Revista do Brasil nº 037

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MIGUEL NICOLELIS

nº 37

julho/2009

“Sobrou para quem ser o Primeiro Mundo? Para nós!”

www.revistadobrasil.net

Josi e os filhos viajaram de avião pela primeira vez

EUROPA À DIREITA Esquerda abandona bandeiras e dá asas ao conservadorismo O PESO DA REFEIÇÃO Comida “por quilo” exige cuidados com o bolso e com o estômago

A BASE QUE REAGE

Inclusão de milhões de pessoas nas classes com poder de consumo dá fôlego à economia SABOR DE SALMÃO O gosto amargo de uma cultura não sustentável nos Lagos Andinos



JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Cartas Núcleo de planejamento editorial Bernardo Kucinski, Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Assistente editorial Xandra Stefanel Redação Anselmo Massad, Evelyn Pedrozo, Ricardo Negrão, Thiago Domenici, João Peres e Júlia Lima (arte) Revisão Márcia Melo Capa Foto de Paulo Pepe Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3241-0008 Comercial Nominal (11) 3063-5740 Poranduba (61) 3328-8046 Adesão ao projeto (11) 3241-0008 Atendimento: Claudia Aranda Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares

Conselho diretivo Admirson Medeiros Ferro Jr., Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Antonio de Lisboa Vale, Arilson da Silva, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Alberto Grana, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Edílson de Paula Oliveira, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Carlos Bortolato, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Sebastião Geraldo Cardozo, Sérgio Goiana, Sérgio Luis Carlos da Cunha, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Vinicius de Assumpção Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Luiz Cláudio Marcolino Sérgio Nobre Diretores financeiros Ivone Maria da Silva Teonílio Monteiro da Costa

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REVISTA DO BRASIL JULHO 2009

Mídia Na sociedade atual, o poder está nas mãos daqueles que detêm, muito mais do que os meios de produção, os de comunicação. A reportagem sobre mídia (“Quem poderá nos defender?, ed. 36) traz casos exemplares de “manipulação editorial” para atingir propósitos muito diferentes daqueles supostamente inerentes à imprensa. Com a extinção da Lei de Imprensa, só nos resta chamar o Chapolin Colorado? Marcela Gois, São Paulo (SP) mrcelag222@hotmail.com

Filho do Brasil Parabéns pela brilhante reportagem sobre o filme que retrata a trajetória do presidente Lula (“Uma história na mão e um futuro a construir”, ed. 35). Gosto muito de ler a Revista do Brasil, acho muito importante o quanto as reportagens falam da vida dos trabalhadores. Gilberto Paulino, João Pessoa (PB) gilbertopaulino13@hotmail.com Sonho de Biondi A todo o grupo, parabéns por tornar o sonho do saudoso Aloysio Biondi uma realidade. Este, independentemente de seu envolvimento político, sempre incitava a esquerda a ter um meio de comunicação próprio que dialogasse com todos os brasileiros. A Rede Brasil Atual será o marco dessa virada. José Aparecido da Silva, São Paulo (SP) chocolate@afubesp.com.br

Extremos Cumprimento o excelente trabalho que vocês fazem para levar notícias atuais e bem preparadas para todos os brasileiros. E agradeço por me trazerem ao conhecimento a arquiteta Cristina Engel Alvarez (“Arquiteta de extremos”, ed. 35) e o seu projeto tão inovador e tão importante para o meio ambiente que me encheu de curiosidades, já que pretendo me formar em arquitetura. Luan de Souza Ferreira, Caçapava (SP) luans.ferreira@hotmail.com Oxalá Cumprimento a revista pela maneira de abordar os assuntos da atualidade, de forma independente da grande mídia e oferecendo uma outra visão, popular. É mais um instrumento para furar o bloqueio da grande mídia às mudanças que o Brasil está vivendo e, oxalá, continuará a viver. Henrique Madeira G. Alves, Brasília (DF) henriquemgalves@ig.com.br Estrangeiros Muito boa a reportagem “A face oculta dos investimentos estrangeiros” (ed. 35). Acredito que lucros como os que são conseguidos no Brasil por algumas multinacionais ainda são associados a sonegação, corrupção, lavagem de dinheiro e escravidão. Marcelino Sousa, Belo Horizonte (MG) marcelinosoucardoso@yahoo.com.br

Doméstica Parabéns a todos que fazem esta revista. Um ótimo instrumento de capacitação do trabalhador. Gostaria que fizessem uma reportagem sobre a trabalhadora doméstica, não só do Brasil, mas do mundo, pois seria interessante traçarmos um paralelo, principalmente com relação à valorização. André Braz dos Santos, S. J. dos Campos (SP) ildtoabs@ig.com.br

ANTONIO COSTA

Informação que transforma

Oscar, da Anjos O personagem da foto maior na página 35 da edição de maio (reportagem “Difícil recomeço”) não é “Oscar”, como informa a legenda, mas o pastor Ezequiel Trincaus. A legenda referia-se a Oscar Moreira, criador da ONG Anjos, que atende a egressos do sistema prisional em Curitiba, que aparece nesta foto.

revista@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que as mensagens venham acompanhadas de nome completo, telefone, endereço e e-mail para contato. Caso não autorize a publicação de sua carta, avise-nos.


Editorial

Mídia 12 Por que um blog como o da Petrobras surgiu aqui, e não na Europa ou EUA Economia 16 Distribuição de renda e maior poder de consumo reduzem efeitos da crise Entrevista 20 Miguel Nicolelis: ciência para mudar a sociedade e promover democracia Mundo 25 Esquerda europeia perde identidade e continente se expõe ao retrocesso Trabalho 30 Salmão dos Lagos Andinos trazem à mesa práticas não sustentáveis Ambiente 34 Brasil pode promover primeira Copa do Mundo verde da história, em 2014 Consumo 36 Apesar do sucesso, comida por peso exige cuidados e muito controle Esporte 42 Democrática, a prática do xadrez ajuda a desenvolver o aprendizado A primeira grande casa de espetáculos da América do Sul

TEATRO SOLIS/LUIS ALONSO

SEÇÕES Cartas 4 6

Resumo 8 Em Transe

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Retrato 33 Curta Essa Dica

Avanço do pasto: interesses de proprietários não podem se sobrepor aos da Amazônia

Ciência e democracia

O

Viagem 46 Beleza, gastronomia e história fazem de Montevidéu destino bom e barato

Ponto de Vista

MARCELLO CASAL/ABR

Índice

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Crônica 50

neurocientista Miguel Nicolelis – nosso entrevistado à página 20 – é um dos mais respeitados no meio científico internacional. No Brasil, é também conhecido por sua conduta multidisciplinar. Ou seja, não se restringe a comentar suas pesquisas sobre o mal de Parkinson ou a paralisia. Fala em modificar a educação para melhorar o potencial de aprendizado do ser humano. Em popularizar a ciência e aproximá-la da vida real das pessoas – porque a entende como semeadora de transformação social. E critica a democracia limitada, dentro da qual o povo delega aos políticos a tarefa de cuidar dos assuntos de interesse da coletividade. A Constituição já concede à sociedade o direito de expandir sua voz na gestão do Estado, de se organizar em fóruns que expressem seus anseios e de fiscalizar os poderes. Mas, nesse terreno, apenas engatinhamos. Um exemplo do poder de influência da sociedade se deu em torno da Medida Provisória 458. Antes de virar lei sobre a regularização fundiária, a medida partiu do Executivo para o Congresso apelidada de “MP da Amazônia”. No Congresso, foi modificada pelos deputados da bancada ruralista, que privilegiaram seus interesses econômicos. Terras da União irregularmente ocupadas poderiam ter sua titulação regularizada em nome de particulares. Por isso, a medida saiu de lá batizada de “MP da Grilagem”. O presidente Lula vetou a transferência de terras para empresas e pessoas que exploram indiretamente a área ou tenham imóvel rural em outra região do país. O respaldo ao veto veio dos movimentos sociais, sindical, de ambientalistas, especialistas e de autoridades públicas que têm por hábito ouvi-los. Lula atendeu apenas em parte os movimentos, que queriam também maior rigor em relação às fatias “desmatáveis” dessas propriedades. Assim, por limitação da força participativa da sociedade e pela distorção do poder “representativo” dos parlamentares, estes também acabaram parcialmente atendidos. E por que “representativo” entre aspas? Porque o poder econômico ainda fala alto nos processos eleitorais e a maioria parlamentar não reflete a composição da sociedade. Isso evidencia a necessidade de fortalecer a democracia participativa, de ampliar o poder de influên­cia das maiorias nas decisões do Estado e avançar para uma reforma política que discuta desde financiamentos de campanhas a legitimidade de partidos; de quantidade de parlamentares por habitantes à sua funcionalidade; e até mesmo se o Poder Legislativo precisa de um Senado para cumprir o seu papel. JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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PontodeVista

Por Mauro Santayana

O Senado e a República O modelo republicano encontra-se em crise no mundo inteiro porque os atos de governo se tornaram mais conhecidos com a multiplicação dos meios de informação e de opinião

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Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980

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o passado, a corrupção era protegida pelo nos mais populosos. Como a representação na Câmasilêncio. Os cidadãos comuns nunca sa- ra dos Deputados é relativa à população dos estados, biam o que se passava nos gabinetes. Os os de maior número de eleitores acabavam dispondo poderes só se prestavam mutuamente de maior poder na União. Assim, criou-se o Senado, contas formais, e incompletas. Tal como com representação paritária, a fim de diminuir a prehoje, todos procuravam proteger para ser protegidos. dominância política de alguns estados sobre os outros. Mesmo assim, alguns casos, pela sua dimensão, não pu- O sistema foi adotado no Brasil desde a Constituição deram ser ocultados. Como o da companhia organiza- Republicana de 1891. da na França para a construção do Canal do Panamá, A primeira grande violação do princípio federativo que subornou parlamentares e membros do governo, do Senado ocorreu em 1977, quando o governo militodos tidos como respeitáveis. O escândalo eclodido tar instituiu os senadores biônicos, nomeados ditatoem 1889 acabou em 1893, depois de investigações que rialmente pelo governo federal. Os cidadãos não os envolveram mais de 50 pessoas, sem a elegeram diretamente, como determiPara muitos, punição de ninguém. nava o texto constitucional. Amparado O fato de a crise de confiança nos ser senador no AI-5, o governo Geisel os criou a fim parlamentos ser universal não nos traz é como ser de impedir a maioria oposicionista naconsolo, porque – até onde podemos sa- deputado quela casa do Congresso. ber – o Brasil se encontra no nível mais Outra violação foi a instituição dos de primeira baixo de credibilidade do Poder Legissuplentes de senadores. Nos Estados lativo. E, com todos os desvios da Câ- classe, com Unidos não há suplentes. Quando há mara dos Deputados, o Senado exagera gabinete mais a vacância de um cargo, cada um dos na violação da ética. É fácil apontar os amplo, mais estados decide, conforme a própria culpados pelos desvios morais, mas o assessores e Constituição (as leis variam de estado mais importante é identificar a anemia regalias. Não para estado), como suprir a vaga até as ética da instituição como um todo. Os eleições seguintes. Em alguns, há nova percebem senadores são, em conjunto, responsáeleição; em outros, cabe à Assembleia veis pelo que se passa na Casa, mas ao que são Legislativa indicar o novo senador; e corpo permanente de servidores cabe a representantes em outros, ainda, o governador pode responsabilidade prática, e direta, pelo de seu indicá-lo, ad referendum do parlamenque ocorre. to estadual. estado, e O primeiro e mais grave problema do não de seu Uma medida a ser tomada no SenaSenado é a escassa cultura política da do brasileiro deveria ser a extinção, por partido maioria de seus membros. Poucos saemenda constitucional, do cargo de subem o que significa pertencer a uma câmara federa- plente. A outra, que se encontra em andamento, é tiva, eleita pelo voto majoritário em cada um dos es- tornar da responsabilidade do plenário aprovar os tados. Para muitos, ser senador significa ocupar um nomes dos principais diretores executivos da instimandato de deputado de primeira classe, com direito tuição. Os candidatos devem ser servidores estáveis a gabinete mais amplo, maior número de assessores e e seu mandato será temporário. Eles terão de aprecarro oficial, com seu respectivo motorista. Não per- sentar sua candidatura e expor programa de trabacebem que são representantes de seu estado, e não de lho. O sistema poderá, em benefício da democracia, seu partido. ser adotado também pela Câmara dos Deputados e O Senado de modelo norte-americano que temos no pelas assembleias estaduais. Brasil foi expediente democrático dos Estados Unidos, Essas medidas não excluem outras, exigidas a fim de ao nivelar estados maiores e estados menores, no con- que se reduzam os excessivos privilégios de todos os junto da União, a fim de impedir a hipertrofia de poder membros dos poderes republicanos.

REVISTA DO BRASIL JULHO 2009


Uma nova mídia para um novo Brasil. Conheça, leia, ouça, navegue.


Resumo

Por Paulo Donizetti de Souza (resumo@revistadobrasil.net)

JAILTON GARCIA

Estudantes e funcionários da USP em manifestação na Avenida Paulista

1º lugar no Top Five “Depois de ver esse vídeo que mostra como os ‘grevistas’ da USP lidam com estudantes que discordam da opinião deles, não tenho dúvida: PM neles.” Assim o apresentador do CQC, Marcelo Tas, legendou um vídeo exibido em seu blog no dia 19 de junho. Para um profissional de sua qualidade – e para a maioria dos 170 comentários que recebeu, de gente a favor e contra a greve –, pegou mal. “Acho que você está tão compenetrado nas brincadeiras do seu programa que não é capaz de refletir sobre

questões sérias”, comentou Guilherme Evaristo. “Claro que há situações deploráveis, mas até aí radicalizar e generalizar o movimento inteiro é um salto muito grande, não acha?”, disse Magno, da Pedagogia. “Eu estava na manifestação contra a greve, e acho que esse vídeo está mostrando só um lado da questão... Sou estudante da FEA, nunca estive em greve e nunca estarei, acho uma bobeira só. Mas acho que seria legal você tomar cuidado quando divulga alguns vídeos desse grupo antigreve”, ensinou Diego.

Sinais da recuperação Mídia na agenda A Central Única dos Trabalhadores realizará em São Paulo, de 15 a 17 de julho, o seu 5º Encontro Nacional de Comunicação (Enacom). O objetivo da central é estimular sua base sindical a incorporar o tema à agenda cotidiana de debates e atividades, investir em uma rede de informação e costurar unidade entre os movimentos sociais para garantir, a partir da Conferência Nacional, no final do ano, a reestruturação das leis que regem a comunicação no Brasil. 8

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A taxa de desemprego de 8,8% em maio ainda ficou quase um ponto mais alta em relação a maio de 2008. Mesmo assim, foi o segundo melhor maio da série histórica do IBGE. Segundo o instituto, a taxa de empregos com carteira subiu 2,1% em um ano. E o rendimento médio da população ocupada (R$ 1.311,70) teve ganho real de 3%. Já o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho verificou o maior saldo positivo do ano (131.557 novas vagas) de contratações com carteira assinada. Em maio, foram demitidos 1.217.018 trabalhadores e contratados 1.348.575. É bom lembrar: a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE verifica o percentual da população economicamente ativa que afirmou estar à procura de trabalho nas seis maiores Regiões Metropolitanas. O Caged mede a diferença entre demissões e contratações informadas por todas as empresas do país.


Crime sem castigo O sistema bancário internacional, pivô da crise econômica, recebeu em um ano dez vezes mais dinheiro público em ajuda do que todos os países pobres em meio século. O contraste está em nota da Campanha da ONU pelos Objetivos do Milênio, divulgada pela BBC no mês passado. De acordo com a organização, os países em desenvolvimento receberam em meio século o equivalente a US$ 2 trilhões em doações de países ricos. Apenas no último ano os bancos e outras instituições financeiras ameaçadas pela crise global receberam US$ 18 trilhões. O relatório da ONU constata, portanto, que a ajuda aos países pobres não é uma questão de falta de recursos, mas de vontade política. “Sempre digo que, se você fizer uma promessa e não cumprir, é quase um pecado, mas, se fizer uma promessa a pessoas pobres e não cumprir, então é praticamente um crime”, disse à BBC o diretor da Campanha pelos Objetivos do Milênio, Salil Shetty.

Marcelo­ Cam­pos Bar­­ ros, o Pan, alvo da intolerância após a 13ª Parada do Pan Orgulho de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), realizada em 14 de junho, em São Paulo, é a nota triste de um Brasil que ainda não consegue respeitar as diferenças. O garçom de 35 anos foi vítima de homofobia depois de deixar um churrasco para encontrar um amigo na Rua Marquês de Itu, no centro da cidade. Perto das 22h45, foi agredido com chutes na cabeça. Pan faleceu dia 19, após cinco dias em coma. A Revista do Brasil registrou em reportagem da última edição a batalha do movimento LGBT pela aprovação do projeto de lei que torna crime a homofobia (PLC 122/06), há oito anos à espera de sua aprovação no Congresso Nacional.

LUCI FELIPPE

Impunidade

Cotas: opinião versus fatos O Observatório Brasileiro de Mídia está concluindo estudo sobre o perfil do noticiário nos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo em torno da agenda da igualdade racial. O trabalho, encomendado pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (Ceert), analisa o noticiário entre 2001 e 2008 e está em fase de conclusão. Impressiona o quanto os textos sobre a política de cotas para negros nas universidades ocuparam espaços de opinião: 38% deles apareceram em editoriais, colunas e artigos – a maioria desfavoráveis à adoção do instrumento, mesmo após os resultados das primeiras turmas de alunos cotistas, que ajudaram a derrubar crenças presentes

As cotas nas universidades, de acordo com os editoriais de O Globo (2001-2008)

32% 24% 4% 4% 8% 12%

nos discursos. Ante os argumentos de que as cotas baixariam o nível dos cursos e de que alunos beneficiados sofreriam discriminação, a prática comprovou o oposto: os que ingressaram na faculdade por meio de cota têm obtido as maiores notas nas avaliações de desempenho. O campeão de confronto entre fato e opinião foi O Globo. Dos 38 editoriais publicados a respeito de políticas afirmativas, 66% falaram de cotas, e todos contrários. Ainda que os principais argumentos (“as cotas e ações afirmativas iriam promover racismo”, presente em 32% desses textos; ou “os cotistas iriam baixar o nível dos cursos”, em 16%) não tenham sido verificados nas instituições que já implementaram as cotas.

