele estava agonizando, repetia muito isso. Daí resolvemos dar-lhe o nome de Agô”, conta Aline Cristina, técnica veterinária e funcionária do Clube dos Vira-Latas, organização não governamental (ONG) para a qual foi levado. Desde a salvação, Agô demonstrava ter nascido com o rabo longilíneo virado para a lua. Coube à protetora de animais Cláudia São Bernardo – conhecida por sempre cruzar abandonados com cães da raça São Bernardo – topar com o SRD (sigla para Sem Raça Definida) caramelo, acompanhado de duas irmãs, uma delas já sem vida. Logo que chegaram ao Clube, com aproximadamente 20 dias de vida, os dois mem-

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REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2009

bros remanescentes da família foram diagnosticados com cinomose, virose que ataca principalmente o sistema nervoso e costuma ser fatal. Apenas ele resistiu e a única lembrança da enfermidade é uma leve fisgada na pata dianteira. Além de refúgio para cerca de 350 cachorros, o Clube dos Vira-Latas, em Ribeirão Pires, no ABC paulista, é a residência de Cida Lellis, presidente da entidade. Há quatro anos ela trocou a casa onde morava por uma chácara de quase 400 metros quadrados. Solteira e sem filhos, a professora aposentada fez uma opção pelos bichos. No primeiro sábado de maio, dentro de uma bolsa, Agô embarcou em um Táxi Dog rumo à feira inaugural de animais deficientes promovida pela ONG Solidariedade à

LUIZ ALBERTO CARVALHO

Ele não é patrocinado por fabricante de material esportivo nem de cerveja, mas tem estrela. A vida de animais abandonados como ele e as condições sanitárias das cidades seriam bem piores se não fossem entidades e defensores independentes Por Luiz Alberto Carvalho


Salvadores anônimos

Para obter a guarda de um animal é preciso ter mais de 21 anos, apresentar RG, CPF, comprovante de residência e ser capaz de amar e oferecer carinho. Parte do custo para manutenção dos bichos é paga com a realização de bingos e bazares beneficentes. A gran-

LUIZ ALBERTO CARVALHO

Vida Animal (Sava). A organização não possui abrigos, mas funciona como uma espécie de central responsável por convocar a rede de parceiros para feiras e mutirões de castração. Dentro do pet shop Tancredo Dogs, na avenida Tancredo Neves, zona sul de São Paulo, histórias e latidos se misturam. Sem a pata direita da frente, amputada depois de um atropelamento, Mel se faz perceber logo na entrada. Com porte semelhante ao de um labrador, é a maior entre os SRDs acomodados em duas fileiras de gaiolas. Movimenta-se sem dificuldade e aceita carícias dos visitantes, apesar de ficar receosa com crianças. “Ela deve ter sido machucada por alguma”, acredita Eliana Matiussi, que custeia os gastos com o veterinário e a hospedagem. Também professora aposentada, casada, dois filhos e três netos, Eliana recolhe animais em situação de risco para mantê-los em clínicas até a oportunidade de adoção. É um dos chamados cuidadores independentes, cuja missão tem sido facilitada pela internet. Pela rede, comunidades propagam denúncias de maus-tratos, pedem socorro para manutenção de abrigos e acolhimento, estimulam adoções.

DIFERENTES Os militantes Fowler e Teresa, com os cachorros Menina e Pituxo

de fatia, contudo, sai do bolso dos protetores. Nos encontros que a Sava promove com cães sem deficiência, a média é de 20 adoções. Dessa vez, três deficientes encontraram um lugar para morar. Cego (olhos perfurados na rua), com cerca de 8 anos, pelos marrom-escuros, Teco acaba de ganhar nome e fará companhia para Liliane Medeiros e Renato Kenjiro. “A maioria tinha protetor, menos ele. Resolvi levá-lo”, diz Liliane. Será o sexto na casa, além dos 12 que a adestradora mantém na residência da mãe. No primeiro dia, Teco ficou um pouco alheio, mas logo mapeou o quintal e, sempre que chamam seu nome, chega balançando o rabo. Mesmo destino teve Pandor, depois Adamastor e atual Sheldon. “Meu marido tinha dificuldade para dizer Adamastor”, explica

Natália Rogek, que chegou como voluntária e saiu como mãe adotiva. O cachorro de pelos pretos e cerca de 2 anos teve de passar por cirurgia para retirada da pata dianteira, depois de uma protetora encontrá-lo com uma fratura mal curada. Enquanto os pontos não cicatrizam, Sheldon dorme ao lado de uma gata, sua melhor amiga, na cama da bióloga e do marido. Antes de todos eles, Agô mostrou a estrela mais uma vez. Daniele chegou às 14h na feira, motivada pelo desejo da filha de 5 anos de ter um mascote. Em vez de comprar um, resolveu adotar. “Você vê tantos abandonados na rua”, comentou. Foi paixão à primeira vista. Agô também mudou de nome e agora reina absoluto como Beethoven, na Vila Carioca, zona sul de São Paulo. Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde, há cerca de 20 milhões de cachorros no Brasil. De acordo com os protetores, os grandes responsáveis pelo abandono são a falta de campanhas de conscientização sobre posse responsável, poucos programas de castração para controlar a superpopulação e ausência, em boa parte dos municípios brasileiros, de políticas públicas que encarem o problema dos gatos e cães abandonados como assunto de saúde pública. A vida dos bichos – assim como as condições sanitárias das ruas – seria muito mais difícil não fossem as entidades e, principalmente, a ação dos defensores independentes. Como definiu Fowler Filho, presidente da ONG Focinhos Gelados, “um inestimável exército de gente que fica no anonimato”.

