CENTENÁRIOS O cotidiano popular traduzido no samba de Adoniran e Noel
nº 45
março/2010
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A VIDA DEVE SER MELHOR As mulheres do século 21 colhem frutos das lutas feministas das últimas décadas. Mas o mundo machista ainda dá muito trabalho
“A revolução é mulher”: marcha em Atenas, 2009
Informação que transforma (sem perder a ternura)
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Editorial
Política 8 Para fazer o sucessor de Lula, PT prioriza aliança com PMDB Cidadania 12 Marcha das mulheres avança, mas a luta por justiça ainda persiste Entrevista 16 Ministra Nilcéa Freire defende igualdade no mundo do trabalho Trabalho 20 A hora de parar é um trauma e exige planejamento, porque a vida continua Mundo 24 IDH surgiu a partir da preocupação com a qualidade de vida das pessoas Centenário 28 Com humor e drama, Adoniran e Noel cantaram o dia a dia da população Cultura 32 João Cabral encantou-se com Barcelona e influenciou uma geração de artistas Esporte 36 Jogo de gente grande, futebol de mesa terá campeonato mundial no Brasil Comportamento 40 Dança do ventre: bom para a saúde e uma grande injeção de autoestima
VANDER FORNAZIERI
Nice: dá para ser mais barato
Viagem 44 Nice exibe o charme francês. E, sim, tem lugares com preços razoáveis SEÇÕES Cartas
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Ponto de Vista
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Na Rede
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Crônica
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Curta Essa Dica
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Atitude
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SÉRGIO LIMA/FOLHA IMAGEM
Índice
Dilma e Lula, Serra ao longe: o Brasil tem chance real de eleger sua primeira presidente
Entre logo na briga
A
no de Copa e de eleição mexe com o país. Em outubro, mais de 130 milhões de brasileiros vão escolher o novo presidente da República, senadores, deputados federais, governadores e deputados estaduais. Será uma superdose de política partidária, mas antes, entre junho e julho, o país vai acompanhar mais uma Copa do Mundo de futebol para, novamente, sonhar com o título, desta vez de hexacampeão. Da seleção e seus adversários, pouco se tem certeza, mas na política os times já começam a se posicionar. Sabe-se que, de um lado, concorre o governo Lula com a já pré-candidata Dilma Rousseff, que tenta fazer um gol de placa e se eleger a primeira mulher presidente do Brasil. Do outro lado, a coalizão PSDB-DEM, provavelmente com o governador paulista, José Serra, derrotado por Lula em 2002 (61% a 39%). Embora boa parte do eleitorado tenha interesse em uma terceira opção, as pesquisas parecem apontar para uma eleição bipolarizada, quase plebiscitária. Ou seja, a partida final tem tudo para ser entre Dilma e Serra. Mais que nomes, os esquemas táticos, os programas, que em política são os mais importantes, estão bastante delineados. No time de Dilma, como já afirmou a candidata ao ter seu nome confirmado, está a defesa do Estado como impulsionador do crescimento econômico e da justiça social. Em resumo, retirar milhões de pessoas da miséria é fator de desenvolvimento. Embora Serra esconda a decisão para momentos antes da partida – talvez preocupado com divergências internas –, algumas táticas já são conhecidas. O tucano é defensor do Estado mínimo e de privatizações em todos os setores. Recentemente, documentos do governo FHC, quando Serra era ministro do Planejamento, mostraram a intenção de privatizar tudo, inclusive a Petrobras – até o nome tentaram mudar: Petrobrax. É preciso acompanhar os “locutores” da decisão, os grandes meios de comunicação, que às vezes narram o jogo para tentar mudar a vontade da torcida – o povo – na hora do voto. Por isso, é bom ver o jogo de perto e acompanhar cada lance. Nessa hora, vale citar uma frase do escritor Millôr Fernandes: “É melhor entrar logo na briga do que ser atingido por uma bala perdida como um inocente transeunte”. MARÇO 2010
REVISTA DO BRASIL
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Cartas Informação que transforma Núcleo de planejamento editorial Bernardo Kucinski, Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Assistente editorial Xandra Stefanel Redação Anselmo Massad, Evelyn Pedrozo, Fábio M. Michel, Jéssica Santos, João Peres, Ricardo Negrão, Suzana Vier, Vitor Nuzzi e Júlia Lima (arte) Revisão Márcia Melo Capa Foto de Louisa Gouliamaki/AFP Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3241-0008 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328-8046 Adesão ao projeto (11) 3241-0008 Atendimento: Claudia Aranda e Carla Gallani Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares
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Conselho diretivo Admirson Medeiros Ferro Jr., Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Antonio de Lisboa Vale, Arilson da Silva, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Alberto Grana, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Edílson de Paula Oliveira, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Carlos Bortolato, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Sebastião Geraldo Cardozo, Sérgio Goiana, Sérgio Luis Carlos da Cunha, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Vinicius de Assumpção Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Luiz Cláudio Marcolino Sérgio Nobre Diretores financeiros Ivone Maria da Silva Teonílio Monteiro da Costa
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REVISTA DO BRASIL MARÇO 2010
Polêmica Muito oportuno o comentário da leitora Nair Kato (SP) na seção Cartas da edição 44. As críticas feitas aos governos estadual e municipal de São Paulo devem mesmo ser estendidas ao governo federal, assim como a outros governos do país. Acho que não haveria problema algum fazer críticas a todas as esferas. No entanto, acho difícil criticar uma administração que tem mais de 80% de aprovação. Basileu Souza Pinheiro, Matão (SP) basipi@ig.com.br Como aposentado do Banespa, que foi explorado e desmoralizado pelo PMDB e pelo PSDB, que o enterraram, tenho motivos mais do que suficientes para detestar esses dois partidos políticos. Entretanto, acho que vocês exageraram na capa e no texto da edição 43. A propaganda do governo Lula é “cuspida e escarrada”, como diria o saudoso Odorico Paraguaçu, muito mais acintosa do que a do governo do Estado de São Paulo. Vamos devagar com o andor. Se não, a nossa Revista do Brasil pode acabar tendo de mudar de nome para Revista do Filho do Brasil. Roberto Antonio Cêra, Piracicaba (SP) robertoacera@terra.com.br Sou estudante e orgulho-me de ser leitora de uma revista que traz informações claras e assuntos abrangentes, buscando em suas reportagens o esclarecimento de dúvidas que nem ao menos foram formuladas. Considerei muito interessante e reveladora a reportagem Tragédias do Marketing (ed. 43). Além de ter informado um assunto muito sério recorrente no Brasil, transparecendo os investimentos feitos com o capital brasileiro proveniente de altos impostos, a reportagem deixa clara a invisibilidade das melhorias sociais, contrapondo-se à imagem de governadores e prefeitos que andam aparecendo na mídia muito bem conceituados. Diante desse contraste só nos resta concluir que publicitários não morrerão de fome tão cedo. Vanessa Portioli Luswarghi, São Paulo (SP) vanluswar@pop.com.br
Maior divulgação A edição 43 está excelente. Serve de base para sabermos em quem votar e para vermos claramente o que realmente acontece nos bastidores dos governos. Mas a tiragem e distribuição desta revista é muito pequena para a formação de opinião de um Brasil tão gigantesco. Todos os sindicatos, partidos e simpatizantes desses ideais deveriam se unir em uma campanha para imprimir e distribuir uma tiragem bem maior. Paulo R. de Almeida, S.J. do Rio Preto (SP) pauloralmeida@ig.com.br Sorriso e gratidão Fiquei emocionado ao ler a reportagem “A casa do sorriso” (ed. 43). São exatamente assim as atividades daquele que foi o pioneiro no tratamento de lesões palatinas. Depois de tentar soluções em vários lugares, meus pais encontraram ali nosso porto seguro. Tive tratamento competente, profissional, inovador e humano. Ao ler o texto, relembrei a tranquilidade e a segurança de meus pais e vislumbrei a vida dos que são atendidos atualmente. Se hoje, bancário do BB, alcancei muitas realizações, devo também ao atendimento que tive no Centrinho. Sinto-me alegre, posso olhar no espelho e gostar do que vejo, e mais, ter o coração eternamente grato. Walcir Previtale Bruno, São Paulo (SP) walcir@spbancarios.com.br Juazeiro da Bahia, claro Na entrevista com o Luís Pereira (“O dono da área”), na edição 44, aparece o trecho “baiano de Juazeiro do Norte...”. Juazeiro do Norte é no Ceará, conhecida também como a terra do Padre Cícero. Se o Luís Pereira é baiano, ele nasceu em Juazeiro da Bahia. No entanto, esse pequeno engano não tira o brilho da entrevista. Anaximandro Martins Leão, Fortaleza (CE) anax.leao@gmail.com revista@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que as mensagens venham acompanhadas de nome completo, telefone, endereço e e-mail para contato. Caso não autorize a publicação de sua carta, avise-nos.
PontodeVista
Por Mauro Santayana
Uma capital sequestrada A autonomia do Distrito Federal, nos moldes atuais, é uma excrescência que a Nação não pode continuar tolerando
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omo o princípio é tudo, como disse GuiA ideia, clara, lúcida, dos legisladores de 1834 era marães Rosa, vamos começar do come- que a capital do Império tinha de estar desvinculada ço, para mostrar a falta de lógica na au- dos interesses particulares das regiões e submeter-se ao tonomia de Brasília. Os escândalos que todo nacional. A mesma consciência tiveram os constitêm marcado a capital da República, e tuintes de 1891, ao acatar a necessidade de transferir a dos quais ela esteve poupada apenas durante o gover- capital para o interior do Brasil e determinar a criação no petista de Cristovam Buarque, se explicam pela en- do Distrito Federal no centro do território. trega do governo da cidade a aventureiros. Quando se proclamou a República, o Rio não era Em 1763, a capital do Brasil Colônia se transferiu da só a capital do Império, mas centro da vida comerBahia – onde sempre residiram os governadores gerais cial do país, com população politicamente ativa, que – para o Rio de Janeiro. Os governadores passaram a reclamava representação política própria. Até então, usar o título de vice-rei. O Brasil era então Estado unitá- embora o município neutro contasse com represenrio, sob o domínio de Portugal, e administrativamente tação parlamentar quase simbólica, homens públicos dividido entre capitanias. Em 1808, com que viviam no Rio de Janeiro se elegiam a chegada da família real, a cidade passou A organização pelas províncias. a ser sede da monarquia portuguesa, mas política e A Constituição de 1891 – em um dos em estranha situação do ponto de vista do administrativa poucos pontos que contrariaram o modireito internacional. delo norte-americano – consagrou a rede Brasília O Brasil continuava a ser uma colônia, presentação política do Distrito Federal, embora servisse de refúgio à família real foi definida fixando-lhe o mesmo número (três) de diante da invasão de Portugal pelas tro- em 1960. Ela senadores por Estado (artigo 30). Como pas de Napoleão. Em 1815, com o aval não previa se sabe, nos Estados Unidos só se eledo Congresso de Viena, que reorganizou representação gem dois representantes ao Senado por a Europa depois da derrota da França, o política junto Estado, e o distrito de Colúmbia, sede do Brasil passou a integrar o Reino Unido de governo norte-americano, não elege seao Congresso Portugal, Brasil e Algarves. Assim, o Rio nador. Elege somente um representante foi elevado ao estatuto de capital do Im- nem a eleição à Câmara, com o mesmo estatuto das copério português. No mesmo ano, as ca- de prefeito lônias de Porto Rico e do território norpitanias se transformaram em províncias te-americano situado nas Ilhas Samoa. do Reino Unido. Com a partida do rei, em 26 de abril A organização política e administrativa de Brasília de 1821, o Rio passou a ser a residência do príncipe foi definida na Lei nº 3.751, do Congresso Nacional, regente, Pedro I. Essa situação durou até outubro de de abril de 1960 – oito dias antes da transferência da 1822, quando, logo depois do grito do Ipiranga, o prín- capital. Ela não previa representação política de Brasícipe foi aclamado imperador. O Rio se tornou a sede lia junto ao Congresso nem a eleição de prefeito, que do Império brasileiro, mas continuou uma cidade da seria nomeado pelo presidente da República e demisprovíncia do Rio de Janeiro. O imperador abdicou em sível a qualquer momento. Admitia, sim, uma Câmara abril de 1831 – após dez anos da partida de seu pai – e municipal com 20 vereadores. Mais ainda, o artigo 38 voltou a Portugal. Três anos depois, durante a Regên- determinava que qualquer alteração no Plano Piloto e cia, com o Ato Adicional à Constituição do Império, na urbanização de Brasília dependeria de lei federal. foram criadas as assembleias legislativas provinciais. A autonomia do Distrito Federal, outorgada pelos Com a relativa autonomia das províncias, exigia-se a constituintes de 1988, por mais democráticas tenham separação entre o Rio, como capital do Império, e a sido suas intenções, converteu o Distrito Federal em província do Rio de Janeiro. Assim, o Rio foi trans- uma cidade sequestrada por um bando de meliantes formado em “município neutro”, e a cidade de Niterói, (com raríssimas exceções), que compõem sua “Câmaque se chamava Vila Real da Praia Grande, se tornou ra Distrital”. É uma excrescência que a Nação não pode capital da província. continuar tolerando.
Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980
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REVISTA DO BRASIL
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NaRede
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LALO DE ALMEIDA/FOLHA IMAGEM
Índios Xikrin participam da audiência pública sobre a construção da Usina de Belo Monte
A concessão da licença ambiental prévia da hidrelétrica de Belo Monte intensificou a agenda de protestos de movimentos sociais da Região Norte. A avaliação é de que o processo está cheio de irregularidades, evidenciadas por documentos internos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
nos quais os técnicos manifestam que não tiveram o tempo adequado para avaliar os impactos ambientais das obras. O Ministério Público Federal e pesquisadores como Rodolfo Salm, da Universidade Federal do Pará, criticam a celeridade do governo. http://bit. ly/bNeQJh, http://bit.ly/dyV5ve, http://bit.ly/999CPB
Alagamento sem fim
Vila Itaim
Desde o dia 8 de dezembro, alguns bairros da zona leste de São Paulo estão alagados continuamente. Mesmo depois da interrupção de uma sequência de 47 dias com chuvas ao final da tarde, a água não baixava. A Rede Brasil Atual esteve no Jardim Helena, uma das áreas atingidas, para conferir a situação da população. A reportagem mostrou um bairro esquecido, com moradores revoltados e até crianças usando a água contaminada de esgoto para pescar. O idealizador dos piscinões na cidade, Carlos de Jesus Campos, culpa a especulação imobiliária e a falta de planejamento público pela cheia que não cede. http://bit.ly/c5eIMf, http://bit.ly/dyuasg, http://bit.ly/bpuKce HO NEW/REUTERS
MAURICIO MORAIS
Por Anselmo Massad, Evelyn Pedrozo, Fábio M. Michel, Jéssica Santos, João Peres, Ricardo Negrão, Suzana Vier e Vitor Nuzzi
Belo (mas polêmico) Monte
Transgênicos em questão
Responsável por liberar o cultivo comercial de organismos geneticamente modificados, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) elegeu mais um presidente favorável à liberação de transgênicos. Conhecido nos bastidores pela pressa e pela pouca abertura à discussão, Edilson Paiva é lembrado por ter dito que os herbicidas poderiam até ser bebidos pelos humanos “porque não temos a via metabólica das plantas”. Representantes do Ministério do Meio Ambiente na comissão lamentam a decisão. http://bit.ly/dzZaP9
Chavismo em xeque Hugo Chávez completou 11 anos de presidência venezuelana com problemas que não estavam no roteiro. Edgardo Lander, professor da Universidade Central da Venezuela, considera que o país entrou em uma crise econômica e política difícil de prever. Agravada pela questão climática, a crise gera problemas energéticos, reforça a sempre alta inflação do país e soma-se à sensação de insegurança, desgastando o governo bolivariano, que em setembro enfrenta eleições legislativas. http://bit.ly/a5UYHO
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Hugo Chávez
GUTO KUERTEN/FOLHA IMAGEM
Anthony Garotinho
Eleições no Rio Agonia de Arruda
Três meses depois de a Polícia Federal deflagrar a Operação Caixa de Pandora, o governador licenciado do Distrito Federal, José Roberto Arruda (ex-DEM, sem partido), foi preso às vésperas do Carnaval, acusado de tentar subornar um jornalista e alterar os rumos da investigação. Depois de se afastar do partido pelo qual foi eleito e ver a debandada de aliados, a inédita prisão de um governador não representa um avanço no combate à corrupção, segundo a análise da ONG Transparência Brasil. A cobertura completa está na Rede Brasil Atual. http://bit.ly/9nVJWR
NA RÁDIO
BLOG DO VELHO MUNDO
Da rua à África do Sul
O Jornal Brasil Atual é sintonizado de segunda a sexta, das 7h às 8h, nos 97,3 FM (para a Grande São Paulo) ou a qualquer momento na internet, em www.redebrasilatual.com.br/radio
Brasil bom de tela Vick Muniz: premiado em Berlim
DIVULGAÇÃO
DIVULGAÇÃO
Dois meses antes do início da Copa do Mundo deste ano, a África do Sul abriga outra competição futebolística. Em vez de craques com salários milionários, crianças que deixaram de estar em situação de rua pela atuação do Projeto Quixote. A entidade, formada há 15 anos, foi a responsável brasileira por selecionar adolescentes de 13 a 16 anos para participar da competição organizada pela ONG britânica ABC Trust. O certame ocorre de 14 a 23 de março. http://bit.ly/c5aZ6l
O ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PR) tenta voltar ao cargo. Está disposto a desafiar o acordo entre PT e PMDB no Estado para se lançar candidato. Desafeto do presidente Lula e rompido com o governador Sérgio Cabral (PMDB), Garotinho tenta driblar resistências partidárias e acusações na Justiça. Tudo para ser uma terceira opção ao peemedebista e a Fernando Gabeira (PV), que encabeça uma chapa de oposição. http://bit.ly/coWcvP
Na 60ª edição do festival de cinema de Berlim (Berlinale 2010), o orçamento modesto da Agência Nacional de Cinema (Ancine) mostra resultados. Quem conta é Flávio Aguiar, em seu Blog do Velho Mundo, diretamente da capital alemã. Apesar de não ter películas na disputa pelo Urso de Ouro, o Brasil levou dois prêmios da votação do público. http://bit.ly/bVjnRf
A Rede Brasil Atual traz informações diárias sobre política, economia, saúde, cultura, cidadania, América Latina e mundo do trabalho no www.redebrasilatual.com.br e também no Twitter e no Facebook.
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POLÍTICA
Não tem alm A opção de priorizar o PMDB na construção de alianças para a sucessão de Lula tem custos. Mas, agora, o PT aparece mais unitário do que nunca ao aceitar a possibilidade Por Anselmo Massad e Thiago Domenici
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uando Luiz Inácio Lula da Silva entregar a faixa presidencial a seu sucessor, em 1º de janeiro de 2011, será o mais popular titular do cargo a fazê-lo, à frente do governo com maior aprovação desde a redemocratização. Nos dois mandatos do primeiro governo encabeçado por uma liderança surgida de setores populares, a maior parte da população percebeu avanços – expressos na aprovação à gestão. Na busca por fazer o sucessor, Lula e o PT optaram por reforçar a relação com o PMDB, o maior partido da coalizão que sustenta o governo no Congresso. Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil, é a pré-candidata da situação, e seu vice deve ser indicado pelos peemedebistas. Em 2002, quando o escolhido para compor a chapa com Lula foi José Alencar, empresário mineiro do setor têxtil, o PT dividiu-se, e o encontro nacional da legenda teve dificuldades para aprovar o nome do então filiado ao Partido Liberal (PL). Em 2010, no IV Congresso do PT, o pré-acordo definido com o PMDB foi aclamado por unanimidade pelos filiados. Mais: dos sete
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candidatos nas eleições internas do partido, em novembro do ano passado, apenas dois questionavam a parceria. Juntos, tiveram 1,7% dos 500 mil votos. Diferenças consideráveis. “O PT já aprendeu a conviver com a coa lizão”, vaticina Antônio Queiroz, assessor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “No primeiro mandato (de Lula), o PT era hegemônico na administração pública. Houve tantos problemas na disputa com os parceiros que, no segundo mandato, o presidente optou pelo caminho de entregar a gerência de determinados ministérios a partidos aliados, incluindo o próprio PT, mas a pessoas com
grau de afinidade com os segmentos representados”, descreve. Isso significou entregar a Agricultura a alguém como Reinhold Stephanes (PMDBPR) ou as Comunicações a Hélio Costa (PMDB-MG), respectivamente ligados ao agronegócio e a empresas de rádio e TV. O governo heterogêneo tem linhas políticas definidas – longe de isentá-lo de disputas internas –, garante uma base de apoio mais significativa no Congresso e tem melhores condições de governar. “Desse ponto de vista, o PT está mais tarimbado e disposto a fazer esse tipo de aliança, até porque, sem ela, as chances de se eleger se reduzem”, pondera Queiroz.