16%

n Ações afirmativas/cotas geram polêmica ou promovem racismo e segregação n Mais correto é melhorar a educação, e não criar cotas n Cotas baixarão o nível dos cursos n Critérios para cotas deveriam ser socioeconômicos, e não raciais n Cotas subvertem a meritocracia n Critério de autodeclaração é questionável n Cotas são equívoco, mas estimulam o debate

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CIRCO VOADOR DIGITAL/DIVULGAÇÃO

Por Rodrigo Savazoni (emtranse@revistadobrasil.net)

CIRCO VOADOR DIGITAL/DIVULGAÇÃO

EmTranse

Gilberto Gil: pondo as jamantas para andar

ÉLCIO PARAÍSO/TEIA 2007/DIVULGAÇÃO

CIRCO VOADOR DIGITAL/DIVULGAÇÃO

INFINITAS POSSIBILIDADES Nos Pontos de Cultura, acesso a equipamentos e ao conhecimento transforma o regional em universal via web

Cultura digital para todos Fórum lançado pelo Ministério da Cultura tenta construir política pública que reconheça a centralidade da questão digital e busque meios de assegurar o acesso dos cidadãos a essa cultura

A

cultura digital é a cultura contemporânea. Ela surge quando as artes e a informação passam a se propagar por meio de bits e sem precisar de suportes físicos (para clarear, é a cultura do MP3, não do CD). E se alastra com grande velocidade, dando ao recentíssimo “ontem” um caráter de “antigamente”. Equipamentos e softwares surgem para alterar a forma como comunica10

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mos, nos relacionamos, consumimos, nos divertimos, vivemos, enfim. Desde 2003, quando Gilberto Gil chegou ao Ministério da Cultura, essa questão ganhou espaço nas políticas culturais do Brasil. De cara, iniciou-se um projeto para capacitar produtores da área e artistas nos usos das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), com destaque para os Pontos de Cultura,


que estimulam grupos culturais populares a produzir para o mundo digital. Esses pontos (são 800 em todo o país) recebem um kit de produção multimídia dotado de, entre outros artefatos, computador e câmera. Além disso, outras ações foram desenvolvidas, como reconhecer nos jogos eletrônicos produtos culturais. Agora, o ministério lançou o Fórum da Cultura Digital Brasileira, um processo que pretende produzir diretrizes e resoluções para a construção de uma política pública de cultura digital para o Brasil. O Fórum também vai ocorrer pela internet. No endereço www.culturadigital.br criamos um site de rede social (para não restarem dúvidas, este autor está envolvido até a cabeça com o Fórum da Cultura Digital Brasileira, sendo um de seus criadores e promotores). A ideia é promover o uso da rede para a deliberação política, numa iniciativa pioneira em todo o planeta. Nessa rede, o cidadão poderá se cadastrar, criar o seu perfil e articular grupos, postar conteúdos, além de conhecer pessoas que também pensam a cultura digital. Se o usuário não quiser se cadastrar na rede, ainda assim poderá acessar o conteúdo disponível e acompanhar os debates – diferentemente de redes como o Orkut e o Facebook, a rede da Cultura Digital é aberta e integrada às outras redes já existentes, gerando conversas dentro do site, mas também explodindo suas informações para a internet. São cinco os eixos de discussão do Fórum: memória, comunicação, arte, infraestrutura e economia. Cada qual com um curador, responsável por estimular os debates e sistematizar as contribuições e diretrizes formuladas pela sociedade. O resultado desse trabalho será debatido no evento final, em novembro, e entregue ao ministro da Cultura e ao presidente da República. As discussões também vão subsidiar os debates das Conferências Nacionais de Comunicação (cuja etapa nacional será realizada em dezembro) e da Cultura (que deve se encerrar em meados de 2010). Essas conferências são momentos nos quais o governo se debruça para ouvir a sociedade em busca de ideias para um determinado campo da vida social. São muitas as questões em jogo nesse processo. Podemos listar algumas delas aqui. Como fazer para tornar públicos os acervos de museus e bibliotecas na rede mundial de computadores? Como construir novos modelos de negócio, considerando que a troca de arquivos por meio de redes Peer to Peer (Ponto a Ponto) pôs em colapso a indústria do entretenimento? O que fazer para reconhecer as novas formas de arte que emergem da cultura digital? Como garantir a todos os cidadãos acesso à rede e aos computadores? Como preservar a língua portuguesa e estimular a produção de conteúdos nacionais? Como diz o presidente da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Nélson Simões, em uma frase que Gil popularizou, as jamantas da cultura necessitam de banda larga. Ou seja, conexão veloz de internet é cultura. Para ver, ouvir e trocar filmes, discos, séries de TV e o que mais for inventado para entreter o ser humano, divertir-se e/ou informarse. É hora de discutir a sério essa questão e organizar aqueles que lutam pela igualdade e pela inclusão social também no mundo digital.

Nas grandes redes No Orkut, rede social invadida pelo público brasileiro, uma busca pela expressão “políticas públicas” retorna 54 grupos geridos pelos usuários, o maior deles com pouco mais de 600 membros. Apenas 15 comunidades estão articuladas em torno da expressão “cultura digital”. Há uma comunidade, no entanto, sobre cibercultura, que reúne mais de 7 mil participantes.

Inovação econômica, política e social O projeto Territórios da Cidadania, do governo federal, vem utilizando a rede mundial de computadores para fortalecer as comunidades locais. Em Minas Gerais, a Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, com o auxílio da empresa Peabirus, organizou “uma rede de prestadores de serviços e de conhecimento que, usando ferramentas e aplicativos”, pretende difundir nas comunidades os métodos inovadores da web para aprimorar processos econômicos, políticos e sociais.

Experiências pioneiras O uso de redes sociais para a construção de políticas públicas é uma novidade, aqui e no mundo. A ideia está no ar. A Rede Humaniza SUS (http://redehumanizasus.net/ rede-hs), criada para gerar colaboração entre os usuários do Sistema Único de Saúde, é uma experiência pioneira, que merece ser conhecida. Outra experiência que acaba de ser lançada é a rede da Câmara dos Deputados que leva o nome sugestivo de e-democracia (www.edemocracia.camara.gov.br/ publico/). Seu objetivo é permitir que os cidadãos se envolvam diretamente no processo de elaboração das leis. JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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MÍDIA

Jornalismo na linha do córner Fim da obrigatoriedade de diploma, fim da Lei de Imprensa, fim do monopólio de jornalistas sobre a informação e a mediação política... Na origem de tudo está a revolução da internet Por Bernardo Kucinski

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s abalos sucedem-se. Primeiro, foi a criação do blog Fatos e Dados, da Petrobras, expondo na íntegra perguntas de jornalistas e suas respectivas respostas, antes mesmo de serem publicadas (http://petrobrasfatosedados.wordpress.com). É uma forma de evitar a manipulação desonesta ou maliciosa de respostas. Depois, veio a decisão do Supremo Tribunal Federal que derrubou por 8 votos a 1 a obrigatoriedade de diploma específico para exercício da profissão de jornalista. Antes, o Supremo já havia revogado a Lei de Imprensa de 1967, que demarcava o jornalismo na esfera jurídica e livrava jornalistas dos crimes de injúria, calúnia e difamação, desde que dessem ao ofendido o direito de resposta. Em meio a tudo isso despontam as novas armas populares de comunicação direta e interpessoal da internet de custo quase zero, dispensando jornalões e jornalistas: o torpedo, que levou milhares de madrilenhos às ruas em março de 2004, alterando do dia para a noite o resultado das eleições; os sites de rela12

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cionamento que ajudaram a eleger Obama; o Twitter, os “bilhetes” eletrônicos de até 140 caracteres que resultaram, em Teerã, na marcha contra a reeleição do presidente Ahmedinejad, dando início a uma nova etapa na revolução iraniana. O blog da Petrobras é uma inovação em âmbito mundial que revoluciona as relações entre entidades privadas e de governo e jornalistas. Depois dele vai ficar difícil jornalistas e donos de jornais escolherem de um conjunto de respostas apenas as que gostaram, ou cortarem uma declaração pelo meio publicando apenas a metade que lhes agradou. Certamente, a inovação será adotada gradativamente por empresas e governos que se sintam injustiçados pelas manipulações da grande mídia. Os donos dos jornalões não gostaram. Das entidades jornalísticas, só a Associação Brasileira de Imprensa julgou a iniciativa legítima. O Estadão sentiu o golpe e acusou a empresa, em editorial irado, de “tentar intimidar a imprensa” e de “tolher no nascedouro de forma antiética, desleal e aleivosa o bom jornalismo investigativo”. Disse ainda que dessa forma a Petrobras quebra o sigilo das relações com as fontes. É o direito de espernear de um tipo de jornalismo que com o advento da internet está perdendo a primazia da informação em escala mundial. Cláudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil, definiu o blog como um avanço, lembrando que nunca existiu compromisso de confidencialidade entre fontes e jornalistas. O que existiu e continua existindo é o direito do jornalista de não revelar sua fonte de informação, caso esta assim o deseje.


REGISTROS DE FOTÓGRAFOS IRANIANOS POSTADOS NO FLICKR

doria. Alterou, com isso, toda a natureza das entrevistas dirigidas por escrito, uma mudança que certamente não vai ficar apenas nessa modalidade de jornalismo. Seu site já prevê espaços também para debates e notícias. Esse blog é a primeira iniciativa eficaz e democrática surgida nas últimas décadas capaz de estancar e talvez até de reverter o processo de queda de qualidade da narrativa jornalística. Pode ser também o começo do fim da ética da malandragem que impera em muitas redações. Dos questionários usados apenas para que o editor manipule as respostas, “encaixando-as” em seu texto de acordo com a conveniência. Da denúncia que não ouve o acusado. Do truque de mandar perguntas meia hora antes do fechamento para poder alegar que “tentou ouvir a empresa, mas não obteve resposta”. Da pseudo-reportagem feita sem que jornalista precise bater sola. A invenção recria num patamar superior todo o processo de produção jornalística que o advento da internet havia rebaixado num primeiro momento, ao permitir entrevistas cômodas demais pelo e-mail ou

NINGUÉM SEGURA Fotos e vídeos dos protestos no Irã contra o resultado das eleições circulam via Twitter e Flickr: furo na censura

ANTÔNIO CRUZ/ABR

“Não existe o dever subjetivo da fonte de resguardar o jornalista”, diz. A inovação introduzida no jornalismo pelo blog da estatal tem consequências profundas e em outros níveis. A mais importante delas é enfrentar a contradição que sempre existiu entre o caráter público do jornalismo e a apropriação privada da notícia, vendida pelas empresas de mídia para ganhar dinheiro. Por isso, os donos dos jornais argumentam que ao revelar o que lhe foi perguntado com as respectivas respostas a Petrobras antecipa aos concorrentes a pauta que esse jornal está perseguindo, ferindo seus direitos “empresariais”. É como se o jornal tivesse um direito de patente sobre o que perguntou. Para rebater essa crítica, a Petrobras corrigiu seu procedimento, passando a publicar as perguntas e respostas no mesmo dia que o veículo que as formulou. A empresa argumentou que sua relação com veículos de comunicação que a interpelam é essencialmente pública. De fato, a Petrobras elevou à categoria de bem social uma prática que a indústria da informação havia rebaixado à condição de merca-

VALE-TUDO A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) bem que tentou, mas a exigência de diploma para jornalista foi derrubada no Supremo

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ALBERT GEA/REUTERS

TRABALHO

TORPEDOS DA PAZ Via celular, os espanhóis se mobilizaram e mudaram o rumo das eleições de 2004, tirando do poder o então candidato à reeleição, José María Aznar (no cartaz, com Blair e Bush)

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consultas fáceis demais a sites de busca e bancos de dados. Restaura-se “o papel intransferível do jornalismo”, como diz a jornalista e professora Cremilda Medina, “de apurar informações, muitas vezes ocultadas, colher interpretações e só então compor a reportagem digna de autoria”.

Sem exigência

O fim da obrigatoriedade de diploma para jornalista, embora tenha provocado consternação entre estudantes e recém-formados e deixado a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) atônita, é a oportunidade para restaurar-se o verdadeiro papel dos sindicatos, que é lutar por condições mais dignas de trabalho de seus filiados, e não decidir quem pode e quem não pode ser filiado. É o fim também da indústria de diplomas de jornalismo, responsável pela criação de mais de 400 cursos de Jornalismo e Comunicação valendo-se da promessa enganosa de uma reserva de mercado. De custo fácil e apelo emocional forte, esses cursos acabaram saturando o mercado, aviltando salários e condições de trabalho, criando uma população rotativa enorme de

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estudantes estagiários, que mesmo antes de se formar dispõem-se a trabalhar em troca de remunerações vis e sem direitos trabalhistas. A derrubada da obrigatoriedade restaura o direito de expressão por todos por meio da narrativa jornalística, numa era em que esse direito já está sendo velozmente estendido, barateado e democratizado graças à internet. Embora tardiamente, o estatuto do jornalismo no Brasil está agora em sintonia com o de outros países de democracia formal. Inclusive aqueles, como os Estados Unidos, em que há também grande número de cursos de Jornalismo, mas não é exigido diploma para exercêlo profissionalmente. A Fenaj e sindicatos não viam na exigência do diploma um sistema contraproducente, que se voltou contra os próprios interesses dos jornalistas. A ABI também não gostou, classificando a decisão de “duro golpe à qualidade da informação jornalística”. Mas depois de 40 anos de obrigatoriedade do diploma a qualidade do nosso jornalismo só piorou. Esse desvio corporativista está se alastrando perigosamente no país, alimentado pelo novo quadro de falta de empregos suficientes para as novas gerações. Os estudantes de Pedagogia da USP, por exemplo, incluíram na pauta de reivindicações da greve deste ano o pedido de abolição do projeto de cursos a distância para formação de professores. Não querem perder seus futuros empregos em sala de aula mesmo à custa de negar acesso a esse tipo de formação a populações mais pobres ou distantes dos grandes centros. Já o blog da Petrobras é uma invenção tão importante para o futuro do jornalismo quanto a descoberta das gigantescas reservas de petróleo do pré-sal é importante para o futuro do Brasil. O que deveríamos nos perguntar é por que essa novidade do blog, que publica perguntas junto às respostas, foi inventada no Brasil, e não na Europa ou mesmo nos Estados Unidos, onde o debate sobre o uso da internet no jornalismo está mais avançado. A resposta é simples: porque no Brasil a manipulação de entrevistas pela imprensa rompeu todos os limites da ética e da decência. Com a exceção daquelas publicadas na íntegra, em geral em página inteira nas edições de domingo ou cadernos especiais – mesmo assim sofrendo muitas vezes manipulação no título –, os jornalistas não se esforçam por captar a integridade ou a parte essencial do pensamento dos entrevistados. Cortam, para encaixar no espaço dado, sem esse cuidado básico. Isso quando não procuram o entrevistado apenas para extrair frases que legitimem, pela boca de uma autoridade, um discurso previamente definido em reunião de pauta. “De tanto distorcer, acabaram com a boca torta”, como diz no seu blog o professor de Jornalismo da UnB João José Forni. Receberam o troco da empresa-símbolo da nossa nacionalidade.


Análise

Por Sérgio Mendonça

Os meses que virão A preservação dos empregos e negociações coletivas que garantam o poder aquisitivo terão importante influência para sustentar a demanda interna e a reação brasileira à crise

O

s resultados do Produto Interno Bruto mentos reais nas datas-base. Tudo indica que o ajus(PIB) para o primeiro trimestre confir- te de custos das empresas tem se dado pelo corte de maram algumas projeções e avaliações postos de trabalho. que vinham sendo feitas sobre a econoPor sermos uma economia relativamente fechada (a mia brasileira nos últimos meses. Houve soma de exportações e importações representa cerca queda de 0,8% comparado ao quarto trimestre do ano de 25% do PIB), a queda do comércio externo afetapassado, que por sua vez havia caído 3,6% em relação nos com intensidade menor que a países com grau de ao anterior. Com as duas baixas seguidas, a economia abertura maior. Não surpreende, portanto, que nações brasileira registrou tecnicamente uma recessão. Dois como Alemanha, Coreia do Sul e a própria China tefatores explicam o mau início de 2009: os nham sofrido mais com a retração do cotombos da indústria e do investimento A diminuição mércio mundial. privado. O consumo das famílias e do go- dos juros Não está descartada a retomada do verno cresceu e impediu que o PIB caísse crescimento, mesmo que lentamente, nos alivia as mais. O setor de serviços também, ainda próximos meses deste ano. O aumento que modestamente, em linha com a sus- finanças do salário mínimo, o papel dos prograpúblicas e tentação do consumo. mas sociais, o aumento das parcelas do Até o terceiro trimestre de 2008 estáva- pressiona seguro-desemprego, o emprego público, mos crescendo a taxas próximas de 6% ao para baixo entre outros fatores, constituem uma rede ano. Apenas na década de 1970 tivemos as demais importante de sustentação dos níveis de resultados semelhantes. renda da população brasileira – e portantaxas do A indústria foi fortemente atingida pelo to do consumo e das atividades econômicanal de exportação e pelo encolhimento mercado. Por cas. A preservação de postos de trabalho e brutal do crédito. O comércio mundial, isso, precisa a celebração de negociações coletivas que após um longo período de crescimento a continuar garantam o poder aquisitivo dos assalariataxas expressivas, deve apresentar retrados terão importante influência para susção em 2009. Diante de um quadro de incertezas so- tentar a demanda interna. bre a crise mundial, a decisão tomada pelas empresas Contudo, dois fatores preocupam e podem dificulfoi paralisar ou cortar investimentos programados. Foi tar a retomada do investimento privado e do consumo isso que o PIB do primeiro trimestre mostrou. com maior intensidade: as taxas de juros ainda elevaFicou claro, também, que as medidas adotadas pelo das (tanto a taxa básica como na ponta do crédito, aos governo federal tiveram forte impacto e evitaram que consumidores e empresas) e a apreciação do real frena atividade econômica apresentasse queda maior. A re- te ao dólar. dução de impostos (Imposto de Renda, IPI, IOF, enOs juros básicos (Selic) foram reduzidos de tre outros), as medidas para retomada da liquidez dos 13,75% para 9,25% nos últimos seis meses. Essa dibancos, o papel dos bancos públicos na concessão de minuição resulta em alívio para as finanças públicas crédito, o reforço dos investimentos do PAC, da Petro- e pressiona para baixo as demais taxas do mercado bras e de outras estatais, somados, contribuíram para financeiro. Por isso, com a inflação em queda, presustentar a atividade econômica. cisa continuar nas próximas reuniões do Copom. Adicionalmente, as massas de rendimentos e de sa- O dólar mais barato, embora não represente risco lários encontram-se em patamares superiores aos do no curto prazo, pode levar o país a enfrentar proano passado e contribuem para a sustentação dos ní- blemas no médio e longo prazo, com o retorno do veis de consumo das famílias. No plano das negocia- déficit externo, sobretudo após a retomada do cresções coletivas, as informações do Dieese apontam na cimento. E pode se tornar fonte de dor de cabeça direção da reposição da inflação e até de pequenos au- para os futuros governos.