Responsável pelos cuidados com os animais apreendidos nas ruas, o canil do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) da cidade de São Paulo é acusado de negligência. “O CCZ mistura cães sadios com doentes, grandes com pequenos. Eles acabam transmitindo viroses uns para outros ou brigando e se matando”, denuncia Arlete Martinez, presidente da Sava. “Depois que o senhor Marco Antonio Vigilato assumiu a gerência, a parceria com as ONGs para feiras de adoção foram canceladas e há obstáculos para a atuação dos protetores”, conta a jornalista Silvana Andrade, diretora da Agência Nacional dos Direitos dos Animais. Diante da pressão, Vigilato foi afastado e algumas mudanças já começam a aparecer como parcerias com voluntários

para passeios com os animais e mutirões de banho e tosa aos que serão disponibilizados para adoção. Coordenadora do Programa de Proteção e Bem-Estar Animal da prefeitura, Rita Garcia aponta falta de estrutura como a principal dificuldade do órgão. Desde 2008, uma lei estadual impede a eutanásia de animais saudáveis. “O CCZ não foi preparado para ficar tanto tempo com os cachorros. Há canis para abrigá-los por até três dias. Antes eram mortos depois desse período.” De acordo com a veterinária, um edital para obras de ampliação deve sair até o mês que vem. Por enquanto, os cerca de 500 cães são separados conforme a personalidade, independentemente do porte, e os doentes são colocados com outros na mesma condição. Mas não há área de isolamento.

PAULO PINTO/AE

Após denúncias, Centro de Controle de Zoonoses afasta diretor

Canil de São Paulo

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FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA C.N.P.J.(MF) nº 01.044.756/0001-03 Balanço patrimonial dos exercícios findos em 31 de dezembro (em reais) A

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CIRCULANTE CIRCULANTE Fornecedores 885,00 48.536,46 Caixa e Bancos 194.458,63 372.160,77 Obrigações Fiscais / Tributárias 4.384,78 11.617,78 Aplicação Financeira 603.113,27 251.961,32 Obrigações Sociais 8.401,18 28.204,07 Outros Créditos 20.609,09 233.396,76 Obrigações Terceiros - 414,09 TOTAL DO CIRCULANTE 818.180,99 857.518,85 Provisão Para Férias e Encargos 125.567,56 129.611,16 TOTAL DO CIRCULANTE 139.238,52 218.383,56 NÃO CIRCULANTE Realizável a Longo Prazo NÃO CIRCULANTE Crédito de Instituidores 1.180.000,00 1.180.000,00 Outras Obrigações 3.192.581,02 2.884.297,99 1.180.000,00 1.180.000,00 PERMANENTE TOTAL DO NÃO CIRCULANTE 3.192.581,02 2.884.297,99 Edificios 278.538,81 278.538,81 Máquinas e Equipamentos 74.337,71 65.147,83 PATRIMÔNIO LÍQUIDO Móveis. Utensílios e Instalações 166.908,80 156.446,80 Fundo Patrimônio Social 296.685,78 296.685,78 Computadores e Periférico 170.181,67 166.072,06 Doações 292.352,00 292.352,00 Marcas e Direitos 11.780,73 11.780,73 Deficit Acumulado (1.265.779,23) (1.008.351,92) (-) Depreciação Acumulada (330.809,79) (289.564,98) Deficit do Exercício (285.959,17) (257.427,31) 370.937,93 388.421,25 TOTAL DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO (962.700,62) (676.741,45) TOTAL DO PASSIVO 2.369.118,92 2.425.940,10 TOTAL DO ATIVO 2.369.118,92 2.425.940,10

Demonstração de resultados dos exercícios findos em 31 de dezembro (em reais) D E S C R I Ç Ã O 2008 ARRECADAÇÃO ATIVIDADE FIM Contribuições, Doações, Convênios e Eventos De Mantenedores 658,819.00 Parceria Órgãos Privados 668,257.60 Convênio Órgãos Públicos 1,321,728.66 (-) Devolução Convênios não Aplicado (142,538.33) Contribuições e Doações Eventual 131,743.21 Promoções e Eventos Institucionais 14,143.60 (-) Custo Eventos Promocionais - TOTAL ARRECADAÇÃO ATIVIDADE FIM

2.652.153,74

CUSTO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Custo Com Pessoal (1.216.412,36) Encargos e Contribuições Sociais (454.636,19) Benefícios Com Pessoal (398.321,03) Depreciação (41.244,86) Impostos. Taxas e Contribuições (6.822,23) Serviços Profissionais Externo (306.705,02) Atendimento e Atividade Social (538.625,52) Manutenção. Conservação e Reparos (42.751,45) TOTAL DO CUSTO PROJETO SOCIAL (3.005.518,66) RESULTADO FINANCEIRO Receitas Financeiras 49.756,81 (-) Despesas Financeiras (6.134,94) TOTAL DO RESULTADO FINANCEIRO 43.621,87 OUTRAS ARRECADAÇÕES SOCIAIS LÍQUIDA 23.783,88 DÉFICIT DO EXERCÍCIO (285.959,17)

Demonstração das origens e aplicação de recursos dos exercícios findos em 31 de dezembro (em reais) 2007 965,563.20 17,280.00 1,687,832.73 23,807.44 20,929.40 (9,057.89) 2.706.354,88 (1.210.605,58) (445.978,25) (461.126,44) (42.940,74) (11.720,78) (300.833,54) (509.132,92) (48.758,64)

(3.031.096,89) 68.783,97 (9.890,44)

Notas explicativas da administração às demonstrações financeiras dos exercícios findos em 31 de dezembro de 2008 e 2007

58.893,53

Nota 01 - CONTEXTO OPERACIONAL DA INSTITUIÇÃO.

8.421,17 (257.427,31)

Demonstração das mutações patrimoniais dos exercícios findos em 31 de dezembro (em reais) D E S C R I Ç Ã O

PATRIMÔNIO DOAÇÕES E SUPERÁVIT/ TOTAL SOCIAL SUBVENÇÕES DÉFICIT ACUMULADO

DE 2006 296.685,78 292.352,00 (1.008.351,92) AUMENTO DO PATRIMÔNIO Tranferência Superávit - - - DÉFICIT ACUMULADO Déficit do Exercício - - (257.427,31)