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CASAMENTO SEM AMOR Aliado no governo Lula, PMDB de Temer quer mais peso
do, em entrevista a O Estado de S. Paulo, a parceria entre PT e PMDB como “moralmente frouxa”, “intelectualmente sem clareza” e “roçado de escândalos já semeados”, ele enxerga um problema na hegemonia de um eventual governo Dilma. Uma aliança, já nas eleições, representaria conceder ainda mais poder ao PMDB.
Flexibilidade
O cientista político André Singer, ex-portavoz da Presidência, tem uma análise parecida. Ele trabalha com a hipótese de que o PMDB esgotou seu ciclo programático com a Constituinte e a Constituição de 1988 – e, de lá para cá, passou a ser uma associação de lide-
PRIVILÉGIO Aldo Rebelo: PMDB está mais bem situado na ocupação de espaços
DOMINGOS TADEU/PR
O deputado federal Aldo Rebelo (PCdoBSP), filiado a um dos agrupamentos políticos mais à esquerda da coalizão, vê como natural a escolha do PMDB para vice de Dilma. “Claro que todos os partidos gostariam de ter uma Vice-Presidência, mas a coordenação de forças é uma tarefa importante na definição e na ocupação dos espaços”, avalia. “E, nesse aspecto, vejo o PMDB muito mais bem situado”, avalia. Mas nem todas as forças da base de apoio de Lula estão tão satisfeitas. O caso mais delicado é o de Ciro Gomes (PSB-SP), précandidato à Presidência que mina o desejo petista de uma disputa com ares plebiscitários entre governo e oposição. Qualifican-
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ranças regionais sem um programa claro. “As lideranças do PMDB se unificam, na verdade, em torno de uma coalizão cuja característica principal é a flexibilidade”, avalia. Essa capacidade de se modificar é o que permite, sem grandes problemas, participar de um governo com viés privatizante, como foi o de Fernando Henrique Cardoso, e de outro, como o segundo mandato do presidente Lula. Aliás, a flexibilidade é toda voltada a permanecer como parte do governo federal. “Como o Brasil é um país onde o Executivo federal é muito forte, do qual dependem regiões inteiras, para muitos políticos é conveniente estar em um partido flexível”, diz Singer. O questionamento do cientista político é justamente relacionado ao caráter eleitoreiro e voltado a garantir a capacidade de o Executivo aprovar medidas no Congresso. Ele identifica a mesma falta de identidade programática na aliança entre PSDB e o então PFL (atual DEM) durante os dois mandatos de Fernando Henrique. Em vez
Aliança com o PMDB: motivações e custos políticos
Ônus
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Na mão dos barões
Que as concessões de rádio e TV são concentradas nas mãos de dez grupos ou famílias pelo país, não é novidade. Mas o ministro das Comunicações e ex-repórter da TV Globo, Hélio Costa (PMDB-MG), fez valer seus vínculos com empresários do setor em momentos decisivos. O caso mais emblemático foi a adoção de um modelo de TV digital que limita o número de Hélio Costa emissoras disponíveis no espectro. A opção preferida dos empresários, baseada no modelo japonês, foi a escolhida. As dificuldades na convocação da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e a excessiva disposição a ceder aos empresários também entram no rol das críticas a Costa.
de buscar legendas próximas no espectro político, a opção, em ambos os casos, foi por partidos mais distantes ideologicamente. “O preço que se pagou – que o PSDB pagou – e o sistema partidário como um todo está pagando é uma descaracterização do PSDB, que à época procurava se situar como centro-esquerda.” Pela importância do PMDB dentro do Congresso e por essa característica flexível, é muito provável que o partido esteja na base do próximo governo, seja quem for o vencedor da eleição. Ele explica que o Brasil tem um sistema de presidencialismo de coalizão, e quem quer que seja o presidente, terá, depois da eleição, de negociar com os partidos que compuserem a maioria no Congresso. “Então são duas fases”, analisa. O problema é queimar essa etapa. 10
Direitos humanos e ditadura
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Os ataques ao terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), anunciado em dezembro, foram muitos e dominaram o noticiário em janeiro deste ano. Parte da munição veio de dentro do governo, de ministros do PMDB. Além do ministro Reinhold, que sentiu um “certo preconceito” contra a agricultura comercial, já que o texto defende garantias a produtores familiares e em pequenas propriedades, o mais crítico foi Nelson Jobim (PMDB-SP), titular da Defesa. Atento à insatisfação de setores militares, o ministro recusou-se a subscrever ao programa por causa da previsão de uma Comissão de Memória e Justiça, dedicada a esclarecer crimes de tortura praticados durante o período da ditadura.
Ruralistas
O governador de Mato Grosso, André Puccinelli (PMDB), declarou sobre Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente: “É um veado e fumador de maconha. Se ele participasse da Meia Maratona Internacional do Pantanal, sairia vencedor. Senão, eu o alcançaria e ele seria estuprado em praça pública”. A brutalidade era uma resposta à crítica de Minc ao avanço da fronteira agrícola da soja no André Estado. Puccinelli Em agosto de 2009, quando o Ministério do Desenvolvimento Agrário anunciou a atualização dos índices de produtividade rural, usados para definir se uma fazenda pode ser desapropriada para reforma agrária, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes (PMDB), iniciou uma cruzada. Acusou o governo do qual faz parte de “provocação” ao agronegócio. Com as bênçãos de seu partido, se recusou a assinar a portaria que alterava o critério pela primeira vez desde 1980. Com bancada no Congresso e presença em diferentes fóruns da sociedade, os ruralistas protagonizam embates com ambientalistas e movimentos a favor da reforma agrária. Partidos como o PR, da base do governo, e DEM, da oposição, também abrigam alguns dos representantes do setor, mas o PMDB – especialmente do Paraná e de Mato Grosso – carrega igualmente seus expoentes.
Centro da hegemonia
Para o PT, a definição de rumos do programa de governo está definida. “Uma coisa é constituir uma aliança para disputar a eleição que atenda à média dos partidos aliados. Outra é buscar uma aliança para a governabilidade política e parlamentar”, diferencia Ricardo Berzoini, deputado federal e ex-presidente nacional do partido, em entrevista à Rádio Brasil Atual. “Nesse caso, temos de entender que o Brasil é o resultado das eleições”, completa. Responsável pela costura do pré-acordo eleitoral com o PMDB, Berzoini defende que, contados os votos, a configuração do Legislativo limita as vontades do Executivo. “Muitas vezes acontece como agora, o presidente Lula, um homem de esquerda, tem a base parlamentar que vai da esquerda
à centro-direita em alguns casos. Sem abrir mão de nossos sonhos e projetos, temos de governar com a base constituída. E às vezes existem contradições”, admite. O novo presidente, da mesma tendência partidária, corrobora. “O PT é e sempre foi um partido de esquerda, o que não significa que estamos propondo qualquer esquerdismo”, afirma José Eduardo Dutra. “As propostas estão absolutamente antenadas com o mundo e estamos dando apenas sugestões. Quem vai bater o martelo do programa é a candidata”, garantiu, durante o IV Congresso Nacional, em fevereiro. O ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, deputado federal cassado em 2005, coloca os termos de uma forma mais direta. “Ganhamos eleições sem o PMDB em 2002 e 2006. Não digo que agora isso é inviável,
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Durante a maior parte do primeiro semestre de 2009, o governo federal e os parlamentares do PT bancaram a permanência de José Sarney (PMDBAP) na presidência do Senado. Além de atrasos em votações de projetos, ainda amargou desgaste com a indecisão de Aloizio Mercadante, que definiu como “irrevogável” sua saída da liderança do PT na Casa, para depois voltar atrás. José Ajudou a obstruir investigações e Sarney trâmites para o afastamento de Sarney do cargo. Diferentes líderes petistas, incluindo Lula, defenderam a ideia de que o alvo da oposição era muito mais atacar a aliança com o PT e o governo do que uma tentativa de moralizar a política. Mas, assim como quando evitou a cassação de Renan Calheiros (PMDB-AL) em 2007 da presidência da Casa, o apoio significou se aliar a um modo antigo de fazer política, em torno de caciques e trocas de favores.
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Velha política
Bônus
RICARDO STUCKERT/PR
Em dezembro de 2008, a Petrobras anunciou ter recorrido a uma operação contábil autorizada pela legislação que lhe permitia pagar R$ 4 bilhões a menos de impostos naquele exercício, o que melhorava o resultado do ano. Foi o início de uma série de denúncias e acusações contra a empresa que culminou, em maio, na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado. Com um pedido Romero de abertura genérico, a intenção da oposição Jucá era desgastar o governo com acusações diversas que, por semanas, ocuparam as páginas dos jornais. O governo controlou a comissão: o PT com a presidência e o PMDB com a relatoria. Do plano de trabalho à aprovação de requerimentos, a base conseguiu evitar uma reedição das comissões que povoaram o Congresso em 2005 e 2006, com a participação destacada do líder do governo na Casa, Romero Jucá (PMDB-RO). A CPI terminou em dezembro com um relatório sem indiciamentos, elogios aos órgãos de investigação e muito pouco do estrago pretendido pela oposição.
Pré-sal e governabilidade
A principal alteração de leis encaminhada pelo Executivo ao Legislativo no segundo mandato foi a mudança do marco regulatório de exploração das reservas de petróleo da camada pré-sal. Embora 25% dos lotes já tenham sido licitados, o restante dos 5 bilhões a 8 bilhões de barris estimados deve ser extraído com regras distintas. A proposta, dividida em quatro projetos de lei, é de maior participação do Estado, com o chamado modelo de partilha e um fundo social. Embora setores ligados aos movimentos sindicais defendam a retomada do monopólio estatal, o aumento de participação do setor público é reconhecido como um avanço. A tramitação na Câmara dessa proposta menos privatista que o modelo atual foi garantida pela ação da base aliada e do PMDB – além de negociar com governadores peemedebistas. O caso é emblemático por ser estratégico para o Executivo.
mas é um equívoco não fazer a aliança, porque o PMDB está no nosso governo”, sustenta. “Não defendo a aliança por causa do tempo de tevê, ela é necessária para a hegemonia. Mas ofereça o tempo de tevê do PMDB para o Serra para ver se ele não faz aliança no dia seguinte”, provoca. Ainda assim, Queiroz, do Diap, vê como resultante dessa aliança eleitoral uma tendência a uma coalizão mais à direita. “É legítimo e correto, por parte do PT, brigar para garantir um programa de governo mais à esquerda. Seria uma disputa no interior da coalizão”, opina. Por causa desse contexto, o assessor parlamentar vê um paralelo entre a Carta ao Povo Brasileiro, produzida na campanha de Lula em 2002, com medidas recentes adotadas pelo governo. Enquanto o documento dedicou-se a acalmar os conser-
Dilma Rousseff
RICARDO STUCKERT/PR
Sem repeteco de 2005
Tempo de TV
Com 91 deputados e 17 senadores, quem tiver o apoio do PMDB tem direito ao tempo de horário eleitoral gratuito no rádio e na TV proporcional, definido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em simulações com seis candidaturas, a pré-candidata Dilma Rousseff teria o dobro de tempo de uma eventual candidatura de José Serra (PSDBSP) – seria 30% do tempo para a primeira contra 13% para o segundo. A diferença pode pesar em uma campanha cujo principal desafio é tornar a ministra-chefe da Casa Civil conhecida como a indicada do presidente Lula. Mais tempo também para candidatos ao Legislativo, importante para a formação de uma bancada sólida, que garantiria maior efetividade do Executivo (governabilidade).
Apoios e capilaridade
Um terço dos estados é governado pelo PMDB; seis capitais e 1.200 municípios têm prefeitos do partido. A capilaridade e a presença em diferentes regiões também tornam a sigla um parceiro interessante do ponto de vista eleitoral. Mesmo que seja virtualmente impossível que toda essa massa se comporte em uníssono, é um fator que faz diferença.
vadores e o mercado, adotar medidas como o Programa Nacional de Direitos Humanos seria uma forma de sinalizar, para setores mais à esquerda, que nem tudo está entregue. “É uma forma de dizer que, mesmo com o pessoal do PMDB, vão ser trabalhadas algumas bandeiras nessa linha”, compara. Um presidencialismo de coalizão envolve essas disputas. Como não tem almoço grátis, para um partido constituído buscar transformação social e econômica, a forma de garantir esse almoço é pagar um preço.
HEGEMONIA José Dirceu: seria um equívoco não fazer aliança com o PMDB
Colaboraram João Peres e Fábio M. Michel
Leia mais
No www.redebrasilatual.com.br, a íntegra das entrevistas concedidas MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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CIDADANIA
Por que as mulheres
marcham As mulheres do século 21 já têm muitas conquistas a celebrar, frutos de seus movimentos emancipatórios. Mas a desconstrução dos valores causadores do mundo desigual ainda está em curso Por Xandra Stefanel
A
s feministas que protestavam pelo direito de voto em 1897 no Reino Unido, as sufragettes, ficariam felizes em saber que não apenas o direito já é recorrente em quase todo o mundo como várias presidentas já foram eleitas. A mais recente, Laura Chinchilla, venceu na Costa Rica. Candidata da situação, Laura tem perfil político de centro-esquerda, sensível a políticas sociais, com Estado forte e atuan12
REVISTA DO BRASIL MARÇO 2010
te. Porém, ligada a movimentos religiosos conservadores, é refratária a temas como descriminalização do aborto ou união de pessoas do mesmo sexo. Mas as manchetes mais comuns, algo como “Costa Rica elege pela primeira vez uma mulher para a Presidência”, não destacaram sequer o nome da vencedora. Costuma-se brincar no folclore jornalístico que notícia não é o cachorro morder o homem, mas o contrário. Não bastassem todos os
casos de violência e de desigualdade pendendo contra a condição feminina – na política, no trabalho, na esfera social e familiar –, o fato de o gênero ainda ser a notícia, a “mulher” mordeu o cachorro, é só mais um sintoma de que a luta por igualdade tem muito a trilhar, ante indicadores que ainda perturbam o planeta. No primeiro semestre do ano passado, 5.000 mulheres foram violadas no Congo. No ano anterior, cinco foram baleadas e enterradas vivas no Paquistão por defender o casamento com homens de sua escolha. Konstantina Kuneva, imigrante búlgara, faxineira e militante do sindicato dos trabalhadores em limpeza, foi atacada e queimada com ácido enquanto voltava do trabalho em dezembro de 2008, em Atenas, na Grécia. Atrocidades como essas não são raras e movem milhares de organizações. Uma das ações que marcaram o final do século 20 foi a marcha de 200 quilômetros de quase mil mulheres de Quebec (Canadá), em 1995, que sob o simbólico apelo por pão e rosas conquistaram o aumento do salário mínimo, mais direitos para as imigrantes e apoio à economia solidária. Inspirada nas canadenses, surgiu em 2000 a Marcha Mundial de Mulheres, que
UMA DÉCADA DEPOIS Fórum Social Mundial, 2010
reúne cerca de 4.500 organizações que remam contra as marés de violência, desigualdade e discriminação. A primeira mobilização contou com ações em 159 regiões e culminou na entrega de um documento com 17 itens à Organização das Nações Unidas. A segunda, em 2005, elaborou a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade e uma colcha de retalhos com mensagens e reivindicações que percorreram o mundo. A terceira ação ocorre de 8 a 18 deste março, com marchas simultâneas em diversos países.
FOTOS SOF/DIVULGAÇÃO
Caminhar para mudar
SEMENTE “Em marcha para mudar o mundo”: província canadense de Quebec, 2000
No Brasil, 3.000 mulheres farão uma caminhada de quase 100 quilômetros entre as cidades de Campinas e São Paulo, sob o lema “Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”. Segundo a coor denadora do Secretariado Internacional da Marcha, Miriam Nobre, os eixos da Ação 2010 consideram um ambiente em que, apesar de a diferença salarial entre homens e mulheres ter diminuído e a força de trabalho feminina estar mais escolarizada, ainda existem muitas formas de discriminação e desigualdade. “Para o desemprego masculino, a sociedade se mobiliza, para o feminino, não. As pessoasacreditam que
as mulheres não precisam de um bom salário porque têm o salário do marido e o delas é complementar.” Para Marcia Vasconcelos, do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça no Mundo do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, há um longo caminho a percorrer: “Mesmo no contexto de melhora (da participação no mercado de trabalho), as mulheres estão entre as mais atingidas pela desocupação e pelo trabalho precário. Enfrentar a desigualdade exige políticas públicas articuladas e intersetoriais para a distribuição dos recursos de forma igualitária”. O movimento cobra, por isso, a ratificação pelo Brasil da Convenção 156 da OIT, que prevê a elaboração de políticas que garantam a igualdade efetiva de oportunidade e de tratamento de trabalhadores e trabalhadoras. No final de 2009, uma comissão com integrantes do governo, empresários e centrais sindicais encaminhou ao Congresso orientação pela ratificação do documento. A medida entrou na “fila” de propostas do mundo do trabalho e tem poucas chances de apreciação em 2010, caso não haja pressão sobre o Legislativo. Para Rosane da Silva, da Secretaria da Mulher Trabalhadora da CUT, essa é uma MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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ALEJANDRO BRINGAS/REUTERS
FEMINICÍDIO Mexicanos protestam contra onda de assassinatos no norte do país
conquista muito aguardada pelo movimento sindical. “O Brasil é o único país da América Latina que ainda não ratificou. Com a convenção, teremos uma legislação que possibilitará que nós tenhamos maior autonomia, que sejamos valorizadas pelo mercado. Ela vai tirar um peso das nossas costas.” Outra bandeira do movimento é pela responsabilidade compartilhada com os homens nos afazeres domésticos e pela participação do Estado no sentido de implementar serviços públicos como creches, lavanderias, restaurantes coletivos e de cuidados para idosos e doentes – atividades relegadas às mulheres. Homens com ocupação gastam nove horas por semana em trabalhos domésticos. Mulheres na mesma situa ção consomem 20 horas.
Dignidade
Violência sexista, prostituição, exploração midiática do corpo feminino, criminalização do aborto e desrespeito à opçãosexual também movem a Marcha. No Brasil, apesar da conquista, em 2006, da Lei Maria da Penha, que impõe punições mais rigorosas contra agressões, a lei não se aplica a casos ocorridos no trabalho e no espaço público. Para Miriam Nobre, medidas punitivas são necessárias, mas não bastarão. Uma mudança efetiva passa por muitos fatores, dos primeiros níveis de educação escolar ao fortalecimento da emancipação
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REVISTA DO BRASIL MARÇO 2010
financeira e pessoal das mulheres. Mesmo no berço da Marcha, em Quebec, onde o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a legalização do aborto e a ampliação das políticas sociais já foram conquistados, os salários das mulheres ainda são inferiores aos dos homens. A edição canadense da Marcha reivindica do governo ações de educação e publicidade
sobre relações igualitárias e não sexistas. Eve-Marie Lacasse, responsável pela coordenação local do movimento, alerta que há alguns anos um vento de direita sopra sobre Quebec e todo o Canadá: “O aumento do antifeminismo nos obriga a tomar consciência de que a luta continua dura”. As mexicanas também estão em campanha contra o que chamam de “embates da ultradireita” para mudar a Constituição local, criminalizando o aborto até em casos de gravidez decorrente de estupro. Mas o principal foco de atenção tem sido o feminicídio identificado na Ciudad Juaréz, no norte do país, que aterroriza a população. “Apesar das denúncias e dos protestos, o número de casos tem aumentado”, lamenta Graciela Ramos, do movimento Mulheres pelo México em Chihuahua. Entre 1993 e 2003, a cada dez dias uma mulher foi assassinada. Atualmente, há uma ocorrência a cada quatro dias. Para a representante do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher do Brasil e Cone Sul (UnifemONU), Rebecca Reichmann Tavares, as práticas machistas se repetem no mundo todo – nos países islâmicos e de religiões fundamentalistas se agravam. “Ainda não existe uma consciência pública dos nossos direitos. Os movimentos feministas lutam pela construção de uma consciência para a igualdade.”