Sérgio Mendonça é economista. Foi diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de 1990 a 2003, do qual atualmente é supervisor técnico

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ECONOMIA

A inclusão co E

m janeiro, aos 40 anos de idade, Josi Silva do Carmo viajou pela primeira vez de avião. Com seus dois filhos, Rodrigo e Daiane, embarcou no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, rumo a Recife para visitar os pais, depois de parcelar em seis vezes as três passagens aéreas. A turbulência antes da chegada assustou um pouco, mas o que impressionou mesmo foi a rapidez da viagem, que durou menos de quatro horas, permitindo-lhes passar mais tempo com os parentes. De ônibus, estava acostumada a gastar três dias na ida e três na volta. Josi está entre os 2 milhões de brasileiros que viajaram pela primeira vez de avião no Brasil nos dois últimos anos. Empregada doméstica, ela complementa a renda como costureira e pretende repetir a experiência no início de 2010. “Nos últimos

anos, parece que estamos tendo mais renda para gastar. Antes, viajar de avião era algo de outro mundo”, diz. Em Ribeirão Preto, Antônio Luiz dos Santos trabalha há três anos na Dedini, fabricante de máquinas e equipamentos para o setor de açúcar e álcool. Em 2007, a partir de um empréstimo consignado, adquiriu seu primeiro carro, um Fiat Uno 1986, que o ajuda nos fins de semana a arrumar trabalho como garçom em festas em um clube da cidade. Agora, aos 39 anos, pretende dar um passo maior: deixar o aluguel e comprar sua casa própria pelo programa Minha Casa, Minha Vida, recém-lançado pelo governo federal para incentivar a habitação popular. Em junho, Antônio esteve em um “feirão” da Caixa Econômica Federal, de olho nos imóveis e conversando com os gerentes para saber se

CHANCE Depois do carro, Antônio está de olho na casa própria

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LUCAS MAMEDE

A distribuição de renda protegeu o país dos efeitos da crise. O poder de compra dos milhares de brasileiros que fazem parte das classes C e D deu mais fôlego à economia Por Roberto Rockmann


como resposta

PAULO PEPE

CONFORTO Josi e os filhos: “Nos últimos anos, parece que estamos tendo mais renda”

Distribuição de renda Investimento social do governo federal em relação ao PIB (%)

12,9

13,8 13,8 14,2 14,5 13 13,2

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Mercado interno Participação do consumo das famílias em relação ao PIB (%)

55

57,4 54 55,2 55,5

60,9 63,8

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Nova classe média Porcentagem da população que integra a classe C

44,2 42,5 42,2

46,7 48,6 48,9

53,8

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

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da ação do governo desde outubro, com o agravamento da crise econômica mundial. “Tenho medo de perder o emprego, mas as coisas estão indo direitinho e estou querendo ver se junto um pouco mais de dinheiro para dar uma entrada maior e comprar em parcelas uma máquina de lavar nova”, diz Ivone Silva, 29 anos, empregada doméstica em São Paulo. A formação de uma grande massa consumidora popular é novidade no Brasil e tem feito com que várias empresas cresçam, mesmo com a crise. Fabricante de sucos, a General Brands, que apesar do nome não

INÉDITO Renato Meirelles: entre os jovens, a escolaridade também é crescente na classe C

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é multinacional, prevê alta de 20% no faturamento neste ano. “Quero mais crises assim”, ironiza o presidente da indústria, Isael Pinto. Um dos destaques para a empresa de Isael é a Região Nordeste, que há cinco anos respondia por 15% da receita e viu esse percentual pular para 27% neste ano. “O Bolsa Família e o reajuste do salário mínimo contribuíram com vigor para esse aumento das vendas na região, que tem crescido a taxas bastante fortes”, diz o empresário, que considera muito boa a decisão do governo de ampliar o Bolsa Família, elevando o limite de renda para ingresso no programa de R$ 120 para R$ 137. Com a ampliação, decidida no primeiro trimestre deste ano, o programa incorporou 1,3 milhão de novas famílias, chegando a 12,4 milhões de beneficiadas e injetando mais R$ 10 bilhões na economia brasileira em 2009. Para reforçar sua presença no Nordeste, a General Brands vem lançando produtos específicos para esse perfil de consumidor de menor poder aquisitivo. No início do ano, lançou um refresco em pó econômico – cada envelope, a R$ 0,49, faz dois litros de refresco, e não precisa adoçar. A Nestlé também está atenta ao mercado popular e desenvolveu estratégias especiais para chegar a esse público. Em 2006, na cidade de São Paulo, a multinacional criou o sistema de vendas porta a porta, que hoje já abrange Rio de Janeiro, Porto Alegre, Vitó-

DIVULGAÇÃO

DE ORELHA A ORELHA Isael Pinto, presidente da General Brands: “Quero mais crises assim”

PAULO PEPE

pode ingressar no programa que concede subsídios para a aquisição de moradia popular. “Essa é uma grande chance de melhorar a vida da minha mulher e dos meus dois filhos”, afirma. Antônio Luiz e Josi fazem parte de um grupo de 160 milhões de pessoas que tem contribuído para reduzir os impactos da crise na economia brasileira. Eles formam as classes C, D e E, que movimentaram mais de R$ 550 bilhões em compras em 2008, detêm 67% dos cartões de crédito existentes no país e foram uma das principais razões de a economia brasileira ter registrado queda bem menor que a prevista no primeiro trimestre deste ano. A principal razão foram os gastos das famílias, que cresceram 0,7% no primeiro trimestre de 2009 em relação ao quarto trimestre de 2008 e 1,3% se comparados com o mesmo período do ano passado, influenciados pela melhoria de renda das classes com menor poder aquisitivo. A partir de 2003, com o aumento real de 43% do salário mínimo e a ampliação dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, a participação da base da pirâmide na renda nacional começou a crescer. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, somente a faixa da população que inclui a classe C, considerada a nova classe média brasileira, passou a representar 53,8% da população em dezembro de 2008. No mesmo período de 2007, esse percentual era de 48,9%. Há quinze anos, estava na casa dos 35%. A participação das classes populares e do consumo interno foi fortalecida a partir


ria, Curitiba, Belo Horizonte, Belém e Fortaleza. “Até o fim de 2008, eram 140 microdistribuidores e 6 mil mulheres que se tornaram vendedoras visitando mais de 200 mil lares a cada quinze dias, uma forma de complementação da renda”, diz o diretor de regionalização da empresa, Alexandre Costa. A população de baixa renda deve continuar tendo cada vez maior influência sobre a economia brasileira ao longo dos próximos anos, segundo Renato Meirelles, sócio

da Avenida Brasil Comunicação, agência de publicidade voltada para essa camada de consumidores. Pela primeira vez, começase a ver universitários da classe C no Brasil: 68% dos jovens de 20 a 25 anos dessa faixa têm escolaridade superior à dos pais, enquanto na classe A esse percentual é de 10%. “Esse fenômeno trará novas pretensões e novos gostos. Com tantos estímulos criados recentemente pelo governo, com reduções de impostos e injeção de dinheiro, esse

é o segmento mais efervescente do mercado, e isso vai ser duradouro”, diz Meirelles. Com base em dados do IBGE, pesquisas da Avenida Brasil revelam que 75% dos internautas no Brasil ganham até R$ 1.700 mensais e 62% dos domicílios brasileiros com acesso à internet integram as classes C, D e E. “Esses números acabam com o mito de que internet é coisa de rico, portanto é preciso pensar para esse público, que tem novas ambições”, diz o publicitário.

FOTOS EDUARDO OGATA/FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO

Pensar o dia seguinte

Emir Sader, Avtar Sadiq, Artur Henrique e Jorge Beinstein: análises da crise econômica mundial sob diferentes perspectivas Apesar do desempenho interno, que leva muitos a dizer que o Brasil já vê a crise pelo retrovisor – ou seja, ela foi ultrapassada, mas não se perdeu de vista –, o cenário internacional ainda exige cautela. Para o sociólogo Emir Sader, a crise ainda é um teste duro para a economia brasileira. “Estamos pagando um preço alto”, disse, durante o Seminário Internacional sobre a Crise promovido no final de junho pelo Partido dos Trabalhadores e pelo Partido Comunista do Brasil, sob organização da Fundação Perseu Abramo. De acordo com Sader, com a queda das exportações por conta da redução da demanda externa e a restrição de crédito para empresas instaladas no país, o governo precisa diversificar ainda mais o comércio internacional e aumentar o peso do mercado interno, taxando o capital externo. “O presidente Lula manteve a hegemonia do capital financeiro e a autonomia do Banco Central, ainda que tenha retomado o papel do desenvolvimento. Sem abandonar a conciliação, a aliança de classes, sem deixar de ser parênteses do modelo internacional, o governo Lula não será alternativa de um novo modelo”, criticou. Na análise do sociólogo, a atual crise surge em um período de relativa estabilidade no cenário internacional, ainda comandado por uma potência hegemônica, os Estados Unidos. “Existe uma turbulência prolongada sem resolução previsível, mas qualquer resolução será de alternativas dentro do capitalismo, sem ruptura. Portanto, o capitalismo não acaba com a crise”, disse Sader. Sua opinião é compartilhada por outros especialistas que participaram do seminário. “Estamos diante de uma crise do capitalismo, mas isso não quer dizer que o sistema vai acabar. Os Estados Unidos e a Inglaterra devem preservar sua hegemonia e recompor seu sistema”, afirmou Jorge Beinstein, economista, professor na Universidade de Buenos Aires e membro do Partido Comunista da Argentina. De outro lado, a crise despertou reações protecionistas em vários países, já que muitas das nações desenvolvidas amargam alta do

desemprego e fechamento de fábricas. “Precisamos enfrentar o avanço da direita, da xenofobia, do protecionismo. Um exemplo é a força demonstrada pela direita na disputa pelo Parlamento Europeu (leia análise à página 25). A saída precisa ser pela esquerda”, observou Artur Henrique, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Artur lembrou que, no início de junho, mais de 125 milhões de europeus votaram para eleger seus representantes no Parlamento. A centro-direita teve vitórias claras na França, Alemanha, Itália e Polônia, enquanto partidos extremistas de direita tiveram bom desempenho em vários países, como Holanda, Áustria, Dinamarca, Eslováquia e Hungria. Para Avtar Sadiq, secretário dos Indianos Comunistas na GrãBretanha e membro do Partido Comunista da Índia, a ausência de uma alternativa política socialista relevante no xadrez das negociações internacionais faz com que o capitalismo possa reemergir mais uma vez da crise, com novos expropriadores que destroem uma parte das forças de produção para criar outros meios de lucratividade própria, em vez de utilizar esses recursos para o bem-estar das pessoas. “Esse é o verdadeiro caráter desumano do capitalismo. É preciso avançar na emancipação social no mundo, e isso requer a intensificação das lutas de classe”, enfatizou Sadiq. Nesse cenário, a esquerda deve se unir para apresentar propostas que possam representar alternativas concretas para a ampliação de propostas sociais. “Corremos o risco de ficar nos debatendo com a proposta que já é chamada de socialdemocracia global, que nada mais é que mais do mesmo, porque não entra na discussão realmente importante para o Brasil e para mundo, que é criar um novo paradigma, um novo modelo. E porque não enfrenta questões essenciais, como o cancelamento das dívidas externas dos países, uma nova matriz energética, a implementação de uma renda cidadã mundial e a garantia do emprego decente”, disse o presidente da CUT.

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ENTREVISTA

A UTOPIA É CIENTÍFICA JAILTON GARCIA

Para Miguel Nicolelis, a ciência é agente de transformação: “Temos de incentivar as crianças a aprender se divertindo, a construir uma nova democracia e a remover o entulho de inferioridade que acumulamos ao longo da História” Por Cida de Oliveira e Thiago Domenici

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O

paulistano Miguel Nicolelis dirige, desde 1994, o centro de neurociência da Universidade Duke, na Carolina do Norte, Estados Unidos. E é um dos fundadores do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), na capital do Rio Grande do Norte. A escolha de um local longe dos centros econômicos está ligada à sua batalha por descentralizar a produção do conhecimento, tornar a educação científica acessível às crianças das escolas públicas do Rio Grande do Norte. Seu grupo pesquisa origens da doença de Parkinson e como controlar ou amenizar seus efeitos no homem. Por esse estudo, que abre uma nova frente de pesquisas também sobre outras doenças do sistema nervoso, foi o primeiro brasileiro a ter destaque na capa da revista Science. Formado pela USP, Miguel Ângelo Laporta Nicolelis começou a ter seu trabalho projetado internacionalmente quando implantou uma prótese no cérebro de um macaco, por meio da qual o bicho moveu um braço robótico – com a “força do pensamento”. O trabalho foi listado pelo Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) como uma das dez tecnologias que vão mudar o mundo. Ele e seus colegas registraram também sinais elétricos emitidos por neurônios do cérebro de uma macaca e os transmitiram ao laboratório do MIT, distante mil quilômetros, onde um braço robô foi movido por esses impulsos. Posteriormente, o registro da atividade neural da macaca enquanto andava numa esteira foi enviado, via satélite, ao Japão, onde um macaco andou sob o comando cerebral da primata americana. A ideia dessas experiências é fazer pessoas com paralisia voltarem a andar. Para Nicolelis, mais importante que o Prêmio Nobel que corre o risco de ganhar é fazer com que a educação seja não um objeto de mecanização de ordens, mas de geração e difusão de conhecimento. E de construção de uma nova democracia.

Mas como os brasileiros podem ter esse acesso? A ciência produzida não fica restrita aos cientistas e seus ambientes, universidades, laboratórios?

A ciência gera conhecimento novo e processos geradores de mais conhecimento, tecnologias, métodos e novos produtos. Gera poder. No século 21, a democratização de uma sociedade depende da democratização dos meios de produção de conhecimento de ponta. Ao longo da História fomos levados a crer que só a elite pode fazer ciência nesses lugares misteriosos que a gente chama de universidade, esses espaços originados nos mosteiros da Idade Média, que têm acesso restrito, onde para entrar é preciso passar no vestibular. Com isso, boa parte da sociedade fica sem saber como é gerada a inovação. É a ciência que vai mostrar como enfrentar questões como as da Amazônia, do meio ambiente, das nossas reservas de óleo. O que faremos com tudo isso? Onde aplicaremos o dinheiro que será gerado pelas reservas do pré-sal? Os brasileiros têm de participar dessa discussão. Mas para participar devem ter acesso aos métodos de produção de ciência.

O senhor declarou numa entrevista que o ministro da Ciência e Tecnologia deveria sentar do lado do presidente da República. Por quê?

Como transformar a sociedade pela ciência?

Geralmente sim. É como se ficasse numa redoma de vidro à qual a grande massa da população não tem acesso. Costumo dizer que estamos melhorando muito, mas tudo é ainda muito caótico. A universidade pública, por exemplo, ainda não é pública na entrada nem na saída. Embora tenhamos hoje a melhor gestão do Ministério da Educação que jamais tivemos na história do Brasil, ainda falta muita coisa. O problema é muito grande, acumulado em séculos de negligência.

Como o senhor avalia o aumento quantitativo da produção científica brasileira?

Esse aumento nos últimos anos deu-se pela exigência dos métodos de avaliação das universidades, que cobram produção em número, e não em qualidade. A qualidade de um trabalho científico não é medida apenas localmente, e sim pelo seu impacto no mundo da ciência, que é muito objetivo. Por isso o impacto desse aumento na vida do país ou do mundo é questionável. Apesar de aumentar o número de pesquisas, o Brasil é um dos países que menos patenteiam propriedade intelectual e menos produzem inovação científica. Ainda temos uma visão cartorial da ciência, com algumas agências de financiamento brasileiras impondo uma burocracia absurda, que não pode se aplicar ao projeto de um cientista.

Isso é só no Brasil ou lá fora também?

O Brasil é campeão nisso. Precisamos construir mecanismos ágeis de fomento, de operacionalização. Não adianta ter só o dinheiro. Seria um exercício muito interessante, para vocês, pegar o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia e ver quanto dele foi executado. Nem os caras lá dentro conseguem se livrar da burocracia.