D E S C R I Ç Ã O 2008 2007 ORIGENS Das Operações Sociais Depreciação 41.244,81 42.940,74 De Terceiros Aumento do Exigível LP 308.283,03 296.704,14 Doações Instituidores - TOTAL DAS ORIGENS 349.527,84 339.644,88 APLICAÇÕES Déficit Líquido do Exercício 285.959,17 257.427,31 Aumento Realizável Longo Prazo - Aumento do Imobilizado 23.761,49 9.938,34 TOTAL DAS APLICAÇÕES 309.720,66 267.365,65 Aumento (Redução) Capital Circulante Líquido 39.807,18 72.279,23 DEMONSTRAÇÃO DA VARIAÇÃO DO CAPITAL CIRCULANTE Ativo Circulante (39.337,86) 141.934,08 Fim do Exercício 818.180,99 857.518,85 Início do Exercício 857.518,85 715.584,77 Passivo Circulante (79.145,04) 69.654,85 Fim do Exercício 139.238,52 218.383,56 Início do Exercício 218.383,56 148.728,71 Aumento (Redução) Capital Circulante Líquido 39.807,18 72.279,23

(419.314,14)

-

(257.427,31)

A “FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA” é uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos e de natureza filantrópica, fundada em 1995, com os seus atos constitutivos registrados no “3º Registro Civil das Pessoas Jurídicas de São Paulo” em janeiro de 1996, conforme microfilme nº. 258.727. Conforme preceitua o artigo 5º, do Capítulo III, do Estatuto Social, a “FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA” tem por objetivo: “I) eleger as crianças e os adolescentes, especialmente aqueles que estiverem em condições sociais e econômicas desfavoráveis, como segmento prioritário de sua ação; II) fazer respeitar os direitos assegurados à criança e ao adolescente referentes a: i) ensino obrigatório; ii) atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência; iii) atendimento em creches e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade; iv) ensino noturno regular adequado às condições do educando; v) programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e assistência à saúde do educando de ensino fundamental; vi) serviço de assistência social visando a proteção à família, à maternidade e à adolescência, bem como o amparo às crianças e adolescentes que deles necessitem; vii) acesso às ações e serviços de saúde, tudo conforme prevê a Lei 8.069 de 13.07.1990”. De acordo com o Estatuto Social da Entidade, todo benefício e promoção de seus assistidos, “crianças, adolescentes e seus familiares”, é inteiramente gratuito. A origem da arrecadação financeira da Entidade está fundada em doações de pessoas físicas e jurídicas, e de parcerias com o setor público e privado que comungam com os objetivos sociais, assistenciais, da promoção da pessoa humana e filantrópicos da Entidade. A Fundação, através de sua administração, vem conduzindo uma série de medidas e iniciativas no sentido de equacionar a sua situação financeira, a manutenção e o desenvolvimento de suas atividades em níveis compatíveis com seu plano operacional. As principais iniciativas são: Busca de participação de novos mantenedores, alguns deles já confirmados; Renovação de convênios e ampliação com novas parcerias junto ao setor público nas esferas municipal, estadual e federal; Aumento no valor de doações junto aos mantenedores atuais.

DE 2007 296.685,78 292.352,00 (1.265.779,23) (676.741,45) AUMENTO DO PATRIMÔNIO Tranferência Superávit - - - Nota 02 - PRINCIPAIS PRÁTICAS CONTÁBEIS. As práticas contábeis mais significativas adotadas na elaboração das demonstrações financeiras são: DÉFICIT ACUMULADO a). As Demonstrações Contábeis foram elaboradas de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil, Déficit do Exercício - - (285.959,17) (285.959,17) determinações legais e fiscais, adequando-se às necessidades específicas das instituições sociais privadas sem fins lucrativos e de natureza filantrópica; DE 2008 296.685,78 292.352,00 (1.551.738,40) (962.700,62) b). As doações e contribuições eventuais de terceiros são reconhecidas como receitas quando efetivamente


INFORME PUBLICITÁRIO

recebidas. As demais receitas e despesas são reconhecidas pelo regime de competência. As receitas são apuradas através dos comprovantes de recebimento, entre eles, avisos bancários, recibos e outros. As despesas são apuradas através de notas fiscais e recibos, em conformidade com as exigências fiscais e legais; c). As doações e contribuições destinadas ao custeio da Entidade, foram contabilizadas em contas de receitas; d). Ativos e passivos circulantes – os ativos são demonstrados pelos valores de realização, incluindo, quando aplicável, os rendimentos e as variações monetárias auferidos; os passivos registrados, são demonstrados por valores conhecidos ou calculáveis, incluindo, quando aplicável, os correspondentes encargos e a variação monetária incorrida; e). O Ativo Permanente se apresenta pelo custo de aquisição ou valor original, visto que a entidade não procedeu à Correção Monetária de Balanços em exercícios anteriores. A Depreciação do Imobilizado é calculada pelo método linear; f). A Provisão de Férias e Encargos foi calculada com base nos direitos adquiridos pelos empregados até a data do balanço, incluindo os encargos sociais correspondentes. g). Em razão de sua finalidade social, assistencial, filantrópica e sem fins lucrativos, a Instituição não está sujeita ao recolhimento de impostos calculados sobre o superávit do exercício, e nem distribui qualquer parcela de seus resultados a associados, parceiros, dirigentes, conselheiros ou mantenedores.

Nota 03 – TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS. Histórico / Conta – Em reais Certificados de Depósito Bancário - Banco Bradesco S.A – CDB Fácil - Banco Bradesco S.A – FICFI - Banco Bradesco S.A – POUPANÇA - Banco do Brasil - CDI - Banco do Brasil - CP DI - Banco do Brasil - RF LP - Banco do Brasil - RENDA FIXA - Sul América – Título Capitalização Totais

Nota 04 – OUTROS CRÉDITOS. Histórico / Conta – Em reais - Cheques em Cobrança - Convênio PMSP / SAS - Convênio Ministério da Cultura - Adiantamento Fornecedores Serviço - Adiantamento de Férias - INSS a Recuperar Total

2008

2007

197.569,19 190.838,33 35.647,94 0,00 83.832,95 0,00 173.981,40 0,00 21.430,58 29.175,72 31.433,57 0,00 32.217,64 0,00 27.000,00 27.000,00 603.113,27 251.961,32

2008 2007 255,00 255,00 0,00 132.301,61 0,00 50.000,00 0,00 87,13 0,00 30.398,93 20.354,09 20.354,09 20.609,09 233.396,76

Nota 05 – IMOBILIZADO.

