Revista do Brasil nº 076

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EDUCAÇÃO INFANTIL Pilar do sucesso escolar da criança nas fases seguintes

ECONOMIA PAULO LINS Belluzzo: país precisa Cultura é expressão da ampliar investimentos resistência ao racismo

nº 76

outubro/2012

www.redebrasilatual.com.br

Sem transporte, Jandina anda 40 minutos para levar o filho à creche em outro bairro

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I SSN 1981-4283

Quem defende desenvolvimento, distribuição de renda e combate à pobreza cresceu no primeiro turno das eleições. Quem quer o retrocesso encolheu

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CARTAS www.redebrasilatual.com.br Núcleo de planejamento editorial Cláudia Motta, Daniel Reis, José Eduardo Souza, Lílian Parise, Paulo Salvador e Vanilda Oliveira Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Gisele Brito, João Paulo Soares, João Peres, Sarah Fernandes e Tadeu Breda Arte: Júlia Lima. Iconografia: Sônia Oddi Revisão: Márcia Melo Capa Foto de Danilo Ramos Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328-8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 Claudia Aranda e Carla Gallani Impressão Bangraf (11) 2940-6400 Simetal (11) 4341-5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Bancas: Fernando Chinaglia Tiragem 360 mil exemplares

Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Jr., Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Artur Henrique da Silva Santos, Benedito Augusto de Oliveira, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Edgar da Cunha Generoso, Fabiano Paulo da Silva Jr., Fernando Ferraz Rego Neiva, Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Hélio Rodrigues de Andrade, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, Jesus Francisco Garcia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Maria Rita Serrano, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Paulo Lage, Paulo Roberto Salvador, Raul Heller, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilian Vagner Moreira, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Sérgio Nobre Diretores financeiros Rita Berlofa Teonílio Monteiro da Costa

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OUTUBRO 2012 REVISTA DO BRASIL

Tribunal de exceção Quem vem acompanhando o julgamento da Ação Penal 470, que a mídia e a oposição preferem chamar de “mensalão”, observa que os membros do STF têm proferido seus votos sem levar em conta o aspecto técnico e legal, mas o aspecto político, a ponto de afirmar, sem nenhum escrúpulo, que mesmo sem prova cabal pode-se condenar os réus, que, antecipadamente, já foram condenados por eles. Primeiro se condena, depois se buscam os argumentos para amparar uma decisão já tomada. Carlos Barba dos Santos Dever do Judiciário As alianças políticas são necessárias. As cooptações através de dinheiro, não. É dever do Judiciário controlar essas ações de políticos. O aumento desenfreado de ministérios é uma forma de corromper o sistema democrático. Caixa 2 é igualmente crime. O PT é um mal que deve ser extirpado do seio da sociedade brasileira. Antonio Carlos Sobral Felicidade interna bruta Cumprimento toda a equipe da Revista do Brasil pela extraordinária reportagem “A vida além dos números” (ed. 73), que traz uma grande contribuição

através dos nove pilares da Felicidade Interna Bruta e submete também à reflexão do que é uma feliz cidade, ou seja uma cidade em que os anseios fundamentais da população sejam atendidos, o que consequentemente poderá proporcionar um sentimento de contentamento à população. Nós, educadores da Vila Popular, do Projeto Adolescente Aprendiz de Diadema (SP), utilizamos essa reportagem como texto-base para que nossos adolescentes discutissem toda a temática e, no final, construíssem um grande painel dos nove pilares. Quero lembrar que a Revista Brasil tem sido uma grande parceira aqui no projeto, sempre despertando a curiosidade de nossos adolescentes. Paulo Afonço Nunes

Lalo Leal Quebra de tabu, a Record desbancando a todo-poderosa Globo. Gostei do artigo de Lalo Leal para a edição 73 (“O espetáculo olímpico”), pois a emissora, sempre querendo monopolizar, teve de pagar para a Record para ter direito a transmissão. Parabéns. Quero também registrar que na edição anterior, na reportagem “Sob suspeita” – também de Lalo Leal, sobre as relações da revista Veja com um contraventor –, a foto de capa deveria ter sido de Roberto Civita se afogando na piscina do seu sítio debaixo de uma cachoeira. Joao Batista Prado Estádio João Saldanha Defendo a mudança do nome do Engenhão, no Rio de Janeiro, de Estádio Olímpico João Havelange para João Saldanha. Genuinamente brasileiro, João Saldanha foi um dos melhores técnicos e comentaristas de futebol, comunista, ousado, guerreiro político, um homem com muito amor no coração. Marco Antonio Santos

carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.


ÍNDICE

EDITORIAL

12. Eleições

PMDB segue com mais prefeituras. PT e PSB crescem. PSDB encolhe

16. Política

Pressões da mídia, críticas ao STF e um julgamento polêmico

20. Economia

Mercado de trabalho se sustenta, apesar de atividade mais fraca MARCELO CAMARGO/ABR

24. Educação

Educação infantil é mais um desafio para futuros prefeitos

28. Saúde

Atendimento psicológico não é de elite, mas política pública

Solução de problemas das cidades, sobretudo dos mais carentes, exige ética e projeto

30. Entrevista

Paulo Lins: a cultura é alma e arma de resistência do povo

Os recados do eleitor

34. Cultura

O

Os quadrinhos ganham status e invadem livrarias e telas

38. Brasil

LÉO DRUMOND

A história de uma região que não sabe a que estado pertence

44. Viagem

A peregrinação se moderniza, mas a fé é a mesma em Juazeiro

Seções Cartas 4 Destaques do mês Lalo Leal

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Mauro Santayana

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Curta essa dica

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Mouzar Benedito

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resultado das urnas, assim como o de um campeonato de futebol, traz sempre oportunidade para reflexões e todo tipo de palpite. O país avança, mas continua expondo uma face atrasada. Elege candidatos preocupados com o futuro das cidades e coronéis que intimidam jornalistas. Ao comentar os resultados do primeiro turno das eleições municipais, o sociólogo Cândido Grzybowski falou sobre a importância de um sistema que valorize mais o voto do cidadão, que nem sempre se sente representado por quem elegeu. O poder econômico segue tendo peso excessivo na escolha, e muitos se tornam “donos” do cargo, e não representantes do eleitor. Esse hiato é de dupla responsabilidade. Quem elege precisa conhecer seu candidato, e não votar no primeiro que apareça com um bom discurso, sem explicar o que pretende fazer. E quem é eleito precisa se comprometer, de fato, com sua cidade – e com a cidadania. Também pode ser de bom-tom não dar ouvidos a analistas que brigam com os fatos e tentam adaptar a realidade a suas posições políticas nada isentas. Isso aconteceu muito em 2010 e se repete agora. Coincidentemente, sempre a favor de determinados candidatos. Por alguns desses profetas, não seriam vistos os resultados do primeiro turno. Mas a realidade contrariou as previsões – ou seria melhor dizer “torcida”? Segundo os números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas maiores cidades do país­– aquelas com mais de 200 mil eleitores –, o PT conquistou o maior número de prefeituras cujas eleições já foram definidas: oito. Em seguida, vieram PSDB­, com seis, e PSB, com cinco. Considerados todos os municípios, PMDB e PSDB perderam prefeituras, enquanto PT e PSB ampliaram as administrações sob sua gestão. É óbvio que a ética, na disputa política e na condução do cargo, deve ser um princípio de qualquer governante. Mas isso tem de valer para todas as forças políticas, e não apenas para alguns escolhidos. O eleitor exige do candidato, além de bom caráter, as boas propostas e boas soluções para sua cidade. E quem governa precisa priorizar, sempre, a população mais carente de ações públicas, em vez dos historicamente privilegiados, desinteressados em transformações voltadas para a justiça social. Parece ser um fenômeno crescente na população brasileira o emprego da astúcia política para buscar identificar essas virtudes. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook

“Mensalão” da Abril? Uma semana antes de ser personagem de capa da edição da revista Veja São Paulo, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, investiu R$ 493 mil dos cofres da administração municipal na compra de exemplares mensais de uma publicação do Grupo Abril, o mesmo de Veja. Segundo revelou o blogue do jornalista Luis Nassif, a aquisição de assinaturas da Nova Escola diretamente da Fundação Victor Civita foi publicada em 20 de setembro no Diário Oficial do Município. Menos de dez dias depois, Kassab saiu na capa da Vejinha que questionava: “Será que estamos sendo justos com ele?” A revista ponderava se os altos índices de rejeição do prefeito seriam merecidos e tentava demonstrar que sua gestão, no entender do Grupo Abril, até que foi boa. A compra liberada em 20 de setembro não foi a primeira. A consulta ao Diário Oficial do Município mostra que, ao todo, um contrato firmado por meio da Secretaria Municipal de Educação prevê destinar R$ 1.233.540 este ano à Fundação Victor Civita, meta que já foi atingida. Em 14 de julho, a publicação oficial registrou a estimativa de que outros R$ 740.124 fossem

Kassab compra Nova Escola e ganha capa da Vejinha

destinados à entidade do grupo chefiado por Roberto Civita, cuja revista semanal ainda está pendente de investigação por suas ligações com Carlinhos Cachoeira. Sendo a Nova Escola uma revista mensal, haveria no negócio indício de troca por favorecimento político ao prefeito Kassab? Estaria configurado um “mensalão” da Abril? O que diria o doutor Joaquim? http://bit.ly/rba_vejinha

Rocinha: “cidade” de 70 mil habitantes

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TÂNIA RÊGO/ABR

UPP na Rocinha

A política de instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas comunidades do Rio de Janeiro dominadas pelo tráfico de drogas chegou à maior e mais famosa favela da cidade. Inaugurada no dia 20 de setembro, a UPP da Rocinha, comunidade habitada por 70 mil pessoas em uma área de 840 mil metros quadrados na zona sul do Rio, conclui um processo iniciado em novembro do ano passado, quando as primeiras forças policiais ocuparam o local. Atualmente, o efetivo é de 400 homens, em sua maioria provenientes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e do Batalhão de Choque da Polícia Militar. Com a UPP, passará a ser de 700 homens, exclusivamente lotados nas nove bases que serão distribuídas pela comunidade. Os policiais contarão com a ajuda de 100 câmeras de monitoramento, além de 12 motocicletas, veículos considerados fundamentais para o patrulhamento das centenas de vielas que cortam a favela. O secretário de Segurança do Estado do Rio, José Mariano Beltrame, admitiu que em dez meses de presença policial houve “acertos e desacertos”, inclusive confrontos e mortes. Mas, no balanço, disse que “os aspectos positivos aconteceram em maior número que os negativos”. http://bit.ly/rba_rocinha


A lenda da TV

A morte da apresentadora Hebe Camargo no último 29 de setembro, aos 83 anos, comoveu o país. Astuta e talentosa, Hebe tinha a competência de receber em seus programas celebridades das mais diversas linhagens, de cult a breguíssimas, de intelectuais a medíocres. A todos tratava com a mesma simplicidade, paradoxalmente requintada, e com todos dialogava em pé de igualdade sem destilar arrogância – ao contrário, às vezes exalava uma ignorância com a qual encurtava o distanciamento entre ela e o entrevistado (ou visitante) e entre este e o público. Em seis décadas de televisão, Hebe foi, talvez, o principal ícone do sentido desse veículo para a cultura de massa no Brasil. Recebeu até uma singela mensagem da “amiga” presidenta Dilma Rousseff. http://bit.ly/rba_hebe

DAVID LEVENSON/GETTY IMAGES

A ciência política perdeu um de seus mais importantes intelectuais. O britânico Eric Hobsbawm, morto no dia 1º, aos 95 anos, foi um dos maiores historiadores do século 20. Hobsbawm escreveu a trilogia que marcou a historiografia sobre o “longo século 19”: os livros A Era das Revoluções, A Era do Capital e A Era dos Impérios, sobre o período entre 1779 e 1914, da Revolução Francesa ao início da Primeira Guerra Mundial, nos quais explica a partir de uma visão marxista o planeta que nos tornamos hoje. Em encontro com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2011, em Londres, definiu-o como o líder que “ajudou a mudar o equilíbrio do mundo ao trazer os países em desenvolvimento para o centro das coisas” e o “verdadeiro introdutor da democracia no Brasil”. http://bit.ly/rba_hobsbawm

Desigualdade em queda Os rendimentos das famílias brasileiras cresceram 8,3% em 2011, o desemprego teve queda recorde de 20% e a desigualdade continuou caindo. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011, divulgada pelo IBGE, identificou também um aumento maior ainda no rendimento médio mensal entre os 10% mais pobres: 29,2%. O resultado não deixa de ser surpreendente,

considerado o pequeno crescimento da economia no ano – uma variação de 2,7% no PIB. Segundo a Pnad, o Brasil apresentou uma queda expressiva no desemprego mesmo diante da crise econômica internacional. A taxa de desocupação passou de 8,2%, em 2009, para 6,7%, a menor desde 2004, o que reflete a resistência econômica do país. http://bit.ly/rba-pnad

MAURICIO MORAIS

A história do mundo

Hobsbawm: lucidez marxista

Barbárie e impunidade

Completados 20 anos do “massacre do Carandiru” no último 2 de outubro, nenhum dos responsáveis pelo episódio foi punido. A Rede Dois de Outubro continua cobrando a responsabilização do ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho pela ação policial que resultou na morte de 111 presos. Uma das mais violentas da história do polícia paulista, executada com frieza e crueldade, a operação é apontada como um dos fenômenos da realidade carcerária que impulsionaram a criação da organização criminosa PCC. http://bit.ly/rba_carandiru REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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TVT

Bom para Todos em rede nacional Carlos Safatle, economista, explicou como os índices interferem na vida do cidadão

Eliana Passarelli, do TRE, aborda dúvidas sobre eleições com a apresentadora Marília Zanardo

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caráter educativo e interativo do Bom para Todos, da TVT, levou o programa a ser adotado pela grade de programação da TV Brasil, o canal da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que tem sinal distribuído para todo o país. O foco do programa produzido pela equipe da TVT desde a estreia da emissora, em agosto de 2010, é responder a perguntas feitas pelo público e oferecer dicas para resolver questões do dia a dia. O que fazer para conseguir documentos. Como escolher a escola onde matricular o filho. Como administrar melhor o dinheiro e o orçamento doméstico. Quais os momentos e atitudes certos para lutar por direitos – individuais, de consumidor, cidadão; ou coletivos, de trabalhador de uma categoria profissional. Onde buscar oportunidades de emprego. Que especialistas procurar para determinados tratamentos de saúde. Os temas são pesquisados pela equipe de produção e as dúvidas manifestadas pela população dão rumo ao programa. No estúdio, o Bom para Todos traz sempre um especialista – médico, advogado, líder sindical, nutricionista, representante 8

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O médico Mário Pedrazzoli fala sobre os distúrbios do sono

Programa criado pela TVT para responder a questões da cidadania é transmitido pela TV Brasil, canal público da Empresa Brasileira de Comunicação de ONG, educador, ecologista, entre outros – para abordar as questões apresentadas pelo público. A apresentação é da jornalista e produtora Marília Zanardo. De acordo com a editora-chefe, Miriam Portela, o objetivo de cada programa é explorar em cada vivência exemplos de

atitudes que podem dar certo e servir de modelo para os espectadores.

Como assistir

Na TVT, o Bom para Todos vai ao ar todas as segundas-feiras, às 19h30, logo após o telejornal Seu Jornal. Na TV Brasil, a transmissão é feita toda quarta-feira, às 7h30 da manhã, com reprise aos sábados, às 9h. O portal da TVT na internet já tem um acervo virtual com mais de 100 programas da série. Para pesquisar e assistir a qualquer um deles é simples: vá ao endereço tvt.org.br, localize no menu superior a opção “Programas”, depois clique em Bom para Todos. Será aberta na tela a edição mais recente. Logo acima do vídeo há a opção “Programas Anteriores”, na qual o internauta pode escolher um tema de seu interesse.

Sintonizando a TVT

Para ver a TV Brasil

Canal 48 UHF (18h às 20h30) ABC e Grande São Paulo (NGT) Canal 46 Mogi das Cruzes (UHF) Na internet www.tvt.org.br

n Sinal aberto: Canal 62 (analógico) e 63 (digital) em São Paulo n Net: Canais 4 (SP), 16 (DF) e 18 (RJ e MA) n Sky: Canal 116 n TVA digital: Canal 181 n http://tvbrasil.ebc.com.br


LALO LEAL

Como proteger as crianças?

Comerciantes de anúncios nocivos ao público infantil apegam-se à autorregulamentação e dizem punir publicidade abusiva. Mas isso, quando ocorre, é sempre depois da veiculação, com o estrago já feito

A

insensibilidade de alguns empresários às vezes é chocante. Entre seus lucros e a saúde dos consumidores, não têm dúvida: ficam com os primeiros. Com arrogância, enfrentam órgãos públicos como os Procons quando estes tentam contê-los. É o que ocorre com a publicidade e a venda de sanduíches e refeições rápidas acompanhadas de brinquedos e brindes. As empresas aproveitam a vulnerabilidade do público-alvo – crianças na faixa dos 10 anos – e oferecem alimentos e bebidas com alto teor de sódio, açúcar e gorduras, contribuindo para o aumento das taxas de obesidade, entre outras doe­nças. Enganam os pequenos consumidores, sabedores que são da incapacidade crítica natural da idade. Não é preciso nenhum exercício de futurologia para adivinhar o que nos espera com o aumento desse tipo de consumo. Basta olhar para imagens de cidades dos Estados Unidos e da Europa e ver o número de obesos que por elas caminha. Em Nova York, o prefeito acaba de proibir a venda de refrigerantes em garrafas com até meio litro, um paliativo para evitar que o mal se agrave. Por aqui ainda é tempo de evitar o pior. Os Procons tentam. O de São Paulo, com base no Código de Defesa do Consumidor, aplicou nos últimos cinco anos 18 multas relativas a abusos da publicidade infantil. Habib’s e McDonald’s foram multados por estimular com brindes o consumo de alimentos não saudáveis e a Barbie/Mattel, por inserir precocemente as crianças no mundo adulto.