Na minha modesta opinião, os ministros da Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia – a trindade – deveriam sentar do lado do presidente. E bem lá atrás o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, fazendo contas. E temos gente altamente preparada, nessas três áreas, que tinham de receber o orçamento que determinassem. E então apertaríamos o cinto em outras coisas para garantir o cumprimento das prioridades, que trarão retorno para o país e para a humanidade. Há cientistas brasileiros brilhantes aqui que não precisavam sofrer para ser financiados, porque contribuem para a humanidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, a ciência e a tecnologia estão no centro do debate nacional e são tema da conversa do café de todo mundo.

Por gerações temos abandonado e desperdi­ çado talentos. Nunca assumimos o compromisso de oferecer para as gerações futuras algo melhor do que nós tivemos

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Independentemente de quem esteja no governo?

Europa e EUA estão em desespero para sair do problema que eles mesmos criaram. Sobrou quem para ser Primeiro Mundo? Somos o Primeiro Mundo do amanhã, mas precisamos acreditar em nós

Sim, e a grande vantagem da academia americana é que lá o cara que nasce na periferia de Nova York, por exemplo, tem chance de ser um professor universitário. Aqui, a ciência brasileira foi construída pela elite. Isso mudou um pouco, mas não o suficiente para um menino da periferia sonhar em ser cientista. Os meninos da periferia de Natal já têm mais chances porque nós desmistificamos a ciência para eles. Antes, quando perguntávamos o que queriam ser, respondiam jogador de futebol, atriz, modelo. Hoje há quem queira ser ortopedista, astrofísico, geólogo, químico, professor. Eles constataram que professor não é inimigo, e sim o adulto em que podem confiar porque vai lhes abrir portas.

O senhor convive com crianças em Natal e com neurocientistas num laboratório americano...

Ambas as realidades estão conectadas. Em nosso laboratório estudamos o cérebro e como é o processo de educação do cérebro. Então a neurociência e a educação andam lado a lado, como qualquer outra coisa que envolve a atividade humana. Porque tudo que vem do ser humano, do ponto de vista de produção motora-cognitiva-intelectual, tem como final da cadeia o cérebro. Os sistemas políticos, o mercado financeiro, a arte, enfim, tudo depende das propriedades biológicas do nosso cérebro. O mundo inteiro deveria ter interesse em saber como nosso cérebro funciona porque ele é a essência do que somos e explica tudo o que fazemos.

Foi o que o trouxe de volta ao Brasil?

Quando decidi voltar para o Brasil e fazer alguma coisa sabia que seria tudo muito difícil. Cheguei a ser tratado como estrangeiro por alguns setores das universidades. E eu só decidi entrar na briga porque queria disseminar a ideia de que a ciência é agente catalisador da transformação social, começando pela educação. Se eu quisesse que essas crianças passassem a ter prazer em aprender, em se envolver com a investigação científica, a única maneira seria colocá-las em contato com o critério lúdico da investigação científica. Criança adora ver a reação causal das coisas. Se uma pilha de blocos cai, ela logo percebe que é necessária uma estrutura para manter os blocos em pé – coisa que dificilmente perceberá em uma aula teórica, com o professor falando um monte de coisa que terá de ser reproduzida numa prova.

Como é esse trabalho em Natal?

A formação de professores levou seis meses. Nossa escola vai fazer três anos e é um esforço pequeno ainda. Atendemos mil crianças, mas queremos levar a experiên­ cia para o Brasil inteiro. Toda escola pública deveria ter aula em período integral. E a aula deveria ser diferente, livre desse modelo da autoridade, de o professor vomitar a “verdade” que deverá ser recitada pelo aluno. A verdade tem de ser descoberta. E esse é um método científico, que faz parte da nossa vida o tempo inteiro.

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É o caso de quem empresta dinheiro e não recebe. A chance de emprestar de novo diminui. Isso é experimento. Nossa vida inteira é assim. Quando andar de bicicleta pela primeira vez a criança vai cair e pôr a rodinha. Quando percebe que consegue, tira a rodinha. Essa realidade lúdica deve ser levada para dentro da sala de aula. Ou para os laboratórios de ciências para criança, embora muitos duvidassem que isso pudesse acontecer no Nordeste. O talento está lá. Está dentro das crianças e precisa ser garimpado. Por gerações temos negligenciado, abandonado e desperdiçado talentos. Nunca assumimos a responsabilidade de oferecer para as gerações futuras algo melhor do que nós tivemos. É uma visão de colonizados que ainda prevalece, a de que o futuro não vale a pena. Nunca assumimos um pacto de renúncia a certas coisas do presente para oferecer algo melhor para os que ainda nem nasceram. Nossos filhos, netos, bisnetos.

O senhor teve encontros com o presidente Lula para apresentar o projeto?

Eu conversei muito com o presidente. Senti que ele entendeu para onde estamos indo, e que aquilo era um experimento não de cientista, e sim de nação, de como o Brasil pode ser esse país que tem chance de acontecer, de entrar para a História e ser verdadeiramente de todos.

O senhor vê as pessoas, no exterior, manifestarem alguma visão sobre o atual momento do Brasil?

Quando viajo e encontro colegas franceses, alemães, russos, chineses, noto que estão todos desencantados com seus políticos e seus governos. Muitos dizem: “Sorte sua que é do Brasil, onde as coisas vão acontecer, que alimentará o mundo, produzirá energia limpa e ainda manterá o ambiente de pé. Como a gente vai conseguir criar uma democracia feliz, onde as pessoas vão poder perseguir a felicidade? Vocês têm um presidente que é admirado no mundo inteiro”. E então eu penso: se os brasileiros ouvissem metade do que ouço pelas minhas viagens, certamente se encantariam.

Por que não sabemos de tudo isso?

Porque a informação não chega. Abrimos os jornais brasileiros e as manchetes são desanimadoras, não celebramos os avanços. Há frases ditas por brasileiros que eu odeio, como aquelas do tipo “só podia ser no Brasil mesmo”, ou “se a gente fizer assim, vira coisa de Primeiro Mundo”. Vivemos nos depreciando. O Primeiro Mundo está despencando, entrando num buraco negro e não sabe se vai escapar. A Europa tem problemas seríssimos, os Estados Unidos estão desesperados, precisam sair do problema que eles mesmos criaram. Sobrou quem para ser Primeiro Mundo? Nós somos o Primeiro Mundo. O Primeiro Mundo do amanhã, mas para isso precisamos acreditar em nós. O nosso complexo de inferioridade, tão gigantesco, vem do sistema educacional, que cria carneiro, e não leão, que cria gente que obedece a ordens.


Na escola, eu tinha de cantar o Hino Nacional porque era uma ordem, e não o meu desejo de exaltar a minha pátria. Um milico em algum lugar me mandava fazer isso. Eu tinha de decorar e cantar o Hino à Bandeira e o da Independência por decreto militar. Temos de incentivar nossas crianças a ir para a rua, a achar a cura do câncer, a construir uma democracia melhor, a remover esse entulho mental de inferioridade que acumulamos ao longo da nossa história. Por que o brasileiro não pode almejar qualquer coisa? Eu entro no avião e ouço: “O seu país é demais”. Aí viajo dentro do Brasil e metade do que eu ouço é depreciação.

Privilegiamos a mediocridade?

E ainda promovemos o que não tem relevância, a cultura da celebridade, do efêmero. Aí as pessoas dizem que no mundo inteiro os jornais estão desaparecendo, que há uma crise na mídia. A mídia criou essa crise quando não reportou o fato, quando não se comprometeu com a população, e transgrediu esse elo que havia ao abrirmos um jornal e acreditarmos no que líamos. O povo não é bobo. E o New York Times tem de retratar 180 páginas de reportagens falsas sobre as razões que levaram os Estados Unidos à Guerra do Iraque. Quem vai acreditar no jornal? E esse fenômeno acontece aqui com sérios jornais que trazem coisas sem relevância para a vida de cada um de nós. Essa quebra destruiu a nossa ligação com os intermediários que transmitiam os fatos para nós. Agora não queremos mais intermediários. A internet, apesar de todos os seus defeitos, está se transformando num lugar onde se pode tentar achar o que está acontecendo. O intermediário sumiu. Os políticos deveriam começar a se preocupar, porque o mundo inteiro não acredita mais nas promessas de eleição, nos congressos. As pesquisas de opinião da Europa, dos Estados Unidos e daqui mostram que os poderes representativos estão no fundo do poço. O pessoal precisa ficar de olho aberto porque ainda vai aparecer alguém com uma fala nova de representação, mais efetiva, barata e honesta. E o intermediário também pode sumir rapidamente.

Como é a vida nos Estados Unidos de um brasileiro que adora as coisas do seu país?

Eu não moro mais só nos Estados Unidos. Como agora tenho a chance de vir para cá mais vezes, tudo ficou mais fácil. Difíceis foram os primeiros 15 anos, eu sabia que só poderia voltar para o Brasil depois que tivesse construído algo fora. Então foi muito difícil. A cultura, o clima, a comida e as pessoas são diferentes. Todo brasileiro que tem visão pejorativa do Brasil deveria passar dez anos de exílio em algum lugar. Voltaria muito melhor. Porque o Brasil não é só São Paulo. O país é, na verdade, centenas de outros países. É impossível crescer na cidade de São Paulo e entender o Seridó, o sertão do Piauí, o interior da Bahia, ou mesmo a capital do Rio Grande do Norte.

Somos um imenso país de estrangeiros uns para os outros?

Embora todos falem português, as emoções transmitidas são diferentes em cada região, em cada sotaque. E isso nos dividiu, quando deveria ter unido. Essa diversidade cultural, linguística, vegetal, biológica é que faz o Brasil ser o que é. Aprendi na escola que o Nordeste é a caatinga, é o deserto. E lá vi que cinco milímetros de chuva, uma garoa miserável, fazem com que os cactos floresçam imediatamente. E o que era caatinga virou jardim. E é o maior exemplo de sobrevivência que já encontrei na minha vida. Porque tudo que existe lá evoluiu para sobreviver a qualquer custo. A valorização da vida, seja de inseto, animal, humana, é gigantesca. E isso é exemplo de sobrevivência, não de miséria. Ninguém no sertão se sente miserável. Ao contrário, as pessoas que encontrei, crianças e adultos, jamais querem sair de lá. Quando o pessoal sai é porque não tem mais jeito. Aquele lugar pode se transformar num engenho, num grande motor da economia, se for olhado de maneira correta, se a ciên­cia for aplicada da maneira que acredito que pode ser aplicada lá.

Lidar com a possibilidade de descoberta de tratamento para o Parkinson é algo que atrai uma expectativa e tanto, não?

Cada vez que um trabalho novo é publicado há uma grande expectativa entre as famílias dos pacientes. Sei disso porque meu avô teve Parkinson e sempre temos a esperança de que alguma coisa possa ajudar. Eu sempre tento manter as pessoas esperançosas quanto à possibilidade de uma nova terapia, mais barata, eficiente, fácil de ser implementada cirurgicamente, minimamente invasiva, com menos riscos e que, se os testes em primatas e os estudos clínicos tiverem os mesmos resultados obtidos em roedores, poderá ampliar significativamente o número de pacientes beneficiados com o tratamento.

Não se trata de cura?

De forma alguma. É o tratamento dos sintomas motores e de alguns dos efeitos mais dramáticos do mal de Parkinson. Essa terapia, até onde sabemos, não paralisa o processo neurodegenerativo que causa a doença. Mas, de qualquer maneira, são milhões de pessoas afetadas que poderão se beneficiar. Quando publicamos esse trabalho com destaque na imprensa científica, recebemos milhares de e-mails de todo o mundo. É algo sério, que deve ser lidado com muita responsabilidade e com muito cuidado para não alimentar falsas esperanças. Então, evidentemente, essa distinção entre cura e tratamento é uma das primeiras coisas que tentamos fazer. Nosso esforço é para acelerar o avanço dessas pesquisas para que possamos dizer, com total segurança, que chegamos ao ponto X.

FOTOS JAILTON GARCIA

As ordens não são necessárias no aprendizado?

Crescer em São Paulo e entender o sertão do Piauí, o interior da Bahia, é impossível. As emoções são diferentes, em cada sotaque. Isso nos dividiu, e deveria ter unido. A diversidade cultural, linguística, vegetal, biológica é que faz o Brasil ser o que é

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JAILTON GARCIA

O que é o pensamento? E o sonho?

A aula deveria ser diferente, livre desse modelo da autoridade, de o professor vomitar a “verdade” que deverá ser recitada pelo aluno. A verdade tem de ser descoberta. E esse é um método científico, está em nossa vida o tempo inteiro

O pensamento é uma corrente elétrica, uma tempestade se espalhando pelo cérebro. Só isso. É um relâmpago em milivolts, em milissegundos. Tudo o que fazemos vem de uma tempestade elétrica na nossa cabeça. Uma tempestade tão complexa e tão difícil de prever como as que acontecem no céu. Mas move tudo o que nós fazemos, como sonhar, imaginar, pensar, prever, andar, falar, correr, tudo. Essa é a raiz de toda a humanidade, centenas de bilhões de elementos disparando pequenas descargas elétricas que geram um campo magnético muito pequeno, mas mesmo assim poderoso o suficiente para gerar tudo que a história da humanidade já gerou. E o sonho é uma atividade do sistema nervoso que, pelo que se debate muito hoje em dia e pelas teorias mais modernas, responde pela recapitulação do que aconteceu recentemente com tudo o que foi acumulado ao longo da vida e gera reverberações elétricas quando dormimos. Ele tem várias funções. Se considerarmos pesquisas mais recentes, nada mais é do que a consolidação das nossas memórias.

Quais os próximos lugares em que o senhor pretende instalar um centro semelhante ao de Natal?

Nesse momento nem estou falado nisso porque Natal demanda muita energia. Estamos tentando criar um programa de autossustentação, capaz de manter o campus de Natal independente, com parceria públicoprivada. E ainda vivemos a luta contínua para manter a coisa viva. Então, apesar de ter essa ambição, só vou para outros lugares em outras condições. Se quisermos construir o segundo instituto em outro lugar, o lugar tem de querer e criar condições para receber esse know -how. Há outros lugares onde chegamos até a conversar, assinamos documentos, mas nada sai, é uma perda de tempo. É importante que as pessoas valorizem esse esforço e, se quiserem realmente embarcar numa parceria, saibam que existem responsabilidades de ambos os lados. Não é simplesmente dizer “eu quero um negócio desses aí”. Em Natal aconteceu dessa maneira porque era o embrião, a semente que tinha de florescer e está florescendo.

Seus estudos são financiados pelo governo americano e fundações de todo o mundo. É legítimo dizer que se trata de pesquisa brasileira?

Sim. A ideia saiu de um cérebro que nasceu na Bela Vista, foi escrita por alguém que cresceu em Moema, assinada por um pesquisador com diploma da Universidade de São Paulo e quem assina o cheque é um torcedor do Palmeiras. Se isso não é brasileiro, então não sei o que é. O fato de trabalhar nos Estados Unidos, numa universidade americana, financiada pelo governo americano e por fundações de vários países não significa que essa produção não seja brasileira. Primeiro de tudo porque ciência não é de ninguém, é da humanidade. No meu trabalho tem pesquisadores do

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Chile, Suécia, Canadá, Brasil e Estados Unidos. Mas, se for para definir uma nacionalidade, quem teve a ideia do trabalho, recrutou as pessoas e foi atrás de dinheiro veio daqui. E escreveu parte dele enquanto andava pela praia de Natal, na sede da associação, no Parque Antártica, no avião. Vem da nossa condição colonial a dificuldade de acreditar que tenhamos condição de fazer essas coisas. É como se alguém dissesse: “Mas o Oscar Niemeyer fez um monumento na Argélia. Será que é dele? Quem pagou foi um argelino”. O que é mais fácil: o Palmeiras ser campeão do mundo ou o senhor ganhar o Prêmio Nobel?

Ah, não tem dúvida de que é o Palmeiras. O Nobel é um fetiche nacional. É como o Oscar. Para a ciência nacional ser legitimada alguém tem de ganhá-lo. Eu não tenho nada a ver com isso. Não acredito que isso faça a diferença que todo mundo acha que faz.

O Nobel não é importante para a ciência brasileira?

Esse prêmio só terá grande repercussão se for consequência de um projeto estratégico nacional científico em que dezenas de pessoas têm chance de ganhar. Ninguém ganha o Nobel sozinho. É como uma célula do cérebro que produz uma faísca elétrica. Mas para produzir a faísca teve uma série de células por trás dela que a alimentaram de informação para ela poder disparar. Eu não dou muita atenção para essas coisas porque acho que é uma glorificação muito egocêntrica do indivíduo, quando a ciência é o próprio time. É como um jogo de futebol. É possível ter um grande jogador no time e não ganhar nada. Mas, se há um time, há como ganhar. O capitão levanta a taça. Mas é o time que ganha o jogo. A nossa cultura é muito de dar a recompensa para um indivíduo.

Como os brasileiros poderiam contribuir com seus projetos?

Somos uma organização da sociedade civil com interesses públicos. Temos o nosso site (www.natalneuro. org.br), vivemos de doações mínimas, a partir de R$ 1. As pessoas entram no site, ficam enamoradas pelas perspectivas. Agora temos tentado ampliar nossa rede de doadores para não depender tanto dos grandes doadores. É uma campanha que vamos começar a intensificar porque acho que é uma forma alternativa de mostrar que é possível construir coisas com a participação de um grande número de pessoas que possam ser cúmplices de uma empreitada social, sócias de um sonho. Creio que todo mundo tem a chance de realizar um sonho, canalizar seu desejo. É a oportunidade que muitas pessoas não tinham e agora têm. Por isso se encantam. Mas acho que é importante que as pessoas ajudem começando a tomar ciência dos problemas da sua comunidade, a ser mais participativas em suas escolas, dos seus filhos, nas suas cidades, e começar a exigir tudo o que elas deveriam ter e não ainda não têm.