Histórico / Conta Custo Depreciação Líquido Taxa acumulada anual de depr. Em reais 2008 2007 2008 2007 2008 2007 Edifícios 278.538,81 278.538,81 (58.538,81) (47.062,39) 220.334,78 231.476,42 4% Móveis e utensílios 146.665,93 137.003,93 (77.452,35) (64.142,41) 69.213,58 72.861,52 10% Direitos de uso 11.780,73 11.780,73 (1.813,00) (1.722,39) 9.967,73 10.058,34 20% Máquinas e 74.337,71 65.147,83 (35.933,57) (30.051,87) 38.404,14 35.095,96 10% equipamentos Computadores 170.181,67 166.072,06 (145.892,62) (136.501,08) 24.289,05 29.570,98 20% Instalações 20.242,87 19.442,87 (11.514,22) (10.084,84) 8.728,65 9.358,03 10% Totais 701.747,72 677.986,23 (330.809,79) (289.564,98) 370.937,93 388.421,25

Nota 06 – DOAÇÕES, CONTRIBUIÇÕES E PARCERIAS COM ÓRGÃOS PRIVADOS E PÚBLICOS.

a) CONTRIBUIÇÕES DE ÓRGÃOS PRIVADOS A Entidade recebe doações e contribuições de pessoas físicas e jurídicas. Nos exercícios de 2008 e 2007, as doações e parcerias com órgãos privados estão assim representadas:

Histórico / Conta – Em reais MANTENEDORES - Banco Itaú S/A - Banco Bradesco S/A - Sindicato dos Bancários de São Paulo - GP Serviços Gerais Ltda. - Banco Fibra S/A - APEOESP – Sind. dos Professores do Ensino Oficial do Est. de SP Total mantenedores

2008

2007

0,00 0,00 530.683,00 62.136,00 60.000,00 6.000,00 658.819,00

360.000,00 360.000,00 120.000,00 74.563,20 45.000,00 6.000,00 965.563,20

PARCERIAS ÓRGÃOS PRIVADOS - FIPE - Petrobrás - Fundação Telefônica Total parcerias órgãos privados

0,00 374.616,60 293.641,00 668.257,60

17.280,00 0,00 0,00 17.280,00

b). CONVÊNIO COM ÓRGÃOS PÚBLICOS No exercício de 2008 a Entidade manteve convênio com órgãos públicos no desenvolvimento dos seguintes Programas Sociais: CASA DE ACOLHIDA DE SANTO ANDRÉ - Finalização do convênio firmado com a Secretaria de Inclusão Social, da Prefeitura de Santo André, em 22 de fevereiro de 2007, visando o acolhimento de adolescentes, de ambos os sexos, na faixa de 12 a 17 anos e 11 meses, que se encontram em circuitos da rua, com vínculos familiares fragilizados. PROJETO ABC INTEGRADO - Convênio firmado com a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, visando a contagem e o mapeamento de crianças e adolescentes em situação de rua e de trabalho infantil na região do grande

Luiz Cláudio Marcolino Diretor Presidente

ABC, compreendendo 7 municípios. PROJETO PROTAGONISMO NA COMUNIDADE – Convênio firmado com a Secretaria Municipal de Participação e Parcerias, através do Fundo Municipal da Crianças e do Adolescente – FUMCAD e Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente – CMDCA - visando favorecer a inclusão social de adolescentes através do incentivo ao protagonismo juvenil na sua comunidade. c). CONVÊNIO COM ÓRGÃOS PRIVADOS PROGRAMA DE EDUCAÇÃO NA RUA – Parceria firmada com a Petrobrás, visando a reintegração familiar, escolar e comunitária de crianças e adolescentes que habitam e sobrevivem nas ruas do Centro da Capital de São Paulo. PROJETO ABC INTEGRADO - Convênio firmado com a Fundação Telefônica, visando a contagem e o mapeamento de crianças e adolescentes em situação de rua e de trabalho infantil na região do grande ABC, compreendendo 7 municípios.

Nota 07 – EXIGÍVEL E REALIZÁVEL A LONGO PRAZO

A administração da entidade avalia a natureza dos casos, as ações existentes e as possibilidades de êxito ajustando a provisão para passivos contingentes conforme requerido. Em 31 de dezembro de 2008 as contingências estavam relacionadas à ação judicial de ordem previdenciária, relativa à questão com o INSS sobre a imunidade da cota patronal, sendo que o valor máximo da causa estimado pela administração monta em cerca de R$ 3.800 mil. A opinião dos assessores jurídicos é que o risco de perda é remoto, sendo que a administração da entidade, em uma postura conservadora, mantém registrada em 31 de dezembro de 2008 provisão no montante de R$ 3.192 mil (31 de dezembro de 2007 – R$ 2.884 mil) considerado suficiente para fazer face às contingências.

Nota 08 – APLICAÇÃO DOS RECURSOS

Os recursos da entidade foram aplicados em suas finalidades institucionais, de conformidade com seu Estatuto Social, demonstrados pelas suas Despesas e Investimentos Patrimoniais.