A maioria das multas, no entanto, não foi paga. As empresas as contestam na Justiça. E a lei, aberta demais, permite diferentes interpretações – além de levar muito tempo até a interpretação final, a do julgador. Ainda na fase de conciliação, empresários não abrem mão da forma de publicidade que adotam e desprezam argumentos em defesa da saúde pública. Aliados aos publicitários, dão de ombros quando colocados diante das evidências sobre o mal que causam. Pesquisadores da Universidade de Alberta, no Canadá, avaliaram o comportamento de crianças entre 3 e 5 anos que passam mais de duas horas em frente à TV ou jogando videogame. Descobriram que mais da metade consome pelo menos uma lata de refrigerante por semana. Diante da televisão, a comida preferida reduz-se a batatas fritas, doces e chocolates. Verificaram ainda que quanto mais baixa é a renda familiar maior é o consumo de alimentos calóricos, por serem mais baratos e de fácil preparo. No Brasil surgem também medidas paliativas na tentativa de evitar o pior. Em Florianópolis, redes de lanchonetes estão proibidas de vender produtos e refeições que dão brindes às crianças e em Belo Horizonte comida e brinquedos só podem ser vendidos separadamente. A melhor notícia vem do Senado. A Comissão de Defesa do Consumidor aprovou projeto que proíbe esse tipo de venda casada. Falta agora a aprovação da Câmara. Enquanto isso, publicitários apegam-se à defesa da autorregulamentação do setor exercida por meio do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Dizem atender a reclamações e punir a publicidade considerada abusiva. Só que isso, quando acontece, ocorre sempre depois da veiculação do anúncio, ou seja, com o estrago já feito. Há argumentos estapafúrdios, como o de que a propaganda é uma informação comercial e deve ser tratada com liberdade absoluta. A essa afirmação contrapõem-se as premissas de que não existe em nenhuma sociedade a liberdade absoluta e também que anúncio não é informação, é parte do produto, destinado a vendê-lo. Tem o mesmo papel do rótulo de uma garrafa, devendo portanto se submeter a leis do comércio, não da informação. Daí a importância de uma legislação mais rígida, como a que agora tramita no Senado. O que temos hoje, com o Conar, é o cabrito cuidando da horta. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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Inação dos governos municipais impediu implementação de boa parte do Plano Diretor de São Paulo e agravou problemas da cidade Por Tadeu Breda

Planejamento no limbo

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Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo completou dez anos no último dia 13 de setembro, mas sem festa. Poucas de suas diretrizes saíram do papel. “Tínhamos de chegar aos dias de hoje com uma cidade fundamentalmente diferente, mas São Paulo continua mais ou menos a mesma”, lamenta o urbanista Nabil Bonduki, então vereador e relator do projeto de lei que criou o PDE, em 2002. De lá pra cá, a capital avançou em alguns aspectos, como distribuição de água e saneamento básico, mas estancou – e até piorou – em outros, como engarrafamentos e corredores de ônibus. Em teoria, o Plano Diretor tem como objetivo organizar o crescimento e o funcionamento da cidade, prevendo metas a serem alcançadas em habitação, saúde, educação, segurança, meio ambiente, transporte, enfim, em todas as áreas da gestão pública. 10

OUTUBRO 2012 REVISTA DO BRASIL

Também orienta prioridades do investimento governamental e indica quais obras devem ser realizadas, quando, onde e por quê. No Brasil, os planos diretores passaram a ser obrigatórios para grandes aglomerações urbanas, após a aprovação do Estatuto das Cidades pelo Congresso Nacional. Em São Paulo, quem comandou o processo de elaboração do PDE foi o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, que em 50 anos como gestor público passou por diferentes administrações e, em 2002, ocupava a Secretaria de Planejamento. Segundo ele, o processo de formulação dez anos atrás se traduziu num movimento de “saída para fora” das secretarias municipais: os técnicos da prefeitura tiveram de ir às ruas e ouvir a população, organizações da sociedade civil e grupos empresariais. “Foi uma época de muito entusiasmo”, recorda. E também de conflitos de interesses.

ANTES NÃO TINHA. E CONTINUA SEM Moradia, saneamento, pavimentação, iluminação, áreas de lazer, IPTU: tudo passa pelo Plano Diretor de uma cidade


FOTOS DANILO RAMOS

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“Ninguém ficou inteiramente satisfeito, mas todo mundo ficou um pouco satisfeito”, define Nabil Bonduki. “Em se tratando de legislações urbanísticas, as pessoas têm de ceder em função de um interesse geral, mais amplo.” De acordo com o relator do PDE paulistano, basicamente três grandes grupos influenciaram a elaboração da atual lei de planejamento: o mercado imobiliário, as associações de bairro e as organizações populares de luta por moradia. Esses mesmos setores certamente voltarão a se enfrentar durante a revisão do plano, marcada para 2013. “O PDE às vezes nos favorece, às vezes prejudica”, analisa Benedito Barbosa, o Dito, advogado da União de Movimentos de Moradia (UMM). “A lei trouxe dois instrumentos extremamente salutares para o capital imobiliário: as operações urbanas e as concessões urbanísticas, que estão despejando famílias de baixa renda para regiões cada vez mais distantes do centro.” O advogado reconhece que algumas diretrizes do plano são úteis para os movimentos sociais. Uma delas é o chamado IPTU progressivo no tempo, que eleva o imposto cobrado dos donos de imóveis vazios, que não cumprem os requisitos constitucionais da função social da propriedade. “A propriedade é sagrada no Brasil, e sua concentração nas mãos de poucos causa esse déficit habitacional absurdo em São Paulo.” Mas o presidente do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP), Cláudio Bernardes, crê que foram alguns “parâmetros equivocados” do Plano Diretor – e não o “peso” da propriedade privada – que impediram a construção de moradias populares e a consequente

redução do déficit habitacional que atinge 712 mil famílias paulistanas.

Adensamento

Apesar do pouco que se fez nos últimos dez anos em moradia popular em São Paulo, a cidade viveu no mesmo período – e ainda vive – um verdadeiro boom imobiliário. De acordo com números do Secovi, 263 mil unidades residenciais foram lançadas entre 2004 e junho de 2012. A imensa maioria prédios de apartamentos, e quase tudo já foi vendido. A construção indiscriminada de novos edifícios, que se erguem principalmente nas áreas mais valorizadas da capital, sem levar em consideração o impacto sobre o trânsito e o estilo de vida local, incomoda o Movimento Defenda São Paulo (MDSP). “Há 30 ou 40 anos o mercado imobiliário vem defendendo um adensamento sem limites”, lembra o urbanista Cândido Malta, membro fundador da organização que congrega associações de bairro. Jorge Wilheim afirma que a inação da gestão, aliada à briga de interesses econômicos e sociais na cidade, contribuiu para que o planejamento paulistano não tenha se materializado. “Se algum prefeito não quer fazer com que uma lei vingue, ele simplesmente deixa de regulamentá-la, e a lei vira letra morta”, critica. “Houve mais ou menos 30 artigos do PDE que até hoje não saíram do papel por simples falta de regulamentação da prefeitura.” Nem mesmo a revisão parcial do PDE, que deveria ter sido feita em 2006, ocorreu. “Em vez de revisar e aprimorar o que já existia, o então prefeito José Serra tentou fazer um novo plano e acabou sendo barrado pelo Ministério Público”, explica Jorge Wilheim. Organizações da sociedade civil e movimentos populares também se mobilizaram para frear, juntos, os anseios do prefeito. Como resultado, São Paulo ficou com o PDE de 2002 intacto até hoje, com inevitáveis desatualizações. Dez anos depois, é sóbrio o balanço feito por Wilheim sobre uma de suas mais importantes criações urbanísticas. “Minha maior satisfação é que o Plano Diretor perdura como lei, conseguiu resultados positivos e trouxe inovações. O que me frustra é que o processo de planejamento tenha sido paralisado.”

Série de reportagens

Os dez anos do Plano Diretor de São Paulo foram objeto de uma série de reportagens da Rede Brasil Atual em conjunto com TVT e Rádio Brasil Atual. O trabalho resultou num acervo de 25 matérias sobre saúde, transporte, educação, moradia, meio ambiente, uso e ocupação do solo na maior cidade do país. Esse conjunto pode ser acessado em http://bit.ly/rba_pde REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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ELEIÇÕES

De olho no futuro da cidade

Resultados do primeiro turno contrariam “previsões” e comprovam preferência dos cidadãos por candidaturas identificadas com projetos de mudanças em relação ao país do século passado 12

OUTUBRO 2012 REVISTA DO BRASIL

E

ntre o primeiro e o segundo turno das eleições municipais pelo país, é possível dizer que partidos mais identificados com mudanças cresceram, enquanto aqueles mais identificados com o conservadorismo perderam espaço, embora continuem fortes. Mas, depois que as urnas foram fechadas e os resultados saíram, também foi possível constatar que se chamuscaram – apesar de não perderem a pose – os analistas-torcedores que haviam tentado impor derrotados antes do tempo. Eles também já estão de olho em 2014. PT e PSB se fortaleceram após os resultados do primeiro turno. Muitos dos famosos analistas apostavam que os petistas perderiam espaço por causa do processo do mensalão, cujo julgamento pelo


RENATO ARAÚJO/ABR

Supremo Tribunal Federal O futuro gestor terá de lidar com uma herança incô(STF) coincide com o período eleitoral. Provavelmoda. Segundo reportagem mente atrapalhou, mas de O Estado de S. Paulo, a dívida projetada para o municíainda assim o partido viu o pio em 2013 é de R$ 72 bilhões número de prefeituras sob (171% do orçamento), e terá seu comando crescer 12% de ser negociada com a União em relação a 2008. para que a cidade possa fazer O PSDB está mais frágil e novos investimentos. tenta uma vitória no maior Um olhar um pouco mais colégio eleitoral do país­ , Eduardo Campos, do PSB, promete para trás permite constatar em São Paulo, justamente fidelidade na que as mudanças nem são contra o PT, para atenuar aliança nacional tão recentes. O PT tem agoa derrota. Para a historiacom o PT. Partidos se desentenderam dora Maria Victória Benera 11,2% das prefeituras braem BH e em Recife vides, porém, a tarefa não sileiras (624). Tinha 3,4% em será fácil. “A candidatura 2000, 7,4% em 2004 e 10% de José Serra tem a seu favor elementos em 2008. O PSB do governador de Per­nada desprezíveis, as má­quinas da prefei- nambuco, Eduardo Campos, foi de 2,4%, tura, do governo do estado. É muito­poder em 2000, para 7,6% agora (436). O PSeconômico, e de ­comunicação”, observa. DB, numericamente, tem mais prefeituMas pondera: “Ele carrega uma rejeição ras (689), mas registra queda constante: própria muito ­alta, talvez decorrente da 17,8% das prefeituras em 2000, 15,6% em campanha obscurantista nas eleições pre- 2004, 14,2% em 2000 e 12,3% agora. O sidenciais de 2010, e também a rejeição ao PMDB, ainda o líder (1.019 prefeituras), atual prefeito Gilberto Kassab. E ele inven- passou de 22,6%, em 2000, para 18,3%. tou o Kassab.” O DEM – ao lado do PSDB o principal grupo de resistência ao lulismo – ­segue sua crise. Levou no primeiro ­turno POLOS OPOSTOS em Aracaju e vai disputar Salvador no Serra tem a seu favor as máquinas da prefeitura e do governo do estado, mas ­segundo – também com o PT. Mas percarrega sua alta rejeição e a de Kassab. deu ­quase metade das prefeituras em Haddad entra como fato novo ­relação a 2008 e agora tem menos de 5%. Nos tempos de PFL, ainda em 2000, tinha mais de 18%. Saído da costela do DEM, o PSD do ainda prefeito de São Paulo, Gilberto ­ ­Kassab, fi ­ cou com o comando de 9% dos municípios. O PSD, porém, ainda é caso a ser analisado sobre os rumos que vai escolher. Consta que saiu de dentro do DEM para ­assumir feição de “centro” e aderir à base de apoio do governo Dilma.

Cuidar do mundo real AFP PHOTO/YASUYOSHI CHIBA

PAULO PINTO/FERNANDOHADDAD13/FLICKR/CC

ELEIÇÕES

A professora e historiadora Maria Aparecida de Aquino, da Universidade de São Paulo (USP), concorda que o DEM “minguou significativamente”, mas prefere aguardar mais tempo antes que se possa decretar o fim do partido. Para ela, as eleições mostraram “uma coisa nova aparecendo”, e ela identifica no PSB uma força que não pode ser desprezada. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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ELEIÇÕES

Tradicionais aliados, PSB e PT se desentenderam em duas capitais importantes: Belo Horizonte e Recife. Mas o governador Eduardo Campos já garantiu que seu partido seguirá com Dilma, inclusive em 2014, ano da sucessão presidencial. “Temos com o presidente Lula uma relação de muito respeito. Caminhamos juntos e isso fez bem a muitos municípios e estados. Mas é legítimo querer crescer. Aliás, isso é importante para o próprio PT”, afirmou em entrevista à revista CartaCapital, destacando o crescimento “do campo político progressista no Brasil”. Mas é claro que eles, os “analistas”, já tentam aproximar o PSB do PSDB. O colunista e imortal Merval Pereira, de O Globo, primeiro apostou em uma derrota do candidato petista em São Paulo, Fernando Haddad, o que poderia “quebrar o encanto” criado em torno de Lula. Não concretizada a profecia, a análise foi para outro flanco: “O fato é que a visão de Estado do governador Eduardo Campos é mais próxima da do PSDB, mais especificamente da do senador Aécio Neves, ou mesmo do estilo administrativo modernizante imposto pelo governo do PMDB no Rio de Janeiro com o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes, do que a do PT que prevalece hoje no governo Dilma”. As palavras de Campos, na mesma entrevista, contrariam essa visão. “Nossa posição é de ajudar a presidenta Dilma a fazer um bom governo e a disputar outro mandato. Mas antecipar esse debate, em qualquer direção, é um desserviço ao país. A gente tem de cuidar do país, do mundo real, que não está preocupado com 2014.” Com quase 8,7 milhões de eleitores e potencial de influenciar a política nacional, São Paulo já vive ares de 2014, com nova disputa entre PT e PSDB, entre o estreante Fernando Haddad, o “novo”, conforme sustenta a propaganda do partido, e o veterano José Serra, que passou a maior parte do primeiro turno se preocupando em prometer sua permanência durante todo o mandato, se eleito – ele assumiu a prefeitura em janeiro de 2005 e largou 15 meses depois para disputar o governo estadual. Serra começou o primeiro dia de campanha dizendo que o PT usa a eleição para encobrir o processo do mensalão. 14

OUTUBRO 2012 REVISTA DO BRASIL

Boa Vista PMDB

Macapá PDT x PSOL

Manaus PSDB x PCdoB

Rio Branco PT x PSDB

Belém PSOL x PSDB

Porto Velho PV x PSB

Eleição nas capitais: em nove não haverá segundo turno

Cuiabá PSB x PT

Fortaleza PT x PSB São Luís Natal PTC x PSDB PDT x PMDB J.Pessoa PT x PSDB Teresina Recife PSB PSDB x PTB Maceió PSDB Palmas Aracaju PP Salvador DEM DEM x PT

Goiânia PT Campo Grande PP x PMDB

Belo Horizonte PSB

São Paulo PSDB x PT

Vitória PPS x PMDB

Rio de Janeiro PMDB

Curitiba PSC x PDT Florianópolis PSD x PMDB Porto Alegre PDT

Número de prefeituras: PT e PSB crescem, PSDB e PMDB recuam 1.204 2008

1.019

2012 791

764

689 495

436

558

493

624

310

DEM

PMDB

PSB

Sobre o tema, a professora Maria Aparecida observa: “A gente não pode e não deve ser cínico e dizer que a população não está nem aí para a moralidade pública. A condenação de determinadas práticas políticas está muito clara. Para todos os partidos”, acredita. Porém, ela projeta uma impacto posterior do processo para o sistema político, e não imediato. De imediato, o que pesou foram as reali­ dades locais. Em Recife, por exemplo, onde PT e PSB eram aliados histórico e saí­ ram com candidatos solo, havia uma

PSD

PSDB

PT

gestão mal avaliada do prefeito João da Costa, do PT, e as brigas internas do partido. Quem levou foi Geraldo Julio, do PSB, afilhado político do governador Eduardo Campos. Em Osasco, Celso­Giglio (PSDB) tem 142 mil votos sub judice, considerados nulos pela Justiça Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa. Jorge Lapas (PT), substituto de João Paulo Cunha, condenado no STF, chegou junto, com 138 mil, e vai ou disputar segundo turno com Giglio, ou ser considerado eleito no primeiro, caso o tucano não reverta a impugnação.


ELEIÇÕES

Extraído da RBA

Este texto resume um conjunto de reportagens da Rede Brasil Atual na cobertura da eleições, com Celso Filho, Eduardo Maretti, Evelyn Pedrozo, Fábio Jammal, Gisele Brito, João Paulo Soares, João Peres, Maurício Thuswohl, Paulo Donizetti de Souza, Sarah Fernandes, Tadeu Breda, Túlio Muniz e Vitor Nuzzi. http://rba_eleicoes-2012

Vocação para a censura PSDB voltou à carga contra direito dos veículos de comunicação dos trabalhadores de difundir informação Sexta-feira, 28 de setembro. A reportagem da Rede Brasil Atual acompanha uma atividade de campanha do candidato do PSDB, José Serra. Ao final da jornada, rodeado de jornalistas, o tucano dizia que voltar ao lugar de sua infância lhe dava a ideia de criar um sistema municipal de ensino técnico: “Vamos aumentar em dezenas de milhares o número de alunos, em parceria com o governador Geraldo Alckmin. É uma chance para crianças de famílias mais humildes subirem na vida”, propôs. “Isso me veio agora à cabeça lembrando de minha infância e juventude aqui.” Nesse momento, o repórter da RBA questiona: “A ideia veio agora à cabeça ou é seu projeto de governo?” O tucano devolve: “De onde você é?” O repórter retruca: “Interessa?” Serra insiste: “Quero saber de onde”. O repórter informa: “Rede Brasil Atual”. Serra não responde. Ao final, o repórter perguntou-lhe se só respondia a perguntas favoráveis: “Não, eu não respondo pergunta de sem-vergonha. É só isso”, xingou. Uma nota publicada no site do PSDB agravou a atitude de seu candidato, ao chamar o profissional de “suposto repórter” e acusá-lo de ser enviado pelo

SEM APELAÇÃO Acompanhada de policiais, oficial de Justiça recolhe exemplares da Folha Bancária censurada pela coligação do PSDB

ALEX SILVA/AE

A exploração do mensalão também não ajudou o PSDB a manter a pre­feitura de São José dos Campos (SP) – d ­ epois de 16 anos no poder. Na cidade que fi ­ cou nacionalmente famosa pela trágica desocupação do assentamento Pinheirinho, pela PM e pela Justiça paulistas, o petista Car­ linhos Almeida venceu no primeiro turno. Os candidatos devem se preocupar também com outros recados das urnas deixam. No primeiro turno da eleição paulistana, o total de abstenções atingiu 18,48%, ante 15,63% no primeiro turno de 2008 – quase 1,6 milhão de pessoas não foram às urnas. Os votos em branco foram de 3,34% para 5,43% e os nulos, de 4,58% para 7,35%. Podem ser sinais de que os eleitores esperam uma política baseada em propostas para a cidade, para o dia a dia, e não uma estratégia concentrada na agressão e em tentativas de misturar alhos com bugalhos.