MUNDO

Socialistas e socialdemocratas europeus, ao largar bandeiras históricas, perdem identidade e abrem espaço para o conservadorismo e a xenofobia Por Flávio Aguiar

O

Parlamento Europeu, com sede em Estrasburgo, França, é um dos dois órgãos legislativos máximos da União Europeia (UE). É composto por 736 integrantes de 27 países e reúne-se cerca de 12 vezes por ano. Na reunião deste mês de julho, elegerá seu novo presidente e constituirá suas 20 comissões temáticas, como de meio ambiente, agricultura, relações de trabalho, política externa, entre outras. Espera-se que os temas privilegiados nesse início de novo mandato, que vai até 2014, sejam a regulamentação dos mercados financeiros e as alterações climáticas. Na prática, o Parlamento exerce mais função de arena de debates, termômetro político e órgão consultivo obrigatório da Comissão Europeia, formada por ministros de Estado dos países-membros, que se reúne em Bruxelas, capital da Bélgica. A comissão é o órgão forte da UE. Outro fórum político importante do continente é o Conselho Europeu, em que se reúnem diretamente os chefes de Estado, cerca de quatro vezes por ano. As forças hegemônicas na UE têm estado do lado conservador, refletindo a situação dominante nos países-membros de maior peso, como Alemanha, França e Itália. A última eleição, no início de junho, registrou uma caminhada ainda mais acentuada para a direita – embora todas as forças políticas mais tradicionais tenham sofrido baixas, exceto os Verdes, para onde migrou parte dos votos da esquerda. As recentes eleições ressaltam que a maior

BOB STRONG / REUTERS

Deslizamento à direita

RESISTÊNCIA O desempenho do Partido Pirata foi um alento ante o avanço da extrema direita

débâcle ficou por conta dos socialdemocratas e socialistas, grupo que compreende também o Partido Trabalhista britânico. Os líderes desse agrupamento atribuíram o mau desempenho ao não comparecimento de seu eleitorado (na maioria dos países o voto é facultativo). Dos 375 milhões de eleitores potenciais, compareceram 43%. Muitos analistas apontam, porém, a própria história desse agrupamento nos países de origem como responsável por essa situação. De tradicionais defensores das políticas sociais, os socialistas, trabalhistas e socialdemocratas, depois do fim do comunismo europeu, passaram a ser defensores das políticas de desregulamentação laboral promovidas pelo neo­liberalismo hegemônico. Deixaram de ser uma referência para os trabalhadores. Hoje em dia, as políticas sociais reclamadas pela crise financeira estão nas mãos de governos conservadores, como o de Sarkozy na França e o de Angela Merkel na Alemanha: proteção e criação de empregos, investimento público, ampliação da seguridade social, e assim por diante. Os socialdemocratas perderam suas bandeiras, e com elas sua identidade, aproximando-se cada vez mais de uma crise sem precedentes na sua história. O lado conservador, com a liderança dos democrata-cristãos, manteve sua hegemonia no Parlamento, mas também nesse cam-

po houve mudanças significativas. Todos os grupos tradicionais perderam cadeiras, embora não em proporção como a dos socialdemocratas ou socialistas. O crescimento do grupo Outros/Independentes significou em geral um aumento da votação em muitos paí­ses de partidos da extrema direita, com pregação xenófoba e anti-imigrantes. Foi esse o caso dramático da Holanda, onde os direitistas radicais fizeram uma campanha baseada na recusa da candidatura da Turquia para entrar na UE, alegando que é um país “muçulmano” e isso é incompatível com “europeu”. Foi também o caso da Áustria, onde a extrema direita vem ganhando terreno ante o eleitorado jovem entre 16 (idade mínima para o voto) e 18 anos, e o da Hungria, duramente atingida pela crise e onde a extrema direita é favorita nas próximas eleições. Exceção curiosa dentro desse quadro desalentador foi a Suécia, onde pela primeira vez um membro do Partido Pirata conseguiu uma cadeira no Parlamento Europeu. Não, não é um representante dos Piratas da Somália, ou do Caribe; vem dos grupos que defendem a completa liberação de direitos autorais ou de propriedade na internet. Quando mais não seja, é um tímido consolo nesse quadro desolador de maré conservadora que sobe nas praias, terras e urnas da Europa. JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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QUALIFICAÇÃO PARA A capacitação e o aprimoramento profissional são a grande fonte de energia de empreendimentos como os terminais de regaseificação de gás natural, o projeto Cidades da Solda ou a preparação dos profissionais que comandam o Centro Nacional de Controle Operacional

Terminal de regaseificação de gás natural liquefeito: iniciativa inédita no mundo


INFORME PUBLICITÁRIO

OPERAR A TODO GÁS

P

AGÊNCIA PETROBRAS

ioneira na área de energia, a Petrobras inaugurou no Brasil os dois primeiros terminais de regaseificação de Gás Natural Liquefeito (GNL), localizados em Pecém (CE), e na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro. O primeiro tem capacidade para regaseificar 7 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia e o segundo, 20 milhões. Depois de regaseificado, o gás natural é enviado à malha de transporte por meio de braços de Gás Natural Comprimido (GNC). Os navios utilizados no projeto funcionavam como transportadores de GNL e foram convertidos para fazer armazenamento e regaseificação do produto. Para colocar esse projeto em prática no País, a Companhia não mediu esforços na capacitação da mão-deobra encarregada de operar estes empreendimentos. A formação ficou sob responsabilidade da Transpetro, subsidiária de transporte e logística da Petrobras, que acumula experiência em terminais de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP). “Já tínhamos profissionais qualificados no manuseio do gás. O desafio era capacitá-los nessa tarefa nova”, comenta o gerente técnico operacional de Terminais Aquaviários da Transpetro, Jorge Luiz Pereira Borges. Foram selecionados 23 profissionais, entre operadores e coordenadores da área de GLP, que receberam treinamento sobre conceitos de GNL, em parceria com a Universidade Petrobras. Os participantes também fizeram um curso específico sobre operações de GNL, aplicado por um especialista do renomado Gas Technology Institute (GTI), dos Estados Unidos. Capacitação no exterior O grupo ultrapassou fronteiras para aprimorar seu conhecimento e chegou a estagiar em terminais de GNL em Portugal, nos Estados Unidos e no Japão, acompanhando operações de descarga do gás. Outra etapa da preparação envolveu a viagem de um comandante a bordo do navio regaseificador Golar Spirit (do Terminal de Pecém), para acompanhar procedimentos de segurança e verificar equipamentos. Em paralelo, profissionais da área de Segurança, Meio Ambiente e Saúde (SMS) receberam qualificação em Combate a Emergência com GNL, na universidade Texas A&M, e que foi replicada no Brasil, em Campinas. Técnicos da área de manutenção acompanharam na Alemanha e na Polônia testes dos braços de carregamento de GNL e de GNC, fabricados pela empresa Emco.


CIDADES DA SOLDA E DAS OPORTUNIDADES

J

á são 394 profissionais formados, dos quais, cerca de 300 já foram empregados na área de soldagem. Outros 150 estão em processo de formação. Esses são os números do Projeto Cidades da Solda, que oferece cursos gratuitos a jovens de comunidades próximas a unidades industriais fornecedoras de bens e serviços da Petrobras. Iniciado em 2005, o projeto tem o objetivo de qualificar mão-de-obra para as áreas de petróleo e gás, siderurgia, mineração, papel e celulose, e já é realizado nos municípios de Contagem, Coronel Fabriciano e Betim (MG) e de São José dos Campos (SP). A mais recente unidade implantada em Duque de Caxias (RJ), em abril, pretende capacitar 250 pessoas nos níveis básico, médio e avançado. “Visamos não apenas o cunho social, mas sim a formação qualificada de profissionais em soldagem”, afirma o coordenador-

geral do Cidades da Solda-RJ, Martiniano Santos. A iniciativa integra a carteira de projetos do Comitê de Abastecimento do Prominp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural), com apoio da Petrobras. E conta com a participação de prefeituras, entidades de ensino, associações de classe, organizações não-governamentais, sindicatos e empresas como White Martins, Belgo Bekaert Arames (Belgo Mineira), Delp Engenharia e Mecânica, Açocon, Gerdau, UTC Engenharia, Servimec, Jaraguá, Confab, Manserv, SadeFem, LM Service, Potencial, Produman, Tecap, Emalto e Esab, que cederam máquinas e insumos para os treinamentos. As aulas seguem a metodologia do Senai. São atendidos jovens entre 18 e 24 anos, com ensino fundamental completo e que estão fora do mercado de trabalho. A perspectiva é

Jovens em formação no Projeto Cidades da Solda

que depois eles possam ser contratados por empresas prestadoras de serviços da Petrobras. Segundo o secretário-executivo do Comitê Setorial de Abastecimento do Prominp, Michel Fabianski Campos, o índice de aproveitamento dos alunos pelo mercado é alto, já que a mão-de-obra na área de solda é muito disputada. “A demanda por profissionais de soldagem é tão grande, que quase todos os alunos já saem com propostas de emprego”, afirma. Novos cursos Outras unidades do Cidades da Solda estão previstas nos municípios de Araucária (PR), Cubatão (SP), São Francisco do Conde (BA), Ipojuca (PE), Guamaré (RN) e Ibirité (MG). O projeto também pretende oferecer cursos de esmerilhador, caldeireiro, armador, carpinteiro, pedreiro, encanador predial, eletricista predial e soldador ponteador.


INFORME PUBLICITÁRIO

TREINAMENTO E MUITA CONCENTRAÇÃO

O

peradores ligam e desligam bombas e compressores, abrem e fecham válvulas, alinham tanques e controlam a vazão e a pressão de dutos em diversos pontos do país. Todos esses procedimentos são realizados à distância, via computador, por meio do Centro Nacional de Controle Operacional (CNCO) da Transpetro, localizado na sede da subsidiária, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma sala de controle que utiliza a mais avançada tecnologia para monitorar em tempo real, 24 horas por dia, a movimentação de

7 mil quilômetros de oleodutos e 4,5 mil quilômetros de gasodutos operados pela empresa. O grupo de profissionais que comanda esse sistema, equipado com 15 consoles (postos de operação com monitores, computadores de última geração e tecnologia de ponta em telecomunicação), passa por um rigoroso processo de seleção, qualificação e certificação. Além do conhecimento técnico nas áreas de óleo e gás, os operadores precisam ter alto grau de concentração para detectar falhas que possam ocorrer no transporte de petróleo

e derivados, de gás natural e de biocombustíveis. A capacitação dos operadores tem duração de 12 a 16 meses. Nesse período, eles realizam visitas técnicas às instalações que irão supervisionar remotamente, cursos teóricos, treinamentos em simuladores de óleo e gás (semelhantes a um simulador de vôo) e um estágio em console, orientado por um instrutor, para vivenciar a rotina de trabalho no CNCO. Além disso, a cada dois anos, os profissionais fazem testes para renovar a certificação do aprendizado.

FOTOS: AGÊNCIA PETROBRAS

Centro de controle da Transpetro: 12 a 16 meses de capacitação


TRABALHO

VENEZUELA COLÔMBIA EQUADOR PERU BRASIL BOLÍVIA

CHILE

PARAGUAI

Santiago URUGUAI ARGENTINA

Chiloé

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REVISTA DO BRASIL JULHO 2009

A última ceia T Indústria do pescado gestado artificialmente no sul do Chile mostra como a ausência de sustentabilidade pode deteriorar condições de trabalho, de saúde e, ainda por cima, parar na sua mesa Por Maurício Hashizume

odos os anos, o diário norteamericano The Wall Street Journal e a Fundação Heritage fazem um ranking de “liberdade econômica” dos países. As regalias que cada nação oferece ao capital são medidas em pontos. O Chile é o mais bem pontuado da América Latina e, na atual classificação global, aparece na categoria dos “majoritariamente livres” – em 11º lugar. O Brasil é o 105º. A citação do Chile como “paraíso liberal” dos trópicos é comum. O que não é usual é conferir os resultados práticos dessa


HUGHES HERVÉ/AFP

DE MAL A PIOR Porto na Ilha de Chiloé, onde se concentram os cultivos de salmão

liberalidade na vida das pessoas que estão na base da população. O caso dos trabalhadores da indústria do salmão é um prato cheio para essa prova dos noves. O salmão tornou-se um dos principais produtos chilenos de exportação. “De uns 20 anos para cá, houve grande impulso da salmonicultura”, diz Flávia Liberona, da Fundação Terram, organização não governamental que acompanha os impactos socioambientais nas regiões onde o pescado introduzido (a espécie não é originária das águas chilenas) é cultivado, abatido e processado. A criação em cativeiro passa por duas etapas: a reprodução de alevinos (embriões) em lagos e rios continentais e a engorda no mar, dentro de imensas gaiolas posicionadas ao longo da costa. Na sequên­ cia, o salmão é transportado até as plantas industriais, onde uma massa de trabalhadores entra em ação para que o produto fique pronto para a venda. Até 2007, a salmonicultura gerava em torno de 55 mil empregos diretos e indiretos no sul do Chile. Naquele ano, as vendas do pescado alcançaram US$ 2,4 bilhões. “Há uma concentração territorial. Portanto, os impactos sociais, trabalhistas e ambientais podem ser constatados sobretudo na região dos Lagos Andinos, que produz 85% do salmão que o Chile exporta”, completa Flávia. Pesquisas de entidades como o Centro de Estudos Nacionais de Desenvolvimento Alternativo (Cenda) mostraram, porém, que essa pujança econômica não se converteu em benefícios proporcionais para os trabalhadores. As remunerações mantiveram-se

no nível do salário mínimo, com uma parcela adicional de 20% vinculada a bônus por produtividade. Segundo Ana Becerra, do Cenda, muitas empresas não cumpriram integralmente as leis trabalhistas nesse período de salto da indústria. Nas plantas industriais fechadas, as temperaturas são baixas para preservar a qualidade do pescado. Cerca de 60% da mão-de-obra é de mulheres, que cortam, limpam e refilam o salmão. “Verificamos jornadas exaustivas em condições inadequadas, sem as devidas trocas de turnos. O trabalho na linha de produção é repetitivo e sempre de pé”, relata Ana. A rotina tem causado tendinites e problemas relacionados às baixas temperaturas, como reumatismos e cistites. “Conheço histórias de trabalhadores que entregaram toda a sua energia à empresa e não podem colocar os filhos na faculdade. Não se consegue poupar nada”, reclama John Hurtado, funcionário da Cultivos Marinos Chiloé, em Ancud (na Ilha de Chiloé, a cerca de mil quilômetros de Santiago), e presidente do sindicato União e Força. Segundo ele, gente com mais de 15 anos na indústria do salmão não tem casa própria. “Quando colocamos isso nas negociações, os empresários riem da nossa cara e dizem para pedirmos teto ao governo.” Empregados dos centros de cultivo no mar também enfrentam situações precárias, de acordo com investigação do Cenda. Obrigados a permanecer semanas longe de terra firme para cuidar da engorda dos peixes, alguns deles se protegem do frio, da chuva e do vento cortantes em pequenas embarcações sem estrutura adequada. A Fundação Terram, o Cenda e uma organização chamada Canelo de Nos criaram em 2006 o Observatório Laboral e Ambiental de Chiloé. Por meio de pesquisas próprias, as entidades detectaram ainda a ocorrência de diversas práticas antissindicais e descobriram que a indústria do salmão tinha a segunda maior taxa de acidentes de trabalho do Chile, atrás apenas da construção civil.

MAURÍCIO HASHIZUME

Vírus, crises e choques

NÃO SUSTENTÁVEL Processamento do pescado: demissões, subemprego e riscos para a saúde

Esse quadro de desequilíbrio agravou-se a partir de julho de 2007, quando o vírus ISA – que já infectara peixes na Noruega – passou a contaminar os salmões chilenos criados em cativeiro. De lá para cá, os sindicatos contabilizam cerca de 17 mil demissões. “O tema central hoje não é mais a condição de JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Em resposta aos diversos protestos por conta do desemprego, o subsecretário do Trabalho, Mauricio Jélvez, anunciou um plano de investimentos públicos em capacitação e intermediação de mão-de-obra. O governo articula ainda a aprovação de uma nova lei de pesca. Juan José Soto, assessor do Ministério da Economia e integrante da Mesa do Salmão, instalada pelo governo federal, define as regras sanitárias e ambientais que estão sendo propostas como “extremamente exigentes”. Para ele, não há melhor forma de cuidar dos empregos do que recuperar a indústria com a adoção de novos padrões. A perspectiva não é tão cor-de-rosa no chão de fábrica. O Observatório de Chiloé encontrou pessoas que foram despedidas e recontratadas para trabalhar mais, por salário menor e tempo determinado. “Há casos de contratos mês a mês. As pessoas se

submetem a situações mais graves de exploração para garantir trabalho. Está em curso uma mudança tecnológica disfarçada de um discurso de qualificação”, denuncia Ana Becerra. “A produção de salmões no mundo está caindo porque o ambiente não suporta. É problemático engordar tantos peixes nessa escala, com consumo de tantos alimentos e produtos químicos. Temos de pensar efetivamente no que fazer com essa gente.” “É preciso fomentar atividades diferentes para que haja variedade na geração de emprego. O dinheiro que move essa região tem como base essa indústria, o que nos fez muito vulneráveis”, observa Doris, da CUT. “Esperamos que as autoridades mudem suas políticas e incentivem outros setores produtivos para que não se repita no futuro o que estamos sofrendo hoje.”