Nota 09 – DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO

Neste exercício de 2008, a Entidade desenvolveu seu trabalho de assistência social nas seguintes áreas: DEFESA E PROMOÇÃO DE DIREITOS 1. PROGRAMA DE EDUCAÇÃO NA RUA – Objetiva a reintegração familiar, escolar e comunitária de crianças e adolescentes que fazem das ruas do Centro da Capital de São Paulo seu espaço de moradia e sobrevivência. São realizadas atividades pedagógicas no próprio espaço das ruas visando a reflexão sobre a situação em que se encontram e a construção de novas e concretas possibilidades e, posteriormente, firmadas parcerias nas comunidades de origem e com serviços da rede pública a fim de garantir a permanência daquela criança ou adolescente no local e o seu desenvolvimento satisfatório. Nesse ano foi iniciado um trabalho na região do M´Boi Mirim, visando evitar a saída das crianças e adolescentes para as ruas. O número de atendimentos varia de acordo com fatores como composição da equipe e público. 2. PROGRAMA DE EDUCAÇÃO E ACESSO AO DIREITO – objetiva garantir e promover os direitos das crianças e adolescentes atendidos pelos demais programas e projetos da Fundação Projeto Travessia que têm seus direitos cotidianamente violados por aqueles que deveriam assegurá-los (família, sociedade e Estado) através do atendimento direto ao público-alvo e da instrumentalização dos demais profissionais da Fundação vinculados ao programa de educação na rua, aos serviços conveniados e às parcerias privadas para que possam defender os direitos das crianças e adolescentes que atendem de forma ampla, a partir de uma prática educativa que atribua significado ao texto da lei, contribuindo para o exercício pleno da cidadania e a inclusão social, a partir dos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente e da atuação multidisciplinar. 3. CASA DE ACOLHIDA – Convênio firmado com a Prefeitura do Município de Santo André – visando o acolhimento de adolescentes, de ambos os sexos, na faixa de 12 a 17 anos e 11 meses, que se encontram em circuitos da rua, com vínculos familiares fragilizados. Objetiva, basicamente, o rompimento da trajetória de vida na rua, a reconstrução do projeto de vida e o retorno a convivência familiar e comunitária, com capacidade de atendimento de até 20 adolescentes. 4. PROJETO ABC INTEGRADO – Convênio firmado com a Secretaria Especial de Direitos Humanos e Fundação Telefônica – com o objetivo de traçar diagnóstico de crianças e adolescentes em situação de rua, nos sete municípios que compõe a macroregião do ABCDMRR. Na primeira etapa, são previstas 3 fases distintas, ou seja: 1ª. Fase - levantamento, identificação e confirmação a campo dos pontos de concentração de crianças e adolescentes em cada município individualmente. 2ª. Fase – contagem amostral de crianças e adolescentes encontradas nos pontos de concentração identificados na fase anterior. 3ª. Fase – caracterização de crianças e adolescentes identificadas em contagem amostral nos pontos de concentração. Findado esse processo, o objetivo é que ele sirva de base para elaboração de política pública regional. 5. PROJETO PROTAGONISMO NA COMUNIDADE – Convênio firmado com a Secretaria Municipal de Participação e Parcerias, através do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente – FUMCAD e Conselho Municipal do Direito da Criança e do Adolescente – CMDCA - Tem como objetivo o fortalecimento dos vínculos afetivos familiares e comunitários dos adolescentes moradores de aglomerados de habitações improvisadas em terreno de ocupação irregular, denominadas “Bueirú” e “Pé-Sujo” na região do Cangaíba, na Penha, através do resgate de sua história e cultura, da valorização de suas origens, de seus talentos e habilidades para melhor integração com suas famílias e entre as famílias daquelas comunidades e a rede social local, visando preservar o direito à convivência familiar a e comunitária e minimizar/interromper o processo de saída desses adolescentes para as ruas da Capital.

Nota 10 – ASSISTÊNCIA SOCIAL E GRATUIDADE

No atendimento ao disposto no Inciso VI, do Artigo 3º., do Decreto nº. 2.536/98, no exercício de 2008, a entidade concedeu as seguintes gratuidades: Histórico / Conta – Em reais 2008 2007 - Arrecadação Total (excluído convênios) 1.546.504,05 1.095.727,29 - Custo Assistência Social Aplicada (excluído convênios) 1.683.790,00 1.343.264,16 - Limite da Assistência Social a Aplicar 309.300,81 219.145,46 - Assistência Social Aplicada a Maior 1.374.489,19 1.124.118,70 As GRATUIDADES CONCEDIDAS pela Entidade, através de seus Projetos Assistenciais, totalizaram um montante de R$ 1.683.790,00 no exercício de 2008, e R$ 1.343.264,16 no exercício de 2007, excluído convênio com órgãos público.

Nota 11 – SERVIÇOS DE TERCEIROS

Refere-se, principalmente, a serviços prestados por consultores e educadores contratados para desenvolver os programas e atividades da fundação.

Cleuza Rosa da Silva Diretora Financeira

Francisco Fernandes C. Silva CRC/SP 1CE003489/T-5


VIAGEM BEM-VINDO William de Oliveira: a Rocinha recebe até 300 turistas estrangeiros por dia

Moradores da Rocinha buscam modelo de turismo sustentável, que valorize a cultura e os serviços locais, integre os visitantes à realidade da favela e não faça da pobreza um espetáculo Por Maurício Thuswohl Fotos de Rodrigo Queiroz

Nada de abismos

O

turismo em favelas movimenta centenas de agências, mobiliza milhares de pessoas em todo o Brasil e já é alvo de críticas. A mais recorrente ressalta o fato de que os passeios são comumente controlados por agentes externos às comunidades visitadas e geram poucos dividendos diretos aos moradores. Ou que a maioria das agências não promove uma interação entre turistas e moradores e acaba por alimentar uma espécie de espetacularização da miséria. Maior favela da América Latina e pioneira no assunto, a Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro, ensaia um

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REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2009

salto para melhorar a exploração dessa atividade pela própria comunidade. A tarefa é gigantesca. Vivem ali cerca de 200 mil habitantes, que recebem na alta estação a visita de até 300 turistas estrangeiros por dia. Essa demanda – passeios monitorados na comunidade – é explorada por cerca de dez agências de viagem e por algumas centenas de parceiros espalhados mundo afora. Essa movimentação inspirou a criação do Fórum de Turismo da Rocinha. “A ideia nasceu em um curso de formação oferecido pelo Sebrae-RJ, do qual participaram diversas lideranças comunitárias”, conta William

de Oliveira, morador há 37 anos, presidente do Movimento Popular de Favelas e agora vice-presidente do Fórum de Turismo da Rocinha. O presidente, o empresário Ailton Araújo Ferreira, conhecido como Macarrão, vê o início de uma nova era: “O turismo aqui já existe há 20 anos, mas há dois estamos trabalhando nesse projeto, angariando apoios, e hoje chegamos a esse nível. É mais um passo importante para adequarmos à comunidade o melhor modelo de turismo”, diz. “Agora, vamos fazer um mapeamento dos pontos de interesse na favela e um levantamento de todos os recursos obtidos


com a exploração do turismo. Entra muito dinheiro com essa atividade, e queremos saber para onde ele vai”, destaca William. O levantamento inclui as agências, que cobram de R$ 60 a R$ 100 de cada turista por um passeio, e os recursos públicos que deveriam ajudar o desenvolvimento da comunidade, já que desde 2006 a favela faz parte do Guia Oficial de Turismo do Rio de Janeiro.