Uma data, vários motivos Em 1910, durante a II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague, a socialista alemã Clara Zetkin sugeriu a instituição de um dia internacional das mulheres, a exemplo do que já faziam as americanas que, desde 1908, comemoravam em Chicago o Woman’s Day. O dia era dedicado à causa das operárias, denunciava a exploração e a opressão das mulheres e defendia o voto feminino, a igualdade dos sexos, a autonomia das mulheres. Em 1911, a data já estava institucionalizada pelo Partido Socialista. Nos anos seguintes, as comemorações ganharam corpo pela Europa,
mas o dia ainda não era unificado. Na Conferência Internacional das Mulheres Comunistas de 1921, uma búlgara propôs o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, em homenagem à iniciativa das trabalhadoras têxteis russas que, quatro anos antes, saíram às ruas, em Petrogrado, em uma greve geral que uniu 90 mil pessoas contra a fome, a guerra e o czarismo, marcando, assim, o início da Revolução de 1917. A partir de 1922, o 8 de março foi instituído mundialmente. Mas a luta das mulheres por igualdade já havia sido deflagrada tempos antes nos Estados Unidos. Em março
de 1911, 18 dias depois do Woman’s Day, em uma fábrica de tecidos localizada em Nova York, um incêndio envolveu 500 mulheres jovens, judias e italianas imigrantes, que trabalhavam em condições precárias. Os relatos dão conta de que elas estavam presas porque esse era um expediente da empresa para impedir que deixassem o ambiente de trabalho. Quando os bombeiros acessaram o local, 147 delas já haviam morrido. Após a tragédia, instalou-se a Comissão Investigadora de Fábricas de Nova York e tiveram início as legislações de proteção à saúde e à vida das trabalhadoras. (Por Evelyn Pedrozo)
CIDADANIA
Vidas em risco E
m meio às manifestações de diversas entidades contra a possibilidade de alteração da redação do Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH3), que trata da descriminalização do aborto, a Fundação Oswaldo Cruz divulgou uma pesquisa – uma tese recém-defendida na Escola Nacional de Saúde Pública da instituição – sobre experiências de quem, por alguma razão, interrompeu a gravidez. Quase sempre, as causas são dificuldades financeiras e relacionamentos instáveis. A autora do estudo, a pesquisadora Simone Mendes de Carvalho, ouviu mulheres em unidades do programa Saúde da Família de Cabo Frio (RJ), algumas das quais se submeteram a abortos clandestinos. “Por se tratar de uma prática ilegal, é realizado em condições precárias, o que leva a um expressivo número de mortes evitáveis e outros agravos à saúde, como infecções e infertilidade”, afirma. “Por isso, a questão deve ser tratada como um problema de saúde pública que afeta a vida de várias mulheres, entre elas jovens e adolescentes.” Foram 44 casos de gravidez, dos quais 22 resultaram em aborto provocado. Elas tinham entre 14 e 29 anos na época em que abortaram, a maioria entre 18 e 25. Segundo a pesquisadora, os procedimentos foram realizados em condições precárias e de risco. Alguns pela ingestão de comprimidos ou chás abortivos conhecidos popularmente; outros em clínicas clandestinas, onde há condições mínimas de higiene e
SOF/DIVULGAÇÃO
Dificuldades financeiras e instabilidade no relacionamento motivam aborto clandestino, diz pesquisa Por Cida de Oliveira
MUITO ALÉM DA MORAL Manifestação em São Paulo: aborto é problema de saúde pública
profissionais não qualificados. “Em todos, as mulheres tinham pouca ou nenhuma informação sobre o que ia acontecer e sobre os riscos que estavam correndo. Elas ficaram expostas a um perigo iminente de complicações graves e até de morte”, diz a pesquisadora. Entre as razões para a interrupção da gestação, a mais apontada foi a situação econômica. A maior parte das entrevistadas não trabalhava quando engravidaram pela primeira vez. Outro fator é a instabilidade no relacionamento. Entre as 44 gestações, 19 aconteceram quando as mulheres moravam com o parceiro. Destas, seis foram interrompidas. Das outras 25, que ocorreram quando o casal estava separado, 16 terminaram em aborto. A opção pelo procedimento, em geral, foi compartilhada com amigos e familiares. De todas as entrevistadas, apenas uma não falou com ninguém sobre a gravidez. Em três dos casos, elas também não podiam contar com o parceiro devido à instabilidade do relacionamento e ao fato de ele rejeitar a gravidez.
A média de idade da primeira relação sexual dessas mulheres é 14 anos e a maioria não utilizou nenhum tipo de anticoncepcional. Uma em cada três entrevistadas disse desconhecer esses métodos. “Isso mostra a vulnerabilidade dessas mulheres em relação a uma gravidez indesejada e ao aborto, bem como a doenças sexualmente transmissíveis”, diz Simone. Pesquisa realizada dois anos atrás pela ONG Ipas, em parceria com o Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), aponta que o risco de morte por aborto inseguro é 2,5 vezes maior entre as mulheres negras. O que evidencia as diferenças socioeconômicas, culturais e regionais diante da mesma prática ilegal. Mulheres com melhores condições financeiras, geralmente nos grandes centros urbanos, têm acesso a técnicas e clínicas de maior higiene e cuidado. Já as mais carentes, que são a maioria da população, recorrem a métodos mais perigosos, com pouca precaução, resultando em maior risco à saúde – e à própria vida. MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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ENTREVISTA
Nossa luta é pelas mesmas
oportunidades Ministra Nilcéa Freire garante que 2010 será marcado pela busca de tratamento igual para homens e mulheres no mundo do trabalho e por maior participação feminina nos governos Por Juliana Nunes
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pesar de representarem cerca de 50% da força de trabalho, as mulheres ainda não têm as mesmas condições oferecidas aos homens. Essa situação constrangedora é provocada pela discriminação, o preconceito e o machismo, que levam a uma cultura que reconhece no homem o provedor e na mulher a cuidadora, segundo a ministra Nilcéa Freire, à frente da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) desde janeiro de 2004. O combate a essa realidade e a busca por igualdade de oportunidades e tratamento para as mulheres no mundo do trabalho são as prioridades deste ano na SPM, com ações intensificadas a partir do dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. A ministra recebeu a reportagem em sua sala de trabalho no Pavilhão de Metas, nas proximidades do Palácio do Planalto, em Brasília. Ali, tem se debruçado na elaboração de políticas públicas para mulheres de todo o país. Nesse esforço, depara com dramas persistentes em todo o país, como a violência doméstica. A resposta a esses desafios tem sido a interlocução e a mobilização social. Como articuladora das políticas públicas, a ministra dialoga com a sociedade civil, o movimento de mulheres e os sindicatos. As dificuldades nesse diálogo, no entanto, ainda são significativas. Além da estrutura machista das empresas e instituições, existe a resistência das igrejas e da bancada religiosa no Congresso. Ex-militante do movimento estudantil e ex-reitora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a ministra defende a primeira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos, que prevê a revisão legal do aborto e a manutenção das ações afirmativas. Diante das reações contrárias ao programa, ela lembra que o debate precisa ser apropriado pela sociedade neste ano eleitoral, seja para discutir os temas mais polêmicos durante as campanhas, seja para definir candidatos ou candidatas. “Vamos pensar em ter um Congresso menos conservador, menos impregnado do fundamentalismo religioso. Vamos pensar em eleger mais mulheres.” 16
REVISTA DO BRASIL MARÇO 2010
Que tipo de ação a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres fará no próximo 8 de Março?
A cada mês de março fazemos uma reflexão que resulta em uma política pública nova. Foi assim que lançamos em 2004 o Pacto Nacional pela Redução da Morte Materna e Neonatal. Em 2005, ampliamos o Programa de Agricultura Familiar para Mulheres e o Programa de Documentação para a Trabalhadora Rural. Já em 2006 tratamos a questão das trabalhadoras domésticas e, no ano passado, a ampliação do espaço das mulheres no poder. A cada 8 de março temos nos pautado segundo os eixos do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Agora, nosso eixo central é a igualdade de oportunidades e tratamento no mundo do trabalho. A situação avançou muito no Brasil e no mundo, mas ainda há fronteiras a serem superadas. Hoje as mulheres representam cerca de 50% da força de trabalho, no entanto, não têm as mesmas condições no trabalho. A CUT relançou campanha pela ratificação da Convenção 156. Os esforços da secretaria irão nesse sentido?
A Convenção 156 trata da questão de trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares. Ela ainda não foi ratificada pelo Brasil. O governo criou em 2005 a Comissão de Igualdade de Oportunidades para Gênero e Raça no âmbito do Ministério do Trabalho. Participaram, além da nossa secretaria, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e o próprio ministério, com representação de trabalhadores e empresários. Empregadores resistiam à ratificação. Por decisão da maioria, governos e empregados, foi solicitado ao Ministério do Trabalho que encaminhasse a convenção ao Congresso Nacional, e isso está sendo feito agora. Ela põe em discussão como se pode conciliar o trabalho com as tarefas ligadas à reprodução humana, cuidar dos filhos, dos idosos, dos enfermos, dos afazeres domésticos.
MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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AUGUSTO COELHO
A discriminação, o preconceito e o machismo levam a uma cultura de divisão do trabalho que reconhece no homem o provedor e na mulher a cuidadora
Essa é uma prioridade para o governo?
Hoje as mulheres representam cerca de 50% da força de trabalho, no entanto, ainda não têm as mesmas condições que os homens
Sim, e é uma estratégia também. Queremos a ratificação. Vamos trabalhar para que rapidamente ela chegue e tramite no Congresso. Este é o ano da igualdade no trabalho para nós porque constatamos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio que a situação das mulheres quanto à desigualdade no trabalho melhorou, mas o ritmo dessa melhora não é o esperado. Portanto, é preciso acelerar. Fizemos um cálculo, e se deixarmos as coisas seguirem seu caminho natural vamos levar 87 anos para que homens e mulheres recebam remunerações médias iguais. Encaminhamos ao Congresso um projeto de lei sobre igualdade no mundo do trabalho, incorporado pela senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), que vai passar agora no Senado e depois vai para votação na Câmara.
O que faz com que seja tão lento o processo de garantia de direitos para as mulheres no mercado de trabalho?
É lento porque é a prova mais cabal de que ainda existe discriminação contra as mulheres. Essa discriminação, o preconceito e o machismo levam a uma cultura de divisão do trabalho que reconhece no homem o provedor e na mulher a cuidadora. No entanto, homens e mulheres estão no mercado buscando prover a sua família, buscando igualmente o seu sustento. Mas só as mulheres se encarregam de todos os cuidados. Isso faz com que tenham dificuldade na progressão da carreira. Existe a crença de que são boas para ser professoras, enfermeiras, para prestar serviços; e os homens, para tarefas de raciocínio, de liderança. Por outro lado, como a mulher ainda hoje se incumbe de tudo, isso também lhe traz dificuldades quando se trata de assumir determinadas posições. E o próprio mercado diz: não vou contratar uma mulher porque ela não vai poder viajar, tem filhos – e nem chega a oferecer a oportunidade para que ela mesma tome a decisão.
Com isso, a diferença salarial e de ascensão na carreira se acentua?
Exatamente. Quando olhamos para a base das carreiras, principalmente quando o ingresso se dá por concurso público, vemos um número grande ou até maior de mulheres. Mas, à medida que se avança até o topo da carreira, percebe-se a diminuição do número de mulheres nos cargos de chefia, nos cargos de tomada de decisão nas empresas. Isso provoca uma diferença na remuneração média, com as mulheres chegando a receber cerca de 70% do salário médio dos homens.
Como avalia os oito anos de governo Lula?
Muito positivos. Sabemos que o objetivo central da secretaria, que é a igualdade entre homens e mulheres, a eliminação dos preconceitos e da discriminação, não é tarefa fácil. Isso não é tarefa para um governo, isso é tarefa para várias gerações. Mas entendemos que nesse
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REVISTA DO BRASIL MARÇO 2010
período nos aproximamos mais desse objetivo. Criamos as condições para a implementação de políticas públicas e a incorporação das demandas das mulheres nas políticas de uma maneira geral. Isso vai gerando um ambiente favorável à redução das desigualdades. Algumas discussões foram postas em foco pela sociedade, e isso ajuda muito, como a questão da Lei Maria da Penha. Mas a implementação da Lei Maria da Penha, considerada um marco, ainda enfrenta desafios, não?
Essa lei, como outra qualquer, precisa de um tempo para ser completamente incorporada tanto pela sociedade quanto pelo aparato do Estado. Essa incorporação é necessária para que se faça a correta aplicação. A lei preconiza a criação, por exemplo, de novas estruturas, como os juizados especializados na violência contra a mulher. Essas estruturas não existiam antes. Portanto, é natural que haja um tempo para a instalação completa desses juizados. Hoje ainda temos dois estados que não implantaram juizados especializados.
Na prática, o que deve ainda ser feito?
Esse trabalho conjunto significa implantar serviços especializados para o atendimento das mulheres em situação de violência, capacitar os agentes públicos para a aplicação correta da lei e para o entendimento dessa situação complexa que é a violência contra as mulheres. Também é fundamental a realização de campanhas sistemáticas, educativas, que coloquem para sociedade de uma maneira geral a necessidade de uma mudança cultural. A violência contra a mulher não é uma violência como outra qualquer. Ela se baseia nessa desigualdade entre homens e mulheres e precisa ser olhada segundo uma outra ótica.
Nesse sentido, quais são as principais dificuldades no diálogo com o Judiciário?
As dificuldades foram diminuindo. Havia inicialmente uma dificuldade de aceitação da própria lei. Não em todas as instâncias, nem em todos os estados, mas em juizados de primeira instância, com juízes que alegavam a inconstitucionalidade da lei. Mas isso vem diminuindo por conta do trabalho feito com os sistemas de Justiça. Este ano vamos fazer a Quarta Jornada da Lei Maria da Penha, uma colaboração entre o Ministério da Justiça, a secretaria e o Conselho Nacional de Justiça. Juízes de todo o país são convidados a discutir a implementação e a aplicação da lei. Por meio das jornadas, foi criado o Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar, que também tem contribuído para a melhor aplicação da lei. À medida que as políticas avançam, vão sendo quebradas as resistências relativas especificamente à Lei Maria da Penha, que se devem ao machismo, à cultura de desigualdade que existe na sociedade brasileira, também presente no Judiciário.
Sim, essas questões decorrem da estrutura desigual e do machismo. O cálculo financeiro que se faz muitas vezes não considera outras variáveis. Há determinados mitos no interior das empresas sobre o custo do trabalho feminino e sobre o custo da promoção do tratamento igual. Há que desconstruir esses mitos e mostrar que, quando se tem igualdade de oportunidades e tratamento, o rendimento no trabalho é muito maior.
Ainda é possível avançar na discussão sobre o aborto, que frustra o movimento de mulheres?
No que diz respeito ao aborto temos uma questão específica agora, que é o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Quando falamos desse assunto, é importante recuperar a história. Em 2004, a Conferência Nacional de Política das Mulheres deliberou pela revisão da legislação punitiva com relação ao aborto no país. Criamos uma comissão tripartite que trabalhou durante meses, fez um relatório com uma proposta de projeto de lei, que foi entregue ao Congresso Nacional. Portanto, o governo fez a sua parte, criou a comissão, entregou o trabalho da comissão tripartite ao Congresso Nacional. No entanto, mudou a legislatura e nós deparamos com um novo Congresso. Os avanços e recuos ou os não avanços se dão em função das conjunturas. Não dependem só da vontade dos indivíduos. Temos uma bancada que se autointitula a bancada pela vida, que faz demonstrações no âmbito do Congresso Nacional de fundamentalismo religioso.
Qual a força dessa bancada conservadora?
Essa bancada tem 199 deputados e deputadas e, com essa força, conseguiram pôr em pauta na Comissão de Seguridade Social e Família o projeto de lei que tratava da questão da discriminalização do aborto, e esse projeto foi derrotado na comissão. Então há um histórico, uma conjuntura muito desfavorável do ponto de vista da composição do Congresso, onde esse tema finalmente tem de ser deliberado. É o Congresso que deve ou que tem a atribuição de rever essa legislação que está no Código Penal de 1940.
Como o governo pode agir diante dessa conjuntura?
Eu tenho me manifestado, o ministro Temporão (José Gomes, da Saúde) também. Lutamos no Congresso Nacional, estivemos lá em audiências públicas, discutindo essa questão. No entanto, o ambiente se tornou absolutamente desfavorável a que se promovesse com a sociedade uma discussão qualificada sobre o aborto. Nos manifestamos por meio de artigos em jornais de grande circulação quando cerca de 10 mil mulheres corriam o risco de ser processadas em Mato Grosso do Sul, depois que uma clínica de aborto foi estourada pela polícia. E nos manifestamos agora com uma posição clara:
entendemos o aborto como questão de saúde pública, que as mulheres não devem pagar essa conta, sobretudo as mulheres pobres, que acabam pagando com a própria vida essa falta de discussão. Em 2010, ano eleitoral, é possível avançar nesse e em outros temas fundamentais para as mulheres?
Não é porque é ano eleitoral, não é porque existe uma candidatura feminina competitiva. A situação é que a correlação de forças dentro do Congresso Nacional é absolutamente desfavorável desde o início dessa legislatura. E se a sociedade quiser mudar a legislação ela terá de mudar e influenciar a mudança dessa correlação de forças dentro do Congresso Nacional. Temos eleições este ano, vamos pensar nisso, em ter um Congresso menos conservador, menos impregnado do fundamentalismo religioso, vamos pensar em eleger mais mulheres. Somos apenas 8% de mulheres no Congresso Nacional. Se queremos avanços devemos fazer com que a composição do Congresso seja mais avançada.
Em que outras questões se poderia avançar com um Congresso mais progressista?
Não é só a questão do aborto que tem dificuldade de tramitação. Outras questões ligadas aos direitos dos homossexuais tiveram dificuldades de tramitação, como a Lei de Adoção. Na reformulação da lei, houve um bloqueio por parte da bancada religiosa a um artigo que tratava da possibilidade de adoção por casais homoafetivos. Essa posição está atrás, inclusive, de decisões da Justiça, que já tem concedido a adoção a casais do mesmo sexo. Acho que seria um equívoco olharmos para a discussão do aborto, dos direitos dos homossexuais, da promoção da igualdade racial sem olharmos para essa conjuntura no Congresso Nacional. Se não fizermos isso, não vamos atuar para mudar. E a gente só muda com o voto.
O aborto é uma questão de saúde pública. As mulheres não devem ficar com essa conta, sobretudo as pobres, que acabam pagando com suas próprias vidas
FOTOS: AUGUSTO COELHO
No diálogo com as empresas, além do machismo, existe resistência de ordem financeira para a promoção da igualdade de gênero?
Como avalia a representação da mulher na mídia?
Temos trabalhado intensamente a representação da mulher na mídia. Fizemos em 2009 o 6º Seminário Mulher e Mídia. Foram dois dias de preparação para a Conferência Nacional de Comunicação, e esse foi um tema central. Muitas meninas estão sofrendo problemas de saúde por perseguir modelos inatingíveis de beleza. Há que criar mecanismos para coibir exageros e fazer essa discussão na sociedade. Temos feito esforços com as escolas para que meninos e meninas tenham outros valores. É difícil fazer isso quando você já trabalha com pessoas adultas. Portanto, desenvolvemos o Programa Gênero e Diversidade nas escolas. Entre 2005 e 2010, nossa meta é capacitar 30 mil professores da rede pública de ensino. As universidades se candidatam para replicar esses cursos para as escolas. Buscamos orientar os professores a lidar com questões como desigualdade de gênero, orientação sexual, igualdade racial. Temos alcançado um sucesso enorme. MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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TRABALHO
O ônus do ócio
Mais do que garantir o pão de cada dia, o trabalho é uma referência pessoal e social. Parar é uma ruptura tão grande que, se não houver preparo e planejamento, a sonhada aposentadoria pode virar pesadelo Por Cida de Oliveira
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REVISTA DO BRASIL MARÇO 2010
a psicólogaAnette Souza Farina afirma que a época de se aposentar leva também à reestruturação da identidade, durante muitos anos confundida com o trabalho e com a representação social que a empresa simboliza. Por isso é comum, em rodas de amigos, alguém se apresentar dizendo seu nome seguido do nome da companhia em que trabalha. “A perda dessa referência altera profundamente o cotidiano. A exclusão do sistema no qual a lógica capitalista aprisionou o homem ao sucesso ou à luta pela subsistência ‘esvazia’ de sentido a vida do trabalhador, inclusive pelo fim dos vínculos afetivos formados no contato diário com colegas de escritório, da fábrica, do banco, da escola. Afinal, nesses locais ele passou mais tempo do que com a família”, diz a psicóloga. “Por essa razão, esse é um momento de refazer a identidade, buscar novos papéis
para si e encontrar novos significados”, acrescenta Canêo. Entre as mulheres, apesar da crescente presença no mercado de trabalho, ainda não é incomum valorizar igualmente outros papéis sociais, como de mãe, esposa, dona de casa. Como estes ainda serão mantidos depois de aposentadas, o impacto negativo será menor que o sofrido pelos homens. Maria da Glória Abdo, presidente da Associação dos Bancários Aposentados de São Paulo, conta que há algum tempo fez uma pesquisa com gerentes aposentadas separadas para saber o motivo da separação. A maioria respondeu que o marido, também aposentado e sem ter o que fazer, ficava em casa aborrecendo e dando palpites. “Ou seja, durante a vida na ativa eles estavam envolvidos com os compromissos do trabalho, e a família sempre relegada a segundo, terceiro plano. Depois da aposentadoria queriam assumir o controle da casa”, conta. Glória diz ter vivido experiência parecida, embora às avessas. Assim que se aposentou, logo se cansou de tanto descansar. “Fiquei tão ranzinza que uma empregada que trabalhava comigo havia mais de 20 anos me disse que não me aguentava mais e pediu demissão.” O jeito foi voltar à ativa.