MAURÍCIO HASHIZUME

trabalho, mas a situação dos que foram despedidos”, diz Flávia, da Fundação Terram. Projeções indicam que a situação ainda está por piorar. “Muitas empresas estão falando que terão de reduzir sua produção em 60%, com efeito proporcional no número de trabalhadores”, afirma Doris Paredes, presidente da Central Unitária de Trabalhadores (CUT) na província de Llanquihue. A Cultivos Marinos Chiloé, que já teve 1.300 empregados em suas linhas de produção, mantém agora 590. Antes do salmão, a população da região dos Lagos sobrevivia basicamente da agricultura familiar e da pesca artesanal. Com a chegada da indústria, boa parte mudouse para os centros urbanos, atraída pelo setor em expansão. Essa indústria foi pivô de um verdadeiro choque sociocultural de toda uma geração, já que muitos trabalhadores hoje na casa dos 40 anos tiveram como única experiência de vida a lida nas salmoneras. De acordo com o geógrafo e deputado Patrício Vallespín, membro da Comissão de Pesca, Aquicultura e Interesses Marítimos, a crise do vírus ISA pode ser atribuída a um conjunto de fatores. Na avaliação do parlamentar, a atividade do salmão não foi acompanhada no mesmo ritmo por ajustes normativos e houve “excesso de liberdade” para as empresas, sem contrapartidas: “A liberdade das empresas deve ser exercida com responsabilidade. Nesse caso, houve excesso. Colocar muitos peixes dentro de cercas favoreceu a disseminação do vírus ISA. Foi um erro”. Ana Becerra, do Cenda, alerta que os empresários tentam dar a entender que os problemas do setor se devem à crise financeira. “É uma forma de se afastar das responsabilidades de uma crise provocada pelo mau manejo, pela produção a todo custo, sem se importar com o meio ambiente e com a degradação”, critica.

SINDICATOS PROTESTAM Monocultura em crise deixou os trabalhadores sem alternativa

Peixe corado na marra A parcela do salmão destinada ao mercado brasileiro chegou, em 2007, a 6% das exportações chilenas – percentual modesto para os produtores, mas o bastante para popularizar o peixe nos cardápios e supermercados. EUA, Japão e países da Europa, os maiores compradores, até então pagavam mais e absorviam a importação do pescado de melhor qualidade. A procura por alimentos mais leves e saudáveis também pesou. “O salmão veio suprir essa demanda”, comenta Ivan Lasaro, da Associação Nacional dos Distribuidores e Importadores de Pescados (Andip). “Sem ele, seria difícil viabilizar um negócio como o rodízio de sushi.” A carne do salmão atlântico é naturalmente esbranquiçada; a coloração avermelhada é adquirida em tinas com corantes. Seu preço ainda não subiu porque, com a retirada precoce dos peixes da água em

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REVISTA DO BRASIL JULHO 2009

função do vírus ISA, houve um acúmulo de salmões de qualidade inferior. De 2007 para cá a exportação para os países ricos caiu, e a participação do Brasil subiu para 15%. Os preços devem subir em breve, pois há pouco salmão na água e não haverá tempo para reposição. O representante dos importadores afirma ter visitado os centros de produção e verificado boas condições de trabalho. Porém, contracheques como os de Betty Herrera, empregada das salmoneras há seis anos, mostram que a aparente normalidade esconde grandes contrastes. A média salarial do segmento é de 210 mil pesos chilenos (cerca de R$ 720). Meio quilo de salmão defumado de primeira qualidade cortado em finas lâminas (slicer) pode ser vendido até por 70 mil pesos chilenos (aproximadamente R$ 240). Um operário é capaz de produzir 7 quilos de slicer por hora de trabalho.


Retrato

Por Adriano Ávila

Mestre de Cajuru

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á pela década de 1950, no apogeu dos carros de boi, esculpir uma canga, um cacão, um chumaço, um fueiro, arreia ou recavém era tarefa de muita valia. Eram as peças que apresentavam maior dificuldade para o artesão, ricas em detalhes e precisão. “Esses nomes esquisitos você só encontra em letra de músicas sertanejas”, divertese Paulo da Zilda, mestre na arte. Polão, como é chamado, se envaidece ao falar dos cuidados na construção das peças, da escolha da madeira na mata aos entalhes minuciosos, feitos com mestria e muito carinho. “No começo eu fazia porque gostava, não pensava no dinheiro, mas o povo foi gostando, e o serviço não parou mais. Durante mais de 40 anos botei muito carro rodando nessas estradas de Minas Gerais.” Polão nasceu e vive há 73 anos em São Miguel do Cajuru, pequeno arraial a 32 quilômetros de São João del Rei (MG). O acesso até o povoado é uma única e precária estrada de terra, na região de Campos das Vertentes, caminho dos antigos Tropeiros Paulistas, Estrada Real ou Trilha dos Inconfidentes. A estrada foi a grande passagem para escoamento de produtos agropecuários desde o fim do ciclo do ouro até meados do século passado. É esse isolamento que garante a qualidade de vida e a preservação da cultura. Quase tudo lá permanece como no início do século 18 – as casas de tijolos de adobe (mistura de barro com capim), o contato intenso com a natureza, o carinho ao receber os visitantes, o cafezinho com bolo de fubá. JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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AMBIENTE

Copa verde O Mundial de Futebol no Brasil poderá ser o primeiro da história a impor a seus projetos conceitos de sustentabilidade Por Roberto Rockmann

ARTES DIVULGAÇÃO

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RECICLAGEM Projeções do futuro estádio de Brasília, do arquiteto Vicente Castro de Mello: espera-se que os empresários tenham iniciativa, o que não aconteceu no Pan do Rio

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a primeira semana de junho, políticos, ministros e representantes da iniciativa privada criaram um grupo de trabalho com a missão de consolidar um projeto de sustentabilidade para a Copa de 2014, recebendo sugestões para ser postas em prática pe-


Boanada, diretor regional para o Rio de Janeiro da Siemens, uma das empresas interessadas nos US$ 60 bilhões de negócios que a Copa deve gerar no Brasil.

Pé atrás

DIRETO DA FONTE O projeto de modernização do Maracanã pretende transformar o estádio em uma ecoarena: a água utilizada nos banheiros e na irrigação do gramado viria de sistema de captação pluvial; a energia, de painéis solares

Verde), uma lista de metas para incorporar ao evento características de sustentabilidade. O governo alemão incentivou o uso de bicicleta, com a construção de estacionamentos gratuitos próximos aos locais dos jogos. Em três estádios, Kaiserslautern, Dortmund e Nuremberg, foram instaladas placas de captação de energia solar. Na África do Sul, algumas obras previam caminho semelhante, mas não saíram do papel. “Não podemos criar coisas fantásticas, fora da nossa realidade. Precisamos aproveitar o que temos, reciclar nossos estádios”, defende o arquiteto Castro de Mello. Os investimentos para aplicar tecnologias inovadoras de economia de energia e água poderiam ser tocados por empresas privadas e governos. “Vai estar em nossas mãos fazer da ‘Copa verde’ um sucesso, e isso depende dos investimentos que nós, brasileiros, decidirmos realizar”, diz Sergio

A história do Brasil na realização de grandes eventos esportivos não é das melhores. Exemplo recente são os Jogos PanAmericanos de 2007, no Rio de Janeiro. Relatório do Tribunal de Contas da União apontou falhas graves, de atrasos nas obras a omissão de informações, passando por indícios de irregularidades em licitações e falta de planejamento. O orçamento inicial previa investimentos em torno de R$ 400 milhões, mas foram quase R$ 3 bilhões. Muitos itens omitidos, como estrutura detalhada de segurança, foram sendo incorporados no decorrer da execução. E investimentos privados que não se concretizaram deixaram União, estado e município com o mico. O estádio João Havelange, o Engenhão, custou três vezes mais que os R$ 130 milhões projetados. Promessas como a despoluição da Baía da Guanabara, a construção de linha de metrô ou a herança de parques esportivos para a cidade ficaram apenas na palavra. Para a Copa, o governo federal quer uma nova gestão de gastos com os contratos. Agora, neste mês de julho, reúne-se com estados e municípios para começar a definir, e posteriormente fazer constar em contratos, as responsabilidades de cada um. A União pretende estimular o setor privado na construção dos estádios e quer, no máximo, investir na infraestrutura. Cuiabá, porém, já frustrou essa expectativa ao admitir que bancará com recursos públicos a sede pantaneira da Copa.

FOTOS DIVULGAÇÃO

las 12 cidades-sede e também por aquelas que venham a receber a preparação dos jogos das 32 seleções que disputarão o Mundial. “Esse grupo vai trabalhar pela rea­lização de uma Copa do Mundo limpa”, diz a senadora Ideli Salvati (PT-SC). O levantamento sobre as iniciativas sustentáveis deve ser concluído até o fim deste ano para ser apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sob o conceito de “Copa verde” os estádios são vistos como ecoarenas – para os banheiros e a irrigação do gramado, sistemas de captação da água da chuva; em vez de energia elétrica da rede básica, painéis de energia solar. A aplicação de regras implica ainda compensar com o plantio de árvores a emissão de gás de efeito estufa gerada pelas obras. A rede de transportes também tem de ser pensada para reduzir a circulação de veículos não apenas durante o evento, mas depois dele. “O Brasil tem grandes possibilidades de se tornar sede da primeira “Copa verde” da história, mas para isso será preciso uma ampla articulação”, diz o arquiteto Vicente Castro de Mello, que trabalha com projetos sustentáveis para alguns dos estádios que pretendem sediar a Copa – como o de Brasília e o maior deles, o Maracanã, que poderá virar uma ecoarena, como prevê o edital de licitação de sua modernização, com a parceria da iniciativa privada. Em Manaus, o governo local tem divulgado a construção de um estádio ecoeficiente. “Queremos reforçar a ideia da ‘Copa verde’ ”, diz o governador Eduardo Braga. A ideia não é nova. Antes da realização da Copa de 2006, na Alemanha, a Fifa anunciou o programa Green Goal (Gol

SÓ PROMESSAS Engenhão: símbolo abandonado de um evento de alto custo que não trouxe as melhorias prometidas para a cidade JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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CONSUMO

Mariana Luísa e a feijoada vegetariana do Verdelima, de Fortaleza

Vantagem na R$ 7,62

FOTOS JR. PANELLA

Millena, de Fortaleza, aprova a variedade e o preço do “quilo”, mas nada contra a corrente: “O ideal é mesmo uma refeição à la carte”

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REVISTA DO BRASIL JULHO 2009


P

preço alto, demora, cardápio inadequado, foram todos superados pelos “quilos”. Dos 450 mil restaurantes existentes no país, 360 mil (80%) servem comida por peso, segundo a Associação Brasil de Bares e Restaurantes (Abrasel). A razão, segundo o presidente do Conselho Nacional da Abrasel, Joaquim Saraiva, é que as empresas foram se ajustando às demandas, sofisticando os cardápios, até chegar aos grelhados e às cozinhas árabe, mexicana, japonesa. Tudo por conta de um mercado competitivo. Hoje já começam a fornecer itens orgânicos, cujo consumo cresce cerca de 10% ao ano no Brasil. Saraiva conta que seis em cada dez restaurantes tradicionais migraram para esse sistema ou criaram o self-service por peso como segunda opção da casa, outros tantos fecharam. “Ninguém ficou indiferente à tendência”, observa. Ele explica que os restaurantes operam com margem de 10% de lucro, e essa rentabilidade tem caído em torno de 2% nos últimos três anos.

elo menos oito de cada dez brasileiros que se alimentam fora de casa optam pelos restaurantes por peso. A escolha é baseada numa fórmula mista de comida variada, preço acessível, praticidade, agilidade e pouco desperdício. Características válidas para quem tem consciência do que, e de quanto, deve comer para ter uma boa saúde. A vantagem é ter acesso a tudo o que pode ser bom para uma dieta saudável sem arrebentar o orçamento. E o desafio é não perder a noção diante da fartura. Os self-service por peso começaram a proliferar nas grandes cidades no final da década de 1980, por conta da vida moderna, da pressa, da falta de tempo e da supervalorização do trabalho em detrimento da saúde. O primeiro deles surgiu em Belo Horizonte. Até então, as alternativas eram restritas aos estabelecimentos com serviço à la carte (pedidos via menu), lanchonetes ou aos que ofereciam PF, o famoso prato feito. Por conta de limitações como

Refeição por peso arrasta 60% dos restaurantes tradicionais, quebra alguns tantos e se consagra como a maior opção nos grandes centros. A facilidade no prato, porém, exige cuidados e muito controle Por Evelyn Pedrozo

RODRIGO ZANOTTO

balança

O preço médio por quilo cobrado nas capitais é R$ 34 e o consumo, em torno de 350 gramas. São determinantes para a formação do preço seis itens básicos: matéria-prima, aluguel, salários, energia elétrica, água e gás. “Nas cidades de interior, o preço cai por conta da menor procura, ainda que os custos sejam os mesmos ou até maiores. As margens ficam estranguladas”, diz Saraiva.

Tíquete

O brasileiro, em geral, não é do tipo que substitui comida por lanche, mas muitos trabalhadores têm dificuldade de bancar sua refeição por conta do tíquete médio pago pelas empresas, de R$ 8,50, na análise de Saraiva. Recente pesquisa realizada pela Associação Nacional das Empresas de Refeição e Alimentação Convênio para o Trabalhador (Assert) com 2.252 restaurantes em todo o país apontou gasto médio de R$ 16,26 numa refeição básica: salada, prato principal, bebida não alcoólica, sobremesa e cafezinho. O estudo levanta dados para que as empresas avaliem o valor do tíquete pago aos funcionários, de acordo com o Programa de Atendimento ao Trabalhador (PAT), instituído há 33 anos pela Lei nº 6.321. O programa, que atende 11 milhões de trabalhadores, determina refeição de qualidade aos empregados. Para Artur Almeida, presidente da Assert, é importante oferecer parâmetro real sobre o valor médio da refeição. “É consenso que a qualidade da alimentação é fundamental para elevar a saúde e a qualidade de vida dos trabalhadores.” Joaquim Saraiva reivindica que o governo ofereça ainda mais benefícios às empresas que custeiam a refeição dos funcionários, além da dedução no imposto de renda já prevista às participantes do PAT. “O valor do tíquete médio não está bom para ninguém. Os trabalhadores reclamam, os restaurantes também, assim como as empresas de tíquetes.”

R$ 9,67 Diego alterna o “quilo” e o bufê fixo na Padaria Tropical, de Campinas

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Quanto pesa Preço médio do quilo de comida nas cinco regiões do Brasil. Em Vitória (ES) foi apurado o valor médio mais alto: R$ 20,94. Em São José dos Campos (SP), o mais baixo: R$ 11,46

R$ 14,41

R$ 14,91

R$ 17,58 R$ 16,80 R$ 13,88 Fonte: Assert. Pesquisa feita entre 27/1 e 13/2 de 2009

Mas a distorção não é exclusividade do setor privado. Recentemente, os professores da rede pública do estado de São Paulo denunciaram em manifestação da categoria o “vale-coxinha” de R$ 4 com que o governo engorda a remuneração dos profissionais da educação. Como avaliar se a refeição por peso é pior ou melhor do que qualquer outra? O aparelho digestivo não sabe reconhecer se a comida é self-service ou de primeiríssima qualidade. Segundo o professor de Gastroenterologia Clínica da Faculdade de Medicina da USP Joaquim Prado, é dever do consumidor verificar as condições de preparo, o teor de gorduras, a higiene da cozinha e do cozinheiro e o tempo de exposição dos pratos após o preparo. “Como isso nem sempre é factível, deve-se pelo menos procurar um local que inspire segurança”, diz. Sobre a possibilidade de montar um prato equivocado, diante de tantas opções no bufê do self-service, o professor enfatiza: “As dicas para compor a refeição são as mesmas para em qualquer lugar, partindose do princípio de que as condições dos alimentos e de higiene são plenamente satisfatórias”. Como diz Prado, a alimentação saudável é composta de fibras vegetais, proteínas e pequena quantidade de gorduras (ou lipídeos) e carboidratos. Por exemplo: salada (legumes, hortaliças), uma pe-

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REVISTA DO BRASIL JULHO 2009

quena porção de arroz, batatas cozidas, frango ou carne grelhada. No dia a dia é preciso evitar frituras, bem como bebidas gaseificadas, durante as refeições. Quanto ao consumo de calorias em um lanche, vejamos: um pacote de 100 gramas de batatas fritas mais uma lata de refrigerante somam cerca de 700 calorias. “Que tal substituir por um sanduíche de duas fatias de pão integral com duas fatias de peito de peru, três folhas de alface, três rodelas de tomate, com uma colher de chá de azeite? Além disso, uma pera tama-

R$ 15,64

Jeferson, de Porto Alegre, elogia a organização do Casarão Bom Fim

nho médio e um copo de vitamina. Total: cerca de 380 calorias”, sugere o professor. A vice-presidente da Associação Brasileira de Nutrição (Asbran), Virgínia Nascimento, recomenda que se evitem nos “quilos” aquelas opções cujos componentes não consigam ser identificados, como torta de legumes, que pode ser

ANDRÉA GRAIZ

Saúde


José Carlos capricha na alimentação. Apesar de carioca da gema, come rápido e não tolera a espera no à la carte

muito mais rica em farinha, manteiga ou maionese do que em legumes. Ela destaca que a apresentação dos pratos e as pessoas que manipulam os alimentos são parte do atestado de qualidade do local. E alerta: “A atração provocada pela oferta de doces logo no início do bufê, a diversidade de itens e o próprio peso aumentado de algumas receitas com farinhas podem levar a erros grosseiros na escolha de uma refeição saudável”. Como critério inicial para montar o pra-

RODRIGO QUEIROZ

R$ 13,68

to, Virginia esclarece que se deve avaliar os itens disponíveis e optar por algo diferente das refeições anteriores. “A boa composição prevê um terço de legumes e verduras e dois terços com carne e acompanhamento de feijão e arroz (ou a substituição destes por alguma massa).”

as condições ideais para manter a temperatura. Além disso, o alimento frio tem de estar em local separado do quente. O ambiente morno, segundo Evanise, é onde as bactérias se multiplicam. Em geral, os restaurantes abrem o serviço às 11 da manhã e encerram às 3 da tarde. São quatro horas de exposição. “E, quanto maior o tempo entre o preparo e o consumo, maior o risco de contaminação”, diz a especialista. “Assim, quanto mais cedo a pessoa fizer a refeição, mais saudável estará a comida.” Uma das queixas dos clientes mais exigentes é a possibilidade de os alimentos serem contaminados por saliva, cabelos e até mesmo pela manipulação dos clientes. Evanise reconhece que a probabilidade é alta: “O consumidor tem de se educar e não conversar diante do bufê”. Outra observação necessária para avaliar a qualidade do restaurante é se as travessas são lavadas para a reposição dos alimentos. “É totalmente incorreto repor o recipiente sem higienizá-lo”, enfatiza.