Fim do safári?

A BELEZA... A Rocinha oferece uma das mais belas vistas do Rio

...E O CAOS Vista do asfalto, a favela é símbolo da anarquia urbana

O modelo predominante de turismo na Rocinha ainda é aquele chamado pejorativamente de “safári”, em que turistas são conduzidos em jipes ou camionetes, visitam os mirantes, compram artesanatos e suvenires, apreciam uma roda de samba e tiram muitas fotos, nem sempre interagindo positivamente com os moradores. Um passeio clássico leva turistas ao magnífico mirante na parte mais alta, conhecida como Laboriaux, com direito a vista da Pedra da Gávea, do Corcovado e do mar de São Conrado, entre outras maravilhas. Em seguida, os visitantes fazem compras no largo dos Boiadeiros e terminam o passeio geralmente na quadra da Escola de Samba Acadêmicos da Rocinha. “Quero riscar essa expressão ‘safári’ do meu vocabulário”, ressalta William. “Muitas vezes o turista chega em tudo quanto é lugar na Rocinha e sai tirando foto. Tem muita gente que não gosta. E nem estou falando do tráfico, e sim dos moradores comuns. Ouço muitos comentários de que o turista quer filmar o miserável, e tem pessoa que não quer aparecer ali como o miserável, entende?” O Fórum de Turismo abre a possibilidade de criar na Rocinha roteiros com outra qualidade. “Queremos estabelecer projetos que possam conscientizar os turistas e lhes dar uma aula de cidadania. Muito turista com dinheiro para ajudar ou com trabalho social em seu país pode se interessar pelos projetos sociais e artísticos que são desenvolvidos aqui”, acredita William. Entre os moradores que de alguma forma se beneficiam do turismo realizado na Rocinha, a expectativa é de melhora. Carlos José da Silva, o Carlinho da Laje, é um deles. Carlinho ganha dinheiro ao deixar turistas passarem algumas horas na laje de sua casa, que tem uma vista de cair o queixo, além de ser equipada com toaletes, churrasqueira e frigobar: “Deixo visitarem minha AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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FUTURO Para o turista francês Lyes, a Rocinha tem infraestrutura e pode se tornar um bairro

laje há seis anos. Os turistas que vêm aqui são trazidos pelas agências, que entram em contato comigo. Mas o turismo aqui é mal explorado, acredito que as coisas podem melhorar”. O Fórum pretende ainda criar alguma atividade que entre definitivamente no calendário turístico e cultural carioca. A ideia é realizar, este ano, a primeira edição do Dia do Tour na Rocinha. “Queremos fazer um dia inteiro de visitação à comunidade destinado a turistas estrangeiros, brasileiros e até mesmo a moradores do Rio de Janeiro. Vamos mostrar o artesanato, o samba, a capoeira e outras manifestações culturais, além de pontos históricos e iniciativas sociais”, conta William de Oliveira. Para o Fórum, parte dos recursos obtidos deve ser empregada na capacitação profissional dos jovens moradores, no ensino do inglês e na formação de guias. Outra ideia é criar uma rede de hospedagem. “Imagina a Rocinha com pousadas boas e seguras, que possam receber com dignidade o turista. É um sonho”, afirma o líder comunitário. A experiência do Fórum de Turismo da Rocinha deve ser levada para outras comunidades. As vizinhas Canoas e Vidigal, também muito visitadas por turistas, participaram do curso oferecido pelo Sebrae e devem em breve criar os próprios fóruns. O Movimento Popular de Favelas iniciou ainda discussões sobre projetos de exploração do turismo nas comunidades do Dendê, da Babilônia e do Andaraí, na zona norte do 46

REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2009

Rio. “Sem a vista para o mar e para a Mata Atlântica, algumas comunidades têm de estabelecer formas de valorizar outros atrativos, como o cultural e o social”, diz William.

Poliglota

O guia Carlos Antônio Souza é uma figura conhecida do turismo na Rocinha. Aos 44 anos, vividos ali, e com duas décadas de experiência como guia, Souza procura transmitir aos turistas um conhecimento verdadeiro sobre a favela, uma abordagem diferenciada. “A maioria dos guias de turismo que trabalham aqui é de fora, e muitos passeios deixam de buscar um verdadeiro intercâmbio. Fazem as duas pontas e perdem o meio”, critica. Souza busca “o meio da favela”, dá um panorama histórico dos últimos 30 anos e trata de temas como infraestrutura habitacional, água, fornecimento de luz: “Conto a história da igreja

SURPRESA Xavier imaginava que a favela fosse fechada


que temos aqui, sem conotação religiosa, falo também de educação e saúde, do tratamento da tuberculose, de gravidez na adolescência, de aids”. Autônomo, Souza presta serviço para seis agências que atuam na Rocinha. O contato com os turistas é facilitado por sua fluência em inglês e espanhol e o bom desempenho em outros idiomas: “Tenho facilidade, não sei explicar. Sou autodidata. Agora estou estudando russo”, conta, sem disfarçar o orgulho pelo dom que o fez conhecido na comunidade. Sua média é de

uma visita guiada por dia. “O mais prazeroso é ver o turista entrar com uma ideia do que é a favela e sair com outra, completamente diferente. É bom fazê-lo refletir sobre preconceito e tolerância”, afirma. Ele apoia a criação do Fórum de Turismo: “Temos de preparar a comunidade para receber com seus próprios meios os turistas”. Os visitantes, muitos estrangeiros, parecem gostar da visita com enfoque social à maior favela da América Latina. Em uma ensolarada manhã de inverno, cerca de 25 estudantes franceses acompa-

ALÉM DO ÓBVIO Poliglota autodidata, o guia Carlos de Souza provoca a reflexão entre os turistas

SEM FILTRO Cristelle ficou espantada com o contraste econômico

Distância do tráfico A relação com o tráfico de drogas, naturalmente, é questão problemática quando o assunto é turismo em favelas. A reportagem da Revista do Brasil avistou pelo menos quatro pessoas empunhando armas de grosso calibre, além de dois pontos de venda de drogas. Os traficantes, no entanto, não parecem interferir no turismo. Diluem-se na paisagem repleta de gente, motos, carros e ônibus que sobem e descem o morro. O objetivo dos moradores engajados é não estimular o contato dos turistas com os traficantes nem promover fotos ou qualquer outro tipo de “exibição” remunerada dos soldados do tráfico. “A Rocinha é grande o suficiente para que o turista passe várias horas aqui sem nem mesmo perceber o tráfico”, diz William de Oliveira, vice-presidente do Fórum de Turismo de Rocinha.