PT “para tumultuar a coletiva de imprensa do candidato”. A Editora Atitude, que mantém a RBA, pretende ingressar com ação judicial contra a conduta do tucano. O editor da RBA, João Peres, comentou o episódio em artigo para o portal do Observatório da Imprensa: “Ao chamar de ‘sem-vergonha’ o repórter da Rede Brasil Atual, o tucano sintetiza a noção de um segmento da classe política brasileira que acredita que o regime democrático é bom apenas até o ponto em que a liberdade de imprensa está sob controle”, escreveu. Uma semana depois, na noite de 4 de outubro, uma oficial de Justiça acompanhada de policiais invadiu sede e subsedes do Sindicato dos Bancários de São Paulo. A operação foi feita a pedido da Coligação Avança São Paulo, de Serra, amparada por liminar concedida pela juíza eleitoral Carla Themis Lagrotta Germano. A ordem era recolher o jornal da entidade, Folha Bancária, e retirar seu conteúdo da internet – por conter informações que “denigrem” a imagem de Serra, capazes de provocar “dano irreparável” à sua candidatura. A presidenta do sindicato, Juvandia Moreira, acatou a determinação judicial, mas criticou a ação: “O sindicato sempre lutou pela democracia e pela liberdade de expressão. Desde o ano passado estamos fazendo o debate do que afeta a qualidade de vida da cidade. Os trabalhadores têm direito a analisar as propostas dos candidatos. Pode haver divergência, mas repudiamos a censura”, afirmou. Não é a primeira vez que o partido investe contra a liberdade de expressão dos trabalhadores. A Revista do Brasil foi alvo de suas ações em 2006 e em 2010. A má relação de Serra e aliados com a mídia independente é notória. Este ano, o PSDB apresentou à Procuradoria Regional Eleitoral pedido de investigação da publicidade do governo federal em veículos considerados contrários aos seus interesses. O pedido foi rejeitado. Semanas depois, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República divulgou relatório de despesas com propaganda oficial do governo Dilma. Dos R$ 161 milhões pagos a cerca de 3 mil veículos de comunicação, R$ 112 milhões (70%) beneficiaram apenas dez empresas, entre as quais Globo, Abril e Folha. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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POLÍTICA

Contaminação do julgamento do mensalão por politicagem e atitudes contraditórias de integrantes do STF causam reações no meio jurídico e entre setores da sociedade preocupados com a democracia Por Maurício Thuswohl

J

á era esperado que os principais veículos da mídia tradicional mantivessem o julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, nas manchetes e buscassem “orientar” o voto dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Imaginava-se que parte dos ministros, até mesmo a maioria, pudesse acatar a versão da acusação e condenasse alguns réus, mesmo sem a existência de provas concretas nos autos. Surpreendente, no entanto, foi a combinação do tradicional viés anti-PT da mídia conservadora com a postura acusatória assumida pela relatoria do processo. Além de derrotado em plenário pela maioria do colegiado, o contraponto à relatoria pelo revisor do processo sofreu um visceral repúdio dos principais veículos de comunicação. O revisor, Ricardo Lewandowski, virou vilão e o relator, Joaquim Barbosa herói. O professor de Ciência Política da Fundação Getulio Vargas (FGV) Francisco 16

OUTUBRO 2012 REVISTA DO BRASIL

Fonseca afirma que “a mídia no Brasil tem um longo histórico partidário” e não é uma novidade a tentativa de influenciar o resultado de uma eleição. Dessa vez, no entanto, a postura do STF trouxe um novo elemento ao já tradicional cenário: “O STF, ao deixar o julgamento de José Dirceu e do núcleo político para o final, às vésperas da eleição, deu combustível à mídia em sua clara tentativa de construir uma alternativa política e eleitoral. Nesse contexto da vida política nacional, o STF se coloca também de uma forma partidarizada, o que me parece muito perigoso para a democracia institucional.” Para o sociólogo Venício Artur de Lima, professor da Universidade de Brasília (UnB) e atento observador da mídia brasileira, o comportamento da imprensa tem sido diferenciado desde que a denúncia apareceu: “Na época, houve vários nomes divulgados no Jornal Nacional que não tinham nada a ver com o caso. Há um certo oportunismo. Não

tenho condições de afirmar que o calendário do Supremo foi feito em função das eleições, mas, que os grandes grupos de mídia se aproveitam do momento, não há nenhuma dúvida”, diz. Apesar de um coro dos grandes veículos tentar provocar sensação de consenso na sociedade em torno de sua visão do episódio, a percepção de que os rumos do julgamento foram contaminados por questões políticas causou reações. Um grupo de cerca de 250 intelectuais, juristas, escritores, artistas, jornalistas e sindicalistas, entre outros profissionais – pessoas sérias e com histórico de luta pela democracia –, enviou ao presidente do STF, Carlos Ayres Britto, um documento que pede aos ministros postura equilibrada, em consonância com as leis e o Direito. A reação foi organizada pelo produtor cinematográfico Luiz Carlos Barreto, pelo escritor Fernando Morais, pela filósofa Olgária Matos e pela jornalista Hildegard Angel.

ANTONIO CRUZ/ABR

Espetáculo sem juízo


POLÍTICA

“Somos contra a transformação do julgamento em espetáculo, sob o risco de se exigir – e alcançar – condenações por uma falsa e forçada exemplaridade. Repudiamos o linchamento público e defendemos a presunção de inocência”, diz o documento, assinado ainda por Oscar Niemeyer, Emir Sader, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Eric Nepomuceno, Hugo Carvana e Jorge Mautner, entre outros. Para os signatários, “parte da cobertura da mídia e até mesmo reações públicas que atribuem aos ministros o papel de heróis causam preocupação”.

Sinais de fumaça

Mesmo antes do início do julgamento, membros do STF já situavam o que estava por vir. Em maio, o ministro Gilmar

Mendes afirmou em matéria da revista Veja que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentara pressioná-lo a convencer os demais ministros a adiar o julgamento. Mendes, segundo a revista, afirmou que Lula “não fez o pedido diretamente”, mas “manifestou um desejo”. A matéria resultou em um pedido de abertura de investigações apresentado ao Ministério Público Federal por PSDB, DEM, PPS e PSOL. Chamado pelo MPF para confirmar a reportagem, Mendes não confirmou nada. O caso acabou arquivado pela Justiça, mas causou impacto político ao trazer Lula ao centro do “palco”. Já com o julgamento em andamento, outra reportagem de Veja atribuiu ao publicitário Marcos Valério afirmações que imputam a Lula participação direta

no mensalão. Atingir sua imagem seria uma forma de abalar seu poder de influência nas eleições. O ex-presidente é o maior símbolo de um modo de governar que deu ao Brasil rumos completamente diferentes após 2002 e deixou o governo, em 2011, com aprovação jamais vista. A revista foi novamente desmentida. A tentativa provocou uma reação de toda a base aliada ao governo Dilma. Uma nota divulgada em 20 de setembro pelos presidentes partidários Rui Falcão (PT), Eduardo Campos (PSB), Renato Rabelo (PCdoB), Valdir Raupp (PMDB), Carlos Lupi (PDT) e Marcos Pereira (PRB) assinalou que a imprensa oposicionista e os setores a quem dá voz “não hesitam em golpear a democracia” sempre que seus interesses são contrariados: “O gesto é fruto do desespero diante das derrotas seguidamente infligidas a eles pelo eleitorado brasileiro”. As centrais sindicais, em manifestação, retomaram o bordão “Lula é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo”, já usado na mobilização social que deu sustentação ao presidente em 2005 – quando a oposição liderada por Fernando Henrique Cardoso pretendia vê-lo “sangrar” e ter sua reeleição inviabilizada.

A VÍTIMA É A JUSTIÇA Barbosa (ao lado) e Lewandowski: no show midiático tem herói e vilão

JOSÉ CRUZ/ABR/ABR

Calendário

As críticas à politização do julgamento cresceram depois que ficou claro que o cronograma apresentado pelo relator levaria a apreciação dos casos de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares às vésperas das eleições municipais. O presidente do STF, Carlos Ayres Britto, negou haver coincidência premeditada. “Os ministros nunca fizeram esse tipo de conexão. Não há pressa, os ministros estão conciliando em seus votos segurança jurídica com presteza na entrega da prestação jurisdicional”, disse. Alguns analistas consideram que a postura assumida no julgamento do mensalão pela maioria do STF atenta contra a credibilidade da mais alta corte do país. “O Supremo Tribunal Federal tem cometido equívocos e agido de maneira inadequada, de forma a comprometer a sua própria autoridade. Muitas vezes, ministros antecipam a veículos o que vão dizer no plenário”, alertou o jurista e profesREVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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NELSON JR./SCO/STF

O STF tem agido de maneira inadequada, de forma a comprometer a sua própria autoridade. Muitas vezes, ministros antecipam a veículos o que vão dizer no plenário Dalmo Dallari, jurista e professor da USP

sor da USP Dalmo Dallari em entrevista a Conceição Lemes no site Vi o Mundo. Outra crítica diz respeito à adoção, por parte da maioria do STF, de um critério claramente subjetivo na interpretação de fatos que compõem o processo. Esse critério permitiu ao relator, por exemplo, enquadrar a aprovação das reformas tributária e previdenciária pelo Congresso no conceito de “ato de ofício”, necessário para caracterizar o crime de corrupção na suposta compra de votos dos deputados. A ilação é frágil. O deputado Valdemar Costa Neto (então presidente do PL-SP e um dos condenados por “venda” de apoio), para ficar no exemplo mais famoso, votou contra a reforma da Previdência. “A condenação de vários réus nesse processo levará necessariamente a um levantamento das leis aprovadas no Congresso Nacional no período em que o Supremo está dizendo que houve compra de votos”, afirma Venício Lima. “O presidente do Supremo disse com todas as letras, repetidas vezes, que o Projeto de Lei nº 2.232, que regula as licitações de verbas públicas para publicidade, tinha sido alterado no Congresso exclusivamente para beneficiar os réus da Ação Penal 470. De acordo com o que ele disse, a lei é inconstitucional.” 18

OUTUBRO 2012 REVISTA DO BRASIL

Pesos e medidas

Passado o julgamento, fica a expectativa se o mesmo peso e a mesma medida serão utilizados pela Justiça na apreciação de casos de pouco destaque na mídia conservadora. O mais importante é o mensalão do PSDB, quando entraram em cena os métodos de Marcos Valério de arrecadar dinheiro para o caixa de campanha de Eduardo Azeredo, então presidente nacional do PSDB, ao governo de Minas Gerais, em 1998. A título de comparação, a Justiça Federal de Goiás decidiu pela absolvição dos tucanos José Serra (então ministro da Saúde) e Marconi Perillo (então governador) da acusação de improbidade administrativa quando, em 2001 e 2002, verbas federais para o combate à dengue destinadas à Secretaria de Saúde de Goiás foram parar nas contas das empresas de Valério. A juíza que analisou o caso alegou que o Ministério Público não produziu provas suficientes contra os réus. A decisão se choca com a nova jurisprudência criada no STF, que se baseou somente em indícios e testemunhos para condenar. Joaquim Barbosa também era relator do processo do mensalão do PSDB. Mas, alegando que assumirá em novembro a presidência do STF, decidiu abrir mão de todos os processos dos quais é relator que

não estejam prontos para voto. A relação de Valério com outros mensalões foi lembrada no plenário do STF pelo juiz revisor Ricardo Lewandowski quando este analisava a já célebre viagem que o empresário fez a Portugal acompanhado pelo tesoureiro do PTB, Émerson Palmieri: “Essa viagem está relacionada a outro esquema que precede este que estamos analisando agora. Envolve o Banco Opportunity e Daniel Dantas e abasteceu outros mensalões anteriores, em outras unidades da federação”. Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o relator Joaquim Barbosa é questionado se a “máquina de investigação e punição só funcionou para este caso e será desligada”, já que só o processo do mensalão do PT chegou ao final, em meio a tantos escândalos que envolvem outros partidos. Barbosa diz não acreditar nisso: “Haverá uma vigilância e uma cobrança maior do Supremo. Este julgamento tem potencial para proporcionar mudanças de cultura, política, jurídica. Alguma mudança certamente virá”. O cientista político Paulo Vannuchi reflete o anseio por equidade de tratamento que hoje é compartilhado por partidos políticos, movimentos sociais e entidades sindicais: “Vem aí o julgamento do Daniel Dantas. Vamos ver como ficará o STF se não aplicar também o conceito do ‘domínio do fato’, entre outros agora aplicados.” No mesmo fim de semana do primeiro turno das eleições municipais, a revista Veja trouxe como reportagem de capa um perfil de Barbosa, atribuindo-lhe o título de “o menino pobre que mudou o Brasil”, em mais uma tentativa de influenciar as decisões dos brasileiros nas urnas. Não é improvável que surta algum efeito à campanha da revista – aquela que ainda está por ser investigada por suspeita de associação ao contraventor Carlos Cachoeira para fabricar informações úteis a interesses de ambos. Pelo menos entre aqueles 5% da população que preferem o Brasil como era de 2002 para trás. Porque para os outros 95% que aplaudem o legado de outro menino pobre que governou o país, em detrimento de todas as batalhas do partido da mídia, o conceito de mudança parece ser um tanto mais amplo.


MAURO SANTAYANA

A Corte contaminada

Quando a Associação Nacional dos Jornais nomeou-se o principal partido de oposição, desprezou as instituições da República

N

ão é possível despolitizar as decisões judiciais, por mais que disso cuidem os legisladores. Sendo assim, há uma prudência consensual na constituição da Suprema Corte dos Estados Unidos, de forma a que a representação ideológica dos conservadores seja equilibrada à dos liberais, quase sempre com a presença de um juiz capaz de moderar as decisões mais importantes. Outra tradição norte-americana é a da discussão pública e demorada da biografia dos indicados para aquele tribunal, antes da sabatina a que são submetidos pelo Senado, e no intervalo da votação que os aprove ou rejeite. Ao contrário do que habitualmente ocorre entre nós, nem sempre o Senado dos Estados Unidos aceita os nomes indicados pelo Poder Executivo para integrar a Corte. Em nosso caso, infelizmente, os chefes do Poder Executivo costumam nomear ministros do mais alto tribunal, sem atentar para a sua responsabilidade moral, perante a Nação. E não só recentemente os equívocos foram notórios: nesse descuido incorreram muitos presidentes da República. O predomínio do Executivo sobre o Congresso, nesse particular, tem sido tão arrasador que o Senado apenas ratifica o nome apontado pelo presidente. Como observou o ministro Sepúlveda Pertence, em seu debate público com o senador Antonio Carlos Magalhães, a metade dos que batem à porta do Supremo têm o pleito denegado, e se consideram injustiçados – mesmo que reconheçam o desamparo jurídico de sua causa.

Isso, no entanto, não atesta a infalibilidade dos juízes supremos. A maioria é o critério insubstituível para decidir, mas é provável que, mesmo à maioria, falte a inteligência de uma sentença justa. Os bons juízes aceitam a interferência da compaixão em suas decisões, mas nelas não podem permitir o mau conselho do ódio. Há também que se reconhecer a influência do tempo e do modo de ser da sociedade sobre os grandes julgamentos. Os juízes podem se precaver com todas as guardas da consciência, mas dificilmente conseguem isolar-se das paixões conjunturais. Quando estão em jogo as convicções ideológicas, as questões de classe, o preconceito racial e o patriotismo, verdadeiro ou falso, as sociedades se dividem em dois campos intransigentes. Entre outros exemplos históricos, temos o do Caso Dreyfus, na França do fim do século 19. Ainda hoje, não obstante testemunhos e provas que inocentaram o capitão Dreyfus, acusado de vender segredos militares aos alemães, historiadores têm dúvidas sobre a culpa ou não do oficial judeu. Resta a intransigente defesa que dele fizeram homens da altura de Clemenceau e Émile Zola, o último com o seu corajoso panfleto J’accuse, pelo qual foi processado. O julgamento da Ação 470, na observação dos leigos, deveria cingir-se às rigorosas provas dos autos, a partir do axioma de que os juízes não podem julgar com provas secretas. O governo militar brasileiro, durante os anos ditatoriais, chegou a promulgar “decretos secretos”. Nada que for secreto merece fé. Se os juízes não podem decidir com provas secretas, menos ainda devem julgar a partir de ilações. A Justiça não se exerce com silogismos, por mais lógicos semelhem ser. É de se temer que a opinião de alguns jornalistas engajados na oposição se infiltre na Suprema Corte e contamine os ritos jurídicos. Não nos esqueçamos de que a presidente da Associação Nacional dos Jornais, Maria Judith Brito, disse, com todas as letras, que os grandes jornais substituem a debilidade dos partidos, no exercício da oposição ao governo federal. Com isso, ela manifestou seu arrogante desprezo pelas instituições da República. A ação engajada – e a serviço dos interesses norte-americanos – dos meios de comunicação contra a chefia do Estado levou um presidente da República ao suicídio em 1954 e outro ao exílio, dez anos mais tarde, e, em consequência, a 21 anos de cinza e chumbo em nossa pátria. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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ECONOMIA

O emprego se segura A economia cresce menos, a indústria patina, mas o mercado de trabalho (ainda) continua abrindo vagas Por Vitor Nuzzi

O

ano começou com previ­sões otimistas, mas as projeções – do governo e do setor privado – não se confirmaram. A economia perdeu força, alguns setores patinaram, especialmente a indústria, e todas as estimativas para o crescimento recuaram de mais de 4% para menos de 2%. Com o Brasil caminhando para o segundo ano seguido de PIB fraco, era de esperar que o mercado de trabalho sentisse os efeitos e despejasse mão de obra na rua. Mas, ainda que em ritmo menos intenso, os empregos continuam sendo criados e as taxas de desemprego seguem moderadas.

O diretor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho ­(Cesit), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), José Dari Krein, observa que não houve demissões em massa como chegou a acontecer durante a crise de 2008. “Na perspectiva de uma crise prolongada, exageraram na dose e tiveram custos para recontratar. Agora, a estratégia das empresas foi segurar os empregos na perspectiva de recuperação”, analisa. Krein enumera outras possibilidades para a manutenção do emprego em níveis razoáveis, como menor pressão demográfica, as políticas de reativação da economia e uma taxa de câmbio menos

Tempo nublado

Belluzzo: “Não há liberdade de expressão sem pluralidade. E não há liberdade acima da lei”

20

OUTUBRO 2012 REVISTA DO BRASIL

GERARDO LAZZARI

P

ara o economista e professor Luiz Gonzaga Belluzzo, 70 anos completados em outubro, a situação difícil vivida por vários países vem lá de trás, com um desmonte da base social construída nos anos 1960 e 1970. O resultado são três décadas de estagnação salarial, descrédito com o sistema político e, mais grave, a perda da esperança. “Não estou vendo forças sociais capazes de enfrentar essa situação”, diz Belluzzo, que se mostra um pouco mais animado com o Brasil, desde que o país aprofunde as medidas de combate à desigualdade e busque novos caminhos para o crescimento. Leia a seguir os principais trechos de entrevista concedida à Revista do Brasil – na qual ele comenta também a concentração nos meios de comunicação e a preocupação com a forma como o julgamentro do mensalão vem sendo abordado pela mídia e pelo STF. A íntegra pode ler lida no site da Rede Brasil Atual. Os indicadores mostram atividade econômica mais fraca, as previsões otimistas esfriaram, a indústria não vai bem. Mas o mercado de trabalho ainda apresenta nível de desemprego baixo e criação de vagas. Há um paradoxo nisso?


ECONOMIA

desfavorável. Mas detecta também algumas incertezas à frente. A indústria, por exemplo, tende a absorver cada vez menos mão de obra, comprometendo seu poder multiplicador no mercado. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo vê na indústria um problema de implementação de iniciativas que acompanhem as transformações no setor. “Estamos perdendo setores e não temos realizado políticas que incorporem os novos, que são os mais importantes da indústria moderna”, observa Belluzzo (Leia entrevista abaixo).