Dois pesos
PAULO PEPE
O
s 30 anos de trabalho insalubre pela exposição ao ruí do intenso e a óleos solúveis foram insuficientes para garantir a aposentadoria do fresador Miguel de Almeida, de Sorocaba (SP). Em 1999, ele entrou, sem sucesso, com requerimento no INSS. Recorreu do indeferimento, perdeu o recurso e há mais de dois anos fez nova solicitação. Terminou 2009, e nada. Miguel sonha em viajar com a esposa, ajudar os dois filhos na compra da casa própria, ter tempo para o voluntariado na igreja e no sindicato, praticar esportes e atividades artísticas. “Gosto de trabalhar, mas está na hora de passar minha vaga para os jovens que chegam a um mercado tão pobre em oportunidades”, diz. Menguele, como é conhecido, é um dos milhares de brasileiros que aguardam a concessão do benefício. A maioria da população convive com naturalidade com seu ciclo de trabalho, mantendo-se ocupada no presente e tendo o direito de se aposentar no futuro como recompensa. Livre da correria, das cobranças, e com mais tempo para os prazeres da vida. Mas, quando a hora de parar vai chegando, vem um frio na barriga. “A aposentadoria leva à perda dos papéis desempenhados até então, à ruptura com relações sociais, à redução do status e até ao empobrecimento”, observa Luiz Carlos Canêo, professor do Departamento de Psicologia do campus Bauru da Universidade Estadual Paulista, a Unesp. “Isso gera impacto porque vivemos numa sociedade definida pelo trabalho. A pessoa é valorizada enquanto produz e conforme o que faz.” Nessa perspectiva, ao perder sua capacidade produtiva, a pessoa sente-se socialmente desvalorizada. Pesquisadora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP),
DESANIMADOR Silvia: professores perdem pelo menos R$ 400 na aposentadoria
Para especialistas, períodos pré-aposentadoria evidenciam também desigualdades sociais. O inativo com melhores condições financeiras não só mantém suas atividades sociais como consegue amortizar a ruptura com o mundo do trabalho, investindo o tempo livre na satisfação pessoal e no desenvolvimento de outras potencialidades. E aquele com menor renda geralmente enfrenta a chamada morte social, o tédio das horas vazias e dos dias que não passam.
SEM CRISE Marilene: “Quando sentir falta da sala de aula, volto como voluntária”
PAULO PEPE
REGINA DE GRAMMONT
O ócio legitimado por anos de trabalho é um direito que para ser usufruído depende de viabilidade econômica. É por isso que mais de 20% dos brasileiros com mais de 60 anos ainda trabalham, mesmo aposentados. Sem contar os informais, que trabalham como autônomos ou estão na informalidade, muitas vezes para compor a renda familiar. Em 2007, segundo a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap), cerca de 2,6 milhões de aposentados voltaram a trabalhar. “Muitos, que não tinham vontade nem saúde para retornar, começam a considerar a ideia quando veem o valor dos benefícios cair para a metade do que ganhavam na ativa, suficiente para pagar apenas um plano de saúde”, diz Nelson Osório, diretor da Cobap. “Fora os remédios, que se tornam de uso contínuo e nem sempre estão disponíveis nos postos de saúde”, acrescenta. Silvia Pereira, diretora do sindicato dos professores da rede estadual paulista, a Apeoesp, diz que o impacto financeiro é o que mais desencoraja os educadores a se aposentar, apesar da rotina estressante das salas de aula. “De cara, os que se aposentam perdem pelo menos R$ 400 com a retirada das gratificações, que são a base do salário dos professores há 14 anos no Estado”, diz. Por essa razão, uma das principais brigas da entidade é pela criação de mecanismos que protejam a renda na aposentadoria.
TENSÃO Lourival: falta garantia de emprego para quem está prestes a se aposentar MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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INSEGURANÇA Maria do Socorro quer continuar trabalhando, mas já deu entrada com a papelada no INSS
PAULO PEPE
Segundo especialistas, muitas vezes a saída do mercado de trabalho coincide com o envelhecimento. No caso das mulheres, o final do período reprodutivo e a redução da atratividade física podem afetar a autoestima conforme sua capacidade de lidar com essas perdas. Para ambos os sexos, o fim da fase laboral e da carreira acaba sendo associado ao fim da vida. “As respostas às mudanças nessa época dependerão da maneira como cada pessoa se relaciona com a vida”, explica Luiz Carlos Canêo. “Quando a aposentadoria vem associada à percepção de estar velho, a velhice geralmente lembra perda, finitude. Sentimentos dessa natureza podem trazer angústia, questionamentos, sensação de impotência.” Para o professor da Unesp, se o futuro se desenha repleto de incertezas, a pessoa pode recorrer ao passado numa tentativa de se alimentar do que já viveu e justificar sua existência carente de significado. Tudo depende da capacidade de adaptação a situações novas. Muitos não conseguem construir um novo projeto que lhes proporcione uma vida melhor fora do trabalho.
ARQUIVO PESSOAL
Preparo
BRIGA FEIA Glória: aposentadoria do homem leva até à separação de casais
INVESTIMENTO Wilson: o país precisa de programas de preparação à aposentadoria
Para Wilson Roberto Ribeiro, presidente da Associação dos Metalúrgicos Aposentados do ABC, há trabalhadores que até aproveitam bem os primeiros dias de aposentadoria. Viajam, passeiam, compram bens. “Mas logo entram em depressão quando se dão conta de que ficaram sem o convívio com os colegas e o status de ‘produtivo’”, relata. Como o problema tem se agravado, a entidade incluiu o tema nas discussões do congresso da categoria, no ano passado. O objetivo é sensibilizar empregadores e o poder público a cumprir o disposto no artigo 10, inciso 4, alínea C da Lei nº 8.842, de 1994, a Política Nacional do Idoso. Ainda pouco conhecido até mesmo entre dirigentes sindicais, esse trecho do texto determina que o governo deve criar e estimular programas de preparação para a aposentadoria, no setor público e no privado, no mínimo dois anos antes de o trabalhador se aposentar. Presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados, Pensionistas e Idosos, Epitácio Luiz Epaminondas,
o Luizão, diz que como o país ainda não acordou para a questão do idoso, pouco se importa também com questões relativas à aposentadoria. Aposentado do setor petroquímico há 17 anos, ele conta que no início ficou oito anos sem receber um benefício sequer. A dificuldade financeira numa época em que tinha filhos adolescentes, aliada à distância dos colegas e da rotina, desencadeou uma depressão. “Sei que teria sido pior ainda se eu não tivesse participado de um programa de preparação para a aposentadoria”, conta Luizão. Ainda incipientes no país, esses programas são oferecidos em algumas empresas e setores públicos. Segundo Maria Silvestre Gomes, coordenadora do setor de serviço social da Petrobras, o curso preparatório faz parte dos benefícios da companhia desde 1989. A metodologia consiste na abordagem de temáticas como qualidade de vida, planejamento financeiro, saúde, tempo livre e lazer, direitos sociais e legislação, convivência familiar, resgate de potencialidades e da espiritualidade. De
JR. PANELA
Muito gás A bancária Maria do Socorro Cavalcante Bandeira, de Fortaleza, já passou dos 30 anos de contribuição e dos 50 de idade. Separada e mãe de três filhas, Socorro acha que ainda “tem muito gás” e quer trabalhar mais cinco anos na mesma função que ocupou no banco. “Mas, como não sei como serão as regras para me aposentar quando essa época chegar, quero assegurar desde já o meu direito”, diz. Por isso ela já entrou com o pedido no INSS. Depois de parar definitivamente, planeja voltar a estudar. Formada em Letras num curso noturno, ela pretende se dar ao “luxo” de cursar uma faculdade no período diurno, frequentar academia de ginástica e dedicar mais tempo ao lazer. Pensando em poder bancar tudo, Socorro conta que já se prepara para isso há mais de dez anos. “Fiz meu pé de meia e paguei aposentadoria complementar para compensar, pelo menos em parte, a queda que terei nos rendimentos quando deixar de trabalhar.”
acordo com a coordenadora, muitos empregados acabam prorrogando sua permanência na empresa. Pioneira no desenvolvimento de programas de preparação para a aposentadoria no Brasil, a psicóloga Ana Fraiman, de São Paulo, acrescenta que muitas angústias começam bem antes da liberação do primeiro pagamento pelo INSS. Afinal, é ainda na ativa que os trabalhadores são vítimas de assédio moral e de outros tipos de discriminação, como a exclusão de cursos oferecidos nas empresas. Ana, que pesquisa os danos morais sofridos por profissionais em vias de se aposentar, constatou que o problema é mais acentuado no setor público, em que questões políticas determinam a troca de chefia quase sempre de maneira truculenta. “O problema tende a se agravar. A vida está mais cara, o mercado de trabalho mais competitivo, e o Estado atua cada vez menos em defesa das necessidades dos mais idosos”, diz. Lourival Batista Pereira, coordenador de
DINO SANTOS/CUT
Danos
DESENCANTO Luizão: dificuldades financeiras e distância dos colegas
Saúde e Meio Ambiente do Sindicato dos Químicos de São Paulo e Região, lembra que os trabalhadores a dois anos de se aposentar são os primeiros da lista de demissão. “Não há lei que garanta que eles terão emprego até que se aposentem”, diz.
Para a assistente social Maria Eugênia Souza de Athayde Nunes, do Instituto Agilità de Psicologia, de Brasília, que em setembro realizou o 2º Congresso Brasileiro de Saúde e Aposentadoria, a questão deveria ser pensada a partir do ingresso no mercado de trabalho, na juventude. No entanto, o tema é tabu para muitas pessoas, que dizem até preferir morrer a se aposentar. “É preciso pensar na carreira, sim, afinal o mundo é de incerteza. Só que é preciso pensar também em prazer, saúde e realização em todas as áreas da vida.” O voluntariado, segundo ela, é uma opção de exercício de potencialidades de toda natureza e também de manutenção da rede de vínculos. É o que pretende fazer a paulistana Marilene Conceição Psopsos, professora da rede pública em São Paulo. Ela conta que não vive nenhum conflito com a possibilidade de parar de trabalhar, embora saiba de muitos colegas que enfrentam crises financeiras e de identidade. “Quando tiver descansado e viajado mais e sentir falta da sala de aula, volto como voluntária.”
Fator que desencoraja A menos que o trabalhador se aposente com 65 anos de idade ou 35 anos de contribuição (60 ou 30 anos, no caso das mulheres), o benefício será sempre correspondente a uma combinação que leva em conta idade, expectativa de vida e tempo de contribuição, além de um número mínimo de contribuições mensais. Isso se deve ao fator previdenciário, restrito ao setor privado, com a finalidade de desestimular as pessoas a se aposentar precocemente. No ano passado, as centrais sindicais chegaram a ensaiar um acordo que ao menos reduzisse o impacto negativo do fator previdenciário no futuro benefício. Hoje, por exemplo, um homem que se aposenta com 55 anos de idade e 35 de contribuição e recebe R$ 1.000, terá o benefício calculado em R$ 726. Para ter direito ao benefício integral, tem de trabalhar mais cinco anos. Como alternativa a um projeto do Senado que acaba de vez com o fator previdenciário, que o governo vetará se for adiante, foi costurada na Comissão
de Tributação e Finanças da Câmara uma proposta chamada fórmula 85/95. Com ela, esse mesmo trabalhador passaria a se aposentar com benefício integral com pouco mais de dois anos de contribuição. Resultado de um ano de negociação, a proposta de mudança nas regras dificilmente será votada devido a um impasse na Câmara, segundo o relator do projeto, deputado federal Pepe Vargas (PT-RS). “Esse acordo será difícil, porque há quem queira a proposta do Senado. Nesse caso, o ótimo está impedindo o bom”, diz. “A tendência hoje é não votar e ficar no sistema atual, o que seria lamentável. Desde a Constituição de 1988, as alterações na legislação foram feitas para dificultar para o trabalhador.” A proposta negociada prevê a extinção do fator do cálculo da aposentadoria quando a soma da idade mais o tempo de contribuição for igual a 95 para o homem e 85 para a mulher; congelamento da tábua de expectativa de sobrevida quando o segurado atinge o tempo mínimo
para a aposentadoria por tempo de contribuição e decide ficar na ativa para atingir a soma 85/95 (hoje, um trabalhador de 60 anos tem uma expectativa de sobrevida de 21,2 anos); e corte de 30% das piores contribuições, em vez de 20%. Além disso, períodos de avisos prévios indenizados e de seguro-desemprego passariam a contar como tempo de contribuição. “A maioria dos trabalhadores se aposenta por idade, e não por tempo de contribuição”, lembra Pepe Vargas. Em 2008, por exemplo, segundo o Ministério da Previdência, de 1,016 milhão de aposentadorias concedidas, 552 mil foram por idade (54,3%), 269 mil por tempo de contribuição (26,5%) e 195 mil (19,2%), por invalidez. Para ele, as mudanças beneficiariam quem entra mais cedo no mercado de trabalho. “Na prática, reduz pela metade o tempo de contribuição adicional, chegando a dois terços para as mulheres.” A situação deve se agravar nos próximos anos, devido ao envelhecimento da população.
De 1996 a 2006, o aumento da expectativa de vida ao nascer foi de 3,5 anos. Estima-se que o contingente de pessoas com 60 anos ou mais, atualmente em pouco mais de 10% da população, chegue a 13% em 2020; 17% em 2030 e a praticamente um quarto do total (24,6%) em 2050. E o número de trabalhadores que contribuem ainda é baixo, embora tenha aumentado no período recente. Em 2008, de 92 milhões de ocupados, pouco mais da metade (52%) contribuíram para algum instituto. Já o total de aposentadorias pagas pela Previdência atingiu 15,076 milhões em dezembro, crescimento de 4,3% em um ano. “O desequilíbrio financeiro dos sistemas de previdência não constitui uma exclusividade do Brasil. Na verdade, é uma realidade contra a qual a maioria dos países luta”, diz o Ministério da Previdência. “Expandir a Previdência à totalidade dos trabalhadores é um objetivo que caminha em compasso com a obtenção do equilíbrio nas contas públicas.” MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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MUNDO
A riqueza da vida Criado nos anos 1990, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) tornou-se referência para medir a evolução dos países e a qualidade de vida dos povos Por Roberto Amato
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inheiro não é tudo. Essa afirmação, que pode causar polêmica, não é motivo de dúvida para a Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar de ter criado, em 1971, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para combater a pobreza, a preocupação principal da ONU nunca foi restrita a objetivos relacionados à renda das populações. Foi com esse conceito que nasceu, duas décadas depois, o Índice de Desenvol24
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vimento Humano (IDH), tido hoje como uma referência internacional para definir a evolução de um país e a qualidade de vida de seu povo. Austrália, Canadá e Noruega, que ocupam as primeiras posições do IDH desde sua instituição, destacam-se não só pela renda alta, mas pelas expectativas e possibilidades de evolução profissional e pessoal oferecidas à população. Esses três países têm aspectos comuns relacionados à sua história e ao desenvolvimento com foco social.
A Noruega, por exemplo, primeiro lugar da lista no mais recente Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), publicado no final de 2009, garante a qualquer cidadão, no mínimo, 17 anos de estudos bancados pelo Estado. Enriquecido principalmente pelas grandes jazidas de petróleo encontradas nos anos 1960 no mar, o país criou um sistema econômico conhecido como “capitalismo do bem-estar”, em que combina o controle de áreas-chave, como a educação e a exploração de riquezas na-
FINBARR O’REILLY/REUTERS
ESQUECIDOS Crianças retornam com roupas lavadas no rio Níger: pobreza, seca e instabilidade política
turais, com a liberdade de mercado. Fruto dessa política, desenvolveu-se um sólido parque industrial, que produz 45% da riqueza do país e fez prevalecer distribuição de renda e de oportunidades à população. Embora ocupe um território sujeito a invernos rigorosos e prolongados, a Noruega tem cerca de 4,6 milhões de habitantes – todos alfabetizados e acima do que se considera a linha da pobreza. Além disso, praticamente toda a população tem acesso à internet e à telefonia – quase a totalidade utiliza telefones celulares. Do lado oposto do RDH de 2009, os últimos colocados são os países africanos, que também vêm se revezando na posição ao longo dos anos. São nações que se livraram da dominação colonial recentemente – em geral na segunda metade do século 20 – e foram abandonadas à própria sorte, sem planejamento adequado. Sofrem conflitos étnicos e carência de recursos naturais – problemas ampliados pela má distribuição de renda e crises constantes nas áreas de saúde, saneamento básico e alimentação. Uma deles é Níger, pequeno país na região nordeste da África, colonizado pela França até a conquista da liberdade, em 1958. O rápido desenvolvimento de sua economia nos anos 1960, apoiado pela descoberta de minas de urânio, não foi suficiente para o país resistir ao rigor da seca que predominou na região entre 1968 e 1975, produzindo fome em aproximadamente 2 milhões de pessoas – mais de 20% da população no período. Além disso, Níger vive instabilidades políticas, frequentemente reforçadas por regimes militares autoritários e conflitos entre o grupo étnico nômade, os tuaregues, e outras tribos do país, constituídas principalmente de negros. O trabalho escravo, ainda que abolido, perdura até os dias de hoje – calcula-se que haja cerca de 50 mil escravos ilegais no país.
Um mundo de diferenças Expectativa escolar (em anos)
Níger Noruega Brasil 4
17
14
63
0
26
Expectativa de vida (em anos)
52,6
79,95
71,99
População alfabetizada (%)
28,7
100
88,6
7,2
4
População abaixo da linha da pobreza (%)
Gasto com educação (% PIB) Mortalidade infantil (por 1.000)
3,4 116,6
3,58 22,58
Varrido por doenças causadas pela ausência de saneamento básico – hepatite, malária e meningite – e pela aids, Níger sofre um processo de desertificação, pela proximidade do Saara, no qual são frequentes secas impiedosas. Ainda assim, 90% da produção do país depende da agricultura e não é de estranhar que 63% da população esteja abaixo da linha da pobreza – a maioria não tem acesso a eletricidade ou a qualquer tipo de comunicação tecnológica. E, para piorar ainda mais a situação, enfrenta forte reivindicação da Líbia sobre parte do seu território. No ano passado, mais de um terço dos recursos do país foi fornecido pela ajuda externa.
Mais adequado
Embora a economia de ambos os países tenha influência significativa na posição que cada um ocupa no ranking do IDH, há outros aspectos com o mesmo peso – que avaliam, principalmente, a perspectiva de evolução da população nesse momento. Diferentemente do Produto Interno Bruto (PIB), o IDH leva em conta outros dois fatores além do aspecto econômico. “É um índice que desloca o foco da renda e considera também a educação e a longevidade”, explica Sabrina Galeno, consultora da ONU que integra a equipe do Pnud no Brasil. Assim, esses fatores, mais a renda, têm peso igual na composição final do índice – um terço para cada um. Por essa característica é que o IDH vem sendo utilizado como uma alternativa mais adequada. “O PIB mede apenas o desembolso anual, parte do qual se deve à ocorrência de desastres naturais (terremotos, derramamento de petróleo etc.), sociais (gastos com epidemias, desemprego) ou políticos (guerra civil, campanhas eleitorais, corrupção em governos), e por isso não serve para verificar se de um ano a outro o bem-estar da população foi alterado. No Haiti, por exemplo, o PIB em 2010 é capaz de ter aumentado...”, ressalta o economista Paul Singer. Essa era a principal preocupação do indiano Mahbub ul Haq, que, com outro indiano, Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia de 1998, desenvolveu o índice. Mahbub percebeu que o desenvolvimento de um país não pode ser medido apenas pela sua riqueza, mas também pelas perspectivas oferecidas a seus cidadãos. “Hoje há gente trabalhando em vários países na MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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AFP
PRIORIDADE Na Noruega, primeiro lugar no atual ranking do IDH, o Estado garante educação gratuita a todos por pelo menos 17 anos
construção de índices que incorporam outras variáveis, como a sustentabilidade ambiental do desenvolvimento ou o grau de concentração da renda e da propriedade versus a variação do número de pobres”, detalha Paul Singer. Assim, o IDH procurou representar me-
lhor essa realidade. “É um índice sintético, que busca refletir o conhecimento humano. E adquiriu tal importância que hoje pode determinar políticas públicas nas nações avaliadas”, observa Antonio Ibarra, economista do núcleo de informações do Dieese.