Os jovens parisienses não se furtaram a comparar o Rio com a capital francesa: “Também temos pobreza, mas não é tão grande nem tão misturado”, relatou Xavier. Para Cristelle, o que mais caracteriza o Rio é sua histórica convivência entre ricos e pobres no mesmo espaço: “Na França, você vê o pobre de um lado e o rico do outro, um fosso os separa. Em Paris há os bairros pobres do subúrbio, e os suburbanos não vão se misturar com as pessoas dos bairros ricos. Quando essa mistura acontece acaba provocando choques”. Apesar

nhavam o guia Carlos Antônio Souza. “É marcante ver tanta pobreza e o contraste entre ricos e pobres”, observou Cristelle Cariddi, 31 anos, aturdida com a vista que se tem do morro para as mansões do bairro da Gávea. Xavier Clausel, 24 anos, surpreendeu-se com os ônibus urbanos e as centenas de outros veículos cortando a favela a todo momento. “A Rocinha é muito mais aberta ao mundo exterior do que eu podia imaginar. Eu achava que a favela seria uma coisa muito mais fechada em si mesma.” Um dos mais jovens do grupo, Lyes Guenreïd, 16 anos, notou uma “situação melhor” do que as que já viu na televisão: “A Rocinha até que é bem desenvolvida para uma favela. Eu não esperava, mas todos têm energia elétrica, existe água corrente, tudo isso. Já é alguma coisa. Se continuar a se desenvolver, se transformará num bairro normal”.

da pouca idade, Lyes, descendente de argelinos, demonstra uma fina observação: “O Rio de Janeiro é bem diferente de Paris, mas lá também há partes da cidade, ou bairros, que têm o caráter de gueto, assim como as favelas”, comparou. “Aqui é muito mais parecido com a Argélia, com seus grandes bairros, os bolsões de miséria e a metrópole.”

Por onde começar Fórum de Turismo da Rocinha http://turismorocinha.blogspot.com/ (21) 9509-2253 Jeep Tour – www.jeeptour.com.br (21) 2108-5800 Favela Tour – www.favelatour.com.br (21) 3322-2727 Rio Party Hostel – www.riopartyhostel.com.br (21) 2246-9120 Forest Tour – www.foresttour.com.br (21) 2236-7818 AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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CurtaEssaDica

Na praia com história

The Hobo Grunt Cycle

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar.

Por Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)

Em seu terceiro livro, Praias da Serra do Mar, a fotógrafa, historiadora e preservacionista da natureza Nicia Guerriero apresenta fotos do litoral norte de São Paulo. O livro emoldura cada imagem com a história dos índios, da chegada dos europeus, dos escravos e quilombos, da mestiçagem, dos caiçaras, dos embates e guerras, das canoas e dos carros, das trilhas ao asfalto, da conservação dos peixes à destruição e conservação da natureza. Destaque para as grandes transformações do litoral a partir de meados dos anos 1980. Pedidos: niciaguerreiro@uol.com.br, R$ 50.

Andreá Beltrão e Matheus de Sá

Teatro em Brasília De 2 a 13 de setembro a capital federal sedia a 10ª edição do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília, com quatro grandes shows ao ar livre e 23 espetáculos de teatro e dança. Destaques para o circense La Piste Là, francês; o norte-americano The Hobo Grunt Cycle, que investiga as consequências da guerra para aqueles que a presenciam; o canadense Kiss Bill, um olhar feminino sobre a violência nos filmes de Quentin Tarantino; e Inveja dos Anjos, premiado trabalho da companhia brasileira Armazém. Programe-se: www.cenacontemporanea.com.br.

Professora salva-vidas Andréa Beltrão vive uma professora da rede de ensino carioca. Um dia percebe que ninguém foi buscar um aluno e, tarde da noite, vai levá-lo até sua casa, na favela. Quando chega, dá de cara com a polícia e muito tumulto: os pais do garoto haviam sido mortos e os assassinos estavam atrás dele. Ela foge com Leandro e se empenha para salvar o menino e a si própria. “Ela é o símbolo do que uma professora pode significar na vida de alguém”, diz Andréa Beltrão. O filme Verônica (de Maurício Farias, 2009) está nas locadoras.

Trash só no nome

Trash Pour 4

Os integrantes da banda podem até parecer gringos, o CD também. Mas Trash Pour 4 nasceu no coração de São Paulo e é expert em releituras bem-humoradas de clássicos, não interessa de onde. Natalia Mallo, Mariá Portugal, Gustavo Ruiz e Dudu Tsuda, no terceiro álbum da banda, Something Stupid (MCD), trazem repertório bem eclético – com Frank e Nancy Sinatra, Caetano, Grupo Rumo, Beatles e a japonesa Cleaning – e também, pela primeira vez num álbum, músicas próprias da banda. Ska, disco, funk, bossa, rock, dub, hip-hop foram para a panela e renderam um prato suculento e interessante... para aqueles que dispensam o tradicional.

www.redebrasilatual.com.br/multimidia/blogs 48

REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2009

Visite nosso blog e curta diariamente dicas e pitacos sobre o mundo da cultura


Etoile dancer at the Opera de Paris, por Sophie Calle

Desilusão de artista

Sophie Calle é conhecida por transformar sua intimidade em arte. Em comemoração ao Ano da França no Brasil, está em cartaz a exposição Cuide de Você (Prenez Soin de Vous). Nela, mais de cem mulheres interpretam uma carta em que o escritor Grégoire Bouillier, ex-amante da artista, termina o relacionamento. Entre as intérpretes, estão a mãe de Sophie e a atriz Jeanne Moureau. Composta por fotos, textos e vídeos, a exposição já passou por Veneza, França, Canadá e Nova York e pode ser vista na capital paulista até 7 de setembro, no Sesc Pompeia (11 3871-7700). A partir de 22 de setembro, no Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador, (71 3117-6133). Grátis.