Sinais no horizonte

Avaliação semelhante tem o coordenador de análise da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), de São Paulo, Alexandre Loloian. Para ele, o comportamento bárbaro de outros momentos ficou para trás. “As empresas, aparentemente, não estão demitindo ao primeiro sinal de fraqueza do mercado”, afirma. Para Loloian, os empregadores podem estar vendo sinais de recuperação no horizonte. E não se pode desprezar dados como expansão em 12 meses de 2,6% na ocupação e de 3,1% na população economicamente ativa, na região metropolitana de São Paulo, em uma economia que não deve crescer 2% este ano. Assim como se deve ressaltar que a taxa média de desemprego, calculada pelo IBGE em seis regiões metropolitanas, tem se mantido entre 5% e 6%. E caminha

Evolução do emprego formal Em 20 anos, país dobrou sua mão de obra 1990

23.198.656

1995

23.755.736

2000 2005

26.228.629 33.238.617

2011

46.310.631

Fonte: Rais/Ministério do Trabalho e Emprego

Taxa média de desemprego 12,4%

2003 2004

11,5%

2005

9,9%

2006

10,0%

2007 2008

9,3% 7,9%

2009 2010 2011

8,1% 6,7% 6,0%

Fonte: IBGE

para­fechar o ano com o menor resultado da série histórica, iniciada em 2003. Na zona do euro, por exemplo, vai a 11%, atingindo 25% na Espanha. A recém-divulgada Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) também mostrou recuo na taxa de desemprego, de 8,2% em 2009 para 6,7% na média de 2011.

Em primeiro lugar, atividade mais fraca não significa recessão. A economia está crescendo em um ritmo muito baixo. Em segundo, houve uma reacomodação na formação da renda, que portanto teve impacto no emprego. E aí têm muita importância o salário mínimo, os programas sociais do governo. E houve de fato uma expansão autônoma, uma mudança na estrutura dos serviços, no nível de renda das ocupações, e isso ajudou a economia a ir mantendo o crescimento, embora o ritmo de atividade esteja perdendo força. No caso da indústria, o aumento das importações, a concorrência chinesa, a valorização do câmbio no passado tiveram um papel relevante para prejudicar o desempenho. Agora, o que temos de nos perguntar é até quando essa inércia do crescimento vai conseguir manter taxas positivas. O Brasil precisa abrir um novo espaço de crescimento. É o que o governo está querendo fazer, com investimento em infraestrutura, com as

O mercado formal de trabalho causou surpresa ainda a alguns observadores. Mesmo com a economia em ritmo menor (de 7,5% em 2010 para atuais 2,7%), foram criados 2,2 milhões de empregos no ano passado. E mais 1,4 milhão até agosto deste ano. Belluzzo considera que uma reacomodação no mercado – criação de empregos com melhor nível de renda –, ajudou a manter a economia, mas mostra preocupação com a capacidade do país de seguir em bom ritmo. Para ele, o Brasil precisa abrir novo espaço de crescimento e incorporar novos consumidores, “porque não dá para continuar mantendo esse ciclo em cima de consumidores já endividados”. A ocupação cresce em menor intensidade. No caso do emprego formal, a expansão foi de 7% em 2010 e de 5% no ano passado. E bastante sustentada pelo setor de serviços, responsável por mais de 45% das vagas abertas. O Brasil teve um período claro de crescimento e de redução da desigualdade nos últimos anos, que se refletiu no mercado de trabalho. De 1985 a 2002, o país criou 8,2 milhões de empregos formais, enquanto no período de 2003 a 2011 foram abertos 16,8 milhões de vagas. Ou seja, num intervalo de tempo de nove anos, o emprego aumentou duas vezes mais que nos 18 anos anteriores. Mas, daqui em diante, será preciso buscar novos caminhos para sustentar a expansão do emprego – e, em última análise, da própria economia.

PPPs, com a incorporação de novos consumidores, porque não dá para continuar mantendo esse ciclo de consumo em cima de consumidores já endividados, tem de incorporar outros. O investimento produtivo exige mesmo uma coordenação do Estado. Acho que a Dilma está agindo certo. Não há como fazer com que o país volte a crescer 3%, 4%, sem botar a taxa de investimento em 20%, 22% (foi de 19% em 2011), tem de ir aos poucos. Há quem tenha horror dessa presença do Estado.

Mas isso já virou até folclore. Em todo lugar do mundo o capitalismo vive dessa simbiose entre Estado e setor privado. Em alguns países, de uma maneira ainda mais ostensiva. Tão ostensiva que é escondida. As relações entre Estado, finanças e setor privado sempre foram muito profundas. Nem me meto nessa discussão porque é bater em cego. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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ECONOMIA

O senhor já expôs sua preocupação com a crise nos Estados Unidos e na Europa, onde se buscam soluções ortodoxas, de cortar gastos públicos, que não vêm dando muito certo.

Elas fracassam porque – e isso é o mais importante, é gravíssimo – jogam milhões de pessoas na miséria, no desemprego. Você tem 55% de jovens desempregados na Grécia, 53% na Espanha. Isso também está se espalhando pela Itália... É evidente que essa forma de combater a crise não vai funcionar. Tem até um artigo do (cineasta) Pedro Almodóvar no Washington Post espanhol em que ele manda uma carta para o Rajoy (Mariano Rajoy, primeiro-ministro da Espanha), que saudou a maioria silenciosa por não ter ido à praça Neptuno (em Madri) protestar (contra as políticas de austeridade, no final de setembro). Ele disse: “Eu sou da maioria silenciosa, não fui ao protesto, mas quero dizer que o senhor está levando a Espanha para o caos”. E está mesmo. A gente tem de esclarecer que essa situação social ruim nesses países – e em processo de deterioração – não ocorreu na crise, ocorreu lá atrás. E é uma das razões pelas quais a crise ocorreu daquele modo.

Governo atrás de governo, eles não conseguem enfrentar essa questão. A obrigação do Estado é distribuir as verbas publicitárias para, como disse Habermas, estimular a diversidade

Por políticas mesmo...

Por políticas que levaram à adoção de medidas que contribuí­ ram para erodir a base econômica e social do crescimento dos anos 1960-70. No fundo, se desmontou toda aquela teia de relações construídas pelo Estado de bem-estar que ajudava a manter o nível de atividade razoável, a criar renda e emprego. Isso tem uma lógica interna. O que aconteceu, tanto nos Estados Unidos como na Europa? Foram desmontando os sistemas tributários progressivos, diminuindo o estímulo à criação de novos empregos pelo investimento, que declinou. No processo de internacionalização da economia, dito globalização, pouca gente se deu conta da mudança tectônica, estavam incorporando outros países, os asiáticos. Isso foi crescendo lentamente nos anos 1960-70, e à medida que foram incorporando países do tamanho da China, com uma taxa de salários muito baixa, as empresas começaram a se deslocar para as regiões de menor custo relativo. Isso é da lógica do capitalismo...

A China se ajustou muito bem a isso. Eles chegaram e disseram: aqui é câmbio valorizado e incorporação de uma massa de produtores que vêm do campo com um salário muito baixo. Isso que deu uma taxa de crescimento de 12%, 13% para eles. A manufatura toda se deslocou para lá, sobretudo a americana, mas também a japonesa, a europeia. Quem não estava na China não estava em lugar nenhum. Eles promoveram taxas de 22

OUTUBRO 2012 REVISTA DO BRASIL

investimento de 50% do PIB. Montaram uma máquina de produzir manufatura barata. Começaram com produtos de menor valor, de menor intensidade tecnológica, e foram graduando as exportações para máquinas elétricas, eletrônicos. A contrapartida foi a redução acentuada do papel da indústria nos países desenvolvidos. Isso criou um problema muito grave para os mercados de trabalho. A demanda, sobretudo de bens de consumo, está nos Estados Unidos, e os investimentos na China. Isso deixou os mercados de trabalho muito frouxos, com criação de empregos ruins, estagnação dos salários. As camadas mais baixas, então, são uma coisa terrível. O panorama é difícil, porque impediu uma mobilidade, cortou a esperança das pessoas de melhorar. Não estou vendo forças sociais capazes de enfrentar essa situação. Talvez na Europa, sobretudo, isso comece a ter uma reação mais forte. O problema é que ao mesmo tempo ninguém acredita mais nos partidos. O sistema político está desacreditado. Isso é perigoso. Pressões separatistas na Espanha voltaram com força.

Claro. É muito mais parecido com a crise de 1929, do ponto de vista da desorganização da sociedade, e é preciso medidas muitos mais abrangentes, mais profundas. Tentar recuperar é importante, mas não é suficiente. Não traz de volta os empregos que foram queimados. Acho que temos pela frente um bom período de descoberta de dificuldades, porque o desemprego está atingindo também as camadas mais bem-educadas, os que se formam nas universidades. Algumas empresas no Brasil estão contratando engenheiros italianos por R$ 3.500. E eles vêm. E moram nos alojamentos das empreiteiras. E o Brasil?

Acho que o Brasil tem um horizonte, se souber aproveitar suas peculiaridades. Todo mundo diz que o Brasil vai sofrer, mas o país tem um grau de abertura muito baixo. Então, tem possibilidade de expandir seu mercado interno. Vamos manter uma exportação de commodities ainda razoável, e tem o pré-sal, que eu espero que o governo não deixe a peteca cair, vamos virar exportadores líquidos de petróleo. Isso é importante para resistir a uma crise externa. Quanto à inflação, quem imaginar que pode ter inflação nos próximos cinco, dez anos no mundo deve ser internado num hospício. É uma situação depressiva. Os consumidores não podem gastar porque estão pagando dívidas, ou recuperando seu patrimônio. Os bancos não emprestam e as empresas não investem. Tem capacidade ociosa no mundo inteiro.


ECONOMIA

E isso vai promovendo a tentativa de se desfazer do excedente. Como? Jogando a produção no terreno do vizinho. Essa é a lógica da recessão. O Brasil é um bom vizinho. Vai continuar crescendo, então os caras vão tentar jogar o lixo deles aqui. Como o Keynes dizia, é jogar o desemprego pro terreno do vizinho. Graças a Deus, o Brasil está tomando providências, botando tarifas, e tem de botar mesmo. Como o grau de abertura menor, então há maior autonomia para se defender.

O senhor acha que o cidadão interessado tem uma boa cobertura do julgamento do “mensalão”?

As raízes da desigualdade são muito profundas. Algumas medidas corretivas foram tomadas, mas daqui pra frente o país­ vai ter de acentuá-las. E corrigir um pouco o sistema tributário, o que não é fácil. Em alguns artigos, o senhor externa preocupação com a mídia, entre o que acontece e o que se publica. O senhor se sente um pouco espantado com o que lê?

FOTOS GERARDO LAZZARI

O Brasil cresceu, reduziu a desigualdade, mas ainda é muito desigual.

Soluções ortodoxas fracassam na reação à crise porque jogam milhões de pessoas na miséria, no desemprego. É evidente que essa forma de combater a crise não vai funcionar

O golpe de 1964 foi patrocinado em boa medida pela mídia. Algumas empresas cresceram no regime militar. Algumas deram colaboração aos órgãos de repressão, de tortura. Não podemos esquecer isso. E quando houve a redemocratização, ao invés de desenvolver um modelo um pouco mais plural de imprensa, acentuou-se a concentração. Não há possibilidade de defender a liberdade de expressão sem pluralidade. Vocês são um órgão de imprensa alternativo. E não deveria ser assim, deveria ser uma revista com maior circulação, maior presença. E tem também a questão da publicidade oficial. Governo atrás de governo, eles não conseguem enfrentar essa questão. A obrigação do Estado é distribuir as verbas publicitárias para, como disse o filósofo alemão (Jürgen) Habermas, estimular a diversidade. Pôr nas mãos dos mesmos uma massa de dinheiro reforça a concentração. Na verdade, eles (os donos de jornal) não estão interessados em liberdade de expressão, só na liberdade deles. A liberdade não é do dono. Nem dos jornalistas. É do cidadão. E não há liberdade acima da lei. Isso os bons filósofos políticos, o Hegel, sabiam perfeitamente. A liberdade moderna exige o amparo da lei, a restrição por parte da lei. Não existe a liberdade em abstrato. É selvageria, vale-tudo, ameaça à vida civilizada. Como você pode se defender de um ataque a sua honra? Essa discussão é muito importante. Sugeri várias vezes que as universidades fizessem esse debate, aberto, não patrocinado pelos donos de jornal. Eles serão convidados também, mas isso tem de ser feito pela sociedade, com as pessoas participando livremente, sem ser ameaçadas. Porque eles ameaçam, né?

Acho que o problema não é a cobertura propriamente dita. É a forma como se está deformando o rito processual. Estão aceitando certas teses muito perigosas para a vida democrática, como a do domínio do fato. Isso é uma inovação ruim no Direito Penal. Mesmo que não tenha provas da participação de uma pessoa na prática de certos ilícitos, pela sua posição na relação com os demais você infere que ela é culpada. Isso é uma violação. Acho que o Supremo presta desserviço ao Brasil ao aceitar isso por conta de pressões, ainda que sejam pressões autênticas da opinião pública – mas não são, porque são de uma parte da opinião pública. Quem tem noção do que foi o movimento de fascistização e nazificação na Alemanha sabe como esse processo se dá. E é o que estou vendo aqui. O juiz condenador virando herói.

Os processos são incrivelmente parecidos. A sociedade atarantada, as pessoas esvaziadas de valor. Então, recorrem ao herói vingador. Muito sério isso.

O senhor também se preocupa com a educação. As pessoas estão perdendo a capacidade de estabelecer raciocínios, de fazer seu próprio exercício de crítica?

É preciso tomar muito cuidado com o que se está fazendo com o processo educacional, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. As pessoas estão sendo deseducadas. Dá-se uma educação técnica muito boa, profissional, mas do ponto de vista da compreensão de sua situação no mundo, na sociedade, esse sistema deseduca. É um processo terrível, porque isso começa com os pais, que já foram deseducados pelo sistema e incutem nos filhos a ideia, por exemplo, de que eles vão para a universidade para ter uma caixa de ferramentas para resolver problemas, e não se transformar em cidadãos que possam participar da vida política. Desvaloriza-se isso. E não importa que sejam bons engenheiros, bons médicos, mas são péssimos cidadãos, porque não têm nenhuma noção do outro, não sabem onde estão parados. O sistema educacional moderno está deseducando as pessoas. E desumanizando?

Desumanizando. É o que Ortega y Gasset (filósofo espanhol) dizia: os cursos universitários deveriam ter dois anos sobre as filosofias de vida que imperam no momento. Depois se começa a aprender a fazer cálculo, trigonometria, porque isso não é difícil de aprender. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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EDUCAÇÃO

Começa no berço O Dever das prefeituras, as creches e pré-escolas são pilares do desenvolvimento das crianças e seu sucesso escolar. Mas uma minoria tem acesso ao serviço Por Cida de Oliveira 24

OUTUBRO 2012 REVISTA DO BRASIL

s prefeitos de todos os municípios brasileiros que tomarão posse em 1º de janeiro de 2013 terão pela frente muitos desafios. Entre os principais, ampliar a rede de creches e pré-escolas. Esses segmentos constituem a chamada educação infantil, serviço a que toda criança com menos de 6 anos tem direito e as prefeituras são obrigadas a oferecer por determinação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), de 1996. O Censo Escolar do Ministério da Educação (MEC) mostra que o acesso tem aumentado nos

últimos anos e, em 2011, estavam matriculadas 2.298.707 crianças até 3 anos e 4.681.345 na faixa entre 4 e 5 anos. Os dados confirmam que o desafio dos gestores é mesmo imenso. Pelas contas do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (Mieib), que defende políticas públicas para o fortalecimento dessa etapa da educação, os números correspondem a 18%, em média, do total da procura por vagas em creches na maioria das cidades brasileiras. Tamanha empreitada é também urgente: pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009, termina em 2016 o prazo para colocar


EDUCAÇÃO

na sala de aula todas as crianças de 4 e 5 anos de idade. Primeira etapa da educação básica – a segunda é o ensino fundamental, que inclui crianças a partir dos 6 anos, e a terceira, o ensino médio –, o segmento infantil deixou de ser meramente um espaço exclusivo para o cuidado da criança pequena enquanto a mãe trabalha fora. Com a LDB, a assistência foi substituída por um papel fundamental na trajetória escolar de toda criança, até mesmo daquela que ainda não aprendeu a andar ou dizer as primeiras palavras. “A infância é importante no desenvolvimento, na aprendizagem de valores, costumes, atitudes, na consolidação da personalidade, da identidade e do caráter”, afirma a educadora Maria Stela San-

FOTOS FÁBIO LANES/ARCO

Metas

Célia Vilela Tavares, dirigente da Udime, lembra que os novos prefeitos devem estar atentos às metas educacionais dos próximos anos. Entre elas, está a oferta do ensino em tempo integral em pelo menos 50% das escolas públicas

tos Graciani, coordenadora do Núcleo de Trabalhos Comunitários da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. “Em cada momento, a criança desenvolve uma habilidade específica, como a motricidade, a sociabilidade, comportamentos. Enfim, constrói sua visão do mundo, de si própria e do outro.” Como ela destaca, é no âmbito da educação infantil que a criança desenvolve a destreza motora, aprende a articular ideias frente a figuras, desenhos, jogos e brincadeiras, é preparada para enfrentar desafios e ainda aprende com o relacionamento com os colegas. Assim, aquela que está excluída dessa etapa é prejudicada. “Provavelmente terá defasagem na aprendizagem e problemas que só serão resolvidos futuramente. Sem contar os prejuízos irrecuperáveis, como a timidez e a falta de coragem para enfrentar desafios e situações novas”, diz Maria Stela. Além disso, estudos mostram que o sucesso escolar do aluno que passou pela creche é maior, com melhor desempenho e menor risco de abandonar os estudos.