O IDH do Brasil No mais recente IDH, publicado no final do ano passado, com dados referentes a 2007, o Brasil ocupa a 75ª posição, com “nota” 0,813. Em 1975, a nota foi de 0,641. Apesar de ter sido criado em 1990, o índice foi recalculado para anos anteriores. Aparentemente, nesses 35 anos, o país conseguiu aumentar significativamente a qualidade de vida da sua população nos três aspectos que compõem o índice, mas não melhorou sua posição no ranking. Embora tenha elevado a renda média da população e os índices relacionados à educação, principalmente a partir dos anos 1990, o que mais compromete seu avanço no IDH é a distribuição de renda. A visão externa que se tem do país nos aspectos relacionados aos parâmetros do IDH é ainda muito próxima da expressão cunhada pelo economista Edmar Bacha em 1974 – “Belíndia”, uma mistura entre Bélgica e Índia. A prova disso está no próprio PIB. Somos o 10º colocado nesse índice, mas apenas o 103º quando
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o PIB é per capita. Para agravar a situação, constatou-se que essa má divisão de renda não ocorre apenas entre regiões do país, mas dentro das próprias cidades. Ou seja, às vezes basta atravessar a rua para ir da Bélgica à Índia. Graças a um programa de combate ao HIV e tratamento da aids considerado de boa qualidade (entre os 20 melhores), o aspecto “longevidade” prejudica nossa posição menos do que poderia. A expectativa de vida no Brasil é, hoje, de quase 72 anos, ocupando a 123ª posição em relação aos outros países, o que não ajuda muito – assim como o índice de mortalidade infantil, que ocupa a 93ª. São aspectos que influenciam diretamente o IDH. Assim como na educação: a alta taxa de analfabetismo, combinada com a grande desistência da escola verificada principalmente entre adolescentes, compromete o conceito de evolução e perspectivas futuras do índice, impedindo que o país melhore de posição.
Apesar desse caráter simplificado, os fatores que compõem o índice são ricos de informação. Na educação, por exemplo, são levadas em conta a taxa de alfabetização dos adultos e uma combinação das matrículas efetuadas nos três níveis de ensino. Com isso, obtém-se uma avaliação do que foi feito no passado em termos de alfabetização e, ao mesmo tempo, do presente. Já a longevidade não só apura a esperança de vida, em anos, que o cidadão tem ao nascer como leva em conta fatores como mortalidade infantil e programas que estão sendo implantados agora para dar resultados no futuro. Por exemplo, se um país tem um programa de combate à aids, isso se reflete no índice da longevidade e, consequentemente, no IDH final. O IDH também se utiliza do PIB, mas com uma avaliação mais realista, já que o valor desse índice, em dólares, passa por uma conversão segundo o poder aquisitivo da população. “O poder de compra é o que vale”, explica Sabrina Galeno. “Afinal, um litro de leite, por exemplo, pode ser mais caro ou mais barato para a população, independentemente do valor absoluto dele.” O RDH, publicado anual mente pelo Pnud, atribui “notas” a todos os países pesquisados, que variam entre 0 e 1.
Busca de precisão
Também há uma classificação do desenvolvimento humano: “muito elevado”, “elevado”, “médio” e “baixo”. Com esse conceito, o IDH tem se fortalecido como índice de referência de desenvolvimento ao longo do tempo – até porque suas avaliações sofrem melhorias a cada ano em busca de uma maior precisão de suas notas. Mas sempre mantendo o conceito de que o desenvolvimento não pode ser medido pela riqueza bruta. Assim, países que são reconhecidamente muito ricos graças à grande produção de petróleo, como a Arábia Saudita, que está na 59ª posição, não conseguem uma colocação tão boa no
ranking do IDH. A péssima distribuição de renda que apresentam prejudica os índices relativos a educação e expectativa de vida, empurrando-os para baixo. Por outro lado, países que são notoriamente pobres, com fraco desempenho no comércio internacional e PIB per capita muito baixo, podem conseguir posições relativamente altas porque oferecem à sua população condições de educação superiores a muitos países ricos. É o caso de Cuba. Por força de seu regime, focado, principalmente, no desenvolvimento educacional mais horizontal, ou seja, acessível a toda a população, a pequena ilha é o quarto país da América Latina mais bem
colocado no ranking, ocupando a 51ª posição (acima da Arábia Saudita), com nota 0,863. Faz sentido. Mas as distorções são inevitáveis. Assim como esses casos isolados escapam de uma avaliação padrão, outros também podem provocar distorções motivadas por aspectos culturais. Não se pode julgar o poder aquisitivo de uma população oriental baseando-se nos alimentos mais consumidos, por exemplo. Se na Tailândia há um consumo extraordinário de arroz – alimento considerado relativamente pobre para os padrões ocidentais, –, não se pode atribuir esse fato exclusivamente a um baixo poder aquisitivo, e sim à cultura de comer arroz.
INSÓLITO Colheita de algodão em Burkina Faso: pobreza material contrasta com a riqueza cultural
Entre os dez últimos colocados da lista do Relatório de Desenvolvimento Humano do Pnud, nove são países africanos. Há poucas diferenças entre eles, prevalecendo sempre notas muito baixas em todos os três critérios utilizados. São países pouco conhecidos, que viveram sob a dominação colonial de europeus e, após a independência, se viram relegados à própria sorte. Mas, apesar disso, conservam sua cultura, um fator determinante na qualidade de vida da população. É o caso de Burkina Faso, localizado na parte mais ocidental da África, sem acesso ao mar, e com população praticamente toda negra. E com uma forte personalidade. Atraído por essa força, o músico e cineasta Carlinhos Medeiros produziu dois documentários sobre o país, com apoio da Sesc TV, no qual procura mostrar que, apesar de toda a pobreza, Burkina Faso mantém sua dignidade e até uma relativa qualidade de vida. No dialeto local, Burkina Faso quer dizer “país de homens íntegros”, e é justamente essa a primeira impressão mais eloquente que Carlinhos Medeiros constatou durante as filmagens. “A população é feita de negros altos, elegantes e fortes”, diz ele. Na capital, Uagadugu, com 1 milhão de habitantes, é possível ver cenas de muito desamparo à população, como ausência de coleta de lixo e saneamento
básico. “Os hospitais públicos são pagos e têm cadeia dentro deles, para que aqueles que não possam pagar fiquem presos. As escolas públicas também são pagas. Não há água encanada em praticamente todo o país”, conta Carlinhos. “E a dieta básica da população é o angu – que eles comem uma vez por dia –, feito com água e farinha de milho, eventualmente misturado com arroz ou, na melhor das hipóteses, com pedaços de carne”, descreve. Apesar disso, a impressão do cineasta é muito positiva. “É um país especial. Não há guerras étnicas e não se vê violência nas ruas. Talvez porque todos sejam pobres. Parece que a pobreza, de certo modo, produz uma situação favorável para a harmonia e a qualidade de vida do povo. Por exemplo, o açúcar é muito caro lá e, portanto, pouco usado. O resultado é uma população de dentes lindos.” Segundo Medeiros, 80% da economia do país vive na informalidade e a produção agrícola sofre com o rigor do clima do deserto – as chuvas ocorrem apenas durante dois ou três meses por ano. “Mas é alentador ver uma criança construir o próprio brinquedo, usando a imaginação e a criatividade, e se divertir com ele, quando nos países ricos as crianças já não têm essa capacidade.” Depois de conquistar a independência da França, em 1960, conduzido por Thomas
KATRINA MANSON/REUTERS
Pobreza relativa
Sankara, seu primeiro presidente e considerado uma espécie de Che Guevara africano, Burkina Faso veio praticando, às vezes usando a força do governo, uma política de valorização da sua cultura e identidade. O que não foi suficiente para melhorar seu IDH – o país tem o pior índice de
alfabetização do mundo. Ainda assim, o visitante parece sair bem impressionado com o estado de espírito da população: “Apesar das dificuldades, os habitantes mostram uma alegria maior do que se encontra na Suíça”, diz Carlinhos Medeiros, que já morou no país europeu. MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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CENTENÁRIO
Ele foi uma brasa Adoniran Barbosa misturou trágico e cômico ao musicar o cotidiano de São Paulo Por Vitor Nuzzi
E
“
le faz uma mistura boa, né?”, diz Cristina Buarque. “E falando coisas da vida das pessoas...” Cronista de São Paulo por excelência, Adoniran Barbosa juntou humor e drama ao falar da vida das pessoas e de seu lugar. Em 6 de agosto, quando completaria 100 anos (morreu em 1982), ou em qualquer tempo, sua obra estará sobrevivendo à modernidade mais do que a própria cidade. Com a recuperação de seu acervo pela família, no final do ano passado, existe a expectativa de criação da Casa Adoniran. A rigor, já existe uma, bem longe daqui. “Em um kibutz em Israel, acredite, financiada com dinheiro público por lá. E aqui, nada”, diz o jornalista Celso de Campos Júnior, autor de uma biografia do artista que acaba de ser relançada. O kibutz brasileiro Bror Chail inaugurou a casa dedicada a Adoniran em 2008, com patrocínio e apoio da Embaixada do Brasil e do Itamaraty. A região é cidade-irmã de Sorocaba (interior pau28
REVISTA DO BRASIL MARÇO 2010
lista), conta o presidente da Comissão Pública do Museu Adoniran Barbosa em Israel, Tzvi Chazan, nascido no bairro paulistano do Bom Retiro e ex-cônsul geral em São Paulo. O museu funciona aos sábados, com entrada gratuita. “Este ano, para comemorarmos o centenário de Adoniran, o plano é transformá-lo no Centro da Música Popular Brasileira em Israel”, diz Chazan. “Estamos planejando exposições sobre Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Elis Regina e Clara Nunes – naturalmente, tendo no centro o grande artista que foi Adoniran Barbosa. Enfim, um pouco do samba de São Paulo e do Brasil em Israel.” Adoniran já teve um museu no Brasil, anos atrás, instalado no Centro Velho de São Paulo. Conforme lembra sua única filha, Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa, o acervo foi cedido à Secretaria de Cultura do Estado, levado para o mezanino do teatro Sérgio Cardoso e passou para o Museu da Imagem e do Som (MIS),
FOTOS ACERVO ADONIRAN BARBOSA
Adoniran no filme A Carrocinha, de 1955
Nascido João Rubinato, adotou o pseudônimo em homenagem ao amigo Adoniran Alves e ao sambista carioca Luiz Barbosa
na capital paulista. “Mas isso é passado. Agora voltou para mim e para meu filho, e será exposto como se deve, se Deus quiser”, diz Maria Helena, que não viveu com Adoniran – o casamento dele com sua mãe, Olga Rodrigues, durou pouco mais de um ano. “As lembranças são as mais agradáveis. Era como um ‘tio’ alegre e divertido, brincalhão, boa-praça”, recorda. A preocupação, agora, é garantir a preservação da memória. “O primeiro passo para a criação desse espaço deve ser a catalogação do material, riquíssimo em fotos, documentos, partituras, roteiros”, acrescenta Celso. Maria Helena não tem ideia do tamanho do acervo. “É muita coisa. A Mathilde foi uma ‘arquivista’ sensacional. O projeto é lindo, e quem mais ganharia seriam a cidade de São Paulo e as crianças.” Mathilde de Luttis viveu com Adoniran durante mais de 40 anos. Ele, nascido João Rubinato e natural de Valinhos (SP), adotou o pseudônimo em homenagem ao amigo Adoniran Alves e ao sambista carioca Luiz Barbosa. Para Celso, Adoniran é uma espécie de “fio condutor” da vida paulistana. “Três de suas principais características eram a versatilidade, a curiosidade e a capacidade de transitar pelos mais diferentes cenários. Assim, ele estava sempre por perto das novidades, mostrando sua cara e tentando cavar seu espaço. Acrescente-se a isso uma boa cara de pau. O cinema era a coqueluche do momento? Lá estava Adoniran. As novelas da TV Tupi estouravam de audiência? Adoniran cobrava do amigo Carlos Zara, então diretor da emissora, um papel”, relata. “E, claro, não só isso: em sua obra musical, Adoniran viveu e cantou as mudanças da cidade – o samba do metrô, a canção para a Praça da Sé remodelada...” Então, em vez de Rita Lee, como cantou Caetano Veloso em Sampa, Adoniran é que seria a “mais completa tradução” da cidade? Para o jornalista e pesquisador Ayrton Mugnaini Jr., autor de outra biografia sobre Adoniran, são personalidades complementares. “Já que sou tradutor, aproveito a metáfora e digo que Rita é uma tradução livre de São Paulo e Adoniran, uma tradução formal. Rita simboliza a capacidade que São Paulo tem de se transformar, modernizar e absorver influências es-
trangeiras, e Adoniran representa a resistência da cidade no que ela tem de mais tradicional e antigo”, compara. Paulistana que mora no Rio há mais de 30 anos, Cristina Buarque testemunha as mudanças vividas por São Paulo. “A Henrique Schaumann era uma ruazinha estreita...”, conta, falando de um dos locais onde morou com a família. Sobre a recorrente comparação entre o samba paulista e carioca, ela passa ao largo. “Tem bons compositores aqui e lá, e maus aqui e lá também. Como tudo, né?”, afirma a cantora, que na obra de Adoniran elege entre os seus favoritos Abrigo de Vagabundos, Apaga o Fogo, Mané e No Morro da Casa Verde. “Esta eu cantava desde o começo, nas serenatas”, diz Cristina.
Caso único
Com “70 anos de samba e 55 de avenida”, Oswaldinho da Cuíca nem pisca para falar de seus preferidos: Despejo na Favela, Eu já Fui uma Brasa e Saudosa Maloca. Ele conheceu Adoniran ainda nos anos 60, nos tempos de Record, onde durante muito tempo o compositor brilhou como ator de rádio, no célebre programa História das Malocas, escrito por Oswaldo Molles. “O progresso fez com que se perdesse o estilo do Adoniran, o sotaque italiano, o andar mais lento do samba”, diz Oswaldinho. Segundo ele, o estilo passou por um processo de urbanização, perdendo características. “Viajei o mundo inteiro, e eles procuram cópias do padrão que veem na TV”, conta. “Só a Bahia manteve o samba do Recôncavo. Acabou o samba regional, o padrão adquirido foi o carioca. O samba paulista era executado por cordões, não por escola de samba, que vêm dos ranchos. E há muito tempo não tem cordões em São Paulo.” Mas Adoniran resistiu. Vista mais pelo lado cômico, com os famosos erros de português, a obra tem um lado social agudo. “Boa parte dos clássicos, que a maioria canta como um sambão despretensioso e engraçado, é sim trágica – vide Saudosa Maloca, por exemplo”, destaca Celso de Campos. Adoniran fez samba sobre o dia a dia do povo, em especial a parcela mais pobre, de uma forma muito peculiar. Como sabemos que esse cotidiano não é exatamente um mar de rosas, essa face
Adoniran (entre amigos) gostava de fazer brinquedos em miniatura
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FOTOS ACERVO ADONIRAN BARBOSA
Adoniran no Bexiga, década de 70
trágica está muito presente, em temas como despejo ou enchente – mais atuais do que nunca, aliás. Mas, claro, há também muita composição cômica. Diria que o fio condutor de seu cancioneiro é o caráter social.” Para Ayrton Mugnaini, a irreverência chega a ser um obstáculo para a avaliação da obra. “O grande problema é que, talvez por molecagem, pirraça ou vontade de se vingar da infância pobre, muitas vezes Adoniran dava respostas diferentes às mesmas perguntas sobre a inspiração de determinadas canções, sua data de nascimento, os discos que gravou. E percebi que nem todos o levam a sério como compositor, alguns o julgando apenas um bom ator cujos papéis incluem o de compositor – mas Raul Seixas, por exemplo, dizia a mesma coisa de si mesmo.” A mais famosa das histórias, talvez, seja a do Samba do Arnesto, que fala de um personagem real, Ernesto Paulelli. “Na pesquisa, recolhi três entrevistas do próprio Adoniran, em diversas épocas, contando três histórias diferentes sobre a origem do Samba do Arnesto”, conta Celso. “Às vezes, ele dizia que o Arnesto era invenção; às vezes, dizia que existia mesmo – o que comprovou ao presentear o ‘padrinho’
Cem anos em 26 O lirismo e a picardia das canções de Noel redefiniram os rumos da música brasileira Por Maurício Thuswohl Morto pela tuberculose aos 26 anos, Noel Rosa passou rápido pela vida, mas deixou uma extensa obra que redefiniu os rumos do samba no Rio de Janeiro e, por que não dizer, da música popular brasileira. Primeiro compositor branco de classe média a fazer parcerias com compositores negros que viviam nos morros ou bairros mais pobres da cidade, Noel foi pioneiro ao realizar a agora tão em voga “conexão entre o morro e o asfalto”. O músico nascido em 1910 no bairro de Vila Isabel contribuiu, na riqueza de seu repertório e na irreverência de sua poesia, para criar a imagem de uma certa malandragem carioca ainda hoje cultivada em muitos bares e esquinas da cidade. Mesmo não sendo lembrado à altura de sua obra, Noel Rosa não se enquadra no time dos sambistas esquecidos pelo povo. Em comemoração ao seu centenário de nascimento, Noel foi enredo da Unidos de Vila Isabel no Carnaval deste ano. A escola do bairro do poeta chegou em quarto lugar, mas levantou a avenida com um samba composto por outro mestre,
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Noel Rosa
Martinho da Vila, que também teve a ideia do enredo: “Foi muito bom ver como a comunidade se identifica com a figura do Noel. Foi o desfile mais importante da minha vida”, disse Martinho. Biógrafo de Noel Rosa e morador de Vila Isabel, o jornalista João Máximo lembra que houve uma época em que Noel andou esquecido: “Quando cheguei à Vila Isabel, em 1942, falava-se muito em Noel Rosa. Mas não se conhecia muito a obra dele, era apenas um nome ao qual o bairro
estava definitivamente ligado. Contavam-se muitas histórias, algumas forjadas apenas na imaginação do povo. Existia mais o mito do que o compositor, que a gente praticamente não conhecia”. A redescoberta da obra de Noel Rosa aconteceu anos depois de sua morte, conta Máximo: “Em dezembro de 1950 foi lançado pela Aracy de Almeida um álbum com três discos só com músicas do Noel que foi altamente revelador para toda uma geração, não apenas da Vila Isabel, mas de todo o Rio de Janeiro. A partir daí, ele foi sendo permanentemente descoberto ou redescoberto”, diz. Na análise de Ricardo Cravo Albin, autor do Dicionário da Música Popular Brasileira, Noel era e continua sendo moderno: “O Noel Rosa foi, entre outras coisas, um pioneiro na articulação poética de sua obra literária a favor e dentro do samba. Antes do Noel, a poesia era bastante empolada, com versos dodecassilábicos. Ele, acho que até intuitivamente, absorveu a Semana de Arte Moderna em sua obra fazendo uma música mais despojada, fazendo versos simplificados e comentando o cotidiano, o que eram cânones da Semana de Arte Moderna. Isso permitiu uma obra revolucionária em termos de imagens poéticas”. Segundo Máximo, o fato de Noel Rosa ter surgido na década de 1930, auge da era de ouro
do rádio, reforçou o potencial transformador de sua música: “Noel promoveu uma inovação ou renovação da lírica da música popular, principalmente em relação à canção romântica. Antes de Noel, a canção de amor no Brasil era muito rebuscada. Tentava ser sofisticada, mas era uma letra parnasiana e cheia de metáforas e simbologias”. Máximo explica como se deu o divisor de águas: “Havia um outro tipo de letra em música popular, seu compositor mais expressivo era Sinhô, mas elas eram muito mais carnavalescas, anedóticas, críticas, engraçadas, tratando a mulher sem aquele endeusamento das velhas modinhas. Mas isso acontecia quase exclusivamente no Carnaval. O Noel chega com uma poética completamente diferente, mostrando que durante todo o ano era possível fazer música romântica, para mulher, com esse sentido mais malandro, mais moleque e engraçado. Tudo isso está na música que ele fazia sempre, e não apenas no Carnaval. Além disso, ele era um versejador muito feliz, com ideias geniais”.
Morro e asfalto
Outro aspecto revolucionário da trajetória artística de Noel foi a aproximação entre o morro e o asfalto. Mesmo reconhecendo o pioneirismo de Francisco Alves, cantor de grande sucesso que foi o primeiro a gravar os sambistas
A gaiatice não tinha fim. No Samba do Arnesto, depois do breque na música vinha um “o que foi que nóis fez?”, que os Demônios da Garoa substituíram por “nóis não semos tatu”. “Por sinal, a gravação original de Adoniran oferece uma terceira alternativa, um singelo ‘num faz mar’”, lembra Ayrton. Adoniran também inovou ao compor o Samba Italiano, misturando idiomas. E quem mais apresentaria ao mundo da música um cachorro compositor? Pois Peteleco, o totó de Adoniran, assina algumas de suas canções – o que causou, inclusive, um desentendimento com o cantor Noite Ilustrada, porque Adoniran deu a parceria de uma música deles para Peteleco. Inspiração, talvez, para o pop rock. “Lembro-me agora do conjunto inglês The Who, que compôs um tema em ‘parceria’ com dois cães, um pertencente ao contrabaixista e outro ao baterista, que participaram latindo na gravação”, conta Ayrton. “Adoniran e o Who são casos quase únicos. Normalmente, compositores atribuem obras a cônjuges, filhos, pai ou mãe, profissionais influentes como empresários e radialistas, ou a amigos.” Adoniran foi um caso único.