Temporada francesa IMAGENS DIVULGAÇÃO

No Ano da França no Brasil, exposições, mostras, seminários, peças e lançamentos estão programados nas principais cidades brasileiras até o dia 15 de novembro. Confira a programação cultural completa em http://anodafrancanobrasil.cultura.gov.br.

Rodin para mineiros e paulistas

Pela primeira vez no Brasil, 20 esculturas de Rodin e 190 fotografias originais de profissionais contemporâneos a ele são expostas para apresentar o processo de criação do artista no seu ateliê entre os anos de 1877 e 1917. Duas esculturas de grande porte que fazem parte do museu do artista, em Paris, foram retiradas de seus jardins especialmente para a exposição Rodin e a Fotografia – do Ateliê ao Museu Museu. Até 13/10, grátis, na Casa Fiat, em Belo Horizonte (31 3289-8900). A partir de 27/10, no Masp, em São Paulo (11 3251-5644), R$ 15. Grande main crispee et figure implorante

A autora e os crimes

Dominique Pinon e Fanny Ardant

Uma escritora de romances policiais, Judith Ralitzer, em busca de um enredo para seu próximo livro. Um interrogatório numa delegacia de Paris a respeito da morte de seu secretário. A fuga de um criminoso acusado de assassinatos em série e pedofilia. Uma cabeleireira, Huguette, deixada num posto de gasolina depois de uma briga com o namorado. Antes da escritora, o cineasta Claude Lelouch encontrou todos esses ingredientes que dão a Crimes de Autor (Roman de Gare) uma trama surpreendente. Em DVD. AGOSTO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Crônica

Por Andréa del Fuego

Michael não morreu aqui Como sentir falta de alguém que nunca me telefonou?

F Andréa del Fuego, escritora, é autora da trilogia de contos “Minto Enquanto Posso”, “Nego Tudo” e “Engano Seu” e do romance juvenil Sociedade da Caveira de Cristal. Blog: www.delfuego. zip.net

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iquei durante horas, na frente da televisão, vendo o funeral do Michael. Comovida pelas homenagens. Agradecendo mentalmente a presença dos convidados, como um parente que sente sua dor atenuada diante de estranhos, que também amam quem ele perdeu. A letargia foi cortada por uma lembrança. Recordeime de um coveiro que, ao ser perguntado sobre a tristeza de seu trabalho, respondeu que “não se chora todos os mortos, só os seus”. Foi um clique, questionei a razão do meu luto, ainda mais que Michael nem havia morrido, e posso provar. Como sentir falta de alguém que nunca me telefonou? Suponhamos que ele fosse um morto da minha família, ele realmente não mais me telefonaria, nem apareceria numa quinta para comer uma lasanha de supermercado, no bingo da festa junina. Não iria mais ao aniversário da minha tia Cidinha. Uma pena, mas também, não sei se alivia, não precisaria pagar-lhe a grana emprestada. Que virada na vida depois dos cem mil que ele teria me passado em cheque. O cheque que eu venderia, porque a assinatura do cantor vale mais do que a quantia escrita no papel. Quanto seria mesmo? Daria para abrir um comércio para o meu pai, ele está desempregado. Teria muita saudade do Michael. Não falo pelo dinheiro, porque a gente trabalha, e quem trabalha paga sempre alguma prestação. Digo pelo contato direto, pela presença física. O Michael no churrasco, o Michael no batizado, o Michael lavando o prato em que comeu, o Michael cortan-

REVISTA DO BRASIL AGOSTO 2009

do unha do pé com o alicate da minha irmã, o Michael no enterro do meu avô, o Michael tomando cerveja na rodoviária antes de pegarmos o ônibus para o litoral. As irmãs de Michael me mandariam passagem, assim teriam minha companhia no velório, mas eu não poderia ir. Que desaforo, as irmãs demoraram a mostrar o morto no estádio para dar tempo de o costureiro terminar o vestido preto. Daria até tempo de chegar, mas não iria, não quero ir mais ao enterro do Michael. Sentiram minha falta, deu para perceber, daqui de casa vi que a mais velha olhava na plateia procurando minha cara, e nada. Eu, no lugar dela, pedia o cheque de volta, o de cem mil. Fosse Michael um morto que me dissesse respeito, ele iria para o jazigo de minha avó Maria de Jesus. Num cantinho, porque no ano passado morreu meu tio Antônio. Não dá para todo mundo morrer numa excursão, não cabe. Michael estaria entre Maria e Antônio, missa em Minas Gerais numa capela justa e limpa, biscoito de polvilho e café para os conhecidos numa primeira visita pós-enterro. Decente, com silêncio de gente boa e que, de fato, conhecia o Michael. Agora que devolvo o Michael aos seus donos, ele estará vivo daquele jeito que o conheci, como é mesmo? Vestido de defunto, saindo de uma cova, dançando com outros cadáveres. Continua vivinho da silva no rádio, com a coreografia na televisão, no cartaz do quarto. Um coveiro sabe tanto quanto uma cozinheira, eles sabem quando o corte foi na maçã ou no pulso, e sabem chorar com a notícia e com a cebola.



Já percebeu que existem histórias, personagens e canções que, mesmo sem conhecê-las, parecem que fazem parte da gente?

22 de agosto. Dia do Folclore. Esse dia faz a diferença.

Beatriz, filha do funcionário BB Clodoaldo Soares - BA.

O Banco do Brasil é um dos maiores incentivadores da cultura brasileira. Seja por meio dos Centros Culturais, por programas de apoio a artistas nacionais ou ainda pelo fomento à educação de crianças em diversos cantos do país. Faz diferença ter um banco que conhece as suas raízes.

Banco da sustentabilidade Central de Atendimento BB 4004 0001 ou 0800 729 0001 SAC 0800 729 0722 - Ouvidoria BB 0800 729 5678 - Deficiente Auditivo ou de Fala 0800 729 0088 - ou conecte bb.com.br


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