Improbidade

Mesmo assim, o serviço ainda é para poucos. Em São Paulo, cidade brasileira mais rica, apenas 26% das crianças estão matriculadas em creches. E há 174 mil em listas de espera. O prefeito Gilberto Kassab (PSD) está sendo responsabilizado pelo Ministério Público estadual por improbidade administrativa ao não atender a essa demanda e também por direcionar recursos do setor para

TETÊ VIVIANI/SECR. DE EDUCA. DE ARARAQUARA

Cidade investe mais do que a lei determina

Em Araraquara, interior paulista, 40 creches dão conta da demanda do município, que em 2010 investiu 31,5% da arrecadação em educação

REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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outras áreas, o que é comum em muitos municípios. Como também acontece na maioria deles, a escassez é maior nos bairros mais pobres e distantes, nos quais as mães são obrigadas a matricular os filhos em outras localidades. É o caso de Jandina de Sá. Todos os dias, com o filho de 1 ano e 5 meses no colo, ela atravessa o Jardim Gaivotas, onde mora, no extremo sul da capital paulista. Com sol ou chuva, caminha por 40 minutos até o Jardim Cocaia, onde conseguiu vaga. “Faz muita falta uma creche no bairro. O tempo que levo caminhando poderia usar para procurar emprego”, conta. Com a omissão do poder público, uma alternativa das mães no Jardim Gaivotas e de tantas outras localidades é recorrer ao serviço de cuidadoras autônomas, como Josefina Chagas, que fica diariamente com uma menina de 3 anos. “Comigo ela só fica em casa vendo TV. Não tem contato com outras crianças”, conta. Há projeto de construção de um estabelecimento ali, fruto da mobilização da comunidade. O terreno, porém, ainda nem começou a ser preparado para a obra. As poucas crianças que conseguem vaga, em geral, estudam em espaços superlotados, inadequados. Segundo o Fórum Paulista de Educação Infantil (FPEI), outro problema, típico de São Paulo, é a opção política pela entrega de prédios públicos a entidades privadas ou religiosas – as chamadas creches conveniadas. “Defendemos a verba pública para escola pública, a educação infantil de qualidade como direito das crianças e das famílias e um sistema público de ensino laico”, diz a especialista Waldete Tristão Farias Oliveira, do grupo gestor do FPEI. Segundo o prefeito Kassab chegou a alegar, faltam recursos e terrenos para a construção, mas ele não convenceu a todos. “Por que não foi buscar verbas do governo federal?”, questiona Maria Stela Graciani, que participou do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Os recursos a que ela se refere estão previstos para São Paulo pelo Proinfância, do MEC. Há verba o bastante para construir 172 novos prédios, que a prefeitura desprezou. Criado em 2007, o pro26

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FOTOS DANILO RAMOS

EDUCAÇÃO

Colo e TV Quem não consegue creche usa os serviços de cuidadoras como Josefina, da zona sul paulistana. A criança não faz atividades pedagógicas nem interage com coleguinhas

grama destina recursos ao Distrito Federal e aos municípios mediante assinatura de convênios para a construção e compra de equipamentos e mobiliário para essas escolas. A meta é construir 6.427 estabelecimentos até 2014, para os quais há R$ 7,6 bilhões vinculados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A contrapartida das prefeituras é a cessão do terreno.

Acompanhar a demanda

Ao contrário da prefeitura paulistana, a de Araraquara, no interior de São Paulo, não tem déficit de creches, o que é confirmado pelo Conselho Tutelar. As 40 unidades são mantidas diretamente pela gestão pública, que em 2010 chegou a investir 31,25% da arrecadação total em educação, acima dos 25% que a lei determina. Com recursos próprios e dos convênios assinados com o estado e

a União, como o Proinfância, a prefeitura construiu quatro creches de três anos para cá, duas delas para atender ao aumento da procura de vagas decorrente da entrega de casas populares. Outras três estão em construção. “A boa cobertura se deve principalmente aos planos municipais, que contemplam a ampliação da oferta de vagas e a expansão da rede conforme estudo de demanda”, afirma a educadora Viviane Cereda, responsável pela gerência de Educação Infantil da cidade. Segundo ela, todo ano é feita uma pré-inscrição para as vagas. A partir dela, os gestores abrem novas salas onde há maior demanda e fecham onde há ociosidade. É claro que aparecem crianças ao longo do ano letivo. Quando é impossível encaixá-las nas vagas que surgem, são contabilizadas para o seguinte. Na avaliação do presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) Paulo Ziulkoski, o auxílio externo para construção é sempre bem-vindo, mas o custeio das unidades pesa nas contas internas. Segundo ele, o Fundo de Manutenção

Até quando esperar? Órgão permanente, autônomo e encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, o Conselho Tutelar de cada município pode ser procurado também quando os pais não conseguem vaga para os filhos em creches e pré-escolas. “Embora essa seja uma decisão de foro íntimo, eu não esperaria muito para acionar o conselho caso não conseguisse matricular um filho”, afirma Mariéte Félix Rosa, do comitê diretivo do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil.


EDUCAÇÃO

Fora de lugar Carregando o filho no colo, Jandina caminha por 40 minutos do Jardim Gaivotas, onde mora, no extremo sul da capital paulista, até o Jardim Cocaia, onde conseguiu vaga numa creche

e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) repassa às creches, em média, um valor menor que o de outras etapas, embora esses alunos só não custem mais que os do ensino superior. “O custo médio de cada criança é de R$ 650, 37% maior que o do ensino médio, quando seu peso na ponderação dos cálculos para repasse do Fundeb é em média 25% menor”, afirma. Com isso, as prefeituras têm de destinar mais verbas. Em 2009, segundo a CNM, foram gastos no setor R$ 180 bilhões, dos quais 41% pelos estados e 39% pelos municípios, que arrecadam menos. “A saída é a União, a que mais arrecada, aumentar a sua contribuição”, diz Ziulkoski. O déficit de creches e pré-escolas é histórico. Até a promulgação da LDB, o serviço geralmente era oferecido por entidades assistenciais. De lá para cá, mesmo com sua inclusão no rol das políticas

educacionais, não avançou por limitações orçamentárias. A prioridade dos gestores era a universalização do acesso ao ensino fundamental, que na maioria dos casos é compartilhado entre municípios e estados. Mais tarde, quando o então Fundef, que financiava o ensino fundamental, foi ampliado para Fundeb, para toda a educação básica, ainda deixava de fora as creches. Entre 2005 e 2007, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, articulação que reúne mais de 200 movimentos sociais, sindicatos, fundações e entidades de todo o país na defesa da educação pública de qualidade, desencadeou um movimento chamado Fundeb pra Valer, para incluí-las no fundo. A mobilização, vitoriosa, é destacada pelo documento Direitos desde o Princípio – Educação e Cuidados na Primeira Infância, da Campanha Global pela Educação, lançada recentemente em todo o mundo.

Cálculo subestimado

São da Campanha pelo Direito à Educação, aliás, cálculos como o Custo-Aluno Qualidade inicial (CAQi), indicador

que prevê que o total anual a ser gasto por aluno na creche, cerca de R$ 7,5 mil, é quase duas vezes maior que o utilizado pelo MEC. “A aplicação do CAQi estimularia as prefeituras, já que aumentaria o repasse”, afirma o coordenador da ONG Ação Educativa e integrante da campanha Salomão Ximenes. Mariéte Félix Rosa, educadora de Campo Grande (MS) e integrante do comitê diretivo do Mieib, lembra que há ainda muitos desafios, além da ampliação do atendimento: melhoria da qualidade dos serviços, efetiva integração aos sistemas de ensino, direcionamento dos recursos financeiros e exigência de formação adequada de profissionais. Ela entende que, antes, os prefeitos deveriam se organizar para cumprir suas obrigações e prazos e oferecer ensino de qualidade. “Eles ainda têm três anos para isso, sem contar que a emenda 59 é de 2009.” Presidenta da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) para a Região Sudeste, Célia Vilela Tavares, secretária de Educação de Cariacica (ES), lembra que os prefeitos que vão assumir devem estar atentos ainda às metas do Plano Nacional de Educação. O PNE estabelece 20 metas educacionais a serem alcançadas pelo país em dez anos. Entre elas, aumento gradual nos investimentos em educação pública e na remuneração dos profissionais, ampliação das vagas em creches, erradicação do analfabetismo e a oferta do ensino em tempo integral em pelo menos 50% das escolas públicas. “Cada governante será responsabilizado em caso de descumprimento da sua etapa”, afirma Célia. Além disso, segundo ela, tramita no Congresso o projeto da Lei de Responsabilidade Educacional, que poderá punir os gestores. Pela proposta, o descumprimento de regras como jornada escolar em tempo integral será considerado crime de responsabilidade, infração político-administrativa e ato de improbidade, até mesmo com suspensão das transferências da União ao estado ou ao município. Colaborou Sarah Fernandes REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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SAÚDE

O divã e o bem-estar social Regulamentado no Brasil há 50 anos, o trabalho dos psicólogos deixou de ser voltado apenas para as elites e hoje é o principal aliado na luta pelos direitos de todos

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ROBERTO PARIZOTTI/SINPSI

M

ulheres ribeirinhas da região amazônica que sofreram escalpelamento porque seus cabelos se enroscaram no eixo do motor de embarcações malconservadas acabam sofrendo sequelas também emocionais e difíceis de superar. A violenta repressão militar nas ações da Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970, é outro tipo de marca traumática sofrida por comunidades inteiras do sul do Pará. Episódios distintos como esses têm em comum, além da proximidade geográfica, o fato de demandar um cuidadoso atendimento psicológico para suas vítimas. A descrição do acompanhamento a esses grupos está entre os mais de 4 mil trabalhos apresentados na 2ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia, realizada em São Paulo no final de setembro. O evento comemorou 50 anos da regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil e atraiu mais de 30 mil visitantes, entre profissionais e estudantes de Psicologia de todo o país. O objetivo foi frequentar os diversos fóruns de reflexões sobre uma vastidão de atividades que dependem do trabalho dos psicólogos e promover articulações para melhorar o exercício da profissão, o diálogo e a troca de experiências. “Hoje, mais importante do que debater as linhas praticadas pelos profissionais de todo o país, é discutir se populações inteiras estão sendo beneficiadas com a atuação dos psicólogos, se tudo o que está sendo feito tem relevância social”, diz o presidente do Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo (SinPsi), Rogério Giannini, um dos curadores da mostra. “Em geral, as mesas de debate e apresentações em pôsteres, cartazes, cadernos impressos ou em vídeo discutiram temas de interesse social e ações relevantes que podem ser estruturadas

DEBATE Giannini: relevância social do trabalho do psicólogo

em políticas públicas”, diz Giannini. Para ele, a psicologia no Brasil vive um momento rico ao envolver-se diretamente em projetos e políticas públicas que buscam a construção do bem comum, da justiça social, de um Estado de bem-estar social. Num dos debates da mostra, o ex-ministro Paulo Vannucchi, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, destacou o envolvimento dos psicólogos na defesa de pessoas que tiveram direitos violados. De acordo com Giannini, isso se inclui nos propósitos da carreira da psicologia brasileira, como se articular com movimentos sociais na defesa de temas relevantes, saúde, educação, diversidade racial e sexual, entre outros, incluindo direitos humanos. “Na década de 1980 os médicos


VALMIR FRANZOI/PMSBC

SAÚDE

CONSULTÓRIO DE RUA Unidade volante de atendimento à saúde mental da população de rua em São Bernardo do Campo: a complexidade dos casos requer a atuação dos psicólogos

sanitaristas faziam melhor esse papel, tanto que se destacaram na elaboração do capítulo dos direitos sociais da Constituição e na criação do Sistema Único de Saúde (SUS)”, lembra o dirigente. Ao longo da história, outras categorias tiveram esse protagonismo, como os advogados num determinado momento do período da ditadura. O papel da psicologia nesse espectro começou a sobressair com a regulamentação da profissão, em 1962. Os profissionais formados dali em diante, já sob o regime ditatorial, atuavam basicamente em consultórios, com viés mais perto da psicanálise, e as possibilidades de tratamento se retringiam a uma minoria da sociedade em condições de pagar o atendimento particular. Mas a psicologia e a sociedade avançaram. “Nessa caminhada, em muitos momentos estivemos na vanguarda dos movimentos da sociedade. Foi o caso da reforma psiquiátrica. Muitos, mesmo aqueles que atuavam em manicômios, participaram do debate e lutaram por um modelo sem perda da liberdade, com maior convivência social”, assinala o curador da mostra. Quando a atividade passou a ser demandada pelo SUS, nas Unidades Básicas de Saúde, os profissionais se viram despreparados e ainda acostumados ao modelo de consultório. “Aos poucos fomos nos inserindo em políticas públicas de várias áreas, como saúde, habitação, assistência social, direitos das crianças, dos adolescentes em conflito com a lei. Acumulamos um respeitável arcabouço de teorias e práticas. E os novos desafios fazem

bem à psicologia e a suas entidades, que estão sempre presentes no debate das políticas sociais”, avalia Giannini. A psicologia clínica também se beneficia dessa ação ampliada. Por exemplo: uma criança que não se comunica tem dificuldade na escola. Na abordagem por um psicólogo educacional se descobrirá não um problema intrapsíquico ou algum distúrbio de aprendizagem, mas sim, por exemplo, a falta de repertório de comunicação porque sua família é de imigrantes bolivianos que vivem em situação precária e isolados pela dificuldade de convívio social. “Então, um sujeito que atua em uma escola e não olha para o entorno, para a história, a política, vai ter dificuldade para trabalhar”, analisa o profissional. Giannini comenta o caso de uma família que teve um filho morto, ainda jovem, pelos órgãos de repressão da ditadura. Na criação do segundo filho a família não falava sobre o primeiro, tampouco sobre o contexto social, histórico e político. Esse grande silêncio trouxe prejuízos emocionais a todos. “Com o debate sobre a Comissão da Verdade, essa família passou a falar sobre o assunto e o processo terapêutico destravou, não no contexto familiar, mas no social. Tornou-se possível falar a respeito, deixou de ser vergonhoso.”

Linhas

As conhecidas linhas de psicanálise com que os profissionais eram classificados – “fulano é jungiano, beltrano é lacaniano, sicrana é freudiana” – tiveram também sua importância diluída pelos perfis de atuação. “Num Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) ou num Consultório de Rua, não predomina o debate teórico, se o profissional é freudiano ou comportamental”, diz Giannini. Segundo ele, mais importante nesses espaços é como o profissional pode contribuir com a equipe multidisciplinar – médicos, assistentes sociais, educadores. A inserção nas políticas públicas impulsionou o crescimento da psicologia, o que é bom. O problema é que é no SUS que há mais gente trabalhando. E, com o intenso processo de terceirização por meio das Organizações Sociais (OS), adotado como política em diversos municípios, e a disputa dos recursos públicos por interesses privados, os psicólogos contratados passam a concorrer com o conjunto dos servidores públicos. Outro problema é a saúde suplementar no Brasil, que só mais recentemente incluiu no rol de sua cobertura o atendimento psicológico. “Há psicólogos que podem fazer até 40 sessões por ano por paciente desde que com indicação médica. E, entre todos os profissionais da área científica, somos os que damos menos lucro. Estamos fora das cadeias produtivas e nossa atuação leva à diminuição do uso de medicamentos”, observa Giannini. “É por isso que nenhum laboratório vai patrocinar congressos de psicólogos.”

Cobertura da RBA

Realizada entre os dias 20 e 22 de setembro, em São Paulo, a 2ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia foi acompanhada por Cida de Oliveira, do site da RBA, e Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual. Para ler e ouvir a série de reportagens sobre diferentes temas ligados às atividades dos psicólogos acesse: http://bit.ly/rba_mostra_psi REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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ENTREVISTA

A cultura éa

voz da alma Quinze anos depois do sucesso de Cidade de Deus, o escritor carioca Paulo Lins lança Desde Que o Samba É Samba e assinala: a perseguição à cultura negra prova que o racismo no país persiste

ERIC GARAULT

Por Allan da Rosa e Spensy Pimentel

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ENTREVISTA

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epois do sucesso de seu livro de estreia, Cidade de Deus, o escritor carioca Paulo Lins demorou nada menos que 15 anos para lançar sua segunda obra, Desde Que o Samba É Samba. O que não quer dizer que tenha passado por algum bloqueio criativo. Nesse período, Lins ganhou o mundo e se tornou um roteirista requisitado. Após a repercussão mundial da adaptação cinematográfica do livro em que elabora as memórias coletivas do bairro onde passou parte da infância, na zona oeste do Rio, o autor escreveu para vários filmes, como Quase Dois Irmãos, de Lucia Murat. Atualmente, é contratado da TV Globo e trabalha em projetos com diretores conceituados como Luiz Fernando Carvalho. Como escritor, Paulo Lins foi um dos precursores da onda de livros e filmes que abordam o universo das periferias, favelas e prisões brasileiras, chamada por muitos de literatura marginal, ou periférica – termos que Lins contesta. O que era alternativo virou mainstream? Hoje, Lins é contratado da Planeta, sexto maior grupo editorial do mundo. Desde Que o Samba É Samba é um romance que visita as fontes negras cariocas de quase 100 anos atrás para contar como surgiu essa que Lins considera uma “arte de vanguarda”. Afinal, como ele argumenta, o samba, em sua raiz, foi fruto da elaboração consciente de um grupo pequeno de artistas geniais, com manifesto e proposta estética cuidadosamente elaborados. Entre madrugadas de vivência e pesquisa em terreiros e malocas, ele revive também sua própria passagem, ainda jovem, por escolas de samba, como músico ou compositor. Em meio a prostitutas e malandros, centros de umbanda e rodas de capoeira, giram sambistas consagrados e intelectuais modernistas a desafiar a tênue linha entre real e ficção. Ícones da história de nossa cultura, como os músicos Bide e Ismael Silva ou o escritor paulista Mário de Andrade, brigam, compõem e sonham junto com os imaginários Brancura, sambista e cafetão, e o português Sodré, em comoventes disputas por amor e território. O resultado é um caldo grosso e saboroso, cozido a partir da memória coletiva negra da capital fluminense – e já pressagiando, como notaram alguns, a violência institucional que se consolidaria décadas depois, em tempos de Cidade de Deus. Leia a seguir os principais trechos da entre­vista concedida à Revista do Brasil no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro.

Você descreve o contexto de surgimento do samba, em que a herança negra era arma de resistência, formava consciências. Essa cultura depois vira uma espécie de ativo econômico. Tudo se dando em um pedaço empobrecido do Rio, onde acontecia toda uma luta pelo direito de ocupar a cidade. Como isso tudo se conjugava?

A maior luta que o ser humano pode ter é defender a sua cultura. A cultura é o espelho da nossa alma, é a própria alma da gente. Tem uma frase do Arnaldo Antunes: “O pensamento vem de fora e pensa que vem de dentro”. Você recebe a sua cultura dos seus avós, dos seus antepassados, da sua história, sua religião, sua fé. É a forma que você tem de confraternizar com seu povo, com seus antepassados, a sua religião, onde salva seus deuses. É a coisa mais forte que o ser humano tem. Se não tiver cultura, ele não é ser humano. É o que identifica, o que diferencia e une ao mesmo tempo os povos. Só que há um preconceito. A cultura da qual nós estamos falando é uma cultura do pós-escravidão. De homens libertos, que só tinham a ela como palma de salvação, para continuar unidos, fortes, adorar seus orixás. Eu amo todas as culturas. Sei que várias tiveram muitos problemas, foram perseguidas – pelo nazismo, por exemplo –, mas superaram. Acontece que até hoje a cultura do negro no Brasil é perseguida. E eles fizeram a escola de samba, a umbanda, o candomblé, debaixo de pancada. A polícia, o Estado, batia. O negro teve de se impor para continuar fazendo a sua congregação. “Um evento que congraça gente de todas as raças numa mesma emoção”, como diz o samba do meu compadre Luiz Carlos da Vila, da Vila Isabel. O carnaval, o samba, a umbanda, os terreiros de candomblé, tudo isso foi uma resistência que deu certo. O negro só conseguiu maior estabilidade dentro da sociedade brasileira através da sua cultura. Inventar o samba foi como dar um beijo na boca de um canhão. E hoje você tem aí os grandes astros, os nomes, as tradições, os monstros sagrados do samba, como Ismael Silva, Cartola, pessoas que nunca iriam aparecer por outra produção que não fosse a cultural. A mesma coisa que fizeram com o samba, hoje fazem com o funk e o hip-hop. É coisa de bandido... O preconceito contra a cultura e a religião negra continua. Eu não sei quando vai acabar esse racismo... Quando uma pessoa anda do seu lado e é racista, não gosta de negro, eu quero mais é que ela se dane. Agora, quando você não consegue emprego, quando as instituições, o Estado, são racistas, aí é que a coisa pega.