CUSTÓDIO COIMBRA / AGÊNCIA O GLOBO
com a partitura 001 do samba. Às vezes, dizia que nunca houve o convite para o samba no Brás, e às vezes contava a mancada do Arnesto em detalhes cinematográficos”, lembra. “Isso vale para Trem das Onze também: dependendo do humor, dizia que era passageiro ou não do tal trem, que aliás nunca saiu às 11 da zona norte...” Ao amigo Paulo Vanzolini, que perguntou certa vez por que ele no samba escreveu “moro em Jaçanã”, se os habitantes do bairro dizem “moro no Jaçanã”, Adoniran brincou: “E eu sei lá onde fica essa porcaria?”. Da mais famosa música de Adoniran, único samba “paulista” a ganhar concurso no Rio de Janeiro, Ayrton conta que há pelo menos três versões estrangeiras, em italiano, hebraico e espanhol. “Só os Demônios da Garoa gravaram pelo menos duas continuações, como Adeus Cantareira e Último Trem. Paródias também há muitas, como uma recente que ouvi gozando o gerundismo: “Não posso estar ficando nem mais um minuto com você, se eu estiver perdendo esse trem que vai estar saindo agora às 11 horas...”
“Noel: A presença do poeta da Vila” foi o tema da Unidos de Vila Isabel no Carnaval deste ano negros, Máximo ressalta que Noel foi o primeiro a realmente compor canções em parceria com sambistas do morro. “Noel é o primeiro compositor branco, de classe média e com passagem pela faculdade, ainda que rápida (cursou seis meses de Medicina), que se tornou parceiro de mais de dez desses compositores. Não existia esse intercâmbio social e racial. Ele foi parceiro de Cartola, Ismael Silva, Bide, Marçal, Heitor dos Prazeres, grandes compositores que viviam isolados em seus nichos.” O jornalista observa que Noel foi uma alternativa estética ao samba do Estácio, mais
marcado, feito para os desfiles desde que a polícia começou a tolerar os blocos carnavalescos na década de 20. “Também com esses contatos, ele muda completamente e rompe com aquela tradição meio nordestina, caipira, do Bando dos Tangarás, onde começou.” Mesmo nutrindo indisfarçável complexo devido a um defeito facial provocado pelo fórceps no seu nascimento, Noel Rosa teve algumas namoradas, a maioria colegas de copo e de samba nos bares de Vila Isabel. Seu gosto pela vida boêmia e pelo cigarro, aliado a uma saúde frágil e a um corpo franzino, favoreceu o
desenvolvimento da tuberculose que o matou. “O Noel era um malandro de classe média intelectualizado. Ele abandonou a Medicina para se dedicar à música e à boemia e, digamos, à dissipação que o fez falecer antes dos 27 anos. Esse foi um preço muito alto pago por ele. Mas, de qualquer maneira, por conta dessa vida boêmia ele construiu todo um processo de inspiração que ficou imortal”, avalia Ricardo Cravo Albin. João Máximo também cita o apreço de Noel por uma parte do submundo carioca da época: “Tem um samba chamado Mulato Bamba, em que ele trata o malandro com muita simpatia. A
polícia da época era intolerante com os homens e mulheres da madrugada que andavam pela Lapa, e o Noel Rosa, ao contrário, via nessa turma pequenos heróis do cotidiano carioca”. O biógrafo ressalta, no entanto, a famosa implicância com o malandro “do mal”, os bandidos da época: “O malandro, na época do Noel, era um personagem muito curioso. Ele vivia de ‘expedientes’, como se dizia naquela época, que eram geralmente o jogo, a mulher que ele explorava. Os mais celerados, digamos assim, vendiam segurança para os moradores dos bairros. Não tinham nada a ver com os bandidos cariocas da época – Miguelzinho, Camisa Preta, Joãozinho, Edgar –, que eram famosos no Rio de Janeiro e tiveram problemas sérios com a polícia. Não eram esses que fascinavam o Noel. Quem o fascinava era o cara sagaz, que sabia contornar situações difíceis. Ele dizia em um de seus sambas que ‘quem faz acordo não tem inimigo’”. Essa “briga de malandros” esteve na origem da famosa polêmica com o compositor Wilson Batista, que rendeu sambas lindos de ambas as partes, como lembra Cravo Albin, citando alguns dos muitos versos antológicos do poeta da Vila: “Deixa de arrastar o tamanco/pois tamanco nunca foi sandália/tira do pescoço o lenço branco/e joga fora essa navalha que só te atrapalha”. Esse era Noel. MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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CULTURA
MULHER E PÁSSARO Escultura de Miró em Barcelona
Sertão além-mar As temporadas de João Cabral de Melo Neto na Espanha deram um sabor ibérico a sua poesia. E um toque marxista ao pensamento de uma criativa geração espanhola em plena repressão franquista Por João Correia Filho, de Barcelona
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FOTOS JOÃO CORREIA FILHO
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orte e Vida Severina não tinha sido escrito quando João Cabral de Melo Neto chegou a Barcelona para trabalhar como vice-cônsul do Brasil na Espanha. Seguia o ano de 1947, em plena ditadura de Francisco Franco, e o pernambucano franzino, nascido em Recife, era apenas um jovem poeta, com 27 anos e três livros lançados. Talvez nem imaginasse que os três primeiros anos que viveria na região da Catalunha bastariam para que sua obra sofresse mudanças irreversíveis, na temática e na forma de escrever. Foi a primeira etapa na Espanha de uma carreira diplomática que o levaria a morar ainda em Madri (1960-1962), Sevilha (1956 e 19621966) e, novamente, Barcelona, em 1967, já como cônsul-geral. “Essa experiência deixa marcas profundas em sua obra, notadas em diferentes níveis da sua criação. Sua relação com a Espanha é tema presente em metade dos poemas do livro Paisagens com Figuras (1954), além de obras completas de inspiração espanhola, como Crime na Calle Relator (1987) ou Sevilha Andando (1990)”, explica Melcion Mateu, pesquisador catalão da obra de Cabral que recentemente dedicou um estudo sobre sua passagem pela cidade de Barcelona. Segundo Melcion, a tradição ibérica, em particular o seu gosto pela poesia medieval castelhana, acaba por tornar-se a espinha dor-
ILHA PARA OS PENSAMENTOS Arnau Puig: “Cabral representava para nós uma oportunidade de liberdade, de falar de política e de arte sem que fôssemos perseguidos”
83 anos, um dos grandes mestres das artes gráficos de seu país. Tormo também lembra os tempos de perseguição franquista e o papel de Cabral no grupo ao qual pertencia. “Era uma tranquilidade falar com ele, pois nessa época, pelo fato de sermos de esquerda, estávamos andando pela rua na ponta dos pés”, descreve. No período de sua convivência com Cabral, Tormo foi quem imprimiu um estudo do brasileiro sobre a obra do pintor Joan Influência recíproca Miró que foi transformado em livro. Os Mas a passagem de João Cabral por Barpouco mais de 100 exemplares, confecciocelona não foi um caminho de mão única. nados um a um pelo pintor e pelo tipógraÉ também dessa estadia que nasce a amizafo, são hoje artigo de colecionador, espade com jovens intelectuais e artistas da vanlhados nos melhores museus do mundo, guarda catalã, como o crítico de arte Arnau como o MoMA, de Nova York, e a Galeria Puig, o pintor Antoni Tàpies e o poeta Joan Maeght, de Paris. O texto é fruto de uma Brossa. A este, reconhecido como um dos amizade entre Cabral e o artista, que fica grandes nomes da poesia visual espanhoclara numa foto sobre a mesa da escrivala, Cabral chega a dedicar um poema em ESQUERDA Enric Tormo: companheiro e ninha de Tormo, feita por ele, na qual se seu livro Paisagem com Figuras, e assina o impressor durante a ditadura franquista veem os dois sentados ao sol descontraiprefácio de seu livro Em va fer Joan Brossa damente. (Fez-me Joan Brossa), escrito em catalão, num tempo em que era Tormo conta que João Cabral exibiu ainda em Barcelona proibido pela ditadura lançar livros nesse idioma. uma faceta de tipógrafo. Segundo ele, o poeta adquiriu uma A partir desse intercâmbio, Cabral passa a influenciar fortemen- pequena máquina de impressão manual modelo Minerva e pute o grupo, inserindo suas ideias de uma poesia mais voltada para blicou obras de poetas brasileiros e espanhóis, como é a realidade social. o caso de Joan Brossa. Ele e Puig lembram que Quase seis décadas depois, o crítico de arte e filósofo Arnau Puig, Cabral criou um selo editorial chamahoje com 84 anos, relembra a amizade com o poeta. “Cabral redo O Livro Inconsútil, cujas presentava para nós uma oportunidade de liberdade, de falar de publicações tinham política e de arte, sem que fôssemos perseguidos”, diz, circundado em 360 graus por livros que compõem sua vasta biblioteca. “(Na Espanha de Franco)) Havia uma situação horrível, uma ditadura repressora, sobretudo porque havia uma perseguição intelectual, uma perseguição da sensibilidade”, afirma Puig, um dos fundadores da revista de cultura Dau al Set, lançada em 1948, e que, mais tarde, seria também o nome de um importante movimento artístico formado pelo grupo de jovens catalães. Em 1950, João Cabral chega inclusive a colaborar com a publicação com alguns versos de seu livro O Engenheiro. “De fato, além de ser uma ilha para nossos pensamentos, uma das maiores influências de João Cabral que todos do Dau al Set reconhecemos é que ele nos fez marxistas. Cabral era um marxista seguidor de (Luiz)) Carlos Prestes, um stalinista tremendo, era o predicador do stalinismo aqui conosco. E, nesse sentido, posso dizer que uma de suas grandes influências foi que ele também nos fez marxistas”, afirma Puig, enquanto mostra livros sobre StaCLÁSSICO lin que ganhou do poeta no final dos anos 1940. O DO DUÇÃ
Outra testemunha da passagem de João Cabral por por Barcelona e pela Dau al Set é o tipógrafo Enric Tormo, Enric Tormo, de
REPRO
Miró por Cabral
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ENRIC
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sal da poética de Cabral, coincidindo com sua maturidade como escritor. Morte e Vida Severina, uma de suas obras mais conhecidas, escrita em meados dos anos 1950 totalmente envolta no imaginário do retirante que busca a vida fora do sertão, encenada em 1966, é ao mesmo tempo embebida na métrica e na rítmica da poesia espanhola e reconhecida na tradição popular nordestina, dos repentistas e da literatura de cordel.
E RARO Cabral e Joan Miró: amizade que rendeu livro de apenas 100 exemplares
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Morte e Vida Severina, no Tuca, em São Paulo Assim como muitos outros escritores, João Cabral distanciouse de sua terra natal para tomá-la como tema central de sua obra. João Guimarães Rosa, Vinicius de Moraes e Eça de Queiroz são alguns dos exemplos de homens que viajaram o mundo e se dedicaram tanto à vida diplomática quanto às letras. Nascido em Recife, em 9 de janeiro de 1920, iniciou sua carreira em 1945, sendo transferido para Barcelona e, três anos depois, para Londres, de onde retorna ao Brasil para responder a um inquérito sob a acusação de conduta subversiva. É readmitido em 1954 e retoma as atividades que o levaram a residir na França, em Portugal e na Suíça. Em 1956, publica Duas Águas, que traz o poema Morte e Vida Severina, com o qual passa a ser mais conhecido do grande público, principalmente após a montagem teatral apresentada no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, o Tuca, no ano de 1966, musicado por Chico Buarque a pedido do então diretor do teatro, o escritor Roberto Freire. O espetáculo é ovacionado por mais de 10 minutos e, com o sucesso no Brasil, segue para o consagrado Festival de Teatro de Nancy, na França, onde ganhou o primeiro prêmio. João Cabral recebe o título de Melhor Autor Vivo. Em 1969, o poeta toma posse da Academia Brasileira de Letras, já consagrado como um dos grandes nomes da poesia brasileira. Em 1986, é transferido para o Porto, onde encerra sua carreira diplomática. Em 1990, lança Sevilha Andando, seu último livro e uma verdadeira declaração de amor à cidade espanhola. Morava no Rio de Janeiro quando morreu, em 9 de outubro de 1999, aos 79 anos.
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como característica o fato de não haver grampos nem costuras unindo as páginas. “João Cabral dizia que assim as páginas ficariam livres, seria um livro livre, mais leve”, afirma Puig. Tormo lembra uma história pitoresca envolvendo o poeta e o livro escrito por ele sobre a obra de Miró. João Cabral lhe pediu um exemplar para emprestar a um diplomata que estava de passagem por Barcelona. “Ele me pediu emprestado, pois não tinha nenhum com ele. Eu emprestei e, quando me devolveu, estava todo com anotações a lápis, feitas pelo tal diplomata, que teria deixado o texto de Cabral ‘melhorado’. Eu tive de pegar uma borracha e ir apagando tudo, mas deixei uma única frase: ‘e tudo continua confuso e contraditório’. Cabral não se interou do ocorrido, pois não lhe mostrei, mas me pareceu anedótico alguém corrigir um texto dele e depois ele vir a tornar-se um dos mais importantes escritores brasileiros”, conclui. Em 1967, já consagrado, João Cabral volta a viver em Barcelona, dessa vez como cônsul-geral, permanecendo na cidade até 1969, quando é transferido para a embaixada em Assunção, no Paraguai. Não moraria mais na Espanha, embora suas passagens pelo país continuassem a render muitos frutos. Basta um olhar mais atento para perceber que um de nossos poetas mais nordestinos teve também um olhar além-mar, com palavras que uniram Pernambuco e Espanha e deixaram marcas dos dois lados do Atlântico. DECLARAÇÃO DE AMOR O último livro de Cabral reforça seus laços com a Espanha: Sevilha Andando foi lançado em 1990
CARLOS CHICARINO/AE
TUCA/DIVULGAÇÃO
Um poeta em movimento
Crônica
Por Renato Pompeu
Reciclagem da crítica Marx não pensou na possibilidade de a maioria das pessoas não se interessar pela coisa pública
I
nteressante como o tempo é lento e rápido... ao mesmo tempo. Da redação da Crítica ao Programa de Gotha, em 1875, pelo pensador alemão Karl Marx, nos separam 135 anos, o que parece muito, mas eu tenho 68, metade disso, então a mim, hoje, me parece que essa crítica foi escrita há não muito tempo. E a cada dia me parece mais claro que ela deva ser mais conhecida do que jamais foi e deve ser pelo menos tão divulgada quanto o Manifesto Comunista. Afinal, Marx tinha menos de 30 anos quando escreveu com Friedrich Engels o Manifesto e estava perto dos 60, muito mais experiente, quando escreveu a carta que Engels publicou depois como a Crítica ao Programa de Gotha. Esse programa estava sendo discutido pelas duas facções que depois se fundiriam para criar o Partido Socialdemocrata alemão, até hoje existente. Marx fez várias observações sobre o programa, mas elas não foram levadas em conta pelos fundadores do novo partido. Quatro coisas me chamam a atenção na crítica de Marx. Em primeiro lugar, ele me parece dar menos ênfase ao caminho insurrecional e mais ênfase ao caminho eleitoral para o socialismo do que, por exemplo, no Manifesto. Em segundo lugar, prega a necessidade absoluta da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa. Aqui temos de levar em conta que, em sua época, a imprensa era muito mais crítica dos poderes vigentes do que é hoje em dia. Não sabemos se, hoje em dia, Marx defenderia a liberdade de expressão dos racistas, dos nazistas, permitida nos Estados Unidos, ou se a proibiria, como no Brasil e na Alemanha. Terceiro, Marx defende a necessidade absoluta da educação pública e gratuita. Entretanto, para Marx, o “público” não se confunde com o “estatal”. O caráter público da educação pública, e por extensão da saúde pública e da empresa pública, não se trata de serviços proporcionados e administrados por órgãos estatais, e sim proporcionados e administrados por todos os membros do público, da sociedade em geral. Marx estava longe de imaginar que o socialismo seria, como acabou sendo no extinto socialismo real, regido por
aparelhos, órgãos e empresas estatais sob a direção de corpos de burocratas. Ao contrário, achava que toda a sociedade, composta por indivíduos livres e iguais, é que deveria ir assumindo as funções que vinham sendo executadas pelo Estado. Do mesmo modo que Marx não pensou na possibilidade de, no processo eleitoral, a maioria da população não querer a implantação do socialismo, ou de essa maioria se voltar contra o socialismo após sua implantação, também não pensou na possibilidade de a maioria da população não se interessar pela administração da coisa pública, seja no socialismo, seja no capitalismo, seja no regime que for. Para Engels, a diminuição da jornada de trabalho implicaria mais intensa participação política por parte de cada trabalhador, que teria tempo cada vez maior para fazer política. No entanto, notamos que a grande maioria das pessoas prefere dedicar ao lazer, e não à atividade pública, a maior parte do seu tempo livre. Em quarto lugar, finalmente, quando Marx fala em “ditadura do proletariado”, como fase transitória da passagem do capitalismo para o socialismo, ele não se refere a um regime autoritário, mas a um regime com plena liberdade de expressão e de organização, exatamente como acontece nos regimes capitalistas mais avançados, as chamadas democracias burguesas, em que para Marx prevalece a “ditadura da burguesia”. Podemos dizer que, nessa crítica efetuada por Marx, a “ditadura do proletariado” difere da “ditadura da burguesia” exatamente por ir progressivamente democratizando o controle dos órgãos e empresas estatais por parte da sociedade. Se isso é ou não uma utopia, é outra conversa. É importante discutir como os seres humanos poderiam viver melhor, mas isso não deve eliminar a necessidade de verificar concretamente como as pessoas vivem e como gostariam de viver. Para mim, o mais impressionante é que apenas o tempo equivalente a duas vidas minhas até agora nos separa dessas cogitações de Marx. Entre no site www.redebrasilatual.com.br e baixe Crítica ao Programa de Gotha
Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor do romance ensaio O Mundo como Obra de Arte criada pelo Brasil (Casa Amarela)
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ESPORTE
Mais um mun A
Brasil, já campeão, se prepara para sediar torneio internacional de futebol. De mesa Por Vitor Nuzzi
terano praticante, gosta de recordar de um jogo disputado anos atrás entre o seu clube, o Maria Zélia, e o Paulistano. Não era a decisão, mas o vencedor praticamente ganharia o campeonato paulista. O adversário vencia por 4 a 3, quando tocou a campainha e ele ainda tinha um chute a gol. “É
hollywoodiano”, diz André, que jogava com o Santos de 1962. “Eu tinha certeza que ia fazer o gol. Para não falar ´Pagão´, falei ´9´. Chutei, gaveta, tranquilo, baita festa do Maria Zélia”, recorda o músico, que começou a jogar botão com o pai, na era “pré-estrelão”. No – digamos assim – auge da forma, treinava chutando até 200 bolas, depois que chegava dos ensaios. Embora jogue menos, André Christovam continua curtindo botão – os filhos Dhaniel, de 8 anos, e Pedro, de 3, dão os primeiros toques na palheta. Mas acha que o espírito original perdeu-se um pouco. “O jogo virou mais um campeonato de tiro ao gol. Basicamente, era para desenvolver a habilidade e fazer amigos. Virou
FOTOS JOSÉ CORDEIRO
ntes da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016, o Brasil será sede de mais um evento esportivo internacional: o campeonato mundial de futebol de mesa, em 2012. Para os mais nostálgicos – mas não para os profissionais –, é o velho futebol de botão, modalidade que movimenta esportistas, corações e palhetas (ou batedeiras) por todo o país. A realização do evento foi confirmada em uma reunião realizada em janeiro, mas os detalhes ainda serão definidos – a sede será São Paulo. Em 2009, por sinal, o Brasil ganhou um título mundial. E é jogo para gente grande, não só para meninos. O músico André Christovam, ve-
MESTRE Lorival jogou futebol de campo antes de se dedicar aos botões, que fabrica em casa e até manda para o exterior há mais de 40 anos
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undial
EXCÊNTRICO Quinho levou a seleção da Romênia a ganhar o título mundial. Fiel aos atletas, não mexe na escalação, nem no banco de reservas
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uma coisa tão competitiva que perdeu a camaradagem”, acredita, dando o exemplo dos antigos clássicos envolvendo São Judas, Paulistano e o seu Maria Zélia. “Por mais que fosse bom ganhar dos caras na casa deles e ruim perder em casa, a gente acabava comendo pizza juntos.” Os botões já foram citados em música por Chico Buarque (Doze Anos), que tempos atrás contou um episódio marcante em sua carreira de esportista. Certa vez, ele foi apresentado ao ex-jogador Formiga, célebre atacante do Santos. Conversaram um pouco e ficaram sem assunto. Chico continuou a encarar Formiga. Não satisfeito, começou a pressionar de leve, com o polegar, a clavícula do ex-jogador, que ficou sem graça. “Então me dei conta de que, pela primeira vez na vida, conversava pessoalmente com um botão. Formiga tinha sido um dos meus melhores botões, apesar de meio oval, um botão de galalite, vermelho”, escreveu. Referência no meio – André Christovam o chama de “mestre” –, Lorival de Lima começou a fabricar botões há mais de 40 anos. Seus produtos já foram parar no exterior. E ele chegou a intermediar negociações entre clubes e jogadores, de futebol de mesa, claro. A história começa em 1950, quando, aos 11 anos, Lorival sai de São Bento do Sul (SC) e chega a São Paulo, determinado a tornar-se jogador de futebol (de campo). Por dez anos, mostrou talento no Santos (do Cambuci), Flamengo (da Vila Maria), Botafogo (de Vila Carrão) e até no River Plate (do Brás), passando pelo Vila Teodoro, pelo Parque da Mooca e pelo Sampaio Correia, “o time mais briguento que tinha”, e o Rosa Negra, da favela da Vergueiro, na Vila Mariana. Era um time formado só por negros. Um dia, ele foi jogar lá pelo Santos do Cambuci e a decisão foi para os pênaltis. Um adversário chegou com um facão de cortar cana e deu o recado: “Branquinho, se a gente perder eu corto o seu pescoço”. O time dele perdeu, mas o pescoço ficou intacto – e Lorival foi “contratado”, tornando-se o primeiro branco do Rosa Negra. Em 1968, o ferramenteiro Lorival trabalhava na Metalúrgica Rota, no bairro operário do Belenzinho, região central de São Paulo – foi o seu local de trabalho durante 30 anos, até 1990. Um dia, ele viu o filho do dono brincando com “aqueles botõezinhos 38
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da Estrela” e teve uma ideia. “Arrume plástico ou acrílico, que eu faço um time de botão para você”, disse ao garoto, que estudava no Colégio São Judas. O time chegou até lá – e o dono da escola encomendou 100 times a Lorival, para dar de presente. “Comprei o torninho e comecei a fazer em casa.” E não parou mais. Lorival conta que, no início, a Estrela quis comprar a patente, mas ele não aceitou. “Queria fazer artesanal.” Apesar de fazer tanto time durante tanto tempo, ele não joga. O seu negócio sempre foi o futebol de campo. Chegou a passar em peneira no Corinthians, time de coração, mas desis-
tiu. Mas os anos de janela lhe deram um aguçado olhar de técnico. O que diferencia um bom jogador dos demais é a força com que se bate na bolinha, o comprimento dos dedos, o grau de inclinação dos botões e o autocontrole. Palavras do mestre.