Higiene

Uma das chaves da segurança alimentar está na temperatura adequada em tempo adequado. “Essa é a única forma de não haver proliferação de bactérias nos alimentos”, ensina Evanise Segala, subgerente de alimentos da Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa), órgão da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Travessas muito cheias, por exemplo, dificultam

R$ 25,00 FOTOS MAURICIO MORAIS

Roberto gosta de ser atendido pelos garçons do Itamarati e aproveita bem o tempo do almoço. No prato, espetinho com arroz, ovo e fritas

TRADICIONALÍSSIMO O restaurante Itamarati, de seu Oscar, resiste à onda do “quilo”. No centro de São Paulo, serve bacalhoada para duas pessoas por R$ 80 JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Chacoalhão

O Grupo Bovinu’s chegou à capital paulista em 1989. Em 1996, abriu seu primeiro restaurante em sistema self-service. Hoje mantém uma unidade no Rio Grande do Sul, tem seis restaurantes por peso e dois no sistema rodízio em São Paulo, um deles no interior e os demais na capital. E nenhum com cardápio. “O quilo surgiu para derrubar o à la carte. Foi um tranco. A gente teve de se adaptar”, conta o administrador da rede, Valcir Baldissera. O Bovinu’s cobra R$ 39 pelo quilo e atende um público que paga com tíquete-refeição no valor médio de R$ 15. O bufê tem de tudo e pratos especiais conforme o dia. Após as 14h, o cliente ganha um descontinho, mas sabe que a comida já deixa a desejar. A unidade do Bovinu’s na Rua 15 de Novembro, no Centro Velho, reduto bancário e comercial, é frequentada por 1.100 pessoas diariamente, em média. Cada uma representa lucro de R$ 2 à empresa, se houver consumo médio de 500 gramas e bebida. “O lucro é baixo, o que vale é a rotatividade”, explica Baldissera. Freguês habitual, o engenheiro André Fernandes, de 47 anos, come em média 300 gramas, um grelhado com salada verde, tomate e queijo e fruta. “Mas não dispenso a feijoada na quarta-feira”, ressalta. Para ele, os “por quilo” têm como vantagens agilidade, preço, padrão constante e a variedade. Porém, não

n Alimentação saudável é composta

de fibras vegetais, proteínas, pequena quantidade de gorduras e carboidratos n Come melhor no “quilo” quem chega cedo n Lugares mais conhecidos costumam ter maior preocupação com as condições culinárias e sanitárias n Atenção a maioneses, saladas e embutidos: alimentos contaminados podem gerar gastroenterocolite aguda n Os alimentos podem ser misturados à vontade: o problema são os excessos n A quantidade ideal de alimentos ingeridos tem a ver com o gasto energético de cada um n Por praticidade e qualidade de vida, varie o cardápio n O ideal é que a refeição dure em torno de 30 minutos n É recomendável comer devagar, em ambiente tranquilo, com conversas que não gerem ansiedade n A apresentação dos pratos e das pessoas que manipulam os alimentos são a identidade do local. Escolha bem

lhe agradam a massificação, a quantidade de pessoas e a falta de especialização em um tipo de cozinha. O restaurante Mari Mariá, na mesma região, começou em 1998. Como ingrediente, a presença na cozinha da proprietária, a

mato-grossense Zilda Machado, chefe responsável por um bufê com características de comida caseira um pouco mais reduzido que o da concorrência. Com um fluxo diário de 700 pessoas, uma das atrações é o filé de peixe à milanesa. “Na terça-feira, isso aqui fica lotado. É nosso maior sucesso”, afirma Lúcia Machado, filha e sócia de Zilda – que não cogita ter um restaurante à la carte. Pagam-se R$ 35 pelo quilo. A advogada Pricila Sabag Nicodemo, de 30 anos, aprecia o sabor caseiro da comida, especialmente porque monta seu prato de forma tradicional: “São 350 gramas em média, com salada, arroz, feijão e carne”. Ela conta que já sofreu intoxicação alimentar em um outro local “mais em conta”. Poucos são os restaurantes que resistem à sedução do “quilo”. Mas os que perduram também têm público cativo. É gente que não tolera a movimentação rápida de pessoas durante o almoço e faz da refeição um ato de muita tranquilidade. O advogado Roberto Martelli Barbosa, de 36 anos, gosta de ser bem atendido pelos garçons do Itamarati, que conhecem suas preferências, e reserva um tempo demorado para o almoço. Ele faz apenas 5% de suas refeições em “quilos”. O Itamarati sobrevive no centro de São Paulo desde 1939 por conta de uma clientela também disposta a gastar mais. Começou como confeitaria e em 1950 passou a

André é habitué do Bovinu’s, no centro de São Paulo. Geralmente come grelhados e saladas, mas não abre mão da feijoada às quartas-feiras

MAURICIO MORAIS

R$ 11,80

A boa refeição

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SUCESSO EM FAMÍLIA Dona Zilda toca pessoalmente a cozinha do Mari Mariá desde 1998. Seu marido e suas duas filhas também trabalham no restaurante

Carlos Sarkis, de 60 anos, capricha na alimentação, mas leva apenas 20 minutos para almoçar. Vai ao Gustati diariamente. Não tolera a demora no à la carte e observa que o importante é ter educação alimentar. “Isso garante que a pessoa coma bem em qualquer lugar.”

R$ 12,25

A paulistana Pricila não troca o sabor caseiro da comida por peso do Mari Mariá

restaurante à la carte. Tem pratos variados e um cardápio fixo diário – o famoso prato do dia –, que os quilos também costumam respeitar. Na segunda-feira, virado à paulista; terça, dobradinha; na quarta, feijoada; quinta, massas; na sexta, peixes e bacalhau. Os preços vão de R$ 25 a R$ 80. “Os clientes, há um tempo, evitam carnes e frituras. Por isso, nosso forte são os peixes”, ressalta o sócio Oscar Francisco Jesus Sousa. A feijoada vegetariana feita com carne de soja é o carro-chefe do Verdelima, em Fortaleza, na concorrência com os à la carte. É o único “quilo” (R$ 29,90) natural da ci-

FOTOS JAILTON GARCIA

Opção livre

dade, afirma a proprietária, Mariana Luísa Veras Firmiano. A clientela é de 70 pessoas por dia, com gasto médio de R$ 15 pela refeição. A divulgadora de laboratório Mille­ na Theresa Almeida Santiago, de 22 anos, aprova o preço e a variedade, mas com um porém: “Gosto dos peixes e do frango, mas uma refeição melhor precisa ser feita num restaurante à la carte”. Os donos do Gustati Restaurante, no bairro carioca da Lapa, no Rio de Janeiro, tinham um barzinho onde vendiam PF. Mas cinco anos atrás, depois que surgiram muitos “quilos” na região, aderiram. Cobram R$ 28,90 e dão desconto de R$ 2 após as 13h30. Têm um bufê paralelo a cada dia da semana, com comida light, árabe, mineira, massas e feijoada. O advogado José

Uma tendência também presente nos restaurantes por peso é o bufê livre com preço fixo, como o da Padaria Tropical, em Campinas, no interior paulista. O proprietário Silvio Zinetti cobra R$ 9,90 pelo bufê livre com direito a massas, ou R$ 17,90 pelo quilo. Dos 180 clientes diários, 70% almoçam pelo livre. O analista de dados Diego Padilha Testa, de 27 anos, acostumou-se ao formato depois de muito tempo de “bandejão” na universidade. Adepto do arroz, feijão, salada e bife, dispensa a opção de comer massa, mas monta um prato que estima ter uns 600 gramas. Quando acha que vai comer menos, prefere pesar. Dez anos atrás, Roberto Paludo mudou de Brasília para Porto Alegre, onde montou o restaurante Casarão do Bom Fim, um “quilo” com opção de grelhados. Também já adotou o sistema livre, com preço fixado em R$ 10. Pelo quilo, cobra R$ 24. “Hoje já não vale a pena trabalhar com sistema de pesagem. Só compensa o livre”, avalia Paludo. E, para superar o desafio de consumir comida quente no inverno, melhor chegar bem cedinho. Às 11h30, o vendedor Jeferson Weber, de 26 anos, já está lá, quase diariamente. “A variedade e organização compensam; o problema é o cheiro de comida nas roupas.” JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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ESPORTE

Vacilo não tem vez Democrática e de fácil acesso, a prática do xadrez ajuda a desenvolver a concentração, o raciocínio lógico, a imaginação e o potencial de aprendizado Por Ricardo Criez. Fotos de Gerardo Lazzari

A

molecada corre de um lado para o outro para se distrair e driblar o friozinho da tarde de outono. O ruído e o clima dão ares de gincana aos intervalos de cada rodada. Os competidores e o público sentem-se num parque de diversões. Nem parecem estar num ambiente – um dos ginásios do complexo poliesportivo do Ibirapuera, em São Paulo – em que os protagonistas jogam emocionantes partidas de... xadrez. Trata-se da 6ª Copa Ayrton Senna de Xadrez Escolar, realizada sempre em junho pela Federação Paulista de Xadrez. Lucas Tavares Lira, de 8 anos, integrante de um grupo de 30 alunos de uma escola de Santos, considera o jogo “muito bom para a cabeça”. “Ele era muito inquieto, melhorou 100% depois que passou a jogar”, diz a mãe, Juliana Castro Tavares Lira, que sempre o acompanha nas competições. Nos últimos anos tem crescido o ensino de xadrez nas escolas públicas e privadas. Há projetos por todo o país, em iniciativas dos governos ou de clubes, entidades e federações. E há também o trabalho de formiguinha de voluntários e educadores dos mais variados campos do conhecimento (professores de educação física, ciências, matemática, história, português etc.), que perceberam como o xadrez pode ser uma poderosa ferramenta no processo de aprendizagem de um aluno. “Batemos o recorde de inscritos”, disse Horácio Prol Medeiros, presidente da fe42

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deração, sobre o evento de proporções gigantescas para os padrões do xadrez. Mais de 60 pessoas trabalharam na infraestrutura para acomodar 1.782 enxadristas de 210 cidades de todo o estado. “A ideia do xadrez escolar é exatamente incentivar aquelas crianças que ainda não participaram de competições oficiais”, explicou o dirigente. Entre os alunos, ganhar era a última preocupação. “É divertido estar aqui”, disse Nathalia Soares Costa, de 8 anos, de uma escola particular paulistana, que venceu duas das quatro partidas que disputou. Ela garante que não fica chateada quando perde: “Quero continuar jogando e ganhar um troféu”.

Jogo e vida

Um dos motivos que levam professores a apostar no ensino do xadrez na escola é o fato de se poder traçar um paralelo entre o que ocorre no mágico tabuleiro quadricular de 64 casas e as situações do cotidiano. “Cada lance executado no tabuleiro corresponde a um efeito na partida, assim também são os próprios atos da vida”, destaca o Grande Mestre Internacional (GMI) Gilberto Milos Júnior, que chegou a ser nú-

INCLUSÃO O mestre James vê no xadrez um meio barato de inclusão social


CONCENTRAÇÃO Jovens de diversas idades durante a Copa Ayrton Senna de Xadrez Escolar

mero 34 no ranking mundial. O estudante Marcio Luiz da Costa Correia, de 13 anos, já compartilha esse pensamento. “É preciso pensar muito bem, um erro pode ser fatal”, diz o jovem aluno de uma escola de Santos. Para Milos, atual número 4 do ranking brasileiro, o xadrez ajuda em primeiro lugar a organizar o raciocínio e administrar o tempo. Embora não tenham ido tão bem no torneio para iniciantes organizado pela FPX, os amigos Patrick Lanchotti e Renan Vianna Cardoso, ambos de 17 anos, estudantes da rede pública, procuram praticar esse pensamento. “O xadrez estimula o raciocínio lógico, a disciplina, a responsabilidade”, acredita Renan. É senso comum entre os estudiosos e especialistas da arte da Caissa, a deusa mitológica dos tabuleiros, que a prática do jogo faz bem para o desenvolvimento de habilidades como atenção, concentração, raciocínio lógico, memória, organização de ideias, imaginação, antecipação, espírito de decisão, autocontrole, disciplina e perseverança. E até para a autoestima, a competição ética e o trabalho em equipe. Para Antonio Villar Marques de Sá, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, o xadrez, por ser um jogo complexo, é uma das melhores atividades para desenvolver a capacidade intelectual dos jovens. Villar aponta o xadrez como uma atividade socializadora, que pode ser trabalhada com pessoas de todas as classes sociais, de qualquer idade ou sexo, e também por pessoas com deficiências. A tenacidade e a disciplina de Margareth Giorghe são bons exemplos para os mais jovens. Ela aprendeu a jogar com o pai ainda pequena, na Áustria, mas só

Do tabuleiro para a grande tela No cinema, uma das partidas mais famosas foi disputada entre o astronauta Frank Poole e o computador Hal 9000 no filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick (1968), durante uma viagem entre a Terra e Júpiter. Nessa partida, Poole utilizou como jogada uma variante inferior da Abertura Ruy López e facilitou muito o trabalho do computador, que ainda não tinha a velocidade e o cálculo destrutivo dos microprocessadores de hoje. Mas o melhor filme sobre xadrez já realizado chama-se Lances Inocentes – Procurando por Bobby Fischer (1993), com direção de Steven Zaillian e estrelas como Ben Kingsley, Laurence Fishburne e Joe Mantegna no elenco, retrata bem o universo do jogo, seja do aprendizado ou da competição, e, além disso, é uma ótima lição de vida para pais, professores e alunos.

Cena de Lances Inocentes

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passou a praticar efetivamente após os 30 anos, quando veio para o Brasil, casada e com filhos. Começou a jogar torneios e não parou mais. Aos 90 anos, segue disputando competições em São Bernardo do Campo em ótimo nível. “O xadrez é uma ginástica para a mente”, garante ela, que na falta de parceiros joga consigo mesma, em casa. “Eu não teria chegado a essa idade, com essa lucidez, sem a prática diária do xadrez”, acredita Margareth, que já disputou finais de Campeo­ nato Brasileiro, além de ter conquistado uma série de títulos municipais, regionais e estaduais. “Assim como os demais esportes, o xadrez também funciona como um fator de inclusão social”, aponta o Mestre Internacional (MI) James Mann de Toledo, que trabalha há 25 anos como professor de xadrez e já formou vários campeões brasileiros de categorias menores. “E tem uma grande vantagem em relação às demais modalidades: é mais barato e precisa de pouca gente para ser praticado.” O educador Mário Cardozo ajudou a disseminar o jogo nas escolas públicas de Belém e em instituições que cuidam de menores infratores na capital paraense, com bons resultados de inclusão. No ano passado, levou a modalidade para a aldeia indígena dos Tembé, na pequena cidade de Capitão Poço, a mais de 300 quilômetros de Belém. Atualmente todos jogam o “jogo dos reis” na tribo, onde já é possível mensurar uma verdadeira revolução: a soma de todas as médias de 5ª a 8ª série do ensino fundamental passou de 5,9 para 7,2 de um ano para o outro.

Famosos

A história é repleta de pessoas famosas em outras áreas da humanidade que se aventuraram no tabuleiro. Napoleão Bonaparte, um dos maiores estrategistas militares da história, foi um grande entusiasta do xadrez. Na corte, seu adversário mais constante era o general Michel Ney, seu mais brilhante estrategista, que sempre levava a melhor contra o “terrível corso”. Por uma questão cultural e climática, o xadrez está para a Rússia assim como o futebol para o Brasil. Para ter uma ideia dessa distância quilométrica, há 170 GMI russos no mundo, ante 17 argentinos e apenas 8 brasileiros. Lenin, um fascinado

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DESPREOCUPADA Nathalia: “É divertido estar aqui”

Pense e jogue Livros: Xadrez Básico, de Orfeu D’Agostini; Xadrez para Todos, de James Mann de Toledo e Juliana Kyoko Kamada; Estratégia Moderna de Xadrez, de Ludek Pachman. Sites: Fide, www.fide.com; CBX, www.cbx.org.br; FPX, www.fpx.com.br; Gilberto Milos, www.milos.com.br; revista, www.weekinchess.com; notícias e banco de dados, www.chessbase.com. Jogos on-line: o ICC é o maior clube de xadrez virtual do mundo (www.chessclub. com). Pode-se acessá-lo sem gastar nada ou se cadastrar e pagar uma pequena anuidade. Gratuito, o espanhol EducaRed (www.jaquemate.org) também é muito bom. Ouça: Brancas e Pretas (1982), de Paulinho da Viola e Sérgio Natureza.