No Brasil, traficante pobre é mais vítima do que provocador de violência. Ninguém fala em tráfico de armas. E quem tem o controle? Polícia e Forças Armadas. Esse pessoal coloca armas nas favelas. E ninguém fala nada

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Todo mundo conta ainda que a religião da umbanda, o candomblé, é bruxaria – coisa que não existe. Bruxaria é uma coisa europeia. Ninguém é bruxo, o pessoal só quer saudar seus orixás, suas pombagiras, seus exus. Dizem que o Exu é o diabo. O diabo só existe lá na Igreja Católica, lá na Bíblia. Não existe diabo na umbanda e no candomblé.

Carnaval, umbanda, candomblé, samba, tudo isso foi uma resistência certeira. O negro só conseguiu maior estabilidade dentro da sociedade através da sua cultura. Inventar o samba foi beijar a boca de um canhão

Uma das facetas dessa interação entre cultura popular e mercado é o abafamento, o ocultamento da autoria. Muitos sambas tinham sua autoria vendida, por exemplo...

Sempre houve exploração. As classes mais privilegiadas sempre usufruíram do trabalho das demais. Na escravidão foi assim, no capitalismo é assim. A gente trabalha limpando tudo, fazendo as coisas mais chatas, repetitivas. Não é um trabalho produtivo, é um trabalho para o conforto do outro, um trabalho escravo. A mesma coisa foi na cultura. O normal era comprar a autoria do samba. Não vinha o nome da pessoa. Isso é uma falha da humanidade, não foi só o Francisco Alves que fez isso. Agora, ninguém foge da história. Quem é Francisco Alves, quem é Ismael Silva hoje? A história deu o troco. Ismael ainda conseguiu usufruir um pouco do trabalho do seu, porque morreu quase nos anos 1980. Mas os outros que venderam samba não tiveram essa possibilidade. Morreram pobres, assassinados... Temas ligados à periferia, ao morro, à favela, que há pouco tempo eram tabus, ganharam destaque. Da invisibilidade, passaram aos holofotes. Quando você publicou Cidade de Deus, a abertura para essa temática era uma. Hoje é outra. Houve uma virada na mentalidade?

Na verdade, não havia ninguém – nem o pessoal do samba – que se preocupasse muito com a questão do racismo no Brasil. O pessoal dos anos 1960, a turma mais engajada, que foi expulsa do Brasil, estava mais preocupada com o fim da ditadura, a liberdade de expressão. Se bem que dentro da questão da liberdade de expressão estava isso de você poder falar de favela... Você não conseguiria fazer um livro, um filme como Cidade de Deus na ditadura. Não passaria na censura. Depois que acabou a ditadura veio essa necessidade de escrever, pesquisar sobre isso. A própria academia não estava preocupada. Poucos foram os trabalhos sobre essas questões – agora tem um monte. 32

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O olhar de dentro também não existia – só a Carolina de Jesus mesmo. O pessoal começou a ler, desenvolver, muita gente lendo, escrevendo. Hoje na favela tem bandido, tem traficante, aquilo tudo, mas tem um pessoal que lê, estuda, produz essas coisas, corre atrás. Tem muito. Sempre teve. O pessoal sempre lutou. Em péssimas condições, mas sempre lutou. Só que não tinha visibilidade, o racismo não deixava... Você não conseguia emprego. Tem muita gente com 2º grau que trabalha na obra, trabalha de lixeiro, que fez faculdade e não consegue emprego. Puro racismo. A gente vive num país racista. Então, esse pessoal está sobressaindo. Tem tanta gente escrevendo agora, produzindo. Acima de tudo, pensando o Brasil de uma outra forma, botando isso no papel, pensando sua própria origem... O samba, o carnaval, essas invenções da resistência negra foram assimiladas, absorvidas pelo sistema?

A cultura tem o dom de se misturar. Isso é bom. Mas você está falando de poder, política, dominação – isso é outra coisa. Quando você vê o samba mudando, se adequando ao desfile, isso é normal, a cultura vai mudar sempre. Agora, o comando, o dinheiro, o show business, aí tem uma máfia que sempre domina tudo. Eles vão dominando, se apropriando para produzir grana, sem interesse nenhum de alma. Mas, de certa forma, muitos se beneficiaram. Você vê grandes cantores que vieram do nada, vários ritmistas que viajaram o mundo. O samba continua vivo na mão desses homens que vieram dali, isso passou de pai pra filho. É o caso do Diogo Nogueira, que é um excelente sambista, da Mart’nália, que cresceu ali no meio, Seu Jorge, que veio lá do Gogó da Ema... São pessoas que vieram da favela e hoje são relíquias, preciosidades do samba. E ao mesmo tempo a diretoria das escolas são pessoas de fora. Mas aí é política, que sempre esteve associada. E, de certa forma, o pessoal deixa. Em 2012, a Vila Isabel publicou anúncio à procura de negros para desfilar...

É, inimaginável... Mas na bateria tem negro, os passistas são negros, a porta-bandeira e o mestre-sala também. Aquilo que depende da essência do samba, de talento e de vivência, de aprender na infância, a maioria vai ser sempre o pessoal que está lá – independentemente de ser negro ou não, mas o pessoal da comunidade mesmo, que foi criado naquele meio. Agora, as coisas que precisam mais para merchandising, aí pode vir qualquer um, nego vai, paga uma grana, vai ganhar dinheiro, pinta e borda, toca um rebu e vamos embora (risos).


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A milícia foi uma coisa que a sociedade e os governos aprovaram. Isso começou lá no Rio das Pedras (no Rio), um grupo de policiais, com a expulsão de bandidos... Chamava-se “polícia mineira”. Agora, a coisa está nesse pé que é muito mais difícil de acabar porque tem pessoas do poder envolvidas. Não é um poder paralelo, é poder misturado, entranhado. São policiais, deputados que estão lá dentro. É um mal que a própria sociedade criou: tanto os ricos como a classe média, os pobres, a polícia, os governos: todos apoiaram as primeiras milícias porque matavam os bandidos e tal. E o pessoal não queria os bandidos, porque eles atacavam os pobres – sempre quem sofreu mais com a violência foram os próprios pobres, favelados. Outra coisa que não se fala muito: aqui no Brasil, o traficante pobre, que é um pobre coitado, é visto como o grande causador de tudo. Isso é uma mentira. O traficante é mais vítima que provocador da violência. Existe tráfico de drogas em Londres, em Barcelona, em Nova York, em Berlim, nas cidades mais ricas e mais organizadas do mundo tem tráfico, mas não tem essa matança toda. Por quê?

Porque não tem racismo como aqui, a maioria dos pobres não são negros, nordestinos, descendentes de indígenas como aqui – porque os indígenas sofrem como os negros, até mais. As pessoas mais renegadas, mais baixas da sociedade, são a mulher negra e a mulher indígena... Enquanto isso ninguém fala em tráfico de armas. Parece que não existe. E quem produz armas? São as fábricas oficiais, autorizadas. Quem tem o controle? A polícia e as Forças Armadas. Esse pessoal que manipula as armas, a fabricação, o controle, a distribuição. Esse pessoal é que coloca armas nas favelas. E ninguém fala nada. Eu fico um pouco nervoso com esse negócio... E colocam o traficante de drogas como se fosse um monstro. E não é. Monstro foi quem levou a arma para a favela e deu na mão de quem está com fome, triste, ferrado, abaixo da sociedade. Dá arma na mão de um adolescente que não entende por que é chamado de macaco o tempo todo, por que o pai dele não consegue emprego, por que a mãe dele tem de ser empregada doméstica, por que ele não tem uma profissão digna, não come direito, não tem um hospital bom, uma escola boa. Daí, pegam e dão um quilo de cocaína pra ele e dão uma arma. E ele vai fazer o quê? Vai sair dando tiro. Ele vai matar. E botam os policiais, que também são pobres, para brigar aí, junto...

Fica o poder colocando pobre com pobre pra brigar o tempo todo. Sabe? o Brasil é isso. O Brasil não presta. O Brasil é um país de merda. Desculpa eu falar assim... É que eu fico nervoso com tudo isso. E quanto às UPPs?

Sobre as UPPs... Fica esse governador, que é um enganador, esse prefeito... São dois yuppies fora de época, dois playboyzinhos, fazendo UPP, e a escola continua ruim. Como é que pode o pobre não ter uma escola? A escola tem de ser show, tinha de ser o maior investimento que se poderia fazer num estado. Tem de ter uma escola boa, um lugar aonde a criança vá e se sinta bem, seja acolhida, protegida, educada. A escola tem de ser um estandarte de cultura, de vivência, de jogos, de esporte, aquilo que o ser humano precisa de verdade. Há uma lógica espacial na configuração das UPPs. Isso tem a ver com o projeto da Olimpíada, da Copa...

Lógico, na questão deles. Tem de ter segurança quem sempre teve mais segurança. As áreas mais protegidas, que têm mais policiais, são as áreas dos ricos, esses caras não mudaram nada em relação a isso. A polícia, quando vai para as comunidades, vai para esculachar. Essa polícia não presta, está sempre a serviço de quem tem dinheiro. Sempre foi assim. Os hospitais estão aí, nego morrendo na porta, sem poder entrar.

FOTOS ERIC GARAULT

Você já escreveu sobre o Rio dos anos 1970, 1980, agora do início do século 20. E como avalia o Rio de Janeiro atual, com tráfico, UPPs, milícias, essa relação entre polícia e política?

A gente fala que o pobre tem de ler, mas o rico também, senão não seria tão arrogante. O que modifica o ser humano é o saber, poder compartilhar ideias, é a filosofia. Isso é o que torna um país diferenciado

Hoje, fala-se em uma “nova classe média”. Há uma mudança de fato no país?

Surgiu mesmo uma nova classe média no governo Lula, isso a gente não pode negar. Mas é muito pequena em relação ao que o Brasil precisa. E, também, é uma classe média que tem plano de saúde? Tem boa escola? Ou uma classe média que comprou um carro a prestação em 32 mil vezes, uma classe média que fica comprando os produtos que são anunciados na publicidade? Classe média é educação. A gente fala que o pobre tem de ler, mas o rico também, senão não seria tão arrogante assim. As pessoas que estão no mundo da leitura são um grupo muito pequeno. São poucas pessoas que são dadas às artes, à literatura. Isso é o que modifica o ser humano, é o conhecimento, é poder compartilhar ideias, é a filosofia, a poesia, a literatura. Isso é o que torna um país diferenciado. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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Baraldi e Zalla: homenagem ao veterano

MUITO ALEM Do terror ao jornalismo, HQs no Brasil driblam crises, extrapolam formatos, invadem livrarias e conquistam relevo como cultura pop Por Carlos Minuano 34

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ocê conhece alguém que vive de quadrinhos no Brasil? O argentino Ro­ dolfo Zalla, radicado no país desde 1963, responde que não. “É impossível, paga-se mal, e não apenas aqui, mas no mundo todo.” Apesar da afirmação, o prolífico quadrinista há mais de seis décadas dedica-se diariamente ao ofício. E é considerado um dos grandes mestres vivos das histórias em quadrinhos de terror – gênero que

fez sucesso principalmente nas décadas de 1960 e 1970. Aos 81 anos, Zalla nem pensa em parar. Acabam de chegar às livrarias novas crias do artista. Um dos lançamentos, Drácula, reúne oito histórias feitas para a antológica revista Mestres do Terror, do célebre vampiro criado pelo irlandês Bram Stoker. De brinde, o leitor leva ainda três inéditas, entre elas a primeira adaptação brasileira de O Convidado de Drácula, feita só a lápis. “É um texto muito pouco conhecido escrito por


TRABALHO

EM DO GIBI Stoker”, diz o desenhista. O conto foi publicado nos Estados Unidos após a morte do autor, em 1914. O pacote tem ainda o livro Desenhando Carruagens e um exemplar da revista Calafrio, que arrebanhou uma legião de fãs nos anos 1980 e voltou a ser editada, sob direção de Zalla, no ano passado, quando a revista completaria 30 anos. “Resolvemos retomá-la do número em que havia parado, em 1993, por isso voltou no 53”, explica. A revista é publicada trimestralmente e distribuída apenas em livrarias.

A extensa obra do veterano é homenageada no documentário Ao Mestre com Carinho, produção independente do quadrinista Marcio Baraldi. O filme busca reconhecer o que o autor considera a melhor geração da HQ nacional. “Zalla faz parte de uma turma que sempre lutou para que o quadrinho nacional fosse mais forte que o estrangeiro, o que infelizmente não aconteceu”, afirma. “Muitos da geração do Zalla já morreram, como Jayme Cortez, Claudio Seto, e pouca gente co-

nhece a história e a obra desses mestres”, diz o diretor. Logo que chegou ao Brasil, Zalla foi diretor de arte da Taika, editora voltada totalmente para a HQ brasileira, que produziu milhares de páginas de faroeste, super-heróis e terror. Depois lançou, já pela própria editora, a D-Arte, os gibis, Calafrio e Mestres do Terror, que duraram até o começo dos anos 1990. O artista ainda levou para os quadrinhos a história do Brasil e da humanidade REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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CULTURA

Cidade de Deus: o filme no papel Inspirado no livro homônimo de Paulo Lins, que acaba de completar dez anos, o filme terá uma versão em quadrinhos, encomendada pelo cineasta Fernando Meirelles. Quem assina o roteiro e os desenhos é o quadrinista e escritor MJ Macedo

para livros escolares, o que assegurou sua sobrevivência financeira. Zalla vê o momento atual com otimismo. “Ha uma nova onda de efervescência surgindo em torno dos quadrinhos, estão aparecendo selos novos, não tradicionais, independentes.”

É graphic novel!

Os quadrinhos conquistaram status de arte, sua linguagem amadureceu, incorporaram roupagens e seu formato há muito extrapolou o antigo e conhecido gibi. Um capítulo dessa mudança ocorreu há anos, nos Estados Unidos, segundo Álvaro de Moya, autor de vários livros sobre o assunto. Ele argumenta que os caminhos alternativos começaram a surgir, em parte, graças ao seu amigo, o americano Will Eisner (1914-2005), que teria enviado a uma editora americana de livros A Contract with God. Questionado pelo editor sobre o porquê do material, Eisner afirmou: “Isso é Graphic Novel!” (novela gráfica). O livro publicado nos Estados Unidos em 1978 deu mais relevo à arte dos quadrinhos no universo da cultura pop. As HQs começaram a ocupar espaço também nas livrarias. “Enquanto os quadrinhos das bancas depois de 40 dias voltavam em encalhe, esses mesmos 36

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quadrinhos encadernados ganharam vida longa nas livrarias”, explica Moya. “O The New York Times tem uma lista das graphic novels mais vendidas junto com a dos livros.” O caminho aberto pelos álbuns de luxo, iniciativa também reivindicada pelos franceses, com Tintim e Asterix, possibilitou o surgimento no Brasil de novos editores especializados em quadrinhos para livrarias. Crescem os espaços para a HQ e multiplicam-se os formatos. Adaptações de sucessos do cinema, por exemplo, que sempre foi coisa de blockbuster americano, em geral de super-herói, começam a servir também ao cinema nacional. Cidade de Deus, inspirado no livro homônimo de Paulo Lins, acaba de completar dez anos e terá uma versão em quadrinhos. Encomendada pelo cineasta Fernando Meirelles e coordenada pelo diretor Ricardo Laganaro, da produtora O2, a HQ deve ser lançada em dezembro. Quem assina o roteiro e os desenhos é o quadrinista e escritor MJ Macedo. “O Meirelles procurava alguém para ajudar na adaptação. Eu já havia esboçado um interesse anterior em ajudar, mesmo antes de saber que se tratava do Cidade de Deus. Quando percebi já estava conversando com o Laganaro e o próprio Fernando”, diz Macedo. “Tive de assistir

ao filme repetidamente e ir desmembrando as cenas. Ver o que funcionaria em narrativa ou diálogo. A ideia era ser bem fiel ao filme, mas era necessário averiguar o que funcionava nos quadrinhos. Às vezes uma tomada ou ângulo fica ótimo num telão, com vozes, atuação e trilha sonora, mas pode perder força numa página impressa.” Grande parte do material, segundo MJ Macedo, está pronta há quase um ano. A ideia era lançar na Bienal do Livro agora em agosto, mas problemas com direitos de uso de imagem, envolvendo de atores a figurantes, colocou o projeto na geladeira. “Meirelles achou melhor fazer um levantamento de quais pessoas autorizaram ter o rosto reproduzido, ou não, na HQ”, diz o quadrinista. A celebração em torno de Cidade de Deus não é pela simples efeméride de seus dez anos recém-completados. O filme foi um marco na retomada do cinema nacional, embora por meio de um modelo criticado por muitos, de coprodução com grandes majors americanas, que contam ainda com atrativos incentivos através de um artigo da Lei do Audiovisual. O longa de Meirelles também escancara em escala internacional a dura realidade dos morros cariocas, além de ampliar o foco sobre as comunidades periféricas.