Socorro
A peregrinação em busca de seus botões levou Lorival, inclusive, a mudar de cidade. Há mais de dez anos, ele mora em Socorro, município do interior paulista com 35 mil habitantes, a 130 quilômetros da capital. Um de seus clientes, o dono de uma sorveteria centenária, era presença cons-
Técnico italiano, juiz parcial Um jogador revelou que havia contratado um “técnico italiano” para dirigir o seu time. Era um boneco importado, estrategicamente colocado no centro da mesa antes do jogo, com os botões em volta, para ouvir as instruções. Dois Chicos, o Anysio e o Buarque, disputavam uma tensa partida, sob o olhar atento de sua senhoria, o árbitro Vinicius de Moraes. De repente, sob aquele silêncio digno de uma disputa acirrada, o juiz começa a assobiar uma melodia. Aos poucos, os
jogadores reconhecem o hino do Politheama, o time de Chico Buarque, que do botão migrou para o futebol society. É claro que os assobios de Vinícius foram motivo de veementes protestos por parte de Chico Anysio, para quem o árbitro demonstrava parcialidade. Um técnico confidenciou, certa vez, que seus jogadores estavam fora de forma porque haviam passado a noite na boate. “Mas eu já cortei os salários deles”, afirmou, revelando as punições aos indisciplinados atletas botões.
PAULO PEPE
GOLAÇO André Christovam acredita no botão como um jogo para desenvolver habilidades e a camaradagem
tante na sua oficina do Belenzinho, montada na mesma rua onde ficava a Metalúrgica Rota. De tanto ouvir falar na cidade, um belo dia Lorival resolveu conhecer Socorro. Dez dias depois, estava organizando a mudança. (A propósito, o dono da sorveteria, o Ademar, tem mais de 400 times.) Socorro é onde mora um tricampeão brasileiro, Marcos Paulo Liparini Zuccato, o Quinho. Foi ele que, no ano passado, na Hungria, tornou-se o primeiro campeão mundial (modalidade 12 toques). Sim, regra é o que não falta no futebol de mesa. As mais comuns são as de um, três e 12 toques. Na primeira modalidade, também conhecida como “regra baiana”, só é possível dar um toque (no disco) de cada vez. A de três toques (na bolinha de feltro) é mais praticada no Rio, Brasília e Minas Gerais, enquanto a de 12 toques (também com bola de feltro) predomina em São Paulo. As dimensões dos botões, das traves e das mesas também variam conforme o local. O “passe” de Quinho foi vendido pelo XV de Agosto local ao Palmeiras, em negociação intermediada por Lorival. Ele venceu a resistência de seu Anacleto, pai de Quinho, que recentemente concluiu a faculdade de Educação Física, “patrocinado” pelo novo time (ah, seu Anacleto, dono de uma loja de material esportivo bem no centro da cidade, tem mais de 100 times – e uma foto autografada do goleiro Marcos, do Palmeiras, em cima do balcão, para quem quiser ver). Ou seja, o corintiano Lorival ajudou na transferência da revelação da cidade para o rival Palmeiras. Aos 22 anos, o campeão mundial Marcos Paulo, o Quinho, ganhou todos os seus títulos até hoje jogando com a Romênia de 1994, que ele guarda com extremo cuidado. “A maioria dos jogos você ganha com a cabeça”, ensina o jovem campeão. Os atacantes da Romênia têm 54 milímetros de diâmetro e os defensores, 60. No botão, diferentemente do futebol, é melhor ter atacante “pequeno”, para passar com mais facilidade pelos zagueiros. Se no campeonato brasileiro de futebol o então time de Muricy deixou a desejar em 2009, na modalidade 12 toques não teve prá ninguém: o Palmeiras conquistou o tricampeonato nacional. Já o campeão dos três toques, a exemplo do que ocorreu no futebol, foi o Flamengo. E o Rio Branco, de Americana (SP), levou a Copa do Brasil. MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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COMPORTAMENTO
Jogo de cintura que liberta
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Danรงa do ventre descortina um mundo de possibilidades para as mulheres a partir do resgate da autoestima e da feminilidade Por Evelyn Pedrozo
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oite de terça-feira. Em uma badalada casa noturna de São Paulo, centenas de pessoas chegam para o espetáculo. No palco, mulheres lindas, vaidosas, fortemente maquiadas e inevitavelmente sensuais movem-se de forma sinuosa, ao som de refinada música árabe, observadas por uma plateia atenta. Fascinam homens e mulheres com olhares misteriosos e segurança desafiadora. Em comum, algo precioso: autoestima elevada, a grande marca da dança do ventre na alma de suas praticantes. Relatos unânimes de professoras e alunas atestam esse poder da dança. A ginecologista paulista Gabriela Crema constata quase diariamente em seu consultório o que a ciência ainda não estudou. Mulheres que praticam essa dança têm redução considerável da dor pélvica e aumento evidente da autoestima, o que resulta em melhor qualidade de vida. A poucos meses de completar 70 anos, Samira Samia brilhou na passarela do Sambódromo de São Paulo na ala das bailarinas da Unidos do Peruche. Tem um corpo saudável e forte, marcado por 32 anos de prática de dança do ventre. A professora foi uma das primeiras bailarinas dessa modalidade no Brasil. Garante que escapou das agruras da menopausa porque a dança favoreceu a produção de hormônios, inclusive após o término das ovulações. “Minha pele brilha. Meus seios são firmes”, destaca. Samira tem alunas com mais de 70 anos, e para elas um dos maiores benefícios é a possibilidade de curar com a dança a artrose, doença comum nos idosos. “As mudanças em quem começa a dançar são tantas que algumas alunas ficam irreconhecíveis até fisicamente. É uma verdadeira transformação o que ocorre com as mulheres”, conta. A filha de Samira, Shalimar Mattar, recebeu apoio para dançar desde criança. Bem diferente do que aconteceu com a mãe, que sofreu preconceito e a repressão do marido, a ponto de só deslanchar como bailarina e professora depois de ficar viúva. Aos 42 anos, Shalimar dá aulas e comanda o mercado persa, evento anual que reúne em torno de 6.000 pessoas, praticantes ou apreciadoras da dança do ventre. Diz a mãe que ela é a melhor na modalidade da dança com espada. “Dançar faz bem à pessoa, e isso se reflete em tudo. Para a vida profissional é excelente, porque
a mulher ganha nova postura, fala melhor e fica inevitavelmente mais bonita”, observa Shalimar.
Conexão com a vida
Maria Isabel Viola, de 42 anos, dança há um ano. Foi levada para esse mundo por um companheiro árabe. No começo, tinha o propósito de aprender a dançar para ele. Mas foi surpreendida pelo poder da dança. Ela não gostava sequer de se olhar no espelho. “Eu encontrei a mulher que existia em mim. Mudei até meus movimentos mais simples. Era grosseira, e agora sou feminina para tudo”, relata. Além disso, ela escapou da tensão pré-menstrual, que era terrível, causava depressão e a obrigava a tomar remédios. Hoje não tem mais cólicas. “Ainda planejo me apresentar prá ele, mas,
CONVITE Lulu Sabongi: retorno às origens do feminino
depois que me descobri, isso se tornou secundário prá mim.” A ideia de que mulheres procuram as escolas para agradar aos maridos, em danças particulares, é um pouco fantasiosa para Lulu Sabongi, uma das bailarinas mais respeitadas no Brasil e internacionalmente. Ela explica que as mulheres que procuram a dança são movidas pela vontade de retornar às origens do feminino. “A dança faz esse convite. Elas encontram prazer na feminilidade. Por isso, o índice de desistência das aulas é mínimo.” Segundo Lulu, a dança do ventre tem oito movimentos básicos, que provocam estímulos sensoriais e musculares. “Não se conhece a origem, há inúmeras versões. Mas é essencialmente uma expressão das mulheres se reconectando com a vida. MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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As ondulações reproduzem movimentos que estão no corpo humano. Atuam nos grupos articulares, na postura, e oxigenam parte dos órgãos sexuais”, explica a bailarina. “As mulheres maduras são as que mais podem se beneficiar com a dança”, afirma a professora Najla Daoud Yacoub, de 55 anos. Ela começou a praticar há sete anos e conta que a dança praticamente zerou os efeitos de uma forte artrose e também da menopausa, assim como a baixa autoestima, síndrome do pânico e depressão. “A dança faz a gente sorrir sem saber por quê. É como um hormônio. Me tirou do fundo do poço depois da separação. Algumas mulheres sonhadoras pensam em dançar para salvar seu relacionamento, mas é ilusório. Eu nunca fantasiei isso. O importante mesmo é que algumas alunas chegam a chorar emocionadas pelas mudanças proporcionadas em sua vida.”
Leveza
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No escritório, todo mundo estranha o fato de a economista Adriana Caldeira, de 32 anos, ser bailarina. Ela jogou basquete na juventude e adotou movimentos bruscos. Ainda precisa melhorar muito, é ansiosa, mas já ganhou leveza e flexibilidade. Procurou a dança por vaidade. “Sou superperua. Achava bonito demais, mas a descoberta foi surpreendente. Hoje, sou capaz de conhecer meu corpo, e até a TPM diminuiu”, comemora. Adriana diz que também utiliza
BRILHO Samira Samia: 32 anos de dança do ventre
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Aula no Espaço Shangrilá, em São Paulo
a dança para “esquentar” o sexo: “A relação fica divertida”. O namorado, de 36 anos, estimula que ela se desenvolva na dança. “Não é nada machista. Ele gosta e vê como uma expressão de arte. E não tem ciúme de que eu me apresente para outras pessoas.” Élida Dolores, de 17 anos, começou a dançar aos 13, logo depois de conhecer Rafael Coelho, de 23. Ele a apoiou no início, mas ficaram com pouco tempo para o relacionamento por causa do envolvimento da garota com as aulas. Para conseguir mais tempo juntos, ele também decidiu renderse à arte – e há quatro meses pratica dabke (dança folclórica libanesa). Rafael admira a desenvoltura da namorada e espera por uma apresentação particular. “Sou muito tímida, ainda não venci esse problema, mas não tem importância. Depois da dança, ganho autoconfiança, fico mais leve, mais segura, satisfeita comigo mesma. Tive uma supermelhora no fluxo menstrual.” Se essa é a fantasia de Rafael, não é o que passa pela cabeça de Arthur Henrique Terciano, de 30 anos, namorado da bailarina Marina Coelho, de 22. Para ele, o benefício da dança para o casal é o ambiente em que circulam devido às apresentações. “Há uma vida social legal, muito companheirismo entre todos, e o nosso relacionamento não cai
PODER Maria Isabel: “Encontrei a mulher que existia em mim”
FOTOS GERARDO LAZZARI
RENOVAÇÃO Najla: “A dança faz a gente sorrir sem saber por quê”
na rotina”, observa. Arthur não sente ciúme de Marina durante os shows, especialmente nas casas árabes, onde há muito respeito. “Mas nas outras casas fico de olho. Na dúvida, não saio de perto”, revela. Marina diz gostar muito da pessoa em que se transformou desde que começou a dançar, há oito anos. Sente-se emocionalmente resolvida, viu a sensualidade aflorar e sabe privilegiar os pontos fortes em seus movimentos. “Quero dançar até ficar velhinha”, diz a professora Abdalatif. Segundo ela, mesmo com as limitações impostas pelo tempo, todas as alunas conseguem alcançar os objetivos. Não há movimentos impossíveis para as bailarinas. Ela relata que é emocionante ver as mulheres vencendo seus obstáculos e alcançando vitórias a cada dia. Tudo isso sem contar o cuidado que passam a ter com seus modelos de roupas, com os bordados, com a maquiagem, com a saúde e com os relacionamentos interpessoais. “Elas pegam gosto e ninguém segura mais”, brinca.
Na mídia
A dança do ventre não tem nacionalidade. Dizem que seria uma mistura de várias danças. mas o fato é que os movimentos são todos ligados à fertilidade. Alguns tem a capacidade de “descolar” os órgãos, favorecendo o funcionamento do intestino, dos rins e do útero, por exemplo. No Brasil e em vários países do mundo onde foi exibida a novela O Clone (2002), de Gloria Perez, a dança ganhou muitas seguidoras. Shalimar conta que o mercado deu uma guinada depois dessa produção, apesar de a maneira como a dança era apresentada ter causado polêmicas. Mas antes disso os filmes de Hollywood, como Ali Babá e Os 40 Ladrões, já davam evidência à arte. Foi por influência da mídia que a jornalista Débora Cristina Carrari, de 34 anos, começou a dançar, há cinco. Encantou-se na primeira aula. “Além de ser uma expressão artística muito bonita e sofisticada, tem o poder de transformar a mulher. Não apenas porque ela se sente melhor com ela mesma, mas porque os movimentos dão maior conforto. Assim, a pessoa aceita melhor seu corpo”, detalha. “Eu me sinto mais sensual, mais bonita, meu desempenho sexual melhorou”, confessa. Para Débora, um ponto positivo também é o ambiente
da dança, onde as mulheres torcem umas pelas outras. “Nós nos admiramos. Acaba virando uma irmandade.” O casal Sayed Farouk e Zainab Moustafah, que ficou famoso por participar de um episódio do programa Troca de Família, da TV Record, é habitué nas noites árabes de São Paulo. Eles têm uma loja de tecidos e decoram importantes eventos desse segmento. Descendente de libaneses, Sayed diz que tem “enorme admiração” pela dança do ventre. E orgulha-se do fato de os homens árabes encararem a dança como arte, e por isso terem muito respeito pelas bailarinas. “Não é bem o que acontece com todos os brasileiros. Tem homem que acha que pode ficar olhando com desejo e não sabe tratar a bailarina”, observa. Zainab, que dá aulas de dança do ventre com finalidade terapêutica, explica que os movimentos são um canal para a força do ser feminino se manifestar – e tornam as mulheres muito férteis. “Já teve alunas que ficaram curadas de mioma (tumor no útero), por exemplo, com a prática da dança”, diz. Outras saíram do estado de depressão. Ela própria, aos 42 anos, já é avó e teve um bebê há poucos meses.
CUMPLICIDADE Élida começou a dançar aos 13, Rafael pratica dabke
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VIAGEM
A Nice de Garibaldi Na paisagem apertada entre as montanhas e o mar no sul francês, há rastros de história nas ruas, na arquitetura e nos museus. Mas é bom saber alguns truques para não sair depenado dessa região bela e cara Por Flávio Aguiar
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cidade de Nice, no sul da França, junto ao mar Mediterrâneo, tem cerca de 400 mil habitantes e é a segunda mais visitada por turistas naquele país, depois de Paris. Fica na belíssima costa marítima conhecida como Côte d’Azur, onde se encontram nomes e lugares como Cannes e Mônaco, além de outros não menos belos, embora menos famosos, como Beaulieu-sur-Mer e Antibes. Uma região belíssima, sim... e também caríssima. A melhor solução para quem quiser se aventurar por lá sem deixar uma fortuna é, primeiro, procurar um apartamento para alugar. Um hotel com uma acomodação boa, simples, apertada, com café da manhã, “sem luxo” (quer dizer, sem vista para 44
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o mar), não sairá por menos de € 100 (cerca de R$ 250) por noite para um casal, e isso fora da estação. Já um apartamento do tipo quitinete, confortável, com banheiro bom, bem localizado, com balcão para tomar café da manhã ou jantar, pode sair por € 50 a noite. E permite que a gente cozinhe, o que é fantástico. Porque, além de caros, os restaurantes da área turística vivem apinhados e a relação custo-benefício não é lá essas coisas. Há exceções, é claro. Por exemplo: um prato de 12 ostras de excelente qualidade pode custar entre € 8 e € 10. Mas o melhor mesmo é ir ao restaurante fora da área turística, pedir ao encarregado para abrir as ostras e levar tudo para o apê alugado, com um bom vinho branco ou um espu-
mante (talvez um champanhe...) comprado no supermercado. Ou nas lojas especializadas, cujo preço costuma ser bem em conta. O resto – água (mas pode-se beber a da torneira), refrigerante, café etc. – é tudo caro. Outra exceção: o restaurante ao ar livre Lou Pilha Leva, na Cidade Velha, onde, entre os gritos dos atendentes chamando os fregueses para pegar seus pratos no balcão, pode-se degustar delícias regionais como o socca, uma espécie de panquecão feito com farinha de grão-de-bico, que se deve comer, de preferência, acompanhado de um vinho rosé seco bem gelado. Ou ainda a pissaladière, pizza coberta com cebola, azeitonas pretas e anchovas, perfeita com um bom vinho branco. Há ainda o pan bagnat, uma fatia de pão redondo coberta com azeite de oliva,
FOTOS VANDER FORNAZIERI
vinagre, alho, tomate em rodelas, azeitonas pretas, atum, alcachofra, manjericão e mais uma série de pequenas iguarias e temperos, um conjunto imperdível.