Horácio: incentivo à competição


LÓGICA Os amigos Renan e Patrick acreditam que a prática do xadrez estimula a disciplina

pelo jogo, chegou a dizer que teve de optar “entre o xadrez e a revolução”. Che Guevara e Fidel Castro também praticavam o jogo, inclusive na Sierra Maestra, antes da tomada de Havana. Che era reconhecidamente um jogador mais forte, tendo inclusive empatado em 1962 com o GMI argentino Miguel Najdorf, numa partida na qual o grande mestre teria sido muito “camarada”. Albert Einstein, um dos maiores gênios do século 20, não cansava de massacrar Julius Robert Oppenheimer, o cabeça do Projeto Manhattan, que resultou na fabricação da primeira bomba atômica. Einstein também era muito amigo do campeão mundial e matemático alemão Emmanuel Lasker, a quem sempre pedia para “deixar esse jogo das pedrinhas para enfrentar, com ele, alguns problemas de matemática e física”. O compositor ucraniano Sergey Prokofiev, autor de Concerto para Piano nº 3 e do balé Romeu e Julieta,, era um enxadrista da maior categoria e obteve até uma fantástica vitória, em 1914, sobre o cubano José Raúl Capablanca, que posteriormente viria a ser campeão mundial.

e 700 e foi incumbido pelo rajá Bahlait de inventar um jogo que embutisse valores éticos e morais, como a prudência, a determinação e a coragem. Sissa, então, criou o chaturanga, o “exército formado por quatro membros”, precursor do atual xadrez. O rajá gostou e fez questão de presentear o sábio com qualquer coisa que ele solicitasse. Sissa pediu como recompensa um grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro, dois pela segunda, quatro pela terceira, oito pela quarta e, assim, sucessiva e exponencialmente até a 64ª casa. Mal sabia Bahlait que nem mesmo uma camada de trigo de três metros de espessura que cobrisse todo o planeta seria capaz de pagar pelos serviços do sábio! Da Índia, o chaturanga teria ido para a Pérsia (atual Irã) e se disseminado pelo mundo por meio da cultura árabe e da influência política e geográfica da nova força do Islã, a partir do século 7. A Europa sofreu grande influência, em particular com a invasão direta da Espanha pelos muçulmanos. Após a expulsão dos mouros, os europeus apropriaram-se da cultura árabe, alteraram as regras e criaram o xadrez moderno. Estudos recentes, contudo, indicam que o xadrez poderia ser muito anterior ao chaturanga. Em 1985, o americano Sam Sloan escreveu um longo artigo intitulado “A origem do xadrez”, no qual cita fontes e documentos segundo os quais o jogo teria surgido na China, no século 3 a.C., e só posteriormente migrado para a Índia.

“BOM PRA CABEÇA” Lucas e a mãe: controle da ansiedade

Índia ou China RESPONSA Márcio: “Cada erro pode ser fatal”

Há várias lendas sobre a origem do xadrez. Uma das histórias mais conhecidas – e que encontra suporte em fontes arqueológicas – menciona o sábio Sissa. Ele era um brâmane que viveu no noroeste da Índia entre os anos 600 JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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VIAGEM

Acolhedora Montevidéu

MINISTERIO DE TURISMO Y DEPORTE DE URUGUAY

Cidade pouco conhecida pelos brasileiros surpreende pela arquitetura, história, boa comida e bons vinhos, além da simpatia dos uruguaios Por Frédi Vasconcelos

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s surpresas para o viajante desavisado começam desde a chegada. Do aeroporto de Carrasco até o centro, onde está a maioria dos hotéis, passa-se por quilômetros de praias do Rio da Prata. É possível mirar o horizonte e caminhar pelas Ramblas, espécie de “avenida beira-mar” com calçadão que circunda praticamente toda a cidade e, nos dias de calor, é tomada pela população até a madrugada. Os uruguaios gostam de falar de política, futebol e conhecem bem o Brasil. Quando o visitante se identifica como brasileiro sempre vem um sorriso no canto da boca. Começam a falar de futebol e, óbvio, da final da Copa do Mundo de 1950, por eles eternizada no museu do Estádio Centenário

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como a partida do século. São três paredes com a reprodução dos gols e uma réplica do Taça Jules Rimet. Antes de começar qualquer discussão sobre futebol, é bom saber que eles se consideram tetracampeões, pois contam também a vitória em duas Olimpíadas – 1924 e 1928 –, além das Copas de 1930 e 1950. Na passagem do século 19 para o 20, o Uruguai era considerado a “Suíça” da América, com alto grau de desenvolvimento e riqueza, principalmente por conta da exportação de carne e lã, além de ser um importante centro financeiro. Marcas do passado próspero podem ser vistas em praticamente toda a Ciudad Vieja. O antigo centro histórico guarda tesouros arquitetônicos como o Teatro Solís, o Palácio Sal-

Sem passaporte Montevidéu é muito tranquila. À noite as ruas ficam praticamente vazias. Há opções para ouvir música e dançar em Pocitos, na parte mais nova da cidade, ou fazer compras em shoppings como o Punta Carretas, mas não é um destino para quem busca baladas ou compras. O voo de cerca de duas horas, partindo de São Paulo, fora de temporada, sai por cerca de R$ 800. Em hotéis como os da rede Íbis a diária para casal custa em torno de R$ 50, mas é interessante negociar antecipadamente pacotes em hotéis mais antigos e charmosos próximos do centro. Não é necessário passaporte, basta a carteira de identidade, em bom estado. Em praticamente todos os cantos aceitam-se pagamentos em real ou em dólar.


vo e o Mercado do Porto. Além de cafés e restaurantes muito bons. O teatro, inaugurado em 1856, foi a primeira grande casa de espetáculos da América do Sul. A construção, iniciada em 1842, resistiu à Guerra Civil (1838 a 1851) entre blancos e colorados. Apesar de concebido para óperas, na programação atual – que pode ser consultada antecipadamente pelo site do teatro (www. teatrosolis.org.uy) – há espetáculos de dança, peças teatrais e concertos. Em 25 de agosto estreia O Barbeiro de Sevilha, de Rossini. O nome da casa homenageia o espanhol descobridor do Rio da Prata, Juan Díaz de Solís. Outra construção imponente é o Palácio Salvo, no coração da Ciudad Vieja, na Praça Independência, onde ficam a antiga porta da cidade (o que restou da fortificação que protegia Montevidéu das invasões) e a estátua de Artigas, o herói nacional. O pa-

rece uma bebida típica, o medio y medio, mistura de vinho chardonnay e espumante de produção própria. Por toda a cidade é possível encontrar outras bebidas com o mesmo nome, mas só a do Roldo’s é a original – dizem, com certo exagero, que sua fórmula é tão guardada quanto a da CocaCola. O mercado, pelo menos na parte interna, funciona das 10h às 18h. No lado de fora há restaurantes que abrem em outros horários, mas não é bom andar à noite na região do porto, onde está localizado, que fica vazia e sujeita a pequenos furtos. Montevidéu tem boa comida e vinhos por preços bem razoáveis em cada esquina. Um prato à base de carne ou o chivito – sanduíche com filé bovino, ovo, bacon, presunto, queijo, alface e tomate, entre outras variações – custam de 200 a 300 pesos (R$ 20 a R$ 30), para duas pessoas. Há também

torno de R$ 15 nos supermercados. Outra possibilidade é visitar as fincas, onde são plantadas as uvas, que ficam de uma a duas horas de Montevidéu, na própria cidade ou na vizinha intendência de Canelones. Há ainda maravilhosos doces de leite e sorvetes nos cafés, em barraquinhas ou nos supermercados. A sobremesa típica do país é o flan com dulce de leche, espécie de fatia de pudim de leite condensado com o doce em volta. Recomenda-se deixar a dieta para antes ou depois da viagem, porque ali os sabores e tentações colocarão à prova o mais estoico dos viajantes. E, para quem gosta de jogar, os cassinos são liberados em todo o país, a qualquer hora do dia. Os uruguaios dizem que, por serem estatais, os cassinos do país são os únicos no mundo que dão prejuízo. Mas convém duvidar, e não apostar quantias que

FOTOS RENATO LUIZ FERREIRA/AE

Bela arquitetura, bons restaurantes e ruas tranquilas mesmo à noite

Bar no Mercado Municipal

lácio é um edifício residencial inaugurado em 1928 – então considerado o mais alto da América do Sul – e tem um estilo eclético, com materiais nobres como mármores de Carrara e granitos da Alemanha. Na década de 1960, a família que o construiu vendeuo para um condomínio de proprietários. No centro histórico, não se pode deixar de conhecer também o Mercado del Puerto e suas lojas, cafés e restaurantes. É um bom lugar para uma parrillada (churrasco feito sobre uma grelha com brasa de lenha), com a qualidade excepcional da carne uruguaia, ou uma picada de frios. E ouvir músicas como o candombe (ritmo afro-uruguaio), o tango e as folclóricas. O bar Roldo’s, que existe desde 1886 no mercado, com filial em Punta del Leste, ofe-

opções de massas e peixes bastante acessíveis. Existem lugares bons e modestos em que uma paella, com muitos frutos do mar, uma garrafa de vinho uruguaio, água e café saem por 500 pesos (cerca de R$ 50). Os vinhos, sem muita tradição e fama até há pouco tempo, hoje estão na moda. São três ou quatro bons fabricantes, que podem ser encontrados em praticamente todos os bares e restaurantes. Destaque para os da uva tannat, espécie francesa que se adaptou muito bem ao sul da América. Há os tannat puros ou com cortes de outras uvas, como shiraz ou merlot, além de uvas tradicionais, como a cabernet sauvignon. Como é relativamente barato, dá para experimentar a cada dia uma nova garrafa – por R$ 20 a R$ 30 nos restaurantes ou em

possam fazer falta ao longo da viagem. Os cassinos também são concedidos à iniciativa privada e podem ser encontrados nos luxuosos hotéis de Punta del Leste, balneário a cerca de uma hora e meia da capital, para quem tem mais platas para gastar. Em direção contrária, também a menos de duas horas de carro, há o passeio mais cultural, para a Colonia del Sacramento. A cidade histórica foi fundada em 1680 por portugueses e está na lista dos patrimônios da humanidade. Fica no local de onde saem as barcas para Buenos Aires e em cada esquina do bairro histórico há vários estilos arquitetônicos. É possível passar um dia visitando atrações com a Calle de los Suspiros, a Casa do Vice-Rei, o Museu Municipal e a Igreja Matriz, a mais antiga do país. JULHO 2009 REVISTA DO BRASIL

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Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar.

CurtaEssaDica

Por Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)

Bambas da Portela O documentário O Mistério do Samba (VideoFilmes, R$ 45) retrata o cotidiano, as histórias e os sambistas de Oswaldo Cruz, bairro da zona norte do Rio de Janeiro onde está a comunidade da Portela. Dirigido por Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor e idealizado e apresentado por Marisa Monte, o longa comove ao apresentar os encontros e rodas de samba e ao resgatar composições dos anos 1940 e 1950 ainda não gravadas. Os passos miúdos dos veteranos, seu coro e suas memórias emocionam até quem é doente do pé.

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Homenagem a Carmen A cantora Ná Ozzetti escolheu o cenário musical das décadas de 1930 a 1950 para seu novo CD Balangandãs (MCD, R$ 30). Camisa Listrada, Recenseamento, E o Mundo Não Se Acabou (de Assis Valente), Adeus Batucada, Ao Voltar do Samba (de Sinval Silva), Na Batucada da Vida (Ary Barroso), A Preta do Acarajé (Dorival Caymmi), Touradas em Madri (de Braguinha) estão entre as faixas. Em Disseram Que Eu Voltei Americanizada, de Luiz Peixoto e Vicente Paiva, Ná faz uma belíssima homenagem à diva Carmen Miranda, que eternizou alguns dos sambas do álbum. Meryl Streep e Philip Seymour Hoffman, em Dúvida

Pulga atrás da orelha O carismático padre Flynn (Philip Seymour Hoffman) está tentando mudar os rigorosos costumes mantidos pela irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep) na escola Saint Nicholas, no Bronx. O padre dá atenção especial ao primeiro aluno negro do colégio, Donald Miller, e desperta a desconfiança da ingênua irmã James (Amy Adams). O filme Dúvida, de John Patrick Shanley (autor do livro homônimo), mostra a consequência devastadora da calúnia. Disponível em DVD.


Dev Patel e Anil Kapoor em Quem Quer Ser...

Muito além da novela

Ben Kinsley, como Gandhi

Se o mundo ocidental vem batendo os olhos no potencial econômico da Índia, não é para menos que a energia cultural do país, com mais de 1 bilhão de habitantes, vire assunto de muitas mídias. Por trás do que mostra Caminho das Índias, há uma diversidade a ser desvendada. Em fevereiro, por exemplo, Quem Quer Ser um Milionário,, do britânico Danny Boyle, confirmou oito das dez indicações ao Oscar que recebeu. Conta a vida de Jamal Malik, pobre e sem instrução formal, que participa de uma espécie de “show do milhão” na TV. Oito também foram as estatuetas de Gandhi, o épico filmado por Richard Attenborough em 1982, que não envelhece nem perde a força.

Nua e crua O livro Uma Vida Menos Ordinária é o relato de Baby Halder, uma entre tantas mulheres indianas submetidas à tirania de uma sociedade patriarcal e preconceituosa. Duro e triste, mas com força que faz ler as 225 páginas de uma só vez (Editora Arquipélago, R$ 38). Outra surpreendente viagem à realidade indiana está em O Tigre Branco (Ed. Nova Fronteira, R$ 35, em média) – narrativa divertida de Balram Halwai, filho de um condutor de riquixá que vai ser motorista de família rica. O livro deu ao jovem autor indiano Aravind Adiga o Man Booker Prize 2008 – um dos maiores prêmios mundiais do meio editorial.

Veríssimo e seus achados

Para rir e refletir O irreverente jornalista

Arthur Veríssimo, da revista Trip, lançou este ano o documentário Índia Exótica, que tenta desvendar mistérios por trás da cultura, das artes, do esporte e das festividades religiosas milenares. Repleto de intervenções curiosas, como a do homem que mantém uma das mãos para o alto há 25 anos em sinal de devoção, o DVD duplo pode ser visto em doses homeopáticas.

HUGO LIMA/DIVULGAÇÃO

Álbum fotográfico O blog http://hugo-lima.com/blog narra as aventuras do fotógrafo português Hugo Lima pelo país. Tem links para pastas de fotos incríveis e vários vídeos que fez durante as duas vezes em que esteve por lá. “Mais que magníficas paisagens, mais que exuberantes obras arquitetônicas, o que eu trouxe da Índia comigo foram as pessoas, o seu povo e a sua enorme grandeza e riqueza interior”, disse Hugo. Para entrar no clima, acesse o blog ouvindo o CD Índia Bazaar, uma coletânea que apresenta estilos musicais indianos como o bhangra e o indipop, além de sucessos de Bollywood.

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Crônica

Por Mouzar Benedito

Dias de Pelé

“Chutei pra sujar aquela roupa branquinha e errei. Ah, se o Elias ficasse sempre ali”

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Mouzar Benedito, mineiro de Nova Resende, é jornalista e geógrafo. Publicou vários livros, entre eles o Anuário do Saci, ilustrado por Ohi

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odo grosso tem seu dia de Pelé. Não sei de quem é essa frase, mas imagino que seja de Neném Prancha, que nos bons tempos do Botafogo do Rio torcia pelo alvinegro e era considerado “filósofo da bola”, por suas frases de efeito, como a célebre “o pênalti é uma coisa tão importante que devia ser batido pelo presidente do clube”. Qualquer time tem um perna-de-pau que um dia desencanta. Falo isso preferindo o futebol de Garrincha, mais divertido, gozador, como acho que deveria ser sempre o futebol. Mas o esporte vai ficando coisa séria demais, não comporta gozações nem brincadeiras como as de Garrincha, que chamava os marcadores de “João” e dava-lhes um baile, coisa que hoje seria considerada humilhação e justificaria aos adversários baixarem-lhe o sarrafo – com a complacência dos comentaristas esportivos: “Ah, mas ele provocou...” Lembro alguns grossos que tiveram seu dia de Pelé (ou de Garrincha), começando pelo Zé Cocão, goleiro do segundo time da Esportiva Nova Resende, que pegou o apelido por causa da cabeça grande. Frangueiro que só ele, um dia fechou o gol. Com suas defesas e o ataque funcionando, logo o time ganhava de 3 x 0. Zé Cocão pegou uma cadeira (não sei quem levou, mas o campo não tinha alambrado e era fácil chegar até o goleiro), óculos e jornal e sentou-se no meio do gol. Colocou os óculos e ficou fingindo ler. Imagine hoje... Seria agredido com certeza. Outro é o Siriaco, lateral-direito do mesmo segundo time da Esportiva Nova Resende. Talvez muitos leitores não saibam o que é isso de segundo time. É que no interior, antes do jogo pra valer, sempre havia uma preliminar entre esses times formados pelos que aspiravam ser titulares do primeiro time e uns jogadores que nunca seriam titulares, mas gostavam de jogar futebol e o pessoal da equipe gostava deles. O jogo dos segundos times – também conhecido por “segundo quadro”

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– era para a torcida ir se distraindo até começar o jogo do primeiro, o que valia. O Siriaco era grosso. Muito grosso. Nunca seria titular do primeiro time. Um dia, quase teve seu dia de rei. O goleiro passou-lhe a bola na lateral direita, ele foi indo de cabeça baixa, driblando todo mundo, chegou ao gol adversário, driblou o goleiro e podia entrar com bola e tudo, o que tentou fazer, mas, sem levantar a cabeça, deu de cara com a trave e a driblou também, só que pelo lado errado. Saiu pela linha de fundo. Se tivesse feito o gol, Siriaco teria superado Pelé no seu famoso “Gol de Placa”, marcado no Maracanã, contra o Fluminense, em março de 1961. Pelé pegou a bola passada pelo goleiro Gilmar perto da área, driblou seis do Fluminense e marcou um gol que mereceu uma placa feita pelo jornal paulistano O Esporte – ideia do jovem repórter Joelmir Beting, que testemunhou aqueles 3 x 1 do Santos e entrou para a história junto com o gol. Outro grosso das minhas amizades teve seu dia de Pelé: o Cabeça de Vaca – mais um do segundão da Esportiva Nova Resende. Ele chutava mal, nunca tinha marcado um gol. Mas, num dia que tinha chovido muito e o campo estava puro barro (não era gramado), pegou uma bola na entrada da área e meteu no ângulo, sem chance para o goleiro. Todo mundo se surpreendeu. Dali a pouco, pegou outra bola ainda mais longe do gol e marcou outro golaço. Depois do jogo fui perguntar se ele tinha treinado chutes de longe, e ele me contou em segredo: “Eu não chutei no gol. O Elias estava assistindo ao jogo em pé, atrás da linha de fundo, a uns cinco ou seis metros do gol. Estava de terno branco. Quando peguei a primeira bola, chutei pra sujar aquela roupa branquinha. Errei e marquei o gol. Veio a segunda bola, chutei e errei de novo”, confessou. “Ah, se o Elias ficasse sempre ali.”



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