CULTURA

Aliás, assunto muito familiar ao escritor Reginaldo Ferreira, o Ferréz, autor de Capão Pecado (editora Objetiva, 256 pág.). A vida nas quebradas paulistanas é o tema da HQ Desterro (editora Anadarco), que Ferréz lança em dezembro ao lado do quadrinista Alexandre de Maio. “A história mostra que não precisa morrer pra ser enterrado em São Paulo”, diz ele, que é fã de Cidade de Deus: “Do livro de Paulo Lins ao roteiro de Bráulio Mantovani, e a direção de Meirelles, todos mandaram muito bem. Abriram portas. O Brasil entrou de vez no ringue para mostrar que sabe fazer do seu jeito”.

nada pra uma entrevista totalmente escrita de uma revista, aliás, tem mais recursos”, defende o repórter. “Não são quadrinhos de ficção, as pessoas quando veem já perguntam: ‘Qual é o personagem’ ou ‘qual a historinha?’, pois estão acostumadas desde a infância a associar quadrinhos com heróis e coisas do tipo. E não. Não tem ‘personagem’”, ressalta CarlosCarlos. A dupla encara temas espinhosos, como a luta por moradia ou a “cracolândia”. Já fizeram reportagem com uma liderança que testemunhou o massacre de Corumbiara, sobre o genocídio dos Guarani-Kaiowá, o sistema carcerário, a violência contra jovens negros

escrito em placa de rua e afins”. E as mudanças não param. Desde o surgimento dos quadrinhos, muita coisa mudou. Reconhecidas como arte, hoje as HQs podem ser apreciadas até na parede de casa. A ideia era colocar os quadrinhos na casa das pessoas, como pôsteres de arte ou filme, segundo o pai da ideia, o desenhista Rafael Coutinho. “Percebi que todo mundo tem uma parte da estante reservada a quadrinhos no Brasil hoje em dia, mas na parede não tinha.” Com tanta gente produzindo quadrinhos, para estantes ou paredes, viver do ofício pode já não ser uma missão tão impossível. Wellington Srbek, da edito-

Sem herói ou vilão: pura realidade O quadrinista Alexandre de Maio juntou-se ao repórter CarlosCarlos, da TVT, para produzir HQs de não ficção para a revista Fórum. São entrevistas que se transformam em desenhos

Reportagem e quadros

De Maio está na ponta de uma das principais renovações da linguagem da HQ no Brasil, a reportagem em quadrinhos. Ele começou a produzir algumas matérias em quadrinhos com viés cultural no site Catraca Livre, pouco depois encontrou o jornalista (e videoativista) CarlosCarlos, repórter da TVT, parceira de conteúdo da Rede Brasil Atual. Juntos passaram a produzir um material mais denso, publicado mensalmente na revista Fórum. “O que a gente faz é uma entrevista que se transforma em desenhos, ou seja, não perde em

e pobres na periferia. Estariam eles reeditando em HQ a antiga parceria repórter-fotógrafo que marcou a época das grandes reportagens? A inspiração para as pautas, segundo CarlosCarlos, não vem do jornalista e quadrinista Joe Sacco, que consagrou o formato, cobrindo em HQs os bastidores de conflitos como o dos Bálcãs ou o drama dos palestinos sob a ocupação israelense. Mas a pegada “underground” é semelhante: “O que me inspira são os anônimos de toda parte, gente desconhecida que faz este país girar e crescer, mas não tem o nome

ra Nemo, atua na área desde 1996 e garante: “Nunca o mercado foi tão maduro e diversificado”. Srbek admite já ter havido produção maior, nos anos 1960, e que os quadrinhos tiveram grande relevância cultural nos anos 1970, mas a diversidade de gêneros e formatos encontrada hoje é inédita. Em parte isso se deve ao fato de que desde 2006 os quadrinhos fazem parte dos programas de compras de livros. Isso trouxe visibilidade, relevância e mais espaço para a HQ nas escolas, bibliotecas e nas livrarias. “Quadrinhos dá dinheiro e é hoje uma profissão no Brasil”, conclui. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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escola de ensino fundamental 15 de Novembro é a única do povoado de Cachoeira Grande, distrito de Poranga, CE. As pa­redes rachadas contrastam com uma sala de computadores de ponta. Os salários estão atrasados. Funcionários procuram a prefeitura e são informados de que o município não tem dinheiro. O professor Antônio Ribeiro, 60 anos, pega um mapa detalhado da Região Nordeste, com todas as cidades e distritos dos estados, e mostra para a reportagem um local entre o Ceará e o Piauí: “Olha, aqui é onde Cachoeira Grande deveria estar. No papel, não há sinal da sua terra. “Pode olhar, nós não estamos no mapa!” O lugarejo está mesmo num limbo. No papel, trata-se de um distrito de Poranga, município do Ceará, a 40 quilômetros dali. Todos votam na cidade cearense e a pouca estrutura recebida chega de lá. Mas parte do distrito é reivindicada por Pedro II, município do Piauí. A situação arrasta-se desde 1880, quando o imperador dom Pedro II assinou um acordo que previa a troca de terras entre Ceará e Piauí. Sem saída para o mar, os piauienses pediram uma compensação territorial dos vizinhos. Mas os estados nunca demarcaram oficialmente as divisas. Entre a população local, a área ganhou vários nomes: de Faixa de Gaza do Nordeste, usado por alguns jornais, até o mais usual, Zona de Litígio. Ainda que parte da imprensa local goste do título que faz referência à região em disputa no Oriente Médio, a comparação é descabida. A zona nordestina é muito maior – com cerca de 3.210 quilômetros quadrados, quase dez vezes o território disputado por Israel e pela Autoridade Palestina. Na Zona de Litígio caberiam duas vezes a área da cidade de São Paulo. São sete municípios afetados no Piauí e 13 do Ceará. Todos possuem ao menos um povoado com localização indefinida. Os piauienses são: Buriti dos Montes, Cocal, Cocal dos Alves, Luís Correia, Pedro II, São João da Fronteira e São Miguel do Piauí. Cearenses: Carnaubal, Crateús­, Croatá, Granja, Guaraciba do Norte, Ibiapina, Ipaporanga, Ipueiras, Poranga, São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará. 38

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Terra de ninguém Comunidades da Zona de Litígio entre Ceará e Piauí não sabem a qual estado pertencem, sofrem com falta de serviços públicos, seca e políticos que, em vez de resolver, se aproveitam da situação Por Guilherme Henrique Fotos Rafael Machado

1. Cocal 2. Pedro II 3. Cachoeira Grande 4. Poranga 5. Pitombeiras

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Fortaleza

5 Teresina

Ceará

Piauí


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SÍNTESE DO ABANDONO Cachoeira Grande: salários atrasados, transporte precário, asfalto interrompido, lixo aos porcos

Desde 1991, os estados intensificam negociações para resolver a questão. Enquanto isso, moradores ficaram por anos sem ajuda de governo estadual. A luz em povoados rurais de Luís Correia, no Piauí, e Poranga, no Ceará, chegou há menos de uma década. Quanto a serviços de saúde e educação, o problema foi pior. Se quisessem ir a escolas e hospitais, os habitantes tinham de se deslocar até as regiões mais próximas – ou mais acessíveis, já que as estradas são poucas. Com base nessa relação de proximidade, as pessoas foram se dividindo entre cearenses e piauienses. A maioria, de acordo com o Censo 2010, elegeu o Ceará como seu estado. O governo cearense, por sua vez, passou a enviar alguns poucos benefícios para esses moradores da divisa.

Poeira sem dono

A disputa atrapalha a chegada de recursos e do desenvolvimento. Uma tradução disso está bem na terra batida de Cachoeira Grande: o asfalto não chega porque não se sabe qual estado é dono do chão. Para quem sai do Piauí, o distrito fica na continuação da BR-404. Até o início da área de litígio, poucos quilômetros antes da entrada para Cachoeira Grande, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes do Piauí (DNIT-PI) asfaltou. Quando surge a placa da divisa, o piso some. E o DNIT-CE também não vai asfaltar o trecho. A partir dali, são centenas de quilômetros de terra. Esses caminhos tortuosos levam a Cachoeira Grande e desembocam em várias comunidades isoladas, aonde a cidadania ainda não chegou.

Às 9h do dia 19 de agosto, a lavradora Antônia de Souza, 33 anos, já está no segundo carrinho do dia. Sob sol forte, ela apoia os pés descalços sobre uma base de cimento, curva o tronco e puxa o balde preso à corda. Despeja a água em uma vasilha. A seguir, outro recipiente. Enche. Repete. Antônia, concentrada, permanece em silêncio. Completa com a quarta vasilha o carrinho de mão e o empurra por cerca de dois quilômetros até sua casa, despeja a água em baldes e, sem descanso, regressa. Até o meio-dia, serão mais quatro viagens. A água que Antônia puxa e empurra é preciosa: serve para que ela, o marido e os cinco filhos – de 6 meses a 12 anos – tomem banho, se alimentem e lavem as roupas. “Pra beber num dá.” Na manhã seguinte, realizará o mesmo ritual. O lugar onde mora remete a paisagens desérticas. A região enfrenta uma das piores secas dos últimos 60 anos. A água é um luxo. O problema é antigo. O centro de abastecimento, constituído por dois poços, nunca foi suficiente para as 167 famílias da localidade. Próximo à entrada do distrito, Antônio Almeida, de 44 anos, dono de um modesto armazém que vende de rações a artigos de limpeza, diz que ouve promessas desde 1981, quando chegou ao povoado. Não faz muito tempo, por mutirão da associação de moradores, as casas começaram a ganhar encanamentos. A “novidade” pouco adiantou. O abastecimento é fraco e dos canos só saem respingos. Na entrada de Cachoeira Grande, por contraste à situação árida, há uma imponente caixa d’água, uma espécie de monumento. “Falta só a água”, diz Raimundo Moreira, de 66 anos, tesoureiro da associação de moradores. Quem pode faz um poço particular. Depois de economizar por alguns anos, Antônio Almeida perfurou uma porção de terra atrás de sua casa. “Não é o ideal, mas ajuda”, diz, em sua vendinha, abastecida de refrigerantes e água mineral. “O pessoal aqui não tem dinheiro. Mas tem uma festa semana que vem e vem gente de fora.” (Na semana seguinte, por conta da campanha eleitoral, haveria um evento regado a música e comida de graça.) REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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Isolamento

Poranga tem cerca de 12 mil habitantes. Um terço sobrevive da lavoura em povoados distantes uns dos outros. Gonçalo Correia de Melo, de 58 anos, mora na comunidade de Arraial, junto com outras 70 famílias. Sentado à pouca sombra, na pausa para o almoço, ele diz que não se lembra de estiagem pior que essa. “Este ano não deu pra pegar nem um pouco de feijão.” A escassez se repete pelos arredores. Poranga é uma das 171 cidades cearenses (de 184) em situação de emergência por conta da seca. No Piauí, são 191 de 224. Árvores sem folhas, plantações sem cor, bois com as costelas à mostra e animais mortos na estrada são imagens comuns. São retratos de um profundo isolamento. A relação entre prefeitura e comunidades rurais é sedimentada por interesses bem claros. Além de os trabalhadores do campo serem grande parte do eleitorado, o município precisa mantê-los em sua posse para receber verba maior dos governos federal e estadual. Vem daí tanta disputa pela Zona de Litígio. Os repasses do Fundo de Participação dos Municípios para a prefeitura variam de acordo com o contingente de habitantes. Quando a eleição municipal se aproxima, a campanha é voraz. Em agosto, já era possível ver o embate em Arraial, Cachoeira Grande e Pitombeiras, pertencentes a Poranga e inseridas na Zona de Litígio. De um lado, pessoas se ofereciam para pintar casas com cores do PSDB e o nome do candidato, Dr. Cárlisson. Em resposta, o opositor, Professor Adriano (PP), pintava casas e distribuía cartazes. O lavrador José Teixeira, de 53 anos, alto e magro, com boné de candidato de eleições passadas, deixou sua casa ser pintada. “Faço isso por consideração. Não sou ligado em política”, diz. Teixeira vive com a mulher e um filho. Neste ano, plantou milho e feijão. Perdeu “95%” por causa da seca. Estima em “uns R$ 200” a sua única fonte de renda, o Bolsa Família. “Não tá dando pra viver, não”, diz, com voz pacata. No povoado de Pitombeiras, os aposentados Nasteriano Gregório de Neto, de 73 anos, e Santiago Bezerra, de 94, dizem que as visitas de autoridades acontecem de quatro em quatro anos. 40

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ÁGUA É LUXO Antônia percorre 20 quilômetros todos os dias para levar água para casa


FOTOS RAFAEL MACHADO

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lias identificadas como pobres em Poranga são atendidas pelo Bolsa Família, com benefícios de R$ 150 em média. Em Saudoso, comunidade entre Cachoeira Grande e a zona urbana de Poranga, Lúcia Bezerra Britto, de 55 anos, conseguiu há 15 uma vaga como auxiliar na escola local por um concurso oral. Em agosto, estava há quatro meses sem receber. “Colam avisos no mural falando que não tem dinheiro.” Merendas também não chegam. As crianças reclamam. Quando pode, Lúcia leva algo de casa para oferecer. Mas não consegue resolver a falta de água. “Não tem nem para minha família”, diz, ao lado do marido, Chico, um lavrador que perdeu a safra, e da filha mais nova, de 23 anos, que acabou de ser mãe. Sem lavoura, sem salário e sem água, ela e o marido dependem da ajuda dos filhos. Três estão em São Paulo, uma no Rio de Janeiro. Todos os dias, ela recebe ligações deles pelo celular – um bem que nunca falta na região. O que mais ajuda trabalha como porteiro em um prédio.

Identidade dividida

A VELHA POLÍTICA DA SECA Gonçalo mora na comunidade de Arraial, junto com outras 70 famílias: “Este ano não deu pra pegar nem um pouco de feijão”

“Nesses últimos oito anos, o prefeito veio aqui uma vez, para abrir torneiras e derramar água”, conta Nasteriano. “Às vezes dão tantos mil pra garantir tantos votos”, diz Santiago. Também é prática corriqueira prometer empregos, vagas em concurso e materiais de construção. “Aqui todo mundo sabe quem vota em quem, quem apoia quem”, diz uma professora da comunidade rural, que prefere não se identificar. Ela afirma que, na escola na qual trabalha, não se recebe salário há meses e, mesmo assim, ninguém reclama. Temem perder os poucos benefícios que têm. Todas as 2 mil famí-

No centro urbano de Poranga, as obras do hospital estão paradas. Outros projetos, como quadras poliesportivas, também. Em ano eleitoral, o que não cessa são as promessas. O que não é de todo ruim. Os cabos eleitorais ganham uma ajuda financeira que chamam de “simbólica” para trabalhar na campanha – um salário mínimo, valor nada simbólico para a região. Além disso, os favores pré e pós-eleição, além dos empregos públicos proporcionados, têm grande influência na realidade socioeconômica de cidades como essas. “Ele veio aqui e disse que a gente não morava mais no Ceará.” A aposentada Isabel Inácio do Nascimento, de 66 anos, não lembra bem quando nem como. Sabe que foi entre novembro e dezembro de 2011, o tempo estava seco, a temperatura acima dos 35 graus. Ela se recorda somente de uma prancheta, onde ele anotava tudo o que via. “Foi isso: chegou aqui e falou que agora éramos do Piauí”, diz. “Mas como, sendo cearense toda a minha vida, agora vou ser do Piauí?” Ela balança a cabeça, enérgica, e gesticula violentamente: “Nunca! Nunca!”

Moradora do povoado de Sumaré, Isabel não sabe dizer, hoje, a qual estado pertence. Desde criança vive na mesma casa rústica, à beira da estrada de terra, que diziam ser do distrito cearense de Viçosa. Na hora de procurar serviço, ainda que tivesse de se deslocar por muitos quilômetros, de carona em carro ou moto, sempre foi recebida no Ceará. Desde os últimos dados do IBGE – ao qual o “homem de prancheta” pertencia –, porém, ela e as mais de 20 famílias dali foram contabilizadas como habitantes do distrito de Cocal, no Piauí. Os moradores do povoado acreditam que, se passarem para o Piauí, a condição de vida, que já não é boa, vai piorar. “Em Cocal, o posto médico é difícil, falta doutor”, diz José Nascimento, de 30 anos, filho de Isabel. As famílias também temem, sendo cocalenses, perder os benefícios do vale-leite e o transporte escolar. Isabel mora com o marido, o filho, a nora e dois netos: uma de 4 anos e um de 8, com deficiência mental. Hoje, eles têm direito a um transporte escolar para o garoto que passa na porta de casa ao meio-dia, de segunda a sexta-feira, levando-o até Juá, cidade do Ceará. “Deus me livre do Piauí!”, diz Isabel. Situação inversa ocorre nos povoados rurais que pertenciam a Cocal. Os habitantes foram notificados, de modo informal, que passariam a integrar o município de Granja, no Ceará. Em Conduru a notícia foi mal recebida. A diminuta população reclama que o acesso a Granja é difícil. Não há estrada do povoado até a cidade. Para ir a um hospital, teriam de percorrer quase o dobro do caminho que fazem até Cocal da Estação ou Viçosa. De certa forma, todos os moradores da área de litígio estão acostumados com uma busca dividida de serviços. Dependendo da necessidade, da urgência e da distância, deslocam-se para um estado ou para outro. Em meio a isso, há ainda uma identificação afetiva. Os moradores só abrem mão de sua identidade estadual em troca de mais acesso a serviços essenciais. Do contrário, preferem deixar como estava antes de o IBGE passar. “Apesar do sofrimento, sou piauiense”, resume a lavradora Francimeire Alves Vieira, de 39 anos, de Conduru. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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Apesar do sofrimento, sou piauiense Francimeire Alves Vieira, de Conduru

Cocal lembra Poranga pelos problemas que enfrenta. Sua comunidade rural é maioria (53% dos pouco mais de 26 mil habitantes). Desse grupo, nenhuma residência, de acordo com o IBGE, possuía saneamento básico adequado em 2010. A gestão pública também é problemática. O ex-prefeito José Maria Monção (PTB), que exerceu mandato até 2008, teve recen-

temente pedido de prisão decretado pela Justiça por irregularidades na prestação de contas identificadas pelo Tribunal de Contas do Piauí. Já o último prefeito eleito, Fernando Sales, teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral em julho por infidelidade partidária. Eleito pelo DEM, mudou para o PSB. Sales recorreu e ganhou o direito de reassumir.

Ao voltar, na segunda semana de setembro, acusou um rombo de mais de R$ 200 mil que teria ocorrido durante os dois meses de mandato do vice, Chico Preto (PSD). “Depois de observar os extratos bancários da prefeitura tomei um susto”, disse Sales ao diário piauiense O Dia. De acordo com o advogado do prefeito, Raimundo Júnior, o dinheiro sacado era proveniente do Fundo de Manutenção e Desen­volvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Enquanto governava, Chico Preto havia dito à reportagem que a cidade sofria com más administrações e que a maior parte da população buscava atendimento em outra cidade, outro estado, por falta de investimentos da área da saúde. “O pessoal diz: ‘Se vocês são do Piauí, por que vêm pra cá’? Eles são constrangidos.” O povo que está na área do litígio, segundo Preto, só é do Piauí para tratar de documentação e de escola – “todas em péssimas condições”. Reportagem selecionada pelo Concurso de Microbolsas da agência Pública – http://apublica.org –, em parceria com a Rede Brasil Atual.

O Ceará entrou no Piauí A confusão sobre a qual estado os habitantes da Zona do Litígio pertencem aumentou devido a uma mudança no método do IBGE. No ano passado, o instituto resolveu fazer medições dos limites das cidades. Segundo Pedro Soares de Silva, supervisor de informações do IBGE no Piauí, tentouse estipular, com base em documentos históricos, onde começava e terminava cada estado. A conclusão foi que o Ceará entrou no Piauí. Mas ele esclarece que as linhas traçadas para demarcar a divisão do território valem apenas para o Censo. 42

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Uma demar­cação oficial para valer requer uma lei federal que resulte de um acordo avalizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desde 1991 os dois estados decidiram intensificar as negociações. Pouco se avançou. A conversa foi retomada em 2003 e uma proposta de acordo foi apresentada em 2008. O ritmo do processo seguiu lento e o governo do Piauí ingressou em 2011 com ação civil no Ministério Público Federal, reivindicando área de 2.821 quilômetros quadrados hoje informalmente do Ceará. A Advocacia-Geral da União passou a mediar o caso.