VÁ DE SANDÁLIA As praias de Nice não têm areia, mas pedrinhas
VANDER FORNAZIERI
Para comprar
Resolvido o problema da comida, partamos para a cidade. Antes, ainda, um aviso: Nice é a cidade das feiras. Todos os dias, até o meio-dia e meia, um mar delas se espraia por toda a cidade. Há o tradicional Mercado das Flores, belo, com suas tendas coloridas, onde se compra de tudo, até flores. O lugar deve ser visitado, mas ali os preços são salgados demais. Além de ficar de olho no seu bolso, para não gastar demais, fique de olho na sua bolsa. As feiras de Nice são um convite aos olhos e às compras. São relativa-
FLÁVIO AGUIAR
FLÁVIO AGUIAR
VANDER FORNAZIERI
MERCADO PERSA Quem se embrenha nas ruas estreitas da Cidade Velha conhece uma Nice acolhedora e encontra comida e compras que pesam menos no bolso
mente baratas e também se compra de tudo. Portanto, um bom modo de começar o dia é ir à feira perto de onde você estiver, fazer as compras para o jantar e, depois de trazer tudo para casa, sair para passear. Uma das principais atrações de Nice é a paisagem, apertada entre as montanhas escarpadas e o mar. Este e o céu são de um azul – o chamado azur – profundo, brilhante e forte. A cidade é cheia de altos e baixos, com praias bonitas, embora, para nós, possam deixar a desejar: o chão é todo de pedras. O clima é ameno – temperaturas assim como as de Porto Alegre. O sistema de transporte é ótimo e barato. Com € 1 vai-se a qualquer parte, até ao Principado de Mônaco, de ônibus ou bonde. Ou de trem, que custa mais caro. Pode-se também comprar MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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Herói de dois mundos
Navegando-se pela Viéia Villa pode-se sair da Place de L’Opéra, cartão de visitas, até outra onde está um dos corações históricos da cidade: a Praça Garibaldi. Nela, uma imponente estátua de Giuseppe Garibaldi – o “herói de dois mundos” – olha em direção à Itália. Nice é a sua cidade. Lá ele nasceu, no tempo em que Nice era Nizza, e pertencia ao Reino do Piemonte, e revolucionários começavam a luta pela unificação da Itália, contra o papado, o Império Austro-Húngaro e a aristocracia, que em grande parte apoiava essa situação submissa. Foi só em 1860, através de um tratado e de um plebiscito, que Nice foi incorporada à França. O jovem caudilho italiano se envolveu num atentado contra o rei do Piemonte e por isso teve de se exilar – indo parar no Rio Grande do Sul, na Revolução Farroupilha, e em Laguna, Santa Catarina, onde conheceu a grande paixão de sua vida, Ana de Jesus Ribeiro, que se tornou Anita Garibaldi. Para quem for peregrino da história, uma visita interessante é ao túmulo da mãe de Garibaldi, Rosa, no cemitério que fica no alto do morro do Castelo. Ali também esteve enterrada Anita, morta em 1849, antes que seus despojos fossem removidos para Roma. Isso implica subir o morro, o que se pode fazer a pé ou de elevador, junto ao mar, próximo ao Mercado das Flores. O morro é na verdade um parque, de vistas deslumbrantes sobre a cidade, que permite ver os famosos conjuntos de telhados vermelhos
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Praça Garibaldi
Museu Matisse
Transporte moderno em meio à arquitetura de bom gosto
FOTOS FLÁVIO AGUIAR
um passe diário por € 4. O primeiro barato em Nice é andar na Cidade Velha (Viéia Villa, em provençalniçardo, a língua original da região). É um trançado de ruas labirínticas, de desenho medieval, em meio a prédios cuja forma arquitetônica, além de bela, é surpreendente. Nice é um verdadeiro mercado persa, um carrefour (cruzamento de vários caminhos), como dizem os franceses, entre a França e a Itália, a Europa, a África e agora a Ásia, e isso se reflete também nas ruelas da Viéia Villa. Elas são uma verdadeira babel de mercadinhos, ateliês, armarinhos, lojas sofisticadas de azeites, vinhos, azeitonas, restaurantes mais ou menos sofisticados e caros, cafés, armazéns, tudo encimado por residências em cujas janelas tremulam ou repousam roupas – desde as íntimas até as de festa – em varais que atestam o travo popular do bairro.
VANDER FORNAZIERI
A marina principal de Mônaco
Em Mônaco você poderá dizer que esteve no lugar em que Grace Kelly se apaixonou pelo príncipe Rainier, durante as filmagens de Ladrão de Casaca, de Alfred Hitchcock. Mas não tenha sede nem fome: se quiser comer e beber algo, vai deixar um salário da Cidade Velha. Passeando pelas alamedas, entre fontes e ruínas de uma fortaleza medieval, pode-se chegar ao porto da cidade, onde fica a casa (reconstruída) de nascimento de Garibaldi. E, das mulheres legendárias de Nice, a mãe de Garibaldi não é a única. Outra é Catherine Segurana, uma cidadã que, diz-se, salvou a cidade de um ataque dos turcos, no século 16, de um modo muito original. Nas muralhas da cidade ela prostrou um porta-estandarte turco com seu pau de bater roupas, tomando-lhe a bandeira. A seguir, virou-se de costas para o exército inimigo e levantou as saias, exibindo-lhes o traseiro, um gesto de desprezo comum na época. E por isso o exército turco – não se sabe exatamente se ultrajado ou extasiado – bateu em retirada... Uma bala de canhão, dita do inimigo, exposta numa esquina, rememora o feito.
Em Nice, há pelo menos mais um morro a subir. O Cimiez, uma das origens da cidade, onde há 2.000 anos havia uma cidadela romana. No caminho encontra-se o Museu Nacional Mensagem Bíblica de Chagall, no qual está reunida uma vintena de suas pinturas com temas da Escritura Sagrada. É único, belo, indescritível. No alto do morro, junto às ruínas romanas, há o Museu Matisse, com obras de Henri Matisse, pintor francês que viveu em Nice. Visite também os arredores, onde não faltam paisagens deslumbrantes e momentos culturais de grande valor. Se quiser cumprir a peregrinação dos endinheirados, tome o ônibus 100 e, por € 1, vá visitar o Principado de Mônaco e o Cassino de Monte Carlo. Vá: poderá dizer que esteve no lugar em que Grace Kelly se apaixonou pelo príncipe Rainier, durante as filmagens de Ladrão de
Casaca, de Alfred Hitchcock, e onde com ele se casou em 1956. Mas não tenha sede nem fome: se quiser comer e beber algo, vai deixar um salário. Vale mais a pena, por exemplo, visitar a elegante e exótica Villa Kérylos, em Beaulieu-sur-Mer, a meia hora de trem de Nice, na direção de Mônaco. A Villa – uma mansão construída de 1902 a 1908 segundo o estilo grego antigo – pertencia a Theodore Reinach (1860-1928). É um testemunho original dos ideais burgueses e aristocráticos da Belle Époque, que antecedeu a Primeira Guerra Mundial. Mas é um testemunho de bom gosto e beleza arquitetônica para repousar os olhos e o espírito depois dos galopes necessários para descobrir as incontáveis belezas da Nice de Garibaldi e daquela que ficará na mente do viajante, para contar a filhos, netos e bisnetos. MARÇO 2010 REVISTA DO BRASIL
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Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar.
CurtaEssaDica
Por Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)
Modernista A exposição Anita Malfati – 120 Anos de Nascimento apresenta 120 obras com todas as técnicas que a
artista utilizou nas diversas fases de sua trajetória. Com curadoria de Luzia Portinari Greggio, as pinturas a óleo, desenhos, pastéis e aquarelas estão na mostra no Centro Cultural Banco do Brasil do Distrito Federal até 25 de abril. De terça a domingo, das 10h às 21h, na Galeria 1, SCES, Trecho 2, lote 22. (61) 3310-7480. Grátis.
Amor em letras
Malemolência
Segundo álbum da carreira de Céu, Vagarosa (Universal, R$ 24, em média) é pura malemolência, especialidade ímpar da cantora e compositora desde seu primeiro álbum, CéU. Com um título que não podia ser mais adequado ao som, o álbum surpreende pelo instrumental e letras suaves e sedutoras. Samba, dub, reggae e uma pitada de jazz e soul dão o tempero. Bubuia, com Anelis Assumpção e Thalma de Freitas, é um deleite vagaroso. Também participam do disco a banda Los Sebozos Postizos, Fernando Catatau, do Cidadão Instigado, e Luiz Melodia, que empresta sua rouquidão à canção Vira Lata. 48
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Primeiro negro a receber um Oscar (1963) e Oscar Honorário pelo Conjunto da Obra (2002), Sidney Poitier, um dos mais importantes atores de Hollywood, resolveu tornar-se presença constante na vida da bisneta Ayele assim que ela nasceu. A forma que encontrou para fazê-lo foi escrever o livro Uma Vida Muito Além das Expectativas – Cartas para a Minha Bisneta (Ed. Larousse, 304 páginas). Repleta de fotos, a obra é dividida em três partes: Você e Eu, Conhecendo Você e De Onde Viemos, nas quais Poitier resgata sua história desde a infância miserável nas Bahamas, suas conquistas, decepções, a carreira, família e termina com a tocante carta “O mundo que deixo para você”. R$ 44,90.
Além d’avenida O samba é samba muito antes de virar espetáculo. Esse é o tema do documentário Samba, de Theresa Jessouroun, “discípula” do documentarista Eduardo Coutinho, que percorreu barracos, casas e rodas de samba da Estação Primeira de Mangueira e mostrou a importância da dança para os passistas e para a comunidade como um todo. Theresa deixa evidente que a herança do samba passa por gerações com a mesma paixão, especialmente quando o “desfile” é fora da avenida, nas vielas e botecos da favela. Disponível para locação.
Chico Science e Nação Zumbi
Por dentro do manguebeat Nos programas de Mangue no Cinema serão apresentados os filmes: dia 25/3 – Baile Perfumado; 26/3 – Texas Hotel, O Mundo É uma Cabeça, A Perna Cabiluda,, Um Passo à Frente e Você Está no Mesmo Lugar; 27/3 – Maracatu, Maracatus, O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas, Cachaça, Se Liga na Parada... Ou um Abraço, Josué de Castro – Cidadão do Mundo; 28/3 – Maracatu de Tiro Certeiro, Samba Esquema Noise, A Cidade, Maracatu Atômico, Manguetown, Samydarsh – Os Artistas da Rua, De Malungo pra Malungo e Amarelo Manga. Confira a programação completa, horários e classificações indicativas em www.itaucultural.org.br/ocupacao. ww.itaucultural.org.br/ocupacao. Todas as atividades são gratuitas.
FOTOS FRED JORDÃO
O universo do músico pernambucano Chico Science e dos “mangueboys” será apresentado em diversas atividades no Itaú Cultural, em São Paulo, até 4 de abril, na mostra Ocupação Chico Science. Objetos pessoais, imagens de arquivo, cartazes de shows, depoimentos de familiares, amigos e parceiros musicais fazem parte da exposição. No dia 28 de março, os especialistas musicais e protagonistas do movimento manguebeat Beco Dranoff, Borkowski Akbar, Fred 04, Bill Bragin e Miranda participam do Conversa de Mangue, um debate sobre os ecos da cena no Brasil e no mundo. Shows dos grupos Instituto, Mundo Livre S/A e convidados e Bomba do Hemetério estão previstos entre 1º e 4 de abril.
Chico Science morreu num acidente de carro em 1997
O Rap do Pequeno Príncipe...
Baile Perfumado
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Atitude
Por Xandra Stefanel. Foto de Mauricio Morais
Beijos e direitos humanos
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biólogo Estevam Baldon e o estudante André Gomes encontraram no beijo uma forma de se posicionar. Eles estavam no Beijaço da avenida Paulista, organizado em fevereiro por ciberativistas em apoio ao Programa Nacional de Direitos Humanos, o PNDH-3, encaminhado pelo governo federal ao Congresso Nacional em dezembro. A manifestação foi cheia de afetividade e humor. “A gente nunca sabe como quebrar os preconceitos. Acho que chocar é uma boa forma”, afirma Estevam, depois de um demorado beijo. Para André, o apoio ao plano é uma maneira de pedir respeito: “Não sou menos que qualquer pessoa porque gosto de outro cara”. Apesar de ainda não planejarem filhos, a paternidade é um
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REVISTA DO BRASIL MARÇO 2010
grande desejo dos dois. “Tenho uma vontade imensa de ter um filho”, diz Estevam. Seu companheiro concorda: “Acho que adotar é tão maravilhoso quanto gerar, você escolhe alguém para amar”, completa. O PNDH-3 é um decreto do Executivo federal que trata, entre outras coisas, da união civil entre pessoas do mesmo sexo, adoção homoparental, criminalização da homofobia, descriminalização do aborto, ações para apurar e punir crimes de tortura praticados pelo regime militar, criação de câmaras de conciliação para resolver conflitos agrários, taxação de grandes fortunas. E acabou provocando a fúria em meios militares, religiosos, entre grandes proprietários rurais, em parte da imprensa e outros setores conservadores da sociedade.
INFORME PUBLICITÁRIO
de Manaus, contra 2.021.668 de verno do Amazonas, por passado. O destaque dos dados ficou por 2008. Em um comparativo entre os Empresa Estadual de (Amazonastur), registrou conta do comparativo entre o anos de 2002 e 2009, o fluxo no cimento de 13,47% em volume de turistas estrangeiros de Eduardo Gomes foi de 1.101.089 Conseguimos um para 2.307.417, um crescimento de luxo de turistas no Estado. 2008 e 2009. 561.751 turistas passaram crescimento histórico quando 109%. A Infraero registrou ainda um azonas no ano passado, falamos em fluxo de turistas mais do que em 2008, estrangeiros. Em 2008 registramos crescimento no fluxo de passageiManaus, contra 2.021.668 de de Governo porJá passado. procedência internacional 161.778. no ano passado este ros de de oi registradoOum fluxo do deAmazonas, Em um comparativo entrecontra os O destaque dos dados ficou por 2008. da do Empresa Estadual de Conseguimos Omeio Governo Amazonas, por meio um crescimento históriporto internacional de Manaus, 19,9%, o que representa 150 mil registro foiconta parado 229.619, umentre anos de 2002 e 2009, o fluxo no comparativo o Turismo (Amazonastur), registrou Empresa Estadual de Turismo (Ama- co de quando falamosinformou em fluxo de passageiros turis- 2.021.668 de 2008.contra Em um 125 comparativo em 2009 mil crescimento 41,93%, dadosdadivulgados pela Gomes foi de 1.101.089 volume de turistas estrangeiros de Eduardo um crescimento 13,47% em tas zonastur), registrou um de crescimento de estrangeiros. Em 2008 registramos entre os anos de 2002 e 2009, o fluxo no em 2008. Oreni. stur equivalem ao período 2.307.417, 2008 e 2009. um para 2009em no2009 fluxono defluxo turistas no Estado. 13,47% de turistas no 161.778. Já no anoConseguimos passado este regisEduardo Gomesum foi crescimento de 1.101.089de para crescimento histórico quando 109%. No total,de 561.751 turistas passaram O volume médio mensal no o a dezembro 2009 e Estado. No total, 561.751 turistas pas- tro foi para 229.619, um A Infraero registrou ainda um falamos em fluxo de turistas pelo Boletim Amazonas no ano passado, de turistas internacionais eadossaram no pelo Amazonasde no anofluxo passado, crescimento de 41,93%, crescimento no fluxo de passageiestrangeiros. Em 2008 registramos 66.667 a mais do que em 2008, em 2008 foiinformou de 13.481 e no ano o Hoteleira e em na 2008, 66.667 a(BOH) maisfoidoregistrado que Oreni. Já no ano passado este ros de procedência internacional de quando um quando fluxo de 161.778. passado passou para acionalfoi registrado de Registro um fluxode de 495.084. O volume médio 229.619, um 19,9%, o que representa 150 mil registro foi 19.135. para 495.084. Os informados dados divulgados pela Amazonasmen s al no fluxo tuSem dúvida o trabalho de s (FNRH), pela informou passageiros em 2009 contra 125 mil Os dados divulgados pela crescimento dede41,93%, tur equivalem ao período janeiro em 2008. Oreni. Amazonastur equivalem r operíodo m oaç ã oristas e minternacionais arketing, oteleira do Estado a depao dezembro de 2009 e são baseados no em 2008 foi de 13.481 O volume médio mensal no de janeiro a dezembro de 2009 e realizado pelo Governo do stur. Boletim Ocupação Hoteleira (BOH) ede epermitiu no ano pasfluxo depassado turistas internacionais são baseados no Boletim Amazonas, o fortalecicordo com a de presidente da empara 200819.135. foi de 13.481 Ocupação Hoteleira (BOH) e na sou na Ficha Nacional de Registro de HósSem e no ano do passado nome do nosso astur, Oreni Braga, de o mento de passou para Ficha Nacional pedes (FNRH), informadosRegistro pela rede dúvida o trabalho de 19.135. Estadopela nospromoção principais emissonto nohoteleira fluxo turistas Sem dúvida o trabalho de Hóspedes (FNRH), informados dode Estado a Amazonastur. e marketing, de turistas. q u e oDerede G o vhoteleira ecom r n oa presidente d odo res p rlizado o m oAlém çpelo ã o Governo edisso, marketing, Estado a rea acordo da Amarealizado pelo Governo do Amazonastur. estamos atacando em novos s acertou quando aposzonastur, Oreni Braga, o crescimento do Amazonas, permitiu Amazonas, permitiu o fortaleciDe acordo com a presidente da mercados o asiático, 2003,noem uma política fluxo de turistas mostra que o Gover- ocomo fortalecimento do Amazonastur, Oreni Braga, o mento do nome do nosso no do Amazonas acertou quando aposnome do nosso Estado d i s s e a p r e s i d e n t e da de divulgação do Estado. crescimento no fluxo de turistas Estado nos principais emissoem 2003, em uma política arrojada nos principais emissoAmazonastur. es detou,divulgações são m o s t r a q u e o G o v e r n o d o res de turistas. Além disso, de divulgação doacertou Estado. AsMais açõesreflexos de res de turistas. Alémem novos positivos s durante o ano todo, tanto quando estamos atacando Amazonas aposdivulgações são realizadas durante o disso, estamos atacanmercados como o asiático, tou, no emexterior. 2003, em O fluxo de passageiros País quanto E uma política todo, tanto dentro do País um crescimento de 109%. a mercados p r e s i d e ncomo t no e do aasiátidivulgação do quanto Estado. dod iem Mais 2.307.417, um registro importante deste domésticos es s enovos estrangeiros do estáano aí arrojada com os de números no exterior. E o resultado está aí com os disse a presidente da Amazonastur. A Infraero registrou ainda um cresAmazonastur. As ações de divulgações são co, que o mercado Aeroporto Internacional Eduardo bom momento do setor. números positivos do setor. cimento no fluxo de passageiros de realizadas durante o ano todo, tanto Mais reflexos positivos turístico amazonense passa é o o Gomes, em Manaus, cresceu 14% ndo dados do BOH e da O fluxo de passageiros dentro do Paísdo quanto Segundo dados BOH enodaexterior. FNRH, E Mais reflexos positivos procedência internacional de 19,9%, número de conexões no aeroporto no ano passado, em relação ao ano o fluxo de passageiros Mais um registro desteem domésticos e estrangeiros noe que o resultado está aí domésticos com os números o fluxo de passageiros (naO fluxo de passageiros domésticos representa 150importante mil passageiros bom momento que o2008. mercado Aeroporto Internacional positivos do setor. cresceu internacional de Manaus. 2002, de30,66% 2008, segundo a assessoria deEduardo os (nacionais) passado cionais) nonopassado estrangeiros no Aeroporto Internacional 2009 contra 125 mil emEm turístico é bom o Gomes, em Brasileira Manaus, cresceu 14%registrado, Segundo dados doimprensa BOH e dada foi segundo a passa Infraero, Empresa de cresceu (264.711), em relação a 2008, quando Eduardo Gomes, em Manaus, Mais umamazonense registro importante deste 30,66% (264.711), em número de conexões no aeroporto no ano passado, em relação ao ano FNRH, o fluxo de passageiros registrada uma movimentação ao mil momento que o mercado turístico amazopassaram pelo aeroporto. I n f r a ede s t r u14% t u r ano ano A e rpassado, o p o r t uem á r irelação a 1.101 2008,foi quando foi registrade Manaus. 2002, de 2008, segundo a assessoria de internacional domésticos (nacionais) no passado ano 202.602 turistas. Outro dado interessande 2008, segundo a assessoria nense passa é o número deEm conexões Nodeano Infraero regis- no (Infraero), Amazonas. movimentação de 30,66% 202.602(264.711), foi passado, registrado, a segundo a Infraero, da Empresa Brasileira cresceu em noimprensa te é ointeressante volume mensalémédio turistas decom imprensa da da Empresa Brasileira de aeroporto internacional de Manaus. mil.mil Isso aponta que aero- Em acordo Outro dado o de 1.101 passaram pelo aeroporto. I n f r a edados s t r u t u r a Infraero, A e r o p o r t utrou á r i a 34 relação a 2008, quando foiDe registradomésticos que de 16.883, em 2008, Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), 2002, foram 1.101, segundo a Infraero. No Manaus ano passado, Infraero regisno Amazonas. é o aprincipal hub 2009, (Infraero), passaram 2.307.417 porto de da umade movimentação de 202.602 mensal médio turistas em passou para Outro 22.059dado no ano passado. é o no Amazonas. No ano passado, o número subiu para trou 34 mil. Isso aponta que aeroDe acordo com dados da Infraero, turistas. interessante da região (terminal de conexões), passageiros domésticos e estranos queO de 16.883, em ficou destaque dos dados por conDe acordo com dados da Infraero, em 34 mil. Isso aponta que o aeroporto porto de Manaus é o principal hub de em 2009, internacional passaram 2.307.417 volume mensal médio geiros de turistas disse Oreni Braga. pelo2009, aeroporto ssou para no entre ano ta do 22.059 comparativo o volume de passaram 2.307.417 passageiros Manaus é o principal hub (terminal de domésticos que de 16.883, em passageiros domésticos e estranturistas estrangeiros de 2008 e no 2009. estrangeiros pelo aerogeiros peloe aeroporto internacional 2008, passou para 22.059 ano domésticos
da região (terminal de conexões), conexões) região, disse Oreni Braga. disse Orenida Braga.