INTERMINÁVEL Isabel, identidade sub judice

Os dois estados voltaram a dialogar e farão, ainda em 2012, uma “experiência”, segundo o procurador-geral do Piauí, Kildere de Carvalho Souza. Serão feitas, com a ajuda do IBGE e do Exército, medições detalha-

das de uma fatia de terreno disputada entre Poranga e Pedro II para obter as linhas divisórias de cada estado. Se ambos concordarem com os resultados dessa etapa, que envolve apenas um pequeno trecho do litígio, o método tende a ser aplicado nas demais áreas. A partir daí, bastará o aval do STF. Caso os estados não concordem, Isabel continuará sem saber em que estado mora, as pessoas vão conti­ nua­r a se deslocar de um estado para o outro atrás de serviços públicos básicos e as terras continuarão sendo de ninguém.


DE SEGUNDA A SEXTA, DAS 7H ÀS 9H

EM CASA ,

NO CARRO, NO ÔNIBUS

A M A R G O PRO

O S O T S O MAIS G

à H N A M A U DA S ,3 93 FM

L RA STA O LIT ULI PA

,9 98

E ND AULO A GR O P SÃ

2,7 0 1

E EST A O R T NO ULIS PA


VIAGEM

Afilhados do 44

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VIAGEM

Devotos deixam mensagens, fazem pedidos ao padrinho e até colam santinhos de campanha política

sertão A força do “Padim” ainda atrai a Juazeiro do Norte (CE) fiéis de todo canto. O pau de arara deu lugar a ônibus confortáveis e, pelas ruas, casas e pousadas estão cheias de gente Texto e fotos Léo Drumond

“E

m Juazeiro tempo bom, 37 graus.” Com esse anúncio, chego à terra de Padre Cícero esperando duas coisas: muito calor e muita gente. É tempo de Romaria de Nossa Senhora das Dores, e a cidade está repleta de fiéis. Padre Cícero deixou um importante legado para o município de Juazeiro do Norte: o público da peregrinação religiosa durante o ano, nas suas cinco romarias tradicionais, gira a economia, fazendo com que a cidade seja hoje um grande centro urbano com 250 mil habitantes. Juazeiro fica no Vale do Cariri, uma região fantástica no sul do Ceará com uma história bem anterior à fé que hoje move montanhas de fiéis. Existem vários sítios arqueológicos nos arredores, e a cultura regional também é muito forte por lá, representada por músicos, gravadores, grupos folclóricos e um belíssimo artesanato. Mesmo com toda essa riqueza, a cidade ficou conhecida em todo o Brasil por seu personagem mais ilustre. Cícero Romão Batista foi padre, político, protetor dos pobres, REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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VIAGEM

amigo dos coronéis, reverenciado pelos cangaceiros e messias. Há muito a lenda já ultrapassou o homem, e não existe uma só pessoa na cidade que não tenha uma história pra contar sobre o “Padim”. E, em tempos de romaria, o que não falta são ouvidos para elas. Além das histórias, seu nome está por todo lado: comércio, ruas, praças, monumentos, imagens e placas reforçam a todo momento a reverência do local pela figura de cara fechada que arrasta multidões para o calor do sertão. Os fiéis vêm de todo canto, com forte presença de cearenses e pernambucanos. O pau de arara deu lugar a ônibus confortáveis e, pelas ruas, casas e pousadas estão cheias de gente. A romaria, todo mês de setembro, tem seu auge no dia 15. Eles peregrinam pela cidade, pelas inúmeras igrejas e locais de devoção, e os mais fervorosos fazem a pé a caminhada de sete quilômetros até a Colina do Horto, onde se encontra a imponente estátua de 27 metros de altura a vigiar a região. Devotos deixam mensagens, passam três vezes sob a base da bengala, fazem pedidos ao padrinho e até colam santinhos de campanha política. A romaria se encerra com uma procissão que percorre o centro da cidade com

certa dificuldade, pois é grande o número de pessoas. Mas é uma multidão tranquila, paciente, que aos poucos vai abrindo espaço e tudo flui com muita naturalidade, proporcionando um belo e calmo espetáculo. No rosto das pessoas, percebo um misto de alegria e cansaço, pois o dia seguinte é tempo de arrumar as coisas e partir, algumas para bem longe. A energia gerada por tantas pessoas em uma fé coletiva atrai o olhar dos fotógrafos desde sempre, e no Brasil não faltam mestres nessa arte. Parte do romantismo desses eventos, porém, está acabando. As pessoas em trajes “sertanejos”, se fartando de comidas “típicas” e comprando “artesanato” local estão desaparecendo. O traje virou malha, a comida é batata frita e o artesanato é “made in China”. A ordem natural das coisas, dizem alguns; mas, esteticamente, o que vi foi a transformação de uma cultura regional em uma cultura padronizada, de quinquilharias. A fé, entretanto, permanece. E mostra que a força que emana dessa região incrível não se dobra às mudanças e ao tempo. O espírito do Padim ainda ecoa soberano nessa terras. E, com ele, a resistência do sertanejo se mantém. Mas até quando?

Romaria da Nossa Senhora das Dores

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Oásis Ceará

MA

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Juazeiro do Norte

RN PB PE AL SE

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A região do Cariri ficou nacionalmente famosa no final dos anos 1950. A canção O Último Pau de Arara – embora inspirada numa região fértil e bem servida de verde e de chuvas – tornou-se uma espécie de hino a explicar a dor do nordestino quando tem de deixar sua terra para buscar a sobrevivência no Sul/Sudeste e a celebrar seu orgulho e autoestima: A vida aqui só é ruim Quando não chove no chão Mas se chover, dá de tudo Fartura tem de montão Tomara que chova logo Tomara, meu Deus, tomara Só deixo meu Cariri No último pau de arara Enquanto a minha vaquinha Tiver o couro e o osso E puder com o chocalho Pendurado no pescoço Vou ficando por aqui Que Deus do céu me ajude Só deixo meu Cariri No último pau de arara Quem sai da terra natal em outro canto não para Só deixo o meu Cariri No último pau de arara (...) Pela riqueza poética, harmônica e histórica, ficou conhecida na voz de músicos como Luiz Gonzaga, Fagner, Gilberto Gil, Clara Nunes, Maria Bethânia, Jair Rodrigues, entre outros. A obra-prima, de 1956, é de Venâncio & Corumbá, uma das mais longevas duplas caipiras do país (trabalharam juntos de 1928 a 1968), acompanhados na composição por José Guimarães. A dupla saiu de Pernambuco em 1940, fez sucesso em programas da antiga Rádio Nacional, se estabeleceu em São Paulo e foi ativista da divulgação e da preservação da cultura e dos ritmos sertanejos nordestinos.


ENQUETE

De Juninho a Neymar Em Praia Grande, no litoral de São Paulo, o garoto esbanjava talento no time de várzea do Jardim Glória Por Enio Lourenço

A

reportagem do Jornal Brasil­ Atual foi a Praia Grande, no litoral sul paulista, conhecer de perto a história de amigos de escola, vizinhos e ex-técnicos que viram Neymar da Silva Santos Júnior, o então Juninho, surgir e crescer para o futebol. A reportagem especial, publicada em setembro na edição regional Itanhaém do jornal, traça um perfil pouco visto do jogador mais popular do Brasil. Nascido em Mogi das Cruzes (SP), Neymar teve infância nômade devido às empreitadas futebolísticas do pai. Antes de a família desembarcar na Baixada Santista, morou em Várzea Grande (MT). Quando Neymar pai foi campeão estadual com o Operário Futebol Clube, em 1997, Juninho tinha 5 anos. A família ainda morou em São Vi-

Jonathan: colega no time da escola

Envie mensagem com sua opinião para carta@revistadobrasil.net. O melhor argumento selecionado pela redação ganha uma assinatura anual da Revista do Brasil. ( )É o melhor do país, mas a superexposição o compromete e jamais será ídolo absoluto. ( ) J á é ídolo. O público sabe que sem contratos de publicidade seria impossível mantê-lo. ( ) F az muito drama, por isso nunca será respeitado pelos árbitros nem pelos adversários. ( ) S erá cada vez mais difícil pará-lo e será o principal nome da Copa em 2014.

PAULO WHITAKER/REUTERS

ENIO LOURENÇO/JORNAL BRASIL ATUAL

O que você acha dele?

cente antes de se fixar no Jardim Glória, periferia de Praia Grande. Foi lá que o menino se habituou a fazer do futebol o seu estilo de vida. “Cheguei a ter 50 bolas em casa”, contou numa entrevista a uma emissora de TV local. O garoto conciliava estudos com a brincadeira. Foi na escola municipal Tio Baptista que tomou gosto por ser vencedor. O amigo de infância Jonathan Santos Marcelino, hoje com 20 anos e repositor em uma transportadora de tintas, lembra: “Fomos campeões dos jogos escolares. Foi uma época muito boa”. Juninho era vizinho do Grêmio Praia Grande e jogou na várzea. “Era ­tímido, falava pouco, mas no campo era ­diferente. Não existia timidez. Nem os g­ arotos mais velhos conseguiam segurá­-lo”, conta o mecânico Eugênio S­ ilva R ­ osa, o Biro, seu então técnico. Biro lembra que Roberto Antônio dos Santos, o Betinho – olheiro santista que revelou Robinho e depois levou à Vila Belmiro o rapaz que se tornaria Neymar –, esteve “umas v­ezes” no campo do Grêmio. “Pouco depoi­s o Neymar já jogava nas categorias de b­ ase do Santos.” Biro lamenta que o astro da seleção brasileira fale pouco de seu passado no ­Jardim Glória. Em todas as ruas do b­airro, ­nomeadas por letras, sempre se encontra ­alguém que tenha alguma lembrança do garoto que falava baixo e para dentro, mas fazia os outros gritar por ele. Aos 13 anos, Neymar despontava nas cate­gorias de base do Santos, chamou a atenção de olheiros europeus e foi convidado a fazer estágio no Real Madrid. O ex-preside­nte do alvinegro praiano Marcelo Teixeira ofereceu à família Silva Santos R$ 1 m ­ ilhão em luvas para manter o jogador no Brasil. No ano seguinte, Neymar Jr. passaria a ganhar cerca de R$ 25 mil mensais. A reportagem completa saiu na edição de setembro do Jornal Brasil Atual – Regional Itanhaém. E pode ser conferida no site da Rede Brasil Atual. O atalho é http://bit.ly/jba_neymar REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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CURTA ESSA DICA

Por Xandra Stefanel Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar

Caos e pérolas

Em três décadas de jornalismo, literatura e, por que não, de ativismo artístico, Ademir Assunção colheu muitas pérolas. Algumas delas foram publicadas em Faróis no Caos (Edições Sesc SP, 408 pág.), uma coletânea de entrevistas feitas de 1985 a 2011 que retrata poetas, músicos, atores, escritores e artistas plásticos considerados “radicais”. Glauco Mattoso, Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Caetano Veloso, Chacal, Jorge Mautner, Arnaldo Antunes e Grande Otelo, entre outros, compõem uma diversidade artística tão rica quanto a trajetória de Ademir, autor de outros sete livros, letrista, jornalista experimentado e um dos editores da revista de criação literária Coyote. Essa bagagem é o diferencial do livro, em que parte dos entrevistados compartilha com o autor as mesmas visões de mundo e da arte. R$ 55, em www.lojasescsp.org.br.

Soy loco por ti, Gil

Para celebrar os 70 anos de vida e os 50 de carreira de Gilberto Gil, o poeta e designer gráfico André Vallias preparou a exposição GIL70, com 21 obras de vários gêneros feitas por 25 artistas de quatro gerações. Pintura, grafite, vídeos, fotos, escultura, poesia virtual, instalações e displays interativos estão espalhados pelo Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro, até 28 de outubro. Para quem está longe da capital carioca, em breve deve ser lançada na web uma antologia com textos escritos por Gil, trechos de entrevistas e uma coletânea de crônicas escritas especialmente para a refestança por Rita Lee, José Miguel Wisnik, Fernanda Torres, Jorge Mautner, entre outros. De terça a domingo, das 12h às 19h, na Rua Visconde de Itaboraí, 20. Grátis.

Muito Ben

O nome da cidade Nomes intrigantes e poéticos de cidades, como São José dos Ausentes, Amparo, Descalvado, Milagre, entre tantos outros, são o tema do livro Bem-vindo: Histórias com as Cidades de Nomes Mais Bonitos e Misteriosos do Brasil (Ed. Bertrand, 126 pág.), organizado por Fabrício Carpinejar. Ele reuniu grandes autores nacionais para escrever contos sobre cidades que têm belos (ou estranhos!) nomes. Lygia Fagundes Telles partiu para Descalvado, Marçal Aquino escolheu Amparo e Sergio Faraco foi para Vila Rica, hoje Ouro Preto. Altair Martins, Cíntia Moscovich, João Anzanello Carrascoza, Luís Ruffato, Luiz Vilela, Maria Esther Maciel e Ronaldo Correia de Brito também estão na coletânea. Um livro para saborear de uma só vez ou em pequenas porções. R$ 25.

Já faz dez anos que Jorge Du Peixe, Lúcio Maia, Pupillo e Dengue ‒ todos integrantes da Nação Zumbi ‒ formaram a banda Los Sebosos Postizos e se apresentam ao vivo com um repertório todo composto por canções de Jorge Ben Jor. Em setembro, lançaram seu primeiro álbum, Los Sebosos Postizos Interpretam Jorge Ben Jor (em CD pela Deck e em vinil pela Polysom). Rosa, Menina Rosa, Os Alquimistas Estão Chegando, O Telefone Tocou Novamente, O Homem da Gravata Florida, entre outros sucessos, chegam com sotaque de Recife e gingado do mangue. Preço sob consulta. 48

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Marlene Bergamo clicou chineses em Nova York

Imigrações

O fotógrafo norte-americano Tyrone Turner registrou imigrantes no Bom Retiro, em São Paulo

Como vivem e quais são os impactos causados pelos imigrantes no Brasil e nos Estados Unidos? A fotógrafa brasileira Marlene Bergamo fez um ensaio sobre a recente onda de imigração na cidade de Nova York, mais especificamente no Bronx, em Manhattan, Harlem e Staten Island. Tyrone Turner, da National Geographic, esteve no Brasil para retratar imigrantes que vivem no Bom Retiro, Brás, Glicério e Pari, em São Paulo. As imagens compõem a quarta edição do festival Herança Compartilhada, em cartaz no Sesc Bom Retiro. Uma projeção audiovisual apresenta imagens de outros fotógrafos sobre o mesmo tema, algumas delas de autoria de Paulo Pepe, colaborador frequente da Revista do Brasil. De terça a sexta das 9h às 20h30, sábado das 10h às 18h30 e domingo e feriado das 10h às 17h30. Al. Nothmann, 185 – próximo ao corredor da Av. Rio Branco. Grátis. Até 16 de dezembro.

Sonho de Candinho

Os murais de Guerra e Paz, de Candido Portinari, ficaram à disposição do público brasileiro de dezembro de 2011 até maio deste ano, quando deixaram o Memorial da América Latina, em São Paulo. O livro Candinho – E o Projeto Guerra e Paz (Cia. das Letrinhas, 48 pág.), de Sávia Dumont, conta para as crianças a história do pintor e dos murais. Sávia e seus irmãos Demóstenes, Ângela, Antonia, Marilu e Martha se basearam nos estudos de Portinari para criar os bordados desse livro, que apresenta aos pequenos o desejo de Candinho (como era conhecido na infância) de ver a paz disseminada pelo mundo. R$ 32,50. REVISTA DO BRASIL OUTUBRO 2012

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MOUZAR BENEDITO

O Saci tem um nome a zelar

S

ei o que muitos vão dizer de mim: “Ele está com inveja”. Mas já andava remoendo há meses sobre a nossa proposta da Sociedade dos Observadores de Saci de colocá-lo como mascote da Copa do Mundo de 2014. Nas minhas conversas desde meados do ano passado, tenho dito que, se a Copa for mal organizada ou se a seleção brasileira for vagabunda como a que jogou na África do Sul, “a seleção do Dunga”, era melhor que o Saci não fosse escolhido. Seria uma desmoralização para o nosso personagem, e digo sempre que o Saci tem um nome a zelar. Quando o propusemos como mascote, sabíamos que dificilmente seria escolhido. Um dos motivos principais é que ele é um personagem pronto, acabado, há milhares e milhares de desenhos do Saci, de pequenas esculturas e tudo o mais. E este é o problema: não daria tanto lucro à Fifa e à CBF. A prova veio com a notícia de que o escolhido foi o tatu-bola. Nada contra o tatu-bola. É um ser brasileiro muito interessante, ameaçado de extinção. E tem a ver com futebol por se transformar em bola – forma de defesa contra predadores. Isso com os predadores não humanos, que desistiam de comê-lo por não conseguir furar sua carapaça. O tatu-bola, chamado de tatuapara, “tatu encurvado” em tupi, não estava preparado para o predador humano, que tem mãos, pega a bola e leva para um lugar em que em algum momento ele tem de voltar à forma normal para se alimentar. Quem sabe o seu papel de mascote proporcione algum dinheiro para projetos 50

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preservacionistas. Migalhas, talvez, mas melhor do que nada. E é bem melhor do que alternativas como a babaquice proposta pelo prefeito do Rio, de que a mascote fosse o Zé Carioca, personagem de gibi criado durante a Guerra Fria, pelos estúdios Disney, para mostrar que os gringos olham para o seu quintal, a América Latina, da qual somos parte. É um personagem do imperialismo, que daria royalties para os gringos, e é preciso lembrar que a Copa não é carioca, será no Brasil todo. Agora, voltando à CBF e à Fifa, vejam que tomaram todos os cuidados e registraram patente para ninguém poder usar o tatu-bola sem pagar, para que essas entidades e seus dirigentes se encham de grana. Fora o pagamento de algum estúdio para “bolar” o desenho do personagem (quanto será?), haverá um desenho oficial da mascote. Quem ousar fazer qualquer coisa com ele, paga! E se fosse o Saci? Entre os muitos desenhos já prontos dele, há um, por exemplo, feito pelo Ohi, em que do seu cachimbo saem bolhas de sabão que viram bolas de futebol. Muitos ilustradores e desenhistas amadores fariam seu próprio Saci futebolístico. E isso não interessa à Fifa nem à CBF, não é? Por falar nisso, a Fifa mete o bedelho em tudo. Se ela quer estádios assim ou assado, por que ela mesma não faz os estádios? Não! Nós fazemos, eles não gastam nada e ficam com os lucros. Viramos colônia da Fifa? Enfim, o tatu-bola – fora essas questões comerciais e a ganância de instituições ditas esportivas – é um bom personagem. Mas, se escolhessem o Saci, o Brasil lucraria muito com o despertar da curiosidade pela nossa cultura popular, provocando estudos aqui e a divulgação, no exterior, de outros aspectos de nossa cultura. Todos os meus amigos que viajaram para o exterior e usaram lá uma camisa com o desenho do Saci despertaram curiosidade, muitos quiseram saber sua história e quiseram camisetas iguais. Lembro do Cauê, um sol criado especialmente para ser mascote dos Jogos Pan-Americanos do Rio. Nunca despertou nenhum interesse em ninguém. Mascote só funciona quando tem relação estreita com a cultura de um povo. Finalmente, torço para que a Copa seja bem organizada e tenhamos uma seleção digna. Que honre o tatu-bola e ajude a preservar esse animal tão brasileiro.


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